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O RESGATE DA POESIA E DA ORALIDADE NA MODALIDADE DECLAMATÓRIA
Coleta Vieira Batista1
RESUMO
O presente estudo, fomentado pelo Plano de Desenvolvimento Educacional - PDE, da Secretaria de Estado de Educação do Paraná, tem como temática “O resgate da poesia e da oralidade na escola”, focando, neste contexto, a leitura, interpretação de poemas e a oralidade na modalidade declamatória. Trata-se de uma abordagem com o objetivo de resgatar, na escola e no seu entorno, a importância que a poesia tem na formação de um aluno cidadão, compromissado, participativo e responsável pelas mudanças sociais desejadas na construção de um mundo mais humano e justo. A prática pedagógica de resgate da poesia e da oralidade foi desenvolvida num colégio da rede estadual de ensino, da cidade de Ponta Grossa, PR, abrangendo alunos do Ensino Médio, tendo como eixo articulador a busca por metodologias alternativas, construídas individual e coletivamente, possibilitando ao aluno a expressão de suas idéias com clareza, fluência, desinibição e criticidade. A Teoria Literária foi o fundamento para o acesso ao conteúdo proposto e ao processo vivenciado. A poesia revela sensibilidade e está ligada ao desenvolvimento da criatividade, da expressividade, e também da compreensão da linguagem, favorecendo os diferentes níveis de leitura: sensorial, emocional e racional. Sendo assim, a leitura, a interpretação e a declamação de textos poéticos, configuraram-se como fonte de aprendizagem e contribuíram para o desenvolvimento do senso crítico, construído por meio de leituras de poemas, discussões sobre a temática abordada, favorecendo o desenvolvimento da autonomia, da independência intelectual e do compromisso social. Palavras-chave: Poesia. Oralidade. Modalidade declamatória.
Résumé: Cette étude, soutenue par le Plan de développement de l'éducation - PDE, le Secrétaire d'Etat à l'éducation du Parana, a pour thème "Le rachat de la poésie et l’oraté à l'école», en se concentrant dans ce contexte, la lecture, de declal'interprétation de poèmes et de l'oral sous la forme de déclamation. Il s'agit d'une approche visant à racheter, à l'école ou l'environnement, l'importance que la poésie a à la formation d'un étudiant citoyen,, l'engagement, participative et responsable pour les changements sociaux souhaités dans la construction d'un plus humain et plus juste . La pratique de l'enseignement de la poésie et le rachat de l'oral a développé un réseau de State College de l'éducation, de la ville de Ponta Grossa, PR, couvrant les étudiants de lycée secondaire, avec l'ax articuler la recherche d'autres méthodes, construit individuellement et collectivement, ce qui permet l'étudiant l'expression de leurs idées avec clarté, la fluidité, désinhibition et de criticité. La théorie littéraire a été la base de la proposition de l'accès à des contenus et le processus d'expérience. La poésie révèle la sensibilité et elle liée au développement de la créativité, l'expressivité, et aussi la compréhension de la langue, en favorisant les différents niveaux de lecture: sensorielle, émotionnelle et rationnelle. Par conséquent, la lecture, l'interprétation et la récitation de textes poétiques, de forme comme une source d'apprentissage ont a contribué au développement de l'esprit critique, construit par des lectures de poèmes, des discussions sur le thème abordé en encourageant le développement de l'autonomie, l’indépendance intellectuelle et l'engagement social.
Mots-clés: la poésie orale, modalité de déclamation.
1 Professora da Rede Estadual de Educação Básica, licenciada em Letras – Português/Francês
pós graduada em Educação, cursando o PDE/2007. Atua no Colégio Estadual Regente Feijó -
Núcleo Regional de Educação de Ponta Grossa - PR.
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INTRODUÇÃO
O Plano de Desenvolvimento Educacional - PDE2, da Secretaria de Estado de
Educação do Paraná (SEED), tem por objetivo a formação continuada dos
professores da rede pública de ensino, estabelecendo um trabalho integrado com os
professores das Instituições de Ensino Superior e da Rede Pública por meio de
atividades teórico-práticas orientadas, buscando a atualização e o
redimensionamento qualitativo da prática pedagógica.
O professor PDE é professor do Quadro Próprio do Magistério (QPM), da
Rede Pública Estadual do Paraná, aprovado no processo de seleção da SEED,
dispensado integralmente das atividades da sala de aula no primeiro ano para
estudos, construção do plano de trabalho e elaboração de material didático, e 25 %
no segundo ano, para desenvolver um projeto de intervenção na escola, discutido
com o grupo de trabalho em rede, visando mudanças na prática pedagógica e, como
trabalho final, a elaboração de um artigo, versando sobre a temática eleita desde o
início do processo de formação continuada, proposto pelo programa PDE.
Como professora de Língua Portuguesa e Literatura, atuando na Educação
Básica, Ensino Médio e Profissionalizante, a autora deste trabalho tem observado a
dificuldade que o aluno sente em relação à escrita, à leitura, à produção de textos,
em especial de textos poéticos.
Esta problemática também se evidencia na pesquisa e estudo de textos
literários, no que se refere à teoria literária, em que o aluno se limita a copiar do livro
tudo o que ele contém. Segundo Zilberman (1988, p. 127):
De fato, tanto a Teoria da Literatura, como a prática de ensino da literatura em sala de aula, a primeira esforçando-se (quando o faz) em refletir sobre os novos fenômenos de leitura consumidos dentro e fora da escola, a segunda alterando o(s) tipo(s) de obra literária com que opera, reagem a transformações ocorridas na sociedade brasileira. A principal delas decorreu da necessidade de escolarizar com rapidez, não obrigatoriamente com eficiência, a população, como maneira de acompanhar, e mesmo acelerar, a modernização da sociedade.
Simplesmente, a indicação de leitura de um texto poético não instiga, não
motiva, não mobiliza o aluno; é necessário que ele se sinta seduzido pelas várias
2 Sítio: www.pde.pr.gov.br
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situações de leitura criadas pelo professor, e que estas favoreçam a motivação dos
educandos.
Outro aspecto a considerar é que existe uma espécie de preguiça mental,
pois o aluno, hoje, está acostumado com tantas facilidades trazidas pela tecnologia
que a busca pelo conhecimento na sala de aula torna-se desestimulante, pois as
metodologias utilizadas dificultam a compreensão e embotam o estímulo à
sensibilidade estética, uma vez que a leitura, em especial a de textos poéticos, é
apresentada, muitas vezes, como ação mecânica, que traz como conseqüência um
aluno que não se atém às entrelinhas, e que, portanto, não consegue compreender
o texto.
Também a oralidade é algo preocupante, pois alguns alunos,
dificilmente, comunicam-se com clareza e desenvoltura. Quando se encontram
numa situação de apresentar um trabalho diante da classe, fazer explanação de um
texto poético são tomados de pânico, o que os impede de estabelecer interação
significativa com seus interlocutores, evidenciando dificuldades de se expressar
oralmente. Essa situação não deve ser vista com normalidade, pois as pessoas
aprendem a falar, falando e a escola deve viabilizar, para além dessa
espontaneidade, o desenvolvimento da expressão oral de modo sistemático tanto
quanto o da escrita.
Uma e outra servem à interação verbal, sob a forma de diferentes gêneros textuais, na diversidade dialetal e de registro que qualquer uso da linguagem implica. Assim, não tem sentido a idéia de uma fala apenas como lugar da espontaneidade, do relaxamento, da falta de planejamento e até do descuido em relação às normas da língua padrão nem, por outro lado, a idéia de uma escrita uniforme, invariável, formal e correta, em qualquer circunstância. ( ANTUNES, 2004, p. 99 -100),
Assim, embora a escrita e a oralidade apresentem cada uma as suas
peculiaridades, não existem distinções profundas entre ambas, já que são inter-
relacionáveis. Portanto, oralidade e escrita devem fazer parte do cotidiano,
concomitantemente, na sala de aula.
Mediante essas considerações, refletiu-se sobre alguns questionamentos: O
trabalho com a poesia e a oralidade na modalidade declamatória favorecem
situações de aprendizagem? Essa metodologia de trabalho viabiliza a superação,
por parte dos alunos, de suas dificuldades de comunicação em situações formais e
espontâneas? Tal metodologia possibilita a criticidade no exercício da cidadania,
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tornando o aluno mais seguro, confiante quando tomar a palavra em situações
variadas de interação verbal? Qual a importância da poesia e da oralidade como
meio educativo?
Por conseguinte, objetivou-se, neste estudo, a compreensão da importância da
poesia na escola como elemento significativo no desenvolvimento da criatividade e
na formação da cidadania, visando ao aprofundamento dos estudos sobre teoria
literária e concepções de linguagem nos textos relacionados à temática em questão.
Com a implementação da proposta na escola, buscou-se despertar o interesse
pelo texto literário, construindo-se coletivamente metodologias alternativas de
estímulo e valorização da oralidade no contexto da prática pedagógica.
TEORIA E PRÁTICA: UM CONVITE AO DIZER SOCIAL
No processo ensino-aprendizagem a poesia permeia os princípios
rizomáticos: de conexão – ligando-se a qualquer área; de heterogeneidade –
conectando-se aos diversos sistemas de signos (imagem, gestos, expressão facial,
expressão corporal, vestuário, ritos), cadeias biológicas, políticas econômicas e
sociais; de multiplicidade – quando o poema remete a vários caminhos, abordando
diversos temas, nas mais variadas áreas, ou quando um mesmo tema é abordado
de formas diferentes; de ruptura – o rizoma é rompido para voltar posteriormente em
outra linha, mostrando uma oposição; de cartografia ou decalcomania – da realidade
se compõe um momento de abordagem sobre um tema. (DELEUZE & GUATARI,
1995). A poesia é um platô, isto é, um ponto de agenciamento para as coisas da
vida. No processo ensino-aprendizagem ela favorece a intertextualidade, a
interdisciplinaridade, a contextualização histórica e a construção da cidadania.
Segundo Lobato (apud Silva, 1995, p.13), “um grande país se constrói com
homens e livros”. Já está provado que um país, para ser desenvolvido, precisa
investir na educação, valorizando-se o profissional educador, dando ao aluno
condições de um aprendizado condizente, possibilitando-lhe o acesso à leitura, pois
ela desenvolve o conhecimento e conscientiza o homem de seus direitos e deveres
como cidadão.
O homem bem informado não se deixa enganar, combate os ocultamentos
feitos, percebe as manobras realizadas e os disfarces mal intencionados dos
discursos sociais dominantes, não permanece na sombra da ignorância. É preciso
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lutar, enfrentar essas barreiras, não se deixar manipular, fazer valer o direito de
cidadão para posicionar-se diante dos problemas sociais.
Sendo assim, o trabalho da poesia na escola deve alicerçar-se nos
pressupostos de uma teoria pedagógica crítica, pautada no compromisso de avançar
na tentativa de solucionar o problema de leitura e produção de textos e da
interpretação (declamação), uma vez que:
Tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, as possibilidades de trabalho com os gêneros orais são diversas e apontam diferentes caminhos, como: apresentação de temas variados (histórias de família, da comunidade, um filme, um livro); depoimentos sobre situações significativas vivenciadas pelo aluno ou pessoas do seu convívio; dramatização; debates, seminários, júris-simulados e outras atividades que possibilitem o desenvolvimento da argumentação; troca de opiniões; recado; elogio; explicação; contação de histórias; declamação de poemas; etc. No que concerne à literatura oral, valoriza-se a potência dos textos literários como Arte, os quais produzem oportunidade de considerar seus estatutos, sua dimensão estética e suas forças políticas particulares. (DIRETRIZES CURRICULARES DA REDE PÚBLICA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ, SEED 2008, p. 30)
A tarefa do professor é a de despertar no aluno o interesse não só pela parte
teórica (pesquisa, seleção de textos poéticos, levantamento vocabular) como
também no que se refere à prática (entonação timbre de voz, gestos fisionômicos,
corporais e a postura).
O aluno sente dificuldade, sim, mas é primordial que na existência do ser
humano haja dificuldades, que ele se depare com desafios, pois assim pode refletir e
tomar decisões que nortearão o rumo de sua vida.
Daí a importância da declamação de poesias, a qual está interligada ao
processo evolutivo do aprendizado teórico e prático da oralidade e a um
posicionamento do indivíduo no contexto social, estabelecendo uma tomada de
consciência de si mesmo e do mundo.
POESIA E ORALIDADE: UMA CULTURA ESCOLAR DISPENSÁVEL?
Não consta que Mário Quintana, Camões, Neruda, Vinícius de Moraes, Carlos
Drummond de Andrade, Castro Alves e tantos outros foram sepultados para sempre,
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pois a vida é célere e efêmera, mas a poesia é eterna, assim como ler é eterno.
Poetar é eterno.
Todos os povos têm cultura, porque trabalham, porque transformam o mundo e ao transformá-lo, se transformam. A dança do povo é cultura. A música do povo é cultura. Como cultura é também a maneira que o povo tem de andar, de sorrir, de falar, de cantar, enquanto trabalha. (...) Cultura são os instrumentos que o povo usa para produzir. Cultura é a forma como o povo se compreende nas suas relações com seu mundo. Cultura é o tambor que soa pela noite adentro. Cultura é o ritmo do tambor. Cultura é o gingar dos corpos do povo ao ritmo dos tambores. (FREIRE, 2006, p. 75-76).
Cultura é o envolvimento, é todo o fazer humano que passa de geração a
geração. É a tradição de um povo.
Todos os conhecimentos, ao longo dos anos, são registros que podemos
constatar em bons livros, por meio da leitura e também das experiências de vida
adquiridas na cultura transmitida de geração a geração.
O aluno precisa sentir prazer na leitura, envolver-se, colocar o seu sentimento
nela; a poesia possibilita esta intimidade, principalmente quando o aluno declama,
quando ele interpreta e dramatiza, vivenciando com suas palavras aquilo que o autor
reproduz nas linhas poéticas, num sentimento patriótico, regionalista, amoroso,
saudoso e de revolta. Os Centros de Tradições Gaúchas são exemplos vivos da
cultura do Sul, O Bumba-meu-Boi uma cultura do Maranhão, o Frevo é de
Pernambuco, o Candomblé é da Bahia, a Caça e a Pesca, dos índios.
Na prática, nós vamos aprendendo, conhecendo o mundo, porém, a leitura
nos leva muito além; ela possibilita uma transformação do mundo, despertando o
interesse pelas causas justas, lutando pela igualdade social e denunciando as
injustiças. Quem não se emociona ao ler a obra “O Quinze” de Rachel de Queiroz
que aborda o problema da seca do Nordeste?
Quem não se sensibiliza com a declamação do poema “O Navio Negreiro” no
qual Castro Alves mostra toda sua revolta pela grande injustiça social que foi a
escravidão no Brasil, fazendo de sua obra instrumento de luta contra este
aviltamento social?
O leitor crítico, movido por sua intencionalidade em direção a um horizonte de
realidade, desvela o significado pretendido pelo autor da mensagem, mas não
permanece neste primeiro nível, ele reage, questiona, problematiza, aprecia com
criticidade. Como empreendedor de um projeto, acionado pela dinâmica de um
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processo, o leitor-crítico necessariamente se faz ouvir. A criticidade faz com que o
leitor não só compreenda as idéias veiculadas por um autor, mas leva-o também a
posicionar-se diante delas, dando início ao cotejo, à reflexão das idéias projetadas
na trajetória feita durante o ato de constatação.
A poesia permite o encontro do leitor consigo mesmo e com os outros,
posicionando-se de maneira reflexiva, confrontando, debatendo, descobrindo algo a
sua volta experimentando novas vivências que se incorporarão em seu
desenvolvimento, contribuindo para formar no leitor (aluno) futuro cidadão de bons
sentimentos. “Na verdade a poesia não pode ser ensinada, mas vivida”.
(AVERBUCK, 1991, p.70).
Para ensinar poesia e oralidade, o professor deve demonstrar entusiasmo, ser
sensível ao conteúdo do texto poético, ser mediador da comunicação do poeta, um
verdadeiro porta-voz da mensagem. Cabe-lhe ainda a responsabilidade de mexer
com o emocional do aluno, sensibilizando-o, ser o provocador deste estado, ser
iluminador de caminhos para a leitura de textos poéticos.
Daí a importância do trabalho do professor, deixando transparecer toda sua
sensibilidade e potencial de oralidade, levando o aluno a uma reflexão profunda,
crítica e criativa, envolvendo-o com o propósito de despertar a sua atenção e
conquistar a sua confiança para uma significativa situação de interlocução e
interação, pois:
Não reconhecer os alunos, notadamente os da escola pública, como sujeitos, significa não lhes dar voz, o que, na disciplina de Língua Portuguesa, traduz-se por não ensinar a todos a Língua Materna, não possibilitar a todos o aprimoramento lingüístico-discursivo e o acesso à norma padrão, que os instrumentalize para a inserção na sociedade marcada pelos conflitos sociais, pelas lutas de classes. (DIRETRIZES CURRICULARES DA REDE PÚBLICA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ, SEED, 2008. p. 15)
O professor deve reconhecer o direito do aluno de se expressar, seja para
contar um causo, um fato ou emitir uma idéia que talvez possa constituir-se num
trabalho significativo em sala de aula. Deve estabelecer a dialogia em sua prática
pedagógica para proporcionar uma aula mais dinâmica, onde se “costuram retalhos”
por meio das palavras numa significação participativa, resultando num todo
essencial — a criatividade e a sensibilidade.
A poesia tem um papel fundamental no desenvolvimento da personalidade do
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ser humano. A criança tem o seu primeiro contato com o ritmo por meio das cantigas
de ninar, seguindo-se com as de roda, com atividades corporais, a entonação e
floreios de voz, portanto a poesia torna-se um importante elemento que desperta a
sensibilidade e o gosto pelo texto poético, pela beleza, pelo ritmo. Conhecendo seu
próprio “eu”, sente-se livre, vivenciando a linguagem lúdica.
Existem muitas críticas de autores da área que se refere a pouca utilização da
oralidade pelos professores, na sala de aula, por se considerar o uso da fala ligado à
vida de todos no cotidiano; a visão de que na fala tudo é permitido, inclusive a
violação das regras gramaticais, esquecendo-se de que nas situações sociais
formais não é propícia a oralidade coloquial; a concentração das atividades em torno
da oralidade informal; falta oportunidade de se explicitar em sala de aula dentro dos
padrões textuais mais rígidos, em certas convenções sociais do “falar em público”.
(ANTUNES, 2004).
No tocante à leitura, observa-se que, algumas vezes, é realizada como
atividade mecânica de decodificação da escrita, sem interesse, sem prazer, apenas
com finalidade avaliativa, sem a devida dialogia entre o leitor e o autor, resultando
disso uma interpretação limitada ao sentido literal presente no texto, uma leitura que
tolhe o aluno de compreender as múltiplas significações textuais a partir da reflexão,
possibilitando o cotejo e a interação do leitor com as intenções do autor.
Atualmente, o professor já vem trabalhando de forma diferenciada, não só os
de Língua Portuguesa, como os de outras disciplinas que também realizam
atividades de leitura e de oralidade na explanação de trabalhos e assuntos da
atualidade, mas principalmente aqueles que devem primar na sua prática
pedagógica, pois se trata de sua especificidade.
Sabemos que a escola é uma instituição que exerce influência na vida
pessoal do indivíduo. No entanto, hoje, existe a mídia e os grupos (de amigos, de
pessoas agrupadas por objetivos comuns), que concorrem com ela, também a
família, a igreja e outras instituições. Por este motivo, muitas vezes se sente
impotente diante dos sérios problemas enfrentados de ordem familiar, social,
religiosa, psicológica e emocional, dentre outros aspectos, que desencadeiam
frustrações no aluno, desestimulando-o.
Como a responsabilidade pela formação do leitor cabe à escola, a leitura de
textos poéticos, em especial, e a interpretação dos mesmos configuram-se um norte
e fonte de aprendizagem, ao mesmo tempo reais e diversificadas, despertando no
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aluno o seu espírito crítico, por meio do qual estará desenvolvendo opiniões,
debatendo, construindo a sua autonomia e seu compromisso social, com perfil
cultural. Conforme as Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica
do Estado do Paraná (SEED 2008; p. 40):
Ao iniciar o trabalho com a literatura, o professor precisa tomar conhecimento da realidade sócio-cultural dos educandos e, então, inicialmente, apresentar-lhes textos que atendam a esse universo. Contudo, para que haja uma ruptura desse horizonte de expectativas, é importante que o professor trabalhe com obras que se distanciem das experiências de leitura dos alunos afim de que haja ampliação desse universo e, conseqüentemente, o entendimento do evento estético.
O gosto pela poesia é uma demonstração de sensibilidade que está ligado ao
desenvolvimento da criatividade, da expressividade e também da compreensão da
linguagem, favorecendo, inegavelmente, os diferentes níveis de leitura: sensorial,
emocional e racional com a literatura.
Quando lemos um texto, especialmente o texto poético, transcendemos aos
significantes da palavra e mergulhamos no imaginário, construindo em nossa mente
um mundo de fantasia e realidade que nos causa muito prazer.
Usar o texto poético como instrumento de trabalho requer tranqüilidade,
afetividade, incentivo, boa dicção do professor e o envolvimento de sedução, ou
seja, despertar no aluno o interesse pelo tema abordado, deslumbrando-o, mexendo
com a sua subjetividade, fazendo-o perceber as várias estruturas acentuais, rítmicas
e musicais do poema.
A subjetividade é constituída pelo conjunto de relações sociais de que participa o sujeito. Por isso, em Bakhtin, o sujeito não é assujeitado, ou seja, submisso às estruturas sociais nem é uma subjetividade autônoma em relação à sociedade. O princípio geral do agir é que o sujeito age em relação aos outros; o indivíduo constitui-se em relação ao outro. (FIORIN, 2006, p. 55).
Embora a poesia esteja ligada à subjetividade, ela trabalha a dialogia entre
autor-leitor e entre textos. Isso se evidencia pela pluralidade de vozes, ao que
chamamos polifonia. Na poesia, é possível o sujeito interativo e dialógico porque na
ação e no diálogo, ele está interagindo a sua subjetividade com a objetividade.
O poeta é como um artesão que capricha, inventa, cria e busca a perfeição,
atingindo a beleza. Ele trabalha a poesia com desvelo, dando ao texto poético uma
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sonoridade visível pelo jogo verbal, cadência, ritmos diferenciados, culminando com
a beleza poética, seduzindo o leitor pela arquitetura das palavras.
A declamação de poemas, portanto, é um processo que desencadeia, pela
arte e pela beleza a revelação do ser, pois a poesia, assim como as artes plásticas,
as ritmicas, tem ascendência humanizadora sobre o sujeito.
DA REFLEXÃO TEÓRICA À IMPLEMENTAÇÃO DE UMA PROPOSTA: UM
OLHAR CRÍTICO
“Se pensas que pode ser igual, deves dizer por quê. Se pensas que não pode, deves dizer por quê.
Se, para ti, a educação atual deve ser diferente da que tínhamos antes da Independência,
aponta alguns aspectos da diferença.” (FREIRE. P., 2006, p. 78)
A aplicação de uma metodologia num projeto faz as diferenças sobre os
conceitos estáticos e individualizados do universo escolar. A escola como instituição
educacional necessita rever seu projeto pedagógico etnocêntrico, configurando-se
em outros espaços e tempos, acompanhando as exigências impostas pela
sociedade contemporânea. No entanto, a abertura de um diálogo entre o tradicional
e o contemporâneo possibilita a interação.
Nesse sentido, as atividades do PDE, mediante encontros de leituras,
reflexões, análises, pesquisa e seleção de referencial teórico-metodológico,
seminários, debates, tutoria online Grupo de Trabalho em Rede (GTR)3, promovidos
pela SEED, em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES) visavam a que
o professor desenvolvesse no espaço escolar uma prática pedagógica inovadora,
em processo de formação continuada.
Optou-se para desenvolver a oralidade e a poesia, na modalidade
declamatória, tendo como eixo articulador a temática sobre a mulher porque esta
contemplava o interesse dos alunos do ensino médio e as disciplinas deste nível de
ensino. Tal temática foi desenvolvida, fundamentalmente, pela autora deste trabalho
com a participação de 35 alunos da 2ª série do Ensino Médio de um colégio da
3 GTR – http://www.pde.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=12
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cidade de Ponta Grossa - PR. Os alunos foram subdividos em 7 (sete) equipes, as
quais ficaram incumbidas da realização de atividades destinadas a cada uma. Num
total de 8 (oito) encontros, foram apresentados aos alunos textos em prosa e
poéticos cujo foco foi a condição da mulher - da marginalização aos avanços nas
sociedades, em especial na sociedade brasileira.
O desenvolvimento metodológico baseou-se no interacionismo, oportunizando
atividades que favoreceram a relação interpessoais dos sujeitos do discurso que se
manifestaram por meio da linguagem, mas que mantiveram as suas idiossincrasias,
favorecidas em suas manifestações pelas modalidades didáticas conferidas pelo
ensino individualizado, individual e socializado.
Todo o trabalho foi desenvolvido em fases apresentadas didaticamente, mas
que aconteceram concomitantemente, constituindo-se basicamente de:
OFICINA DE LEITURA DE TEXTOS
• ilustrou-se a modalidade declamatória com a apresentação de vídeos de
declamadores consagrados e alunos que se destacaram na modalidade.
• objetivou-se, além de leituras, pesquisas favorecendo o contato exploratório
inicial com os textos poéticos, legais (Lei Maria da Penha), musicais,
humorísticos, indicações de filmes na investigação da temática.
OFICINA DE DECLAMAÇÃO DE POESIA - visou à apresentação e solicitação, em
especial, de textos envolvendo a temática Mulher sob diversos pontos de vista:
submissão, diferenças culturais na concepção sobre o feminino, mulher-objeto,
violência contra a mulher. A partir dessas atividades, houve a seleção dos
interessados em participar do projeto, considerando-se os seguintes critérios: o
gosto pela poesia, o desejo de participar efetivamente do projeto, a disponibilidade
de tempo para participação nas atividades propostas, o empenho em cumprir com
as atividades propostas, como o estudo dos textos poéticos.
CONSTITUIÇÃO DO GRUPO DE DECLAMADORES - o grupo de declamadores
surgiu a partir de sorteio das atividades a serem realizadas pelos grupos
participantes do projeto, sendo que um grupo ficou responsável pela declamação de
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poemas, e houve também interesse de outros alunos em participar da atividade do
grupo denominado A galera na Janela da Poesia.
AÇÕES E RESULTADOS: constituído o grupo A galera na Janela da Poesia,
procedeu-se a um trabalho de leitura, estudo, interpretação e extrapolação da
temática, e o enriquecimento com outras produções trazidas pelos participantes. Na
seqüência, foram escolhidos pelos próprios alunos os textos a serem declamados
por eles.
ATIVIDADES – A GALERA NA JANELA DA POESIA
• Apresentação dos textos poéticos selecionados para um primeiro contato, análise
e compreensão dos mesmos ao grupo participante das diferentes modalidades.
• Leitura, reflexão, discussão e análise dos textos lidos por todo o grupo.
• Troca de idéias entre os participantes e a coordenadora, apresentando-se os
motivos da escolha por determinado texto poético.
• Memorização do texto na sua essência, tanto no sentido literal quanto nos seus
aspectos intertextuais;
• Declamação e posterior análise, por todo o grupo, da entonação, da expressão
corporal, dos gestos apropriados e dos movimentos necessários.
• Avaliação individual e coletiva e avaliação final.
Embora tenha realizado esse trabalho com uma classe, havia também, uma
ação paralela com alunos não inscritos no projeto, mas que demonstraram interesse
em participar do grupo de declamadores A galera na Janela da Poesia, pois como já
mencionado, o preparo de declamadores tem sido desenvolvido há muitos anos pela
autora.
(DES)IGUALDADE NA TRAJETÓRIA DO “SER” MULHER
“Não se nasce mulher; torna-se.”
Simone de Beauvoir (filósofa, escritora e feminista)
De acordo com estudos acerca da trajetória da Mulher no contexto do
desenvolvimento das sociedades – desde a Antiguidade até nossos dias -, nem
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sempre o “Ser” Mulher esteve relegado a um plano inferior, sofrendo discriminações,
sendo subjugado aos caprichos do homem.
Segundo Muraro (1991), o homem, na Antiguidade, desconhece a sua função
reprodutora e crê que a mulher engravida dos deuses. Apesar do reconhecimento da
superioridade pela força, cabe a ela o poder de decisão.
Em se tratando das sociedades remotas, homem e mulher governavam
juntos. Havia divisão entre os sexos, mas desigualdade não. No entanto, na
sociedade de caça a animais de grande porte em que a força física tornou-se
essencial, inicia-se a supremacia masculina. Pode-se concluir que surge daí a
marginalização da mulher, cuja conseqüência redunda, ainda hoje, no conceito
estereotipado do “sexo frágil”.
No período neolítico, o homem se conscientiza de sua função biológica
reprodutora e passa a controlar a sexualidade feminina. Ele aprende a fundir metais,
fabrica armas sofisticadas e instrumentos que possibilitam melhor cultivo da terra,
como exemplo, o arado. Para o manuseio deste invento, era preciso força, surgindo
uma nova era, a era agrária, destacada nos dias atuais.
A sociedade matricêntrica passa a ser patriarcal, os detentores dos valores na
família e sua transmissão cabem aos homens. O casamento era monogâmico, a
mulher já colocada em segundo plano, era obrigada a ser virgem antes do
casamento e não se permitia traição ou qualquer ruptura dessas normas, que podia
significar a morte.
A ala feminina ficou reduzida aos afazeres domésticos, perdendo seus
valores, não podendo manifestar-se, numa submissão psicológica que dura até hoje.
Desde o princípio, a mulher foi muito submetida, tendo que obedecer,
primeiramente, ao pai e, depois de casada, ao marido.
Na Grécia antiga, os meninos eram ensinados por tutores quanto à oratória, à
poesia e ao cálculo; as meninas eram educadas em casa, por suas próprias mães,
para serem boas esposas e donas de casa.
Considerando que a sociedade brasileira, de acordo com Del Priore (2004),
estabeleceu-se pela formação social dos colonizadores, estruturada no
patriarcalismo português, na qual a mulher era colocada em segundo plano, em
ocupações voltadas aos afazeres do lar, pode-se constatar que a imposição
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patriarcal fez com que a figura feminina, no Brasil, tivesse sua participação sócio-
histórico e política negada.
No Brasil, somente após a Proclamação da República é que a mulher deu o
seu primeiro passo na conquista de seus direitos.
O exemplo de “dona de casa”, também considerada a rainha “improdutiva” do
lar ou a “madame”, vem gradativamente sendo superado, pois há muito tempo a
mulher já se reconhece como agente ativo das transformações da sociedade.
A corrente que prendia a mulher foi rompida frente a tantos saltos que
impulsionaram a ala feminina na conquista de um espaço, com o objetivo de diminuir
a desigualdade.
VIOLÊNCIA, UMA REALIDADE E LEGISLAÇÃO, UMA CONQUISTA
Fortíssimas cenas de violência contra a mulher já foram mostradas em
novelas, teatros, filmes, livros, contos e poesias em que o homem bate, espanca,
humilha e segue em frente como se nada tivesse acontecido. Por trás desta ficção,
está estampado um fundo de verdade na vida real que resultou na aprovação da Lei
Maria da Penha, uma das maiores conquistas da mulher brasileira após muita luta,
empenho na busca por justiça. Maria da Penha é o testemunho vivo da tragédia
resultante da violência doméstica contra a mulher.
O poema abaixo ilustra e retrata o desrespeito aos direitos humanos e as
conseqüências advindas de atos de violência dessa natureza.
DESABAFO
O grande fantasma da minha vida Me acompanha, desde os tempos de criança, Tudo ficou na lembrança, eu era apenas uma [menina, Vivia apavorada, eu só dormia, Quando o cansaço me vencia. A sua presença, em casa, pai, era um tormento. Você, o sofrimento causava com suas [agressões. Também não se importava, ali, diante dos filhos, Batia, espancava a mãe; isso me causava [indignação. Eu lembro que escondida num cantinho, A minha irmã chorava baixinho e tremia,
Diante de tanto terror. Você parecia estar possuído, Por certo alguma droga havia ingerido, Em seu coração não havia um pingo de amor. Também sofria o irmão caçula, Que assustado procurava se esconder. Geralmente o mais novo, o pai adula, Mas ele, você fazia estremecer. Eu ficava sempre de plantão, Disposta a minha mãe defender, Cansada de ver tanta humilhação, Não me importava em viver ou morrer. Quando a via chorando compulsivamente, Chorava junto, sem ao menos entender O porquê de tamanha violência.
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Ela pedia clemência, descompassadamente, Meu coração, em meu peito, eu sentia bater. Neste circo de horror eu me criei, Até que nos deixou e foi embora. Foi penoso, mas a paz eu encontrei, Este filme, eu quero esquecer agora. Embora ainda machucada, eu o perdôo, Não quero ressentimentos em minha alma guardar. Este pesadelo, por certo, levantará vôo.
No meu caminho, somente o amor, eu quero plantar. Sabe, pai, o que nos deixou de herança? Uma mágoa que haverá de ser esquecida. Você foi o tudo que queriam três crianças, Hoje, é o nada, nada em nossas vidas.
Coleta Vieira Batista - texto escrito em 12/11/2004 ainda não publicado.
No primeiro encontro, os alunos foram provocados a refletir sobre o problema
social evidenciado a partir da leitura de um cartaz ilustrando uma cena de agressão
física contra a mulher, fato evidenciado por muito tempo como senso comum, pois a
instituição da sociedade patriarcal submeteu a mulher à condição de ser
inferioriorizado.
Neste início, os alunos, por meio da produção de texto argumentativo,
apresentaram suas opiniões com veemência, discutindo, analisando e se
posicionando subjetiva e objetivamente.
Na seqüência, a apresentação do texto Desabafo, além de dar continuidade
às reflexões sobre a temática, resultou num processo de interação cada vez mais
envolvente com o texto poético, momento esse que se caracterizou como propício
ao convite à declamação do poema, atividade de prática da oralidade que
sensibilizou os alunos que assim se pronunciaram4:
“Um trabalho bastante interessante, no qual todos participaram e aprenderam muito. Diferenciado de todos os outros realizados em sala de aula. Essas aulas serviram também como um incentivo ao estudo. Em nenhuma aula havíamos tratado desse assunto (violência contra a mulher) foi uma experiência nova.”
“(...) O trabalho foi muito dinâmico, refletimos de acordo com nossa crítica; conceitos que levaremos para o resto de nossas vidas.”
“Este projeto sobre a mulher foi uma experiência diferente, mas ao mesmo tempo muito interessante, mesmo eu tendo sentido falta de estudar o Romantismo, adorei este projeto que me fez olhar com mais admiração ainda a mulher e suas ações ao longo desta sofrida trajetória que foi marcada por lutas contra o preconceito e a violência. Sinceramente adorei! Só tive dificuldade um pouco na parte dos poemas e da declamação, mas a aula foi mais dinâmica e este projeto abriu portas para a participação dos alunos!”
4 A escrita dos depoimentos foi mantida fiel ao registro escrito elaborado pelos alunos, a fim de se respeitar a
expressão e sentimentos de cada equipe.
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Este último relato mostra a preocupação com a “perda” do conteúdo instituído
como obrigatório no dia a dia em sala de aula. Zilberman (1988, p.116), a esse
respeito afirma:
Eleito o tipo preferencial de leitura na escola, a literatura assume uma significação que se confunde, muitas vezes, com um modelo de transmissão de valores de natureza autoritária e normativa. E empregada para confirmar os atributos que lhe são antecipadamente designados, ela desenha um espaço que passa a pertencer-lhe com exclusividade, porquanto, não pode ser preenchido por nenhuma outra modalidade de texto, nem de material suplementar de leitura.
Dando sequência, como atividade, foi solicitada pesquisa sobre a Lei Maria da
Penha. Houve grande empenho na apresentação dos alunos, pois eles, muito mais
do que realizar a tarefa proposta, demonstraram aprofundamento, trazendo
informaçoes acerca da luta de Maria da Penha, ícone da sociedade brasileira no
combate à violência contra a mulher. Os componentes da equipe apresentaram a
letra da música Maria da Penha, cantada por Alcione, ensaiaram e fizeram uma
apresentação, cantando.
Posteriormente, houve a apresentação da entrevista com a delegada da
cidade. Nesta atividade, os alunos fizeram um levantamento estatístico dos casos de
denúncias de agressões contra a mulher nos últimos seis meses, medidas tomadas
pelas autoridades. Houve o relato, também, de alguns casos de violência contra a
mulher. Novamente, a temática gerou polêmica, uma vez que um aluno do grande
grupo contou que também cumpria pena alternativa (uma cesta básica) por haver
agredido uma mulher.
A próxima equipe relatou os acontecimenos que marcaram o dia 08 de março
de 1857, analisando a importância do Dia Internacional da Mulher, destacando a
conscientização dos direitos da mulher e a relevância da conquista de seus direitos
e de sua identidade. O destaque da equipe deu-se pela contribuição com novos
textos e exemplos de conquistas.
“Foi muito bom, dinâmico e nos tirou da rotina. Gostamos também das pesquisas sobre os diversos temas, saber sobre os direitos das mulheres, do que elas passam em suas casas, de como ela são vistas na sociedade, como elas foram ganhando seu espaço e as diferenças ainda existentes. Saber que temos ajuda é bom e importante. Esse tema, apesar de ser atual, é pouco divulgado. O projeto é muito interessante e inovador, apoiamos esse projeto e, quem sabe, até mesmo a continuidade dele ou uma nova idéia, o conteúdo, a matéria do ano letivo é importante, porém esses
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trabalhos e projetos nos preparam, nos ensinam e muitas vezes nos mostram novas idéias, ajudando a nossa preparação como indivíduos.”
Neste depoimento, constata-se a necessidade de se realizar um trabalho
diferenciado no qual a metodologia evidencie a importância do conteúdo, da
interação do professor com seus alunos e dos alunos com seus colegas, resultando
disso uma participação significativa dos sujeitos no processo de ensino e
aprendizagem. De acordo com Faraco (1987, p. 19):
Ninguém toma gosto pela leitura (como cativar os alunos para a leitura se lhes oferecemos textos intragáveis?) e pouco de conteúdo se tira das aulas de português, justamente nessas faixas etárias em que mais queremos saber das coisas da vida e do mundo! (como lhes ser úteis com textos que nada lhes dizem?).
A temática foi aprofundada, fazendo-se a leitura comparativa, proposta pela
coordenadora, entre textos que abordavam contextos de sociedades antigas:
“Mulheres de Atenas” e “Mulheres Celtas” e contextos contemporâneos: “Apelo” e
“Queixa”, respectivamente, de autoria de Dalton Trevisan e Caetano Veloso. Nesse
encontro, a participação dos alunos evidenciou-se por uma interação maior, os quais
demonstraram crescimento na postura e na criticidade, de tal modo que três alunos
se propuseram a memorizar os textos “Mulheres de Atenas”- Chico Buarque de
Holanda “Mulheres Celtas”- cuja autoria é desconhecida e “Desabafo” – desta
autora, para declamarem aos seus colegas de classe e demais professores.
“Na nossa opinião o trabalho nos ajudou não só para a educação escolar, mas também para o nosso convívio na sociedade e em nossa vida particular. Foi uma experiência ótima que tivemos ao longo do projeto, porque foi uma novidade, nós não esperávamos que a nossa sala seria escolhida e nos sentimos muito lisonjeados por participar deste projeto. Todos participamos também pelo fato de não ser algo rotineiro, foi muito interessante, e se tivesse outro parecido, participaríamos novamente com prazer!”
A equipe seguinte , após pesquisa, apresentou dados estatísticos sobre a
participação da mulher na UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa),
mostrando o número significativo das mulheres nos diversos cursos, ou seja, no total
temos mais mulheres do que homens freqüentando o nível superior de ensino.
“Eu acho que este projeto sobre a mulher, nos ajudou a compreender melhor os direitos da mulher na sociedade atual o que antigamente não
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acontecia. Com este projeto acabamos conhecendo poemas e músicas que falam sobre a mulher. Alguns alunos foram até a delegacia da mulher, onde viram (sic) relatos e denúncias de mulheres agredidas.
O destaque, no relato supracitado, dos gêneros textuais evidencia o
entendimento do sujeito, reconhecendo na metodologia do trabalho a possibilidade
de obtenção de conhecimento. Essa visão supera o caráter tradicional e impositivo
da Literatura. A esse respeito, Antunes (2004, p.100) assevera que:
Os textos, como se sabe, se desenvolvem a partir de um determinado assunto ou dentro de um tema específico, o que lhes confere a unidade temática requerida pela sua própria coerência. Assim, uma conferência, uma palestra, um debate, uma aula e outros gêneros similares são sempre em torno de um determinado tema e reconhecer essa unidade temática do texto constiui uma competência que a escola deve privilegiar. O mesmo se diga em relação à finalidade pretendida para a interação.
Em se tratando de aspectos de discriminação, outro grupo realizou pesquisa e
destacou de livros e da internet, de acordo com seu interesse, os estereótipos
femininos, apresentando-os para a turma, momento esse de bastante descontração.
Para despertar mais a atenção dos alunos, a professora coordenou a leitura
do texto poético “Mulher da Vida”, de Cora Coralina. O debate foi acirrado, mas o
que causou surpresa a esta autora foi o desconhecimento por parte dos alunos de
que a prostituição é a mais antiga das profissões, registro este que consta até nas
escrituras sagradas.
Para finalizar os encontros, foi sugerida a produção de uma paródia do texto
“Mulheres de Atenas”, em que houvesse a mudança da palavra mulher por
homem. Registram-se, a seguir, alguns versos resultantes dessa atividade, os quais
foram apresentados para a classe:
1 - “(...) Mirem-se no exemplo daqueles homens do bar Atenas Sofrem de dor de cabeça, poder e força da cachaça
Quando eles embarcam na bebedeira Beijam até homens barbados
Mil besteiras E quando voltam para casa
Ousam ser violentos Mas as mulheres os domam (...)”
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De acordo com as DCEs (2008, p. 42), “O trabalho com a Literatura potencializa
uma prática diferenciada com o Conteúdo Estruturante da Língua Portuguesa (o Discurso
como prática social) e constitui forte influxo capaz de fazer aprimorar o pensamento
trazendo sabor ao saber.” A construção dos textos, baseados em Mulheres de Atenas,
produziu interpretações que explicitaram visões saborosas acerca da temática “Mulher – da
marginalização aos avanços”, subvertendo o discurso ideológico machista, criticando-o,
expondo jocosamente essa postura infundada.
Os versos revelam posturas advindas do conhecimento de mundo e das
leituras, discussões, interpretações realizadas em sala de aula. No primeiro recorte,
observa-se que diante da possibilidade de uma ação violenta do homem, contrapõe-
se uma reação de enfrentamento da situação pela mulher, cuja natureza não é a
submissão. Já no segundo, reconhece-se a desvalorização da mulher que
“destinada” aos afazeres domésticos, não é reconhecida pelo homem, que provendo
sua família, julga-se superior. Nos versos do terceiro, há uma “brincadeira” em que
3 -“(...) Sigam o exemplo daqueles homens de madeixas
Que tratam de seus cabelos com cuidado Deixando o preconceito de lado Indo a um cabeleireiro dedicado
Bonito e educado De preferência estudado
Não que isso seja exigência De um homem verdadeiramente macho.(...)
4 - (...) “Nunca apaixonem-se (sic) pelos homens inteligentes que vivem por aí
Tentam enganar as mulheres, sempre a se vangloriar Querem surpreendê-las Parecendo espertalhões!
Na realidade, compram diplomas São ridículos o suficiente
Não usam seu próprio esforço e potencial As mulheres podem ser espertas, mas não apresentam esta atitude imoral
Dos homens, só resta dos neurônios....um fiapo”(...)
2 - (...)Mirem-se no exemplo daqueles homens do Brasil
Só trabalham para sustentar a família
Quando chegam cansados em casa
Exigem a roupa organizada
Para tomar banho e depois dormir.
Enquanto a mulher se mata de tanto trabalhar
Arruma, limpa e cuida dos filhos
Os homens nada enxergam, só reclamam...
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se destaca a preocupação do homem com a sua aparência, opondo-se à idéia de
que um homem de verdade não deve frequentar o cabeleireiro. Por fim, no último
recorte, em tom sinceramente debochado, há uma crítica aos homens que,
aparentando superioridade, não passam de seres vazios, o que pode ser entendido
como uma pequena “vingança” contra os estereótipos femininos veiculados em
textos de humor.
CONCLUSÃO
“Se teus projetos são para um ano, semeia o grão. Se são para dez anos, planta uma árvore.
Se são para cem anos, instrua o povo. Semeando uma vez o grão, colherás uma vez;
Plantando uma árvore, colherás cem vezes. Se deres um peixe a um homem – ele comerá uma vez;
Se, porém, o ensinares a pescar – ele comerá a vida inteira” Kuan Tzu – sábio chinês – séc VII a. C.
O trabalho de resgate da poesia e da oralidade na modalidade declamatória
na escola minimiza, em grande parte, as dificuldades que o aluno tem de se
expressar, de compreender um texto, de interpretar, de construir um juízo de valor,
uma vez que no processo ensino-aprendizagem da língua portuguesa e da literatura,
a poesia contempla os princípios rizomáticos e permeia a intertextualidade, a
interdisciplinaridade, a contextualização histórica, favorecendo a criticidade e a
construção da cidadania, dentre outros aspectos.
Sendo assim, a importância de despertar o gosto pelo gênero poético está
articulada aos aspectos pedagógicos, emocionais, afetivos, ao desenvolvimento da
criatividade, da expressividade e também da compreensão da linguagem.
O trabalho com a poesia na modalidade declamatória, de forma intuitiva,
lúdica, tem acontecido há mais de vinte anos sob a responsabilidade desta autora, e
torná-lo objeto de pesquisa científica e estudo sistematizado foi edificante. O
empenho na implementação da proposta inovadora, e neste estudo orientado,
mesmo conhecido previamente, não deixou de causar surpresa e satisfação ao se
constatar o envolvimento entusiasmado e a interação dos alunos durante o trabalho,
com a professora e com seus colegas.
A literatura é o espaço libertário, um campo propício ao sujeito dialógico.
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Mediante isso, é imprescindível que se dê condições aos alunos para que
exercitem sua voz, seu espírito crítico e para que, nas asas de sua imaginação, eles
se posicionem diante dos fatos, reais ou imaginados, perdendo o medo de dizer com
suas palavras aquilo que eles sentem, pensam, e acreditam por suas próprias
conclusões, pela observação e pelo conhecimento adquirido, tornando-os
desinibidos, descontraídos, participantes, seguros, autênticos na sua expressão oral,
também evidenciada na escrita.
O progresso está aí, “estampado” com a tecnologia a todo o vapor: internet,
multimídia, celular, máquinas cada vez mais sofisticadas e o acesso a elas facilitado.
É preciso atualizar, mas nem todas as escolas, instituições responsáveis pela
cultura, avançaram. Há uma certa resistência que impede a parceria para o
desenvolvimento de projetos que promovam espaços de aprendizagem significativa,
constituídos por meio do esforço individual e coletivo adquirido através da orientação
à pesquisa em busca do conhecimento e aprimoramento do gosto estético e da
subjetividade. Os alunos engajaram-se num trabalho produtivo, motivados pela
metodologia diferenciada e reconheceram-se. E, embora não se consiga
dimensionar com precisão estatística o caminhar dos alunos, é possível, por meio
dos seus depoimentos, avaliar qualitativamente o crescimento e o interesse de dar
continuidade às atividades como as relatadas, as quais lhes trouxeram a certeza do
direito de exercer sua voz. Pensando no aspecto cultural, no entusiasmo, na
interação, na criatividade, na motivação e empenho dos alunos numa parceria
espontânea, mas consciente, pode-se afirmar que os objetivos do trabalho foram
atingidos e que a prática pedagógica foi redimensionada numa perspectiva de
ensino de literatura que privilegia o sujeito individual e coletivo, sua voz, sua história
mediante o texto poético, lido e interpretado na modalidade declamatória, por meio
de interação significativa entre os sujeitos e esses textos.
Evidenciou-se, neste estudo, que o trabalho com a poesia rompe barreiras de
interação verbal, gerando situações de aprendizagem, trazendo o aluno mais
próximo ao professor, valorizando os textos poéticos, assim como desenvolve a
oralidade na modalidade declamatória, num trabalho consciente, bem elaborado,
facilitando a competência comunicativa do aluno.
Todo texto lido é um platô de agenciamento a outros textos, envolvendo a
mesma temática entendida sob vários pontos de vista. A conclusão deste estudo,
portanto, sendo final ao que propôs a sua autora, não evidencia o fim das
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discussões acerca de seu objeto. Portanto, este estudo se conclui, mas não se
encerra, pois novas interpretações serão possibilitadas pelos leitores que nele se
debruçarem com um outro olhar, novo ou também inovador.
REFERÊNCIAS
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FARACO, C. A. As sete pragas do ensino de português in: GERALDI, J. W. Texto
na sala de aula: leitura e produção, org. /2º ed. Cascavel: ASSOESTE, 1987.
DEL PRIORE, M. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. DIRETRIZES CURRICULARES DA REDE PÚBLICA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ. Língua Portuguesa. Secretaria de Estado da Educação: Curitiba, 2008. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br. Acesso em outubro de 2008. FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2006.
MURARO, R. M. Breve Introdução Histórica [a obra O Martelo da Feiticeiras]. In: KRAMER, Heinrich, SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991. p. 5-17.
SILVA, E. T. Leitura na escola e na biblioteca. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1995. ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988.
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