MAGNO EDMUNDO MAGALHAtildeES
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O ESCABINATO COMO GARANTIA INDIVIDUAL DO
JURISDICIONADO MILITAR NO JULGAMENTO DE CRIMES
MILITARES DOLOSOS CONTRA A VIDA DE CIVIS
Monografia apresentada agrave UNIVERSIDADE FUMEC como requisito para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharelado no Curso de Direito
Orientador Prof Guilherme Orlando Anchieta Melo
Belo Horizonte 2012
DEDICATOacuteRIA
Dedico esse trabalho a todos os Militares Brasileiros em especial aos
integrantes dos quadros da Gloriosa Poliacutecia Militar de Minas Gerais da ativa da
reserva reformados em vida eou pos mortem que com abnegaccedilatildeo renuacutencia e
sacrifiacutecio serviram servem e serviratildeo com orgulho a essa Briosa Corporaccedilatildeo de
Tiradentes
De maneira mui especial aos honrados Policiais Militares mineiros
participantes do Movimento Reivindicatoacuterio de 1997 que por amor agrave farda e a
profissatildeo mostraram ao Brasil e ao mundo a forccedila da uniatildeo provando que a honra
do militar eacute mais forte do que qualquer regulamento por mais tirando que seja A
esses verdadeiros heroacuteis que um dia a histoacuteria haveraacute de reconhececirc-los - dentre os
quais me incluo com muita honra ndash minha singela homenagem
Ao irmatildeo de farda e companheiro de luta Cabo Valeacuterio (In Memoriam) maacutertir
daquele Movimento cujo sangue derramado se transformou em trincheira salvando
a vida de muitos Agrave sua memoacuteria todo nosso respeito
Aos militares das Forccedilas Armadas Brasileiras aos quais faccedilo minhas as
palavras de Muniz Barreto em carta escrita ao Rei de Portugal no ano de 1893
Senhor umas casas existem no vosso reino onde homens vivem em comum comendo do mesmo alimento dormindo em leitos iguais De manhatilde a um toque de corneta se levantam para obedecer De noite a outro toque de corneta se deitamobedecendo Da vontade fizeram renuacutencia como a vida Seu nome eacute sacrifiacutecio Por ofiacutecio desprezam a morte e o sofrimento fiacutesico Seus pecados satildeo generosos facilmente esplecircndidos A beleza de suas accedilotildees eacute tatildeo grande que os poetas natildeo se cansam de celebrar Quando eles passam juntos fazendo barulho os coraccedilotildees mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si A gente conhece-os por militares Coraccedilotildees mesquinhos lanccedilam-lhes em rosto o patildeo que comem como se os cobres do preacute pudessem pagar a liberdade e a vida Publiscitas de vista curta acham-nos caros demais como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidatildeo Eles poreacutem calados continuam guardando a naccedilatildeo do estrangeiro e de si mesma Pelo preccedilo de sua sujeiccedilatildeo eles compram a liberdade para todos e defendem da invasatildeo estranha e do jugo das paixotildees Se a forccedila das coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isso algum dia o fizeram algum dia o faratildeo E desde hoje eacute como se fizessem Porque por definiccedilatildeo o homem da guerra eacute nobre E quando ele potildee em marcha agrave sua esquerda vai a coragem e agrave sua direita a disciplina (BARRETO 1893)
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo ao Criador e provedor do universo - o Deus ldquoinvisiacutevelrdquo mas
plenamente perceptiacutevel nas mais puras e singelas coisas da vida terrena como no
olhar puro e inocente de uma crianccedila ndash obrigado pela oportunidade de ter sido de
fato feliz em minha doce simples e memoraacutevel infacircncia de cujas lembranccedilas
gostosas ateacute hoje sinto o cheiro tenros anos em que passei junto de minha irmatilde
com quem compartilhei as brincadeiras simples laacute da roccedila que Deus a tenha no
Reino da Gloacuteria saudades eternas
Aos meus valorosos pais simplesmente por serem meus pais O meu eterno
agradecimento e reconhecimento por tudo
Aos meus queridos filhos ndash sem distinccedilatildeo ndash cuja existecircncia me enche de
orgulho pelos quais rogo a Deus que lhes protejam em cada passo Por mais
distante que possam andar sempre estaratildeo junto do meu coraccedilatildeo Todos
A minha querida e amada Luana Carolina verdadeiro presente celestial
exemplo de disciplina humildade perseveranccedila e inteligecircncia rara que nessas
meras palavras eacute impossiacutevel descrever o quanto te amo muito obrigado por existir e
fazer parte da minha vida minha flor da manhatilde
Ao meu amado Augusto Mondinni meu querido filho meu orgulho cuja
existecircncia veio preencher minha vida com enorme alegria e em cuja face vejo-me
renovado a cada dia
A minha mulher Cleacuteria Tozatti menina inexperiente de outrora - cuja perda
precoce do pai parece ter lhe feito muita falta - no entanto logo se transformou em
matildee zelosa e amaacutevel profissional competente e dedicada companheira de muitos
anos obrigado pela companhia e perdatildeo pelas ausecircncias
Aos meus estimaacuteveis irmatildeos que ao longo da vida julgo ter-lhes ensinado e
tambeacutem aprendido muito com todos vocecircs poreacutem ainda temos muito que aprender
meu muito obrigado por tudo e aos que jaacute se foram que Deus os tenha
A todas as pessoas que ao longo desse tempo me ajudaram de alguma
forma para que hoje eu pudesse realizar esse objetivo
RESUMO
Pesquisa dedicada agrave reflexatildeo sobre a competecircncia da Justiccedila Militar dos Estados
para julgar todos os crimes militares previstos em lei sob o prisma da garantia
individual do jurisdicionado militar em relaccedilatildeo ao escabinato A afronta ao princiacutepio
do juiacutezo natural ocorrido com o advento da Emenda Constitucional n 4504 que
modificou o texto constitucional originaacuterio previsto no sect 4ordm do artigo 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988 forccedilando uma questionaacutevel reparticcedilatildeo de competecircncia entre a
Justiccedila Militar dos Estados e a Justiccedila Comum Apesar de pouco questionada
sustenta-se no presente trabalho a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
n 4504 no que concerne agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de
1988 tendo por base o sect 4ordm do artigo 60 do texto originaacuterio
Palavras-chave Direito Constitucional Direito Penal Militar Direito Processual
Penal Militar Princiacutepio do Juiacutezo Natural Princiacutepio constitucional da garantia
individual Limitaccedilotildees do poder constituinte derivado Controle de
constitucionalidade
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 07
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS
BRASILEIRAS 09
3 A LEI N929996 EMBRI 10
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO
E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA
CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23
7 PRINCIPIOLOGIA 24
71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24
8 CONCLUSAtildeO 31
REFEREcircNCIAS 37
6
1 INTRODUCcedilAtildeO
A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre
missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila
especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das
corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina
Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma
justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da
justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a
Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)
A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares
e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na
prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um
exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo
atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares
Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais
cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do
cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de
entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida
militar
Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um
militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de
perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a
justiccedila militar
Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua
previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados
bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional
n 4504
A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no
artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm
caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum
considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a
existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais
sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias
7
distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso
o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar
A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o
surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos
de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A
necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave
existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a
implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio
sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de
regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo
castrense
Na visatildeo de Univaldo Correcirca
[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)
O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os
chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais
conhecido por Conde de Lippe 2
Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de
Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel
por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa
Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila
Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do
Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra
que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo
brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana
Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o
alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil
quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila
Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a
primogecircnita da Judicatura Nacional
2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora
indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762
8
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS
BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES
a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer
referecircncia agrave Justiccedila Militar
b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial
c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio
(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os
Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar
sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares
estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe
muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado
d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou
e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis
f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para
processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado
e ordem poliacutetica e social)
g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais
vigentes
h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente
i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo
e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia
das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para
conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais
9
3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504
Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)
A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de
Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos
Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que
alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram
policiais militares
A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano
da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo
penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar
em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de
1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem
da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de
Janeiro dentre outros
Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha
de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade
das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e
excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do
legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de
garantias individuais do jurisdicionado militar
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio
Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio
sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e
irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra
que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes
Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira
Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)
10
O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
11
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
12
Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
13
Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
15
O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
16
Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
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7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
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ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
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lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012
OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)
1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas
2004
ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista
de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17
ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar
estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e
Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010
Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande
do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar
promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
DEDICATOacuteRIA
Dedico esse trabalho a todos os Militares Brasileiros em especial aos
integrantes dos quadros da Gloriosa Poliacutecia Militar de Minas Gerais da ativa da
reserva reformados em vida eou pos mortem que com abnegaccedilatildeo renuacutencia e
sacrifiacutecio serviram servem e serviratildeo com orgulho a essa Briosa Corporaccedilatildeo de
Tiradentes
De maneira mui especial aos honrados Policiais Militares mineiros
participantes do Movimento Reivindicatoacuterio de 1997 que por amor agrave farda e a
profissatildeo mostraram ao Brasil e ao mundo a forccedila da uniatildeo provando que a honra
do militar eacute mais forte do que qualquer regulamento por mais tirando que seja A
esses verdadeiros heroacuteis que um dia a histoacuteria haveraacute de reconhececirc-los - dentre os
quais me incluo com muita honra ndash minha singela homenagem
Ao irmatildeo de farda e companheiro de luta Cabo Valeacuterio (In Memoriam) maacutertir
daquele Movimento cujo sangue derramado se transformou em trincheira salvando
a vida de muitos Agrave sua memoacuteria todo nosso respeito
Aos militares das Forccedilas Armadas Brasileiras aos quais faccedilo minhas as
palavras de Muniz Barreto em carta escrita ao Rei de Portugal no ano de 1893
Senhor umas casas existem no vosso reino onde homens vivem em comum comendo do mesmo alimento dormindo em leitos iguais De manhatilde a um toque de corneta se levantam para obedecer De noite a outro toque de corneta se deitamobedecendo Da vontade fizeram renuacutencia como a vida Seu nome eacute sacrifiacutecio Por ofiacutecio desprezam a morte e o sofrimento fiacutesico Seus pecados satildeo generosos facilmente esplecircndidos A beleza de suas accedilotildees eacute tatildeo grande que os poetas natildeo se cansam de celebrar Quando eles passam juntos fazendo barulho os coraccedilotildees mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si A gente conhece-os por militares Coraccedilotildees mesquinhos lanccedilam-lhes em rosto o patildeo que comem como se os cobres do preacute pudessem pagar a liberdade e a vida Publiscitas de vista curta acham-nos caros demais como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidatildeo Eles poreacutem calados continuam guardando a naccedilatildeo do estrangeiro e de si mesma Pelo preccedilo de sua sujeiccedilatildeo eles compram a liberdade para todos e defendem da invasatildeo estranha e do jugo das paixotildees Se a forccedila das coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isso algum dia o fizeram algum dia o faratildeo E desde hoje eacute como se fizessem Porque por definiccedilatildeo o homem da guerra eacute nobre E quando ele potildee em marcha agrave sua esquerda vai a coragem e agrave sua direita a disciplina (BARRETO 1893)
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo ao Criador e provedor do universo - o Deus ldquoinvisiacutevelrdquo mas
plenamente perceptiacutevel nas mais puras e singelas coisas da vida terrena como no
olhar puro e inocente de uma crianccedila ndash obrigado pela oportunidade de ter sido de
fato feliz em minha doce simples e memoraacutevel infacircncia de cujas lembranccedilas
gostosas ateacute hoje sinto o cheiro tenros anos em que passei junto de minha irmatilde
com quem compartilhei as brincadeiras simples laacute da roccedila que Deus a tenha no
Reino da Gloacuteria saudades eternas
Aos meus valorosos pais simplesmente por serem meus pais O meu eterno
agradecimento e reconhecimento por tudo
Aos meus queridos filhos ndash sem distinccedilatildeo ndash cuja existecircncia me enche de
orgulho pelos quais rogo a Deus que lhes protejam em cada passo Por mais
distante que possam andar sempre estaratildeo junto do meu coraccedilatildeo Todos
A minha querida e amada Luana Carolina verdadeiro presente celestial
exemplo de disciplina humildade perseveranccedila e inteligecircncia rara que nessas
meras palavras eacute impossiacutevel descrever o quanto te amo muito obrigado por existir e
fazer parte da minha vida minha flor da manhatilde
Ao meu amado Augusto Mondinni meu querido filho meu orgulho cuja
existecircncia veio preencher minha vida com enorme alegria e em cuja face vejo-me
renovado a cada dia
A minha mulher Cleacuteria Tozatti menina inexperiente de outrora - cuja perda
precoce do pai parece ter lhe feito muita falta - no entanto logo se transformou em
matildee zelosa e amaacutevel profissional competente e dedicada companheira de muitos
anos obrigado pela companhia e perdatildeo pelas ausecircncias
Aos meus estimaacuteveis irmatildeos que ao longo da vida julgo ter-lhes ensinado e
tambeacutem aprendido muito com todos vocecircs poreacutem ainda temos muito que aprender
meu muito obrigado por tudo e aos que jaacute se foram que Deus os tenha
A todas as pessoas que ao longo desse tempo me ajudaram de alguma
forma para que hoje eu pudesse realizar esse objetivo
RESUMO
Pesquisa dedicada agrave reflexatildeo sobre a competecircncia da Justiccedila Militar dos Estados
para julgar todos os crimes militares previstos em lei sob o prisma da garantia
individual do jurisdicionado militar em relaccedilatildeo ao escabinato A afronta ao princiacutepio
do juiacutezo natural ocorrido com o advento da Emenda Constitucional n 4504 que
modificou o texto constitucional originaacuterio previsto no sect 4ordm do artigo 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988 forccedilando uma questionaacutevel reparticcedilatildeo de competecircncia entre a
Justiccedila Militar dos Estados e a Justiccedila Comum Apesar de pouco questionada
sustenta-se no presente trabalho a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
n 4504 no que concerne agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de
1988 tendo por base o sect 4ordm do artigo 60 do texto originaacuterio
Palavras-chave Direito Constitucional Direito Penal Militar Direito Processual
Penal Militar Princiacutepio do Juiacutezo Natural Princiacutepio constitucional da garantia
individual Limitaccedilotildees do poder constituinte derivado Controle de
constitucionalidade
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 07
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS
BRASILEIRAS 09
3 A LEI N929996 EMBRI 10
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO
E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA
CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23
7 PRINCIPIOLOGIA 24
71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24
8 CONCLUSAtildeO 31
REFEREcircNCIAS 37
6
1 INTRODUCcedilAtildeO
A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre
missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila
especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das
corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina
Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma
justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da
justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a
Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)
A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares
e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na
prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um
exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo
atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares
Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais
cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do
cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de
entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida
militar
Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um
militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de
perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a
justiccedila militar
Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua
previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados
bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional
n 4504
A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no
artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm
caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum
considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a
existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais
sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias
7
distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso
o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar
A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o
surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos
de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A
necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave
existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a
implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio
sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de
regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo
castrense
Na visatildeo de Univaldo Correcirca
[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)
O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os
chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais
conhecido por Conde de Lippe 2
Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de
Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel
por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa
Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila
Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do
Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra
que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo
brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana
Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o
alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil
quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila
Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a
primogecircnita da Judicatura Nacional
2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora
indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762
8
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS
BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES
a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer
referecircncia agrave Justiccedila Militar
b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial
c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio
(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os
Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar
sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares
estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe
muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado
d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou
e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis
f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para
processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado
e ordem poliacutetica e social)
g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais
vigentes
h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente
i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo
e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia
das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para
conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais
9
3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504
Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)
A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de
Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos
Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que
alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram
policiais militares
A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano
da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo
penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar
em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de
1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem
da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de
Janeiro dentre outros
Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha
de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade
das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e
excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do
legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de
garantias individuais do jurisdicionado militar
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio
Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio
sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e
irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra
que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes
Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira
Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)
10
O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
11
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
12
Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
13
Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
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O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
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7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2012
NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da
Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em
lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012
OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)
1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas
2004
ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista
de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17
ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar
estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e
Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010
Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande
do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar
promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo ao Criador e provedor do universo - o Deus ldquoinvisiacutevelrdquo mas
plenamente perceptiacutevel nas mais puras e singelas coisas da vida terrena como no
olhar puro e inocente de uma crianccedila ndash obrigado pela oportunidade de ter sido de
fato feliz em minha doce simples e memoraacutevel infacircncia de cujas lembranccedilas
gostosas ateacute hoje sinto o cheiro tenros anos em que passei junto de minha irmatilde
com quem compartilhei as brincadeiras simples laacute da roccedila que Deus a tenha no
Reino da Gloacuteria saudades eternas
Aos meus valorosos pais simplesmente por serem meus pais O meu eterno
agradecimento e reconhecimento por tudo
Aos meus queridos filhos ndash sem distinccedilatildeo ndash cuja existecircncia me enche de
orgulho pelos quais rogo a Deus que lhes protejam em cada passo Por mais
distante que possam andar sempre estaratildeo junto do meu coraccedilatildeo Todos
A minha querida e amada Luana Carolina verdadeiro presente celestial
exemplo de disciplina humildade perseveranccedila e inteligecircncia rara que nessas
meras palavras eacute impossiacutevel descrever o quanto te amo muito obrigado por existir e
fazer parte da minha vida minha flor da manhatilde
Ao meu amado Augusto Mondinni meu querido filho meu orgulho cuja
existecircncia veio preencher minha vida com enorme alegria e em cuja face vejo-me
renovado a cada dia
A minha mulher Cleacuteria Tozatti menina inexperiente de outrora - cuja perda
precoce do pai parece ter lhe feito muita falta - no entanto logo se transformou em
matildee zelosa e amaacutevel profissional competente e dedicada companheira de muitos
anos obrigado pela companhia e perdatildeo pelas ausecircncias
Aos meus estimaacuteveis irmatildeos que ao longo da vida julgo ter-lhes ensinado e
tambeacutem aprendido muito com todos vocecircs poreacutem ainda temos muito que aprender
meu muito obrigado por tudo e aos que jaacute se foram que Deus os tenha
A todas as pessoas que ao longo desse tempo me ajudaram de alguma
forma para que hoje eu pudesse realizar esse objetivo
RESUMO
Pesquisa dedicada agrave reflexatildeo sobre a competecircncia da Justiccedila Militar dos Estados
para julgar todos os crimes militares previstos em lei sob o prisma da garantia
individual do jurisdicionado militar em relaccedilatildeo ao escabinato A afronta ao princiacutepio
do juiacutezo natural ocorrido com o advento da Emenda Constitucional n 4504 que
modificou o texto constitucional originaacuterio previsto no sect 4ordm do artigo 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988 forccedilando uma questionaacutevel reparticcedilatildeo de competecircncia entre a
Justiccedila Militar dos Estados e a Justiccedila Comum Apesar de pouco questionada
sustenta-se no presente trabalho a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
n 4504 no que concerne agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de
1988 tendo por base o sect 4ordm do artigo 60 do texto originaacuterio
Palavras-chave Direito Constitucional Direito Penal Militar Direito Processual
Penal Militar Princiacutepio do Juiacutezo Natural Princiacutepio constitucional da garantia
individual Limitaccedilotildees do poder constituinte derivado Controle de
constitucionalidade
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 07
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS
BRASILEIRAS 09
3 A LEI N929996 EMBRI 10
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO
E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA
CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23
7 PRINCIPIOLOGIA 24
71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24
8 CONCLUSAtildeO 31
REFEREcircNCIAS 37
6
1 INTRODUCcedilAtildeO
A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre
missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila
especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das
corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina
Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma
justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da
justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a
Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)
A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares
e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na
prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um
exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo
atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares
Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais
cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do
cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de
entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida
militar
Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um
militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de
perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a
justiccedila militar
Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua
previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados
bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional
n 4504
A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no
artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm
caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum
considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a
existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais
sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias
7
distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso
o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar
A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o
surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos
de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A
necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave
existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a
implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio
sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de
regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo
castrense
Na visatildeo de Univaldo Correcirca
[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)
O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os
chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais
conhecido por Conde de Lippe 2
Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de
Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel
por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa
Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila
Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do
Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra
que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo
brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana
Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o
alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil
quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila
Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a
primogecircnita da Judicatura Nacional
2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora
indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762
8
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS
BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES
a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer
referecircncia agrave Justiccedila Militar
b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial
c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio
(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os
Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar
sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares
estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe
muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado
d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou
e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis
f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para
processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado
e ordem poliacutetica e social)
g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais
vigentes
h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente
i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo
e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia
das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para
conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais
9
3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504
Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)
A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de
Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos
Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que
alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram
policiais militares
A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano
da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo
penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar
em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de
1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem
da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de
Janeiro dentre outros
Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha
de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade
das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e
excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do
legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de
garantias individuais do jurisdicionado militar
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio
Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio
sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e
irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra
que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes
Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira
Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)
10
O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
11
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
12
Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
13
Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
15
O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
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7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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RESUMO
Pesquisa dedicada agrave reflexatildeo sobre a competecircncia da Justiccedila Militar dos Estados
para julgar todos os crimes militares previstos em lei sob o prisma da garantia
individual do jurisdicionado militar em relaccedilatildeo ao escabinato A afronta ao princiacutepio
do juiacutezo natural ocorrido com o advento da Emenda Constitucional n 4504 que
modificou o texto constitucional originaacuterio previsto no sect 4ordm do artigo 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988 forccedilando uma questionaacutevel reparticcedilatildeo de competecircncia entre a
Justiccedila Militar dos Estados e a Justiccedila Comum Apesar de pouco questionada
sustenta-se no presente trabalho a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
n 4504 no que concerne agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de
1988 tendo por base o sect 4ordm do artigo 60 do texto originaacuterio
Palavras-chave Direito Constitucional Direito Penal Militar Direito Processual
Penal Militar Princiacutepio do Juiacutezo Natural Princiacutepio constitucional da garantia
individual Limitaccedilotildees do poder constituinte derivado Controle de
constitucionalidade
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 07
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS
BRASILEIRAS 09
3 A LEI N929996 EMBRI 10
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO
E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA
CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23
7 PRINCIPIOLOGIA 24
71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24
8 CONCLUSAtildeO 31
REFEREcircNCIAS 37
6
1 INTRODUCcedilAtildeO
A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre
missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila
especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das
corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina
Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma
justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da
justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a
Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)
A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares
e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na
prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um
exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo
atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares
Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais
cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do
cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de
entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida
militar
Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um
militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de
perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a
justiccedila militar
Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua
previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados
bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional
n 4504
A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no
artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm
caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum
considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a
existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais
sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias
7
distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso
o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar
A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o
surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos
de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A
necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave
existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a
implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio
sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de
regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo
castrense
Na visatildeo de Univaldo Correcirca
[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)
O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os
chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais
conhecido por Conde de Lippe 2
Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de
Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel
por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa
Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila
Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do
Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra
que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo
brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana
Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o
alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil
quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila
Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a
primogecircnita da Judicatura Nacional
2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora
indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762
8
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS
BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES
a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer
referecircncia agrave Justiccedila Militar
b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial
c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio
(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os
Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar
sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares
estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe
muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado
d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou
e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis
f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para
processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado
e ordem poliacutetica e social)
g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais
vigentes
h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente
i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo
e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia
das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para
conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais
9
3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504
Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)
A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de
Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos
Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que
alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram
policiais militares
A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano
da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo
penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar
em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de
1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem
da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de
Janeiro dentre outros
Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha
de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade
das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e
excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do
legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de
garantias individuais do jurisdicionado militar
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio
Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio
sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e
irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra
que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes
Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira
Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)
10
O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
11
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
12
Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
13
Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
15
O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
16
Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 07
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONTITUICcedilOtildeES FEDEREAIS
BRASILEIRAS 09
3 A LEI N929996 EMBRI 10
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio 10
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N4504 SEU ENFOQUE PLIacuteTICO IDEOLOacuteGICO
E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO sect 4ordm ARGIGO 64 DA
CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 12
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO 19
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR 23
7 PRINCIPIOLOGIA 24
71 O Princiacutepio do Juiacutezo Natural e da igualdade no julgamento de militares24
8 CONCLUSAtildeO 31
REFEREcircNCIAS 37
6
1 INTRODUCcedilAtildeO
A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre
missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila
especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das
corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina
Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma
justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da
justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a
Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)
A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares
e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na
prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um
exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo
atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares
Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais
cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do
cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de
entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida
militar
Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um
militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de
perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a
justiccedila militar
Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua
previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados
bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional
n 4504
A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no
artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm
caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum
considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a
existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais
sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias
7
distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso
o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar
A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o
surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos
de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A
necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave
existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a
implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio
sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de
regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo
castrense
Na visatildeo de Univaldo Correcirca
[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)
O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os
chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais
conhecido por Conde de Lippe 2
Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de
Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel
por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa
Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila
Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do
Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra
que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo
brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana
Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o
alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil
quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila
Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a
primogecircnita da Judicatura Nacional
2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora
indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762
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2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS
BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES
a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer
referecircncia agrave Justiccedila Militar
b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial
c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio
(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os
Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar
sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares
estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe
muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado
d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou
e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis
f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para
processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado
e ordem poliacutetica e social)
g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais
vigentes
h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente
i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo
e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia
das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para
conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais
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3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504
Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)
A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de
Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos
Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que
alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram
policiais militares
A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano
da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo
penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar
em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de
1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem
da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de
Janeiro dentre outros
Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha
de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade
das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e
excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do
legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de
garantias individuais do jurisdicionado militar
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio
Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio
sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e
irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra
que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes
Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira
Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)
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O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
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4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
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Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
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Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
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de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
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O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
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7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
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ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
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tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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6
1 INTRODUCcedilAtildeO
A justiccedila militar surgiu no ordenamento juriacutedico paacutetrio com a aacuterdua e nobre
missatildeo de julgar os crimes militares definidos em Lei Trata-se de uma justiccedila
especialiacutessima que zela pela manutenccedilatildeo dos pilares de sustentaccedilatildeo das
corporaccedilotildees militares a hierarquia e disciplina
Como descrito por Ciacutecero Robson Coimbra Neves ldquoLonge de ser uma
justiccedila corporativista ou tribunal de exceccedilatildeo como sustentam alguns desafetos da
justiccedila militar Eacute inegavelmente uma justiccedila seacuteria e sobretudo ceacutelere como manda a
Constituiccedilatildeo de 1988rdquo (NEVES 2006)
A justiccedila militar manteacutem em sua composiccedilatildeo um misto entre juiacutezes militares
e juiacutezes civis o que denota um caraacuteter democraacutetico garantindo a eficaacutecia na
prestaccedilatildeo jurisdicional militar o que pode ser comprovado em seus julgados Eacute um
exemplo positivo de pronta resposta estatal frente aos delitos que lhes satildeo
atribuiacutedos por competecircncia legal Os crimes militares
Trata-se de uma justiccedila especializada para julgar jurisdicionados especiais
cuja vida pessoal e profissional eacute regrada por normas riacutegidas o que os diferem do
cidadatildeo civil Por isso eacute uma justiccedila dotada de membros plenamente capazes de
entender de fato as minuacutecias de um determinado iliacutecito especiacutefico atrelado agrave vida
militar
Destarte natildeo eacute nenhum privileacutegio eou protecionismo corporativo que um
militar acusado de crime militar seja processado e julgado por quem conhece de
perto as peculiaridades e labuta diuturna da profissatildeo militar para isso existe a
justiccedila militar
Pretende o presente estudo mostrar desde a origem da justiccedila militar sua
previsatildeo constitucional nos dias atuais as particularidades de seus jurisdicionados
bem como os reflexos da nova ordem juriacutedica trazida com a Emenda Constitucional
n 4504
A pesquisa busca ainda demonstrar que a igualdade perante a lei prevista no
artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988 ldquoTodos satildeo iguais perante a leirdquo [] (art 5ordm
caput CR88) estaria violada diante do julgamento de militar pela justiccedila comum
considerando que existe a justiccedila militar para julgar militar Considerando ainda a
existecircncia dentro do ordenamento juriacutedico paacutetrio de dois direitos penais quais
sejam o comum e o militar sendo que ambos satildeo detentores de competecircncias
7
distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso
o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar
A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o
surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos
de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A
necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave
existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a
implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio
sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de
regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo
castrense
Na visatildeo de Univaldo Correcirca
[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)
O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os
chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais
conhecido por Conde de Lippe 2
Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de
Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel
por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa
Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila
Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do
Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra
que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo
brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana
Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o
alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil
quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila
Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a
primogecircnita da Judicatura Nacional
2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora
indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762
8
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS
BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES
a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer
referecircncia agrave Justiccedila Militar
b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial
c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio
(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os
Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar
sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares
estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe
muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado
d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou
e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis
f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para
processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado
e ordem poliacutetica e social)
g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais
vigentes
h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente
i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo
e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia
das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para
conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais
9
3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504
Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)
A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de
Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos
Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que
alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram
policiais militares
A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano
da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo
penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar
em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de
1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem
da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de
Janeiro dentre outros
Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha
de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade
das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e
excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do
legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de
garantias individuais do jurisdicionado militar
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio
Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio
sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e
irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra
que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes
Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira
Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)
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O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
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4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
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Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
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Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
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de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
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O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
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5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
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Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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7
distintas para processar e julgar seus respectivos jurisdicionados natildeo seria forccediloso
o entendimento de que o militar eacute igual perante a justiccedila militar
A justiccedila Militar tem suas origens na proacutepria histoacuteria da humanidade Com o
surgimento das grandes concentraccedilotildees humanas passou-se a exigir dos exeacutercitos
de conquista ou de defesa os riacutegidos princiacutepios de disciplina e hierarquia A
necessidade do resguardo e vigilacircncia de tais princiacutepios ndash indispensaacuteveis agrave
existecircncia de corporaccedilotildees militares armadas ndash eacute que deu margem e ensejou a
implantaccedilatildeo da justiccedila militar tambeacutem chamada de justiccedila castrense1 A princiacutepio
sua organizaccedilatildeo era rudimentar e sua aplicaccedilatildeo ocorria no proacuteprio terreno via de
regra em acampamentos durante manobras militares daiacute a origem do termo
castrense
Na visatildeo de Univaldo Correcirca
[] a Justiccedila Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especiacutefico para a atividade beligerante diante da necessidade de contar com um corpo de soldados disciplinados sob um regime feacuterreo com sanccedilotildees graves e de aplicaccedilatildeo imediata (apud CORREcircA 2002 p 9)
O Direito Castrense Brasileiro tem suas raiacutezes nos idos de 1762 com os
chamados Artigos de Guerra escritos por Guilherme Schaumbourg Lippe mais
conhecido por Conde de Lippe 2
Em 03 de julho daquele ano Conde de Lippe foi nomeado pelo Marquecircs de
Pombal ao posto de Marechal General do Exeacutercito Portuguecircs ficando responsaacutevel
por toda Tropa de infantaria cavalaria e artilharia lusa
Mais tarde com o advento da assinatura de paz entre Portugal e Franccedila
Conde de Lippe passou entatildeo a auxiliar Marquecircs de Pombal na reorganizaccedilatildeo do
Exeacutercito Portuguecircs foi quando entatildeo escreveu os memoraacuteveis Artigos de Guerra
que passaram a ser o ordenamento juriacutedico militar portuguecircs e por extensatildeo
brasileiros em virtude da submissatildeo da entatildeo colocircnia agrave Coroa lusitana
Os Artigos de Guerra de Conde de Lippe somente foram substituiacutedos com o
alvaraacute de 01041808 que foi implementado com a chegada da famiacutelia Real ao Brasil
quando entatildeo foi criado o Conselho Superior Militar e de Justiccedila
Portanto a Justiccedila Militar embora desconhecida e pouco estudada eacute a
primogecircnita da Judicatura Nacional
2Conde de Lippe foi um militar britacircncio nascido em 24 de janeiro de 1724 em Londres que fora
indicado pelo Governo inglecircs para apoiar Portugal nas lutas armadas contra a Franccedila e Espanha no ano de 1762
8
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS
BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES
a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer
referecircncia agrave Justiccedila Militar
b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial
c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio
(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os
Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar
sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares
estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe
muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado
d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou
e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis
f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para
processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado
e ordem poliacutetica e social)
g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais
vigentes
h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente
i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo
e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia
das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para
conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais
9
3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504
Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)
A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de
Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos
Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que
alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram
policiais militares
A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano
da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo
penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar
em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de
1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem
da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de
Janeiro dentre outros
Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha
de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade
das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e
excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do
legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de
garantias individuais do jurisdicionado militar
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio
Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio
sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e
irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra
que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes
Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira
Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)
10
O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
11
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
12
Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
13
Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
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O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
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Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
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Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
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A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
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Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
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ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
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Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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8
2 A TRAJETOacuteRIA DA JUSTICcedilA MILITAR NAS CONSTITUICcedilOtildeES FEDERAIS
BRASILEIRAS BREVES CONSIDERACcedilOtildeES
a) A Constituiccedilatildeo de 1824 natildeo enumerou os oacutergatildeos do Judiciaacuterio e omitiu qualquer
referecircncia agrave Justiccedila Militar
b) A Constituiccedilatildeo de 1891 assegurou aos militares o foro especial
c) A Constituiccedilatildeo de 1934 incluiu a Justiccedila Militar nos oacutergatildeos do Judiciaacuterio
(retirando-lhe o caraacuteter administrativo) e estendeu o foro militar aos civis Para os
Estados Federados a Constituiccedilatildeo de 1934 deu competecircncia agrave Uniatildeo para legislar
sobre as Justiccedila Militares dos Estados mas apenas em 1946 as justiccedilas militares
estaduais comeccedilaram a ter um tratamento legal mais semelhante ao que hoje existe
muito embora a Lei Federal 192 de 1936 as tenha criado
d) A Constituiccedilatildeo de 1937 praticamente nada alterou
e) A Constituiccedilatildeo de 1946 alterou dispositivos relativos ao julgamento de civis
f) A Revoluccedilatildeo de 1964 alterou e ampliou a competecircncia da Justiccedila Militar para
processar e julgar civis (crimes contra a seguranccedila nacional crimes contra o Estado
e ordem poliacutetica e social)
g) A Constituiccedilatildeo de 1967 revalidou as disposiccedilotildees dos Atos Institucionais
vigentes
h) A Constituiccedilatildeo 1969 natildeo alterou o quadro entatildeo vigente
i) A Constituiccedilatildeo de 1988 manteve a competecircncia das Justiccedilas Militares da Uniatildeo
e dos Estados Atraveacutes da Emenda Constitucional nordm 4504 alterou a competecircncia
das Justiccedilas Militares Estaduais no que tange ao julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis Por outro lado ampliou sua competecircncia para
conhecer e julgar atos disciplinares no acircmbito das Corporaccedilotildees militares estaduais
9
3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504
Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)
A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de
Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos
Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que
alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram
policiais militares
A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano
da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo
penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar
em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de
1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem
da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de
Janeiro dentre outros
Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha
de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade
das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e
excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do
legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de
garantias individuais do jurisdicionado militar
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio
Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio
sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e
irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra
que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes
Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira
Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)
10
O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
11
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
12
Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
13
Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
15
O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
16
Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
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Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
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ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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9
3 A LEI N 929996 EMBRIONAacuteRIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 4504
Os erros e as ignoracircncias eacute certo que satildeo muitos mais que as ciecircncias porque para saber e acertar natildeo haacute mais que um caminho e para errar infinitos (Padre Antocircnio Vieira)
A Lei n 929996 nasceu nos bastidores da Comissatildeo Parlamentar de
Inqueacuterito-CPI que apurava a morte de crianccedilas e adolescentes sobretudo nos
Estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo A partir daquela CPI ficou comprovado que
alguns dos autores de homiciacutedios contra aquelas pessoas lamentavelmente eram
policiais militares
A Lei n 929996 tem ainda em suas origens episoacutedios recentes no cotidiano
da vida policial brasileira como por exemplo a incursatildeo no do complexo
penitenciaacuterio do Carandiru em Satildeo Paulo pela Tropa de Choque da Poliacutecia Militar
em 1992 o episoacutedio de Eldorado dos Carajaacutes no Estado de Rondocircnia no ano de
1996 o episoacutedio da Candelaacuteria no estado do Rio de Janeiro no ano de 1993 aleacutem
da chamada ldquoChacina de Vigaacuterio Geralrdquo em 1993 tambeacutem no Estado do Rio de
Janeiro dentre outros
Em todos esses lamentaacuteveis acontecimentos a Poliacutecia Militar atuou na linha
de frente Natildeo significa dizer que em todos os fatos ocorridos houve legitimidade
das accedilotildees muito antes pelo contraacuterio entende-se que desvios de conduta e
excessos ocorreram Mas as accedilotildees episoacutedicas ocorridas natildeo justificam o oacutedio do
legislador em relaccedilatildeo a uma justiccedila centenaacuteria e por conseguinte a supressatildeo de
garantias individuais do jurisdicionado militar
31 O vieacutes preconceituoso do legislador ordinaacuterio
Preconceito deriva de conceito Significa preacute-conceito ou conceito preacutevio
sobre algueacutem ou alguma coisa Mas na realidade eacute um juiacutezo antecipado e
irrefletido frequentemente entranhado cristalizado O termo correspondente lembra
que aiacute jaacute se afirma ou se nega alguma coisa de algo (juiacutezo) antes
Segundo o Professor Antocircnio de Oliveira
Um preconceito natildeo resulta da evidecircncia do exame da realidade ou dos fatos mas de uma deformaccedilatildeo mental podendo levar a distorccedilotildees [] Um preconceito adveacutem assim de certa forma do divinizar Frequentemente no entanto o preconceito surge do demonizar do radicalizar de situaccedilotildees tiacutepicas de mente supersticiosa ou de intoleracircncia tanto na humanidade como na proacutepria comunidade (OLIVEIRA 2004 p 33)
10
O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
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4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
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Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
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Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
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de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
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O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
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5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
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Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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10
O legislador ao elaborar a Lei n 929996 foi carregado de oacutedio contra as
Policias Militares generalizando os acontecimentos que envolveram alguns policiais
militares em fatos isolados que jamais refletiram a imagem das corporaccedilotildees
militares e por conseguinte da grande maioria de seus integrantes
A Lei n 929996 foi imbuiacuteda de um propoacutesito equivocado e sem alterar a
definiccedilatildeo de crime militar tipificada pelo artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar Decreto-Lei
n 100169 acrescentou um paraacutegrafo em seu artigo 9ordm deslocando a competecircncia
da justiccedila militar para a justiccedila comum no processo e julgamento dos crimes militares
dolosos contra a vida de civis
A inserccedilatildeo da Lei n 929996 ao ordenamento juriacutedico brasileiro aleacutem de tirar
da competecircncia da Justiccedila Militar Estadual pata o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida ndash homiciacutedio doloso ndash praticados por militares contra civis teve como
pano de fundo o revanchismo histoacuterico de que a justiccedila militar eacute uma justiccedila
corporativista
Ressalta-se que Lei n 929996 nasceu eivada de viacutecios violando de plano a
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que previu o deslocamento de competecircncia da
justiccedila militar para a justiccedila comum enquanto a Constituiccedilatildeo Federal jaacute previa
competecircncias distintas ocasionando por conseguinte um conflito de leis no espaccedilo
A inconstitucionalidade da Lei 929996 natildeo tardou a ser reconhecida vindo
a ser declarada incidentalmente pelo Superior Tribunal Militar logo apoacutes sua
vigecircncia por intermeacutedio do Recurso Criminal nordm 6348-5PE
RECURSO CRIMINAL nordm 6348-5-PE RECURSO INONIMADOndash DECLARACcedilAtildeO DE INCONSTITUCIONALIDADE ldquoINCIDENTER TANTUMrdquo ndash ldquoEXCEPTIO INCOMPETENTIAErdquo I ndash ldquoExceptio incompetentiaerdquo da Justiccedila Militar da Uniatildeo para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil em face da Lei nordm 9299 de 070896 oposta pelo MPM e rejeitada sem discrepacircncia de votos pelo Conselho Permanente de Justiccedila para o Exeacutercito II ndash Em decorrecircncia de rejeiccedilatildeo da exceccedilatildeo oposta o Parquet Militar interpocircs Recurso inominado III ndash Declarada incidentalmente pelo Tribunal a inconstitucionalidade da Lei nordm 9299 de 070896 no que se refere ao paraacutegrafo uacutenico do art 9ordm do CPM e ao caput do art 82 e seu sect 2ordm do CPPM na forma do art 97 da Constituiccedilatildeo Federal do art 6ordm III da Lei nordm 845792 e dos arts 4ordm III e 65 sect 2ordm I do RISTM IV ndash Recurso Ministerial improvido V ndash Decisatildeo uniforme Em razatildeo do acima exposto eacute indiscutiacutevel que os fatos que deram origem ao Auto de Prisatildeo em flagrante configuram crime de natureza militar segundo a definiccedilatildeo de crime militar constante do art 9ordm do CPM Obviamente tambeacutem inquestionaacutevel que seu processo e julgamento eacute da competecircncia da Justiccedila Militar Federal Por todo exposto requer o MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO MILITAR seja provido o presente recurso e reformada a decisatildeo ora recorrida no sentido de reconhecer a competecircncia da Justiccedila Militar Federal
Declarada incidentalmente inconstitucional pelo Superior Tribunal Militar a Lei n 929996 virou alvo de grande polecircmica que perdurou ateacute o advento da Emenda Constitucional n 4504
11
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
12
Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
13
Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
15
O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
16
Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
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Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
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6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
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7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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11
4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N452004 SEU ENFOQUE POLIacuteTICO
IDEOLOacuteGICO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO
DESCUMPRIMENTO DO INCISO IV DO sect 4ordm DO ARTIGO 60 DA CONSTITUICcedilAtildeO
DE 1988
Em face do perigo o homem lembra-se de Deus e chama a Poliacutecia passado o perigo ele se esquece de Deus e amaldiccediloa a Poliacutecia (Jargatildeo policial)
A Emenda Constitucional n 4504 trouxe expressivas mudanccedilas na justiccedila
militar dos Estados ampliou sua competecircncia para conhecer dos atos disciplinares
militares aleacutem da denominaccedilatildeo do entatildeo Juiz-Auditor para Juiz de Direito do Juiacutezo
Militar identificando-o com o Juiz da Justiccedila Comum atribuindo-lhe tambeacutem a
presidecircncia dos Conselhos de Justiccedila tanto os especiais como os permanentes na
forma do Coacutedigo de Processo Penal Militar inibindo de certa forma o poder do
escabinato
Mas o objeto central da nossa pesquisa eacute sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 com fulcro no artigo 60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo
de 1988 e ao final provocar uma reflexatildeo criacutetica a respeito da nova ordem
constitucional derivada
Embora tenha a priori apenas reafirmado o mandamento constitucional
originaacuterio previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) a Emenda Constitucional n 4504
acabou por forccedilar uma reparticcedilatildeo de competecircncia entre a justiccedila militar estadual e a
justiccedila comum a partir da alteraccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
A Emenda Constitucional n 4504 foi mais uma das inuacutemeras propostas de
Emenda da Constituiccedilatildeo que normalmente se apresentam no Congresso Nacional
Surgida com o ndeg 96 de autoria do Deputado Heacutelio Bicudo tal Proposta de Emenda
Constitucional-PEC postulava a extinccedilatildeo da Justiccedila Federal de primeiro grau da
Justiccedila Militar da Uniatildeo e dos Estados e da representaccedilatildeo classista (juiacutezes leigos
representantes de empregadores e empregados) na primeira instacircncia da Justiccedila do
Trabalho
Pretendia ainda a participaccedilatildeo do ministeacuterio puacuteblico nos concursos da
magistratura algumas alteraccedilotildees na justiccedila dos Estados e a extinccedilatildeo da
vitaliciedade no Superior Tribunal de Justiccedila e no Supremo Tribunal Federal A ela
se apensou a PEC ndeg 11295 do Deputado Joseacute Genoiacuteno objetivando a criaccedilatildeo de
um sistema de controle externo do poder judiciaacuterio
12
Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
13
Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
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O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
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Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
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Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
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A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
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Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
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ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
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Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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12
Nessas propostas tomaram carona inuacutemeros interesses corporativos de que
resultou o substitutivo de Jairo Carneiro nele as intenccedilotildees iniciais se deformaram a
tal ponto que o Deputado Joseacute Genoiacuteno votou pela sua rejeiccedilatildeo tendo o Deputado
Heacutelio Bicudo por sua vez desautorizado a menccedilatildeo de seu nome como autor da
PEC na qual nada mais se encontrava do que pretendera Ao fazecirc-lo aliou-se a
protesto do Deputado Jarbas Lima que denunciara tal ampliaccedilatildeo como
antirregimental e inconstitucional Por fim aprovou-se substitutivo de igual
amplitude da Deputada Zulaiecirc Cobra com inuacutemeros destaques supressivos e
aditivos No Senado ndash onde a PEC tomou o ndeg 292000 ndash aprovou-se afinal um texto
diverso (promulgado em 2004 como a Emenda Constitucional n45) que se
convencionou chamar ldquoreforma do judiciaacuteriordquo
Deve ser reconhecido que a Emenda Constitucional n 4504 de certa forma
pacificou em parte a inquietude de inconstitucionalidade trazida pela Lei 929996
embora natildeo tenha alterado a competecircncia da justiccedila militar seja no acircmbito estadual
seja no acircmbito da Uniatildeo Competecircncia essa preconizada pelo artigo 124 e 125 da
Constituiccedilatildeo de 1988
Entende-se tambeacutem que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou a
tipificaccedilatildeo dos crimes militares previstos no artigo 9ordf do Coacutedigo Penal Militar nem
deslocou a competecircncia da justiccedila militar para a justiccedila comum apenas reconheceu
como jaacute havia feito o constituinte originaacuterio a competecircncia do juacuteri para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida Vale sempre ressaltar que o mandamento
constitucional originaacuterio em relaccedilatildeo ao juacuteri aleacutem de natildeo fazer acepccedilatildeo de vida -
pelo que entende-se o bem vida um direito garantido e indisponiacutevel de todo e
qualquer ser humano ndash deveraacute ser interpretado restritivamente
Eacute notoacuterio que a Emenda Constitucional n 4504 quis pacificar o conflito
gerado pela Lei n 929996 preservando o juiacutezo natural do tribunal do juacuteri para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) da
Constituiccedilatildeo de 1988) entretanto natildeo mudou a natureza dos crimes militares
previstos em lei por conseguinte tais crimes continuam sendo militares e em sendo
militares satildeo da competecircncia originaacuteria da justiccedila militar
Muito embora tenha ateacute certo ponto pacificado a questatildeo controvertida trazida pela Lei n 922996 a Emenda Constitucional n 4504 como dito alhures natildeo tratou da natureza do delito penal militar Restou por conseguinte a necessidade de uma grande reflexatildeo a respeito da forccedilada reparticcedilatildeo de competecircncia ente a justiccedila militar e a justiccedila comum no caso especiacutefico de julgamento dos crimes militares dolosos praticados por militares contra a vida de civis
13
Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
15
O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
16
Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
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Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
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1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
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Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
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tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
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Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
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Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
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Ora os crimes militares tipificados no artigo 9ordm do Coacutedigo de Penal Militar natildeo
deixaram de ser militares O que mudou no acircmbito judiciaacuterio militar estadual foi
apenas a preservaccedilatildeo da instituiccedilatildeo do juacuteri para todos jurisdicionados militares e
civis que como jaacute dissemos jaacute era prevista na Constituiccedilatildeo de 1988 pelo
constituinte originaacuterio O que deveria ter sido observado pelo constituinte derivado eacute
a condiccedilatildeo de militar em relaccedilatildeo ao civil
Considerando que a Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto original prevecirc em
sede de garantia fundamental que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida eacute
de competecircncia do tribunal do juacuteri e o texto trazido pela Emenda Constitucional n
4504 reafirmou o mandamento constitucional originaacuterio mas natildeo alterou o tipo
penal dos crimes militares conclui-se que a competecircncia do juiacutezo natural militar
tambeacutem natildeo foi alterada Diante dessa incoerecircncia normativa surge entatildeo - pelo
menos - uma necessidade premente a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade do sect 4ordm
do artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 na parte que ressalva a competecircncia do juacuteri
para o julgamento de militares estaduais acusados de crimes dolosos contra a vida
de civis
Entende-se que o juiacutezo natural em face da competecircncia constitucional da
Justiccedila Militar Estadual para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
enquanto Justiccedila Especializada foi atingida na medida em que se vecirc crimes
militares sendo julgados pela justiccedila comum
Abre-se ainda uma discussatildeo sobre a quebra de isonomia entre a mesma
categoria de servidores qual seja a militar na medida em que foi mantida a
competecircncia dos Conselhos Especiais e Permanentes de Justiccedila da justiccedila militar
da Uniatildeo para processar e julgar os militares federais mesmo que tais crimes sejam
dolosos contra a vida de civis enquanto os militares estaduais foram mandados ao
tribunal do juacuteri na justiccedila comum
Natildeo seraacute objeto deste estudo a ampliaccedilatildeo da competecircncia da Justiccedila do
Trabalho tambeacutem trazida pela Emenda Constitucional 4504 no que concerne ao
processamento e julgamento das accedilotildees oriundas da relaccedilatildeo de trabalho abrangidos
os entes de direito puacuteblico externo e da administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta da
Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios vez que em face da ADIn
nordm 3395 proposta pela Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil (Ajufe) no
julgamento da medida cautelar o Ministro Nelson Jobim suspendeu toda e qualquer
interpretaccedilatildeo dada ao dispositivo que inclua as causas resultantes das relaccedilotildees
entre o Poder Puacuteblico e seus servidores sendo a presente accedilatildeo distribuiacuteda em 1ordm
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de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
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O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
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Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
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5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
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Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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14
de fevereiro de 2005 ao Ministro Cezar Peluso ainda sem decisatildeo pelo Supremo
Tribunal Federal mas sim a modificaccedilatildeo no artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988
Em verdade eacute por todos sabido que a alteraccedilatildeo no plano constitucional da
competecircncia originaacuteria da Justiccedila Militar Estadual tem por forccedila motivadora as
mesmas circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico
no artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar atraveacutes da Lei 929996
O legislador foi movido por uma exaltada visatildeo deturpada um vieacutes ideoloacutegico
segundo o qual a violecircncia policial existia em razatildeo de os seus delitos serem
julgados por uma ldquojusticcedila corporativardquo que mais absolvia que condenava
A Emenda Constitucional n 4504 a pretexto de corrigir os equiacutevocos
legislativos que cercaram a Lei n 929996 trouxe para a oacuterbita constitucional as
mudanccedilas que jaacute haviam sido objeto de repulsa em virtude de inconstitucionalidade
a exemplo do RE nordm 6348-5-PE por intermeacutedio do qual o Superior Tribunal Militar ndash
STM declarou incidentalmente inconstitucional a inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico do
artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar
O ponto principal da nossa pesquisa reside exatamente na transferecircncia de
competecircncia da Justiccedila Militar Estadual para a Justiccedila Comum quando do
julgamento de militar estadual acusado de crime doloso contra a vida de civil
Como jaacute dito alhures o constituinte derivado natildeo determinou a reparticcedilatildeo de
competecircncia mas acabou por forccedilaacute-la na medida em que atribuiu a competecircncia
para o julgamento de militares estaduais ao tribunal do juacuteri considerando que aquele
soacute existe no acircmbito da Justiccedila Comum
Entendemos que o constituinte derivado ao trazer para o bojo da Emenda
Constitucional n 4504 a mudanccedila de competecircncia da justiccedila militar agiu sob um
enfoque poliacutetico distorcido da realidade tendo como pano de fundo preconceitos
desmedidos contra as Poliacutecias Militares
Devemos ter em mente que a missatildeo constitucional das Poliacutecias Militares eacute
das mais aacuterduas e incompreendidas pela sociedade Eacute uma atividade de alto risco
para o militar estadual que caminha diuturnamente sob o ldquofio da navalhardquo de um
lado estaacute sua vida do outro as iras da lei
Eacute notoacuterio que se trata de uma profissatildeo via-de-regra antipatizada pela maioria da populaccedilatildeo que natildeo a conhece e natildeo faz nenhuma questatildeo de conhececirc-la Eacute comum ainda assistirmos matildees dizendo para suas crianccedilas ldquoolha se vocecirc natildeo parar de fazer isso ou aquilo vou mandar a poliacutecia de pegar ou te prenderrdquo como se o policial militar que se encontra efetuando o policiamento ostensivo fardado ao inveacutes de transmitir uma sensaccedilatildeo de seguranccedila transmitisse o medo como se fosse o algoz da sociedade
15
O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
16
Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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15
O preconceito em relaccedilatildeo agrave atividade policial ndash sobretudo a militar ndash eacute grande
pois eacute a poliacutecia ostensiva fardada e que estaacute mais proacutexima das pessoas jaacute nasce
incutido na mente de nossas crianccedilas por forccedila de um preconceito injusto e
equivocado das pessoas
A exemplo de outros oacutergatildeos como o Ministeacuterio Puacuteblico a atividade policial
militar eacute muitas das vezes suportada pela sociedade como ldquoum mal necessaacuteriordquo
onde a farda honrosamente ostentada pelo militar eacute sinocircnimo de opressatildeo e
truculecircncia
Ao que nos parece o constituinte derivado ao demover a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual para julgar seu jurisdicionado pela praacutetica de crime doloso
contra a vida de civil agiu sob o domiacutenio de emoccedilotildees destemperadas em
detrimento de uma soacutebria representatividade legislativa
Eacute razoavelmente questionaacutevel os criteacuterios que culminaram com as alteraccedilotildees
trazidas pela Emenda Constitucional n 4504 no que concerne a competecircncia da
Justiccedila Militar Estadual a ponto de tamanha discriminaccedilatildeo e falta de respeito para
com a justiccedila mais antiga do Brasil
O cerne da questatildeo trazida pela Emenda Constitucional n 4504 ao
ordenamento juriacutedico-militar estadual eacute sem duacutevidas a transferecircncia de competecircncia
para o tribunal do juacuteri para o julgamento de crime militar doloso contra a vida
praticado por policial militar contra um civil o qual eacute nosso objeto de combate nessa
pesquisa
A temaacutetica da alteraccedilatildeo trazida pela chamada Reforma do Judiciaacuterio ao
Direito Militar posto forccedila um raciociacutenio que nos parece absurdo do ponto de vista
do Direito Constitucional sob o prisma de um Estado Democraacutetico de Direito Por
qual razatildeo um militar do Estado que pratique um crime doloso contra a vida de um
civil cuja natureza eacute militar haacute que ser submetido ao Tribunal do Juacuteri enquanto que
um outro militar que pratique o mesmo delito contra um companheiro de farda ou se
esse militar acusado pertencer agraves Forccedilas Armadas seraacute julgado pela Justiccedila Militar
Qual eacute entatildeo a valoraccedilatildeo da vida defendida pelo constituinte derivado autor
da Emenda Constitucional n 4504 Seraacute que a vida do militar vale menos do que a
do civil Ou seraacute que a vida do civil que eacute viacutetima de militar federal vale menos do
que a do civil que eacute vitimado por militar pertencente agrave Forccedila Estadual Satildeo
perguntas que a nosso ver natildeo foram feitas pelo constituinte derivado antes que
fosse alterada a competecircncia da Justiccedila Militar Estadual
16
Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
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Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
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retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
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6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
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7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
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Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
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A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
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Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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16
Obviamente que uma seacuterie de respostas a essas indagaccedilotildees podem ser
apresentadas poreacutem nenhuma delas atenderaacute a correta justificaccedilatildeo poliacutetica para a
reparticcedilatildeo de competecircncia na Justiccedila Militar Estadual forccedilada pela Emenda
Constitucional n 4504 ou seja a vontade geral que pudesse ter impulsionado o
legislador para os fins colimados pelo Estado
A bem da verdade sabe-se que a alteraccedilatildeo proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 no plano constitucional tem por forccedila motivadora as mesmas
circunstacircncias que levaram o legislador ordinaacuterio a incluir o paraacutegrafo uacutenico no artigo
9ordm do Coacutedigo Penal Militar por forccedila da Lei n 929996 ou seja a visatildeo deturpada e
preconceituosa da atividade policial militar por um vieacutes exclusivamente ideoloacutegico
A visatildeo miacuteope do legislador ordinaacuterio autor da Lei n 929996 fecirc-lo enxergar
na justiccedila militar uma justiccedila corporativa que mais absolvia que condenava
Sabemos natildeo ser verdadeiro tal entendimento pois a partir de dados concretos e
com base nos julgados da justiccedila militar vemos exatamente o contraacuterio trata-se de
uma justiccedila ceacutelere e eficaz
Deveria ter se dedicado o constituinte derivado - ao inveacutes de tentar consertar
o equiacutevoco do legislador ordinaacuterio - a aferir os postulados das justiccedilas comum e
militar em face de suas decisotildees sejam condenatoacuterias ou absolutoacuterias mas
sobretudo no que concerne agrave celeridade
Natildeo podemos ainda descartar no campo juriacutedico a possibilidade de a
Emenda Constitucional n 4504 estar inquinada do viacutecio maior da
inconstitucionalidade no que tange suas previsotildees afetas agraves Justiccedilas Militares
Estaduais Para tanto deve ser considerado que o poder constituinte derivado eacute
passiacutevel de controle de constitucionalidade seja difuso ou concentrado tendo como
paracircmetro o artigo 60 da Constituiccedilatildeo Federal
Nesse sentido Alexandre de Moraes leciona que ldquoeacute plenamente possiacutevel a
incidecircncia do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo de 1988 para a
alteraccedilatildeo constitucional3rdquo
Destarte conclui-se que a Emenda Constitucional n 4504 ao tirar do jurisdicionado militar estadual o direito de ser julgado pelos seus pares no seio da Justiccedila Militar feriu os princiacutepios do juiacutezo natural e da equidade portanto eacute inconstitucional porque atinge o chamado nuacutecleo riacutegido ou intangiacutevel da garantia individual do cidadatildeo militar
3 MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 p 564
17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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17
5 TRIBUNAL DO JUacuteRI OU ESCABINATO
O tribunal do juacuteri ainda natildeo existe no acircmbito da justiccedila militar embora o constituinte originaacuterio natildeo o tenha condicionado apenas no acircmbito da justiccedila comum Entende-se que o constituinte originaacuterio apenas deixou claro que a instituiccedilatildeo do juacuteri tem ldquoa competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vidardquo (CF art5ordm XXXVIII d)
Percebe-se uma dicotomia constitucional relativa ao bem maior tutelado pelo
constituinte originaacuterio qual seja a vida Entende-se que a ordem constitucional
originaacuteria insculpida no artigo 5ordm XXXVIII d)4 da Constituiccedilatildeo de 1988 em que o
constituinte de 1988 assegurou em sede de garantia fundamental a competecircncia do
tribunal do juacuteri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida sem fazer
distinccedilatildeo entre vidas de civis e militares de brancos ou de negros de pobres ou
ricos enfim referiu-se agrave vida de todo e qualquer ser humano sem distinccedilatildeo
O constituinte originaacuterio parece ter deixado uma ldquojanelardquo aberta para duas interpretaccedilotildees do dispositivo constitucional previsto no artigo 5ordm XXXVIII d) uma ampliada e outra restritiva A primeira interpretaccedilatildeo nos permite considerar que o bem juriacutedico tutelado vida deve ser entendido como a vida de todo e qualquer ser humano Nesse sentido natildeo justificaria que alguns acusados desse delito fossem julgados por tribunais diferentes do juacuteri popular como ocorre por exemplo nos crimes militares federais contras a vida de civis eou militares
Por outra vertente em um acircngulo restritivo poder-se-ia entender que a
competecircncia do tribunal do juacuteri previsto no artigo 5ordm XXXVIIId) da Constituiccedilatildeo de
1988 eacute para o julgamento de civis que comentem crimes dolosos contra a vida de
seus pares ou seja de outros civis Nessa esteira certamente o tribunal do juacuteri eacute
talvez a uacuteltima trincheira do cidadatildeo onde encontraraacute em seus pares o julgamento
justo conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho
Eacute certo que muitas vezes as decisotildees do Juacuteri deixam a desejar mas em compensaccedilatildeo quantas sentenccedilas dos Juiacutezes togados natildeo satildeo reformadas na superior instacircncia e quantos acoacuterdatildeos natildeo satildeo corrigidos pelo Excelso Pretoacuterio Tenham os Juiacutezes togados e aqueles que combatem a instituiccedilatildeo do Juacuteri como verdade que o justo natildeo eacute um valor suscetiacutevel de aplicaccedilatildeo matemaacutetica Natildeo se duvida que os Juiacutezes togados tambeacutem tutelam a liberdade individual mas a soberania leiga do tribunal popular parece tocar no sentimento do povo Muitas vezes o legislador se divorcia da vontade popular e o tribunal leigo corrige as distorccedilotildees O Juiz togado confiscaria o punhal de Otelo mas o Tribunal do Juacuteri lho devolveria A pobre mulher do operaacuterio com trecircs ou quatro filhos que viesse a provocar aborto natildeo encontraria talvez a clemecircncia desejada nas matildeos do Juiz togado Este agrave semelhanccedila do Magistrado que se mumifica na tessitura do texto anatematizado por Anatole France diria noacutes somos Juiacutezes e natildeo legisladores ou filoacutesofos Mas o tribunal popular a absolveria respondendo noacutes somos homens Nem sempre o legislador transfunde na lei o sentimento popular mas o seu ponto de vista suas concepccedilotildees Aos poucos contudo as reiteradas decisotildees do Juacuteri convencem o legislador do seu desacerto (Processo Penal 11 ed Satildeo Paulo Saraiva v 4 1989 p 5758)
4 eacute reconhecida a instituiccedilatildeo do juacuteri com a organizaccedilatildeo que lhe der a lei assegurados d) a competecircncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art 5ordm XXXVIII d) CR88)
18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
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A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
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Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
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8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
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ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
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Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
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tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
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18
Dentro dessa interpretaccedilatildeo restritiva deixariacuteamos de fora os militares que
satildeo regidos por norma proacutepria exercem atividade diferenciada e dessa forma
cometem crimes militares quando no exerciacutecio de suas funccedilotildees militares
A bem da verdade o direito de ser processado e julgado em foro especial eacute
prerrogativa do militar enquanto jurisdicionado de uma justiccedila especializada Natildeo
importa se militar estadual ou federal o que conta eacute a condiccedilatildeo de militar prevista na
Constituiccedilatildeo de 1988 na medida em que o Direito Penal Militar eacute especial em razatildeo
da tutela juriacutedica qual seja sempre a regularidade das instituiccedilotildees militares seja de
forma direta imediata seja de forma indireta ou mediata
A Constituiccedilatildeo de 1988 em seu texto originaacuterio jaacute previa em seus artigos
124 e 125 a Justiccedila Militar no rol das justiccedilas especializadas brasileiras cuja
competecircncia eacute para processar e julgar os crimes militares definidos em lei
Conquanto a previsatildeo constitucional de competecircncia do tribunal do juacuteri para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida abrangendo as justiccedilas militares
estaduais por forccedila de Emenda Constitucional n 4504 natildeo se sabe o porquecirc natildeo
abrangeu tambeacutem a justiccedila militar da Uniatildeo
Vecirc-se que o constituinte derivado se omitiu ao instituir no mandamento
constitucional mudanccedilas apenas nas Justiccedilas Militares Estaduais deixando de fora
a Justiccedila Militar da Uniatildeo que a contraacuterio sensu continua sendo competente para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida inclusive de civis
praticados por militares federais
Eacute prudente a criteriosa anaacutelise dos noveacuteis dispositivos trazidos pela Emenda
Constitucional n 4504 em relaccedilatildeo ao artigo 125 da Constituiccedilatildeo de 1988 visando
aferir se houve aboliccedilatildeo de garantias ou direitos individuais logo se assim se
entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade da Emenda inovadora
A Constituiccedilatildeo de 1988 ao instituir o tribunal do juacuteri como oacutergatildeo colegiado e
competente para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5ordm inciso XXXVIII d)
o fez como garantia de um direito individual do cidadatildeo Essa garantia individual
consiste exatamente em ter o cidadatildeo civil o direito de ser julgado pelos seus pares
na sociedade conforme assevera Alexandre de Moraes ldquoPrerrogativa democraacutetica
do cidadatildeo que deveraacute ser julgado por seus semelhantes5rdquo (MORAES 2004)
5 Ob Cit p 110
19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
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Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
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8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
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tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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19
Ao refletirmos acerca do direito de ser julgado pelos seus pares devemos
entatildeo considerar que o escabinato6 no acircmbito da Justiccedila Militar eacute o modo mais justo
de se julgar o militar Tal qual a submissatildeo ao Tribunal do Juacuteri do acusado civil a
submissatildeo do militar acusado ao escabinato parece ser tambeacutem um direito
individual do jurisdicionado militar que fora subtraiacutedo pelo constituinte derivado por
intermeacutedio da Emenda Constitucional n 4504
O escabinato haacute muito faz parte do Direito Militar no Brasil a exemplo do
Estado de Minas Gerais que possui em sua Justiccedila Militar Estadual em primeiro e
segundo grau os Conselhos Especiais de Justiccedila que julgam Oficiais e os
Conselhos Permanentes que julgam Praccedilas Esses Conselhos formam o escabinato
e satildeo compostos por um juiz togado e quatro juiacutezes militares (leigos) os quais
funcionam no acircmbito das trecircs Auditorias de Justiccedila Militar Estadual Haacute ainda o
Tribunal de Justiccedila Militar cuja composiccedilatildeo eacute de trecircs juiacutezes militares detentores do
uacuteltimo posto da hierarquia da Poliacutecia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar dois
juiacutezes civis sendo um alccedilado das Auditorias e outro empossado pela regra do quinto
constitucional
O colegiado que eacute a marca do escabinato na justiccedila militar possui
caracteriacutesticas proacuteprias que podem ser ressaltadas como circunstacircncias que buscam
a maior compreensatildeo do fato sob julgamento possibilitando assim a aproximaccedilatildeo
maior que se pode chegar do senso de justiccedila na busca de uma decisatildeo equacircnime
e razoaacutevel
Eacute sempre bom lembrar que o juiz togado alccedilado agrave condiccedilatildeo de Juiz de Direito
do Juiacutezo Militar por forccedila da proacutepria Emenda Constitucional n 4504 aleacutem de ser o
presidente do colegiado julgador eacute o inteacuterprete da lei perante o escabinato militar
Devemos entatildeo avaliar se o julgamento pelo escabinato na justiccedila militar aleacutem
de ser uma garantia constitucional originaacuteria - que natildeo foi suprimida pela Emenda
Constitucional n 4504 - eacute um julgamento justo e portanto digno de ser analisado
sob a oacutetica de um direito individual insuscetiacutevel inclusive de alteraccedilatildeo por emenda
constitucional
Natildeo foi por um acaso que o constituinte originaacuterio de 1988 ao escrever a
nova Constituiccedilatildeo Federal chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo previu o escabinato
no seio da justiccedila militar Trata-se de uma tradiccedilatildeo secular siacutembolo de justiccedila e
6 Escabinato eacute o oacutergatildeo julgador colegiado composto por juiz togado e por juiacutezes militares que satildeo
Oficiais da ativa das Forccedilas Armadas no caso da justiccedila militar Uniatildeo e Oficiais da ativa das Policias e Corpos de Bombeiros Militares nos Estados
20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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20
retidatildeo no julgamento de crimes militares previstos em lei formando a ldquouniatildeo da
espada e da toga7rdquo
A Constituiccedilatildeo de 1988 antes da accedilatildeo reformadora proposta pela Emenda
Constitucional n 4504 continha no bojo do sect 4ordm art 125 o entendimento tradicional
de que os militares pelos criteacuterios de justiccedila e de seguranccedila juriacutedica deveriam ser
processados e julgados pelos crimes militares com o auxiacutelio de seus pares ou seja
no acircmbito da justiccedila militar Portanto trata-se de um direito individual latente do
jurisdicionado militar inferido do texto literal da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo poder
constituinte originaacuterio
Esse entendimento nos conduz sem muito esforccedilo agrave conclusatildeo de que a
reforma proposta pelo constituinte derivado sobretudo na reparticcedilatildeo de competecircncia
da Justiccedila Militar Estadual prevista no artigo 125 sect 4ordm da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute
inconstitucional
Se o grande objetivo do tribunal do juacuteri eacute proporcionar ao cidadatildeo civil
acusado de crime doloso contra a vida de ser julgado pelos seus pares perante a
sociedade em que vive haacute deveras tambeacutem ser considerado que o objetivo do
escabinato militar eacute proporcionar ao seu jurisdicionado ndash na condiccedilatildeo de militar ndash ser
julgado tambeacutem pelos seus pares perante a sociedade que satildeo os militares
Entende-se portanto que o escabinato eacute garantia individual do jurisdicionado
militar porquanto esse deveraacute ser o local de julgamento do acusado de crime militar
previsto em lei
7 Colegiado composto pelo Juiz togado de carreira e juiacutezes militares leigos
21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
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Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
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8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
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ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
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Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
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Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
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tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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21
6 A POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL DO JUacuteRI NA JUSTICcedilA MILITAR
Embora tenha se omitido em relaccedilatildeo ao assunto o constituinte derivado ao
preservar a instituiccedilatildeo do juacuteri ndash inclusive na justiccedila militar Estadual - tambeacutem natildeo
vedou a instalaccedilatildeo do juacuteri no acircmbito dessa justiccedila especializada ao que se ver
nada obsta abrindo portanto uma nova discussatildeo acerca do tema
A possibilidade da instituiccedilatildeo do Tribunal do Juacuteri no acircmbito da Justiccedila Militar
e suas implicaccedilotildees juriacutedico-processuais no Estado Democraacutetico de Direito sob a
oacutetica da preservaccedilatildeo do princiacutepio do juiz natural deve-se ser motivo de reflexatildeo
No entendimento de Fernando Galvatildeo ldquoa competecircncia originaacuteria da justiccedila
militar foi frontalmente violada pela Lei n 929996 que antecedeu a Emenda
Constitucional n 4504 haja vista que a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute anterior agrave aludida
Lei e jaacute previa a competecircncia das justiccedilas militares no acircmbito federal e estadual
Nesse sentido segundo o entendimento do Magistrado a competecircncia da justiccedila
militar somente poderia ser modificada em decorrecircncia de emenda constitucional
derivada desde que fosse atribuiacuteda agrave justiccedila comum a competecircncia para o
julgamento de crimes militares dolosos contra a vida de civis ou em virtude de
exclusatildeo dos crimes militares dolosos contra a vida do ordenamento juriacutedico militar
A Emenda Constitucional n 4504 possibilitou a instituiccedilatildeo do tribunal do juacuteri da
justiccedila militar a partir de uma alteraccedilatildeo na organizaccedilatildeo judiciaacuteria dos Estadosrdquo
(GALVAtildeO 2006)
Ressaltando que Fernando Galvatildeo mudou seu entendimento em relaccedilatildeo agrave instituiccedilatildeo do juacuteri da justiccedila militar manifestando de forma contraacuteria em julgamento de Recurso Inominado no Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais quando entatildeo manifestou seu novo entendimento
Por tais razotildees retratando-me expressamente do entendimento que
manifestei em artigo publicado na Revista de Estudos e Informaccedilotildees nordm 17
publicada por este E Tribunal em 2006 voto no sentido da
constitucionalidade da interpretaccedilatildeo que registra no sect 4ordm do art 125 a
competecircncia do Tribunal do Juacuteri da Justiccedila Comum estadual para o
processo e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados
por militar ainda que em serviccedilo sendo DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03 portanto constitucional a alteraccedilatildeo que
a Lei Federal n 929996 introduziu no Coacutedigo Penal Militar ao acrescentar
um paraacutegrafo uacutenico em seu artigo 9ordm e no Coacutedigo de Processo Penal Militar
no sect 2ordm e caput de seu artigo 82
DECLARACcedilAtildeO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Nordm 03
Relator Juiz Fernando Galvatildeo da Rocha
Revisor Juiz Cel PM Osmar Duarte Marcelino
Origem Recurso Inominado n 79 ndash Proc n 34033 3ordf AJME
Julgamento 17122009 Publicaccedilatildeo 19122009 Decisatildeo unacircnime DECLARADA INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N 929996
22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
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oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
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A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
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Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
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Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
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22
7 PRINCIPIOLOGIA
71 O Princiacutepio do juiacutezo natural e da igualdade no julgamento de militares
Eacute mais difiacutecil desfazer um preconceito do que desintegrar o aacutetomo (Albert Einstein)
O termo equidade eacute derivado do latim aequitas de aequus (igual equitativo)
antigamente era tido em sentido anaacutelogo ao de justiccedila pelo que por vezes se
confundiam E assim tanto um como outro se compreendiam como a disposiccedilatildeo de
acircnimo constante e eficaz de tratar qualquer pessoa segundo sua proacutepria natureza
ou tal como eacute contribuindo em tudo que se tem ao alcance desde que natildeo seja em
prejuiacutezo proacuteprio para tornaacute-la perfeita e feliz E ampliando este sentido chegavam a
equiparaacute-lo a caridade interpretando-o como a bondade cordial em virtude da qual
natildeo se exige com rigor a que temos direito porque nos pertence ou nos eacute devido
chegando-se ao extremo de uma liberalidade destemida para relaxar
voluntariamente nossos proacuteprios direitos mesmo reais em proveito de outrem
Eacute compreendido como a igualdade de que nos falam os romanos jus est ars
boni et e o bom que vem do que eacute direito estaacute na reta razatildeo ou na razatildeo direita
pode ter complemento na razatildeo absoluta ou no que eacute equitativo Eacute um
abrandamento ou a benigna e humana interpretaccedilatildeo da lei para sua aplicaccedilatildeo
E assim a equidade compotildee o conceito de uma justiccedila fundada na igualdade
na conformidade do proacuteprio princiacutepio juriacutedico e em respeito aos direitos alheios e
por vezes possui sentido mais amplo mostrando-se um princiacutepio de Direito Natural
que pode mesmo contrariar a regra do Direito Positivo
E como esse conceito quer significar a adoccedilatildeo de princiacutepios fundados nela
ditos princiacutepios de equidade que se fundam na razatildeo absoluta desde que atendidas
as razotildees de ordem social e as exigecircncias do bem comum que se instituem como
princiacutepios de ordem superior na aplicaccedilatildeo das leis
Sendo assim a equidade eacute a que se funda na circunstacircncia especial de cada
caso concreto concernente ao que for justo e razoaacutevel E certamente quando a lei
se mostrar injusta o que se poderaacute admitir a equidade viraacute corrigir seu rigor
aplicando o princiacutepio que nos vem do Direito Natural Assim diz-se que aequitas
sequitur legem (a equidade acompanha a lei) E jamais poderaacute ser contra ela
O debate sobre a equidade surge logo nos primoacuterdios da reflexatildeo juriacutedica Jaacute
Aristoacuteteles nos daacute o enquadramento ainda atual do problema e continua a ser
preciosa a definiccedilatildeo que daacute da equidade como a justiccedila do caso concreto
23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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23
Em Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles jaacute esclarecia que a justiccedila distributiva ldquose
baseia no princiacutepio de que embora todas as pessoas sejam iguais elas tecircm
diferentes responsabilidades atribuiccedilotildees e posses conforme os trabalhos
realizaccedilotildees e empreendimentos que cada um realizardquo (CHALITA 2003 p 113)
Eacute ainda de Aristoacuteteles o trecho claacutessico em torno do qual giram todas as
anaacutelises deste tema Para Aristoacuteteles a lei dada a sua inevitaacutevel generalidade
limita-se aos casos mais coerentes sem dissimular as lacunas que deixa Isto
estaria na natureza das coisas Por isso quando perante um caso particular vemos
que o legislador cala ou se enganou por ter falado em termos absolutos eacute
imprescindiacutevel corrigi-lo e suprir seu silecircncio como ele mesmo teria feito se
estivesse presente (CHALITA 2003 p 113)
A equidade natildeo deve ser entendida como um processo alternativo da
aplicaccedilatildeo da lei mas como um modo indispensaacutevel da aplicaccedilatildeo da lei agraves
circunstacircncias do caso cujo princiacutepio nucleacuteico consiste julgar cada caso
isoladamente segundo suas peculiaridades mesmo que por muitas vezes esses
julgamentos extrapolem a literalidade da norma posta
Aristoacuteteles foi quem mais se aproximou da perfeiccedilatildeo seu pensamento foi o
ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades
revolucionaram a concepccedilatildeo Ocidental de Justiccedila Em seu livro ldquoEacutetica a Nicocircmacordquo
ele consegue de uma forma extraordinaacuteria dividir a Justiccedila em duas vertentes
como virtude geral e como virtude especial A primeira possui um caraacuteter moral
pessoal uma espeacutecie de Justiccedila interior enquanto a segunda tem uma conotaccedilatildeo
reguladora regendo as relaccedilotildees entre os cidadatildeos seja de uma forma distributiva
ou de uma forma corretiva Essa linha de raciociacutenio eacute tatildeo magniacutefica que estaacute
inserida em alguns princiacutepios da nossa legislaccedilatildeo atual fazendo-nos refletir que
apesar desse imenso espaccedilo temporal Aristoacuteteles conseguiu formular uma ideia
madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaccedilo Devemos prestar atenccedilatildeo
ao fato de que a Justiccedila Aristoteacutelica estaacute sempre fundada na eacutetica e na virtude
sendo assim na consciecircncia moral de cada um (CHALITA 2003 p 113)
Eacute inegaacutevel que a profissatildeo militar eacute por sua simples natureza sui generis natildeo
haacute que cogitar igualdade entre militares e civis quando a proacutepria Constituiccedilatildeo de
1988 os difere por circunstacircncias diversas ldquoao militar satildeo proibidas a sindicalizaccedilatildeo e
a greverdquo (art142sect 3ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988) grifou-se
O constituinte originaacuterio asseverou em sede de direitos sociais que ldquoEacute
assegurado o direito de greve competindo aos trabalhadores decidir sobre a
24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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24
oportunidade de exercecirc-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defenderrdquo
(art 9ordm caput da Constituiccedilatildeo de 1988)
No entanto o constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional nordm
1898 retirou dos militares o direito ateacute entatildeo assegurado pela Constituiccedilatildeo de 1988
conforme aludido alhures tornando definitivamente proibida a participaccedilatildeo de
militares em movimentos grevistas
Satildeo diversos os dispositivos constitucionais que deixam clara a acepccedilatildeo dos
militares em relaccedilatildeo agrave sociedade civil tornando-os por conseguinte pessoas
diferentes no seio da sociedade sobretudo porque satildeo regidos por normas proacuteprias
exercem profissotildees regidas por legislaccedilatildeo disciplinar severa seja no acircmbito federal
ou dos Estados
Merece destaque neste contexto de acepccedilatildeo dos militares em relaccedilatildeo ao
cidadatildeo civil o direito agrave greve mencionado alhures que obviamente natildeo eacute o objeto
da nossa pesquisa contudo eacute fato marcante que distingue o cidadatildeo militar do
cidadatildeo civil
Em sede de exemplificaccedilatildeo de caso concreto evento ocorrido no Estado de
Minas Gerais no ano 1997 e que marcou a histoacuteria da Poliacutecia Militar mais tradicional
do Brasil Naquele ano a Poliacutecia Militar de Minas Gerais foi ldquosacudidardquo por um
movimento paredista que ficou marcado e conhecido como a ldquogreve da Poliacutecia
Militarrdquo sendo relevante um breve comentaacuterio a respeito desse histoacuterico episoacutedio
Em 1997 a sociedade mineira assistiu a um episoacutedio que marcou de forma
incomensuraacutevel a diferenccedila entre um ldquotrabalhador militarrdquo e as demais categorias de
trabalhadores no acircmbito civil a greve da Poliacutecia Militar de Minas Gerais
Aquele episoacutedio marcante ndash que provocou quebra de paradigmas no Brasil
inteiro no seio das Poliacutecias Militares ndash embora tenha sido justo e necessaacuterio naquele
contexto histoacuterico - foi duramente repreendido com base na vedaccedilatildeo constitucional
do artigo 142 sect 3ordm Todos aqueles militares que aderiram ao aludido movimento
grevista - mesmo que de forma paciacutefica e ordeira - foram excluiacutedos dos quadros da
Poliacutecia Militar com perda da funccedilatildeo puacuteblica e ainda submetidos agraves iras da justiccedila
militar estadual como incursos em processos criminais por crime militar de motim
previsto no artigo 149 cc 368 do Coacutedigo Penal Militar
Qual seria entatildeo a consequecircncia criminal se o quadro acima tivesse ocorrido
no acircmbito civil Qualquer que seja sua classe ou profissatildeo muito provavelmente
natildeo haveria demissotildees eou processos criminais por que seriam cidadatildeos civis e
por conseguinte livres para exercerem o direito de greve que eacute vedado ao militar
25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
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tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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25
A pequena explanaccedilatildeo episoacutedica serve de reflexatildeo para demonstrar quatildeo
forte eacute a diferenccedila entre o cidadatildeo civil e o militar cujo uacuteltimo tecircm sua vida
profissional e pessoal pautada por normas de direitos e garantias totalmente
distintas
Devemos partir da premissa de que a igualdade deve ser procurada no
tratamento dado dentro de cada nicho societaacuterio ou seja na sociedade civil todos os
cidadatildeos detentores de direitos e deveres igualitaacuterios devem receber tratamento
isonocircmico perante a lei civil jaacute dentro dos quarteacuteis seja nas Forccedilas Armadas ou nas
Poliacutecias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares seus integrantes devem na
mesma medida serem iguais perante a lei militar
Poderiacuteamos arguir malferimento ao princiacutepio da igualdade se o cidadatildeo civil
que cometesse um homiciacutedio fosse julgado perante um escabinato na Justiccedila Militar
Estadual certamente natildeo existiria aiacute igualde para se fazer justiccedila Da mesma forma
natildeo pode ser entendida como esdruacutexula a ideacuteia de que o julgamento de um militar
acusado de homiciacutedio ndash mesmo que contra a vida de civil ndash seja julgado por seus
semelhantes no acircmbito da justiccedila militar por se tratar de crime militar Natildeo se pode
querer equiparar o civil ao militar ou vice-versa pois satildeo diferentes perante a Lei
Ressalta-se que a Justiccedila Militar existe em funccedilatildeo do estado de militar tal
como a Justiccedila comum para o estado de civil justificando portanto a existecircncia
dessa justiccedila especializada pela necessidade de aplicaccedilatildeo de um ordenamento
juriacutedico especial (coacutedigos estatutos regulamentos disciplinares) que impotildee deveres
e obrigaccedilotildees severas no controle da vida e accedilotildees de jurisdicionados especiais pela
natureza de suas profissotildees e em tudo inteiramente distintas de qualquer outra
classe
As corporaccedilotildees militares se assentam em dois pilares quais sejam a
disciplina e a hierarquia Dessa forma os militares que dispotildee da forccedila e exercitam
poderes em nome do Estado Democraacutetico necessitam de controle riacutegido para
assegurar a eficiecircncia e respeito aos direitos dos cidadatildeos em defesa da sociedade
civil Esse controle eacute exercido justamente pela justiccedila militar que eacute especial em
funccedilatildeo da condiccedilatildeo sui generis do seu jurisdicionado
Eacute de bom alvitre que defendamos a manutenccedilatildeo firme da justiccedila militar com a
competecircncia que lhe atribuiu o constituinte originaacuterio visando assegurar as
garantias individuais do jurisdicionado militar para que suas condiccedilotildees especiais da
vida militar natildeo seja ignorada por julgadores que desconhecem as especificidades
da classe
26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
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8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
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ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
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Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
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26
Por isso eacute mais que razoaacutevel a exigecircncia de um corpo especiacutefico de normas
(Coacutedigo Penal e Processual Penal Militar) e tambeacutem um oacutergatildeo julgador
especializado (Justiccedila Militar) Como lecionou o Ministro Moreira Alves do Supremo
Tribunal Federal8
[] sempre haveraacute uma Justiccedila Militar pois o juiz singular por mais competente que seja natildeo pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas( ALVES 2012)
Por mais competente que seja qualquer julgador natildeo pode conhecer das
idiossincrasias da carreira das armas natildeo estando pois em condiccedilotildees de ponderar
a influecircncia de determinados iliacutecitos na hierarquia e disciplina das Forccedilas Armadas e
das Forccedilas Auxiliares (Poliacutecias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) Assim
natildeo eacute diferente com o tribunal do juacuteri que eacute composto por cidadatildeos civis que natildeo
conhecem a natureza da profissatildeo e da vida militar
Os militares satildeo servidores investidos de carreira militar cuja missatildeo preciacutepua eacute a garantia e estabilidade agrave sociedade por intermeacutedio de um serviccedilo puacuteblico essencial de forma contiacutenua e ininterrupta visto que eacute proibida a greve para os militares
Vale ainda ressaltar que a hierarquia e a disciplina satildeo bens juriacutedicos
tutelados pela lei penal militar a que estaacute sujeito o servidor militar em tempo de paz
e em tempo de guerra conforme dispotildee o Coacutedigo Penal Militar Portanto eacute
necessaacuteria a existecircncia de uma justiccedila militar que eacute especializada em razatildeo da
diferenccedila entre cidadatildeo civil e cidadatildeo militar prevista pela proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1988
Ademais o crime praticado pelo militar em serviccedilo e o praticado pelo cidadatildeo civil satildeo de natureza diferentes vejamos aquele age em nome do Estado que o recruta no seio da sociedade o prepara e adestrando-lhe o transforma em militar armado para a manutenccedilatildeo da ordem garantir a defesa da paacutetria e a seguranccedila da sociedade agindo assim em nome do Estado eacute por oacutebvio diferente do cidadatildeo civil
Nesse entendimento preleciona Nelson Hungria9 ldquoimprescindiacutevel a existecircncia
de uma jurisdiccedilatildeo especial para os crimes previstos pela lei militar Natildeo se estriba
em privileacutegio a indiviacuteduos mas nas proacuteprias razotildees da vida do Estado Sem
disciplina natildeo haacute subordinaccedilatildeo nem seguranccedila A disciplina eacute a vida e a forccedila dos
Exeacutercitosrdquo
8 Citado por Joseacute Barroso Filho magistrado da Justiccedila Militar da Uniatildeo em artigo no site
lthttpwwwibdccomjusticamilitarhtmlgt Acesso em 20 out 2012 9 Cf Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar promovido pela Base Aeacuterea
de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito 2 Juiz Corregedor-Geral da Justiccedila Militar e Vice-Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul Disponiacutevel em lt httpwww jusmiliariscombr gtAcesso em 31 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
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8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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35
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promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
27
Os militares satildeo diferentes por que satildeo disciplinados por imposiccedilatildeo legal sem
a qual ldquoseus membros podem converter-se em bandos armados com riscos para o
cidadatildeo as instituiccedilotildees civis e o proacuteprio regime democraacutetico Natildeo haacute democracia
sem o estrito controle da forccedila armada Eacute fundamental que os atos dos seus
integrantes sejam julgados com isenccedilatildeo por quem conheccedila na intimidade os
diferentes fatores interferentes em suas accedilotildees (riscos elementos psicoloacutegicos e
culturais aspectos teacutecnicos e operacionais e os fatores criminoacutegenos) de forma a
assegurar-lhes tranquilidade e serenidade para o desempenho de suas funccedilotildees e
infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da leirdquo
(SOUZA 2005)
Segundo Joatildeo Barbalho10 rdquoo foro especial eacute uma condiccedilatildeo de boa
administraccedilatildeo da justiccedila mas soacute para o crime que ele praticar como soldado Os
fatos praticados como cidadatildeo caem sob a alccedilada da jurisdiccedilatildeo comumrdquo
(BARBALHO 2005) Em razatildeo de tudo disso ao contraacuterio do que pensam que a
justiccedila militar eacute justiccedila de privileacutegio entendemos ser necessaacuteria sob pena de termos
classe de militares jurisdicionados na justiccedila comum ferindo o princiacutepio da equidade
A propoacutesito como jaacute decidiu o Supremo Tribunal Federal
Princiacutepio isonocircmico Coacutedigo Penal e Coacutedigo Penal Militar O tratamento diferenciado decorrente dos referidos Coacutedigos tem justificativa constitucionalmente aceitaacutevel em face das circunstacircncias peculiares relativas aos agentes e objetos juriacutedicos protegidos A disparidade na disciplina do crime continuado natildeo vulnera o princiacutepio da igualdade (RT 682398)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal-STF tambeacutem jaacute decidiu que o princiacutepio
do devido processo legal significa ldquoa garantia plena de um julgamento imparcial
justo regular e independenterdquo desenvolvendo-se em muacuteltiplos contornos isto eacute
ldquogarantia de ampla defesa garantia do contraditoacuterio igualdade entre as partes
perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processanterdquo11
Como jaacute se postulou o Conselho de Justiccedila Especial ou Permanente formado pelo escabinato embora natildeo expresso na Constituiccedilatildeo de 1988 constitui-se em um direito conferido ao jurisdicionado militar e que pratique crime militar Nesse sentido se haacute o reconhecimento de crime militar seja proacuteprio ou improacuteprio o julgamento deve ele ser levado a efeito pelo oacutergatildeo que confira a maior equidade na persecuccedilatildeo da justiccedila o Conselho de Justiccedila (escabinato)
10
Joatildeo Barbalho Uchocirca Cavalcanti in Constituiccedilatildeo Federal Brasileira ndash Comentaacuterios 2a ed Rio de Janeiro 11
Pedido de Extradiccedilatildeo nordm 633Repuacuteblica da China j 2981996 Rel Min Celso de Mello DJU de 642001 paacuteg 67 Citado em O Princiacutepio do devido processo legal revisitado Seacutergio Luiz Wetzel de Mattos Revista da AJURIS v 32 nordm 97 Porto Alegre pp 270 e 273
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
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Paulo Revista dos Tribunais 2012
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ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista
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promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
28
8 CONCLUSAtildeO
Quando nesta Paacutetria se cultuarem com mais prazer a verdade e o meacuterito mesmo que natildeo rendam dividendos agrave vaidade agrave notoriedade e agrave fatuidade tatildeo em moda eacute de se esperar-se que surjam cientistas sociais entre tantos emeacuteritos que enriqueccedilam a sociologia com a pesquisa sobre a contribuiccedilatildeo das poliacutecias militares na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (Laurentino de Andrade Filore Juiz aposentado do Tribunal de Justiccedila Militar de Minas Gerais)
A Emenda Constitucional n 4504 veio a nosso ver pacificar em parte o
entrevero juriacutedico trazido pela Lei nordm 929996 sobretudo com a equivocada
inserccedilatildeo do paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar-CPM Mas embora
tenha constitucionalizado a questatildeo controversa natildeo resolveu ou melhor natildeo
alterou a natureza do crime doloso contra a vida de civis praticado por militar
estadual que continua sendo crime militar por forccedila da previsatildeo normativa do artigo
9ordm do CPM
Sabemos que a Lei n 929996 que objetivou tirar a competecircncia da justiccedila
militar para processar e julgar seus jurisdicionados sobretudo nos crimes dolosos
contra a vida de civis tem suas raiacutezes em recalques oriundos de eventos preteacuteritos
amplamente explorados pela miacutedia
Eacute importante sempre frisar que foram eventos isolados ocorridos em Estados
diferentes da Federaccedilatildeo onde os costumes o modus operandi de criminosos bem
como a taacutetica empregada pela Poliacutecia Militar satildeo diferentes Aliado a tudo isso todos
esses episoacutedios ocorreram dentro de uma sociedade abandonada pelo poder
puacuteblico onde a violecircncia e a miseacuteria jaacute estavam arraigadas
Eacute por demais temeroso atribuir somente agrave Poliacutecia Militar ou agrave Justiccedila Militar o
ocircnus por episoacutedios lamentaacuteveis como aqueles Eacute preciso analisar o contexto geral
que propiciou a eclosatildeo de toda aquela violecircncia A Poliacutecia Militar eacute apenas um vetor
nesta linha de acontecimentos e a Justiccedila Militar jamais se furtou em julgar e
condenar os verdadeiros culpados
Devemos lembrar ainda que quando o Estado se ausenta cede lugar ao
crime organizado a proliferaccedilatildeo de bandidos de analfabetos e de famintos gerando
uma espeacutecie de ldquoEstado-Paralelordquo em cujo submundo a Poliacutecia Militar eacute em muitas
das vezes quiccedilaacute sempre a uacutenica representaccedilatildeo estatal presente
Eacute de bom alvitre tambeacutem lembrar que a missatildeo constitucional dada agrave Poliacutecia
Militar eacute a do policiamento ostensivo fardado que funcionaria muito bem diante da
ausecircncia do delito entretanto sabemos que com a ausecircncia do Estado nos grandes
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
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1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
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Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
REFEREcircNCIAS
ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e
a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de
agosto de 2012
ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005
ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios
doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed
2010 Juruaacute
BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Brasiacutelia Senado 1988
BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal
Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo
Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE
Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012
BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do
Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo
lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012
CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar
Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal
11 ed Satildeo Paulo Saraiva
CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira
2003
35
LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999
MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS
GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo
Horizonte Assembleia Legislativa 1989
MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2012
NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da
Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em
lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012
OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)
1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas
2004
ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista
de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17
ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar
estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e
Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010
Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande
do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar
promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
29
ldquobolsotildeesrdquo da sociedade fomenta o crime que germina transformando
obrigatoriamente a prevenccedilatildeo em repressatildeo obrigatoacuteria diante do delito praticado
e que via- de- regra cabe tambeacutem agrave Poliacutecia Militar
Aliado a todos esses fatos natildeo se pode esquecer que a Poliacutecia Militar padece
haacute anos de valorizaccedilatildeo A realidade que muitas das vezes natildeo eacute enxergada pelo
poder puacuteblico e muito menos pelo legislador eacute de uma Poliacutecia despreparada
obviamente pela ausecircncia de treinamento e capacitaccedilatildeo condizente com a profissatildeo
Tudo isso aliado aos baixos salaacuterios - que propiciam agrave corrupccedilatildeo por se tratar de
seres humanos que padecem das mesmas necessidades e desejos de seus
semelhantes ndash as Corporaccedilotildees Policiais Militares satildeo desprovidas de equipamentos
adequados ou seja material de trabalho para combater o crime pesado leia-se
armamentos coletes baliacutesticos e viaturas descentes
Sabemos que teve no passado tem-se no presente e teraacute no futuro
problemas de ordem poliacutetica e social que natildeo se resume tatildeo somente na violecircncia
policial A violecircncia policial existe na proporccedilatildeo do crime instalado no seio da
sociedade pois lhe eacute dado o dever de combatecirc-lo muitas das vezes necessitando
fazer uso da forccedila inclusive letal
Os desvios de conduta tambeacutem existiram e vatildeo existir pois satildeo da natureza
humana mas pode-se afirmar categoricamente jamais fizeram parte dos
ensinamentos doutrinaacuterios das Corporaccedilotildees Militares e natildeo menos deixaram de ser
julgados pela justiccedila militar Os que desviaram da conduta militar certamente foram
punidos severamente isso eacute fato basta que busquemos conhecer um pouco mais a
vida intra murus das Poliacutecias Militares do Brasil
Esgotado o necessaacuterio trajeto que buscou mostrar um pouco da realidade
policial militar volta-se entatildeo agrave verdadeira motivaccedilatildeo do legislador para alterar a
competecircncia da justiccedila militar no julgamento de seus jurisdicionados acusados de
crime doloso contra a vida de civis Alerta-se que natildeo foi a violecircncia policial a grande
motivaccedilatildeo legislativa pois a violecircncia sempre existiu volto a afirmar em episoacutedios
isolados e pontuais da histoacuteria mas sim um maquiaveacutelico anseio poliacutetico de algumas
pessoas marcadas pelo preconceito e visotildees distorcidas e recalcadas sobretudo
em relaccedilatildeo agraves Poliacutecias Militares
Deve-se lembrar que com o advento da Lei n 929996 a reaccedilatildeo das Forccedilas
Armadas foi imediata e em pouco tempo o Superior Tribunal Militar declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade da norma no que se referia agrave inserccedilatildeo do
paraacutegrafo uacutenico ao artigo 9ordm do Coacutedigo Penal Militar (RC nordm 6348-5-PE)
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
REFEREcircNCIAS
ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e
a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de
agosto de 2012
ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005
ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios
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2010 Juruaacute
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Brasiacutelia Senado 1988
BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal
Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo
Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE
Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012
BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do
Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo
lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012
CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar
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CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira
2003
35
LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999
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Horizonte Assembleia Legislativa 1989
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Paulo Revista dos Tribunais 2012
NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da
Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em
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OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)
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2004
ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista
de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17
ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar
estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e
Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010
Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande
do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar
promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
30
Restou entatildeo agraves justiccedilas militares no acircmbito dos Estados a inseguranccedila
juriacutedica trazida pela malfadada Lei levando agrave submissatildeo da oacuterbita civil o militar
estadual O advento da Emenda Constitucional 4504 a nosso ver natildeo resolveu a
questatildeo muito pelo contraacuterio culminou por jogar a derradeira ldquopaacute de calrdquo mandando
dessa feita por ordem constitucional agrave juacuteri popular os militares estaduais enquanto
que em nada alterava em relaccedilatildeo aos integrantes das Forccedilas Armadas
Natildeo existe razatildeo juriacutedica para a alteraccedilatildeo produzida na justiccedila militar
estadual A ira do legislador infraconstitucional ratificada pelo constituinte derivado
gerou diferenccedilas desmedidas e sem pressuposto loacutegico O certo eacute que o fato
ocorreu e a norma estaacute posta em que pese padecer de viacutecio de
inconstitucionalidade
Essa pesquisa posiciona-se no sentido de sustentar a inconstitucionalidade
da Emenda Constitucional n 4504 no que tange agrave modificaccedilatildeo do sect 4ordm do artigo 125
da Constituiccedilatildeo de 1988 eacute plenamente palpaacutevel sob o prisma constitucional posiccedilatildeo
essa tambeacutem defendida por Ciacutecero Robson Coimbra12 ldquopois eacute clara a supressatildeo de
direitos individuais ao negar o julgamento pelo escabinato a um militar do Estado ao
mesmo passo que natildeo possui um discriacutemen calcado em pressuposto loacutegicordquo
(COIMBRA 2011 p34)
Sabemos que a intenccedilatildeo do constituinte derivado natildeo era trazer ao universo
juriacutedico um novo direito individual mas sim suprimi-lo O legislador constitucional
deveria ter sido mais cauteloso e se quisesse de fato reforccedilar o mandamento
preconizado pelo artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo de 1988 deveria entatildeo tecirc-lo
feito para todos os crimes dolosos contra a vida qualquer que fosse a viacutetima e
qualquer que fosse o acusado
Os postulados do Estado Democraacutetico de Direito passam pela dignidade da
pessoa humana em que todo cidadatildeo militar ou natildeo merece o condigno tratamento
de ser julgado por um juiacutezo imparcial e que busque sob todos os prismas decisotildees
comprometidas com o justo e natildeo com vinganccedila Seraacute que um policial militar
acusado de crime contra um civil teraacute um julgamento imparcial por parte daquele
civil leigo que eacute parte integrante da sociedade civil parece oacutebvio que natildeo
12
1ordm Ten PM servindo na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministeacuterio Puacuteblico de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Penal pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor de Direito Penal Militar da Academia de Poliacutecia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especializaccedilatildeo de Oficiais em Poliacutecia Judiciaacuteria Militar na Corregedoria da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo Disponiacutevel em lthttp WWWjusmlitaricombrgt
Acesso em 30 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
REFEREcircNCIAS
ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e
a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de
agosto de 2012
ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005
ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios
doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed
2010 Juruaacute
BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Brasiacutelia Senado 1988
BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal
Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo
Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE
Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012
BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do
Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo
lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012
CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar
Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal
11 ed Satildeo Paulo Saraiva
CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira
2003
35
LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999
MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS
GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo
Horizonte Assembleia Legislativa 1989
MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2012
NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da
Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em
lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012
OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)
1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas
2004
ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista
de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17
ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar
estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e
Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010
Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande
do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar
promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
31
Considerando que as emendas constitucionais podem sim padecer de
inconstitucionalidade perante o controle concentrado ou difuso nos resta apontar os
argumentos juriacutedicos que nos levam a esse entendimento a respeito da Emenda
Constitucional n 4504 pois nessa esteira propugna unanimemente a doutrina a
exemplo de Alexandre de Moraes que apoacutes enumerar o dispositivo legal limitador
para o Poder Constituinte derivado expotildee que eacute ldquoplenamente possiacutevel a incidecircncia
do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado sobre emendas
constitucionais a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou natildeo a partir da
anaacutelise do respeito aos paracircmetros fixados no art 60 da Constituiccedilatildeo Federal para a
alteraccedilatildeo constitucionalrdquo (MORAES 2010 p 564)
Em princiacutepio partindo do pressuposto de que o escabinato eacute um direito
individual do jurisdicionado militar acusado de crime militar seja ele proacuteprio ou
improacuteprio e o homiciacutedio doloso praticado por militar contra civil natildeo deixou de ser
crime militar deve-se averiguar se os dispositivos inovadores trazidos pela Emenda
Constitucional 4504 importam em uma retraccedilatildeo uma aboliccedilatildeo dessa garantia
individual porquanto se assim se entender haveraacute flagrante inconstitucionalidade
conforme sustenta o eminente (Ciacutecero Robson Coimbra)
Entendemos que o mandamento dado ao artigo 5ordm XXXVIII d da Constituiccedilatildeo
de 1988 deveraacute ser interpretado restritivamente porquanto o entendimento diverso
levaria todos os acusados - sem distinccedilatildeo - de crimes dolosos contra a vida ao
julgamento perante o tribunal do juacuteri poreacutem o mandamento constitucional originaacuterio
e reafirmado pela Emenda Constitucional n 4504 natildeo propugna nesse sentido
Tendo como base na interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 5ordm XXXVIII d da
Constituiccedilatildeo de 1988 chega-se a conclusatildeo de que ao estabelecer condiccedilotildees
distintas para o jurisdicionado militar a partir de norma penal proacutepria e de uma
justiccedila especializada quis o constituinte originaacuterio estabelecer o juiacutezo natural para
conhecer processar e julgar os crimes militares definidos em lei que natildeo eacute outro
senatildeo o juiacutezo militar na forma do escabinato
A partir do magisteacuterio de Ciacutecero Robson Coimbra comunga-se com a ideacuteia de
que Emenda Constitucional n 4504 atendeu a um anseio poliacutetico de pessoas
preconceituosas que miraram na Poliacutecia Militar visando atingir seu maior valor a
garantia constitucional de seus integrantes gerando diferenccedilas desmedidas e sem
pressuposto loacutegico (Ciacutecero Robson Coimbra)
O jurisdicionado militar ao ser submetido ao julgamento por cometimento de
crime militar perante um colegiado civil e no acircmbito da justiccedila comum natildeo estaacute
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
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Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
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REFEREcircNCIAS
ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e
a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de
agosto de 2012
ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005
ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios
doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed
2010 Juruaacute
BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Brasiacutelia Senado 1988
BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal
Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo
Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE
Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012
BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do
Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo
lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012
CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar
Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal
11 ed Satildeo Paulo Saraiva
CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira
2003
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LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999
MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS
GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo
Horizonte Assembleia Legislativa 1989
MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2012
NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da
Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em
lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012
OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)
1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas
2004
ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista
de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17
ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar
estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e
Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010
Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande
do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar
promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
32
tendo tratamento igualitaacuterio pois na condiccedilatildeo de militar natildeo eacute igual perante a
legislaccedilatildeo civil quando se tratar de crime previsto no ordenamento militar Esse
tratamento discriminatoacuterio ordenado pelo constituinte derivado fere a garantia
constitucional originaacuteria preconizada no artigo 5ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal
ldquotodos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza []rdquo (CR88)
Voltamos a frisar que a Emenda Constitucional n 4504 natildeo alterou o codex
militar logo todo e qualquer dos crimes previstos no artigo 9ordm daquele diploma legal
tecircm natureza militar Entatildeo pergunta-se perante qual lei haveraacute igualdade para o
militar que comete crime militar A resposta nos parece demasiadamente oacutebvia
Nesse contexto sustentamos com firmeza que o escabinato eacute uma garantia
constitucional individual do jurisdicionado militar natildeo podendo ser suprimida por
emenda do constituinte derivado pois assim assegura o artigo 60 sect 4ordm IV da
Constituiccedilatildeo de 198813 porquanto os julgamentos colegiados tradicionalmente
realizados na justiccedila militar por mais de um seacuteculo sem sombra de duacutevidas guarda
maior proximidade com a situaccedilatildeo sub judice e portanto possibilita o maior acerto
nas decisotildees com garantismo constitucional e seguranccedila juriacutedica
Nesse prisma a Emenda Constitucional n 4504 deve ser atacada com os
instrumentos de controle de constitucionalidade previstos na Constituiccedilatildeo de 1988
naquilo que afeta a Justiccedila Militar Estadual por padecer de viacutecio material de
inconstitucionalidade
Esse combate deveraacute ser sem receios nem recalques apenas para resgatar a
dignidade do jurisdicionado militar no que tange sua garantia individual de ser
julgado pelo escabinato na justiccedila militar pois soacute assim se consolida a democracia
em um Estado de Direito
Segundo o magisteacuterio de Alexandre de Moraes a proposta de emenda
constitucional que tende a abolir direitos e garantias individuais natildeo poderaacute sequer
ser objeto de deliberaccedilatildeo pois tais garantias residiriam no nuacutecleo riacutegido da
Constituiccedilatildeo Federal
Lembremo-nos ainda de que a grande novidade do referido art 60 estaacute na inclusatildeo entre as limitaccedilotildees ao poder de reforma da Constituiccedilatildeo dos direitos inerentes ao exerciacutecio da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais que por natildeo se encontrarem restritos ao rol do art 5ordm resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caraacuteter individual dispersos no texto da Carta Magna (MORAES 2010 p 673)
13
Natildeo seraacute objeto de deliberaccedilatildeo a proposta de emenda tendente a abolir [] os direitos e garantias individuais
(art60 sect 4ordm IV da Constituiccedilatildeo de 1988)
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
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REFEREcircNCIAS
ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e
a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de
agosto de 2012
ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005
ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios
doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed
2010 Juruaacute
BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Brasiacutelia Senado 1988
BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal
Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo
Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE
Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012
BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do
Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo
lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012
CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar
Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal
11 ed Satildeo Paulo Saraiva
CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira
2003
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LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999
MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS
GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo
Horizonte Assembleia Legislativa 1989
MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2012
NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da
Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em
lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012
OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)
1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas
2004
ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista
de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17
ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar
estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e
Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010
Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande
do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar
promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
33
Citado por Moraes (MENDES et al 1999) sugere que o controle de
constitucionalidade das emendas constitucionais no que tange agraves claacuteusulas peacutetreas
essas traduzem em verdade um esforccedilo do constituinte para assegurar a
integridade da constituiccedilatildeo obstando a que eventuais reformas provoquem a
destruiccedilatildeo o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanccedila de identidade pois
a constituiccedilatildeo contribui para a continuidade da ordem juriacutedica fundamental agrave medida
que impede a efetivaccedilatildeo do teacutermino do Estado democraacutetico sob a forma da
legalidade evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a
proacutepria constituiccedilatildeo
Entende-se que ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual acusado de crime militar de ser julgado perante a justiccedila militar o
constituinte derivado atingiu o nuacutecleo intangiacutevel da Constituiccedilatildeo de 1988
Dessa forma conforme leciona Sydney Sanches o constituinte derivado
deveria ter deparado com um obstaacuteculo intransponiacutevel contido no art 60 sect 4ordm IV da
constituiccedilatildeo de 1988 ao suprimir a garantia individual do jurisdicionado militar
estadual em relaccedilatildeo ao escabinato (SANCHES et al 2010)
Segundo Eurico Zecchin Maiolino
o controle da constitucionalidade das normas produzidas pelo Poder de Reforma Constitucional contudo em cotejo com as normas de limitaccedilotildees tem aceitaccedilatildeo histoacuterica tanto pela jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal quanto pela doutrina brasileira e estrangeira (MAIOLINO 2012 p 122)
O Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardiatildeo da constituiccedilatildeo jaacute
admite o controle de constitucionalidade das emendas reformadores desde 1926
(HC 18178 de 27 e 2809 e 1ordm 101926)
Sob a eacutegide da Constituiccedilatildeo de 1988 o primeiro acoacuterdatildeo proferido no sentido
de acatamento de controle de constitucionalidade das emendas aconteceu no
julgamento da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade 939DF
Dentro desse paradigma entende-se que a Emenda Constitucional n 4504
eacute inconstitucional pois fere a garantia individual do jurisdicionado militar que tem o
direito constitucional de ser julgado pela justiccedila militar Eacute inconstitucional ainda
porque natildeo obedeceu a regra delimitadora prevista no artigo 60 sect 4ordm inciso IV da
Constituiccedilatildeo de 1988 por isso deve sofrer o devido controle de constitucionalidade
atraveacutes de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
34
REFEREcircNCIAS
ASSIS Jorge Cesar de A Reforma Constitucional do Poder Judiciaacuterio e do MP e
a Justiccedila Militar Disponiacutevel em lthttpwwwjusmilitariscombrgt Acesso em 20 de
agosto de 2012
ASSIS Jorge Ceacutesar NEVES Ciacutecero Robson Coimbra e CUNHA Fernando Luiz Liccedilotildees de Direito para a atividade das Poliacutecias Militares e das Forccedilas Armadas Curitiba Juruaacute 2005
ASSIS Jorge Cesar de Comentaacuterios ao Coacutedigo Penal Militar comentaacuterios
doutrinas jurisprudecircncia dos tribunais militares e tribunais superiores7ordf ed
2010 Juruaacute
BRASILConstituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Brasiacutelia Senado 1988
BRASIL Decreto-Lei n 1001 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo Penal
Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIL Decreto-lei 1002 de 21 de outubro de 1969 Institui o Coacutedigo de Processo
Penal Militar Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Brasiacutelia 21 out 1969
BRASIacuteLIA Superior Tribunal Militar RECURSO CRIMINAL Nordm 6348-5-PE
Disponiacutevel em lthttpwwwstmgovbrgt Acesso em 20 out2012
BARRETO Muniz Trecho da carta escrita por em 1893 publicada no Jornal do
Exeacutercito de Portugal n 306 ndash Disponiacutevel em ldquoDireito Militarrdquo
lthttpwwwdomaincombrclientesarrudagt Acesso em 30 out 2012
CORREcircA Univaldo A Evoluccedilatildeo da Justiccedila Militar no Brasil ndash in Direito Militar
Histoacuteria Doutrina e Artigos ineacuteditos Florianoacutepolis AMAJME 2002 Processo Penal
11 ed Satildeo Paulo Saraiva
CHALITA Gabriel Os dez mandamentos da eacutetica Rio de Janeiro Nova Fronteira
2003
35
LOBAtildeO Ceacutelio Direito Penal Militar Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 1999
MORAES Alexandre Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 MINAS
GERAIS Constituiccedilatildeo (1989) Constituiccedilatildeo do Estado de Minas Gerais Belo
Horizonte Assembleia Legislativa 1989
MAIOLINO Eurico Zecchin Poder de Reforma Constitucional ndash Limitaccedilotildees ndash Satildeo
Paulo Revista dos Tribunais 2012
NEVES Ciacutecero Robson Coimbra A reforma da Justiccedila Militar em face da
Emenda Constitucional nordm 45 Disponiacutevel em
lthttpwwwjusmilitariscombrgtAcesso em 20 out 2012
OLIVEIRA Antocircnio de Introduccedilatildeo agrave Metodologia cientiacutefica (aplicada ao Direito)
1ordf ed Belo Horizonte Universidade FUMEC ndash Faculdade de Ciecircncias Humanas
2004
ROCHA Fernando Galvatildeo Tribunal do Juacuteri na Justiccedila Militar Estadual Revista
de Estudos e Informaccedilotildees Belo Horizonte Ano 2006 n 17
ROTH Ronaldo Joatildeo O princiacutepio constitucional do juiz natural a Justiccedila Militar
estadual a Poliacutecia Judiciaacuteria Militar e a Lei n 92991996 Revista de Estudos e
Informaccedilotildees Belo Horizonte out 2010
Souza Octavio Augusto Simon de Juiz Corregedor da Justiccedila Militar do Rio Grande
do Sul em Palestra proferida em 17062005 no II Seminaacuterio de Direito Militar
promovido pela Base Aeacuterea de Santa Maria e pela III Divisatildeo de Exeacutercito disponiacutevel
em lthttpwwwjusmilitaricombrgt Acesso em 25 out 2012
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