Grupo Temático 3: Análise de Políticas Públicas PEREIRA, D. B.
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O PROCESSO DE MONITORAMENTO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DE SAÚDE:
o caso do Núcleo Estratégia Saúde da Família / RN
David Barbalho Pereira1
RESUMO O presente estudo consiste em um estudo de caso de abordagem qualitativa e objetiva descrever as ações de monitoramento da Política de Atenção Básica de Saúde no estado do Rio Grande do Norte (RN), realizadas pelo Núcleo Estratégia Saúde da Família (NEESF) – grupo técnico que compõe a Secretaria Estadual de Saúde Pública (SESAP). Adota como critérios norteadores de análise três grupos de características verificadas na literatura da área: aspectos voltados à operacionalização; gestão e manejo de indicadores; e caráter de intervenção das ações de monitoramento. Adota como instrumentos metodológicos a observação direta, pesquisa documental e entrevista semiestruturada. Conclui que o principal desafio nas práticas adotadas consiste na garantia do caráter de intervenção do processo, com vistas a dotá-lo de maior efetividade e explorar o seu potencial de gerar aprendizagem organizacional e melhoria na gestão. Palavras-chave: Monitoramento de políticas públicas. Atenção Básica de Saúde. Indicadores. Saúde Pública. Rio Grande do Norte.
1 Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
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1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
O aprimoramento dos mecanismos e práticas de avaliação e monitoramento
de políticas públicas se dá mediante a análise continuada dos processos de
implementação, alocação de recursos e fortalecimento institucional dessas práticas,
bem como no refinamento conceitual e metodológico dos mesmos – momento no
qual a academia possui grande relevância e potencial de colaboração com a Gestão
Pública brasileira.
No Brasil, reconhece-se que os últimos anos foram marcados por relevante
fortalecimento institucional e ampliação do escopo de avaliação e monitoramento no
âmbito governamental, como resultado de um processo crescente de incorporação
de valores gerencialistas na administração pública brasileira desde a década de
1990, bem como da ampliação do escopo de políticas sociais, verificação da
eficiência na alocação de recursos e efetividade das mesmas.
Voltado para a melhoria continuada da implementação de políticas públicas e
do aparelho burocrático brasileiro, entende-se como desejável que a
operacionalização de processos de monitoramento se dê de forma essencialmente
analítica – aspecto que Jannuzzi (2011) coloca com um dos vieses do processo,
quando considera os seus caráteres estratégico, gerencial e analítico,
caracterizando cada um deles a partir da ênfase de análise e de critérios
balizadores. Cabe, no entanto, destacar o a relevância do viés analítico nessa
atividade, enquanto
[...] exercício sistemático de análise de indicadores representativos dos fluxos de desembolsos financeiros, de realização de atividades-meio, de entrega de produtos e de inferência de resultados dos programas junto aos seus públicos-alvo, segundo critérios clássicos de avaliação de Políticas Públicas – como equidade, eficácia, eficiência e efetividade. (JANNUZZI, 2011, p. 41).
O autor avança na concepção, mencionando inclusive o termo “cultura de
monitoramento analítico”:
[...] a boa gestão de programas requer, para além do Monitoramento estratégico [...] e do Monitoramento gerencial [...], esforços de disseminação da cultura de Monitoramento Analítico no corpo de técnicos e gestores envolvidos na operação do programa. (JANNUZZI, 2011, p. 57).
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Embora as demais faces do monitoramento sejam desejáveis e possuam
grande relevância no acompanhamento da ação governamental, entende-se que o
caráter fundamental das ações de monitoramento se dão na sua capacidade de
análise e no modo com o qual ele age na melhoria da gestão.
Diante disso, entende-se como pertinente o estudo de experiências dos
governos subnacionais nas práticas de monitoramento de políticas públicas,
buscando enxergar os desafios presentes nas múltiplas realidades locais, como
forma inclusive de retroalimentar as reflexões realizadas na academia, como forma
de conferir a elas maior capacidade de intervenção e retorno à sociedade, ao passo
em que se voltam para o enfrentamento de problemas que interferem no pleno
desenvolvimento das ações voltadas para o bem-estar social.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente estudo se caracteriza como um estudo de caso de abordagem
qualitativa. Em consonância com Stake (2005, p. xi)2, quando coloca que “Estudo de
caso é o estudo da particularidade e complexidade de um caso único.”, reconhece-
se que o estudo é dotado de singularidade condicionada pelo contexto político,
social, administrativo e organizacional sob o qual o pesquisador se debruça. Trata-
se de um estudo de corte transversal, realizado entre os meses de abril e maio de
2015.
Caracteriza-se como um estudo descritivo, voltado para uma descrição
aprofundada das práticas de monitoramento operacionalizadas no referido recorte,
utilizando como instrumentos e técnicas metodológicas: observação direta sobre as
práticas e rotinas administrativas do referido setor; pesquisa documental sobre os
marcos legais e documentos normativos da Secretaria Estadual de Saúde Pública
do Estado do Rio Grande do Norte (SESAP) que regem a atuação do Núcleo
Estratégia Saúde da Família (NEESF); e entrevista semiestruturada junto ao
coordenador do NEESF, realizada ao fim do período de imersão no setor, para a
elucidação de aspectos observados no cotidiano do grupo analisado.
2
Tradução nossa, do original: “Case study is the study of the particularity and complexity of a single case [...]”. (STAKE, 2005, p. xi).
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A análise dos aspectos visualizados em campo adota como elementos
norteadores os questionamentos compilados no Quadro 13 - a ser exposto na
Sessão 3 – elaborado mediante pesquisa bibliográfica nas áreas de avaliação e
monitoramento de políticas públicas.
3 O PROCESSO DE MONITORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: uma breve
revisão conceitual
O empreendimento de ações e sistemas de avaliação e monitoramento de
políticas públicas parte da concepção da necessidade de acompanhamento da
implementação de uma determinada política pública, visando identificar em tempo
oportuno possíveis desvios na sua execução e possibilidades de ações corretivas,
verificação do alcance de metas e objetivos traçados e consequente aprendizagem
organizacional, ao passo em que a identificação de pontos falhos demanda exercício
analítico e consequente melhoria da qualidade na gestão para o enfrentamento dos
problemas sob os quais a gestão se depara. Esse processo é definido por Jannuzzi
(2016) como:
[...] uma atividade regular de acompanhamento de processos-chave
previstos na lógica de intervenção de um programa e que permite rápida
avaliação situacional e identificação de anormalidades na execução deste,
com o objetivo de subsidiar a intervenção oportuna e a correção tempestiva
para garantir a obtenção dos resultados e impactos que ele deve provocar.
(JANNUZZI, 2016, p. 108).
A compreensão do forte caráter de intervenção do qual o monitoramento deve
ser dotado compreende como desejável que a sua operacionalização seja
operacionalizada por parte da gestão da política implementada, de modo sejam
dadas condições favoráveis à contínua revisão e mudanças voltadas para a melhoria
do desempenho do programa e da sua gestão.
Nos estudos referentes ao ciclo ou processo de políticas públicas, o
monitoramento é entendido como uma atividade que se debruça fundamentalmente
sobre a etapa de implementação da política analisada, sendo alimentado
3 O modelo aqui adotado consiste em uma versão revisada da original utilizada originalmente no
estudo de caso, sem que haja alteração ou prejuízo no seu conteúdo.
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continuamente com dados periódicos referentes ao seu desempenho. A compilação,
organização e análise dos indicadores configuram o modus operandi mais difundido
nos sistemas de monitoramento, ao passo em que possibilitam o acompanhamento
e mensuração de aspectos inerentes a uma determinada política e aos seus
múltiplos contextos de implementação. Essa característica se coloca como
fundamental nos estudos de políticas públicas no modelo federativo vigente no
Brasil, ao passo em que o processo de formulação de políticas de abrangência
nacional normalmente se dá nas instâncias federais de governo, sendo a sua
execução operacionalizada nos múltiplos cenários municipais e estaduais. Dessa
forma, a unificação de parâmetros para o monitoramento de políticas implementadas
em território nacional possibilita uma análise comparativa e unificação de
metodologias de mensuração de desempenho – embora seja reconhecida a
importância da criação de mecanismos de avaliação e monitoramento que
considerem diretamente as particularidades locais.
Além dessa abordagem mais quantitativa, considera-se também a existência
de processos de monitoramento presenciais, conforme colocado por Vaitsman,
Rodrigues e Paes-Sousa (2006, p. 21-22.):
O conceito de monitoramento [...] pode se referir a dois processos distintos,
ainda que interligados. Por um lado, enquanto o acompanhamento dos
programas se constitui em uma atividade interna da organização, um
procedimento “a distância”, por outro, o monitoramento também se refere a
processos “presenciais”, checagens locais, que acabam constituindo um
tipo de pesquisa rápida, qualitativa, por meio da qual gestores,
pesquisadores ou outros agentes podem verificar como a implementação
está sendo realizada, e se está atingindo seus objetivos, além de verificar
que problemas estão interferindo nas ações, processos e consecução dos
objetivos previstos.
Os recortes conceituais aqui trazidos evidenciam o monitoramento como um
processo dotado de proatividade, alimentado por informações acerca do
desempenho da política pública e sistematizado em suas rotinas de coleta,
especificações metodológicas de análise dos dados e com diálogo direto com as
instâncias de tomada de decisão na gestão – sob risco de subutilização do potencial
do processo.
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Considerando a existência de diversas referências da academia e da gestão
pública acerca do monitoramento de políticas públicas, adota-se aqui uma
compilação dos aspectos desejáveis no empreendimento nessas ações. Entende-se
que a disposição dos elementos nesse formato possibilita uma análise mais
pragmática de iniciativas de monitoramento. No entanto, ressalta-se que o modelo
não esgota as possibilidades analíticas e a existência de outros fatores que
possibilitem a compreensão do funcionamento e aspectos passíveis de melhoria de
sua efetividade.
Quadro 1 – Questões norteadoras para caracterização e análise do processo de monitoramento.
ASPECTOS RELACIONADOS À OPERACIONALIZAÇÃO
ASPECTOS RELACIONADOS À GESTÃO E USO DE
INDICADORES
ASPECTOS RELACIONADOS À GESTÃO E CARÁTER DE
INTERVENÇÃO
O processo de monitoramento é realizado de modo simultâneo à política analisada?
Estabelece previamente metas a serem alcançadas durante a implementação da política pública?
Atua na produção e disseminação de informações situacionais da realidade sobre a qual a política é implementada?
O processo de monitoramento atua de forma continuada?
Elabora ou adota indicadores de desempenho nos processos de coleta e análise?
Propõe medidas de intervenção sobre os aspectos identificados como destoantes das metas e procedimentos traçados na formulação?
O processo de monitoramento é operacionalizado de forma cotidiana?
Elabora ou adota indicadores-processo nos processos de coleta e análise?
O processo de monitoramento é operacionalizado de forma sistematizada?
Elabora ou adota indicadores-resultado nos processos de coleta e análise?
Atua de forma interativa junto aos demais atores envolvidos na implementação da política pública?
Existe equipe técnica qualificada voltada para a operacionalização do processo de monitoramento?
Utiliza necessariamente da análise dos dados coletados para os processos de avaliação e tomada de decisões?
Possui relevância no processo de tomada de decisões inerentes ao desenho de novas políticas públicas ou redesenho da política analisada?
O processo é operacionalizado por gestores inseridos na implementação da política pública adotada?
Fonte: Adaptado de Pereira (2016, p. 83-87).
Categorizando as características “desejáveis” na concepção e execução de
atividades e processos de monitoramento, Pereira (2016) considera a três grupos de
aspectos passíveis de análise: operacionalização; manejo de indicadores; e caráter
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de intervenção. Esses aspectos norteiam a análise do estudo de caso explorado na
Sessão 4.
4 O PROCESSO DE MONITORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE:
o caso do Núcleo Estratégia Saúde da Família / RN
O Núcleo Estratégia Saúde da Família (NEESF) é um do onze grupos
técnicos4 inseridos na Subcoordenadoria de Ações de Saúde (SUAS), possuindo
atuação voltada para o desenvolvimento, acompanhamento, monitoramento e
avaliação das ações e programas federais desenvolvidos no âmbito da Atenção
Básica no estado do RN, além do apoio institucional aos municípios inseridos no
território potiguar. Participa ainda das discussões acerca das Redes de Atenção à
Saúde e ao processo continuado de Educação Permanente para o fortalecimento da
Atenção Básica.
Compõem a equipe do Núcleo um total de onze servidores, dos quais: 1
analista de sistemas, 1 assistente social, 1 assistente técnico em saúde, 2
enfermeiros sanitaristas, 5 sanitaristas, 1 técnico em informática. Cada um dos
membros da equipe possui atribuições definidas dentro das atividades
desenvolvidas pelo setor, constituindo comissões internas de cada uma das áreas
trabalhadas no Núcleo.
De modo prático, o processo de monitoramento das ações de saúde
desenvolvido pelo Núcleo analisado consiste prioritariamente na gestão dos
indicadores compreendidos na área técnica de Atenção Básica de saúde (AB),
cabendo ao NEESF o monitoramento de dois indicadores da AB, no âmbito do
Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (Coap): 1) Cobertura populacional
estimada pelas equipes de Atenção Básica – Indicador 15; e 2) Proporção de
4 Compõem a Subcoordenadoria de Ações de Saúde os seguintes grupos técnicos: Grupo Auxiliar
de Saúde Bucal (GASB); Grupo Auxiliar de Saúde Mental (GASMe); Grupo Auxiliar de Saúde da Mulher (GASM); Grupo Técnico Estadual de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa (GTEASPI); Área Técnica da Saúde do Homem (ATSH); Área Técnica de Alimentação e Nutrição (ATAN); Área Técnica de Práticas Integrativas e Complementares (ATPICS); Grupo Auxiliar de Saúde da Criança (GASCA); Grupo Auxiliar de Saúde do Adolescente (GASCA); Aleitamento Materno
4 e
NEESF. 5
No âmbito do Pacto pela Saúde, o indicador em questão considerava em seus cálculos apenas as equipes de Saúde da Família (ESF). Já o Coap considera ainda a presença de equipes equivalentes as ESFs, o que permite uma observação mais integral da AB nos municípios.
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internações por condições sensíveis à Atenção Básica (ICSAB) – Indicador 2.
Naturalmente, o Ministério da Saúde (MS) possui papel central no lançamento dos
instrumentos e diretrizes para a realização das ações de monitoramento. Ficam
estabelecidos no Coap as especificações técnicas referentes aos 67 indicadores
trabalhados no âmbito da Promoção à Saúde, no que se refere à aspectos
metodológicos de cálculo, fontes de dados, entre outras características6.
Dito isso, destaca-se que o trabalho se debruça especificamente sobre o
processo de monitoramento dos indicadores mencionados, uma vez que o mesmo
se configura como uma prática já consolidada no Núcleo.
Sendo o processo de monitoramento centralizado na coleta, organização e
análise dos indicadores manuseados no âmbito da AB, cabe caracterizá-lo como um
processo de viés essencialmente gerencialista. São verificadas lacunas na
realização de atividades de monitoramento mais orientadas para os processos
realizados in loco e contextos locais – o que denotaria a realização de atividades de
visitas técnicas e contato com as realidades da AB em determinados municípios.
Observa-se que a realização de atividades dessa natureza encontra barreiras nas
condições de estrutura disponíveis, quando se coloca que:
[...] a questão [...] na parte do monitoramento in loco, que a gente tem problema, por que falta equipe pra ir in loco no município e falta às vezes condições, [...]. Carro e diária que a gente tem problema, e pessoal. Mas isso aí não é uma coisa de agora, isso é um negócio crônico na secretaria.
[...] sempre tem esse problema. (informação verbal)7.
No entanto, sinaliza-se, que em algumas ocasiões ocorre o intercâmbio de
informações entre o NEESF e a Comissão Coordenadora Estadual do Programa
Mais Médicos (CCE), que por vezes viabiliza visitas técnicas por ocasião de
6
Ficam estabelecidos na normativa do Coap, fichas de qualificação dos indicadores, que trazem de modo bastante objetivo as seguintes informações: tipo de indicador, diretriz nacional a qual se vincula; objetivo nacional ao qual se vincula; meta; nome do indicador; relevância do indicador; método de cálculo; fonte de obtenção se dados, periodicidade dos dados para monitoramento e avaliação; responsabilidade da União para o alcance da meta; e setor responsável pelo monitoramento no Ministério da Saúde.
7 Informação fornecida pelo Coordenador do NEESF em entrevista concedida ao autor, em
Natal/RN, em maio de 2015.
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atividades de supervisão dos médicos inseridos nos municípios contemplados
(informação verbal)8.
As atividades de monitoramento consistem basicamente na compilação,
organização e análise dos indicadores alimentados nas bases de dados do MS pelos
municípios. Em um primeiro momento, os dados são alimentados pelos municípios
diretamente nas bases de dados nacionais, onde são agrupados e reorganizados.
Destaca-se que tal processo demanda um período de aproximadamente três meses
até que os mesmos fiquem disponibilizados para consulta por parte da gestão
estadual.
Coletados os dados, prossegue-se com o seu processo de organização e
análise. Observa-se que o NEESF, bem como os outros grupos técnicos da SUAS,
tende a organizá-los em séries históricas. Como os momentos de tomada de
decisão se dão cotidianamente nos setores envolvidos na Promoção à Saúde,
observa-se que a disposição dos dados possui potencial para orientar as escolhas,
além de serem largamente utilizados nos momentos específicos de avaliação e
pactuação de metas para recortes futuros. O Quadro 2 apresenta uma possibilidade
de sistematização das etapas do processo de monitoramento verificadas in loco.
Quadro 2 – Etapas do processo de monitoramento no NEESF
Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4 Etapa 5
Alimentação das bases de dados
da Saúde (municípios)
Compilação e organização dos
dados (MS)
Disponibilização e acesso ao indicadores
Construção de séries históricas e
análises preliminares
Reuniões de avaliação e
pactuação de metas
Fonte: O autor (2016).
As subseções seguintes abordam de forma mais detalhada a
operacionalização do processo e desenvolve a sua análise à luz dos critérios
elencados no Quadro 1.
4.1 Operacionalização das ações de monitoramento
Inicialmente, cabe considerar que a temporalidade e rotina das ações de
monitoramento estão diretamente condicionadas ao período de coleta, organização
8 Informação fornecida pelo Coordenador do NEESF em entrevista concedida ao autor, em
Natal/RN, em maio de 2015.
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e análise dos dados alimentados pelos municípios nas bases de dados do MS.
Considera-se também a própria temporalidade mensal de acesso aos indicadores
monitorados pelo setor – embora tais indicadores não se refiram aos dados do mês
anterior, e sim, há um período de aproximadamente três meses entre a alimentação
nas bases de dados e acesso por parte da gestão estadual.
Tal característica consta como primeiro entrave na efetividade do
monitoramento, uma vez que fica perdido o momento oportuno de intervenção sobre
as realidades municipais, no caso de verificação de indicadores destoantes das
metas estabelecidas ou das tendências de comportamento. No entanto, não deve
ser desconsiderado o fato de que o MS estabelece no próprio Coap a periodicidade
de monitoramento e avaliação dos seus indicadores. Assim, fica estabelecido que o
Indicador 1 deve ser monitorado quadrimestralmente e avaliado anualmente
(BRASIL, 2014, p. 33). Já o Indicador 2 deve possuir periodicidade anual para os
processos de avaliação e monitoramento (BRASIL, 2014, p. 36).
Quanto à disposição de recursos humanos voltados para a realização do
monitoramento descrito, observa-se que dois servidores atuam diretamente no
monitoramento dos indicadores aqui sinalizados. Tal atribuição considera a
experiência profissional e qualificação técnica para o manejo e análise dos dados,
bem como o domínio no manuseio dos bases de dados e softwares utilizados para
sua coleta e organização. Nota-se certa deficiência na inserção de profissionais da
área de Tecnologia da Informação, de modo que o desenvolvimento de recursos e
na área tecnológica que subsidiem e ajudem na compilação, tratamento dos dados e
automatização do processo fica prejudicado.
. Entende-se que há um cenário viável para o estabelecimento de
deliberações corretivas e com caráter de intervenção, no caso da identificação de
aspectos destoantes do desejado na implementação das ações de monitoramento,
uma vez que as atividades inerentes ao monitoramento dos indicadores já
mencionados no âmbito do Coap são realizadas pelo próprio setor responsável
pelas promoção de ações de melhoria da AB.
Observa-se que não há no grupo técnico uma rotina interna para análise e
discussão qualificada acerca dos indicadores monitorados. Tal aspecto permite
inferir a inexistência de um processo continuado de análise dos indicadores em uma
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escala micro-organizacional, embora se considere que tais discussões ocorram
informalmente e de modo cotidiano no setor.
4.2 Ações de monitoramento e gestão de Indicadores
Conforme mencionado, o estabelecimento dos indicadores se encontra
centralizado o nível federal da gestão da Saúde Pública. Dessa forma, no âmbito da
Atenção Básica, o Núcleo monitora dois indicadores estabelecidos no Coap. Não se
verifica a criação de indicadores que por ventura reflitam particularidades locais
quanto ao perfil epidemiológico do estado do Rio Grande do Norte (RN), por
exemplo. Entende-se que alguma proposta nesse sentido deve estar munida de um
amplo embasamento teórico e metodológico, inclusive com vistas a despontar como
sugestão de implementação junto ao MS, uma vez que já se discute no Núcleo a
defasagem de alguns indicadores9.
Atualmente, o NEESF e mesmo a SUAS não manejam indicadores criados no
âmbito da SESAP. Mesmo reconhecida a importância de tais instrumentos,
considera-se que as metodologias a serem adotadas não podem destoar dos
padrões estabelecidos pelo MS, sob risco de ameaçar o caráter comparativo entre
as realidades dos estados (Informação verbal)10.
A análise dos indicadores monitorados pelo NEESF é conduzida mediante
comparação constante com as metas estabelecidas em nível nacional, em nível
estadual e nas Regiões de Saúde do estado. Na organização dos dados, são
sinalizadas com diferentes cores os indicadores que alcançam as referidas metas,
os que estão ligeiramente abaixo da meta desejada e os que apresentam níveis
mais críticos de distanciamento do desempenho desejado. Esse artifício é realizado
manualmente por um dos responsáveis pela coleta dos dados. Reconhece-se que
fica facilitada a visualização dos municípios e Regiões de Saúde que demandam
maior atenção no atendimento dos aspectos mensurados. 9 Como exemplo, observa-se o caso do Indicador 1 (Cobertura populacional estimada pelas equipes
de Atenção Básica), que apresenta corriqueiramente indicadores próximos à integralidade de cobertura dos serviços de AB em parcela predominante dos municípios potiguares. No Núcleo, reconhece-se que a questão da universalização é superada na AB, ao passo que se entende como desejável o estabelecimento de indicadores mais voltados para a mensuração da qualidade dos serviços de AB.
10 Informação fornecida pelo Coordenador do NEESF em entrevista concedida ao autor, em
Natal/RN, em maio de 2015.
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A coleta e compilação dos indicadores é constantemente utilizada para a
construção de séries históricas que melhor representam a evolução das áreas
específicas de saúde pública. Tal instrumento é adotado recorrentemente na
elaboração de relatórios situacionais e reuniões de avaliação e pactuação dos
indicadores.
O processo de coleta consiste basicamente na importação dos dados
desejados nos seus respectivos bancos de dados do MS. Posteriormente, eles são
transferidos para um software de gerenciamento de planilhas virtuais, para seu
manuseio e elaboração de outras representações gráficas. Cabe destacar que o
processo de identificação e análise dos indicadores depende exclusivamente da
percepção a olho nu do referido técnico na visualização de indicadores que destoam
dos padrões desejáveis, sem que haja nenhum software ou ferramenta que colabore
na sua automatização.
No caso do Indicador 1, os dados são obtidos mediante consulta no Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) e Departamento de
Atenção Básica (DAB), no formato virtual. Já o Indicador 2 se debruça sobre os
dados do Sistema de Informação Hospitalar (SIH). Dessa forma, compete ao setor o
acesso ao banco de dados através da internet, selecionando os dados que atendem
aos interesses do monitoramento do recorte. A logística de alimentação dos dados
por parte dos municípios, compilação e organização operacionalizada em nível
federal e posterior acesso à gestão estadual evidencia a necessidade do
desenvolvimento e consolidação de um sistema estadual de informações e dados de
saúde, e converge na problemática do acesso dos dados por parte da SESAP – uma
vez que só se faz possível visualizar os dados agrupados por municípios11.
Nesse contexto, menciona-se a perspectiva de efetivação do e-SUS Atenção
Básica na visualização dos dados alimentados pelos municípios. Tal Sistema vem
sendo adotado paulatinamente pelos municípios do estado, em substituição ao
Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). No NEESF, considera-se que:
A gente também tá num processo de implantação do e-SUS estadual [...]. [...] ter a base de dados aqui no estado. Quando tiver a base de dados no estado, então as informações que subirem da Atenção Básica, eles vão
11
O acesso a dados em unidades menores passaria necessariamente por uma articulação com o município em questão.
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subir para o Ministério, mas vão passar pelo estado, então a gente vai ter acesso a essa informação mais de primeira mão que a gente não tem hoje, então vai dar pra a gente fazer o monitoramento melhor dos municípios de
acordo com os indicadores [...]. (informação verbal)12
.
No entanto, salienta-se que tal processo dependerá da criação de uma
plataforma de visualização dos dados no âmbito estadual por parte do MS. Até que
isso ocorra, o acesso aos dados deve se dar mediante solicitação da unidade
estadual por informações específicas no âmbito do e-SUS.
Os aspectos inerentes ao manejo e tratamento dos indicadores passam, em
suas fases de qualificação e discussão, pelo estabelecimento de metas para
norteamento das ações voltadas para o alcance desejável de seu desempenho. Tal
processo compreende a existência de metas de nível nacional e a pactuação de
metas em nível estadual e nas regiões de saúde, processo que envolve discussão
entre os grupos técnicos e coordenações das USARPs. Nesse aspecto, a discussão
e análise dos indicadores ganha caráter de deliberação e de tomada de decisão, ao
passo que orienta o estabelecimento das metas a ser pactuadas nos períodos
futuros.
4.3 Ações de monitoramento e caráter de intervenção
Quanto ao caráter de intervenção e norteamento para a tomada de decisões
do qual deve ser dotado o processo de monitoramento, observa-se que no estudo
realizado tal aspecto possui como maior potencial a realização das reuniões
semestrais de avaliação e pactuação de metas, envolvendo diversos setores da
Coordenadoria de Promoção à Saúde (CPS), representantes dos grupos técnicos da
Coordenadoria e coordenadores das regiões de saúde para a discussão e análise
dos indicadores trabalhados no âmbito do Coap. Na ocasião, são apresentadas as
séries históricas dos indicadores manuseados por cada um dos grupos técnicos da
CPS.
A dinâmica de discussão da reunião consiste em uma explanação inicial dos
representantes das Regiões de Saúde quanto ao processo de pactuação e
discussão dos indicadores junto aos respectivos municípios, exposição dos desafios
12
Informação fornecida pelo Coordenador do NEESF em entrevista concedida ao autor, em Natal/RN, em maio de 2015.
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enfrentados e considerações diversas. Posteriormente, cada grupo técnico expõe
aos presentes os indicadores do Coap cujo monitoramento a ele compete,
apresentando a série histórica, considerações diversas acerca de sua interpretação
e proposta para a pactuação da meta anual, considerando os índices alcançados
nos anos anteriores e as metas estabelecidas em nível federal. Trata-se de um
momento oportuno para discussão e compreensão geral dos grupos técnicos quanto
à análise dos indicadores trabalhados:
[...] a ideia é [...] reunir todos os técnicos com essa questão das regionais também e discutir os indicadores. Porque também os técnicos, às vezes, eles fazem o indicador dele, mas não sabe o do outro, e não sabe como eles se relacionam. Então a ideia é acabar com isso. Você ter o conhecimento. Não precisar ser expert em todos os indicadores, mas pelo menos conhecer todos eles, como eles estão se comportando e qual a relação que vai fazer com o seu indicador. (informação verbal)
13.
Na ocasião, fica evidenciada as deficiências que alguns setores possuem na
própria compreensão dos indicadores por eles manejados. Dentro do processo, são
apresentadas fragilidades na interpretação, processo de coleta de dados e
dificuldades no acesso às bases. Observa-se ainda que a própria discussão voltada
para a pactuação das metas parece ser norteada por um viés essencialmente
quantitativo e pautado pelo alcance dos indicadores pactuados, carecendo de
análises em profundidade das ações que podem ser realizadas para o seu alcance
ou entendimento dos fatores que possibilitem a compreesnaõ do referido
desempenho.
No entanto, reconhece-se que a realização dessas reuniões salta como
momento central no processo de análise, reflexão e integração entre os indicadores
organizados pelos grupos técnicos, uma vez que o processo de discussão coletiva
possibilita uma melhor compreensão dos aspectos considerados na mensuração dos
indicadores, bem como o levantamento de questões pormenorizadas por parte das
coordenações regionais de saúde, que justifiquem o alcance dos índices. Nessa
ocasião, também fica evidente a necessidade de adoção de medidas práticas para o
enfrentamento de problemáticas evidenciadas por alguns indicadores – aspecto que
surge com certa recorrência na fala de técnicos de diversos setores –, bem como a
13
Informação fornecida pelo Coordenador do NEESF em entrevista concedida ao autor, em
Natal/RN, em maio de 2015.
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necessidade de articulação com outros órgãos, para momentos de discussão
voltados para o enfrentamento das questões percebidas coletivamente.
Já no âmbito do NEESF, o monitoramento dos dados referentes à saúde
pública do estado se volta para a percepção de áreas prioritárias de atuação, tendo
muitas vezes como desdobramento a realização de ações de qualificação das
equipes de saúde dos municípios identificados como prioritários. Por vezes, o
NEESF é consultado por outros grupos para a tomada de decisão quanto à escolha
de áreas a serem priorizadas no desenvolvimento de atividades de promoção à
saúde – principalmente de capacitação –, dialogadas com outros grupos técnicos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os procedimentos de monitoramento adotados NEESF atualmente se
encontram relativamente distantes dos parâmetros idealizados na literatura, embora
muitos dos aspectos elencados já sejam percebidos com nitidez pelos gestores da
SESAP. Constata-se que alguns aspectos vão além das competências do setor, ao
passo que são verificadas limitações nas condições de estrutura, corpo profissional
qualificado e tecnologia disponível para alimentação e coleta dos indicadores. Torna-
se recorrente o relato de sobrecarga das atividades inerentes ao setor, o que
demanda uma reorganização dos processos de trabalho e servidores neles
envolvidos.
Por outro lado, são observadas limitações no próprio desenho do processo,
definido em nível federal. Como exemplo, menciona-se a questão da temporalidade
no acesso aos dados agrupados por parte da gestão estadual – o que já
compreende a perda total do tempo oportuno para intervenção na gestão.
Se verifica no Núcleo uma discussão qualificada quanto ao manejo de
indicadores e perspectivas positivas quanto ao seu processo de análise. Infere-se a
existência de um caráter de proatividade e com centralidade na análise dos dados –
o que configura uma postura alinhada aos parâmetros básicos e essência do
monitoramento das ações de Atenção Básica de Saúde.
Colocadas as dificuldades, entende-se que principal desafio do Setor é
conferir de modo mais efetivo às ações de monitoramento o seu caráter de
intervenção e influência no processo de tomada de decisões. Observa-se que
Grupo Temático 3: Análise de Políticas Públicas PEREIRA, D. B.
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cotidianamente decisões são tomadas fundamentando-se na análise das séries
temporais. No entanto, tal aspecto é dotado de ampla informalidade e fluidez, ao
passo que não são verificados espaços formais consolidados para a tomada de
decisão e registro das mesmas. Dessa forma, entende-se como desejável o
estabelecimento de rotinas administrativas voltadas para uma discussão continuada
e reconhecimento ainda mais aprofundado da realidade da Atenção Básica de
Saúde nos municípios do estado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Caderno de Diretrizes, objetivos, metas e indicadores 2013-2015. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. JANNUZZI, Paulo de Martino. Monitoramento analítico como ferramenta par aprimoramento da gestão de programas sociais. Revista Brasileira de Monitoramento e Avaliação, Brasília, jan./jun. 2011, n. 1. p. 33-66. ______. Monitoramento e avaliação de programas sociais: uma introdução aos conceitos e técnicas. Campinas: Editora Alínea, 2016. PEREIRA, David Barbalho. Primeiros passos no estudo de monitoramento de políticas públicas. Itu: Schoba, 2016. RIO GRANDE DO NORTE. Secretaria de Estado da Saúde Pública. Coordenadoria de Promoção a Saúde. Subcoordenadoria das Ações de Saúde. Missão da SESAP / Missão da CPS / Missão da SUAS. [Natal], [201-?]. Documento interno não publicado. STAKE, Robert E. The art of case study research. California: Sage Publications, 2005.
VAITSMAN, Jeni; RODRIGUES, Roberto W. S.; PAES-SOUSA, Rômulo. O Sistema de Avaliação e Monitoramento das Políticas e Programas Sociais: a experiência do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do Brasil. UNESCO, 2006. Disponível em: <https://goo.gl/CAuFeV>. Acesso em 05 jul. 2014.
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