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O INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS - IBCCRIM,
entidade não governamental, sem fins lucrativos, com sede na cidade de São Paulo (SP),
Rua Onze de Agosto, 52 – Centro, vem, por meio de seus representantes, apresentar Nota
Técnica complementar às anteriormente apresentadas pelo IBCCRIM1, sobre o
Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 554/2011, de autoria do Senador Antonio Carlos
Valadares.
1. Objeto do PLS nº 554/2011 e sua tramitação legislativa
Tramita atualmente perante a Comissão de Direitos Humanos e Legislação
participativa, o Projeto de Lei do Senado n. 554/2011, de autoria do Senador Antonio
Carlos Valadares, que visa a alteração do §1o do art. 306 do Código de Processo Penal para
“determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após
efetivada sua prisão em flagrante”.
Trata-se de projeto de lei para regulamentar em legislação federal (Código de
Processo Penal) a audiência de custódia, recentemente implementada por alguns estados da
federação por meio de resoluções ou atos normativos dos seus respectivos Tribunais.
Após remessa da matéria para apreciação pelo Plenário do Senado Federal, em razão
de recurso apresentado pelo Senador Sérgio Petecão (n. 06 de 2015) e a apresentação de 5
(cinco) emendas de plenário, o texto do projeto de lei foi reencaminhado à Comissão de
Direitos Humanos e Legislação Participativa para nova apreciação.
Diante das modificações apresentadas pelas emendas (numeradas de 11 a 15), o
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais apresenta esta nota técnica, com apontamentos
teóricos sobre os temas (audiência de custódia, utilização de videoconferência,
interrogatório do acusado, atribuições da polícia judiciária e suas autoridades) para então
sugerir alterações no conteúdo do projeto legislativo para torná-lo consentâneo com os
princípios constitucionais que norteiam o processo penal.
1 Respectivamente, em 11 de fevereiro e 11 de junho de 2015. As referidas notas técnicas podem ser
revistas através dos links: http://www.ibccrim.org.br/docs/PLS_554_2011.pdf e
http://www.ibccrim.org.br/docs/humbertocosta.pdf
2
2. A audiência de custódia e sua importância
A importância da audiência de custódia já foi amplamente discutida perante o
Congresso Nacional, Tribunais de Justiça dos Estados e Supremo Tribunal Federal.
Como constou no editorial do Boletim do IBCCRIM n. 252, de novembro de 2013, a
audiência de custódia “é fruto de antiga exigência da Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (“Pacto de San Jose”), tratado ratificado pelo Brasil
em 9 de julho de 1992” e “além de primar pelo resguardo de sua integridade física e moral, a proposta
consolida o direito de acesso à justiça do réu preso, com a ampla defesa garantida em momento crucial da
persecução penal”.
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais também já apresentou contribuições ao
debate deste tema em duas notas técnicas anteriores à presente, nas datas de 11 de
feverereiro 2e 11 de junho de 20153, respectivamente.
Desta forma, a presente nota técnica tem como objetivo reiterar o apoio deste
Instituto à verdadeira e completa implementação do ato em todo o país, mas não sem antes
indicar as objeções em relação a algumas emendas de plenário apresentadas ao texto final
anteriormente aprovado.
3. A não utilização da oitiva do acusado preso como meio de
prova (emenda n. 12)
A emenda de plenário n. 12 propõe retirada do texto legal a proibição do uso da
oitiva do acusado preso como meio de prova em seu desfavor.
Tem plena razão o parecer da Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa do Senado Federal quando opina pela rejeição da mencionada emenda por
entender que “a finalidade da audiência de custódia não é iniciar a instrução do feito”. E também
porque é possível que, diante da brevidade que ocorrerá a audiência de custódia, o acusado
não tenha tido tempo hábil para preparar a sua defesa.
A análise sobre a possibilidade do uso desta oitiva feita na audiência de custódia
como meio de prova deve decorrer da adoção de três premissas básicas.
2 Link: http://www.ibccrim.org.br/docs/PLS_554_2011.pdf
3
Em primeiro lugar, a audiência de custódia tem como objetivo (i) conduzir o preso à
presença do magistrado para que haja adoção de uma das medidas previstas no art. 310 do
Código de Processo Penal (relaxamento da prisão, conversão da prisão em flagrante em
preventiva, concessão de liberdade provisória); e (ii) verificar se os direitos fundamentais
estão sendo respeitados.
Tal como consta na redação final aprovada do projeto (art. 306, §7o), a oitiva “versará
exclusivamente sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-
tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado”.
Note-se, portanto, que a oitiva a que se refere a proposição para o §5o do art. 306 do
CPP não se confunde com o interrogatório policial previsto no art. 6o, inciso V do mesmo
diploma legal, tampouco com o interrogatório judicial previsto no art. 185 e seguintes
também do Código de Processo Penal. Trata-se de comparecimento perante a autoridade
judiciária com o fim, único e exclusivo, de avaliar a prisão em flagrante realizada.
Depois, em segundo lugar, é notório que a colheita de elementos probatórios
decorrerá das diligências policiais elencadas no art. 6o do Código de Processo Penal, a
serem realizadas pelo Delegado de Polícia e não pelo magistrado, tendo em vista se tratar
de fase pré-processual, investigatória, conduzida pela polícia e não pelo Poder Judiciário
diretamente.
Ou seja, o interrogatório do preso, oportunidade em que exporá a sua versão dos
fatos e eventualmente de onde serão extraídos elementos probatórios, será conduzido pelo
Delegado de Polícia no curso do inquérito policial. Somente ocorrerá interrogatório judicial
caso haja oferecimento de denúncia, recebimento e regular tramitação de ação penal, ao
final da instrução processual.
Por fim, a terceira e última premissa que acarreta necessária rejeição desta emenda de
plenário é a admissão, pelo Congresso Nacional, do interrogatório propriamente dito como
meio de defesa e não meio de prova.
Antes do advento da Constituição Federal em 1988 e das modificações legislativas4 ,
entendia-se o o interrogatório como meio de provocar a confissão do delito pelo acusado,
3 http://www.ibccrim.org.br/docs/humbertocosta.pdf 4 Trata-se da aprovação dos projetos de lei que culminaram na sanção das Leis n. 10792/2003,
11.689/2008 e 11.719/2008, que alteraram, respectivamente, a disciplina do interrogatório judicial
(Capítulo III, Título VII, do Código de Processo Penal) e o momento de sua realização (final da instrução
processual).
4
especialmente pela disciplina dada ao silêncio e a ausência de previsão expressa quanto à
presença obrigatória de advogado.
No entanto, as disposições expressas sobre a entrevista prévia, a assistência de
advogado obrigatória durante o ato e o direito ao silêncio do acusado deram origem a
posicionamentos doutrinários no sentido de que o interrogatório tornou-se meio de
defesa5.
A análise das garantias processuais previstas na Constituição Federal e das
modificações legislativas, leva à conclusão de que o interrogatório hoje é meio de defesa.
De qualquer sorte, é inadmissível conceber o interrogatório como meio de prova, já
que o “ato é considerado como o momento destinado ao acusado encontrar-se com o magistrado para,
querendo, trazer aos autos a sua versão fática, contrapor as provas produzidas, ou até mesmo confessar”6,
sendo certo que a contribuição do acusado para o esclarecimento da verdade não é
obrigatória.
Além disto, sabe-se que o ônus probatório no processo penal cabe ao Ministério
Público, ou àquele que figura no polo acusatório e a presunção de inocência afasta qualquer
obrigação do acusado fornecer elementos à solução do caso posto em juízo.
Em síntese, a previsão de assistência integral de advogado ao acusado, do direito de
permanecer em silêncio e da presunção de inocência são predominantes para a
conceituação do ato como meio de defesa.
Assim, transformar o acusado em objeto de prova e seu interrogatório como meio ou
atividade destinada a colheita de elementos probatórios, ofende as garantias constitucionais
acima elencadas.
Desta forma, conclui-se que, mesmo que se considere a oitiva da audiência de custódia
como interrogatório – o que de fato não é -, as suas eventuais declarações não poderiam ser
utilizadas como meio de prova contra si. Por estas razões, e adoção das três premissas
acima elencadas, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais opina pela rejeição da emenda
de plenário n. 12.
5 GRINOVER, Ada Pellegrini; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE
FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo penal. 12a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p. 77. 6 GALVÃO, Danyelle da Silva. Interrogatório por videoconferência. São Paulo: LiberArs, p. 104/105.
5
4. A excepcionalidade do uso da videoconferência no processo
penal (emenda n. 13)
A emenda de plenário n. 13 propõe a possibilidade de uso da videoconferência para a
realização de audiência de custódia.
Com razão é o parecer da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa
do Senado Federal quando opina pela rejeição da mencionada emenda por entender que o
uso do recurso tecnológico “enfraquece a finalidade da audiência de custódia, qual seja, permitir o
contato direto, sem intermediários, do Juiz de Direito com o conduzido”.
Alguns esclarecimentos iniciais devem ser feitos, especialmente sobre discussões
legislativas anteriores sobre a matéria, bem como sobre a excepcionalidade do uso do
recurso tecnológico.
O Congresso Nacional já discutiu, em mais de uma oportunidade, sobre a
conveniência e legalidade do uso da videoconferência para os acusados presos em fase
judicial.
Inicialmente durante a tramitação do Projeto de Lei no 5.073/2001 (numeração da
Câmara dos Deputados). O projeto buscava, primordialmente, a alteração da Lei de
Execuções Penais para prever forma de cumprimento de pena mais severo, chamado de
“regime disciplinar diferenciado” (RDD), e dispunha sobre o interrogatório no estabelecimento
prisional apenas como forma de combate ao crime organizado. No entanto, durante a
tramitação do projeto, o custo das escoltas policiais e o risco de fuga foram invocados para
sustentar a necessidade do uso da videoconferência para o ato judicial. A proposta para o
adoção da tecnologia foi rejeitada no Plenário da Câmara dos Deputados.
Anos depois, em razão de decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou
interrogatório à distância por ausência de lei federal que regulamentasse a prática7, foi
apresentado novo Projeto de Lei (PLS n. 679/2007) pelo Senador Aloizio Mercadante com
o objetivo de instituir oficialmente o interrogatório por videoconferência em legislação
federal. Três foram as justificativas para a aprovação do projeto legislativo: o custo das
escoltas policiais, a segurança dos envolvidos/risco de fuga ou resgate, e a duração razoável
do processo.
6
O projeto culminou na aprovação da Lei n. 11900/2009, que deu nova redação ao
§2o do art. 185 do Código de Processo Penal que autoriza – em algumas hipóteses – o uso
da videoconferência.
Evidente que o avanço tecnológico possibilitou a modernização do Poder Judiciário
e a aceleração das comunicações entre a polícia judiciária e a Justiça.
De qualquer sorte, é imprescindível analisar se o uso da tecnologia para a audiência
de custória atende o objetivo do ato.
O art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos, aplicável ao momento da
prisão, estabelece que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um
juiz”.
No mesmo sentido é a a previsão do art. 9.3 do Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos: “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser
conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções
judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade”.
Este é justamente o objetivo da instituição da audiência de custódia no ordenamento
jurídico nacional: possibilitar que o preso seja apresentado em juízo para ser ouvido. Tanto
que a própria redação proposta para o §5o do art. 306 do Código de Processo Penal é para
que haja “condução à presença o juiz”, já tendo a doutrina se manifestado que o termo
“conduzir” significa transportar de um local a outro, o que não ocorre quando há o uso da
videoconferência8.
Depois, como dito acima, atualmente o Código de Processo Penal autoriza o uso da
videonconferência para o interrogatório de acusados presos, mas apenas de maneira
excepcional, mediante decisão judicial fundamentada e desde que sejam preenchidos os
requisitos autorizadores previstos nos incisos do art. 185, §2o.
Tem-se como regra geral, portanto, que o contato entre o acusado e seu julgador
deve ser pessoal, presencial, sem a intermediação de recursos tecnológicos. Ou seja: exige-
se a presença física do acusado perante a autoridade judicial, somente sendo possível tal
afastamento nas seguintes hipóteses previstas pela legislação:
7 A decisão foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 14 de agosto de 2007, sob a relatoria do
Ministro Cezar Peluso, nos autos de Habeas Corpus n. 88914.
8 SILVA, Ivan Luiz da. Interrogatório criminal on-line: uma proposta conciliatória entre a
modernidade tecnológica e as garantias processuais do réu. Revista dos Tribunais, ano 98, v. 880,
fevereiro 2009, p. 381.
7
I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita
de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa
fugir durante o deslocamento;
II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando
haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade
ou outra circunstância pessoal;
III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima,
desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos
termos do art. 217 deste Código;
IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.
A verdade é que qualquer questão envolvendo cidadãos presos ou estabelecimentos
prisionais denota especial atenção do Poder Público no tocante à segurança. A própria
natureza da medida cautelar e do seu local de cumprimento exigem que haja aparato a
garantir a efetiva segregação daqueles lá recolhidos.
Por consequência, eventuais deslocamentos dos presos demandam os mesmos
cuidados. Entretanto, como ocorre também com o custo das escoltas policiais, a segurança
pública é questão inerente à atuação estatal para a persecução penal. Não se pode admitir
que a insuficiência de pessoal ou de material para a garantia de segurança à população
durante a escolta seja suportada somente pelo acusado através da redução de suas garantias
constitucionais ou processuais.
Desta forma, a justificativa da segurança pública (hipótese do inciso I acima transcrito)
não serve, de maneira isolada, como motivo para o uso da tecnologia. Entende-se,
portanto, que há possibilidade de uso da videoconferência para “prevenir risco à segurança
pública” desde que haja combinação dessa condição com as demais hipóteses previstas no
mesmo inciso legal, a saber: possibilidade de fuga, ou com o fato do acusado integrar
organização criminosa.
Porque “entender que o uso da videoconferência está autorizado somente porque o deslocamento gera
risco à segurança pública é admitir a tecnologia para todos os casos em que haja acusado preso, afinal,
trata-se de questão sempre atrelada à existência de prisão”9.
9 GALVÃO, Danyelle da Silva. Interrogatório por videoconferência. São Paulo: LiberArs, 2015, p. 164.
8
Assim, inexiste justificativa para não conduzir o preso à presença do juiz tão logo
ocorra a prisão, quando o objetivo desta condução é realmente verificar a necessidade da
continuidade da medida ou eventualmente conceder liberdade provisória, além de analisar
se as garantias constitucionais estão sendo obedecidas.
No tocante ao inciso II, é forçoso reconhecer que o deslocamento dos presos exige
esforço e gasto de dinheiro público, com esquema tático de segurança. Entretanto,
representam dificuldades normais e transponíveis também inerentes à persecução penal,
mais precisamente consequências diretas do encarceramento. Desta forma, questões como
a incapacidade de transportar dignamente o preso ou distância em que se encontra, não
podem ser consideradas como “relevante dificuldade” que justifiquem, por si só, o uso da
tecnologia na audiência de custódia.
É facil notar que a hipótese III não se aplica às audiências de custódia, visto que
naquele ato somente será realizada a sua oitiva – e sobre a prisão, não necessariamente os
fatos -, sem presença de testemunhas ou vítimas.
Resta, portanto, a última hipótese prevista atualmente na legislação (inciso IV)
relativa à gravíssima questão de ordem pública.
A expressão “ordem pública” vem, há muito, sendo discutida na seara processual
penal em decorrência da sua aplicação como fundamento para a decretação da prisão
preventiva. Trata-se de conceito aberto e, segundo posicionamento da doutrina, um “cheque
em branco” ao magistrado quando se refere ao uso do recurso tecnológico10. Inclusive, Ada
Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes
defendem que “com a indeterminação do inciso IV, há o perigo de não se respeitar à excepcionalidade
afirmada pelo legislador”11.
É bem verdade que a doutrina aponta solução para a imprecisão do termo e
continuidade do seu uso como fundamento da prisão preventiva. Maurício Zanoide de
Moraes estabelece três requisitos cumulativos para a aceitação da ordem pública para a
10 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18. ed., 2010, p. 578.
11 GRINOVER, Ada Pellegrini; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE
FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo penal. 12a edição, São Paulo: RT, p. 85.. E no
mesmo sentido tem-se: “a lei não descreve quando ocorre esta situação, devendo, portanto, o
magistrado avaliar o caso concreto, para justificadamente reconhecer a sua existência e determinar
o emprego da videoconferência”. DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso
de Processo Penal,. 6a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 331. No mesmo sentido,
SAMPAIO, Denis. Inovações Tecnológicas no Direito Processual Penal. Dialética entre eficácia e
garantia na produção da prova judicial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, RT, n.
102, 2013, p. 275.
9
prisão preventiva, sendo esses: a pena prevista para o crime praticado, as circunstâncias e a
forma demonstradas do cometimento do crime, e a proximidade entre o conhecimento da
autoria e a decretação da prisão.
E sustenta o autor a necessidade de observância do ato criminoso e não do seu agente,
para que se evite a decretação de prisão baseada em emoções ou em preconceitos12. Em
síntese, a gravíssima questão de ordem pública não pode ser atribuída à pessoa do acusado,
mas ao fato que lhe foi imputado.
Portanto, não pode o Delegado de Polícia, que não detém atribuição para julgamento
dos fatos em questão, em momento anterior a qualquer análise judicial sobre o caso e a
prisão, presumir que se trata desta hipótese.
No entanto, tal solução é inadmissível para o uso da tecnologia na audiência de
custódia. Como anteriormente exposto, o ato tem como objetivo primordial a verificação
da legalidade da prisão em flagrante e a análise das medidas previstas no art. 310 do Código
de Processo Penal, a saber: relaxamento da prisão, conversão do flagrante em prisão
preventiva ou concessão de liberdade provisória.
Assim, somente durante a audiência de custódia, quando o acusado já está na presença
do magistrado, é que será analisada – e eventualmente constatada – a necessidade de prisão
para garantia da ordem pública.
Além disto, deve-se dar à expressão do inciso IV significado ainda mais restrito ao que
se concebe para a ocorrência da prisão, visto que a Lei no 11.900/2009 incluiu o adjetivo
“gravíssima” a frente da expressão.
Desta maneira, considerando que a regra é o deslocamento do acusado à sede do juízo
para a realização de todos os atos, inclusive a audiência de custódia realizada na fase pré-
processual, entende-se incabível o uso da tecnologia, com fulcro no inciso IV, para o ato
em tela.
Ademais, como já expôs a doutrina, o contato virtual, através de uma tela de
computador ou de televisão, não é suficiente ou adequado porque impossibilita a percepção
do caso e do acusado pelo julgador13.
12 ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise
de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p. 390-393.
13 DOTTI, René Ariel. O interrogatório a distância: um novo tipo de cerimônia degradante. Revista
dos Tribunais, v. 740, junho de 1997, p. 476; SILVA, Ivan Luiz da. Interrogatório criminal on-line: uma
proposta conciliatória entre a modernidade tecnológica e as garantias processuais do réu. Revista dos
10
Dyrceu Aguiar Cintra Jr. afirma que a videoconferência “impossibilita perfeita percepção
da personalidade do réu, quer para fins de concessão de liberdade provisória, quer para a atividade futura
de individualização da pena, se for o caso de condenação”, enquanto Aury Lopes Jr afirma que a
distância contribui para a desumanização do processo penal14, já que o recurso tecnológico
aniquila ou mata “o caráter antropológico do próprio ritual judiciário, assegurando que o juiz sequer olhe
para o réu, sequer sinta o cheiro daquele que ele vai julgar”15.
É evidente que contato entre o preso e seu defensor e entre o preso e o magistrado é
diminuído quando o recurso tecnológico é utilizado para qualquer ato processual.
Mesmo que haja grande evolução na tecnologia nos próximos anos, com o
aprimoramento na transmissão do som e imagem ou a projeção holográfica do
preso/acusado na sala de audiências do fórum, sabe-se que o ideal é que haja condução do
acusado preso à sede do juízo para realização da audiência de custódia.
Isto porque, frise-se, há diferença entre presença física e a virtual. Deve-se destacar
que, caso fossem idênticas, não haveria razão para o legislador (Lei n. 11.900/2009), a
doutrina e a jurisprudência reafirmarem a excepcionalidade do interrogatório judicial por
videoconferência em relação ao presencial na sede do juízo; ou para se preocuparem com a
bilateralidade e qualidade da transmissão dos sons e imagens.
Tampouco haveria preocupação ou a necessidade em prever a presença de dois
defensores, com o estabelecimento de sistema de comunicação inédito no país para
possibilitar o aconselhamento profissional.
É certo que as novas tecnologias afastam necessidade de presença física, e que há
benefícios, mas também é certo que não substituirão a forma tradicional de realização das
audiências. Como afirma Ana Montesinos García, a videoconferência facilita a
administração da Justiça e garantirá um processo mais cômodo e eficaz, mas não resolverá
todos os problemas, sendo necessária a harmonização das formas tradicionais do processo
Tribunais, ano 98, v. 880, fevereiro 2009, p. 381; GRECO, Leonardo. A revolução tecnológica e o
processo. Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro, n. 19, 2001, p. 119; e BITTAR,
Walter Barbosa. O interrogatório on line: por uma inquisição moderna?, Boletim do Grupo Brasileiro da
Associação Internacional de Direito Penal, ano 5, n. 4, 2009, p. 5.
14 CINTRA JR., Dyrceu Aguiar. Interrogatório por videoconferência e devido processo legal.
Revista de Direito e Política. Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP, v. 5, abril/junho 2005, p.
99; LOPES JUNIOR, Aury. O interrogatório online no processo penal: entre a assepsia judiciária e o sexo
virtual. Revista de Estudos Criminais, v. 5, n. 19, julho/setembro 2005, p. 82.
15 LOPES JUNIOR, Aury. O interrogatório online no processo penal: entre a assepsia judiciária e o
sexo virtual. Revista de Estudos Criminais, v. 5, n. 19, julho/setembro 2005, p. 82.
11
com aqueles mecanismos tecnológicos, sempre respeitando as garantias fundamentais do
acusado16.
Ante todo o exposto, entende-se que a emenda n. 13 ao PLS n. 554/2011 não
encontra amparo legal para subsistir, além de esbarrar no alto investimento necessário para
que a videoconferência seja utilizada no âmbito policial, já que atualmente as Delegacias de
Polícia não possuem os equipamentos e a tecnologia necessária para a imediata
implementação desta forma de oitiva.
5. As atribuições da polícia judiciária (emendas ns. 11 e 15)
A emenda de plenário n. 11, apresentada pelo Senador Humberto Costa, propõe a
substituição do termo “autoridade policial” por “delegado de polícia”, enquanto a emenda
de plenário n. 15, proposta pelo Senador Randolfe Rodrigues, propõe a inclusão de dois
parágrafos (5o e 6o) com a finalidade de conceituar autoridade policial e elencar as carreiras
cujos integrantes podem ser considerados autoridades policiais.
Sabe-se que a atividade policial é exercida por órgãos dotados de poder de polícia.
Sobre o tema, sustenta a doutrina que atividade policial é exercida pelos órgãos
administrativos dotados de poder de polícia, entendido este como o conjunto de
atribuições da Administração Pública, indelegáveis aos particulares, tendentes ao controle
dos direitos e liberdades das pessoas, incidentes não só sobre elas, como também em seus
bens e atividades17.
O art. 144 da Constituição Federal estabelece que “a segurança pública, dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio”. Enquanto os seus incisos listam os órgãos responsáveis, o seu §4º é
decisivo ao atribuir à polícia civil, dirigida por delegados de carreira, a função de polícia
judiciária e a apuração das infrações penais, ressalvada a competência da União previstas no
§ 1º do art. 144.
16 GARCÍA MONTESINOS, Ana. La videoconferencia como instrumento probatorio en el proceso
penal. Madrid: Marcial Pons, 2009, p. 13.
17 LAZZARINI, Álvaro. Do poder de polícia. São Paulo: Justitia, 1973, p. 52.
12
Ao tratar do tema, a doutrina enfatiza ser a polícia judiciaria “a que o Estado exerce sobre
as pessoas sujeitas à sua jurisdição, através do Poder Judiciário e de órgãos auxiliares, para a repressão de
crimes e contravenções tipificados nas leis penais. Essa polícia é eminentemente repressiva, pois só atua após
o cometimento do delito e visa, precipuamente, a identificação do criminoso e de sua condenação penal”18.
Ainda, segundo a posição de José Cretella Júnior, a polícia judiciária investiga os
delitos que a polícia administrativa não conseguiu evitar, coleta elementos de prova e indica
os autores ao titular da ação penal19.
Especificamente sobre a autoridade policial, a doutrina dispõe ser “um agente
administrativo que exerce atividade policial, tendo o poder de se impor a outrem nos termos a lei, conforme o
consenso daqueles mesmos sobre os quais a sua autoridade é exercida, consenso esse que se resume nos
poderes que lhe são atribuídos pela mesma lei, emanada do Estado em nome dos concidadãos20.
Por sua vez, o art. 4o do Código de Processo Penal estabelece que “a polícia judiciária
será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a
apuração das infrações penais e da sua autoria”, enquanto o art. 6o prevê àquela autoridade a
atribuição para lavratura do auto de prisão em flagrante, a presidência do inquérito policial
e a realização ou requisição das diligências investigativas.
Ou seja, todas as atividades de polícia relativas ao indivíduo preso após a sua chegada
na Delegacia de Polícia, são de atribuição da Polícia Judiciária que, conforme o texto
constitucional, será dirigida pelo delegado de polícia.
Tem-se, portanto, previsão constitucional e legal estabelecendo a atribuição
investigativa e de polícia judiciária à Polícia Civil e Federal, por meio dos delegados de
polícia. Não restam dúvidas, portanto, que a Constituição Federal e a legislação processual
preveem como autoridade policial única e exclusivamente o delegado de polícia.
Desta maneira, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais apresenta esta nota
técnica em apoio à emenda de plenário n. 11 para que o termo utilizado no projeto seja
“delegado de polícia”, concordando-se com o parecer da Comissão de Direitos Humanos e
18 MEIRELLES, Hely Lopes. Polícia de Manutenção da Ordem Pública e suas Atribuições. In:
Direito Administrativo da Ordem Pública.. LAZZARINI, Álvaro et. al.Rio de Janeiro : Forense. 1986, p.
153.
19 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense,
1992, p. 535.
20 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de Direito Administrativo. 2 a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 269.
13
Legislação Participativa do Senado Federal, no sentido de que “o termo delegado de polícia é o
que vem sendo utilizado nas leis mais recentes que tratam de atividades típicas da polícia judiciária”.
E do mesmo modo, feitas todas as considerações acima, especialmente a indicação
do texto constitucional que aponta como responsável pela Polícia Judiciária unicamente o
delegado de polícia (art. 144), este Instituto repudia, tal como consta no mesmo parecer, a
emenda n. 15 que visa estender o conceito do termo “autoridade policial” para carreiras
que nitidamente não detêm atribuição investigativa ou repressiva.
São Paulo, 15 de dezembro de 2015.
Andre Pires de Andrade Kehdi
(Presidente do IBCCrim)
Renato Stanziola Vieira (Diretor do Departamento de Projetos Legislativos do IBCCrim) Danyelle da Silva Galvão (Departamento de Projetos Legislativos do IBCCrim)
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