8/3/2019 O Grande Sacrifcio
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O GRANDE SACRIFCIO
Em uma poca em que a escrita havia se tornado manifestao divina, oshomens contemplavam-na como entidade superior, independente da prpria
natureza humana.
A linguagem no mais pertencia aos seres humanos, que haviam se tornado
portadores das mensagens divinas.
Todos tinham o poder de exercer a escrita, mas para ser utilizada, os
homens deveriam oferec-la um sacrifcio: uma pessoa deveria ser
submetida sua possvel ltima leitura.
Era um sacrifcio que envolvia trs sujeitos: um escritor, um leitor-narrador
e um ouvinte.
O Estado fiscalizava todo o processo.
O Governo mantinha grandes tanques de vidro que enchiam de gua
enquanto algum escrevia para um leitor narrar, em tempo real, o texto para
um ouvinte, que presenciava tudo de dentro de uma caixa d'gua, queenchia durante o tempo que fosse necessrio para o escritor terminar de
produzir sua mensagem.
Tudo isso acontecia simultaneamente... sempre que algum escrevia algo,
algum estava sujeito morte. Esse era o sacrifcio.
Com o passar do tempo, as pessoas comearam a atribuir nomes s ditas
manifestaes divinas, que passaram a ser conhecidas como Significados.Se o escritor conseguisse contar sua mensagem em tempo insuficiente para
afogar o ouvinte, alm do ouvinte e do leitor-narrador, mais uma pessoa
conheceria o Significado da vida do escritor, contado em suas mensagens,
mesmo aps sua morte, prolongando assim a razo de sua vida.
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O Significado no sofre as influncias do tempo, e permanece entre os
homens, no mundo dos vivos, enquanto houver um leitor.
Nas margens do poder do Estado, a escrita passou a ser cultivadailegalmente por um grupo de escritores que vendiam o direito de contar
mensagens curtas para que o ouvinte no morresse.
Vendia-se o tempo. Alguns encomendavam ilegalmente as ltimas palavras
que desejavam ouvir antes de morrer. Em contrapartida, o escritor teria que
resumir a mensagem que iria imortalizar a ponto de narr-la em poucas
horas. Surgia um dilema: resumir seu tempo entre os homens ou evitar a
morte de um semelhante pelo culto aos Deuses?
Era um acordo muito caro.
Os ouvintes queriam continuar cultuando a leitura; no queriam perder a
vida e desejavam ainda contar o que pensavam. Mas para isto, deveriam
estar vivos.
O Estado, que mantinha agentes infiltrados dentro dos grandes mercados
ilegais do significado, sofria do mal da corrupo, muito comum nessasociedade.
Todos queriam contar sua prpria mensagem.
Um grupo de agentes havia se tornado o prprio protetore do mercado
ilegal do significado, espalhando pelas ruas mensagens de uma realidade
paralela realidade narrada dentro da superviso Estatal. Na realidade
relativa surgiu a Resistncia contra a Represso do Estado.
Em qual verdade acreditar?
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1 Mensagem ao Leitor
Esse texto no pode ser revisado. Mais pessoas no podem morrer por
sua nossa causa. Estamos nos extinguindo em extino. Portanto,desculpem-me os riscos e as letras borradas, no irei concert-las. Para
qu? Mas uma vida?
Eu posso ler rpido o suficiente para relatar ao ouvinte sua mensagem,
aprofundando-me em sua real inteno.
Ser? Se voc conseguir, perfeito! Esta mensagem no deve ser
desvirtuada. muito importante que ele tambm testemunhe tudo isso.
Voc tambm deve ser rpido!
Tentarei ser o mais breve possvel. Mas no sei como reduzir algo to
importante...
O quo complexa a mensagem?
No sei...
Tudo bem, no agora que voc tem que cont-la. Preserve-a at que
seja a hora certa. E como saberei que essa hora chegou?
Espero que voc saiba... no podemos nos dar ao luxo de perder mais
homens. A Represso est cada vez mais forte!
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2 Marcando um Encontro com o Destino
Dani.
Hum... conheo este nome, mas no me recordo de onde. Da lista dos ouvintes do ms.
Pode ser. Mas o que voc quer comigo, Sr. Dani?
O que todos querem... viver um pouco mais.
No entendi... e qual a minha relao com seus problemas?
Ouvi falar que voc conhece a pessoa que escrever para mim... um tal
Philip. J ouviu falar dele?
Pode ser que sim... como terei certeza?
Dani colocou a pasta que carregava sobre a mesa, mostrando todo o seu
contedo. Nela, havia tanto dinheiro que no se podia contar o quanto.
Est lembrando agora?
Philip Moris. Escritor do Estado. Ir transmitir sua mensagem daqui a
duas semanas.
Como entro em contato com ele? perguntou Dani ao intermediador. Eu gostei da cor da sua mala. Pode ser que ela me ajude a encontr-lo.
Parece-me que ele est passando pela Gerao. Seu bisav escreveu, mas
teve um filho cego, que no enxergava as letras. Seu av sofreu com seu
Defeito. No pde eternizar sua mensagem...
Ele no se envolveu com a narrao?
E como poderia? Ele era cego!
Ah no me venha com essa! Voc sabe que os filhos cegos deescritores narram suas prprias mensagens ao invs de lerem o que escrito.
Quem ir puni-los?
Bem na verdade, se ele no fosse filho de um escritor do Estado,
talvez no tivesse passado de um ouvinte morto. Mas seu filho, o Philip,
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dos Completos.
Como ele faz negcios?
com isto que voc deve se preocupar: ele nunca negociou antes. Mas...
Dani colocou um relgio na mesa e o afastou em direo ao homemencapuzado.
Mas ouvi que ele se envolveu na Resistncia. Convena-o de uma
ideologia breve e talvez voc viva mais alguns anos.
Onde eu o encontro? perguntou Dani.
s pressas, o homem encapuzado ajeitou seu manto e saiu.
L vinha a Represso!
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3 Percurso s Cegas
Dani seguiu seu caminho para casa.
Havia feito o maior percurso, divagando pela rua dos cegos, totalmente sescuras.
Seu forte era a audio.
Desde criana era a pessoa qual todos confiavam seus segredos, e isso o
incomodava. Ouvia suas namoradas gozarem, mas s por caridade. Ele no
sentia nada corporal. s vezes, perguntava-se como seria o seu fim,
afogando-se lentamente em um tanque cheio d'gua. No sentiria dor... pelo
menos no fsica. Mas sentiria por no expor ao mundo suas ideias.
Mas Dani podia ver algumas coisas e falar outras. Isso o permitia conviver
com um maior nmero de sujeitos com mais facilidade, ele pensava. Podia
facilmente fazer amigos, apesar da amizade ter se tornado to rara nesses
dias. Relacionava-se bem com as mulheres... as mais belas.
Um dia, graas ao seu lado ertico, deixou-se levar pelas artimanhas da
Resistncia.
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4 Convocao para a Eternidade
Philip foi chamado pela Resistncia. Precisavam conversar sobre a oferenda
da prxima semana. Algum ir o procurar... um sujeito chamado Dani. Ele um bom
ouvinte, mas no apenas isso. Ele algo mais... no sente dor. um
Insensvel.
O que ele quer comigo?
Viver.
Isso tem algo relacionado com a oferenda, no tem? Eu serei nomeado?
Serei, no serei?
Ser.
Eu sabia! Eu desejei muito este momento. Finalmente poderei sossegar!
Morra bendita morte! Daqui voc s vai me levar em partes!
No bem assim. Voc quer mesmo ser lembrado? Deixe-o viver.
Mas... e a minha eternidade?
Ser fundamental para a eternidade de todos. Inclusive a sua. Verei o que posso fazer... sou Completo, sabem que no preciso de
vocs!
No precisa? Ento por que voc veio nos ver?
Eu queria conhecer melhor o ritual.
No existe ritual! No do jeito que as coisas vo. Voc ser um
instrumento de sustentao de um regime... nada mais que isto! No
consegues ver? Do que voc est falando?
De um Estado que escolhe seus mensageiros de uma forma
discriminatria, maliciosa... autoritria e tirnica. Que mensagens achas que
vo tornar eternas? Qual a significncia de sua vida para o resto?
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Eu no sei...
Ento o deixe viver. Se nem voc consegue perceber a significncia de
sua vida para o resto, o que lhe faz pensar que o resto deve ouvir voc falar
de si mesmo? Afirma ser um Completo e sequer consegue perceber o que sepassa consigo...
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5 Potencial Desejo da Prostituta
Ela, que pura potncia, veste a mais bela imagem. Seu perfume gozo.Sua voz, inconfundvel... canta o destino dos homens e os faz sentir (seja
quem for) o mais intenso prazer.
L estava a prostituta a vagar sem rumo, em busca de insatisfeitos seres
humanos para devorar. Alvos fceis para sua cobia.
O desejo, to questionvel quanto a sua identidade, o motivo dos seus
meios, o objetivo de haver objetivos... impecvel!
Este o segredo da prostituta. Ela simplesmente os consumem.
Philip, que no sabia o que estava se passando (pelo menos no enquanto
estava dentro dela da prostituta, do desejo em potncia), no podia sentir
nada.
At que seu corpo vibrou, enrijeceu-se! A prostituta havia realizado o seu
trabalho: Philip gozou. Agora... aos negcios!
Voc esteve fantstico disse a prostituta, esparramando-se pela cama,que era todo o ambiente.
No teria chegado l sem voc... onde aprendeu a satisfazer um homem?
Que homem j foi, um dia sequer de sua vida, completamente satisfeito?
Nem o gozo vocs costumam aproveitar... que desperdcio!
Era isso o que eu estava precisando! No conseguia parar de pensar na
Convocao!
Ento parece que voc precisa gozar mais, meu amor disse aprostituta, deixando-o excitado simplesmente com o olhar que aprendeu
com os que no ouvem.
verdade... eu j estava novamente pensando na Mensagem. No
poderia ser de outra forma, afinal, ser na prxima semana, e eu nem sei o
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que dizer para um tal Dani...
Talvez Dani merea viver mais. Ouvi falar dele outro dia na rua dos
cegos. Estava a perambular s escuras, esbarrando-se em tudo a sua frente.
Pobrezinho... no sente nada! Um furaco, destruindo tudo em seucaminho. O que mais poderia fazer, ele um Insensvel! Quem sabe ele
precise um pouco de mim...
Sua vadia... j queres devorar meu ouvinte?
Ou ser ele quem quer me devorar? respondeu a prostituta. O seu
olhar glido esquentava qualquer corpo com sua presena, que se fazia sobre
todas as formas.
Ento isso que significa o desejo? perguntou Philip.
Talvez o grande problema de vocs Mensageiros seja se acharem aptos a
significar o desejo, que indefinvel.
Ento me conte: se no me faltam os sentidos - se tenho todos por
completo -, por que insisto em significar o desejo? suplicava Philip,
beijando as curvas da prostituta, com um sorriso malicioso em seu rosto.
Porque os sentidos no se sustentam por si s. Falta algo. Algoindecifrvel, at que se desfrute... Algo que seria o seu maior prazer, mas
que voc nunca o atingiu, apenas o busca implacavelmente... Dani tambm
sente isso. Sente porque um Insensvel. Voc no pode acabar com ele
para expor suas ideias. Pelo contrrio, deveria expor para ele livremente,
para que ele tambm possa expor as dele para voc. Voc no quer entender
o desejo? Veja-o desejar viver.
E assim Philip o fez... mas no porque a Resistncia havia pedido. Ou a
prostituta tambm era da Resistncia? Como ele iria saber?
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6 Desejo de Viver
apenas na vida que se deseja? Desejar querer viver? E gostar de viver,
tambm desejar a vida? Na mesma intensidade? Movido por estasquestes, Philip comeou a acreditar que Dani realmente poderia ajud-lo.
Afinal, enquanto ser Completo faltava-lhe no sentir nada, ser um
Insensvel. Ser que esta seria a sensao de satisfao que ele
implacavelmente buscava, segundo o alertou a prostituta? Por que Dani no
se entrega ao sacrifcio? Por que Dani quer viver mais? At quando um ser
humano deseja a vida? Se alguns dizem que no querem viver eternamente,
pois se matariam do tdio, por que estes no se aniquilam ou se sacrificam
para evitar a falta de prazer que essa sensao pode os provocar?
Ol.
Oi, voc deve ser Philip. Sou Dani, muito prazer.
Voc no como eu imaginava. mais forte... imaginei-te como sendo
um covarde que vinha me implorar a vida. Mas vejo que algo mais o trouxe
aqui. O qu? Philip o encarava nos olhos, como se tentasse extrair omximo da sua essncia. Quem voc, Sr. Dani? , perguntava-se ao
mesmo tempo.
Disseram-me que voc era um Completo, e no havia se interessado pela
proposta da Resistncia em aceitar meu convite para tratarmos sobre alguns
assuntos... voc sabe... , respondeu-lhe Dani.
Eu no vim aqui toa. Nem voc. Temos algo em comum: desejamos
alguma coisa. O qu, Sr Dani? Enquanto eu desejo o prprio desejo, vocdeseja viver. Qual deles o mais puro? O meu? O seu? Os dois?
Talvez nenhum que possamos saber! Enquanto acreditamos ser
completos, desconhecemos algum defeito. Sensvel? Insensvel? Que
diferena faz! Ns dois desejamos alguma coisa... v?
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verdade... mas desejamos coisas diversas, assim como outras pessoas
desejam outras coisas. Ento, como saber qual o desejo mais puro?
Tudo o que eu te peo que conhea mais. Quem sabe assim voc
precise de menos palavras para se definir... Enquanto insensvel eu aprendi aagir assim. No tem por que haver tantos Significados inteis. Para sentir,
precisa se esforar em ser mais direto. Se as palavras no suportam, quem se
importa! Alis, sequer deveramos nos preocupar com isso. As palavras
esto dizimando a sociedade. Por elas nos matamos todos os dias. O que eu
quero viver! S isso!
Quem sabe esse deva ser o desejo puro...
Por favor, Sr. Philip... o que mais desejo o que todos querem: viver.
Por quanto tempo? Essa escolha no cabe nem ao Estado nem ao senhor!
Nossa! Talvez a prostituta esteja certa... eu nunca saberei o que o
desejo. Vivo apenas uma constante busca implacvel por ele. Ento, de que
adianta me estender falando para duas pessoas quem eu sou, se mais pessoas
podem me ouvir? Logicamente, se tudo uma busca, por que no comear
por aqui? Em vida? Por que no me tornar conhecido agora, no presente,para mais e mais pessoas e para mim mesmo?
Que tima ideia! dizia Dani, tentando esconder qualquer expresso
irnica de seu rosto.
Philip sorriu. Para ele, a conversa havia chegado ao fim. No precisava mais
estar ali. De repente, vestiu o capuz e bateu em retirada. Dani ficou s, no
sabia se o seguia ou se esperava... esperava... esperava a morte chegar.
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7 Fora da Fraqueza
E agora? Ouvi o que Dani tinha para me falar. Encontrei-me com ele
antes do Sacrifcio. Vocs sabem que isso proibido? ansioso por ouviralguma coisa, Philip continuou: ainda no me decidi. Convenam-me a
ajud-los! Philip olhava ao redor para os homens que o cercavam.
Gostaria que pudessem ver... estariam todos tremendo de medo agora.
, continuou. Exaltado, Philip segurou firme a arma que apontava para as
cabeas a sua frente. Ele parou. Fechou os olhos. Por um momento, foi to
cego quanto eles. Baixou a arma.
A fora, considerada enquanto potncia de poder, manifesta-se quando
um sujeito exerce seu domnio sobre algo. A fraqueza, por sua vez,
considerada enquanto delimitadora de poder, manifesta-se quando a fora
do sujeito no suficiente. Os Cegos, Sr. Philip, so timos estrategistas.
Talvez os melhores. Se no anularmos os nossos defeitos, unindo-nos, a
Resistncia sucumbir, sendo o fim de nossa raa, que j est em extino...
e tudo por causa das palavras! disse um dos homens. No pensamos por imagens, meu caro. No seja seu prprio carrasco,
voc no domina o que escreve, escute-nos! disse um dos homens
encapuzados que cercavam Philip numa rua sem iluminao, que escondia a
angstia de toda esta situao.
Disseram-me que se eu o deixar viver, ganharei a eternidade. Como
posso confiar no que dizem? perguntou Philip, apontando para todos ao
seu redor. Eternidade? isso o que desejas? A eternidade no pode ser dada a
ningum, por ningum, nem sequer pelo Sacrifcio. Somos mortais, e at
que isso mude, sendo o responsvel pelo fim da Represso que sers
lembrado pelas geraes futuras. Mas nunca eternamente. Levars sua ideia
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a todos, e no apenas para um narrador e um ouvinte. Engaje-se! Una-se
Resistncia! Um dos homens levantou o capuz, mostrando o seu rosto sem
olhos: Agora v, rapaz?
Outro se aproximou e disse: a fora de um vem da fraqueza do outro.Dani um Insensvel. Falta-lhe o tato. Como a vida para um homem que
no sente dor? O que ele deseja? Ser que deseja algo em particular?
Ele deseja a vida disse Philip, vi em seus olhos. Assustado com o
que acabara de ver, voltou a levantar a arma, agora sem saber para onde
apontar. No suportava encarar os cegos. De que adianta a viso nessas
horas?
Deixe-o viver. Satisfaa seu desejo. Ao escapar da morte, Dani ser
torturado pela Represso e confessar os detalhes da Resistncia falou o
que parecia ser o mais velho do grupo.
Vocs esto loucos? Quando eles souberem dos detalhes... Um dos
homens encapuzados interrompeu a fala de Philip e disse: Dani um
Insensvel. Ele no sentir dor durante a tortura. Daremos um jeito para a
Represso desconhecer seu defeito. E ento... da mesma forma quePhilip fora interrompido, este homem tambm o foi, mas desta vez, pelo
mais velho do grupo, que disse: Apenas deixe-o viver. Precisamos da sua
ajuda, Sr. Philip.
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8 Confronto Transgresso de uma Realidade
Um mundo segregado em classes de verdades que no so mais do que
estados de falsas realidades. Uma analogia direta a significados primrios,que indiretamente, consideram-se mais justos e verdicos que os outros, que
tambm so.
A fico, por sua vez, fica escanteada... passou a residir no espetculo do
sacrifcio humano. Uma resposta ao tdio de prever a morte, que a permite
repetir-se enquanto universo fictcio. J vi pessoas morrendo mais de uma
vez em Mensagens anteriores , disse um dos presentes.
A vida, o homem j substituiu por imitaes de vida a todo momento.
Ficcionam um instinto de sobrevivncia que se articula na conceituao de
valores como o bem e o mal.
O justo dito pela lei, e no mais pelo homem, a quem se deveria fazer
justia. Uma lei diz isso, outra diz aquilo. E no mais se ouve dizer que
disseram isso e disseram aquilo. V, tudo apenas se diz.
E esse no o grande problema? Estamos a todo momento a dizercoisas. Por que nos matar por elas? neste exato momento, um Resistente
se ergueu. De p, ficou acima do fogo que queimava ao centro do crculo
que se formava. Era uma reunio informal, algo como uma roda de
dilogos em torno de uma grande fogueira. Se fossem descobertos emitindo
mensagens sem sacrificar pessoas, seriam sacrificados para recompensar
Escrita tais desonras.
Isto tem que acontecer! Os homens devem desejar viver a vida, e noapenas o seu simulacro. Dani deve viver... ele deseja isto!
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9 Silenciosa Represso
Philip percebe que Dani deseja viver. Ele tambm compartilha tal desejo.
Os dois desejam a Prostituta. Ambos tm algo em comum: desejam a vida.
Devemos nos apressar! Sua possvel ltima leitura ser daqui a menos de
uma hora! , diz um dos homens a Dani, fazendo um percurso silencioso
pelos corredores da Represso.
Articula-se pelos corredores silenciosos da Represso que se organiza em
salas fechadas. Nada se ouvia do que se planejava l dentro. Era um silncio
total. No se sabe se, de fato, eles eram surdos ou os outros que eram
mudos. Apenas no se ouvia nada. E isso, de fato, no acontece s vezes
conosco?
Chegou o momento. Dani ser intimado a comparecer ao tanque. Philip ter
a chance de registrar sua Mensagem (pelo menos, a princpio, para Dani epara o Narrador). Quem ser o Narrador? Nenhum dos dois o conhecia.
Pelo que parece, o Narrador no resolveu se identificar. Ele agiu conforme
a Lei, e no como Dani e Philip, que se encontraram antes do Sacrifcio.
Quem garante que o que Philip escrever ser narrado fielmente pelo
Narrador? Quem este meio invisvel entre Philip e Dani no Sacrifcio?
Como ser sua voz? Suave e macia, ou insuportvel? Ser a ltima voz a ser
ouvida por Dani? Ele espera que no... Mas se for? Se Philip escrever algoincompreensvel, alguma coisa de louco que o Narrador no consiga
compreender, isso influenciar de alguma forma? Ele l rpido? Ele da
Represso? Ou da Resistncia? Ele de fato existe? E se ele resolver se calar?
Que voz inaudita importaria Mensagem de Philip? Sob este ponto de vista,
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parece mesmo que Philip no controlar completamente o destino de Dani,
tambm nas mos de um Narrador que no se v... Afinal, o que far o
intermdio entre a Mensagem e Dani?
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10 O Som do Desespero Abafado
A caneta pesava nas mos do escritor, que no sabia como comear. De
fato, tudo lhe parecia sombrio de to claro que estava. O branco da folhaobscurecia os seus desejos. Que desejos? A Prostituta O que ela estar
fazendo?
E eu? Ah... quanta coisa eu poderia estar fazendo agora... a infinidade,
cerceada pelas possibilidades que me apresentam, no to profunda assim.
O qu escrever? De que forma assinar o destino de todos aqueles que esto
envolvidos neste Sacrifcio? Minha obsesso pela Prostituta parte de um
egosmo em relao vida, no s minha, mas dos outros que sequer sei
quem so! Quem ir narrar a Dani minha Mensagem? J no pretendo mais
saber! Minhas pretenses se resumem a... que droga! J no sei o que
dizer... no me lembro de nada que possa usar para romper o silncio
Philip riscou o canto da folha para testar a intensidade da tinta. O Narrador
no soube o que dizer e, assim como Philip, tambm silenciou. Dani, e os
outros estavam ss. Este no era momento adequado para envolv-los.Envolver em que? Nem Philip nem o narrador sabiam do qu se tratava.
Isso era o bastante. O escritor comeou a escrever. Tudo isto para romper o
silncio.
Quem quer que seja voc que est lendo o que vos escrevo, por favor,
retire de mim o poder sobre o ouvinte. No me deixe consumi-lo, pois o
farei se me deixares falar de mim, para sempre, tomando para mim mesmoo destino dos outros. Reconheo o poder do meu ego e do meu
desconhecimento. Sobre o qu, voc deve estar se perguntando... bem,
sobre o que quer que seja tudo isto que nos envolve nesta vida, to viva que
chega a se exaurir a todo instante; que no merece mais intensas fantasias de
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me reproduzir, repetindo-me, repetindo sons que rompem com o silncio,
que risca a superfcie em branco, abafando as letras que vos abandono.
Talvez voc no esteja entendendo a Mensagem, talvez voc sequer sabe ler.
Sdicos, narrando meu desespero para um homem desesperado que desejaviver um pouco mais. Deixe-o viver, ou o deixe morrer. A vida do ouvinte
est em suas mos eu soube desde o comeo! S me deixe desabafar...
deixe-me registrar meu desejo de saber como seria ver um homem que nada
sente e no teme a vida; que a cada segundo se aproxima do fim! Saiba,
leitor-narrador, o que eu mais desejo, enquanto um ser Completo, sentir
como um Insensvel encara a morte... Se eu pudesse saber como se sente...
No ir pensou o Narrador, enquanto narrava tudo o que lia para
Dani.
...Tambm sei que isto no ser possvel, e isso no faz de mim um
homem racional. Sou um monstro desejando consumir outro ser de minha
espcie aps ter consumido a mim mesmo! O que dizer de mim mesmo?
Realmente importa? Vamos, acabe logo com o sofrimento de Dani!
neste momento a luz acendeu. Assustado, Philip soltou a caneta, queresvalou na mesa e caiu no cho. Repressores entraram na sala chutando
tudo a sua frente. Philip escapou das pancadas ao se abaixar para pegar a
caneta no cho. Um instinto diferente o instigava a agir, mas suas pernas
no se moviam. De repente, segurou a cadeira pelas pernas e atirou-a em
um dos Repressores.
Apenas um ficou de p e, por sorte, era o mais fraco. Lembrou dos cegos, e
de olhos fechados, reagiu, enfiando a caneta no pescoo do ltimo Repressorcom a habilidade de um assassino. Enquanto corria pelos corredores
silenciosos da Represso, pensou no Narrador. Se ele estiver to chocado
quanto eu, Dani corre um srio perigo. No sabia ele que, neste exato
momento Dani j estava ouvindo outra voz. A Represso havia o prendido,
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s que agora em prol de uma Lei Estatal, e no Divina. Estava na cara que
Philip o conhecia. Os dois estavam encrencados. Mas Philip escapara. Por
sorte, o Repressor que deveria estar protegendo a porta da sada estava com
a Prostituta...Fora, a Resistncia o acolheu. Estava vivo.
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11 Em Busca de Mais Uma Verdade
Ol, Sr. Dani. Espero que esteja arrependido por ter desrespeitado a Lei
e ofendido o Sacrifcio. Sei que voc um bom ouvinte; pois oua comateno as minhas palavras: qualquer um que tentar bancar o espertinho
comigo vai sofrer. Voc sabe o que sofrer, Sr. Dani? Voc j sentiu
alguma dor intensa o bastante para lhe fazer gritar at no mais conseguir
extrair um som de sua boca? Prepare-se...
A poucos segundos eu estava prestes a encarar a morte espero que
voc tenha trazido todas as suas ferramentas. Vai ser difcil arrancar de mim
alguma verdade.
Verdade? J sabemos a verdade... Sabemos que voc faz parte do
grupinho de rebeldes que se auto-intitulam de Resistncia; vamos ver at
quando vai durar a sua.
Dani estava preso no centro da sala. Ao seu lado, as mais variadas
ferramentas de tortura eram expostas propositadamente para intimid-lo.
Sendo um Insensvel, qualquer tortura seria inferior a perder a vida. Ele nosentiria nada. Mas uma coisa ele no conseguia tirar da cabea: porque
Philip pronunciou seu nome? Ele conhecia as conseqncias da
identificao, e mesmo assim, pronunciou em alto e bom som a prova maior
do seu crime. Dani poderia ter sado do tanque sem ser direto para uma
cadeira de tortura; e isto, acreditem, era tudo o que lhe incomodava.
Por alguma razo, os Repressores desconheciam o fato de Dani ser um
Insensvel, e o torturaram por horas e horas, at que ele resolveu falar. Est bem, por favor, parem! Vocs querem saber a verdade? Querem
saber quem lidera a Resistncia? Parem, por favor, parem! Escutem-me!
desligaram os aparelhos de choque, toda aquela cena funcionara A
Resistncia formada pela mesma fora que a reprime. Pelo qu lutaramos
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se no fssemos reprimidos? Pelo que resistiramos? Todos sabem que a
corrupo se alastrou pelo sistema e que vocs no conseguem reprimi-la. E
sabem por qu? Porque esto ocupados demais tentando satisfazer seus
desejos! Esto sempre querendo dominar o que no so capazes decontrolar! A Represso no se contentou em reprimir, mas manteve um
organismo de iluses para que pudesse extravasar sua raiva, seu dio, seus
delrios! Incompetentes julgam-se capazes de reprimir a si mesmos e no
conseguem resistir ao simples desejo de manter uma represso Querem
acabar com a Resistncia? Acabem com a Represso! Querem governar?
Que governem a si mesmos! Claro se forem capazes. Se no, desistam
desta fantasia, destes joguinhos, desta eterna caa s bruxas! Querem ter
poder? Tenham sobre seus atos! Se no forem capazes como pretendem
acabar com a Resistncia?
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12 FIM
O tanque finalmente estava cheio.
A gua vazava pelo topo enquanto mais e mais gua entrava pela base dacpsula, afundando tudo o que restara sem vida dentro das grossas paredes
de vidro.
O ouvinte estava morto, assim como as palavras do escritor, que continuava
a rabiscar uma mensagem de esperana encomendada sobre uns rebeldes que
tentaram acabar com a Represso.
O narrador, que cedeu sua voz rouca para mais um sacrifcio, pronunciou
uma ltima frase que sequer foi escrita: "Acabou".
A escurido das letras no papel em branco deixava o ambiente ainda mais
fnebre. No havia motivo para se escrever. A Mensagem j no provocava
reaes a um corpo sem vida. Havia algo a se lamentar ou algo a se
vangloriar? No importava mais pelo menos no para o ouvinte, de uma
vez por todas, silenciado.
O Grande Sacrifcio Gabriel Seabra
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