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A QUEM BENEFICIA A SADC? O Papel das Potências Hegemónicas na Integração Regional - O caso da África do Sul na SADC

Por Domingos Bihale, [email protected]

Palavras Chave: Potências Hegemónicas, Integração Regional, Regionalismo.

Resumo: O presente artigo debruça-se sobre o Papel das Potências Hegemónicas na Integração Regional - O Caso da África do Sul na Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral ( SADC). Este tema é analisado desde 1994, ano que marca a entrada da África do Sul na SADC, até à actualidade.

Por outro lado, a análise olha para o contexto da globalização e do novo regionalismo. A globalização constitui um fenómeno mais saliente nas relações internacionais contemporâneas. Esse fenómeno verifica-se tanto nas esferas política e política, quanto nas esferas social e cultural. A globalização para além de acelerar o processo de liberalização do comércio, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, incentiva a formação de blocos ou agrupamentos regionais. Um exemplo de tais blocos é a SADC na África Austral. Um facto curioso é que, da análise feita sobre as características desse tipo de agrupamentos, se verifica que geralmente se fundam em torno de uma potência hegemónica da região onde o agrupamento ou o bloco se forma. No caso específico da África Austral, a potência hegemónica livre de contestação é a África do Sul.

Por estas razões, o presente artigo procura entender o motivo do tal fenómeno, analisar o papel que uma potência hegemónica desempenha na integração regional e, por último formular as implicações que isso pode trazer para os países que se fundam em seu redor.

1. Introdução

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Para fazer a leitura do Papel das Potências Hegemónicas na Integração Regional e o caso específico do Papel da África do Sul na SADC, é preciso recorrer à teoria Neo-Realista das Relações Internacionais.

A teoria neo-realista tem Keneth Waltz (1979) como o seu expoente máximo. O neo-realismo na sua essência partilha os mesmos pressupostos com a teoria realista clássica. Assim, o neo-realismo, paralelamente ao realismo clássico, olha para o Estados como actores mais importantes, unitários e racionais do sistema internacional e que o sistema internacional é anárquico, onde os Estados se norteiam com base em interesses. Os assuntos mais relevantes na perspectiva desta teoria são os relacionados com a defesa e segurança nacionais (high politics), em detrimento de outros assuntos: económicos, sociais, culturais, ambientais, etc ( low politics).

Apesar do realismo clássico e o neo-realismo partilharem os mesmos pressupostos, divergem-se quanto a unidade de análise. Enquanto o realismo clássico se centra no estado como unidade de análise, o neo-realismo tem como unidade de análise o sistema bem estruturado. Contudo, ambos comungam a ideia de que o sistema internacional é anárquico e que a segurança só pode ser alcançada através do sistema de balanço de poder ( the balance of power system). Para além disso, o interesse nacional, definido em termos de poder continua a ser o motor das acções dos Estados no Sistema Internacional ( Dougherty & Pfaltzgrff, 2003:79).

Por isso, para analisar o papel das potências hegemónicas na integração regional a luz da teoria neo-realista compreendeu-se a região como um sistema bem estruturado. Nesse sistema os Estados foram vistos como actores mais importantes. Analisou-se também as motivações dos actores envolvidos na integração regional. Neste caso, a integração foi vista como um instrumento para as potências garantirem os seus interesses nacionais. Outros aspectos analisados forma as consequências das assimetrias do poder regional, desequilíbrios e o papel das instituições, tendo que estas, a luz do neo-realismo, têm uma influência marginal nas acções dos Estados e nas relações entre e inter – estatais. Finalmente, tentou-se olhar para as formas de integração esperadas em termos de segurança futura e de poder equacionado em termos de ganhos relativos, à luz de outras teorias ( Soderbaum, 2001:20).

Para o desenvolvimento deste artigo usou-se o método de constelação do sistema de pesquisa integrado. O método de constelação do sistema de pesquisa integrado está intrinsecamente ligado à teoria neo-realista. Este

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método permite que o poder seja visto como abrangência de variedade de fenómenos em cada um dos níveis, que se estendem do impacto de factos domésticos sobre a política externa às implicações da estrutura do sistema regional e internacional nos padrões de interacção entre os Estados. A este método se juntaram o método histórico e a técnica documental, para melhor atingir os objectivos e perseguir devidamente as hipóteses que nortearam a elaboração do artigo.

O presente artigo tem como objectivos: compreender o papel das potências hegemónicas na integração regional e perceber as razões levam a um grupo de países a se agruparem em torno de uma potência hegemónica regional. Em adição, pretende-se analisar a influência da África do Sul como potência hegemónica na SADC, bem como reflectir sobre as implicações da hegemonia sul-africana para os restantes Estados da SADC.

Esta análise parte do princípio que as potências hegemónicas regionais podem funcionar como dinamizadoras de desenvolvimento das suas regiões, bem como podem constituir factores de estabilidade e instabilidade das suas regiões. Outro ponto de partida é o de que os Estados se juntam em em torno de uma potência hegemónica regional para garantir a sua sobrevivência e estabilidade. Outras suposições que nortearam a pesquisa são as seguintes: a sobrevivência e a estabilidade dos Estados da África Austral dependem grandemente da África do Sul e, como resultado de tal dependência, estabelece-se uma relação de tipo dominação ( África do Sul)/subordinação ( restantes Estados da SADC)

Este artigo revela-se importante, tanto para o mundo académico quanto para a sociedade em geral, pois permite compreender o impacto positivo e/ou negativo do processo integração, não apenas a nível global, como também e em particular na SADC, numa altura em que veicula a liberalização do comércio na região.

2. Potência Hegemónica: uma abordagem conceptual

De modo geral, uma potência hegemónica será um país que disponha de todos os elementos necessários para, na medida do possível, assegurar a vitória no caso de ocorrer um confronto na região. De acordo com Michelena (1977:17-19), um país para ser considerado uma potência regional deve satisfazer as seguintes condições:

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a) População e extensão territorial suficientes, considerada concretamente a sua posição geopolítica;

b) A força económica, destacando-se especialmente o nível de desenvolvimento das forças produtivas, em particular, suja capacidade industrial, agrícola e financeira. Outro aspecto de relevo é a capacidade científica e tecnológica, que se manifesta no avanço industrial, desenvolvimento nuclear, balístico e da pesquisa e exploração espaciais;

c) O poderio militar que, em certo sentido, abrange a população, a extensão territorial, força económica e a posição geopolítica;

d) Consenso interno ou paz interna, isto é, um equilíbrio positivo em favor de classes e de grupos sociais hegemónicos;

e) Uma posição ideológica historicamente determinada que permita ao governo do país manter interna e externamente (com seus aliados) um certo nível de coesão;

A nível político, o país deve expressar a sua conduta através de:

a) Impressão, através de uma direcção autónoma efectiva, às actividades do estado, quer a nível interno quer a nível externo;

b) Tornar-se cabeça e guia de alianças e de fazer pactos formais de um bloco de poder;

c) Exercer a pressão política necessária para fazer com os aliados honrem os pactos. Isso implica a manutenção de um equilíbrio de poder a seu favor;

d) Influenciar os Estados que fiquem fora da sua área de influência.

Todas essas condições e capacidades farão com que um país seja considerado uma potência hegemónica. A hegemonia tem pelo menos cinco dimensões: militar, tecnológica, económica, política e institucional. Neste caso, uma potência hegemónica será um país que for mais forte em termos militares, tecnológicos, políticos e institucionais, do que seus aliados da região. Essas dimensões da hegemonia criarão uma estrutura regional em que a potência hegemónica vai servir de centro e os países em seu redor servirão de zonas de influência ou periferia. Enquanto no centro figuara uma potência hegemónica, na periferia afigura um conjunto de Estados economicamente dependentes ou subordinadas, militarmente débeis, politicamente pouco autónomos e internacionalmente menos influentes.

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O conjunto composto de potência hegemónica e seus satélites ( Estados da periferia) forma um sistema regional. As relações que surgem deste sistema serão hierárquicas, isto é, será sempre a potência hegemónica a ditar as directrizes políticas gerais e estabelecer relações económicas assimétricas a seu favor, com os restantes países do bloco.

Esta configuração de relações permite à potência hegemónica jogar um papel preponderante no Bloco onde ela é líder.

3. O Papel das Potências Hegemónicas no Regionalismo (Integração Regional)

Deve-se entender regionalismo como uma doutrina que cria regiões, isto é, um conjunto de ideias, valores, metas concretas que direccionam o processo de criação, manutenção e modificação da provisão de riqueza dentro de uma organização de uma região.

Neste processo verifica-se que as potências hegemónicas desempenham um papel preponderante. Numa visão neo-realista, em conjugação com a visão do realismo clássico, as potências jogam um papel de manutenção de estabilidade e ordem no sistema regional. A hegemonia ipis verbis é um poder benigno no sistema regional. E porque a hegemonia beneficia o já existente sistema mundial, as potências hegemónicas regionais assumem o papel de pivot na conservação dos mecanismos de funcionamento de um sistema. No âmbito do poder militar preservam a paz, desencorajando os países que possam desafiar o sistema e a ordem regionais. No âmbito económico as potências hegemónicas são o motor que move crescimento e desenvolvimento. Para preservar as motivações que norteiam ou nortearam a integração regional, as potências hegemónicas funcionam como diplomatas que moderam disputas entre países da sua periferia e outras regiões, evitando desta forma que as tais disputas se transformem em conflitos de grande escala.

As potências hegemónicas regionais procuram ligar outros Estados à ordem regional estabelecida (e eventualmente a ordem internacional) e, desta sorte, jogar um papel importante no desenvolvimento de instituições regionais e globais de segurança e de relações económicas. O exemplo disso são os Estados Unidos da América (EUA), uma potência hegemónica regional da Área de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA) e mundial, na

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liderança do processo da globalização ( htt//www.dflorig.com/Hegemony.htm).

Este papel é papel é benéfico, sobretudo na manutenção da paz, condição sine quanon para o desenvolvimento de qualquer economia. Contudo, é preciso saber que as potências hegemónicas desempenham este papel em consonância com os seus próprios interesses nacionais. De acordo com Michelena (1977: 23), “o fenómeno de integração serve de mecanismo protector das disparidades [económicas, políticas e militares] de que a potência hegemónica é beneficiária dentro do sistema regional. Serve também de máscara política e de justificação para manter tais disparidades’’. Ainda de acordo com este autor, as potências hegemónicas têm como objectivo político geral: manter e ampliar a sua zona de influência. A este objectivo juntam-se outros específicos, nomeadamente:

1. Assegurar para si matérias -primas, mediante a apropriação e controlo das fontes;

2. Garantir o fluxo das mercadorias manufacturadas para o mercado regional;

3. Assegurar o fluxo de capital;4. Manter o mercado regional de capitais através de múltiplas vias de

intervenção, inclusive o investimento directo estrangeiro;5. Controlo financeiro regional;

Como se referiu anteriormente, as potências hegemónicas regionais têm o seu lado negativo nas regiões onde operam. As potências hegemónicas podem usarem o seu poderio para destruir o sistema regional estabelecido. Podem usar o seu poder militar para impor a sua vontade a nível da região, aumentando o nível de violência, associado aos conflitos políticos regionais. A economia de uma potência hegemónica pode sacar os recursos das economias menos desenvolvidas e torcer o desenvolvimento regional, de modo a satisfazer os seus apetites insaciáveis de recursos, mais do que beneficiar os seus parceiros da região. Isto a acontecer pode incitar forças e movimentos anti-hegemónicas. Assim a eclosão de um conflito regional será inevitável.

As potências hegemónicas representam estritamente os seus interesses nacionais em detrimento dos interesses da sociedade regional. As instituições ocupam um papel marginal. Muitas vezes, são postas ao serviço da expansão do poder e da riqueza das potências hegemónicas. Radicalmente dir-se-ia que, como ditador de uma nação, as potências

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hegemónico auto – proclamam-se protectoras da ordem regional e força motriz da prosperidade regional. Porém, na verdade, expandem a desordem, a repressão e a exploração.

4. Potências Hegemónicas Regionais, um Chamariz para a Integração?

- As razões da integração regional

Depois de se ter compreendido o papel das potências hegemónicas regionais no regionalismo (integração regional), é imperioso perceber as razões que levam a um grupo de países a agruparem-se em torno dessas potências hegemónicas regionais.

Note-se que, por mera coincidência ou naturalidade, pode-se arriscar, afirmando que todas as organizações regionais formam-se em torno de uma grande potência hegemónica regional na respectiva região. Tal é o exemplo da NAFTA em volta dos EUA; Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) em torno do Brasil; da Comunidade Económica para o Desenvolvimento da África Ocidental (CEDEAO) em torno da Nigéria; da União Europeia em volta da Alemanha; da Ásia do Este em torno do Japão e da Ásia do Sudeste em torno da China e; o caso da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) em torno da África do Sul, entre outras.

A integração como um “processo através do qual os actores políticos, a partir de diversos enquadramentos nacionais, são persuadidos a transferir as suas lealdades, expectativas e actividades políticas, para um novo centro, cujas instituições detêm ou relamam juridisção sobre os Estados nacionais consolidados” ( Haas, 1958, citado por Dougherty & Pfaltzgrff, 2003:648[2]), ou como um “ processo através do qual dois ou mais países se juntam numa relação económica mais estreita do que cada um deles tem com o resto do mundo” (Namburete, 2002:117), tem vária motivações. Numa perspectiva neo-realista pode-se afirmar que os países formam agrupamentos regionais como resposta a desafios externos, nomeadamente a segurança e o poder ( Soderbaum, 2001:5), já que para os neo-realistas, os regionalismos (integrações) são interpretados como instrumentos através dos quais se movem os interesses nacionais. Ainda nessa óptica, a cooperação com a potência hegemónica pode servir para erguer um sistema colectivo de bens, tais como o comércio livre, infra-estruturas, estabilidade económica, etc.

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Buzan (1991, citado por Soderbaum, bid[3]) galvaniza esta visão, dizendo que um grupo de Estados fracos formavam um regime de segurança por acreditar que tal fortificaria a legitimidade doméstica dos seus regimes, visto que um conflito entre eles exorbitaria divisões dentro de suas estruturas domésticas fracas.

A criação da SADCC em 1980 na África Austral foi grandemente motivada pela necessidade de segurança em relação a África do Sul ( Namburete, 2002:132; Goldstein, 2002:8; van Nieuwkerk, 2001:5; Zacarias, 1991:23-25).

Por outro lado e numa visão neo-liberal, a integração pode ter motivações económicas, sobretudo o desenvolvimento, a partir do pressuposto de que as incompatibilidades derivadas das estruturas de produção e os padrões de consumo subdesenvolvidos tornam impossível promover a integração regional, através de políticas do género laissez-faire(Namburete, ibid: 118). Nesta perspectiva, as potências hegemónicas funcionam como motoras de desenvolvimento.

Para além das motivações económicas e geoestratégicas, as estratégias políticas sobrepõem-se a quaisquer outras motivações. Conforme se refere o preâmbulo do Protocolo da SADC sobre Cooperação nas Áreas da Política, Defesa e Segurança “ a paz, a segurança e fortes relações políticas são elementos cruciais na criação de um ambiente conducente à cooperação e integração regionais’’ ( SADC, 2003:55). Olhemos por exemplo para a União Europeia. Para lá da integração económica, a UE “ visa também um objectivo político: união incessantemente mais estgreita entre os Estado membros (...)[e] acabar com a descofiança histórica para com Alemanha, inserindo a reunificação num projecto colectivo mais vasto e ligando aquele país aos parceiros europeus” ( Boniface, 1997:129-130). Portanto, esta constitui uma justificação política da UE.

Na região da África Austral, por exemplo, a cooperação e integração regionais tiveram como motivação primária a libertação política da região, tanto do jugo colonial quanto da dominação sul-africana ( SADC, s.d.:2).

Em suma, pode-se afirmar que “os Estados juntam-se em torno de uma potência hegemónica regional para garantir a sua sobrevivência”[4] e estabilidade, quer seja de índole político e geoestratégico, quer sejam de âmbito económico e socio-cultural (identidade nacional).

5. SADC: Um Olhar da sua Trajectória

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A actual Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral ( SADC) é resultado da transformação da Coferência Coordenadora para o Desenvolvimento da África Austral (SADCC), criada em 1980, por Angola, Botswana, Lesotho, Malawi, Swazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe. A SADCC tinha como objectivos a promoção de estratégias de resistência contra a hegemonia sul-africana na região e de estratégias conducentes aos projectos de desenvolvimento de benefício mútuo entre os seus membros.

A SADCC funcionou como instrumento para a redução de dependência em relação a África do Sul e mais para um integração regional equitativa para o desenvolvimento, no contexto da emancipação da região ( Goldstein, 2002:8-9; Namburete, 2002:132-133; Zacarias, 1991:23-25; Adam, Davies &Dlamini, 1981:65-72; SADC, s.d.:2).

A SADCC surgiu como resposta à Constelação dos Estados de África Austral (CONSAS). CONSAS surgiu como uma parte da Estratégia Total que era resposta do regime do apartheid à intensificação da luta das massas da África do Sul e ao desenvolvimento da luta pela libertação do subcontinente(...) [O seu objectivo era] garantir a sobrevivência do sistema do apartheid por meio de repressão interna das massas e de uma política externa agressiva, assim como uma campanha psicológica que [visava] aliciar certos elementos nacionais e dividir as massas e seus aliados da região (Adam, Davies &Dlamini, 1981: 65:66).

A mudança da conjuntura internacional e a transformação da SADCC

Se o fim da Guerra Fria e o desmoronamento do sistema internacional bipolar a ele inerente (velho regionalismo) teve como sinal marcante a queda do Muro de Berlim na Europa, em África e na África Austral em particular, o sinal marcante foi o desmoronamento do Apartheid na África do Sul. Outros acontecimentos, tais como a independência da Namíbia e o fim do conflito armado em Moçambique constituem sinais subsequentes. Era uma mudança conjuntural quer ao nível regional quer ao nível internacional. Tal mudança colocou assento tónico na globalização e na aceleração da integração económica no mundo.

Na África Austral, esse processo caracterizou-se pela transformação da SADCC para SADC, em 1992. Essa transformação tinha em vista, dentre outros objectivos, permitir a entrada da África do Sul na Organização. Isto facilitaria a integração económica regional em várias dimensões.

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Efectivamente, a África do Sul veio a ser membro da SADC em 1994 (Goldstein, 2002:9; Nieuwkerke, 2001:4; Namburete, 2002:133).

6. África do Sul: uma potência hegemónica regional e o seu papel na SADC

A África do sul é incontestavelmente uma potência hegemónica regional. Ao nível militar a África do Sul tem um exército bem preparado e modernizado, e que tem a seu dispor o mais moderno e sofisticado equipamento ( Devies, 1991:160). A economia sul-africana não é tecnologicamente mais avançada e institucionalmente mais organizada da SADC ( SADC, 2003: 281-290), mas também “ é três vezesmais poderosa que a dos restantes Estados membros [ da SADC] juntos’’( Namburete, ibid: 137).

Esses poderes económico e militar permitem que a África do Sul tenha aliados extra regionais ( Formação do Grupo Índia, Brasil e África do Sul) ou G-3 e disso servir como instrumento de pressão política internacional ( Marcondes & Kury, 2004:3). Para Namburete, ( 2002:135) “ as trocas com a África do Sul comprovam inequivocamente a hegemonia deste país no contexto económico regional”. E ainda de acordo com este autor, “ o volume das trocas comerciais com a África do Sul em 1993foi mais de 2.3 vezes ao somatório das trocas comerciais entre os restantes países da região da SADC”. Esta posição de Namburete é secundada por Zacarias (1991: 23-25) e Cardoso (citado por Abrahamsson, 1994:191[5]). Estes autores admitem que a economia sul – africana tem caracteristicas dominantes e, por conseguinte, um papel dominante na região, não só por ter uma elevada produção, como também porque o país tem uma extensão territorial enorme e ser em larga escala o país mais industrializado da região.

Maasdorp ( 1989, citado por Zacarias, ibid[6]) descreve uma África do Sul com instituições financeiras, mercados de capital sofisticados, infra-estruturas industriais e matérias –primas, características que não se encontram em outras regiões do continente africano. Portanto, a África do Sul joga um papel de motor para o crescimento e desenvolvimento da África Austral, em particular, e da África Sub-sahariana, em geral.

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7. Implicações da hegemonia Sul-Africana sobre os Países da SADC

A hegemonia sul-africana na SADC acarreta implicações em diversos níveis. Numa abordagem globalista pode-se dizer que entre a África do Sul e os restantes países da SADCexiste uma relação de dominação/subordinação ou centro/periferia. Enquanto a África do Sul, na divisão regional do trabalho, especializa-se em produtos agrícolas e industriais, compra mão-de-obra e utiliza certas infra-estruturas existentes nos países dela dependentes, sobretudo transportes ferroviários e marítimos. Os países periféricos ( restantes países da SADC) são fornecedores da mão- de –obra barata e são mercados de produtos sul-africanos. Como consequência da subordinação destes países à África do Sul, a dependência no domínio das importações torna-se crónica ( Adam, Davies e Dlamini, 1981:73).

As relações económicas regionais que se desenvolvem entre a África do Sul (o centro) e a periferia (os restantes países da SADC) são do tipo de desenvolvimento económico que beneficia mais ao centro do que a periferia. Os países da periferia correm o risco de se tornarem satélites económicos, pois, “ o problema do desenvolvimento tende a gravitar a volta de um núcleo de países com infra - estruturas superiores, habilitações técnicas e administrativas e um largo mercado com sistema de distribuição sofisticados (Zacarias, 1991: 243-244).

Mesmo na conjuntura actual, excelentemente dominada pela teoria pluralista ou interdependência no contexto da globalização e do regionalismo crescente, as mudanças regionais e internacionais que daí possam ocorrer abrirão novas possibilidades para Pretória conseguir alcançar importantes objectivos através de uma acção económica e diplomática. Assegurar maior acesso de produtos sul-africanos aos mercados regionais e garantir a participação do capital sul-africano em projectos regionais seleccionados, bem como ser pivot na formulação de uma plano de desenvolvimento realístico para a África Austral constituem principais objectivos ( ibid: 168-170). Recorde-se da aliança G-3 e da Indian Ocean Rim Association for Regional Co-operation (IOR-ARC) ( Marcondes & Kury, 2004:3; Ahwireng-Obeng, 1998:22).

Embora a África do Sul, por um lado, pareça estar a liderar moderadamente os seus vizinhos no caminho para a economia liberal mundial, na sua qualidade de potência, por outro lado, parece estar a promover apenas o seu desenvolvimento económico. Em adição, a África do Sul continua a avançar o

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seu programa económico neo-liberal a nível doméstico à espessa dos seus parceiros da SADC ( Goldstein, 2002:13; Poku, 2001a: 164, 2001b:166).

Numa perspectiva neo-realista, da África do sul, como potência hegemónica, dependem a estabilidade e a instabilidade da região. O fundamento da manutenção da estabilidade é as intervenções que esta potência liderou há anos não muito longínquos. Em 1994 a África do Sul, junto com alguns países da Linha da Frente, ameaçaram usar a força contra o Lesotho para conter para conter o conflito que eclodiria naquela monarquia; em 1996 a África do Sul impôs a ordem constitucional ao Rei Letsie ainda no Lesotho; em 1994 Thabo Mbeki, actual presidente da África do Sul, veio a Moçambique para pressionar Afonso Dhlakama, o líder da Resistência Nacional de Moçambique ( RENAMO), para aceitar os resultados das eleições; em 1996 a Swazilândia sofreu intervenção política sul – africana ( Soderbaum,2002:8). Neste ano (2008) assistimos uma África do Sul no Conselho de segurança a votar contra o reforço de sanções e o embargo internacional contra o Zimbabwe, para além do protagonismo que está assumir nas negociações entre a União Nacional Africana do Zimbabwe –Frente Patriótica (ZANU-PF) e o Movimento para a Mudança Democrática ( MDC), para resolver a crise no Zimbabwe.

Os casos de desestabilização ainda na memória dos países da SADC, nomeadamente em Moçambique e em Angola, são exemplos de instabilidade que a África do Sul pode causar, pois de acordo com uma corrente de pensamento a “ posição dominante da África do Sul acentua as assimetrias já existente na região (Ahwireng-Obeng & McGowan, 1998, citados por Soderbaum, 2003:11 [7]). Estes autores defendem que as forças do mercado e capital privado estão agora a criar economicamente o que o antigo regime do apartheid não conseguiu fazer politicamente há algumas décadas passadas, que é, a Constelação das Economias da Austral (CONSAE), em vez da antiga proposta da Costelação dos Estados da África Austral (CONSAS). “Do ponto de vista regional é importante reconhecer que a estratégia mais extensa da constelação não está de nenhum modo morta’’ ( Adam, Davies e Dlamini, 1981:72). E do ponto de vista neo-realista, a SADC pode ser vista como a continuação da CONSAS por outros meios.

Conclusão

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Qualquer que seja um projecto de integração regional requer um paralelismo aproximado entre os países integrantes. O contrário coloca alguns países (potências hegemónicas) no comando, isto é, em vantagem em relação aos outros (países satélites). Para que a desigualdade abismal entre as vantagens da integração é preciso que as economias relativamente débeis sejam potenciadas para conseguirem competir com a potência hegemónica.

No caso vertente da SADC nota-se que a África do Sul, melhor do que nenhum outro país da Região, está em vantagens absolutas em termos de tirar ganhos da integração regional. A África do Sul tem um parque industrial muito forte e consolidado, uma agricultura desenvolvida e mecanizada e infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias e aéreas invejáveis. Estas características colocam a África do Sul na posição de produtor e os outros países da SADC na posição de puros consumidores.

Este cenário leva-nos a pensar que a SADC constitui continuação de CONSAS por outros meios, se olharmos para o domínio da África do Sul na Organização.

Para que tal seja minimizado, os outros países devem recuperar rapidamente as suas economias. Mas, para tal, é preciso desenvolver uma série de infra-estruturas em todas áreas económico – sociais e tornar a política mais transparente e fiável (garantir a paz e estabilidade políticas e combater a corrupção).

Em 2008 entrou em vigor a Zona de Comércio Livre na SADC. Tirando todas as vantagens que essa abertura do mercado traz, há que ter atenção com os aspectos acima referidos. Qualquer comodismo por partes dos Estados, isto é, se os outros Estados da SADC tiverem esta abertura como um fim e não como um meio de impulsionar o desenvolvimento dos seus países, cairá na malha do servilismo inocente e fatal. Como resultado, estes países inundar-se-ão de produtos Made in South Africa.

Portanto, a industrialização, a mecanização da agricultura, a reabilitação e abertura de vias de acesso melhoras, a construção de pontes e aquedutos, a construção de diversas infra-estruturas e o fomento e/ou a implementação da bastante apregoada boa governação, constituem condições sine qua non para uma integração verdadeiramente regional.

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Notas

[2] HAAS, Ernest ( 1958), The Uniting of Europe, Stanford University Press

[3] BUZAN, Burry ( 1991), Peoples, States and Fear, London, Lynne Publication

[4] Matusse, professor assistente da cadeira de Cooperação Económica Regional, no Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), Maputo, aula conferencista do dia 9 de Março de 2005, sobre o Velho e Novo Regionalismo.

[5] CARDOSO, Fernando ( 1992), SADCC e a Interdependência da África Austral – Realidades e Perspectivas, in Estudos moçambicanos, CEA, n° 10, Maputo.

[6] MAASDORP ( 1989), South and Southern Africa in 21st Century, Conferência realizada em Maputo, em Dezembro de 1989.

[7] AHWIRENG-OBENG, F & MCGOWAN, P. (1998), Partner or Hegemony? South Africa in Africa: Part One, Journal of Contemporary African Studies.

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