O PANTEÃO SULINO: A ELITE INTELECTUAL DO CAMPO DA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO NO BRASIL MERIDIONAL (1980-2015)
Roberta Knapik Brumi
Miguel Ângelo Costa da Silvaii
INTRODUÇÃO
O poeta inglês John Donne sabiamente declarou “no man is an island”. A ideia dele
pode ser transplantada para a ciência. O conhecimento não é construído isoladamente. Neste
sentido Gatti (2005, p. 124) afirma que “o pesquisador não trabalha sozinho, nem produz
sozinho. A intercomunicação com pares [...] constituem hoje uma condição essencial à
realização de investigações científicas e ao avanço dos conhecimentos”. Balancieri (2005),
por sua vez, em dialogo com Gatti, postula que a colaboração científica melhora o resultado e
maximiza o potencial da produção científica, pois amplia o repertório de abordagens e
ferramentas que advém do intercâmbio de informações e da fertilização cruzada da formação
de redes de sociabilidade científicas.
As redes de sociabilidade estão em todos os lugares. Elas estruturam a sociedade. Nos
campos científicos não são diferentes. Pode-se afirmar com certo grau de certeza que as
relações e suas tensões permeiam os campos científicos, logo, as redes estruturam os campos.
Um destes campos é o da História da Educação (Warde, 1990; Vidal e Faria Filho, 2003;
Tanuri, 1998; Nunes, 1996; Bontempi Júnior, 2007; Monarcha, 2007; Hayashi, 2007; Galvão
et al, 2008; Carvalho, 1995; Nóvoa, 1996).
É a partir da década de 1980, com a institucionalização dos Programas de Pós
Graduação em Educação que se solidifica como campo. Com os PPGEs, a estrutura do campo
se torna visível através de diversos atores emergentes: os grupos de pesquisa, os eventos
i Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(UNOCHAPECÓ). E-mail: [email protected]. Bolsista da Coordernação de Aperfeiçoamento de Pessoal do
Ensino Superior (CAPES). ii Doutor em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Professor do Programa de Pós-Graduação em
Educação. Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ). E-mail: [email protected].
científicos, as publicações científicas, um maior número de estudos, e os próprios
pesquisadores em si. Além disso, com estes atores estabelece-se uma relação simbiótica e
consequencial, na qual um aspecto conecta-se com o outro, onde todos se sustentam e um
necessita do outro para existir: os grupos precisam de pesquisadores, estes precisam de
lugares para compartilhar, divulgar e debater suas pesquisas, sejam periódicos ou eventos
científicos, e estes por sua vez também pedem pesquisadores, conforme o número de
pesquisadores aumenta, o aumento de projetos de pesquisa também se expande, de modo que
mais eventos e periódicos são necessários. Assim, há um processo constante de movimento,
dinamismo e mudança. Tal como um campo deve ser.
Entende-se o campo da História da Educação no Brasil com base nas formulações do
sociólogo francês Pierre Bourdieu (1983), que define campo científico como um espaço social
como outro qualquer, cheio de relações de força e disputas, que visa beneficiar interesses
específicos dos participantes deste campo. Assim, ao falar em campo, fala-se em disputas de
poder, em hierarquias, em posições desiguais, em competição. Tudo isto pressupõe a
existência de substratos no campo, inclusive de uma elite intelectual. No recorte aqui exposto
entende-se elite intelectual como o conjunto de pesquisadores formado por bolsistas de
produtividade líderes de grupos de pesquisa cadastrados e atualizados no Diretório de Grupos
de Pesquisa do CNPq que voltam-se às problemáticas do campo da História da Educação
cujas vinculações institucionais são com instituições de ensino superior (IES) dos três estados
da região Sul do Brasil.
OS ATORES
No levantamento realizado em nível nacional, encontraram-se 89 bolsistas de
produtividade em pesquisa. Assim, do universo total de 89 bolsistas de produtividade em
pesquisa (PQs) identificados no Brasil, 20 (22,47%) encontram nos três estados da região Sul
do País. Em uma fragmentação mais detalhada, tem-se 11 (55%) pesquisadores vinculados
institucionalmente no estado do Rio Grande do Sul, 03 (15%) em Santa Catarina e 06 (30%)
no Paraná.
Comparado a outras regiões, a região Norte tem-se apenas 01 pesquisador (1,27%), a
Centro-Oeste conta com 02 pesquisadores (2,24%), ma Nordeste tem-se 07 pesquisadores
(7,86%) e a região Sudeste, com predominância, conta com 59 (66,29%). Desta forma,
trabalha-se com um corpus de pesquisa formado por 20 pesquisadores do campo da História
da Educação, considerados a elite intelectual do campo devido ao seu capital científico. Estes
pesquisadores são, em ordem alfabética: Alceu Ravanello Ferraro, Berenice Corsetti, Carlos
Eduardo Vieira, Cristiani Bereta da Silva, Edla Eggert, Flávia Obino Côrrea Werle, Giana
Lange do Amaral, Lucio Kreutz, Marcus Levy Albino Bencostta, Maria Clara Bueno Fischer,
Maria Cristina Gomes Machado, Maria Helena Camara Bastos, Maria Helena Menna Barreto
Abrahão, Maria Stephanou, Mário Luiz Neves de Azevedo, Nevio de Campos, Norberto
Dallabrida, Reinaldo Matias Fleuri, Terciane Ângela Luchese e Terezinha Oliveira.
Os pesquisadores estão vinculados a 10 instituições de ensino superior (IES) distintas:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (UNISINOS), Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade de Caxias do
Sul (UCS), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Universidade
Federal do Paraná (UFPR), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Percebe-se uma predominância das IES
públicas, sendo 08 delas federais ou estaduais e apenas duas privadas, ambas do Rio Grande
do Sul.
O perfil do pesquisador em estudos históricos educacionais sulino é plural e
multifacetado. Anteriormente à década de 1980, em sua grande maioria, os autores não eram
historiadores de formação nem de profissão, e muito menos historiadores da educação, sendo
médicos, advogados, religiosos, políticos e professores universitários ligados à filosofia ou
sociologia. Conforme Nunes (1996, p. 69), os estudos voltados para a educação são casos
pontuais na trajetória dos autores, que detinham uma produção que englobava textos sobre
literatura, geografia, didática, saúde, religião, entre outros. Entretanto, subsídios fornecidos
pelos currículos dos PQs mostram uma especialização do campo.
Embasando esta especialização, toma-se como referência a trajetória acadêmica da
elite, desde a graduação até o doutoramento. Na graduação, identificaram-se nove cursos
distintos, aos quais cita-se: História, Pedagogia, Filosofia, Teologia, Sociologia, Ciências
Sociais, Educação Física, Estudos Sociais e Letras Anglo Germânicas. Nestas, percebe-se
uma concentração em três graduações distintas: História (50%), Pedagogia (30%) e Filosofia
(25%). Importante salientar que houveram 27 incidências de cursos e não apenas 20, porque
alguns pesquisadores cursaram mais de uma graduação.
Entretanto, efetivamente voltado à pesquisa, ou seja, a nível stricto sensu, o cenário
altera-se significativamente. A nível de mestrado, tem-se a seguinte fotografia do campo:
Educação, História, Ciências Sociais, História e Filosofia da Educação, Sociologia,
Administração de Sistemas Educacionais e História Social, com predominância de Educação
(50%), História (30%), Ciências Sociais (10%) e História e Filosofia da Educação (10%). Já
relativo ao doutorado, o cenário sustenta-se como doutoramentos nas áreas de Educação,
História, História Social, Ciências Sociais, Sociologia, História e Filosofia da Educação,
Teologia e Educação: Filosofia da Educação, novamente com predominância da Educação
(60%), História (10%) e História Social (10%).
Estes dados reforçam o caráter de pertencimento do campo científico da História da
Educação e uma articulação mais forte com a área da Educação, associando-se ao curso de
Pedagogia. Ao mesmo tempo, contudo, também mostra um tímido articulação com outras
áreas, dentre elas a História. Desta articulação substancial entre dois campos específicos, a
Educação e a História, a que explicaria a renovação que houve no campo.
Quanto ao nível da Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq, critério primário e
nevrálgico para pertencimento a elite do campo, são pesquisadores com todas as categorias e
níveis, conforme tabela a seguir.
Tabela 1: Nível da Bolsa de Produtividade em Pesquisa
Nível de Bolsa
Número de
ocorrência de PQs
1A 2
1B 2
1C 1
1D 5
2 10 Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do Currículo Lattes de cada pesquisador (2016).
Os dados mostram um campo equilibrado, com um número substancial de
pesquisadores, de modo que a região Sul emerge como um lócus importante e referência para
o campo da História da Educação. O equilíbrio também reflete no fato de 50% dos PQs serem
de categoria 1, ou seja, são pesquisadores com no mínimo 08 anos de doutoramento, o que
pode significar um campo experiente. Paralelo a isso, os outros 50% dos PQs são de categoria
2 (pesquisadores com no mínimo 03 anos de doutoramento), o que entrevê um campo
dinâmico, em constante processo de renovação.
Além, em dialogo com o cenário nacional, bolsistas de produtividade em pesquisa 1A,
considerados o topo da cadeia hierárquica da pesquisa representam apenas 7,9% (07) do
universo total dos 89 PQs. Destes sete, dois encontram-se na Região Sul, estando os outros
cinco localizados na Região Sudeste. Isto indica a proeminência e destaque da região, visto
que teoricamente os PQs 1A são os detentores de maior capital científico intelectual, podendo
ser considerados cânones no campo.
CAMPO, CAPITAL E REDES
Entendemos a História da Educação como um campo, com base no aparato conceitual
do sociólogo francês Pierre Bourdieu. O teórico fornece duas categorias operacionais
fundamentais para a análise proposta: campo e capital. Bourdieu vale-se do conceito de
campo para designar espaços nos quais se desenrolam lutas pela detenção do poder simbólico,
este produtor e legitimador de significados. A noção de campo caracteriza a autonomia de
certo domínio de concorrência e disputa interna, no qual são determinados a posição social
dos agentes e onde se revelam, por exemplo, as figuras de “autoridade”, detentoras de maior
volume de capital.
Ao adotarmos o conceito de campo científico, entendemos que este é o lócus de lutas
concorrenciais, onde o que encontra-se em jogo é o monopólio da autoridade científica
juntamente ao acúmulo de capital científico. Os indivíduos se posicionam no campo conforme
seu capital acumulado, assim, a estrutura de um campo é determinada pela distribuição do
capital científico, que nunca é igualitária. Em função de seu lugar na estrutura, o acesso à
informação, poder e autoridade não é o mesmo.
É a estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem
e não podem fazer. Ou, mais precisamente, é a posição que eles ocupam nessa
estrutura que determina ou orienta, pelo menos negativamente, suas tomadas de
posições. (BOURDIEU, 2004, p. 82)
É a própria rede de relações, ou valendo-se de um termo próprio, a rede de
sociabilidade destes pesquisadoras que funda e estrutura o campo em questão, e o torna um
espaço de embates concorrenciais, criadas por agentes e instituições, cujas relações se põem a
lutar pelo monopólio da autoridade científica).
O autor ainda pressupõe a existência de duas tipologias de capital científico, a primeira
que ele denomina como intelectual, e a segunda, o político ou temporal. O primeiro,
considerado puro, refere-se efetivamente aos avanços científicos, referentes a explorações
proporcionadas por pesquisas, que objetivam a progressão do campo e evolução da ciência.
Este capital é baseado no reconhecimento que o pesquisador tem, através de suas pesquisas,
publicações, citações, entre outros fatores. O capital científico político ou temporal, por sua
vez, articula-se diretamente à estrutura hierárquica do campo, tratando-se dos preceitos da
cultura institucional, às estruturas das instituições científicas e ocupando posições centrais no
seio destas instituições. Ou seja, trata-se de cargos institucionais, como pertencimento a
comissões e comitês de pareceristas, coordenações de pesquisa e de laboratórios, chefia de
departamentos, coordenação de cursos de pós-graduação, participação de banca de teses e
concurso.
Falar de campo e capital científicos entrevê a ideia de análise relacional, uma análise
profunda de suas relações, do campo onde está inserido. Logo, se as relações contam, urge
levar em conta as relações. E relações associam-se a rede. Maillochon (2015, p. 158) afirma
que “considerar o mundo social como um conjunto conectado e interdependente – uma rede –
é, paradoxalmente, como sublinha Norbert Elias, uma postura pouco explorada em sociologia,
disciplina cujo objeto de estudo, não obstante, é a sociedade.”
Uma rede social, conforme Gabardo (2015), é uma rede formada por indivíduos com
algum grau de relacionamento. Um campo científico nada mais é do que uma rede tecida a
partir de personagens e disputas do mundo acadêmico, a partir do qual este se configura.
Assim, ao considerar o campo científico como ou formado por uma rede, considera-se um
modelo de interdependência no qual os indivíduos não teriam existência senão em suas
relações, pensando os fenômenos sociais em uma perspectiva de interdependência dinâmica.
A interdependência de um campo científico torna-se ainda mais visível quando
dialoga-se com a produção intelectual exigida destes pesquisadores pelos órgãos
legitimadores da pesquisa e ciência no Brasil, citando-os CAPES e CNPq. Livros, capítulos
de livros e artigos científicos, muitas vezes, são escritos sob a estratégia da coautoria. O
próprio Bourdieu afirmava que as práticas científicas nunca podem ser entendidas como
práticas desinteressadas, elas produzem e supõem uma forma determinada de interesse. Em
outras palavras, a ciência não é neutra.
Para pensar o campo científico da História da Educação, parte-se de um elemento
importante no que concerne a capital: as bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq. A
norma implica uma hierarquia e uma divisão de poder baseado na detenção de capital
científico. A própria definição do objetivo das bolsas já cria uma divisão baseada no capital
científico e consequentemente hierarquização no campo e noções de autoridade. Nas palavras
do CNPq, as bolsas de produtividade visam “pesquisadores que se destaquem (grifo nosso)
entre seus pares, valorizando sua produção científica segundo critério normativos,
estabelecidos pelo CNPq pelos Comitês de Assessoramento (CAs) do CNPq”.
Os pesquisadores são avaliados de acordo com a produção científica, formação de
recursos humanos em nível de Pós-Graduação, contribuição científica e tecnológica e para
inovação, coordenação ou participação principal em projetos de pesquisa, e participação em
atividades editoriais e de gestão científica e administração de instituições e núcleos de
excelência científica e tecnológica.
Além destes fatores classificatórios, os pesquisadores são classificados em categorias e
níveis. O enquadramento conforme categoria pauta-se por duas divisões: Pesquisador 1: que
deve ter no mínimo, 08 anos de doutoramento no momento da submissão à bolsa e
Pesquisador 2, que deve ter no mínimo, 03 anos de doutoramento.
Os níveis possuem uma nova divisão baseada nas categorias. Pesquisadores 1 são
enquadrados em quatro diferentes níveis (A, B, C ou D). Para alocar o pesquisador em um
destes níveis, parte-se da base comparativa entre os seus pares nos últimos dez anos.
As bolsas de produtividade são um parâmetro possível, razoável e legítimo de
acumulo de capital. Porém não o único. Eis onde a inserção do elemento das relações e das
redes se justifica. Analisar a rede configurada pelos PQs através do instrumento metodológico
da social network analysis possibilita criar um aparato conceitual que torna a pesquisa ainda
mais densa, a partir de propriedades e métricas específicas das redes.
Para Hanneman o primeiro ponto importante na análise de redes é identificar quais
atores estão localizados ou inserido na rede. Os vértices, também denominados nós, são as
unidades fundamentais de um grafo. Já as relações e os laços sociais são elementos de
conexão, matéria-prima das relações. Estes são denominados arestas, representando as
ligações existentes entre os vértices. Podem simbolizar uma série de atributos, desde se são
amigas até se apenas se conhecem.
Em uma conceituação simples, Boissevain afirma que a SNA
Evidencia círculos de parentes e amigos, coligações, grupos e casas comerciais,
complexos industriais e até países como pontos espalhados que são conectados
através de linhas que formam redes. Os pontos são as unidades de análise e as linhas
as relações sociais. (BOISSEVAIN, 1979, 392)
De modo mais analítico, a SNA parte da estruturação, metrificação e visualização de
um grafo. Um grafo é a representação gráfica de uma rede complexa (BARABÁSI, 2002;
GABARDO, 2015; HANNEMAN, 1998), sendo a representação matemática das conexões
existentes entre vértices e arestas. Assim, “um grafo pode ser definido como G (V, E), onde V
representa um conjunto de vértices ou nós e E representa um conjunto de arestas”
(GABARDO, 2015, p. 37).
Estes grafos podem ser direcionados, não direcionados ou mistos, conforme a direção
das arestas. Neste sentido, as arestas podem ser dirigidas ou não ou simplesmente indicar uma
conexão entre dois vértices. Falar em direção implica fluxo de informação, dado ou outra
variável conectiva, ou seja, em um exemplo simples, uma aresta dirigida é o envio de um
tweet do vértice A para o vértice B no site de rede social (SRS) Twitter. A direção da aresta
possibilita a indicação de uma propriedade da rede, a ramificação do grau do nó em grau de
entrada (indegree) e grau de saída (outdegree), respectivamente o número de conexões que
um nó recebe e o número que dele se originam. Comumente não existe direção nas arestas,
estas representando apenas a existência ou não de conexão/relação entre os atores.
Pensa-se a rede de sociabilidade constituída pelos PQs a partir do modelo de Barabási
(BARABÁSI, 2002), conhecido também como redes sem escala ou scale-free. Nele os
vértices com maior número de conexões (maior grau de nó) têm mais probabilidade de
receber novas conexões que os vértice com poucas ou nenhuma conexão (GABARDO, 2015,
p. 47). Este fenômeno também é conhecido como rich-get-richer propiciando a emergência de
hubs na rede.
A rede de sociabilidade constituída pelos PQs é o que Devés-Valdés (2007) cunhou
como rede intelectual. Ele entende como rede intelectual “um grupo de pessoas que se
dedicam à produção e difusão de conhecimento, que comunicam-se em função de suas
atividades profissionais ou acadêmicas, ou relações ao longo dos anos” (DEVÉS-VALDÉS,
2007, p. 30). Ainda para o autor, a noção de intelectual compreende pesquisadores e docentes,
mas também abrange escritores, políticos, diplomatas, líderes sociais, que, por seu trabalho,
são reconhecidos enquanto pares dentro do respectivos campos. Esta rede intelectual é uma
“rede complexa do mundo real” (GABARDO, 2015, p. 48), por ser configurada por laços
sociais provenientes de conexões entre objetos do mundo real (coautorias). Como tal,
apresenta três características proeminentes: i) a distribuição de graus obedece uma lei de
potência; ii) apresenta clustersiii e alto coeficiente de clusterização; iii) apresenta hubs.
Em grande parte das redes reais a maioria dos nós possui poucas conexões e este
inúmeros minúsculos nós coexistem com poucos hubs enormes, com um extraordinário
número de conexões, seguindo a expressão matemática denominada lei de potência.
Conforme Barabási (2002, p. 56) os conectores ou hubs são um componente extremamente
importantes nas redes. Eles criam tendências e moda e disseminam modismos. Como tais, são
extremamente visíveis, de modo que “em qualquer lugar que se vá, haverá uma menção a eles
ou alguém conectado a eles” (BARABÁSI, p. 58). Ainda segundo o autor, os hubs são o mais
forte argumento contra a visão utópica de um espaço igualitário. Esta consideração,
juntamente à noção de mobilidade é o pressuposto primário da existência de um campo
científico.
ENTENDENDO A REDE DA ELITE DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA REGIÃO
SUL DO BRASIL
A variável conectiva adotada a partir da produção científica dos PQs – artigos
científicos - não pressupõe uma direção na aresta, sendo sistematizada apenas a sinalizar a
iii Clusters são grupos de nós muito conectados. São considerados grupos sociais coesos. Unem-se a outros grupos através de
laços individuais de seus membros.
existência ou não de conexão, ou seja, se há ou não coautoria. De tal modo, tem-se um grafo
não dirigido.
Aborda-se o campo partindo de um rede egocentrada (MAICHOLLON, 2015;
HANNEMANN, 1998), ou seja, a partir de uma seleção de nós focais (egos), identifica-se os
nós aos quais eles estão ligados, reconstituindo o conjunto ou parte do entorno de cada ator da
amostra inicial. É o que Maicchollon chama de populações “cativas” (MAICCHOLLON, p.
162)
Trabalha-se com uma rede cujo tamanho 134 nós e 164 arestas. De modo auxiliar,
utilizaremos o software livre Gephi, um software de código aberto adequado para análise de
redes complexas.
A abordagem aqui presente incide sobre um fragmento do capital científico,
especificamente o capital científico puro. Há aqui a materialização deste capital, concretizado
na produção intelectual em uma das suas dimensões: os artigos acadêmicos.
A autoridade e o monopólio científico, ou seja, o poder associam-se a posição ocupada
pelo pesquisador no campo, logo, na rede. Neste sentido, baseado nas propriedades das redes,
como tamanho; grau de nós (degree), densidade, centralidade, dentre outros (RECUERO,
2009; HANNEMAN, 1998; GABARDO, 2015) , a noção de poder pode ser pensado a partir
de uma propriedade específica e extremamente relevante das redes: centralidade. A
centralidade é analisada considerando três dimensões da mesma: grau do nó (o número de
contatos), a closeness, ou proximidade (inverso da distância média entre um individuo e os
outros membros da rede) e a betweeness, ou intermediaridade (a parte dos caminhos curtos
passando por um individuo). Estas três dimensões caracterizariam a centralidade, que por sua
vez, apresentaria os atores mais centrais da rede. O grau indica conectividade local, ou seja,
um nó com vários vizinhos é central, nas palavras de Recuero “quanto maior o grau de
conexão, mais popular e mais central é o nó na rede”. A proximidade é a centralidade
geográfica, ou seja, nós localizados no centro da rede são centrais. Já intermediaridade
caracteriza-se a distância média de uma determinado nó para todos os outros nós da rede.
Godechot (2015), entretanto, ressalva se a centralidade efetivamente determina o
poder de influência de um individuo inserido em um coletivo, no caso, no campo da História
da Educação. Segundo o mesmo autor, centralidade é a noção mais conhecida, tornando-se
um indicador da significância social, e além, é um “sintoma do volume global de capital e,
como potencialidade, um indicador do capital social” (p. 276-277). Ele trabalha na
perspectiva delação entre posição na rede e poder, de que variação da centralidade de um
individuo é religada positivamente à variação de sua influência. Na mesma linha, Recuero
(2009, p. 73) afirma que “a centralidade é a medida da popularidade de um determinado nó.
Essa popularidade é geralmente associada ao quão central ele é para uma determinada rede”.
Segundo a norma, ou seja, o regulamento da Bolsa de Produtividade do CNPq, os
detentores de maior capital científico intelectual, os pesquisadores com maior impacto e
influência seriam, teoricamente, os bolsistas de produtividade que ocupam o topo da
hierarquia nivelado pelos critérios da bolsa, ou seja, os bolsistas de produtividade nível 1A.
Logo, estes seriam os hubs. Seriam os mais citados, os temas por eles pesquisados teriam um
alcance e importância maior, seriam também os mais pesquisados. Isto reflete-se na rede?
Para responder questionamentos como este foram arrolados 397 artigos voltados ao
campo da História da Educação, produzidos pelos 20 PQs abrangendo a produção desde 1980
até 2015. Destes 397, 176 (44,3%) foram elaborados na forma de coautoria. A evidência
primária é a existência da coautoria como prática comum do campo, evidenciando a
incidência de redes intelectuais no campo, o que vai ao encontro da ideia de que ciência não
se faz isoladamente e suscitando também a ideia de que a coautoria é uma estratégia para
atender aos critérios de produtividade exigidos pelas duas instâncias de controle e legitimação
do conhecimento no Brasil: CNPq e CAPES. Mas esta problematização merece uma análise
própria, a qual não nos atrevemos nem pretendemos realizar no espaço deste trabalho.
A rede intelectual da História do Educação encaixou-se perfeitamente na assertiva das
redes sem escala. A emergência de hubs, na noção do fenômeno rich get richer (as conexões
nunca são aleatórias, pelo contrário, a popularidade é atrativa e os nós com mais conexões
sempre serão os mais buscados e atrairão mais conexões) torna-se visível quando se tem 5,2%
dos nós (07 pesquisadores, sendo eles Maria Cristina Gomes Machado, Terezinha Oliveira,
Flavia Obino Correa Werle, Berenice Corsetti, Giana Lange do Amaral, Maria Helena
Camara Bastos e Norberto Dallabrida) detendo 51,8% de todas as conexões da rede, enquanto
os 48,2% restantes dividem-se em 127 nós. Destes, apenas Werle é PQ 1A, os demais
enquadram-se nos outros níveis: Gomes Machado (1D), Oliveira (1D), Corsetti (2), Amaral
(2), Camara Bastos (1B) Dallabrida (2).
Identificados os hubs, já tem-se um pré-noção acerca da centralidade dos
pesquisadores, porém, as propriedades e métricas da rede darão um caráter objetivo a posição
dos pesquisadores.
Tabela 2: Bolsistas de produtividade de acordo com grau do nó
Pesquisadores Nível
bolsa
Grau
Maria C. G. Machado 1D 20
Terezinha Oliveira 1D 15
Flavia O. C.Werle 1ª 12
Berenice Corsetti 2 11
Giana Lange do Amaral 2 9
Maria H. C. Bastos 1B 9
Norberto Dallabrida 2 8
Maria C. B. Fischer 1D 6
Marcus L. A. Bencostta 2 5
Lucio Kreutz 1D 5
Fonte: Elaboração própria, a partir de subsídios do software Gephi (2016).
Tabela 3: Bolsistas de produtividade de acordo com a intermediaridade
Pesquisadores Nível
bolsa
Betweeness
Maria H. C. Bastos 1B 199.0
Flavia O. C. Werle 1A 188.0
Maria C. G. Machado 1D 184.5
Berenice Corsetti 2 170.0
Giana Lange do Amaral 2 169.5
Lucio Kreutz 1D 168.0
Eliana Xerri 165.0
Milena Aragao 153.0
Terezinha Oliveira 1D 102.0
Maria Stephanou 2 49.0
Fonte: Elaboração própria, a partir de subsídios do software Gephi (2016).
Tabela 4: Bolsistas de produtividade de acordo com a proximidade
Pesquisadores Nível
bolsa
Closeness
Claudemir de Quadros 4.538.461.538.461.530
Giani Rabelo 4.538.461.538.461.530
Josiane Alves da Silveira 4.076.923.076.923.070
Jeane Caldeira 4.076.923.076.923.070
Adriana Leon 4.076.923.076.923.070
Magda Vicente 4.076.923.076.923.070
Clarice Rego Magalhaes 4.076.923.076.923.070
Helena Neves 4.038.461.538.461.530
Maria Augusta 4.038.461.538.461.530
Elomar Antonio 4.0
Fonte: Elaboração própria, a partir de subsídios do software Gephi (2016).
Estas três tabelas mostram que nenhuma das três dimensões de centralidade refletem a
hierarquia das bolsas de produtividade. Uma delas – a proximidade – inclusive, não traz
nenhum PQ entre os dez mais incidentes. A partir da propriedade de centralidade da rede da
elite intelectual do campo, os bolsistas de produtividade 1A não são os mais reconhecidos no
campo da História da Educação. De modo conclusivo, tem-se a seguinte ordem de
importância e detenção de capital científico intelectual na rede: Maria Cristina Gomes
Machado, Flavia Obino Correa Werle, Maria Helena Camara Bastos, Berenice Corsetti, Giana
Lange do Amaral e Terezinha Oliveira. Tem-se então uma PQ 1D como pesquisadora de
maior destaque na Região Sul no campo, a frente da pesquisadora 1A.
Figura 1: Rede da elite intelectual sulina
Fonte: Elaboração própria, a partir do software Gephi (2016).
Na figura 1, em uma representação gráfica da rede, os maiores nós são os hubs, que
coincidentemente também são os atores mais centrais, e consequentemente, detentores de
Figura 2: Clusterização da rede intelectual sulina com rótulos
maior capital científico na rede. De maneira a facilitar a visualização, tem-se a figura 2
abaixo:
Fonte: Elaboração própria, a partir do software Gephi (2016).
Como visto na figura 2, no entorno dos hubs constroem-se grupos, ou na terminologia
da SNA, há uma clusterização. É possível evidenciar cinco grupos coesos e com fronteiras
bem definidas, sendo dois deles bem numerosos e heterogêneo. Importante salientar que
apenas dois clusters conectam-se entre si: o de Werle conecta-se com Corsetti a partir de uma
conexão (ou coautoria) direta entre elas, do contrário, pode-se se afirmar que na rede
intelectual da História da Educação na Região Sul do Brasil há a fragmentação da rede, de
modo que se configuram um número considerável de sub-redes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante considerar a fala de Godechot (2015), de que a noção de centralidade não
deve ser interpretada em termos absolutos, assim, apesar de termos identificado os nomes
mais proeminentes do campo partindo do capital científico intelectual e das métricas da social
network analisys, a centralidade é apenas uma das propriedades das redes. Utilizando outra ou
articulada a outras, o resultado poderia ser distinto.
Tem-se uma rede intelectual que obedece as leis das redes sem escala do modelo de
Barabási, com a emergência de clusters e hubs, e que não reflete o ideal teórico da autoridade
científica pautada pelas bolsas de produtividade em pesquisa, tendo um destaque maior de PQ
de nível e categorias 1D e 2 do que a elite, os PQs 1A.
Por fim, a variável conectiva caracterizada por artigos científicos, apesar de expor um
cenário válido e legítimo, talvez isolada seja insuficiente para pensar acumulo de capital
científico e posicionamento em um campo. De modo a dar maior substância ao estudo, é
interessante acrescentar como variável conectiva outros espaços de sociabilidade, como a
participação em bancas de programas de strictu sensu, a própria produção acadêmica, desta
vez acrescentando a variável livros, e principalmente, no sentido de possibilitar concretude à
influência e impactos dos pesquisadores no campo, valer-se da SNA embasada nas das redes
de citações em eventos específicos da área, como o Congresso Brasileiro de História da
Educação (CBHE).
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