MAITY LOTUFO LEAL DE MORAES
O OLHAR PARA A PESSOA DO EDUCADOR:
uma contribuição de Jung para a Educação.
São Paulo
2010
MAITY LOTUFO LEAL DE MORAES
O OLHAR PARA A PESSOA DO EDUCADOR:
uma contribuição de Jung para a Educação.
Monografia apresentada no final do
Curso de Pós-Graduação Lato sensu
em “Educação Lúdica em contextos
escolares, não formais e
corporativos”, no Instituto Superior
de Educação Vera Cruz, como
requisito parcial para obtenção do
Certificado de Conclusão.
São Paulo
2010
Autor: MAITY LOTUFO LEAL DE MORAES
Título da monografia: O OLHAR PARA A PESSOA DO EDUCADOR: uma
contribuição de Jung para a Educação.
TERMO DE APROVAÇÃO
Esta monografia foi considerada
suficiente para a obtenção do
Certificado de Conclusão da
Pós-Graduação Lato Sensu, em
“Educação Lúdica em contextos
escolares, não formais e corporativos”
do Instituto Superior de Educação
Vera Cruz de São Paulo. O
examinado foi aprovado com a nota
________
B A N C A E X A M I N A D O R A
N O M E A S S I N A T U R A
1.
2.
3.
São Paulo, _____ de __________________ de ______.
AGRADECIMENTOS
À todos os educadores lúdicos, colegas e mestres, por serem fontes de inspiração.
À Adriana, pelo apoio, pela sensibilidade, pela presença. Que bom poder
compartilhar de La Loba...
À Celine, por ter avistado uma Pedagogia Profunda. Obrigada por nossos encontros.
À Carol, por ter me apresentado à Educação, com seu olhar tão pioneiro.
À Anna, por me ensinar tanto, por confiar, por me dar tantas possibilidades de Viver.
À Helena, pela ajuda providencial. Muito obrigada!
Ao Paulo, Meu Amor, por ter cuidado sempre da minha alma.
Às crianças, pela alegria, pela companhia, por me desafiarem a buscar mais e mais da
Vida.
SUMÁRIO
1. MEMORIAL 07
2. INTRODUÇÃO 10
3. UM POUCO SOBRE CARL GUSTAV JUNG 12
3.1. Individuação e o desenvolvimento da personalidade 14
3.2. Educação para o desenvolvimento da personalidade 16
4. EDUCADORES 19
4.1. Ser educador 20
4.2. O educador como ambiente 23
4.3. O educador como ponte 26
4.4. Formação 27
5. NOSSA TAREFA 31
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 33
LISTA DE FIGURAS
1. MANDALA 11
2. A PONTE 18
7
1.MEMORIAL
“Nós, quando procuramos nos orientar, às vezes esquecemos que nosso espaço possui sete direções.
Nós nos situamos entre norte, sul, leste e oeste, entre céu e terra, mas esquecemos de dirigir nossa
atenção para dentro de nós mesmos”
Celine Lorthiois
(LORTHIOIS, 2008)
Este trabalho é resultado de uma busca que começou há muito tempo,
desde que resolvi adentrar no universo da Educação...
Minha formação inicial foi em Psicologia, algo que sempre me
fascinou e continua fascinando até hoje. No entanto, encontrei no trabalho com
crianças pequenas, dentro de um contexto escolar, a melhor forma de realizar a
minha vocação. Senti que havia ali um espaço para uma ação preventiva, uma
possibilidade de cuidar do amadurecimento de seres humanos desde os primeiros
anos de vida.
Tive o privilégio de iniciar este processo em uma escola muito
especial, um lugar onde as crianças podem ser crianças, onde seus ritmos, seus
anseios, suas possibilidades, são respeitados. Neste espaço, tão rico e tão diferente de
tudo que já tinha visto, pude encontrar pessoas que me ensinam muito sobre a
Infância, sobre mim mesma, sobre a Vida.
Mas os caminhos de transformação nos obrigam a seguir em frente, e
foi assim que, com saudades apertadas, deixei a escola, e acabei encontrando um
outro lugar, também especial e cheio de respeito pela Infância. Neste momento de
mudança, que culminou com difíceis processos de amadurecimento pessoal, senti a
necessidade de aprofundar-me nos estudos, de ir em busca de alimento para a alma.
Felizmente deparei-me com um curso muito especial, chamado
8
Pedagogia Profunda, que parecia unir aquilo que eu mais gostava da Psicologia com
aquilo que eu mais acreditava na Educação. O contato com Jung ressurgiu como uma
fonte de água fresca, me dando força para entender meus caminhos e descaminhos. O
grupo de mulheres, as conversas, as trocas, as danças, o fazer com as mãos, todas
essas experiências foram aos poucos fertilizando o solo para que algo novo pudesse
renascer.
Além disso, através deste grupo reencontrei um livro que tinha sido
muito significativo na minha vida, Mulheres que correm com os Lobos, de Clarissa
Pinkola Estés. Ele me trouxe de volta um chamado antigo, que há um tempo estava
esquecido, e que aos poucos foi amanhecendo dentro de mim. Suas histórias foram
como bálsamos para a alma, revelando aquilo que precisava ser revisto, cuidado e
renovado.
Neste contexto surgiu a possibilidade de entrar em um curso pioneiro,
de Educação Lúdica, que pareceu sintilar como uma oportunidade única. Sem
imaginar, aportei em um mundo totalmente inesperado, mas que ao mesmo tempo,
era justamente aquilo que vinha esperando, sem saber.
Logo no primeiro encontro percebi que era muito mais do que um
curso sobre Educação. Nossa primeira tarefa foi assistir ao filme História sem fim e
fazer uma relação com o que tínhamos vivenciado. Ao reler o que escrevi, me
espantei em encontrar ali a semente deste presente trabalho, que fala da importância
de se conhecer a si mesmo:
“...O Lúdico, como um Dragão da sorte, tem o poder de encurtar as
distâncias. É um atalho, não uma muleta, mas uma forma de se avançar obstáculos,
de dissolver barreiras.
Neste sentido, ficou claro para mim que apesar de se tratar de algo aparentemente
leve e inofensivo, é uma ferramenta que deve ser tratada com muita seriedade,
cuidado e responsabilidade: tem o poder de mobilizar, envolver, tocar intensamente,
e portanto a possibilidade de trazer à consciência, retomar o caminho para si próprio.
...Sinto que entramos neste curso como o menino do filme, que é tomado por uma
9
curiosidade e uma sede de sentido, mas que mal sabia o quanto aquele convite velado
iria exigir de si. O quanto aquela história era a sua história, que precisava dos seus
sonhos, seus desejos e seu poder de acreditar.”
Este curso foi uma experiência de corpo e alma, literalmente, que nos
levou a explorar caminhos que não conhecíamos, mas que são ao mesmo tempo tão
familiares. Nesse labirinto, temos que nos ater ao nosso fio dourado, tão falado por
nossa querida Adriana, para nos encontrarmos com aquilo que nos é mais profundo.
Foi muito importante ter como mestres pessoas de verdade, inteiras,
testemunhos de uma vida vivida com coragem e alegria. A forma como os
educadores trouxeram seu conhecimento foi um exemplo vivo de que a maior
riqueza de cada um é a sua singularidade. Mais do que isso, foram para mim um
exemplo de que o espírito lúdico, quando é temperado pela maturidade da vida, vira
sabedoria.
Como conclusão deste curso, resolvi reunir minhas experiências e
conhecimentos e escrever sobre aquilo que meu coração tinha vontade. Descobri que
ouvir essa vontade é algo que temos que fazer sempre, pois só assim a vida ganha
sentido e nos faz ir em busca do mais verdadeiro.
10
2. INTRODUÇÃO
“...Somente o que é realmente a própria pessoa tem poder de cura.”
Jung
(JUNG, 1981)
Segundo Jung, o grande fator de cura da psicoterapia era a qualidade
humana do terapeuta. Ao entender esta relação como um processo dialético, o
terapeuta não pode ser visto como superior, perito, mas como alguém que vivencia
junto, que transforma e se deixa transformar na relação com o paciente. Assim, a
pessoa do terapeuta é vista como o verdadeiro instrumento da psicoterapia, o que
significa que ele deve buscar conhecer a si mesmo. Tendo como guia o amor pela
verdade, deve procurar desenvolver sua personalidade para que esta possa servir de
instrumento para si e para seu trabalho.
Ao falar sobre educação em sua obra O Desenvolvimento da
Personalidade (1983), Jung descreve este mesmo paradigma para a figura do
educador. É através de sua presença, de sua disponibilidade para a relação, que o
educador consegue realizar o que deveria ser, segundo Jung, a verdadeira finalidade
da escola: o desenvolvimento de pessoas de verdade.
Para dar corpo às ideias teóricas de Jung sobre educação, gostaria de
apresentar o olhar de algumas educadoras cujas práticas se transformaram em livros,
documentos vivos de seus trabalhos. Cada uma delas segue um caminho muito
próprio, singular, mas todas têm um traço em comum: a seriedade em relação ao
trabalho que realizam, além de um profundo respeito pelo ser humano e pela Vida.
11
Fig 1. MANDALA1
Transformações
O momento de transformação é mágico
Há nele uma percepção profunda do momento presente
Há um mergulho no cerne da existência
Há sincronicidade, numa grande harmonia do “ser”
...
Buscar a sintonia com a mudança que se aproxima
Ganhar consciência da nova transformação
É fazer história
É estar presente no coração do mundo
Transformando-se a si mesmo
Deixando seu sinal de amor naquele que passa e sente
a mudança
Deixando seu traço no ambiente que se renova
Deixando seu rastro no caminho percorrido, como
sinal de esperança.
Ruy Cezar do Espírito Santo
(ESPÍRITO SANTO, 2007)
1 Figura retirada de http://www.meetaravindra.com/meeta/imprensa/destaque/om/om3.gif . Acesso em 14/03/2010.
12
3. UM POUCO SOBRE CARL GUSTAV JUNG
Nascido na Suíça em 1875, Carl Gustav Jung foi uma figura de grande
importância na história da psicologia. Suas idéias abriram um novo caminho para a
compreensão do ser humano, e influenciaram diferentes áreas do conhecimento.
A partir de suas experiências como psiquiatra, Jung compreendeu que o
fenômeno psíquico, apesar de ser uma vivência subjetiva, podia ser entendido como
uma realidade objetiva “... os conteúdos da experiência psíquica são“reais” e não
apenas vivências pessoais – mas sim vivências coletivas que podem repetir-se em
outros homens” (JUNG, 1981, p.172).
Segundo ele, os conteúdos da alma significavam uma realidade autêntica,
de extrema importância para o entendimento e desenvolvimento do ser humano.
Assim, através de uma postura científica, dedicou sua vida em busca da investigação
da psique.
Em seu relato biográfico Memórias, Sonhos e Reflexões (1961),
entendemos que é a partir de seu mundo interior que ele relata o desenvolvimento de
sua vida e de sua obra. Como coloca Aniella Jaffé, podemos entender esta biografia
como uma “introdução à obra de Jung pelo prisma do sentimento” (JUNG, 1981,
p.17). Ao aprofundar-se nas implicações de sua própria existência, Jung foi capaz de
amplificá-las, tendo como base sua experiência clínica, e seu vasto conhecimento
teórico sobre as Ciências Humanas, Naturais e Ocultas. “Minhas obras podem ser consideradas como estações de minha vida; constituem a expressão mesma do meu interior, pois consagrar-se aos conteúdos do inconsciente forma o homem e determina sua evolução, sua metamorfose. Minha vida é minha ação, meu trabalho consagrado ao espírito é minha vida; seria impossível separar um do outro” (JUNG, 1981, p. 194).
Em um dos capítulos deste livro, intitulado Confronto com o
Inconsciente, Jung descreve um período de sua vida onde se sentiu impelido a
mergulhar nos conteúdos que transbordavam de seu mundo interior. Assim, passou a
13
prestar atenção especial aos seus sonhos, imagens e visões, buscando compreender
suas mensagens enigmáticas.
Apesar de ver-se submerso em um profundo processo de
autoconhecimento e de entrega às realidades da alma, Jung sentia-se guiado por uma
atitude científica e um compromisso ético. Seu interesse em compreender-se e
compreender os processos de seus pacientes o encorajava a seguir adiante, apesar de
enfrentar grandes dificuldades. Além disso, o hábito de registrar os conteúdos que
emergiam fazia com que adquirissem um certo grau de objetividade, ajudando-o na
tarefa de compreendê-los.
Desta experiência, que durou alguns anos, Jung retirou a matéria prima
com a qual construiu sua teoria. Como psiquiatra, pôde sentir a força destruidora das
imagens do inconsciente, que podem levar o indivíduo à um estado de confusão e
perda de contato com a realidade. Por outro lado, pôde experienciar a vitalidade
destas imagens, o que lhe propiciou uma vivência espiritual de grande transformação.
Jung encontrou na arte uma forma de expressão de suas vivências,
percebendo desta forma seu imenso potencial de cura. Ao desenhar mandalas,
pecebeu que pareciam refletir seu estado interior. Com base em seus estudos,
observou que a mandala era um símbolo da busca pelo centro, presente em todas as
culturas e todos os períodos históricos.
“Compreendi sempre mais claramente que a mandala exprime o centro e que é a
expressão de todos os caminhos: é o caminho que conduz ao centro, à individuação”
(JUNG, 1981, p. 174).
Desta maneira, ao seguir o caminho em busca de si próprio, entendeu que
havia, abaixo de seu inconsciente pessoal, uma fonte inesgotável de imagens e
matrizes de comportamento compartilhados por toda a humanidade. Assim, cunhou o
termo inconsciente coletivo, e às imagens deu o nome de arquétipos.
“O mais fundo que podemos alcançar em nossa exploração do inconsciente é a
camada onde o homem deixa de ser um indivíduo inconfundível e onde sua mente se
expande e funde-se à mente da humanidade (...) na qual somos todos iguais” (JUNG
14
apud HOFFMAN, 2005, p. 38).
3.1. Individuação e o Desenvolvimento da Personalidade
O processo de individuação é um processo de amadurecimento por meio
do qual o indivíduo torna-se si mesmo, através desenvolvimento de sua
personalidade.
“Tudo que é vivo sonha com a individuação, pois tudo se encaminha para sua
própria totalidade” ( JUNG apud HOFFMAN, 2005, p.123 ).
No entanto, Jung descreve que este processo acontece em detrimento da
nossa vontade pessoal, mas a partir de uma necessidade, imposta por acontecimentos
internos ou externos. Como consequência, nos sentimos isolados da grande massa e
somos então desafiados a seguir nossa própria lei, com perseverança e confiança.
Assim, a força para o processo de individuação não vem apenas de uma
necessidade que se impõe (o motivo causador), mas também de uma decisão
consciente de escolhermos seguir nosso próprio caminho. Esta decisão é árdua, pois
nos leva a optar por algo não usual, desafiando-nos a questionar o que é
convencional.
Jung destaca ainda uma última condição inerente à este processo, a
designação, que seria como uma voz interior, que acomete a pessoa e lhe indica o
caminho a ser trilhado. Lendas descreveram essa voz como um “demônio pessoal”,
que aconselha, e cujos encargos devem ser executados.
Este “demônio pessoal” é descrito por James Hillman como daimon, uma
imagem essencial e inata que nos define e que devemos resgatar para viver todo o
nosso potencial. “A alma de cada um de nós recebe um daimon único, antes de nascer, que escolhe uma imagem ou padrão a ser vivido na terra. Esse companheiro da alma, o daimon, nos guia aqui. Na chegada, porém, esquecemos tudo o que aconteceu e achamos que chegamos vazios a este mundo. O daimon lembra do que está em sua imagem e pertence a seu padrão, e portanto o seu daimon é o
15
portador de seu destino2”
Seguir o daimon é buscar o sentido da própria existência, e os conteúdos
dessa voz interior são as designações do destino. No entanto, estes desígnios se
apresentam de forma incerta e errante, o que faz com que se tenha que trilhar
caminhos arriscados, distantes dos caminhos mais seguros, que levam à metas já
conhecidas.
Mas, segundo Jung, a vida criadora fica sempre acima das convenções, e
é portanto necessário que haja uma erupção destruidora das forças criativas quando
predominar a rotina da vida nas convenções tradicionais. A partir desta tensão surge
algo novo e cheio de vida, e ao ouvir sua voz interior, o indivíduo torna-se porta-voz
de uma realidade que precisa emergir. “O homem normal pode seguir a tendência geral sem se machucar; mas a [pessoa] que usa as ruelas e becos por não poder aguentar a rua principal será a primeira a descobrir os elementos psíquicos que estão esperando para desempenhar a sua parte na vida do coletivo” (JUNG apud HOFFMAN, 2005, p.153).
Podemos dizer que, ao mesmo tempo que o processo de individuação
leva a pessoa a seguir aquilo que lhe é mais próprio e singular, isolando-a da grande
maioria, segundo Jung, esse processo não separa o indivíduo do mundo, mas une o
mundo ao indivíduo. A partir da função transcendente, termo que caracteriza a união
entre forças opostas, somos capazes de integrar nossa realidade interior com o mundo
externo, transformando a nós mesmos e o nosso entorno.
Assim como uma grande personalidade atua na sociedade salvando,
transformando e curando, o desenvolvimento da própria personalidade tem ação
curativa sobre o indivíduo. Jung faz alusão ao que a filosofia clássica chinesa
denomina “Tao”, para descrever a formação da personalidade: “Estar dentro do Tao
significa perfeição, totalidade, desígnio cumprido, começo e fim, e a realização
completa do sentido inato da existência. Personalidade é Tao” (JUNG, 1983, p.
2 HILLMAN apud Carmen Maria HESTER, Educação e Individuação: Uma busca pela totalidade em sala de aula, 2008, p. 22
16
3.2. Educação para o Desenvolvimento da Personalidade
Segundo Jung, a criança se desenvolve a partir de um estado inicial
inconsciente, e vai aos poucos adquirindo consciência de si mesma. Assim, no início
de sua vida, encontra-se fundida com as condições do meio ambiente em que vive,
totalmente suscetível às influências das pessoas em sua volta.
A escola desempenha um papel muito importante, pois é o primeiro
ambiente que a criança encontra fora da família. Para Jung, é um espaço que pode
apoiar de modo apropriado a formação da consciência. Sua finalidade deveria ser
educar para o desenvolvimento da personalidade, ajudando a criança a se libertar de
sua identidade familiar e encontrar seu próprio caminho.
No entanto, a personalidade existe como potencial na criança, mas só se
desenvolve aos poucos, por meio da vida e no decurso da vida.
“Sem determinação, inteireza e maturidade não há personalidade. Essas três
qualidades características não podem ser algo próprio da criança, pois por meio
delas a criança perderia sua infantilidade” (JUNG, 1983, p.176).
Desta forma, torna-se essencial atentar para a figura do educador, pois,
como coloca Jung, “ninguém pode educar para a personalidade se não tiver
personalidade” (JUNG,1983, p.177). Para ele, a questão educacional tem orientação
falha, pois vê apenas a criança que deve ser educada, deixando de considerar a
importância da educação do educador.
“Tudo aquilo que quisermos mudar nas crianças, devemos primeiro examinar se não é algo que é melhor mudar em nós mesmos, como p. ex., nosso entusiasmo pedagógico. Talvez devêssemos dirigir esse entusiasmo pedagógico para nós mesmos. Talvez estejamos entendendo mal a necessidade pedagógica, porque ela nos recorda, de modo incômodo, que de qualquer maneira somos crianças e precisamos muitíssimo de educação” (JUNG, 1983, p.76).
É necessário que, antes de tudo, o educador seja alguém em constante
busca de conhecimento sobre si e sobre o mundo, uma vez que sua qualidade humana
é determinante para que haja um vínculo verdadeiro com as crianças. Segundo Jung,
17
desde que o relacionamento pessoal entre o educador e a criança seja bom, pouca
importância terá o método didático.
No entanto, a escola é também um espaço para a aprendizagem de
valores e regras de natureza coletiva, o que Jung denominou de educação coletiva
consciente, indispensável para o processo de socialização. Mas este processo não
pode conduzir à uniformização dos indivíduos, pois isto acarretaria em um
aprendizado unilateral, visando somente a adaptação às regras e códigos da
sociedade.
Por isso a importância da educação individual, que contribui para o
processo de individuação e emancipação do coletivo. Neste contexto, a figura do
educador é de muito valor, não só pelo seu olhar, que deve acolher a singularidade de
cada um, mas pelo exemplo de sua pessoa. Segundo Jung, a verdadeira educação
psíquica só pode ser transmitida pela personalidade do educador.
“... o bom exemplo é o melhor método de ensino. Por mais perfeito que seja o
método, de nada adiantará, se a pessoa que o executa não se encontrar acima dele
em virtude do valor de sua personalidade” (JUNG, 1983, p. 60).
Assim, podemos concluir que, para Jung, a figura do educador é de
extrema importância para uma educação que visa a transformação e o
desenvolvimento dos indivíduos. Sua subjetividade e atitude coerente são
fundamentais para que a relação com a criança possa ser verdadeira, contribuindo
para seu amadurecimento. Desta forma, o educador deveria ser uma pessoa em
constante busca de crescimento pessoal e profissional, tendo como ideal o
desenvolvimento de sua própria personalidade.
18
Fig. 2 A PONTE3
3 Figura retirada de http://images.amazon.com/images/P/B001ECE6C6.jpg. Acesso em 14/03/2010.
19
“Que asas de dourados fios invisíveis o educador
precisa criar em si para formar com suas crianças
uma verdadeira constelação, onde cada estrela
mostra brilho e cor em seu devido lugar?”
Luiza Lameirão
(LAMEIRÃO, 2007)
4. EDUCADORES
Em seu livro Conversas com quem gosta de ensinar, Rubem Alves
reflete, de forma poética, sobre a diferença entre os termos professor e educador:
professores seriam como eucaliptos, enquanto educadores seriam jequitibás, velhas
árvores cheias de história. “Há árvores que têm uma personalidade, e os antigos acreditavam mesmo que possuíam uma alma. É aquela árvore, diferente de todas, que sentiu coisas que ninguém mais sentiu. Há outras que são absolutamente idênticas umas às outras, que podem ser substituídas com rapidez e sem problemas” (ALVES, 1995, p. 16).
Para ele, a palavra professor designa uma função, enquanto educador
refere-se à uma vocação, algo que se define por dentro, “que nasce de um grande
amor, de uma grande esperança” (ALVES, 1995, p.14).
A origem da palavra vocação vem do verbo latino “vocare”, que significa
“chamar”. A vocação é então um chamado para algo que a pessoa deveria realizar.
Desta forma, podemos dizer que seguir a vocação seria seguir o daimon, a voz
interior descrita por Jung anteriormente, em busca de sentido para a própria
existência.
No entanto, são poucos aqueles que conseguem fazer de sua profissão
uma vocação. Assim, observamos instituições cheias de indivíduos realizando tarefas
rotineiras, sem sentido, onde o trabalho é encarado apenas como uma forma de
subsistência. Vemos escolas onde há muitos professores, mas apenas alguns poucos
educadores. “De educadores para professores realizamos o salto de pessoa para
funções” (ALVES, 1995, p. 17).
20
Professores me parecem ser aqueles que, ao receberem seu diploma,
sentem que sua educação está completa e partem para realizar seu trabalho
identificados com sua função. Educadores, por outro lado, são pessoas que, a meu
ver, não se definem por um diploma, mas sim pela sua personalidade, sua maneira
única de ser.
4.1. Ser Educador
Em De volta ao quintal mágico (2006), Dulcinéia Buitoni relata o dia-a-
dia na escola Te-Arte, onde crianças de nove meses a sete anos transitam livremente
por diferentes espaços, sem divisão de classes por idade. O brincar é privilegiado
tendo como referência a natureza, a arte e a cultura popular. Nesta escola há homens
e mulheres de diferentes profissões, todos agindo como educadores. A presença do
educador é de extrema importância, pois através de sua sensibilidade e inteireza, cria
condições favoráveis para vivências significativas.
O olhar apurado de Therezita, dona da escola, não exige nenhuma
formação específica, nem experiência prévia. Quando alguém começa a trabalhar na
escola, passa por um estágio, de duração diferente para cada pessoa, onde não são
dadas instruções ou explicações. Ao interagir com as crianças, cada um vai
descobrindo seu próprio jeito, suas limitações, pois acredita-se que desta forma há
muito mais possibilidades de crescer e aprender.
“Therezita quer que cada um sinta as crianças e desenvolva a percepção a fim de entendê-las. O adulto é muito mais aquele que dá condições (e no fundo ele precisa ser alguém bastante auto-trabalhado) do que o professor que chega propondo atividades. Também não é mero observador ou “tomador de conta”: participa de tudo, atuando com uma ou mais crianças e ainda olhando em volta” (BUITONI, 2006, p. 80).
No entanto, quando percebe a necessidade, Therezita dá indicações ou
intervém, fazendo com que o educador reflita sobre sua atuação. As reuniões com a
equipe, realizadas periodicamente, são essenciais para a reflexão sobre a prática,
além de fundamentarem o trabalho com discussões de leituras e sugestões de temas a
21
serem estudados.
Como educadora, tive a oportunidade de trabalhar em duas escolas com
esta mesma proposta. Conheci homens e mulheres muito especiais, que exerceram
grande influência em meu trabalho. Muitos, no entanto, não tinham formação em
Pedagogia, e alguns não tinham sequer uma formação superior. Mas a maneira como
se relacionavam com as crianças foi para mim um aprendizado enriquecedor. A
forma como contavam histórias, tão importantes para as crianças, foi um grande
exemplo do quanto a qualidade de um educador não se define por uma formação
específica, mas por sua inteireza e disponibilidade de estar junto.
Pude observar mulheres de origem simples, que com muita sabedoria,
sabiam passar para as crianças a riqueza de seus costumes e tradições. Homens que
contavam sobre a força dos mitos e dos épicos, e outros que inventavam histórias
engraçadas a partir do que as crianças traziam. Ou ainda, uma educadora capaz de
envolver crianças muito pequenas, que mal sabiam falar, mas que se encantavam
com seu jeito acolhedor e sutil de contar histórias.
É interessante perceber que estas experiências aconteceram em
momentos e lugares diferentes, hora dentro de uma sala, hora no tanque de areia,
hora debaixo de uma árvore, com crianças sentadas onde quisessem. Nestes
contextos, pude observar a singularidade de cada educador, que com sua bagagem,
fazia com que a história fosse cheia de vida. O olhar atento das crianças e sua intensa
concentração eram indícios de que algo muito especial estava acontecendo.
Por outro lado, observei também a atuação de algumas professoras que
encaravam o momento da história como uma tarefa, realizada sem envolvimento e
alegria. Era comum perceber que as crianças se dispersavam facilmente ou ficavam
agitadas, o que era visto como um comportamento desagradável, e não como o
reflexo de uma atividade que não lhes despertava interesse.
É natural que passemos por momentos de desgaste ou problemas
pessoais, que podem nos afetar a ponto de influenciar nosso trabalho. O
22
comportamento das crianças nestas situações, muitas vezes de agressividade ou
agitação, aparecem como um espelho fiel, indicando a necessidade de nos revermos.
Assim, cabe à nós o exercício constante de pensarmos sobre nossas atitudes.
Buitoni levanta algumas características importantes para o trabalho do
educador, entre elas ter coerência, empatia, observação e afeto. No entanto, coloca
como fundamental o autoconhecimento e a auto-educação, para que o educador
busque refletir sobre sua maneira de ser, e evite corrigir na criança, aquilo que deve
ser melhorado nele mesmo.
Como descrito por Jung no capítulo 3.2, a educação pelo exemplo é o
melhor método de ensino. Assim, o educador deve atentar para seu jeito de ser, uma
vez que é modelo para seus alunos. Ao realizarmos nossas tarefas, é necessário que
estejamos envolvidos, presentes, concentrados, de modo que nossas atitudes sejam
coerentes com o que desejamos transmitir. Assim, não posso ensinar a uma criança a
importância da leitura, se eu mesma não me encantar com a riqueza dos livros. Não
posso fazê-la entender a necessidade de rever seu comportamento, se eu mesma não
tiver essa prática. Não posso exigir que tenha respeito pelas pessoas, se esse não for
um valor verdadeiro para mim.
Uma mãe, ao observar o trabalho desenvolvido na Te-Arte, descreve: “Da parte dos educadores, a generosidade está em cada gesto, está no olhar atento e presente (porém sem ser controlador ou impositor de ações) ..Sempre moderador, o adulto presente é aquele que chama atenção (quando necessário) para os limites, que existem para que ninguém se machuque ou seja machucado, para que haja respeito entre todos e, portanto, para que todos se sintam seguros e acolhidos, passo essencial para que tenham “atitude de cidadão”, palavras compreendidas e usadas sempre, do menor ao maior, com absoluta consciência do significado e da prática” (BUITONI, 2006, p. 34).
Ao buscar agir com dignidade e coerência, o adulto se torna uma
referência importante para a formação de caráter das crianças. Segundo Jung, para
encontrar uma presença adequada, é importante que o educador não exerça a
autoridade de modo que subjugue, mas deve ter a medida certa de firmeza que cabe à
uma pessoa adulta perante uma criança. Tal atitude não pode ser obtida
23
artificialmente, “mas se realiza de modo natural, à medida que o professor procura
simplesmente cumprir seu dever como homem e cidadão” (JUNG, 1983, p. 60).
4.2. O Educador como Ambiente
Segundo Luiza Lameirão, é muito importante atentarmos para a
qualidade de nossos gestos, que não podem ser automáticos e inconscientes, e sim
cheios de vida e presença. Tive a oportunidade de conhecê-la em uma aula, o que foi
para mim um dos maiores exemplos do quanto um corpo inteiro e presente pode
ensinar mais do que mil palavras. Sua movimentação harmônica, o olhar, o tom de
voz firme e suave me mostraram a importância de cuidar do corpo não só como algo
pessoal, mas como um instrumento essencial para o nosso trabalho4.
Nosso corpo inteiro ensina, dá colo, canta, embala, corre, olha, pisa, toca,
se encanta. A criança nos observa e nos imita nos nossos mínimos movimentos. Daí
a importância de serem acurados, conscientes, vivos. Por isso a necessidade de nos
olharmos constantemente, como se estivéssemos buscando estar sempre “em dia”
conosco, afinando-nos como instrumentos. Se realizamos atividades com entusiasmo
e concentração, inteiros de corpo e alma, somos exemplos de um fazer com sentido.
A atividade do educador deve favorecer a relação com a criança. Para
ilustrar a importância desta questão, penso no momento de troca de uma criança
pequena, que muitas vezes é feito de forma automática, deixando a criança em um
papel passivo. Mas quando o adulto se faz presente e convida a criança a participar,
nem que seja com um olhar ou uma conversa, ela envolve-se ativamente, aprendendo
sobre seu corpo e estabelecendo um contato significativo.
Percebo o quanto é rico envolver as crianças em atividades como a
limpeza de uma mesa, o preparo de um lanche, ou mesmo a organização de uma sala
bagunçada. Muitas destas tarefas podem se tornar insignificantes se realizadas por
4 Aula proferida no Curso de Pós-Graduação Lato sensu em “Educação Lúdica em contextos escolares, não formais e corporativos”, no Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em 2008.
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um adulto, mas quando são compartilhadas com as crianças, ganham sentido e
tornam-se uma fonte de aprendizagem.
A qualidade da comunicação é essencial para a relação. Assim, é muito
importante que, como educadores, utilizemos nossa voz de maneira adequada, pois,
dentre todos os sons, nada substitui a voz humana, “a melhor portadora de nossa
vida interior” (LAMEIRÃO, 2007, p.37). O tom de voz consegue acolher a todos em
uma história, em uma canção, é capaz de acalmar, acalentar.
“O ensino da linguagem começa pela fala clara, verídica, sonoramente bela do
professor... A qualidade da linguagem oral do professor pode chegar a adoecer seus
alunos, dependendo de sua tonalidade e modulação” (LAMEIRÃO, 2007, p.64).
Palavras usadas com cuidado e atenção alimentam a vida interior das
crianças, povoando-a com diferentes matizes de sentimentos e imagens. Além disso,
palavras trocadas de forma sincera, sobre desejos, medos e dificuldades, dão à
criança o sentimento de confiança, nela mesma e no mundo, para que ela possa
seguir seu próprio caminho.
Da mesma maneira, é fundamental que estejamos atentos para ouvir e
compreender as pessoas à nossa volta. O acolhimento e o interesse verdadeiro que
podemos dar a outro ser humano dependem da nossa disponibilidade para ouvir de
verdade. Uma criança que é ouvida se expressa com tranquilidade e fluência, sem ter
necessidade de gritar, gaguejar ou ser agressiva.
Ao cuidar da qualidade sonora de um espaço, criamos condições para que
todos possam se expressar e realmente escutar uns aos outros, contribuindo para a
formação de vínculos mais significativos. Ao zelar por momentos de silêncio e
calma, possibilitamos atitudes de concentração e contemplação, além de propiciar
momentos de escuta interior, tão importantes para o conhecimento de si mesmo.
Quão rica se torna nossa prática quando nos abrimos para ouvir os
desejos e interesses das crianças, que nos indicam os caminhos a serem seguidos.
Lembro de um episódio com um menino de cinco anos, que havia voltado de uma
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viagem para a Europa com seus pais. Quando lhe perguntei sobre suas férias, não
quis me contar nada, e voltou à sua rotina na escola como de costume. Depois de
uma tarde de chuva, fomos brincar de soltar barquinhos de papel nas poças de água, e
ele disse que estava navegando no Rio Sena. Os barquinhos começaram a afundar e
as crianças foram pendurando-os em um varal, e comentei que parecia um “museu de
barcos naufragados”. Foi então que ele começou a contar sobre o Museu Naval que
havia visitado, onde tinha visto muitas pinturas de barcos, canhões e navios de
guerra. Esta conversa gerou idéias para muitas brincadeiras, histórias e atividades,
envolvendo todos os alunos da escola.
Através desta experiência pude entender o quanto é importante respeitar
o tempo das crianças, pois elas sabem quando estão prontas para compartilhar algo.
Além disso, compreendi que, quando estamos abertos para ouvir com empatia e
intuição, podemos experienciar o que Jung chamou de sincronicidade, uma
coincidência significativa (JUNG,1971). Assim, pequenas conversas se tornam
oportunidades para o desenvolvimento de algo maior, cheio de sentido e significado
para todos.
É tarefa do educador cuidar do ambiente, criando envoltórios para que a
criança cresça e tenha a formação necessária para comprometer-se na vida, revelando
sua individualidade. Para que um ambiente seja cheio de vida, ele precisa de calor.
“O calor nos parece o elemento mais decisivo para que o ambiente possibilite a
atividade da criança; ele é o elemento que transforma as intenções humanas em
ações no mundo” (LAMEIRÃO, 2008, p. 28).
Lameirão descreve o calor do entusiasmo, gerado dentro do ser humano,
quando ele encontra alegria e sentido em suas ações. É por meio deste calor, de sua
presença e personalidade, que o próprio educador se torna ambiente para a criança.
Nenhuma condição externa substitui a condição interna do educador. É assim que as
vivências de entusiasmo e criatividade das crianças têm como ressoar.
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4.3. O Educador como Ponte
Como citado previamente, Jung descreveu duas formas de educação, a
educação coletiva e educação individual, ambas fundamentais para o processo de
formação do ser humano. Para dar conta destes dois pólos, cabe ao educador
apresentar o que ele definiu como função transcendente, a mediação entre os opostos.
É através das relações que faz consigo, com o outro e com o mundo que
o ser humano vai se formando. Assim, é importante que o educador se coloque como
uma ponte, ajudando a criança a tecer significado entre aquilo que ela apreende do
ambiente à sua volta, com o que vive internamente. Ao preparar o aluno para atuar
no mundo exterior, e da mesma forma ajudá-lo a compreender a si mesmo, o
educador lhe propicia uma vivência de integração. Quando apresenta o mundo com
encantamento, fomenta na criança a vontade de crescer e conhecer o seu entorno.
A arte apresenta-se como um recurso importante, pois além de ser uma
forma de expressão de vivências internas, estimula o contato com o mundo,
apresentando-se como função transcendente.
“A vivência do belo desperta o interessa pelo mundo, e o interesse é a motivação mais intensa para a ação. No processo artístico o ser humano se envolve totalmente nas mais variadas formas de expressão” (LAMEIRÃO, 2008, p. 64).
Como já citado, Jung encontrou na arte uma maneira de expressar suas
vivências, percebendo assim seu potencial de cura. O brincar da criança, com seu
corpo e com a natureza à sua volta, constitui uma atividade artística primordial, que
vai se desenvolvendo até chegar nas mais variadas formas de arte.
“A obra de arte de uma criança pode consistir em atender sua necessidade de olhar pela janela para ver o céu, ou em permanecer longos minutos concentrada numa idéia, num conceito, numa imagem que a seduz ou a perturba. A obra de arte de uma criança pode ser o seu brincar!” (LORTHIOIS, 2008, p. 213).
Celine Lorthiois coloca que o contato com a matéria ensina um fazer
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alegre, “enraíza a criança na sua vida, no seu planeta, no seu ambiente maior; isso
produz muita alegria e a criança encontra seu eixo”(LORTHIOIS, 2008, p.12).
Quando apresentamos técnicas artesanais como a modelagem de argila
ou a costura, mediamos o encontro da criança com um fazer compartilhado por
diferentes culturas, em diversas épocas e lugares. Assim, além de serem atividades
que auxiliam o contato consigo mesmo, estas técnicas trazem imagens, gestos e
símbolos do inconsciente coletivo, carregados de energia criativa.
Ser criativo é sentir-se vivo, transformando a si mesmo e o mundo, e para
realizar seu potencial, é importante se conhecer. Lorthiois defende que o verdadeiro
espaço para a criatividade é a vida interior, que deve ser respeitada e alimentada.
Desta forma, é essencial que o educador ocupe seu próprio território íntimo,
enriquecendo-se de experiências significativas.
“Porque, antes de tudo, e muito antes do ambiente físico, o espaço da criatividade é proposto à criança pela personalidade do educador. “Conteúdo” verdadeiro, melhor do que qualquer outro, ele ajuda o educando a crescer e a superar obstáculos. Modelo inspirador, e não estereótipo, ele dá seu apoio e sua energia” (LORTHIOIS, 2008, p. 220).
Assim, através de sua personalidade, o educador coloca-se como função
transcendente, mediando o encontro entre o mundo interno e o mundo externo. Ao
respeitar as atividades que são naturais à criança e aguçar seu interesse e respeito
pelo mundo, o educador propicia experiências significativas, encontrando equilíbrio
entre o coletivo e o individual. Quando auxilia a criança a encontrar aquilo que lhe é
mais próprio e singular, o educador lhe ensina o caminho para a Humanidade.
4.4. Formação
Como conceber a formação de um educador, uma vez que sua atuação
deve transcender os muros da escola e de qualquer instituição, para atuar na
transformação dos seres humanos? Decerto o estudo e uma formação são
fundamentais para enriquecer o trabalho, mas mostram-se insuficientes.
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Como colocado no capítulo anterior, para Jung, a verdadeira finalidade
da escola deveria ser o desenvolvimento da personalidade. Portanto, o educador deve
ajudar a criança a saber de si, buscando ele próprio desenvolver-se como
personalidade. Desta forma, é essencial que ele procure conhecer-se.
Pois se o autoconhecimento é importante para todos que desejam
transformar a si e o mundo, em busca de uma vida mais cheia de sentido, ele é, de
modo especial, fundamental ao educador. Ele é o responsável, em grande medida,
pela iniciação das novas gerações aos processos pelos quais nos construímos como
seres humanos.
Ao pensar em uma educação que abarque o ser humano em sua
totalidade, Lorthiois idealizou uma Pedagogia Profunda que tivesse por currículo a
Vida. Nossa formação como seres humanos, nossos conhecimentos sobre diversos
temas, nossas vivências, tudo é material para o trabalho. Daí a importância de se
cuidar da voz, do corpo, do olhar. Entender o valor de cura das histórias, encontrar o
prazer de cozinhar, jardinar, pintar, cantar, costurar, contemplar, degustar. Cuidar de
si como um indivíduo em constante transformação, revendo-se, respeitando-se,
fertilizando-se. Cabe ao educador o exercício constante de observar a Vida e
aprender com ela, enriquecendo-se de repertórios e experiências.
Assim, no plano pessoal, “o educador precisa viver, ser verdadeiro, fazer
o que gosta com coragem e determinação, brincar, estudar, trabalhar e estar
disposto a encontrar as pessoas certas” (LORTHIOIS, 2008, p. 221).
Lameirão destaca a importância de voltar-se para a própria infância, nos
seus momentos luminosos e sombrios, de modo a estabelecer um diálogo entre o
raciocínio maduro do adulto e as vivências infantis. Ao relembrarmos as experiências
de infância, podemos refazer nossa trajetória, além de compreendermos melhor as
crianças à nossa volta.
“A estrela que está ao alcance de cada criança quando brinca pode tornar-se a boa
estrela-guia de todo o educador em sua tarefa, e assim cada ser humano poderá
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mostrar-se em todo o seu brilho e limpidez” (LAMEIRÃO, 2007, p. 81).
Ao lembrar da intensidade do brincar infantil, podemos retomar a
ludicidade em nossa vida adulta. Quando descobrimos a importância do brincar para
nossa própria saúde, passamos de fato a respeitar e legitimar essa importância para a
criança. Jung, em seu relato biográfico, descreve:
“A primeira coisa que se produziu foi o aparecimento de uma lembrança da infância... aqui há vida! O garoto anda por perto e possui uma vida criativa que me falta. Mas como chegar a ela?... Se eu quisesse, entretanto, restabelecer o contato com essa época de minha vida, só me restava voltar a ela acolhendo outra vez a criança que então se entregava aos brinquedos infantis” (JUNG, 1981, p. 154).
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“Sinta isto, professor Vá se olhando. Vá se ouvindo. Volte a se falar baixinho. Falar pra você mesmo. Escute-se, professor. Coragem! Vai, desça lá no fundo, Mergulhe. Chegue até lá, Lá,onde não mais existe separação entre o sentido e o pensado. Lá, onde existe você. ... Para conhecer a escola que você vê lá dentro. ... Você ainda consegue estar dentro dela porque perto de você estão crianças, jovens, irradiando energias. Se você prestar atenção e quiser olhar de verdade aquilo que você se deixou consumir, você consome deles. O que lhe estão a cobrar, você cobra deles. O que você não se deixa ser, você busca neles.”
Péo (SAWAYA, 1981)
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5. NOSSA TAREFA
Como colocado por Jung no capítulo 3.2, a questão educacional tem uma
orientação falha, pois coloca ênfase na criança a ser educada, esquecendo-se da
importância da pessoa do educador. Nas palavras de Maria Amélia Sawaya:
“Há uma pessoa dentro do papel do professor. Qualquer modificação de qualquer estrutura educacional não começará a acontecer, enquanto este professor não deixar sair de dentro de si mesmo esta pessoa que está guardada e aguardada” (SAWAYA, 1981, p.54).
É com a pessoa do educador que a criança pode estabelecer vínculos
verdadeiros. É a pessoa do educador que acolhe, que educa, que propõe desafios. É
essa pessoa que serve de modelo inspirador, para que a criança cresça acreditando
que a vida possui encantamento mesmo depois de terminada a infância. Assim, é a
esta pessoa que deve ser direcionado o olhar da educação.
Da mesma forma que o educador deve buscar desenvolver-se para
enriquecer seu trabalho, o próprio trabalho pode e deve ser uma fonte de crescimento
e enriquecimento para o educador. Ao nos deixarmos tocar pelo olhar da criança,
podemos transformar nossa própria vida. No entanto, em troca, devemos lhes dar um
modelo de adulto que continua vivendo com alegria, fruto da nossa própria
motivação.
“A criança quer que o adulto, ocupando-se de si mesmo, possa tornar possível que elas, acompanhando-os, continuem convivendo com o assombro das descobertas, valorizando o irreversível de cada vivência, e que lhes seja garantida a atitude permanente de espontaneidade e curiosidade ao perceber o extraordinário no mais corrente e a grande sabedoria do mais simples cotidiano” (SAWAYA, 1981, p.18).
Como disse Ghandi, “Nós devemos ser a mudança que queremos ver no
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mundo”5. Assim, cabe a nós, educadores, buscarmos a coerência entre aquilo que
desejamos e acreditamos, com aquilo que somos e vivemos de verdade. Cabe à nós
cultivarmos o fogo de nosso entusiasmo, procurando fazer da nossa profissão a nossa
vocação. Cabe a nós estarmos conectados com o chamado da nossa voz interior, em
busca de sentido para nossa vida, à procura daquilo que nos é mais próprio: nossa
personalidade.
“Personalidade é a obra a que se chega pela máxima coragem de viver, pela afirmação absoluta do ser individual, e pela adaptação, a mais perfeita possível, a tudo que existe de universal, e tudo isso aliado à máxima liberdade de decisão própria. Educar alguém para que seja assim não me parece coisa simples. Trata-se sem dúvida da maior tarefa que nosso tempo propôs a si mesmo no campo do espírito” (JUNG, 1983, p.177).
5 GHANDI apud LAMEIRÃO, 2007, P.68.
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Rubem Azevedo. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Ars
Poética, 1995.
BUITONI, Dulcilia Shroeder. De volta ao quintal mágico: a educação infantil na
Te-Arte. São Paulo: Ágora, 2006.
ESPÍRITO SANTO, Ruy Cezar do. Autoconhecimento na formação do educador.
São Paulo: Ágora, 2007.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do
arquétipo da mulher selvagem. Rio de janeiro: Rocco, 1994.
HESTER, Carmen Maria. Educação e Individuação: Uma busca pela totalidade em
sala de aula. São Paulo, 2008. [Trabalho de conclusão de curso – Curso Jung e corpo
– Instituto Sedes Sapientiae].
HOFFMAN, Edward. A sabedoria de Carl Jung. São Paulo: Palas Athena, 2005.
JUNG, Carl Gustav. O Desenvolvimento da Personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983.
_________ Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
_________ A Prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1981.
_________ Sincronicidade. Petrópolis: Vozes, 1971.
LAMEIRÃO, Luiza Helena Tannuri Criança brincando! Quem a educa?. São Paulo:
João de Barro Editora, 2007.
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LORTHIOIS, Celine. Exercícios de pedagogia profunda: uma inclusão da alma na
educação. São Paulo: Paulus, 2008.
SAWAYA, Maria Amélia Pereira. O professor:uma pessoa guardada e aguardada.
Petrópolis: Vozes, 1981.
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