O MUNDO (MUITO LOUCO) DAS VÁLVULAS – 1ª PARTE Postado por André Dantas
Os limites e propriedades das válvulas circulares convencionais
Todos nós temos uma grande unanimidade debaixo do capô dos nossos amados
carros. Dentro de cada motor que circula em um veículo pela cidade, quer seja
um automóvel, quer seja um caminhão, quer seja um motor de ciclo Otto ou
Diesel, do fabricante que seja, todos eles utilizam o mesmo tipo de válvula, em
formato de tulipa, para controlar a entrada e a saída de gases dos cilindros.
Entretanto, esta não é exatamente uma unanimidade singularmente burra,
como nos lembraria Nélson Rodrigues, pois ela é fruto de um processo
técnico que já contei aqui, chamado de convergência tecnológica.
Se todos os fabricantes usam este tipo de válvula é porque ao longo dos anos
de evolução esta se mostrou a melhor solução para controle de fluxo dos
motores a pistão.
Há, entretanto, esquecido no fundo da gaveta dos projetistas, todo um universo
de sistemas de válvulas que hoje não passam de mera curiosidade. Parte deste
universo será explorado nas próximas partes deste artigo.
Embora a convergência tecnológica tenha tornado essas opções hoje mera
curiosidade técnica, nada impede que que um dia ressurjam para o mundo real,
já que o sistema de válvulas que usamos hoje possui muitas imperfeições.
É sobre essas imperfeições e demais caracteristicas das válvulas o tema desta
parte.
Se tem uma coisa que um motor necessita de uma válvula é a sua capacidade
de vedar hermeticamente a câmara de combustão, para que não ocorram
vazamentos que prejudiquem o desempenho do motor. Cada ignição produz um
grande pico de pressão, e uma válvula ruim, que não veda adequadamente a
câmara, prejudica severamente a potência e o consumo do motor.
No sistema de válvula convencional, a própria pressão que se forma da queima
da mistura empurra a cabeça da válvula contra a própria sede, aumentando
sua capacidade de vedação. Quanto maior a pressão, mais vedada se mostra a
válvula fechada.
Dinamicamente, sempre há um certo nível de choque entre a válvula e sua
sede. O contato e o choque desgastam as superfícies de contato da válvula e da
sede. Como a válvula é feita girar em torno de sua haste enquanto trabalha,
ela nunca fecha exatamente no mesmo lugar sobre a sede, criando um
desgaste homogêneo ds duas peças e mantendo a vedação perfeita por muito
tempo.
Esta capacidade de manter excelente vedação por muito tempo de uso foi a
principal característica das válvulas convencionais sobre os demais sistemas, a
ponto de tirar os sistemas concorrentes do mercado.
Entretanto, nem tudo é perfeito nas válvulas circulares convencionais. Elas
possuem muitos defeitos que trazem limitações aos motores e dores de cabeça
aos projetistas.
Estas válvulas funcionam sendo impulsionadas linearmente no sentido de
abertura, e depois são impulsionadas de volta por uma mola. Funcionalmente,
elas operam num movimento linear oscilante semelhante ao realizado pelo
pistão dentro do cilindro. Isto cria um efeito de oscilação do motor, menor que
o do pistão, mas ainda assim, sensível. Some aos efeitos dessa oscilação o
choque com que as válvulas se fecham em suas sedes, e teremos aí uma fonte
adicional de vibração do motor.
No começo da história do automóvel, as válvulas eram instaladas no bloco, e o
cabeçote era uma peça que era pouco mais que uma tampa com refrigeração,
onde se instalava a vela. Era feito desta forma para simplificar a construção de
motores numa época ainda primitiva. A simplicidade da tampa também
facilitava retirada e colocação, visando a freqüente descarbonização dos
motores daquela época.
Entretanto, esta configuração oferecia uma série de desvantagens, que
comprometiam o desempenho do motor. Turbulência ruim, maior tendência à
detonação, os fluxos de admissão e descarga não eram adequados, entre
tantos problemas.
Válvulas laterais: simplicidade, mas ao custo de muitos problemas e limitações
Foi verificado então, que o melhor lugar para as válvulas estaria no cabeçote. A
passagem das válvulas do bloco para o cabeçote foi uma revolução técnica na
história do motor a combustão, porém há todo um capítulo à parte sobre a
evolução dos mecanismos de acionamento das válvulas para que elas
funcionassem no cabeçote, bem afastadas do virabrequim.
Porém não foi só o mecanismo de acionamento das válvulas que representou
um desafio técnico aos projetistas. Quando as válvulas eram instaladas no
bloco, os projetistas tinham toda liberdade para escolher o diâmetro que
quisessem para elas. Assim, em motores mais potentes poderiam escolher
válvulas de grande diâmetro para compensar as perdas que os fluxos do motor
sofreriam desscrevendo curvas apertadas para entrar e sair do cilindro.
Entretanto, quando as válvulas passaram para o cabeçote, o diâmetro da
câmara de combustão limitou o tamanho das válvulas. As áreas dos dutos,
dependentes dos diâmetros das válvulas, eram agora limitadas a uma fração da
área da câmara de combustão.
Havia mais um complicador nessa história. O fluxo de escapamento é quente e
ainda está pressurizado dentro do cilindro quando a válvula respectiva abre,
mas o fluxo de mistura fresca está frio, é muito mais denso e viscoso, e ele
teria que entrar no cilindro por aspiração, induzida pela descida do pistão. Estas
diferenças obrigam que as válvulas de escape sejam menores que as de
admissão, ficando a questão de qual o melhor equilíbrio de diâmetros dentro do
restrito espaço deixado pela câmara de combustão para que o rendimento do
motor fosse maximizado. Já se sabia de antemão que a melhor câmara de
combustão era a hemisférica, e era nela que as melhores configurações de
válvulas deveriam ser projetadas.
Até matemáticos foram recrutados para resolver a questão.
Chegou-se à conclusão que a área de válvulas era maximizado com o uso de 5
válvulas com suas hastes em distribuição radial em relação ao formato da
câmara. Porém esse modelo era seguido muito de perto pela opção de 4
válvulas radiais.
Foi assim que nasceram os motores multiválvulas, mas, ainda assim, as áreas
de trocas gasosas nesses motores eram pequenas diante de outros tipos de
válvulas. Esse assunto foi explorado num artigo sobre a Honda NR-750 .
Este sistema de válvulas precisa lidar com um fenômeno desagradável: a
flutuação da válvula. Nos sistemas convencionais de válvulas, a válvula de abre
pela ação indireta ou direta de um ressalto sobre a válvula, junto com a
compressão da mola. Na fase de fechamento, a mola impulsiona impulsiona a
válvula de volta à sede. Em baixas rotações, a mola mantém a válvula e todo
trem de acionamento firmemente apoiado sobre o flanco de fechamento do
ressalto.
Entretanto, em altas rotações, a inércia do conjunto é tão elevada que a força
da mola é insuficiente para impulsionar todo conjunto móvel da válvula para
manter contato com o flanco do ressalto. Sem poder acompanhar o flanco do
ressalto, o retorno livre (ou flutuação) faz a válvula colidir com muita força
sobre a sede. Por estar apoiada em uma mola elástica, a válvula repica sobre a
sede assim como uma bolinha de pingue-pongue, e a colisão gera vibrações em
muitos modos, incluindo alguns onde a elasticidade torcional da mola se
manifesta, permitindo que a válvula e a própria mola girem.
Além desse efeito, a flutuação de válvula pode levar a outro efeito, desastroso,
que é o atropelamento de válvulas pelo pistão, pelo fato de as válvulas não
estarem fechadas quando deveriam. Esse efeito é tão mais provável quanto
mais elevada for a taxa de compressão, resultado de câmaras de combustão
pequenas.
A ação do mecanismo de acionamento sobre a haste de válvula também pode
excitá-la a flexionar em sua freqüência de ressonância, e ela pode partir-se.
Vemos esses fenômenos nos vídeos em câmera lenta a seguir:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_REQ1PUM0rY
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=cfGg15WgSEU
Há um outro problema que muitos confundem com a flutuação de válvula, mas
que também surge da alta rotação. A mola, além de elemento elástico, possui
massa distribuída ao longo do seu comprimento. Quando em alta rotação, o
acionamento da válvula começa a pressionar a extremidade livre da mola,
porém, devido aos efeitos de inércia, a mola é primeiro comprimida na parte
livre, com baixa elasticidade para o acionamento, e só depois a porção estática
da mola é carregada. Isso cria um pulso que percorre a mola ao longo do seu
comprimento.
Propagação de onda longitudinal pela mola causada pelo acionamento da válvula
Se esse pulso atingir a freqüência de ressonância da mola, ela quebra e a
válvula, que passa a não retornar mais, pode ser atingida pelo pistão e causar
grandes danos ao motor.
É o que vemos no vídeo a seguir:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=0cbjqj5Kidk
Há algumas medidas que precisam ser tomadas para evitar estes dois
problemas:
- As molas precisam ter a constante (dureza) mais alta possível para evitar a
flutuação;
- O uso de duas molas concêntricas, além de aumentar a rigidez, associa duas
molas com ressonâncias diferentes, com uma dissipando a energia ressonante
que pode destruir a outra. Se uma mola quebrar, a outra mantém a válvula
operando com segurança;
- Molas com passo diferenciado ao longo de seu comprimento tem ressonâncias
diferentes para cada passo, com um efeito semelhante ao de duas molas
concêntricas no amortecimento da energia ressonante;
- Redução ao máximo das massas oscilantes do sistema de válvulas. Quanto
mais simples e com componentes pequenos e leves, melhor.
Como sempre, na engenharia, estas coisas não são muito fáceis. Conforme
aumentamos a constante das molas, a potência necessária para virar o
comando e acionar as válvulas aumenta drasticamente. A maior carga sobre os
ressaltos do comando conduzem também a um maior desgaste do conjunto.
Esta necessidade de grande esforço de acionamento num intervalo muito curto
de tempo (milissegundos) num sistema de precisão tem limitado um avanço
lógico e importante para os motores.
O controle preciso de início e fim da abertura das válvulas, bem como seu
levantamento máximo (lift), permitiria um controle muito maior do processo de
combustão, levando os motores a novos patamares de potência e torque
máximos, consumo e emissões de poluentes.
A idéia de controle das válvulas não é nova, e várias foram as propostas para
fazer um sistema de comando total ou parcialmente variável, entretanto, das
poucas opções de controle que persistem, o variador de fase de comando,
especialmente o de admissão, é um dispositivo muito limitado diante do
potencial de controle sobre as válvulas, e mesmo assim não se tornou um
dispositivo universal.
Em 1989 a Honda lançou um sistema de fase e levantamento variáveis, o VTEC
e já na primeira década do novo século a BMW, a Porsche e a Fiat lançaram
sistemas completamentes variáveis, tanto em levantamento quanto em fase,
chamado de Valvetronic com Duplo-Vanos, Variocam Plus e MultiAir,
respectivamente.:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=R6tWIByEetg
Estes sistemas são complexos, muito mais caros que os sistemas de comando
convencionais e possuem componentes delicados e de precisão que lidam com
altas cargas para acionamento das vávulas. Eles já passaram pela prova de
fogo do mercado, mostrando que seu custo se justifica diante dos benefícios,
sem mostrar a alta fragilidade e a baixa durabilidade de sistemas anteriormente
propostos.
Os problemas de flutuação de válvulas e de quebras de molas por ressonância
não são novos. As primeiras patentes referentes a um sistema desmodrômico
são de 1896, criadas por Gustav Mees.
A idéia básica por trás do sistema desmodrômico, palavra originária do
grego desmos, controle e dromos, percurso, é que a válvula tenha seu retorno
promovido pelo próprio comando, eliminando a mola que causa a flutuação.
Assim, a flutuação de válvula não seria um fator limitante da rotação máxima
do motor.
Sistema desmodrômico: cames realizam o retorno e o fechamento da válvula no lugar da mola
Esta característica levou vários fabricantes a testarem esta opção tecnológica
nos anos 1950, quando as corridas renasceram após a Segunda Guerra
Mundial. Foi o caso, entre outros da Mercedes, da Ferrari e da Porsche.
Sistema desmodrômico patenteado pela Porsche na década de 1950
Grande variedade de sistemas desmodrômicos: sem convergência tecnológica, o sistema quase caiu em desuso
Entretanto, a eliminação da mola traz o problema da pressão correta de
fechamento da válvula sobre a sede, num cabeçote sujeito a grandes flutuações
de temperatura e consequentes dilatações de materiais. Além disso, o sistema
é complexo, caro e sujeito a desgastes e desajustes constantes. Estes defeitos
levaram a muitas falhas de vedação e queima de válvulas.
Atualmente, apenas a Ducati é adepta desta tecnologia, sendo praticamente
uma marca registrada de suas motos. Entretanto, dado o grande número de
patentes e diferentes disposições criadas pela Ducati, fica evidenciado que
mesmo ela ainda tem problemas com esta tecnologia.
Como vimos no vídeo anterior, a Fórmula 1 também testou o caminho do
comando desmodrômico para poder elevar as rotações dos motores, mas como
tantos outros, não obteve sucesso.
O sucesso veio por um sistema de retorno de válvula pneumático bastante
complexo. Hoje há sistemas onde não só o retorno, mas também a abertura da
válvula são feitos por acionamentos pneumáticos.
Na Fórmula 1, o sistema pneumático permite o retorno da válvula sem flutuação, mesmo em altas rotações.
As válvulas convencionais também são problemáticas com a dinâmica de gases
no motor. Ao abrirem para dentro da câmara, suas cabeças agem como corpos
intrusivos, que interferem com a livre turbulência dentro dela.
As cabeças das válvulas interferem na turbulência da câmara de combustão e dificultam a passagem dos gases
O fluxo de mistura fresca, vinda do coletor de admissão, se vier direto pelo
duto vai seguir em linha reta até colidir com a cabeça da válvula. A cabeça da
válvula age como um obstáculo que se opõe ao enchimento do cilindro. A
solução parcial para o problema é conformar o duto de admissão de forma que
o fluxo possua um turbilhonamento com eixo de giro concêntrico à haste da
válvula. Assim, ao passar pela sede da válvula, a rotação centrifuga o fluxo,
que se desvia mais facilmente da cabeça da válvula.
Fluxo de mistura em turbilhão contorna as válvulas de admissão mais facilmente
Assimetria do fundo do duto da válvula de admissão impulsiona o fluxo para turbilhonar
A válvula de escape possui o problema inverso. É necessário que a turbulência
interna da câmara direcione o fluxo de descarga pela tangente do vão entre a
cabeça da válvula e sua sede, conferindo um fluxo turbilhonante no duto de
descarga.
Entretanto, a válvula de escapamento sofre com o fluxo quente que passa por
ela. Sua cabeça e boa parte de sua haste ficam imersas nos gases queimados
extremamente quentes e a válvula só consegue se refrigerar no curto período
que está apoiada sobre sua sede, pela limitada superfície de vedação e pelo
contato da haste quente com a sua guia.
Padrão de temperatura de uma válvula de escapamento
Fluxos de refrigeração da válvula de escapamento
Nos motores antigos, este problema levava muitas vezes a válvula de escape a
um processo corrosivo acentuado. Foi necessário o desenvolvimento de ligas
especiais de aço para amenizar este problema.
Corrosão em válvulas de escape: oxigênio muito reativo em altas temperaturas
Em motores ainda mais potentes, como os de avião e de corrida, somente o
acerto da liga não era suficiente para lidar com o calor captado da válvula, e foi
necessário o desenvolvimento de válvulas ocas, preenchidas com sódio
metálico, que conduz calor facilmente, para resolver de vez o problema.
Sódio metálico no interior da válvula de escape facilita sua refrigeração
Para finalizar esta longa lista, vale a pena citar que há uma forte relação entre
as válvulas do motor e a posição da vela de ignição.
Enquanto as válvulas de admissão são banhadas por mistura fresca e até
mesmo a lavagem por combustível líquido injetado, as válvulas de
escapamento ficam imersas em gases muito aquecidos. Assim, as válvulas de
admissão formam uma zona fria na câmara de combustão, enquanto as
válvulas de escapamento formam uma zona quente.
Estas zonas quentes e frias afetam como a frente de chama se propaga pela
mistura dentro da câmara de combustão. As zonas frias roubam calor da frente
de chama, enquanto as zonas quentes a aquece ainda mais. Isso retarda o
avanço da frente de chama nas zonas frias e acelera nas zonas quentes.
Como no motor a origem da frente de chama é a vela de ignição, a posição dela
dentro da câmara, mais próxima de uma zona do que de outra, pode acelerar
ou retardar a queima da mistura.
Se a vela de ignição é posicionada mais próxima da válvula de admissão,
obtém-se um funcionamento mais suave em marcha-lenta e um
comportamento melhor em alta rotação.
Se a vela é posicionada mais próxima próxima à válvula de escapamento,
obtém-se uma queima mais rápida e suave, com menor tendência à detonação.
Para motores convencionais busca-se, sempre dentro do possível, que a vela de
ignição fique em um ponto mais próximo das válvulas de escapamento do que
das válvulas de admissão, pelas melhores características gerais que esta
disposição oferece.
Vela mais próxima e voltada para a válvula de escapamento
A lista de desvantagens do sistema de válvulas é enorme, e elas estão muito
longe daquilo que em outras aplicações consideramos como boas ou ideais. A
melhor maneira de expressar porque as válvulas convencionais permaceram é
porque elas são menos piores que outras tecnologias.
Estas desvantagens são conhecidas dos projetistas desde o começo da evolução
dos motores a combustão, e várias foram as alternativas que foram propostas
por diferentes especialistas e inventores ao longo dos anos para sua
substituição.
Entretanto, as grandes vantagens que o sistema de válvulas convencional
oferece sobre os demais sistemas o tornou praticamente universal, enquanto os
demais cairam no esquecimento.
Nada impede, entretanto, que as dificuldades dos demais sistemas sejam
resolvidas por novas tecnologias, e que a pressão constante por menores
emissões logo tornem as desvantagens do sistema convencional num problema
incontornável, o que traria os antigos sistemas, repaginados nas matérias das
revistas especializadas como "revolucionários" e "inovadores", de volta em todo
seu explendor.
Para a segunda parte deste artigo, continuaremos nossa viagem pelo mundo
pelo estranho mundo das válvulas, estudando alguns sistemas de camisas
móveis.
AAD
Origem das imagens:
http://www.wehs.net/dyk-ricardo.html
http://www.popularhotrodding.com/events/0805phr_engine_masters_challenge
/viewall.html
http://highperformanceengines.blogspot.com.br/2012/08/four-stroke-
cycle.html
http://convergecfd.com/applications/engine/sparkignited/
http://www.kwik-way.com/techdoc/blog1.php/valve-functions
http://autospeed.com/cms/title_GMs-LS7-7litre-V8/A_111318/article.html
http://engine-icio.ru/image.php?id=1292882
http://www.italian.sakura.ne.jp/bad_toys/engine/engine05.html
http://www.rouge-cerise.net/blog/index.php?post/2008/09/14/Desmodromique
http://what-when-how.com/automobile/intake-and-exhaust-valves-and-
mechanisms-automobile/
http://www.formula1-dictionary.net/engine.html
http://www.ashonbikes.com/aspin_cross_valves
Ruigi, Luis - Preparación de Motores de Competición - Ediciones CEAC -
Barcelona - España
Szankowski, Victor João, Eng. - O Motor a Gasolina (C/ Suplemento Diesel) -
Editora Industrial Teco Limitada - São Paulo - Brasil
Giacosa, Dante - Motores Endotérmicos - 3ª Edicion - Editorial Dossat S.A.-
Barcelona - España
O MUNDO (MUITO LOUCO) DAS VÁLVULAS – 2ª PARTE Postado por André Dantas
Quatro motores de válvulas deslizantes: MCollum (1909), Knight (1908), Continental (1926) e Sargent (1914)
Uma visão geral
Vimos na primeira parte que o sistema de válvulas circulares convencionais se
tornou um paradigma universal, adotado por todos os fabricantes de motores
de ciclo Otto e Diesel, salvo raríssimas exceções em aplicações especiais.
Vimos também que o sistema vigente está longe da perfeição, algo sabido
desde os primórdios da história do motor a combustão.
Nos apegamos a ele como se ele fosse a única alternativa. A maioria dos
autoentusiastas sequer imagina que existem sistemas alternativos e como eles
podem funcionar, quando na verdade, a diversidade de sistemas é imensa.
Estas alternativas foram largamente exploradas na aurora do uso do motor a
combustão interna, mas a maioria não passou da fase de proposta ou de
protótipo. Ainda assim, há propostas inovadoras mesmo nos tempos atuais.
Mas estes sistemas surgiram e depois desapareceram ao longo dos anos.
Alguns obtiveram grande sucesso, como o sistema Knight nos automóveis de
luxo, e o sistema Argyll, em motores aeronáuticos, ambos de camisas móveis.
Alguns até foram lançados em motocicletas, mas a maioria dos sistemas,
entretanto, não passou da fase experimental ou de patente de conceito.
Estes sistemas não seriam mais que mera curiosidade técnica se o "Papa" da
engenharia dos motores, o engenheiro inglês, de Londres, Sir Harry Ricardo,
não tivesse publicado em 1927 um extenso estudo onde relacionava todos os
problemas com as válvulas convencionais e mostrava (dentro da realidade
técnica da época) que motores com este tipo de válvula não iriam muito além
dos 1.500 cv.
Muito do que ele afirma neste estudo serviu de base para a primeira parte
deste artigo. Em sua substituição, Sir Ricardo propunha o uso de válvulas de
camisas móveis.
Sir Harry Ricardo (26/5/1885–18/5/1974)
Quando as negras nuvens da 2ª Guerra Mundial surgiram no horizonte, a
Europa começou a se preparar, desenvolvendo novas tecnologias para novas
armas, e motores eram necessários para veículos terrestres, marítimos e
aéreos de todos os tipos.
Quanto mais potentes, resistentes e econômicos para o mesmo porte, melhor.
Isso pressionava o avanço tecnológico nesta área.
O estudo de Sir Ricardo serviu de base para ingleses e alemães no
desenvolvimento de protótipos, mas essencialmente foram os primeiros que
usaram em larga escala motores com válvulas de camisas deslizantes,
principalmente em aviões e tanques.
A Bristol fez os motores Perseus, Hércules, Taurus e Centaurus, a Napier fez o
Sabre, enquanto a Rolls-Royce fez o Eagle e o Crecy, este último terminado
somente após a guerra, e sem que tivesse encontrado aplicação prática
significativa.
Mas apesar dessa onda, a Rolls-Royce não arriscou pôr todos os seus ovos na
mesma cesta, e projetou seus renomados motores Merlin e Griffon com
válvulas convencionais, sob a regência do próprio Sir Ricardo que as condenara.
Medida acertada, pois conforme a guerra evoluía, os grandes motores de
camisas móveis, com grande número de cilindros, mostraram-se complexos de
projetar e manter, especialmente em tempos tão difíceis quando se precisava
confiar nestes motores.
Veio o fim da guerra, com ela o motor a jato tomou o lugar dos grandes
motores a pistão, ao mesmo tempo que as ligas e técnicas construtivas de
válvulas sofreram um grande avanço, o que enterrou de vez ao grandes
esforços em produzir motores com sistemas alternativos de válvulas em larga
escala.
Alguns dos sistemas de válvulas alternativos que veremos a seguir e nas
demais partes deste artigo apresentam algumas vantagens óbvias sobre o
sistema de válvulas convencionais, outros nem tanto, mas todos falharam em
em alguns pontos em comum:
Vedação deficiente por diferentes problemas;
Atrito e desgaste elevados, causando falha de vedação;
Incapacidade de lidar com as dilatações de componentes de precisão causadas pelo calor dos gases de escapamento;
Complexidade;
Fragilidade;
Custo e dificuldade de fabricação.
Antes de vermos estes sistemas, vamos entender algo elementar sobre um
motor o Otto e suas válvulas.
O motor Otto de 4 tempos é uma máquina de fluxo, onde os fluxos de gases
são controlados por válvulas sincronizadas com o movimento do motor. Porém,
diferente do que a convergência atual pode nos faz crer, não é necessário que
estas válvulas sejam do tipo tulipa. Em princípio, qualquer tipo de válvula de
controle de fluxo com acionamento externo serve. É daí que surge uma
variedade enorme de variantes de sistemas, muitas delas, bastante exóticas.
Quem lida com controle de líquidos está acostumado com válvulas do tipo
gaveta, de esfera e borboleta, sendo que seria possível construir motores com
versões especialmente projetadas destas válvulas. E é isso que ocorre nos
sistemas alternativos.
Válvula de esfera
Válvula de gaveta
Válvula borboleta
Outra idéia nos é dada pelo motor de 2 tempos clássico. Neste tipo de motor, o
pistão, além de elemento de potência, é também uma válvula, semelhante ao
tipo gaveta, que abre e fecha passagens que se comunicam com o cárter e com
a câmara de combustão por meio de janelas abertas no cilindro. No motor de 2
tempos o pistão é uma peça de função dupla, neste caso, uma peça que
transforma a força de pressão em potência mecânica útil, ao mesmo tempo que
trabalha como válvula auto-sincronizada com o funcionamento do motor.
Esta dupla funcionalidade de um componente é a idéia fundamental neste caso.
Pistão no motor 2 tempos: dupla função
Muitos tipos de válvulas alternativas derivam da soma destas duas idéias.
A seguir, começaremos nossa exploração pelo primeiro tipo não convencional
de válvulas.
Sistema de válvulas de camisas móveis
Estes motores, em muitas referências, são erroneamente conhecidos como
"motores sem válvula".
A melhor forma de compreender este sistema é pensando numa antena
telescópica. Uma sessão cilíndrica que é instalada com ligeira folga sobre a
sessão externa, com liberdade para se deslocar tanto linear como em rotação
em relação à outra.
No motor, além da camisa fixa ao bloco, temos mais uma ou duas móveis, que
podem realizar tanto movimentos de translação como de rotação, dependendo
do tipo de sistema. Estas camisas possuem janelas assim como a camisa fixa,
por onde passam os gases. Ao alinharem estas janelas, os dutos de admissão
ou de descarga são abertos, como num motor de 2 tempos.
Sistemas de cames ou de virabrequins movimentam as camisas móveis tanto
longitudinal como radialmente, conforme o tipo de sistema.
Uma das vantagens proclamadas dos motores de válvulas deslizantes era a
remoção dos pontos quente e frio causados pelas válvulas de escapamento e
admissão convencionais posicionadas na câmara de combustão.
Apenas a abertura da vela de ignição deformava o formato da câmara
hemisférica, não oferecendo obstáculos à turbulência da mistura, obtendo sua
melhor queima, maior pressão dos gases queimados e, portanto, maior
rendimento termodinâmico.
No motor com válvulas convencionais, a proximidade da vela com a válvula de
escapamento quente melhorava o funcionamento do motor, mas a frente de
chama desacelerava junto à válvula de admissão fria.. Num motor com válvulas
deslizantes, a temperatura ideal de câmara pode ser controlada de forma
homogênea por um bom projeto do sistema de refrigeração.
Além disso, a área das janelas era maior da que a obtida com o uso de válvulas
convencionais, e o desenho destas janelas permitia um controle de
progressividade de entrada e saída de fluxos impossível de ser obtido no
sistema convencional.
Era por estes motivos que Sir Harry Ricardo preferia as válvulas de camisas
móveis em lugar das válvulas convencionais.
As camisas deslizantes eram tão finas quanto possível e fabricadas com alta
rugosidade tanto interna como externamente, a fim de reter o filme de óleo
lubrificante.
Com uma área tão grande de contato e tanto óleo entre as peças, a
refrigeração do motor era mais fácil que num motor com válvulas
convencionais, além de haver menor atrito interno.
Além disso, estas válvulas não operavam com choques, movimentos bruscos ou
contra molas duras, e a operação deste motor era muito suave e silenciosa.
Estas características beneficiavam especialmente os motores refrigerados a ar,
que podiam ser menores, porém mais potentes, fator importante para motores
aeronáuticos. Em compensação, a vedação ao longo da vida útil do motor se
mostrava deficiente e a perda de óleo lubrificante elevada, além do motor ser
mais pesado e complexo.
Patenteado originalmente em 1903 pelo fazendeiro americano Charles Yale
Knight, o chamado motor Knight usava duas camisas deslizantes como
válvulas, comandadas por uma árvores de manivelas e pequenas bielas.
Motor Mercedes com sistema Kinght
Knight conhecia o projeto elementar das válvulas de gaveta usadas nos
protótipos feitos por Otto, e achava que poderia fazer um sistema muito
superior ao das válvulas convencionais que vários fabricantes haviam adotado
nos motores pioneiros.
Ele buscava oferecer um motor mais silencioso, suave e sem vibrações que os
motores convencionais. Knight recebeu ajuda de um mecânico, L. B. Kilbourne,
em sua criação.
O sistema Knight consiste de duas camisas móveis que possuem apenas
movimento longitudinal alternativo. Este movimento alternativo de cada camisa
era impulsionado por um sistema de bielas e virabrequim, semelhante ao
conjunto móvel principal do motor, porém girando com a metade da velocidade
e com fase correta para a abertura das janelas, de forma parecida com a de um
motor de 2 tempos.
Comando em forma de virabrequim e bieletas de acionamento das camisas deslizantes do sistema Knight
Vemos a seguir um vídeo de funcionamento deste motor:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=NSMYjRNQ8Rs
Em 1904, Knight e Kilbourne construíram um motor de 4 cilindros de 2,5 litros
de cilindrada, que foi montado em um carro Panhard que rodou milhares de
quilômetros sem qualquer problema.
Amigos em comum levaram a idéia para o conhecimento de Daimler. A
Mercedes ficou impressionada com o conceito do projeto, apesar da
precariedade do protótipo. Após muito trabalho experimental conjunto, Daimler
assina um contrato de exclusividade do sistema em território europeu e
conjunto para exploração mundial do licenciamento.
A Mercedes então abandona o sistema de válvulas convencional em favor do
sistema Knight, agora chamado comercialmente de Daimler-Knight.
A seguir, veremos o vídeo de um raríssimo motor Mercedes Knight de 1908
restaurado sendo posto em funcionamento:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=vpyjAR_k70Y
Reparem no vídeo que as pessoas conversam normalmente ao lado do motor, e
ele não possui qualquer sistema de abafamento no escapamento. Também é
interessante notar a quantidade de fumaça que sai pelo escapamento, sinal do
óleo que era perdido por ali.
A Willys-Overland, nos Estados Unidos, adquire os direitos do sistema Knight e
começa a produzir o lendário Willys-Knight em 1914, apenas um ano após a
compra da Edwards Motor Car Company, por John North Willys.
Em 1922, a Willys adquire a Stearns-Knight, a outra empresa licenciada a usar
o sistema Knight em território americano, tornando assim o sistema Knight a
marca registrada de seus carros.
Willys-Knight: carro de luxo com promessa de confiabilidade, suavidade e conforto
A produção do Willys-Knight foi encerrada em novembro de 1932, como modelo
1933. A crise americana de 1929 ainda estava presente, e carros de alto luxo já
não eram tão lucrativos quanto os carros baratos para as massas.
Motor Willys-Knight de 6 cilindros
Aqui vemos um Willys-Knight posto em funcionamento:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=BnzwMIi3HKk
Para a Mercedes e para a Willys, que fabricavam carros de alto padrão, a
suavidade e o funcionamento silencioso deste motor foram bastante oportunos.
Em 1906, surge uma variante do sistema Knight, o sistema Argyll, que usava
apenas uma camisa deslizante. Este sistema, embora classificado como sendo
de válvula deslizante, na verdade é um tipo de transição entre os sistemas
deslizante e o rotativo de válvula.
Há muita literatura que confunde o sistema Knight com o sistema Argyll, dada
sua similaridade, mas são sistemas apenas aparentados, não iguais. Enquanto
o sistema Knight exigia duas camisas que apenas se deslocavam
longitudinalmente, no sistema Argyll a composição de movimentos longitudinal
e rotativo permitiam que o mesmo trabalho fosse realizado com uma única
camisa móvel.
O vídeo a seguir mostra o funcionamento em corte de um cilindro de motor
Bristol Hercules, que funciona pelo sistema Argyll.
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Liqqo8Cdb68
Outro vídeo, mostrando esquematicamente o funcionamento completo do
motor Bristol Hercules:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_vrvep_YOio
A maior simplicidade mecânica deste sistema sobre o sistema Knight chamou a
atenção de Sir Harry Ricardo e Charles F. Kettering (inventor do tradicional
sistema Delco de ignição com distribuidor, bobina e platinado e do sistema de
partida elétrica, que completou 100 anos agora em 2012). O trabalho de ambos
fez evoluir em muito o sistema Argyll, o que resultaria em motores ingleses que
escreveriam seus nomes na história, como o Napier Sabre, que equipava os
Hawker Typhoon e Tempest, os mais rápidos caças de motor a pistão da
Segunda Guerra Mundial.
Ainda assim, estes motores possuíam muitos componentes, e fabricá-los para
um funcionamento perfeito com as tecnologias de usinagem da época tornavam
esses motores problemáticos, sempre apresentando vazamentos, perdas de
compressão, folgas excessivas.
Motor Napier Sabre: milhares de componentes individuais
Dentro de uma infinidade de variantes de sistemas de válvulas que foram
desenvolvidas e testadas, os sistemas de válvulas por camisas deslizantes (ou
simplesmente válvulas deslizantes, como consta em várias fontes) foram
seguramente os que mais tiveram aplicações práticas. Entretanto, foram
suplantadas pelo topo da escala de potência com a introdução da turbina a gás,
e pela base com evolução do sistema convencional de válvulas, e foram
abandonadas pouco após o fim da 2ª Guerra Mundial.
Não posso terminar este artigo sem mostrar um exemplo recente de sistema de
válvulas de camisa móvel, lançado pela fabricante de motores inglesa RCV em
1997 num motor de aplicação motociclística de 125 cm³.
Motor RCV: simplicidade da camisa-válvula rotativa
Neste sistema, a camisa e parte da câmara de combustão são rotativas, sem
deslocamento longitudinal como nos sistemas anteriores. A rotação desta
camisa ocorre por um sistema de engrenagens em sua base que a liga ao
virabrequim numa relação de transmissão de 2:1. Uma janela aberta na
câmara de combustão se abre para dutos de admissão e escape cavados no
cabeçote.
Modo de funcionamento do motor RCV de camisa rotativa: tão simples quanto um motor 2-tempos
Quem quiser saber mais sobre este motor da RCV, eles possuem uma
apresentação aqui.
Embora seja um sistema de válvula rotativa pura, que veremos na terceira
parte deste artigo, achei apropriado colocá-lo aqui porque ele demonstra
perfeitamente porque o sistema Argyll é considerado por alguns como sendo de
transição entre o Knight de camisas deslizantes e os sistemas de válvulas
rotativas.
Ele também demonstra que estas alternativas nunca deixam de ser
pesquisadas.
No próximo artigo, veremos os principais exemplos dos sistemas de válvulas
rotativas de eixo axial, com um foco especial sobre o sistema Aspin.
AAD
Fontes das imagens:
http://www.rcvengines.com/pdf_files/saeslide.pdf
http://www.geocities.ws/brasilfoguetes/technotes.htm
http://www.irmaosabage.net/grupo/1213
http://www.solostocks.com.br/venda-produtos/equipamentos-
industriais/equipamentos-industria/valvulas-borboleta-629238
http://www.inomarka.nnov.ru/?id=17221
http://user.tninet.se/~qbc513r/sabre.gif
http://www.dloc.org.uk/cars/datasheets.d/Sleeve_Valve.pdf
http://www.saturdayeveningpost.com/2009/06/13/archives/post-
perspective/remember-general-
motors.html/attachment/photo_20090613_willysknight_1927
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Willys-Knight_sleeve-
valve_engine_%28Montagu,_Cars_and_Motor-Cycles,_1928%29.jpg
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Willys-knight_1918_logo.gif
http://www.enginehistory.org/pioneering_sleeve_valve.shtml
http://images.marketworks.com/hi/62/61530/A-G21-A010.jpg
O MUNDO (MUITO LOUCO) DAS VÁLVULAS – 3ª PARTE Postado por André Dantas
Aspin: principal tipo de válvula rotativa axial
As válvulas rotativas axiais
A partir de 1911, e praticamente por todos os anos 1920, uma série de
experimentos com os mais variados sistemas de válvulas rotativas surgiram e a
grande maioria desapareceu e caiu no esquecimento. Porém, alguns abnegados
inventores e engenheiros se esforçaram para torná-las úteis.
Há duas grandes famílias de válvulas rotativas, as axiais (de eixo paralelo ou
concêntrico ao do cilindro), e as transversais. Nesta parte veremos as válvulas
rotativas axiais, e na próxima parte veremos as válvulas rotativas transversais.
Curiosamente, veremos que os dois tipos de válvulas estão fortemente
associados ao desenvolvimento das motocicletas, em especial as de
competição.
A maior parte da família das válvulas rotativas axiais se caracteriza por
conformar parcial ou totalmente a câmara de combustão em um componente
móvel, o que auxilia na formação da turbulência necessária para uma boa
queima. Além disso, estas válvulas, por estarem posicionadas dentro da
cavidade da câmara de combustão, ao receberem o pulso de alta pressão da
combustão da mistura, são pressionadas a vedar ainda mais as passagens de
gases, obtendo um rendimento de vedação comparável ao das válvulas
circulares convencionais, porém sem oferecer a restrição de corpos invasivos à
câmara.
Estas válvulas apresentam certo grau de parentesco com os motores de dois
tempos na medida em que o rotor tem o papel duplo de válvula e de câmara de
combustão, assemelhado ao pistão do motor de dois tempos.
Recordando a segunda parte deste artigo, vimos o motor da RCV, que possuía
uma camisa rotativa que funcionava como válvula. Embora eu tenha colocado
esse motor na parte referente aos sistemas de camisas móveis, sob uma outra
ótica, o sistema da RCV também pode ser classificado como um sistema de
válvula rotativa axial completo. Ele é portanto, um sistema de transição, que
fica na fronteira entre dois sistemas bastante diversos.
Sistema RCV: um sistema de transição
Leonard Archibal Vallillee, um inventor canadense da província de Quebec,
patenteou em 1911 o primeiro tipo de válvula rotativa.
A válvula nada mais era que um disco plano rotativo e que tomava todo o topo
da câmara de combustão, acionado por uma árvore concêntrica ao cilindro, e
uma janela recortada no disco, ao se alinhar com os dutos de admissão e de
escapamento, permitia a passagem de gases pelo motor.
Sistema Vallille: válvula de disco perfurado e movimento intermitente
O sistema Vallillee não foi inovador apenas no sistema de válvulas, mas
também na forma de acioná-la, pois ele era intermitente, girando rapidamente
o disco de válvula para que o alinhamento entre a janela do disco e os dutos no
cabeçote permanescessem o maior tempo possível alinhados, em vez de a
janela abrir e fechar progressivamente as passagens pela rotação constante do
disco.
Este sistema contava com a alta pressão do disco móvel sobre a superfície fixa
do cabeçote e, na ausência de lubrificação, o conjunto logo se desgastava, um
problema relativamente comum entre as primeiras válvulas rotativas.
Um sistema completamente diferente de válvula rotativa veio de um fabricante
de automóveis italiano, a Itala, e apresentado no Olympia Motor Car Show em
1911.
No sistema Itala, uma válvula rotativa axial, instalada ao lado do cilindro
funcionava como um registro seletor, abrindo-se alternativamente para a
admissão e para o escapamento.
Funcionamento do sistema Itala de válvula rotativa
O sistema Itala foi exibido em um motor de 35 cv, sendo que o fabricante
anunciou que versões de 25 e 50 cv deste motor estariam a caminho, mas que
nunca veriam a luz do sol.
O fato curioso é que este motor tinha quatro cilindros e apenas dois conjuntos
de válvulas. Cada válvula fora projetada para ser instalada entre cada par de
cilindros e feita para controlar os fluxos destes dois cilindros simultaneamente.
Outro detalhe interessante é que todo o sistema de válvulas era refrigerado a
água, evitando que o lado do escapamento sobreaquecesse e que a gasolina
fosse vaporizada pelo lado da admissão, suavizando o funcionamento do motor.
Sistema Itala: detalhes de refrigeração da válvula e do funcionamento conjunto com cilindros geminados
Rankin Kennedy, em "The Book of the Motor Car", publicado em 1913,
importante fonte de informação sobre o estado da arte da engenharia
automobilística da época, literalmente rasga elogios ao sistema Itala, dado o
primor de sua construção, a lógica e suavidade de funcionamento. Entretanto,
provavelmente este autor desconhecia completamente os severos problemas
operacionais deste sistema.
Se o sistema fosse realmente tão bom quanto apregoava Kennedy, a Itala não
o teria abandonado e retornado ao sistema convencional.
Em 1924, Frank W. Ofeldt deposita uma patente onde aperfeiçoa o sistema
Valillee. Uma mola em forma de diafragma mantinha um disco em formato
lenticular pressionado contra o cabeçote, o sistema de lubrificação fora
aperfeiçoado, mas a vedação ainda dependia do contato da válvula móvel com
o topo do cabeçote fixo.
Sistema Ofeldt: aperfeiçoamento do sistema Vallillee
Em 1925, Crawford, apresenta uma resposta ao problema de atrito da válvula
rotativa contra sua sede fixa. Ele usa um rotor troco-cônico de ângulo bastante
fechado que mantém uma folga ínfima contra o cabeçote lavrado no mesmo
formato, e esta folga é preenchida com um fino filme de óleo.
Sistema Crawford: válvula tronco-cônica e solução do problema de atrito
Em 1926, Peacey propõe uma patente de válvula de motor intermediária entre
a proposta de Vallillee com a de Crawford, usando um rotor tronco-cônico
aberto entre 120 e 160 graus.
Sistema Peacey: prenúncio do sistema Aspin
De Valillee, passando por Crawford e Peacey, temos uma contínua evolução de
um conceito que iria se consolidar em torno de um nome: Aspin.
Frank Aspin era desenhista Lancashire Steel Company e especialista em
materiais de construção mecânica. Em seu serviço, ele lidava diariamente com
patentes e tinha acesso a uma extensa biblioteca de patentes, e dali ele teve
contato com as patentes de Vallillee, Crawford e Peacey.
O interesse de Frank Aspin pelas válvulas rotativas inicia-se em 1933, quando
ele compra uma motocicleta Rudge Ulster de 250 cm³ e a equipa com um
sistema de válvula rotativa.
Segundo o próprio Aspin, este motor gerava 18 cv a 7.500 rpm e 31 cv (124
cv/l) a 10.000 rpm com taxa de compressão 14:1, o que era uma marca
excepcional em sua época. Em 1937, em reportagem para a
revista Motorcycle, Aspin afirma que este mesmo motor funciona perfeitamente
a 12.000 rpm a uma taxa de compressão de 17:1. Em outras oportunidades,
tanto Aspin como Cross (outro importante inventor que desenvolveu um tipo de
válvula rotativa transversal, que veremos na próxima parte) disseram fazer
seus motores rodarem com taxa de compressão acima de 20:1. Em 1960,
Aspin afirma ter obtido 50 cv neste mesmo motor.
Motores de motocicletas são pequenos e queimam toda mistura rapidamente,
reduzindo muito a tendência de detonação, o que permite a eles apresentar
taxas de compressão sempre superiores às dos motores de automóveis. Ainda
assim, os números que Aspin menciona são bastante otimistas, carecendo de
comprovação material para eles.
Moto Rudge Python de corrida, preparada pela equipe Cotton e usada por Aspin para testes de desenvolvimento
Ele deposita sua primeira patente em 23 de julho de 1935, iniciando um
período de mais de 40 anos de pesquisas e desenvolvimento dedicados
especificamente a este tipo de válvula. Sua última patente data de 5 julho de
1977.
Durante este longo período, Aspin aprimorou cada detalhe da válvula, dos
sistemas de acionamento e vedação, da lubrificação, do ângulo do cone externo
dos rotores, do formato da câmara de combustão, da turbulência interna do
motor e da especificação dos materiais utilizados. Entretanto, a maioria das
patentes jamais foi além do desenho no papel.
Uma das dificuldades do sistema Aspin era o formato da câmara, que era
conformado junto com o duto do rotor para carga e descarga dos gases. O duto
arqueado estava longe do formato ideal hemisférico, o que prejudicava a boa
turbulência da mistura.
Comparando os desenhos da primeira e da última patente de Aspin, com 42
anos de diferença, podemos perceber o quanto este detalhe foi retrabalhado.
Desenho da primeira patente de Aspin (1935)
Desenho da última patente de Aspin (1977)
Diferentes configurações de rotores e acionamentos patenteados por Aspin
Apesar disso, Aspin era, como muitos outros, um desenvolvedor independente,
e dependia de patrocinadores para financiar suas pesquisas, e de cada artigo
ou peça publicitária para manter seu sistema em evidência. Aqui temos
um artigo da revista Commercial Motor, de 25 de novembro de 1939,
explicando as diferenças do então novo sistema Aspin. Porém, o interesse real
por seu sistema foi ínfimo.
No ano de 1939, dois fabricantes de motos inglesas, a Velocette e a BSA,
iniciam testes com o sistema Aspin, mas o abandonam antes do fim, quando os
motores não apresentavam resultados muito expressivos.
Curiosidade: o motor Velocette com válvula Aspin foi instalado numa moto BSA de turismo para testes de longa duração
Nos anos 1950, uma fábrica de motosserras inglesa, a Sankey, licencia o
sistema Aspin. Alguns anos depois, a fábrica Sankey passa por dificuldades
financeiras e encerra a produção. Foi a principal aplicação prática do sistema
Aspin, e hoje as motosserras Sankey-Aspin são disputadas a tapas pelos
colecionadores entusiastas das motosserras (para desespero dos ecochatos,
sim, eles existem).
Motosserra Sankey-Aspin
No início dos anos 1960, a Ford inglesa se interessou pelo sistema. Alguns
motores de Ford Cortina de 1 litro foram convertidos para testes, passando dos
originais 24 cv para 37 cv com o sistema Aspin. Porém foi outra relação com
uma fábrica que não passou da fase de testes.
Aspin ainda converteu para testes motores Leyland de 8,6 litros para a frota de
ônibus da Northern Ireland Transport Services Company.
Não se sabe ao certo quantos motores foram convertidos, mas tem-se a
certeza de que pelo menos um foi feito, e este motor circulou em serviço
pesado por várias centenas de milhares de quilômetros sem qualquer mínimo
problema antes de apresentar um vazamento de óleo causado por corrosão dos
rotores de válvula.
A companhia, ao invés de requisitar a Aspin o reparo do cabeçote do motor e
permitir que os testes continuassem, preferiu substituí-lo por um cabeçote
original novo, devolvendo o cabeçote de testes para Aspin.
Fotos dos componentes desse motor são mostradas na ilustração a seguir.
Componentes do motor Leyland-Aspin de testes
Aspin passou sua vida tentando desenvolver e vender sua obra-prima sem
muito sucesso. Entretanto, alguns aficcionados e entusiastas ainda fazem
conversões de motores baseados em suas idéias.
Os vídeos a seguir mostram uma moto Honda com motor idêntico ao da nossa
velha conhecida CG 125 convertido para o sistema Aspin por um entusiasta do
sistema.
VIDEOS
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=HXBHXqR8mN8
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=TJ8dsUIXAGg
No vídeo, pode-se perceber, assim como nos vídeos do sistema Knight, o
quanto o motor é mais silencioso que o original. O ronco essencialmente vem
dos pulsos dos gases de escapamento. Também a vibração é menor.
Os testes feitos em motores adaptados indicam que, com sistema Aspin, eles
apresentam torque mais elevado desde as baixas rotações e podem atingir
rotações ainda mais elevadas sem perda de torque. O motor fica mais potente
e com melhor dirigibilidade.
De todos os sistemas de válvulas rotativas axiais, o Aspin é considerado o mais
importante e desenvolvido, porém sem sucesso comercial significativo.
Certos sistemas de válvulas seriam perfeitamente esquecíveis, não fosse a
história por trás de quem os inventou. Este é o caso do sistema de válvula
criado por Felix Wankel.
Dr. Felix Wankel (1902–1988)
Conhecemos Felix Wankel puramente pelo motor que leva seu nome, porém a
rica história deste brilhante engenheiro e inventor é quase desconhecida.
A história de Felix Wankel começa ainda jovem, por um lado negro. Ele era
membro ativo de vários grupos radicais anti-semitas, e se juntou ao NSDAP
(sigla, em alemão, de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, a
mais importante agremiação política anti-semita) quando sua mãe criou em sua
própria casa a sede local do partido. A partir destas ligações, Wankel assume a
direção da Juventude Hitlerista em Baden. Dentro do NSDAP, Wankel se
envolve em muitas brigas e acaba preso em março de 1933.
Nesta época, Wankel era um grande amigo de Wilhelm Keppler, que era o
conselheiro econômico pessoal de Adolf Hitler, e foi através da intervenção
deste amigo junto ao próprio Hitler que Wankel foi libertado em setembro do
mesmo ano.
As ligações políticas de Wankel logo abriram muitas portas e chamariam a
atenção para este talentoso engenheiro, autodidata para muito além daquilo
que os cursos normais ofereciam.
Foi através destas ligações que Wankel passou a trabalhar para a Força Aérea e
Marinha de Guerra (Luftwaffe e Kriegsmarine) alemãs, especializando em
projetos de vedações, válvulas e bombas das mais variadas aplicações. O toque
mágico de Wankel está por trás de várias máquinas famosas da Segunda
Guerra Mundial, tendo ele trabalhado para a BMW, DVL, Daimler-Benz,
Lilienthal e Junker Aircraft no período de 1930 a 1945.
Pelo lado da Luftwaffe, Wankel se envolveu com pequisas em válvulas rotativas
que se originaram dos trabalhos de Sir Harry Ricardo, como descrito na
segunda parte deste artigo.
Existem várias especulações de que Wankel teria se envolvido em testes com
válvulas rotativas de disco (assemelhadas com o sistema Vallillee) para o motor
Daimler-Bens DB601, usado em vários aviões alemães, em especial os
Messerschmitt Bf 109 e Bf 110. Entretanto, nenhum documento, desenho ou
foto que confirme estas especulações foi jamais encontrado.
Pelo lado da Kriegsmarine, a conversa é outra. Lá, Wankel se envolveu
principalmente com o desenvolvimento de torpedos.
Torpedos são uma aplicação naturalmente difícil. É um equipamento que
oferece um espaço muito reduzido para montar motores potentes o suficiente
para impulsão à velocidade adequada e ainda garantir um alcance seguro para
o submarino ou avião torpedeiro, além da natural inexistência de ar atmosférico
para fornecimento de oxigênio para um motor a combustão interna.
Durante a Primeira Guerra Mundial, os submarinos podiam chegar bem perto
dos navios inimigos e disparar torpedos à queima-roupa. Como sistemas
elétricos miniaturizados de alta potência não estavam disponíveis, o sistema de
propulsão dos torpedos era baseada em ar comprimido de alta pressão que
movia um motor pneumático que acionava a hélice.
Já na Segunda Guerra Mundial, o quadro mudou. Com o uso cada vez maior do
sonar e de cargas de profundidade e o tráfego comercial feito por comboios
fortemente guardados, os submarinos precisavam atacar de uma distância cada
vez maior, exigindo torpedos de maior alcance, e por isso mesmo, mais
complexos. Porém, torpedos de curto alcance eram mais baratos de produzir e
operar, e continuavam como equipamento padrão dos submarinos. Sendo
assim, ambos os tipos eram foco de evolução técnica constante.
Wankel envolveu-se tanto em projetos de torpedos de curto como de longo
alcance. Para o projeto de curto alcance, Wankel projetou um motor
pneumático rotativo de construção simplificada que, anos mais tarde, lhe
serviria de inspiração para fazer seu famoso motor a combustão.
Para o projeto do torpedo de longo alcance, ele desenvolveu um sistema de
válvula de disco, aparentado com o sistema Vallillee. Era fácil e barato de
produzir, permitia criar um cabeçote muito baixo, ideal para o pequeno espaço
disponível no corpo do torpedo.
O motor resultante, o Junkers Jumo KM8, um V-8 de 4,34 litros de cilindrada,
tinha 275 cv a 3.650 rpm, e queimava combustível sintético, oxigênio líquido e
parte dos gases do próprio escapamento para reaproveitamento de sobras de
combustível e oxigênio não queimados, além de servir de gás inerte na geração
de potência pelo motor.
Corte frontal do torpedo na altura do motor de torpedo KM8. Obs: A válvula rotativa é visível sobre o pistão direito da
imagem
O sistema de válvula de disco ficava entre duas metades do cabeçote e tinha
rápido desgaste, o que não era problemático num equipamento de uso único
como o torpedo.
Vista lateral do motor KM8 e detalhes do sistema de válvulas
No pós-guerra, seus trabalhos com válvulas não convencionais e vedações
chamaram a atenção da NSU, onde desenvolveria vários trabalhos, incluindo o
do motor Wankel.
A NSU possuía a maior e mais importante fábrica de motocicletas do mundo na
época e um reconhecido setor de competição, responsável por vários recordes
de velocidade em veículos sobre duas rodas. As motos NSU streamline feitas
para quebra de recordes de velocidade são lendárias.
Das mãos de Walter Froede, chefe da divisão de competições da NSU, surgiu
um sistema de válvula rotativa oblíqua, de perfil tronco-cônico, aparentado
com o sistema Aspin, e no qual Wankel teve papel importante no
desenvolvimento, em especial na parte de vedações móveis do rotor. Este
sistema foi utilizado em uma das motos de quebra de recorde de velocidade.
Válvula rotativa NSU: parentesco com o sistema Aspin
No final da vida, Felix Wankel se redimiu do seu lado obscuro de começo de
carreira, tornando-se um ativista pelos direitos dos animais e obtendo vitórias
na formulação de leis que regulam o uso de animais em experiências.
Como engenheiro, foi um profissional admirável, muito além da mera imagem
do "inventor do motor Wankel" que, por mais que lhe dê renome, não lhe faz a
devida justiça.
A família das válvulas rotativas axiais é enorme e mesmo hoje surgem projetos
e novas patentes, porém sem obter qualquer sucesso comercial.
O que este artigo mostrou foi apenas uma amostra de variantes sem fim deste
tipo de válvula.
Na quarta parte veremos as válvulas rotativas transversais, o sistema Cross e
como ele quase chegou às pistas pela Fórmula 1 moderna.
AAD
Fontes das imagens:
http://www.douglas-
self.com/MUSEUM/POWER/unusualICeng/RotaryValveIC/RotaryValveIC.htm
http://www.moto-histo.com/4t_ssp/4t_ssp.htm
http://web.archive.org/web/20090613023233/http://www.isdm.co.uk/aspin/As
pinEssay/essay.htm
http://www.chainsawcollectors.se/phpbb3/viewtopic.php?f=2&t=4441
O MUNDO (MUITO LOUCO) DAS VÁLVULAS – 4ª PARTE Postado por André Dantas
Sistema Cross, o sistema de válvula rotativa transversal mais desenvolvido
As válvulas rotativas transversais
No post anterior vimos os sistemas de válvulas axiais, em especial o sistema
Aspin que convergiu boa parte da tendência tecnológica para aquele tipo de
válvula.
Neste post iremos dar uma leve pincelada nas válvulas transversais, já que a
família destas válvulas é ainda maior que a das válvulas axiais. Muitos
inventores de válvulas importantes em sua época não serão citados aqui para
manter uma linha do tempo direta e clara para o leitor, mas nem por isso
perdem sua importância na história.
Uma das razões para a maior diversidade das válvulas transversais é que, por
não estarem localizadas dentro da câmara de combustão, podem apresentar
maior variedade de formatos e de opções de montagem. Isso também as
tornam mais fáceis de fabricar, o que estimulou muita gente a pensar e testar
alternativas.
No entanto, nem tudo é miraculosamente simples nelas.
Eu já contei aqui que uma das razões para o sucesso das válvulas
convencionais é que como elas são fechadas de fora para dentro da câmara de
combustão, o pulso de pressão na câmara, quando da queima da mistura,
empurra as válvulas contra as suas sedes, e isso ajuda as válvulas na sua
função de vedação. Um efeito semelhante, porém não tão significativo, existe
nas válvulas rotativas axiais internas à câmara de combustão.
Porém, com as válvulas transversais ocorre justamente o oposto. Pelas válvulas
serem externas à câmara, o pulso de pressão força a separação entre a válvula
e o seu alojamento. Qualquer mínimo deslocamento de algum componente, e a
vedação da válvula é comprometida.
Por isso, os problemas de vedação das válvulas transversais é muito mais
crítico que nos sistemas de válvulas convencional.
O sistema mais simples e de fácil entendimento de uma válvula rotativa
tranversal foi apresentado em uma patente de 1907, pelos inventores Frayer e
Howard.
Sistema Frayer e Howard: a simplicidade de uma torneira de barril de chope
Um rotor cilíndrico era mantido o mais ajustado possível contra o alojamento
no cabeçote. Este rotor tinha uma fenda aberta diametralmente, e no cabeçote
haviam dois dutos (admissão e escapamento) assim como uma janela para a
câmara de combustão que se alinhavam com a fenda.
A fenda abria o duto de escape em determinada posição, e um quarto de volta
depois, abria o duto de admissão. A idéia não era mais complicada que a de
uma torneira de barril de chope.
Este sistema ainda guarda mais uma sutileza. Num sistema convencional, o
comando gira à metade da rotação do virbrequim. Neste sistema, os dutos são
abertos a cada meia volta do rotor, portanto, a relação de transmissão para
este sistema de válvula é de 4:1, algo que veremos se repetir em alguns outros
sistemas assemelhados.
Vimos nas partes anteriores que, nos primórdios do século 20, a Mercedes e a
Willys utilizaram o sistema Knight de camisas deslizantes e a Itala, com seu
sistema de válvula rotativa axial. Esse era um forte modismo tecnológico na
época, especialmente nos veículos de alto luxo.
Acompanhando essa tendência, em 1912, a Darracq apresenta seu motor com
uma válvula rotativa transversal.
Darracq SS de 1912, com motor de válvula rotativa
Funcionamento do motor Darracq com válvula rotativa
Era um motor de 4 cilindros, e o conjunto de válvulas nada mais era que uma
árvore que percorria todo comprimento do bloco do motor, e as passagens de
gases eram feitas pelo alinhamento das janelas e dutos com simples recortes
planos na árvore de válvulas.
Motor Darracq com válvula rotativa montado
A ausência de lubrificação foi o grande pecado neste projeto, o que tornava o
motor imprestável em muito pouco tempo.
Bloco e árvore de válvulas do motor Darracq
Em um processo de cinco anos de pesquisa começados em 1913, um
pesquisador, Cyrus W Mead, desenvolveu um sistema que misturava elementos
do sistema Frayer e Howard com o Darracq. O motor desenvolvido possuía
duas finas árvores que percorriam as laterais do motor, tal qual o sistema
Darracq, porém usando fendas como o sistema Frayer e Howard.
Vista lateral do motor Mead
Vista frontal do motor Mead
Esquema de válvula do motor Mead
Em 1921, Francis patenteia um sistema que era um aperfeiçoamento do
sistema Frayer e Howard. As principais mudanças era a existência de dois
curtos dutos na câmara para admissão e escapamento no lugar da janela única,
e a adoção do rotor em formato tronco-cônico no lugar do cilíndrico.
Sistema Francis: sistema Frayer e Howard aperfeiçoado
O uso de perfil troco-cônico no rotor não era mera coincidência. Para se obter
uma boa vedação, as superfícies do cabeçote fixo e do rotor têm que ser
absolutamente paralelas em qualquer situação, mesmo sob desgaste.
Um perfil circular, por exemplo, seria problemático. Os raios das esferas no
cabeçote e no rotor teriam que ser obtidas com altíssima precisão além de
serem montados com as esferas perfeitamente concêntricas, algo difícil de
obter em 1921.
Num perfil tronco-cônico, obter o mesmo ângulo, tanto no rotor como no
alojamento da válvula, era muito mais fácil, mesmo para o ferramental da
época. Além disso, qualquer desgaste poderia ser facilmente compensado por
pressão de mola e um leve deslocamento axial do rotor. Pelo mesmo motivo, o
perfil do rotor do sistema Aspin tinha esse formato.
Edward Andrew "Ted" Mellors era piloto de motocicletas de renome
internacional, tendo ganho o campeonato mundial em 1938. Em 1943, Mellors
deposita uma patente para um motor de motocicleta para competição usando
várias idéias do sistema Francis, porém utilizando duas válvulas separadas para
admissão e escapamento, como era feito no motor Mead. Este motor usava
duas válvulas tronco-cônicas e de fenda diametral.
Sistema de válvulas do motor Mellors
Motor Mellors na moto de testes
O motor de "Ted" Mellors tinha uma característica toda especial: o acionamento
das válvulas.
Num sistema de válvulas de acionamento convencional, a transmissão de
movimento entre o virabrequim e o acionamento das válvulas ocorre de forma
contínua, feito por sistema de correia dentada, corrente ou engrenagem. Isto
significa que as válvulas abrem e fecham progressivamente com o movimento
do motor.
Mellors, como piloto campeão, sabia que válvulas que abrem e fecham
progressivamente reduzem a capacidade do motor "respirar" em alta rotação.
Era necessário que as válvulas apresentassem o máximo de tempo
completamente abertas ou fechadas, com o mínimo de transição. Ele então
acionou suas válvulas usando um sistema mecânico conhecido como
"mecanismo de gêneva" ou "cruz de malta". Este mecanismo é parente das
engrenagens, porém gera um movimento intermitente compassado. O
mecanismo de Mellors girava rapidamente as válvulas um quarto de volta de
cada vez e as deixava paradas por um intervalo de tempo. Era um mecanismo
extremamente barulhento, mas cumpria sua missão.
Sistema de comando das válvulas: mecanismo de gêneva gerando movimento intermitente
Detalhe do comando de válvula do motor Mellor. (A) Cruzes de Malta; (B) disco acionador
Diferente de tantos outros motores experimentais, especialmente os pequenos,
motociclísticos, o motor protótipo de Mellors sobreviveu até os nossos tempos,
e vários detalhes dele podem ser vistos nas fotos a seguir.
Motor Mellors: vista lateral
Motor Mellors: detalhe da câmara de combustão
A Segunda Guerra Mundial marca o declínio do interesse real dos fabricantes de
motores em larga escala pelos sistemas de válvulas rotativas, encerrando o
trabalho dedicado de muitos inventores. Da década de 1950 em diante, as
válvulas rotativas de vários tipos foram tratadas por preparadores e
entusiastas, principalmente para uso em competições.
Entusiasmo: motor de provas de arrancadas
Menção especial merece o preparador australiano Dustan, que criava cabeçotes
com válvulas rotativas sobre motores Holden para lanchas de corrida.
Lancha de corrida com motor Holden-Dustan com válvula rotativa
Diferente dos carros, a relação entre velocidade e potência das lanchas não é
direta. O hélice não pode ser girado rápido demais ou perde toda eficiência ao
passa a cavitar. Ele precisa ser acionado numa rotação não muito elevada,
porém absorvendo um grande torque.
Assim, usar toda potência de um motor em alta rotação é ineficaz. É necessário
gerar alta potência com abundância de torque em baixa rotação.
As válvulas rotativas, por permitirem uma troca mais livre de gases, eram
capazes de oferecer um torque generoso por toda faixa de rotações exigida
pelo hélice, o que era uma vantagem em lanchas de corrida.
Alguns dos motores Holden-Dustan estão em exposição no Bathurst Motor
Racing Museum.
Motor Holden-Dustan em exposição no Bathurst Motor Racing Museum
Há um sistema que vem sendo oferecido para a industria nos últimos anos e
tem ganho renome graças à difusão das informações pela internet, o sistema
Coates.
Este sistema, inovador em seu formato, não é muito diferente do sistema
Mellors em seus princípios e conceitos mais elementares.
Sistema Coates: válvulas-esfera
O sistema Coates substitui as válvulas troco-cônicas de Mellors por sistemas de
esferas cortadas.
Uma janela feita na borda esférica de cada válvula se comunica com ranhuras
laterais cavadas nas faces cortadas ao invés da fenda diametral de Mellors.
Conforme a esfera gira, a janela na face esférica se alinha com a janela fixa no
cabeçote do motor, e os gases entram ou saem passando por essa passagem e
pelas ranhuras na lateral da esfera.
Detalhes da válvula-esfera do sistema Coates
Vista em corte lateral
Seqüência de funcionamento da válvula de escapamento
A Coates detém várias patentes com variações do sistema, indicando que este
conceito ainda está em evolução.
A vedação deste sistema é feito por um assento móvel, sob alta compressão
gerada por uma mola, com o material atritante contra a esfera feito de teflon
para reduzir atrito, dispensando a lubrificação local. Com um bom controle da
temperatura do cabeçote, o teflon resiste bem ao calor dos gases de
escapamento e oferece boa durabilidade. Em caso de desgaste a substituição é
um processo relativamente simples.
Apesar de interessante, o sistema Coates possui um defeito fundamental. Com
o uso de duas esferas separadas para controle dos gases de admissão e
escapamento, é necessário duas janelas circulares abertas no cabeçote do
motor. Estas duas janelas oferecem a mesma limitação de área de passagem
de gases que um motor com duas válvulas convencionais por cilindro.
Além disso, as esferas ocupam um volume significativo, e os dutos podem ter
seus diâmetros reduzidos ainda mais em função de serem compatíveis com as
dimensões das esferas usadas.
Conjunto volumoso e dutos estreitos
Embora ofereça soluções técnicas muito interessantes, ele perde a real
vantagem dos sistemas não convencionais de oferecer grandes janelas para a
transferência de gases.
Vamos voltar no tempo, para mostrar a história de um outro tipo de válvula
rotativa transversal.
Roland C. Cross
Roland C. Cross desenvolveu um sistema revolucionário de válvula rotativa
transversal. Ao invés de usar fendas ou rebaixos como nos outros sistemas,
Cross desenvolveu uma válvula que controlava simultamenamente a admissão
e o escapamento, e que tinha o formato de um tubo. Dentro deste tubo havia
um septo (parede de separação) que separava a admissão do escapamento.
Duas janelas laterais na válvula pemitiam que as partes de admissão e
escapamento se comunicassem com a câmara de combustão, enquanto os
extremos da válvula recebiam o carburador e o escapamento.
Diferente de outros sistemas que adotaram a solução de rotores tronco-cônicos,
o sistema Cross usa válvulas em formato externo cilíndrico.
Sistema Cross: válvula única, com septo para separar admissão do escapamento
Ele trabalhou em seu sistema de 1920 (primeira patente em 1922) até 1945, e
foi o grande competidor de Aspin pela atenção e recursos da indústria inglesa
de motocicletas.
Enquanto Aspin mantinha relações com a Norton e a Velocette, Cross firmou
uma grande parceria com a Vincent HRD para desenvolvimento de motos de
competição.
Cross (dir.) e o piloto oficial Milson (esq.) com uma Vincent HRD de 500 cm³ com válvula rotativa (1934)
Os problemas de vedação e de lubrificação da válvula eram sérios, até que em
1934 Cross concebe um alojamento bipartido para a válvula e mantido sob
pressão contra ela por meio de um pórtico elástico autoajustável, em formato
de ponte.
Este avanço permite que o sistema entre em produção nas motos de série.
Patente do pórtico autoajustável de folga da válvula Cross
Vincent HRD 1934 padrão com válvula rotativa. Curiosidade: note os dois freios dianteiros a tambor
Porém o sonho acabou em 1935 porque, assim como nos protótipos Aspin de
competição, alguns protótipos falharam vergonhosamente em corridas,
encerrando a parceria. E assim como Aspin, Cross ainda daria continuidade ao
seu trabalho por mais 10 anos, por conta própria.
Motores e componentes de testes com válvula Cross, em exposição no Sammy Miller Museum em Hampshire
Em 1954, um entusiasta de Ohio, Merritt Zimmermann, excelente construtor de
máquinas, começa um trabalho de quatro anos desenhando em todos os seus
detalhes um motor de motocicleta de 244 cm³ em "V", equipado com válvulas
Cross.
Em apenas quatro meses, Zimmerman constrói o motor com recursos próprios,
incluindo a fundição de peças, e com tal qualidade de acabamento que o motor
parece ser produzido em série.
Merritt Zimmerman e sua motocicleta com válvulas rotativas tipo Cross
]
Este motor gerava potência de 25 cv e girava até 12.000 rpm, atingindo
velocidade de 120 km/h em segunda marcha e velocidade máxima de 176
km/h, marcas nada ruins para motores desse porte na época. Porém o mais
impressionante era que este motor tinha curva de torque absolutamente plana
em quase toda faixa de rotações.
Detalhe do motor Zimmerman
Zimmerman evitou muitos dos problemas de vedação e lubrificação do sistema
de válvulas usando buchas feitas à base de carvão muito fino prensado com
óleo no alojamento das válvulas.
Ele e seu colega, Stan Yalof, tentaram vender a idéia das válvulas rotativas
para a indústria automobilística americana. Até mesmo um teste para a Ford é
feito, num carro de teste feito pelo próprio Zimmerman com um motor de
quatro cilindros. Durante os testes, Zimmerman acelerou de zero a 160 km/h
usando apenas a última marcha para demonstrar a curva de torque obtida com
esse sistema.
Porém, ambos foram vencidos pela burocracia da indústria, pelo que eles
chamaram de "Síndrome do Não-Foi-Feito-Aqui".
O filho de Zimmerman, Art, tenta manter vivo o trabalho de seu pai. Ele e Stan
Yalof acreditam numa conspiração da indústria automobilística para manter o
padrão de válvulas estabelecido.
Teorias conspiratórias sempre merecem ser vistas com reserva, porém é fato
que a indústria automobilística é mais conservadora com suas tecnologias mais
básicas que outros setores.
Cria e criatura: Art Zimmerman com a moto do pai, conservada no Barber Vintage Motorsports Museum
Enquanto isso, a moto de Zimmerman está em perfeito estado de conservação
no Barber Vintage Motorsports Museum.
Na década de 1950, Laurie Bond (criador do triciclo Bond Three Wheeler)
propõe para a Norton um sistema de válvulas fortemente inspirado no sistema
Cross. O engenheiro de projetos Joe Craig desenvolve um cabeçote Cross de
competição para a moto Norton Manx de 1960 após um trabalho concentrado
de dois anos e meio.
Motor Norton com válvula tipo Cross para o modelo Manx 1960
Com os problemas de vedação, desgaste e de goma na vela, este motor não se
mostrou mais potente que o original, com válvulas convencionais, e dadas as
dificuldades em conseguir dinheiro para mais pesquisa e desenvolvimento, o
projeto foi abandonado.
Cabeçote e câmara de combustão do motor Norton com válvula tipo Cross
No começo da década de 1990, uma pequena empresa de tecnologia chamada
Bishop Innovation consegue aperfeiçoar um sistema de válvulas tipo Cross.
Com acesso a diversas tecnologias recentes, como novos materiais, técnicas
construtivas e computadores, a Bishop passa a obter sucesso onde pequenos
desenvolvedores fracassaram. A partir deste ponto, a Bishop passa a procurar
um parceiro para demonstrar a viabilidade desta tecnologia.
Em 1997, a Bishop firma uma parceria com a Ilmor Engineering (depois Ilmor-
Mercedes) para desenvolvimento de um motor para a Fórmula 1. Neste acordo,
a Ilmor projetaria a parte baixa do motor e a Bishop projetaria todo o cabeçote.
No ano 2000, após uma série de testes exaustivos com um motor
monocilíndrico de 300 cm³ especialmente fabricado, os resultados começam a
aparecer. O motor não só era 10% mais potente, como o sistema de válvulas
rotativas era 10% mais durável que seu equivalente convencional.
Teste do protótipo básico monocilíndrico em dinamômetro
Em 2002, os primeiros motores V-10 recebem o sistema de válvulas rotativas,
são exaustivamente testados, sendo logo substituídos por novos motores
completamente redesenhados, construídos e testados em 2003.
Conjunto de válvulas para motor V-10 e corte de um cabeçote
Os testes e simulações apontaram que, sob as mesmas condições, os sistemas
de válvulas convencionais eram capazes de obter a mesma eficiência
volumétrica de pico das válvulas rotativas, porém as válvulas rotativas
conseguiam manter essa eficiência volumétrica de pico até 25.000 rpm,
enquanto a eficiência volumétrica das válvulas convencionais decai bem antes
disso.
Simulação: fluxo livre com máximo rendimento mesmo a 25.000 rpm
Porém, a grande vantagem deste sistema estava na sua confiabilidade. Os
motores da Fórmula 1 daquela época eram feitos para durar apenas uma
corrida, e ao fim de cada prova os sistemas de válvula apresentavam desgastes
que levavam à degradação do desempenho. Já o motor com válvulas rotativas
não apresentava esta degradação, e poderia oferecer potência adicional com
menor consumo na fase final decisiva da prova.
Válvula rotativa e parte inferior do alojamento da válvula, com janela para a câmara de combustão
A Bishop havia detalhado soluções em seu sistema de válvula que contornavam
as distorções mecânicas dos componentes em função das diferenças de
temperatura.
Ao invés de sistemas de pressão mecânica contra o rotor para manter a
estanqueidade da válvula, como o pórtico elástico proposto por Cross, ela
adotou uma solução semelhante à de Aspin, com o rotor separado a uma
distância ínfima dos componentes do alojamento, conseguindo um mínimo de
mistura entre gases quentes e frios. Esta folga permita a deformação das peças
sem que elas se tocassem, evitando a necessidade de lubrificação na maior
parte da válvula, o desgaste prematuro de componentes e as perdas mecânicas
por atrito.
Conjuntos de anéis, semelhantes aos usados em pistões, complementam a
vedação, e o rotor é suportado nas duas pontas por rolamentos, enquanto uma
engrenagem em forma de colar, fixada do lado da admissão transmite o
movimento de rotação sincronizado com o motor.
O conjunto de válvulas absorve muito pouca potência do motor para funcionar
(muito menos que o conjunto convencional) e não opera com choques
constantes, oferecendo suavidade que reverte em durabilidade do conjunto e
maior potência disponível no virabrequim.
Sem a necessidade de refrigeração, o cabeçote dispensa os volumosos dutos de
água e pode ser bem menor e mais baixo que um cabeçote convencional. O
motor de Fórmula 1 com sistema Bishop pesa 80 kg (16 kg mais leve que o
mesmo motor com válvulas convencionais), 150 mm mais baixo, e com isso há
um abaixamento do centro de gravidade do motor, o que é altamente desejável
num carro de Fórmula 1.
Comparação do cabeçote de um cilindro do V-10 de Fórmula 1 com o de um cabeçote de Mercedes CLK de cilindrada
equivalente
Porém, quando tudo se encaminhava para um motor de pista para o ano
seguinte, a FIA modifica o parágrafo 5.1.5 do regulamento de motores para
2004, expressamente proibindo o uso de válvulas rotativas.
Era o fim do sonho da Bishop e da Ilmor-Mercedes na Fórmula 1, logo agora
que toda tecnologia do sistema de válvula rotativa estava pronta para uso
prático.
A Fórmula 1 era a oportunidade que a Bishop procurava para chamar a atenção
do grande público para seu trabalho e potencializar produtos para o consumidor
comum, mas a decisão da FIA encerrou esta oportunidade ainda na obscuridade
dos bastidores da categoria.
Ao proibir o uso das válvulas rotativas, a FIA expressamente encerra a corrida
pela "respiração" livre dos motores pela manutenção do status quo.
Será que a teoria da conspiração contra as válvulas rotativas, proposta pelo
filho de Zimmerman estaria correta?
Na quinta e última parte desta série: loucura total, projetos únicos, testes que
não deram certo e os sistemas mais malucos de válvulas de motores que os
engenheiros puderam imaginar.
AAD
Listas de links das imagens:
http://www.motohistory.net/news2009/news-oct09.html
http://oldholden.com/node/22562
http://www.moto-histo.com/4t_ssp/4t_ssp.htm
http://www.douglas-
self.com/MUSEUM/POWER/unusualICeng/RotaryValveIC/RotaryValveIC.htm
http://www.thetruthaboutcars.com/2007/12/coates-spherical-rotary-valve-
system-let-the-rivet-counting-begin/
http://fefcholden.org.au/forum/index.php?topic=14965.0