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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE HISTÓRIA
O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL À LUZ DE
DIFERENTES CORRENTES HISTORIOGRAFICAS
EMILY DOROTHY FIGUEIREDO PEREIRA
Natal, RN
2015
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EMILY DOROTHY FIGUEIREDO PEREIRA
O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL À LUZ DE
DIFERENTES CORRENTES HISTORIOGRAFICAS
Monografia apresentada ao curso de História da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da Profa.
Dra. Crislane Barbosa Azevedo, para avaliação da disciplina
Pesquisa Histórica II.
Natal, RN
2015
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EMILY DOROTHY FIGUEIREDO PEREIRA
O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL A LUZ DAS
CORRENTES HISTORIOGRAFICAS
Monografia apresentada ao curso de História do Centro de
Ciências Humanas Letras e Artes, da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, para avaliação da disciplina de
Pesquisa Histórica II.
Aprovada em _____/ _____/ ______
COMISSÃO EXAMINADORA:
Profa. Crislane Barbosa Azevedo (Presidente)
Departamento de Práticas Educativas e Currículo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Profa. Conceição Guilherme Coelho (Membro)
Departamento de História
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Prof. Wicliffe de Andrade Costa (Membro)
Departamento de História
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
4
Dedico este trabalho, aos meus pais e minhas avós, meus maiores exemplos de caráter, amor,
fé e perseverança.
5
AGRADECIMENTOS
À Deus, meu melhor amigo, minha fortaleza, meu socorro sempre presente, a razão da
minha vida, meu maior amor.
Aos meus pais, por sempre acreditarem em mim e me ajudarem nessa caminhada.
Ao Paulo Henrique, por ser o melhor namorado do mundo e estar ao meu lado em
todos os momentos sempre disposto a me ajudar e me deixar feliz.
As minhas grandes amigas, Débora Quezia e Franciane Monara, companheiras de
trabalhos e aventuras, por sempre estarem presentes na minha formação acadêmica e pessoal.
À Crislane, por toda compreensão, paciência e ensinamentos que levarei pela vida
toda.
6
“Se não sabes, aprende; se já sabes, ensina”.
(Confúcio)
7
RESUMO
Essa pesquisa consiste em demonstrar quais as contribuições das três principais correntes
historiográficas da História: Positivismo, Marxismo e Nova História, para o ensino da
disciplina no Brasil. Para tanto, utilizamos para esse trabalho como caminho metodológico a
pesquisa teórico-bibliográfica tomando por base para a reflexão teórica as obras de Arostegui
(2006), Barros (2011) e Reis (2004). A ideia para a realização dessa pesquisa surgiu a partir
do desejo em saber quais foram as principais correntes de pensamentos que influenciaram o
ensino de História no Brasil. A problemática da pesquisa parte do seguinte questionamento:
que suportes teórico-metodológicos da História têm embasado o ensino da disciplina no Brasil
nos séculos XIX e XX?
Palavras-chave: Ensino de História – Teoria da História.
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ABSTRACT
This research is to demonstrate that the contributions of the three mainstream historiography
of history: positivism, Marxism and New History, for teaching the discipline in Brazil.
Therefore, we use for this work as theoretical and methodological approach to literature
taking as a basis for theoretical reflection the works of Arostegui (2006), Barros (2011) and
Reis (2004). The idea to carry out this research came from the desire to know what were the
main currents of thought that influenced the teaching of history in Brazil. The problem of
search of the next question: what theoretical and methodological supports of history have
grounded the discipline of education in Brazil in the nineteenth and twentieth centuries?
Keywords: Education History - Theory of History.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
CAPÍTULO 1 – A PESQUISA...............................................................................................12
1.1 – O INÍCIO DA PESQUISA..............................................................................................12
1.2 – O CAMINHO ESCOLHIDO PARA A INVESTIGAÇÃO.............................................14
1.3 – AS PESQUISAS NAS ÁREAS DE FORMAÇÃO DOCENTE, ENSINO DE
HÍSTÓRIA E TEORIA DA HISTÓRIA..................................................................................15
1.4 – UMA BREVE EXPLICAÇÃO SOBRE A HISTÓRIA DA HISTÓRIA........................19
CAPÍTULO 2 – VERDADES ABSOLUTAS E DISTANCIAMENTO DA
SUBJETIVIDADE: PRINCÍPIOS DE UMA HISTÓRIA DITA TRADICIONAL.........22
2.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA METÓDICA.......................................................22
2.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS TEÓRICOS
METÓDICOS...........................................................................................................................30
CAPÍTULO 3 – HISTÓRIA E PROBLEMATIZAÇÃO DA SOCIEDADE: A BASE
MATERIAL E O PAPEL DOS SUJEITOS HISTÓRICOS...............................................41
3.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA MARXISTA........................................................41
3.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS TEÓRICOS
MARXISTAS............................................................................................................................50
CAPÍTULO 4 – HISTÓRIA RENOVADA: PLURALIDADE E PROBLEMATIZAÇÃO
DO CONHECIMENTO.........................................................................................................60
4.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA DA ESCOLA DO
ANNALES................................................................................................................................60
4.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS DA TERCEIRA FASE DA
ESCOLA DO ANNALES.........................................................................................................69
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................81
REFERÊNCIAS......................................................................................................................84
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INTRODUÇÃO
Partindo inicialmente do desejo de entender como um professor de História se porta
diante do seu ofício e que elementos estariam agregados a sua prática para ser considerado um
―bom‖ docente e para que sua aula seja, consequentemente, reconhecida como ―boa‖
desejávamos investigar no ensino da disciplina possíveis respostas. Outro ponto que sempre
nos chamou atenção e interesse em aprender mais foi a respeito das correntes historiográficas
e todo o seu impacto para o conhecimento histórico e o ensino. Diante disso, vimos ser
relevante e possível pesquisar os dois assuntos e relacioná-los. Foi nesse momento que
decidimos pesquisar como a teoria influencia a prática do professor e como isso pode
proporcionar uma aula proveitosa ou não.
Esse trabalho se constituiu a partir de pesquisa teórico-bibliográfica, e por meio dela
foi possível entender sobre as principais correntes historiográficas do século XIX e XX e suas
contribuições para o ensino da disciplina nos dias atuais analisando as mudanças e
continuidades. Por meio de exemplos foi possível mostrar para o leitor detalhadamente como
seria uma aula baseada em cada vertente historiográfica, para dessa forma ter clareza de como
as teorias se relacionam com a prática e afetam o ensino-aprendizagem.
No início do primeiro capítulo explanamos sobre a importância dos professores de
História portarem-se corretamente diante do seu ofício, entendendo as responsabilidades da
sua profissão e agindo de forma coerente e consciente, lembrando que são agentes
transformadores que devem saber usar as teorias e metodologias de forma adequada para
alcançar seu público alvo. Explico que não existe um modelo perfeito e único para os
docentes seguirem, pois cada período exige demandas específicas e comportamentos
diferentes e os professores devem se adaptar às mudanças, melhorar as práticas, fazer novas
escolhas e se adaptar às realidades apresentadas, buscando um ensino mais eficaz. Em
seguida apresento os caminhos que escolhi para desenvolver a pesquisa, tais como: a escolha
do tema, a metodologia adotada, a relevância do trabalho, a problemática seguida. Além
disso, faço um rápido esboço sobre as pesquisas atuais nas áreas de ensino de História e teoria
da História. Finalizo o primeiro capítulo apresentando uma breve explicação sobre a História
da História para poder introduzir melhor o conhecimento científico e abrir caminho para as
explicações sobre as teorias historiográficas.
No segundo capítulo, mostramos um resumo da História Metódica do século XIX e
como ela influência o ensino de História. No fim do capítulo apresento também um exemplo
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de como uma aula dessa disciplina poderia ser dada por um professor que segue os aportes
teóricos metódicos (tradicionais). O terceiro e quarto capítulo verifica-se a mesma
configuração do segundo, só que no terceiro abordamos sobre a História Marxista do século
XIX e no quarto a respeito da História a partir de princípios da Escola dos Annales do século
XX (renovada).
Nesses três últimos capítulos sempre apresentamos, no início deles, um resumo sobre
a história da respectiva corrente historiográfica, em seguida, citamos a relação que essa teoria
tem como o ensino escolar de história e finalizamos dando um exemplo de como uma aula
sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) pode mudar seguindo a influência dessa
determinada corrente em questão, para isso, mostramos detalhadamente como a aula se
configuraria nos quesitos, por exemplo; principais aspectos do conteúdo que seriam dados
ênfase, relação professor e aluno e avaliações.
É possível verificar por meio de todos os capítulos a relação existente entre teoria e
prática e também perceber, através dos exemplos, como o domínio de uma concepção
histórica muda completamente o conhecimento sobre a docência em História e o processo
ensino-aprendizagem.
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CAPÍTULO 1 – A PESQUISA
1.1 – O INÍCIO DA PESQUISA
É indiscutível a importância do professor de História na educação, seu ofício implica
grandes responsabilidades, principalmente, a de lidar com o tempo e suas transformações.
Compreendemos hoje, que um docente consciente da sua profissão sabe que é um sujeito
transformador, construtor de saberes e práticas de ensino, portando-se corretamente, não
como um amador, mas como um profissional que tem e sabe usar as teorias e as metodologias
adequadas para seu público alvo e sempre busca alcançar êxito no rendimento de seus alunos,
fazendo com que eles atinjam uma eficaz aprendizagem dos conteúdos estudados, além de
motivá-los a pensar criticamente e entender seu papel na sociedade.
Não é possível descrevermos um modelo único e perfeito para o docente de História
que se encaixe em um padrão a ser seguido de maneira atemporal em todas as instituições de
ensino do País, este que é tão cheio de diferenças, e que por si só é rico em diversidades,
pluralidades e singularidades e, sobretudo, por sabermos que o ensino deve ser pensando de
maneira contextualizada com seu tempo, passível de mudanças, visto através de diferentes
olhares e que passa por construções diversas ao longo do tempo. Diante disso, entendemos
que se os sistemas de ensino mudam e os agentes desse sistema inexoravelmente deverão se
adaptar a essas transformações.
O homem, de forma geral, é sujeito de seu tempo, de seu meio sócio-cultural, ele se
comporta segundo as demandas que lhe são apresentadas, e pelos contextos sociais que lhe
são pré-estabelecidos. Com as possibilidades oferecidas os homens buscam melhores formas
de viver, de interagir com o seu próximo, e assim, vão com o passar do tempo construindo as
suas próprias histórias.
Não podemos pensar o ensino de História no Brasil sem antes entendermos as
realidades vividas, os contextos, as influências que fizeram com que os professores se
portassem de formas diferentes ao longo do tempo seguindo determinadas correntes de
pensamentos historiográficos para nortearem seu ensino.
A ideia para a realização dessa pesquisa surgiu a partir do desejo em saber quais foram
as principais correntes de pensamentos que influenciaram o ensino de História no Brasil. A
proposta da pesquisa consiste em demonstrar quais as contribuições das teorias
historiográficas para o ensino da disciplina no Brasil, percebendo assim que suportes teórico-
metodológicos embasam o ensino de História em nosso país. Estaremos contribuindo para o
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campo histórico, por ser um trabalho que classificará as principais correntes historiográficas
(Metódica, Marxismo e Renovada) analisando como elas têm influenciado o ensino da
disciplina ao longo dos séculos XIX e XX.
Desenvolvemos a pesquisa seguindo como caminho metodológico a pesquisa teórico-
bibliográfica, situando-nos, especificamente, no campo do ensino no Brasil, entre os séculos
XIX e XX.
Sabemos que dominar variadas concepções teóricas proporciona ao professor de
História a compreensão dos significados e das possibilidades de definir e decidir sobre que
tipo de conhecimento será trabalhado em sala de aula para atender as especificidades de seu
público escolar. A compreensão de diversas concepções de História permite ao professor a re-
significação de objetivos de aprendizagem a serem alcançados pelos seus alunos e de práticas
de ensino que, se forem bem aplicadas, poderão contribuir para um ensino-aprendizado de
qualidade.
É preciso que o professor de História ganhe consciência da importância de entender os
princípios epistemológicos de sua área e, dessa forma, saiba os ―porquês‖ em seguir
determinadas concepções historiográficas, no sentido de explicitar para si mesmo, as
características da sua maneira de compreender o ato de ensinar História. Portanto, é crucial
constituir o espaço de reflexão teorizada sobre o ensinar, entender que teoria e prática estão
completamente relacionadas e que um bom professor deve dominar bem os suportes teórico-
metodológicos de sua disciplina para conseguir lidar melhor com o seu público alvo.
Existem diferentes saberes que influenciam a atividade docente, estes que são
entendidos como: ―saberes provenientes das instituições de formação, da formação
profissional, dos currículos e da prática cotidiana‖ (TARDIF, 2002, p.54).
Destacamos aqui os saberes disciplinares, estes que são os saberes dos professores
aprendidos durante a formação inicial, que depois irão ser reformulados e reconstruídos no
cotidiano da sala de aula, a partir dos saberes curriculares e da experiência adquirida e de
outros saberes científicos da formação continuada e do desenvolvimento profissional. Os
saberes disciplinares para Tardif (2002) são correspondentes aos diversos campos do
conhecimento sob a forma de disciplina — são saberes sociais definidos e selecionados pela
instituição universitária e incorporados na prática docente.
Segundo Tardif (2002), os saberes docentes são plurais, heterogêneos, pois trazem à
tona, no próprio exercício de trabalho, conhecimento e manifestações do saber-fazer e do
saber proveniente de fontes variadas, que englobam os conhecimentos, as competências, as
habilidades e as atitudes dos docentes no âmbito de sua prática profissional. Um docente bem
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preparado conhece bem os saberes disciplinares da sua área e consegue escolher
adequadamente os caminhos teórico-metodológicos para cada público escolar.
A pesquisa se faz importante na medida em que contribuirá para ajudar os professores
de História do nosso País a estarem cientes da importância de conhecer as principais correntes
historiográficas que influenciaram o ensino da disciplina e, assim, conseguirem fazer
adequadamente suas escolhas no planejamento das aulas e em sala colocar em prática e
alcançar seus alunos com um ensino mais consistente, embasado, relacionando teoria e
prática, colocando o aluno a aprendizagem do aluno como foco e assim buscando, o tempo
todo, diferentes ferramentas e mecanismos para alcançar uma aprendizagem eficaz.
1.2– O CAMINHO ESCOLHIDO PARA A INVESTIGAÇÃO
A problemática da pesquisa parte do seguinte questionamento: que suportes teórico-
metodológicos da História têm embasado o ensino de História ao longo dos séculos XIX e
XX? Partimos do pressuposto de que o lugar ocupado pelo professor de História no processo
de ensino tem mudado muito no decorrer das décadas devido à grande variedade de correntes
historiográficas que influenciaram o ensino de História no Brasil, mudou-se não apenas o
lugar do aluno, mas também o do professor. Variando desde aquele docente que apenas
reproduzia os conteúdos elaborados por outrem; passando pelo lugar daquele que ao
problematizar os conteúdos históricos a partir da realidade de seu público escolar provoca a
reflexão em seus alunos (AZEVEDO e STAMATTO, 2010).
A concepção de como ensinar História é sócio-histórica, estando inserida em uma
determinada esfera temporal. Ao dirigir um curso e pelas relações sociais do discurso em
classe, todo professor exprime sua opção política. Percebemos isso, por exemplo, no
momento em que o mesmo escolhe os livros a ler, as perguntas a serem feitas, o modelo da
sala de aula — tudo isso envolve uma escolha teórico-metodológica. Entendemos que mesmo
alguns docentes não tendo consciência das ações exercidas no seu ofício profissional, existem
princípios teóricos que as explicam e embasam suas posturas.
Acreditamos que é crucial constituir o espaço de reflexão teorizada sobre o ensinar
considerando os princípios epistemológicos da área. Conhecer amplamente as teorias
historiográficas e ter consciência e propriedade para explicar e defender suas posições
profissionais bem como suas escolhas teórico-metodológicas, é uma das coisas mínimas que
um professor de História deve saber fazer. Pois se não desempenhar tal tarefa não estará
15
agindo como um verdadeiro profissional, mas como um mero amador, que não é digno de
exercer seu ofício.
É importante que o professor perceba que as concepções históricas interferem no
ensino de História. Objetivos de aprendizagem, metodologia, lugar do aluno e do professor no
processo escolar e mesmo os conteúdos históricos selecionados podem ser diferentes se
trabalhados a partir de diferentes abordagens teóricas (AZEVEDO e STAMATTO, 2010, p.
18).
1.3 – AS PESQUISAS NAS ÁREAS DE ENSINO DE HISTÓRIA E TEORIA DA
HISTÓRIA.
Com a intenção de melhor explicitar a proposta da nossa pesquisa dialogaremos com
diferentes autores, apresentando como as leituras desses contribuíram para pensarmos a ideia
do trabalho que realizamos, este que tem como base dois pontos de partida para discussão:
ensino de História e teoria da História.
Tendo em vista a primeira temática da nossa pesquisa bibliográfica, os textos que mais
contribuíram para refletirmos sobre o ensino de História no Brasil foram dos respectivos
autores: Azevedo (2010), Azevedo e Lima (2010), Azevedo e Stamatto (2010), Bittencourt
(2005) e Lima (2009).
Azevedo (2010) analisa as mudanças e permanências por que passou o ensino de
História no Brasil no século XX, mostrando as possibilidades metodológicas de renovação
dos conteúdos e métodos da História ensinada atualmente. Já Azevedo e Lima (2010)
dedicam-se à reflexão acerca da incorporação de diferentes fontes e linguagens no ensino de
História.
Em ―As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino de História‖ Lima
(2009) explicita ao longo de seu trabalho que o ato de ensinar é complexo, exigindo domínio
não só do assunto a ensinar ou sobre como ensinar, mas fundamentalmente clareza por parte
do profissional docente sobre quais são os pressupostos de sua prática e sobre o que realmente
está ensinando quando ministra suas aulas.
Compreendemos, por meio das leituras acima referenciadas, ser imprescindível que o
professor esteja consciente de seu papel como educador, portando-se corretamente, não como
um amador, mas como um profissional capacitado que tem e sabe usar as teorias e as
metodologias adequadas para seu público alvo. Entendemos também que a postura do docente
é justamente seu ofício, sua responsabilidade perante a profissão encolhida; sabemos que o
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modo de agir do professor em sala de aula estabelece um tipo de relação com os alunos que
colabora (ou não) para o desenvolvimento buscado.
É possível afirmarmos que a prática docente é determinada desde as próprias
instituições até a ideia da escola como espaço cultural e produto histórico em sentido amplo e
pelas tradições escolares que se impõem nesses espaços. Nas últimas décadas, tanto no Brasil,
quanto em outros países do mundo, esses fazeres têm sido compreendidos também como uma
ação complexa e como resultado da conjunção de saberes provenientes de diferentes fontes,
tais como a própria biografia dos professores, sua experiência no exercício do ofício, suas
percepções e sua memória (LIMA, 2009, p. 5).
Entendemos também que a adoção de práticas de investigação pelo professor, acerca
do seu próprio campo de atuação, torna-se importante no sentido de tornar o docente agente
profissional intelectual. Como declara Azevedo (2010, p.2), o conhecimento sobre a docência
está em constante construção não ocorre apenas na universidade e requer um consistente
domínio teórico e prático sobre sua área de formação. A escolha dos materiais que são
levados para as salas de aula depende da concepção sobre o conhecimento, de como o aluno
vai aprendê-lo e do tipo de formação que está sendo oferecida.
―Historiografia, processo ensino-aprendizagem e ensino de história‖ de Azevedo e
Stamatto (2010), contribuiu imensamente para pensarmos a ideia da pesquisa que decidimos
realizar. O artigo faz uma reflexão acerca das relações entre ensino de História e diferentes
correntes pedagógicas e, em seguida, analisa a influência de correntes teóricas da História
sobre o ensino escolar e, no final, apresenta o direcionamento presente nas atuais discussões
acadêmicas e propostas curriculares nacionais acerca das relações entre teorias
historiográficas e pedagógicas e a História ensinada.
A leitura desse artigo foi importante para lembrar-nos que devido à existência de
várias correntes de pensamento que influenciaram o ensino de História no Brasil, muda-se não
apenas o lugar do aluno no processo didático, mas o lugar do professor. Este pode variar
desde aquele caracterizado pela transferência de informações; passando pelo lugar daquele
que problematiza os conteúdos históricos; até aquele definido pela orientação de ações
didáticas que incorporam o instrumental básico da produção do conhecimento histórico
(fontes e métodos), por exemplo.
Assim como as autoras, acima citadas, acreditamos que o conhecimento sobre o ensino
de História a partir de diferentes perspectivas teóricas e pedagógicas permite a melhor
compreensão dos significados e das possibilidades de objetivos a serem alcançados em sala de
aula podendo proporcionar melhoria do processo ensino-aprendizagem da disciplina.
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Diferente do artigo de Azevedo e Stamatto (2010), nosso intuito não é explicitar
abordagens pedagógicas e suas influencias para o ensino da disciplina de História. Entretanto,
nossa pesquisa se assemelha ao trabalho das autoras, na medida em que, apresenta também
correntes historiográficas e relaciona-as com o ensino da matéria em questão. Nosso trabalho
se volta ao público de História e, dessa maneira, focamos em nos aprofundar na pesquisa
historiográfica com mais afinco. A leitura de ―Historiografia, processo ensino-aprendizagem e
ensino de história‖ (2010) nos impulsionou a entender mais como as correntes histográficas
têm influenciado ao longo dos anos o ensino de História em nosso país.
Outra importante obra que contribuiu para pensar sobre o ensino de História foi o livro
de Bittencourt (2005), ―Ensino de História: fundamentos e métodos.‖ Especificamente, na
segunda parte da obra: ―Métodos e conteúdos escolares: uma relação necessária‖, no capítulo
intitulado: Conteúdos históricos: como selecionar?‖, no qual a autora apresenta
detalhadamente algumas tendências historiográficas e suas relações com a produção escolar.
Vimos, por meio dessa obra, que para superar dificuldades no ensino-aprendizagem em
História é importante o conhecimento sobre diferentes tendências da História, a fim de que o
professor possa refletir sobre que tipo de aprendizagem e que conhecimento histórico está
enfatizando no currículo escolar. Compreendemos que a produção historiográfica é fruto de
muitas tradições do pensamento. Por isso, é preciso levar em consideração, que os conceitos
históricos só podem ser entendidos na sua historicidade. Isso quer dizer que os conceitos
criados para explicar certas realidades históricas têm o significado voltado para essas
realidades, sendo equivocado empregá-los indistintamente para toda e qualquer situação
semelhante.
Junto à pesquisa bibliográfica, realizamos também o estudo de documentos, foram
eles: Brasil (1997, 2000, 2006). Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
fundamental e Ensino Médio, bem como as Orientações curriculares nacionais para o Ensino
Médio tendo como objetivo contribuir para o diálogo entre o professor e a escola sobre a
prática docente. Os PCN e OCNEM de História fazem uma abordagem sobre a trajetória
dessa disciplina escolar no Brasil, desde o seu surgimento, no século XIX e apresentam
criticas as abordagens consideradas tradicionais e defendem o ensino de História
comprometido com a construção da noção de identidade e com o exercício da cidadania.
Os PCN questionam os métodos e as concepções concebidos como tradicionais e
afirmam que os estudos no campo da produção do conhecimento histórico, nas últimas
décadas, têm proporcionado novos olhares aos historiadores, professores e alunos. Esses
estudos têm refletido criticamente sobre os agentes condutores da história, os povos e culturas
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sobre os quais os estudos históricos devem lançar seus olhares, as fontes utilizadas pelos
historiadores, as noções de tempo histórico e as relações entre a História e outras disciplinas.
As leituras dos PCN foram muito importantes, na medida em que, contribuíram para
entendermos as discussões atuais do MEC sobre as formas mais adequadas de se conduzir o
aprendizado nos diferentes contextos e condições de trabalho das escolas brasileiras, levando
em conta as leis e diretrizes que redirecionam a educação básica em nosso País.
Esta pesquisa, desenvolvida como trabalho de conclusão de curso (TCC), ainda se
caracteriza pelo seu caráter teórico devido à dedicação na análise das correntes teóricas que
influenciaram a produção do conhecimento histórico. Categorizamos e classificamos as
principais correntes historiográficas que têm influenciado o ensino de História ao longo dos
séculos XIX e XX. Com um sólido aparato teórico será possível analisar e resignificar para a
docência os aspectos relativos ao ensino de História e buscar compreender que princípios
teórico-metodológicos fundamentam diferentes práticas de ensino. Entendemos que conhecer
e acompanhar as principais produções historiográficas não é apenas uma questão de caráter
teórico, mas trata-se também de uma necessidade prática, porque é com base em uma
concepção de História que podemos assegurar critérios para uma aprendizagem efetiva e
coerente.
A orientação teórica desta pesquisa tomará por base o estudo das três principais
correntes historiográficas: positivismo, marxismo e nova história, explicadas e discutidas a
partir do diálogo entre as obras de Aróstegui (2006), Barros (2011) e Reis (2004).
A obra: ―A pesquisa histórica‖ escrita pelo professor Júlio Aróstegui, tem como
objetivo abrir um espaço para criar-se uma discussão ―teórica e metodológica‖ sobre o
decorrer da investigação histórica. O propósito do autor é contribuir para o progresso da
historiografia e da história como disciplina. O conteúdo é dividido em três partes. A primeira
refere-se aos fundamentos e a disciplina e suas relações com a ciência (principalmente com as
ciências sociais) e com a renovação contemporânea. A segunda estuda a teoria própria da
história, levando em consideração a natureza do historiador, seu objeto em questão de análise,
a temporalidade, a explicação do fato dentro da história, e seu objetivo. A terceira e última
parte refere-se aos estudos dos instrumentos que serão utilizados para a análise como: o
processo de investigação, as informações, ou fontes, que serão colhidas e ―julgadas‖ como
relevantes.
Já o livro ―Teoria da História‖ de José D‘Assunção Barros, dividido em cinco
volumes, discute os fundamentos e paradigmas da teoria da história. Dos cinco livros lemos
os volumes I, II, III e V. O livro ―Princípios e Conceitos Fundamentais – Vol. I‖ Esclarece o
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que é um 'paradigma historiográfico', uma 'escola histórica', uma 'filosofia da história', ou uma
'teoria da história e mostrar como a historiografia profissional foi se constituindo, a partir do
século XIX, como um saber específico no meio das demais ciências humanas. Já o livro ―Os
Primeiros Paradigmas - Positivismo e Historicismo – Vol. II‖ destina-se a mostrar os
primeiros paradigmas que surgem no século XIX - o Positivismo e o Historicismo - assim
como seus desdobramentos e repercussões na historiografia atual. A obra ―Os Paradigmas
Revolucionários - Vol. III‖ busca explicar os paradigmas, no decorrer do século XX, a partir
do Materialismo Histórico de Engel e Karl Marx, das contribuições de Friedrich Nietzche,
avançando para as proposições de Michel Focault. E por último, a obra ―A Escola dos
Annales e a Nova História – Vol. V‖ procura expor, as principais contribuições dos
historiadores franceses ligados a este movimento, bem como apresentar uma rica discussão
historiográfica sobre a história desta escola.
José Carlos Reis em seu livro: ―A História entre a Filosofia e Ciência‖ explana três
grandes escolas; Metódica (dita positivista), Marxista e Annales. Todas estas possuíam em
comum a crença na cientificidade de Clio e a recusa categórica a filosofia da história, pois
esta era a-histórica, especulativa e metafísica. O autor, porém, afirma que mesmo tentando
romper com a filosofia da história, tais escolas estavam carregadas, sem saber e sem
confessar, de pressupostos filosóficos, sobretudo as duas primeiras, carregava no seu consigo
a filosofia da história e por isso vem daí o titulo do livro. O autor pretende analisar essas três
escolas históricas, mostrando como a filosofia esteve junto a elas.
As leituras de todos esses teóricos: Aróstegui (2006), Barros (2011) e Reis (2004),
foram de grande importância para a elaboração desse trabalho, na medida em que, nos
permitiu ter mais base e consistência sobre o tema, fortalecendo mais o nosso conhecimento a
respeito das principais correntes historiográficas e sua influencia nos dias atuais. Ao longo de
todo o trabalho aparecem citações e referencias a esses livros sobre teoria citados acima, em
alguns capítulos damos mais ênfase a um determinado autor, já em outros capítulos
destacamos mais outro teórico diferente, mas isso não significa que um livro é menos
importante que o outro. É importante destacar que todas as obras lidas tiveram sua relevância
para a construção dessa pesquisa.
1.4 – UMA BREVE EXPLICAÇÃO SOBRE A HISTÓRIA DA HISTÓRIA
Ao pensarmos em teorias da História e suas relações com a História disciplina escolar,
muitas inquietações surgem, como: o que e como ensinar da História da Humanidade? Em um
20
momento em que se propõe tanto o diálogo com diferentes linguagens, em que consiste a
linguagem da História? Como se caracteriza um texto histórico? As teorias da História
interferem de que maneira nos conteúdos históricos, especialmente, na forma de ensiná-los a
não especialistas em História? Qual a função do historiador? Qual o lugar do aluno no
processo ensino-aprendizagem de História? O que este deve aprender? O que tem a História
de ciência? Até que ponto professores de História precisam dominar as teorias de História?
Respostas a esses questionamentos, certamente exigiriam longas discussões. Acreditamos que
a presença destes aqui denunciam a necessidade de uma explicação, ainda que breve sobre a
História da História.
Para que compreendamos as especificidades da História como um conhecimento sobre
o gênero humano a melhor alternativa é retomarmos a sua história, como já defendia Chaunu
(1976, p.27), segundo o qual: ―só a própria história da História nos pode fazer tomar
consciência da existência e da originalidade dessa tradição de atelier, desse conjunto de
processos técnicos já testados que constituem o método histórico‖. José Honório Rodrigues
(1978), por sua vez, também declara a importância de se estudar a evolução da ideia de
História. Segundo este último autor, ao longo da análise da história da História, podemos
distinguir um certo número de momentos críticos e de etapas.
Há várias formas de dividir-se a História para uma melhor compreensão da sua
trajetória. Bernheim, Bauer e Leibniz reconheciam a divisão da seguinte forma: narrativa,
pragmática e genética ou científica. Huizinga ao discordar dessa organização chamando-a de
ilógica e inoperante afirmava que esses três aspectos não se sucedem no tempo nem superam
uns aos outros quanto ao valor. Uma outra visão é a que apresenta a história classificada
como: imediata, tendo Heródoto e Tucídides como destaque; reflexiva, que se divide em
história geral, história pragmática, história crítica e história particular; e, filosófica, que é a
história universal (RODRIGUES, 1978). Apoiando-nos em Rodrigues (1978), seguimos a
primeira divisão no intuito de explicarmos, ainda que brevemente, a trajetória de constituição
da História. Nesse sentido, a História narrativa apresenta-se de forma pouco crítica uma vez
que dá crédito a relatos mitológicos. Outra característica é o seu particularismo, pois se reduz
à história de um povo, por exemplo. Também dá ênfase aos fatos extraordinários. Tem em
Heródoto seu principal representante. ―[...] Embora seu método já revele caráter crítico, seu
criticismo está limitado pelas condições da idade, que era primitiva nas suas crenças religiosas
e restrita no seu conhecimento geral‖ (RODRIGUES, 1978, p.47-48).
O modo pragmático preocupa-se com a utilidade da História. Como ele se inicia a
ideia de uma história universal. Com Tucídides (460-400 a. C.) tem inicio, conforme
21
Rodrigues (1978), a história pragmática, a qual se entende até meados do século XIX. Suas
principais características são: investigação das forças que operam no suceder histórico;
valorização dos fatores econômicos e sociais; historicismo; secularização (após a Idade
Média); a crença na continuidade entre épocas. A história construída era sempre a história da
atualidade, se hoje ela trata do passado, nasceu como narração do presente. Permitindo-nos
saltar até os séculos XVII e XVIII, pois ainda no âmbito da história pragmática, percebemos
uma preparação de uma mudança decisiva no fazer do pesquisador da História que toma por
base o desenvolvimento da erudição. Palmade (1988) afirma que no período, nascia uma
ligação da obra dos humanistas à dos investigadores do século XIX. Isso leva o autor a
afirmar que a história torna-se não científica, pelo menos douta.
Por fim, temos a história genética ou científica, com a qual o fazer histórico torna-se
um conjunto de conhecimento nos moldes das ciências naturais, ou seja, baseado nos
princípios da objetividade, regularidade e universalidade. Nela o relato histórico começa a se
basear em fontes contemporâneas, submetidas previamente à crítica filosófica (Ranke)
baseada no método da explicação causal. Com Leopoldo Von Ranke o método, a pesquisa
histórica e a investigação das fontes tornaram-se um processo científico. A partir desse
cenário, podemos pensar sobre a história ciência, a história à luz de diferentes teorias, a
relação entre teorias da história e o processo de difusão do conhecimento histórico (ensino de
História). É sobre isso que veremos nos próximos capítulos.
22
CAPÍTULO 2 – VERDADES ABSOLUTAS E DISTANCIAMENTO DA
SUBJETIVIDADE: PRINCÍPIOS DE UMA HISTÓRIA DITA TRADICIONAL
2.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA METÓDICA
O século XIX foi consagrado como o ―século da História‖, o gênero histórico se
profissionalizou, dotando-se de um método próprio. Os historiadores da escola denominada
de ―metódica‖ colocam-se como cientistas puros e rígidos e anunciam uma separação
definitiva com o gênero literário, havendo assim um abandono das concepções relativas à
escrita da história nos moldes de crônica baseada nos testemunhos deixados por gerações
anteriores (ARÓSTEGUI, 2006). Dessa maneira, a história passa a ser entendida como um
processo de pesquisa, com o que, justamente correspondia à própria palavra História
recuperada no seu sentido original na língua grega: pesquisa. De acordo com Rodrigues
(1978, p.45), a palavra História origina-se do grego (istória), entretanto, a origem exata dessa
palavra grega é incerta, mas sabe-se que ela possui dois sentidos: ―Exprimiria, assim,
portanto, não só o sucesso como o inquérito ou investigação sobre o sucedido‖. Ou seja, em
um sentido objetivo seria o passado ou o que sucedeu e subjetivamente seria a pesquisa sobre
o sucedido, a narração. A profissionalização da história caminhava nesse momento lado a lado
com um novo sistema de valores que colocava em destaque a ―busca da verdade‖, a
reivindicação da objetividade.
Segundo Júlio Aróstegui (2006), nas duas últimas décadas do século XIX a disciplina
História entra claramente na definição sistemática de seu método. Surge nesse momento a
corrente de fundamentação ―metódico-documental‖. O autor afirma que é bastante habitual
que esse momento das concepções teórico-metodologicas da disciplina seja conhecida como
historiografia positivista, mas que essa denominação não deixa de ser equívoca, pois muitas
vezes chama-se de positivista, sem mais nem menos, uma concepção que é essencialmente
narrativista, episódica, descritiva e que, na realidade, é o exemplo mais típico de ―história
tradicional‖, mas que não deve ser confundida necessariamente com a historiografia
―positivista‖. Para Aróstegui, a historiografia positivista é a dos "fatos" estabelecidos
mediante os documentos, indutivista, narrativa, por certo, mas também sujeita a um "método".
A escola que se costumava chamar de "positivista" pode ser também denominada — com
mais propriedade — de "escola metódica", já que sua preocupação número um é a de dispor
de um método. Essa escola, que fundamentava o progresso da historiografia no trabalho
metódico das fontes, sempre mostrou a mais ríspida aversão a qualquer "filosofia". Isso não
23
diminui, todavia, em nada sua dependência imediata da concepção positivista da ciência. Essa
a razão pela qual pode ser chamada de escola pragmático-documental ou metódico-
documental (MARTINS, 2004, p. 3).
Pode-se ver como exemplo disso, as obras de Taine (1828-1893), Buckle (1821-1862),
Duruy (1881-1894) e Renan (1823-1892), cuja historiografia propunha explicitamente o
estabelecimento de leis do desenvolvimento histórico e uma pesquisa baseada na ideia dos
―fatos históricos‖, sendo completamente oposta à especulação filosófica. Sua preocupação
essencial é com o método, a regulação da prática heurística e o objeto essencial do documento
e sua exploração como base de qualquer discurso historiográfico, afirma Aróstegui (2006).
De acordo com Lacerda (2009) também é importante ressaltar que ―História metódica‖
não se confunde necessariamente com a história ciência do positivismo, pois não se deixa
levar pela influência direta das ideias de Comte ou de Stuart Mill, ainda que concorde com
muitos dos seus princípios. O Positivismo comtiano afasta-se do positivismo histórico ―em
primeiro lugar porque a historiografia por ele sugerida não consiste, metodologicamente, na
acumulação de fatos ou na ausência de hipóteses interpretativas; em segundo lugar, porque
em termos teóricos a historiografia proposta por Augusto Comte é de caráter sociológico‖
(LACERDA, 2009, p. 329).
Segundo François Dosse (2003, p. 40), os historiadores metódicos aderem a uma visão
progressiva da história segundo a qual o historiador trabalha e está a serviço do progresso do
gênero humano. A marcha para o progresso desdobra-se como uma cumulação do trabalho
científico, numa abordagem linear da história, enriquecida pelo aporte das ciências auxiliares
– antropologias, filosofias comparadas, numismática, epigrafia, paleografia ou ainda a
diplomática – que dão um aspecto cada vez mais moderno ao século XIX.
O pensamento do filósofo Augusto Comte foi fundamental para o processo de
constituição da História como disciplina, como ciência. Comte é considerado o fundador do
positivismo, sendo esta uma corrente de pensamento filosófica que influenciou não só a
História, mas várias outras disciplinas, tais como: Matemática, Economia, Sociologia, entre
outras. Os historiadores da escola metódica vão se apropriar de muitos dos pensamentos de
Augusto Comte para elaborarem a metodologia da disciplina histórica que por eles é gestada
no século XIX. A história positivista é nomotética (se baseia em sistema de leis),
generalizante, propõe-se ao estabelecimento de leis universais para a História, com
explicações deterministas dos fatos históricos, e que, em grande medida, ainda se prende a
escrever uma história filosófica e subjetiva. Em contrapartida, a história metódica busca
encontrar as particularidades da História, dedica-se a explicações causais, específicas (não
24
deterministas, nem generalizante), e não se propõe a estabelecer leis. Para os historiadores
metódicos a História deveria primar por um método crítico e científico, distanciando-se ao
máximo da subjetividade literária e filosófica.
Em 1824, Leopoldo Von Ranke (1795-1886) escreve um texto fundamental sobre a
figura do novo historiador, estabelecendo assim o fundamento do que seria a ―história crítica‖.
Ranke nasceu em Wiehe, Turíngia, na Sarvônia, em uma família de juristas e pastores
protestastes. Interessou-se pela história a partir dos estudos de teologia que realizou na
Universidade de Leeipizing. Em 1824 publicou a sua primeira obra, Geschichte der
germanischen und romanschen volker de 1494-1535 (História das nações germânicas e latinas
de 1494-1535) e assumiu, no ano seguinte, o cargo de professor auxiliar de história na
Universidade de Berlim. O ideal de objetividade na interpretação dos fatos fez com que
recorresse à analise crítica de documentos originais, método que o tornou iniciador da
moderna historiografia. Reis (2004, p. 11) registra que Ranke baseava-se, principalmente nos
documentos diplomáticos para fazer a história do estado e de suas relações exteriores, assim,
fazer a história seria trabalhar com documentos escritos oficiais de eventos políticos.
Para Chaune (1976, p. 66), Ranke ―é, sem dúvida, a mais importante figura da História
do século XIX, o homem que, incontestavelmente, teve a mais importante e mais duradoura
influência‖. A preocupação dele estava em mostrar como as coisas se produziam. Segundo
Palmade (1988, p. 45), esse historiador constituiu sua obra ―sobre a exploração mais ou
menos metódica das fontes coligidas e criticadas pela erudição‖, opinião semelhante a de
Rodrigues (1978, p.53) que assim declara:
Ranke afirmou, na Europa, a supremacia da erudição alemã e jamais alguém
se aproximou tanto quanto ele do verdadeiro historiador. Os serviços que
prestou à história podem ser assim resumidos: dissociou o estudo do passado
das paixões do presente e pretendeu narrar a história como na realidade foi.
Estabeleceu a necessidade de basear-se a construção histórica em fontes
estritamente contemporâneas [...].
[...]. Ele tornou o método, a pesquisa e a investigação das fontes em processo
científico. Pelo menos, a história já podia dizer com certo orgulho que na
investigação e valorização dos documentos os seus processos críticos eram
de tal modo apurados que ela podia-se afirmar como uma ciência. 1
1 É importante registrar a presença de Berthold Georg Niebuhr (1776-1831) neste contexto. Rodrigues (1978,
p.52) ao declarar que o início do século 19 é a época em que a história conquista seu lugar junto às ciências
naturais, destaca que dois historiadores dominaram o período: Niebuhr e Ranke. Ambos ―enriqueceram a
consciência história, elevando-a a uma etapa mais alta do que as conhecidas até então‖. Niebuhr ―precisamente
por compreender bem o que era o mito podia distingui-lo clara e seguramente da realidade história‖.
25
É unanimidade afirmar que a obra de Ranke e de seus seguidores proporciona
orientação nova para o conhecimento da História produzindo um pensamento historiográfico
propenso a fundamentar o início da profissionalização da historiografia. A figura dele é
essencial nesse momento pela sua aposta concreta no emprego direto da História e não de
outra coisa, ele entendia que toda a pesquisa deveria dar conta de seu método ao apresentar
conclusões críticas. Segundo Aróstegui (2006) Ranke exerceu um papel importante na
configuração dos aportes teóricos que possibilitaram fornecer um caráter científico à história.
Seu pensamento caracterizou-se pela busca da objetividade e da aplicação do método
histórico na investigação dos fenômenos sociais.
A chamada história científica ou ―história crítica‖, divulgada por Ranke, tinha como
bases principais a neutralidade científica, a objetividade e a fidelidade aos documentos, assim
Ranke buscava afastar-se da filosofia da História. Seguem, abaixo, alguns princípios de
método defendidos pelos seguidores da escola metódica dita ―positivista‖ (BURDÉ e
MARTIN, apud REIS, 2004, p. 17):
(a) o historiador não é juiz do passado, não deve instruir os contemporâneos,
mas apenas dar conta do que realmente se passou;
(b) não há nenhuma interdependência entre historiador, sujeito do
conhecimento, e o seu objeto, os eventos históricos passados. O
historiador seria capaz de escapar a todo condicionamento social,
cultural, religioso, filosófico, etc. em sua relação com o objeto,
procurando a ―neutralidade‖;
(c) a história – res gestae – existe em si, objetivamente, e se oferece através
dos acontecimentos;
(d) a tarefa do historiador consiste em reunir um número significativo de
fatos, que são ―substâncias‖ dadas através dos documentos
―purificados‖, restituídos à sua autenticidade externa e interna;
(e) os fatos, extraídos dos documentos rigorosamente criticados, devem ser
organizados em uma sequencia cronológica, na ordem de uma narrativa;
toda reflexão teórica é nociva, pois introduz a especulação filosófica,
elementos a priori subjetivistas;
(f) a história-ciência pode atingir a objetividade e conhecer a verdade
histórica objetiva, se o historiador observar as recomendações anteriores.
Os historiadores metódicos enxergavam os documentos como ―detentores de verdades
absolutas‖ e, a partir deles, a História poderia ser escrita por uma descrição definitiva. Os
seguidores dessa corrente teórica dedicavam-se aos estudos dos atos de figuras das elites e
suas biografias, contando somente as histórias de grandes personalidades – reis, militares,
imperadores, governantes, presidentes.
26
O historiador, para Ranke, deveria ser objetivo no momento da produção, isto é, para
recuperar os dados únicos e irreproduzíveis dos atos humanos, deveria deixar suas paixões e
interpretações longe de suas análises, apoiando-se somente na narração dos documentos
oficiais, pois entendiam, que estes documentos abriam acesso imediato à compreensão das
intenções e dos motivos dos atores da história favorecendo, assim, atingir-se a busca da tão
almejada objetividade dos fatos históricos, esta que seria o relato fiel dos acontecimentos.
Ranke tentou, tanto quanto possível, eliminar os pontos de vista pessoais que poderiam
desfigurar o ―verdadeiro‖ conteúdo da história, ―ele evitará a construção de hipóteses,
procurará manter a neutralidade axiológica e epistemológica, isto é, não julgará o real. Os
fatos falam por si e o que pensa o historiador a seu respeito é irrelevante‖ (REIS, 2004, p. 18).
A fórmula empregada para garantir essa neutralidade foi a de fundar os estudos das questões
sociais sobre métodos rigorosamente científicos. Os estudos históricos sob a perspectiva de
Ranke diferenciam-se dos estudos filosóficos por serem a ―ciência do único‖ e terem como
base a observação dos fatos, enquanto a filosofia se ocupa de abstrações e generalizações
(FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p. 6).
Foi grande a influência do pensador alemão, Leopoldo Von Ranke, sobre a
historiografia européia. Suas ideias, encontram-se, a maior parte, nos pressupostos de Charles
Langlois (1863-1929), Ernest Lavisse (1842-1922), Charles Seignobos (1854-1942), Fustel de
Coulanges (1830-1899).
A escola histórica científica alemã serviu de modelo para o surgimento de outros
centros de erudição. A França foi o segundo país onde a história erudita se fixou. Em 1876, os
republicanos franceses vão fundar a Revue Historique, por Gabriel Monod, e dessa forma, se
inicia a erudição na França. Os positivistas franceses praticaram os mesmos princípios
defendidos por Ranke. ―A Revue Historique se declarava neutra, imparcial, devotada à ciência
positivista, fechada às teorias políticas e filosóficas [...] A história se libertou da literatura e
era ensinada de forma autônoma na universidade francesa, seguindo o modelo das faculdades
alemãs.‖ (REIS, 2004. p. 22). O ensino universitário contribuiu bastante para a divulgação da
história crítica no país. É em torno de um axioma, o da história como ―ciência positiva‖ que a
comissão de redação da Revista histórica representada por Victor Duruy, Ernert Renam,
Fustel de Coulanges, Ernert Lavisse e Monod, pretende escarpar ao subjetivismo e em nome
de um racionalismo total dizem-se partidários da imparcialidade em respeito à verdade e à
ciência, afirma Aróstegui (2006).
Para Faustino e Gasparin (2001) quem melhor especificou o método científico
aplicado ao estudo da história foram os franceses Langlois e Seignobos, em sua obra
27
―Introdução aos Estudos Históricos‖, que teve sua primeira edição em 1898, na França. A
História para os metódicos nada mais era que um conjunto de encadeamento de fenômenos
construídos de forma objetiva pelo historiador. Muito da metodologia metódica pode ser
encontrada nessa obra, considerada por muitos o manual dos metódicos. Para Langlois e
Seignobos,
Indiscutivelmente é a história a disciplina em que com maior império se faz
sentir a necessidade de bem conhecerem os autores os métodos próprios, que
lhes devem presidir à feitura das obras. (...) os processos racionais, que nos
levam a atingir o conhecimento histórico, são tão diferentes dos das demais
ciências que devemos conhecer-lhes as peculiaridades, para fugirmos à
tentação de aplicar à história os métodos das ciências já constituídas.
(Langlois; Seignobos, apud FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p. 6).
Segundo Dosse (2003), Langlois e Seignobos no seu livro ―Introdução aos Estudos
Históricos‖ apresentam toda a metodologia da crítica interna e externa dos documentos. A
crítica externa ou de credibilidade visa essencialmente encontrar o original e determinar se o
documento é verdadeiro ou falso. Enquanto a crítica interna ou de autenticidade deve
interpretar o significado dos documentos, avaliar a competência do seu autor, determinar a sua
sinceridade, medir a exatidão do documento, além de controlá-lo através de outros
testemunhos.
De início, observa-se o documento. Ele é igual ao que era quando foi
produzido? Não se deteriorou depois? Procura-se saber como ele foi
fabricado para restituí-lo à necessidade de seu teor original, depois
determinar sua proveniência. Esse primeiro grupo de pesquisas prévias, que
incide sobre a escrita, a língua, as formas, as fontes, etc., constitui o domínio
particular da crítica externa ou crítica de erudição. Em seguida, intervém a
crítica interna: ela trabalha, por meio de raciocínios por analogia,
emprestados à psicologia geral, para representar os estados psicológicos que
o autor do documento atravessou. Sabendo o que o autor do documento
disse, pergunta-se: 1) o que ele quis dizer; 2) se ele acreditou no que disse;
3) se ele foi induzido a acreditar no que acreditou‖ (Langlois e Seignobos
citados apud SERRÃO e GRÁCIO. 1972, p. 22).
Comprovada a veracidade do documento, o historiador deveria partir para a análise,
todavia, sem esquecer que: ―o verdadeiro erudito possui sangue frio, é reservado e
circunspecto; no meio da torrente da vida contemporânea que em torno de si arremete,
mantém se sereno, jamais se apressa. (...) O importante é que o que for feito seja sólido,
definitivo, incorruptível‖ (Langlois e Seignobos, apud FAUSTINO e GASPARIN, 2011, p.
6).
O que se objetivava com afirmações desse tipo já é pensar uma investigação e
produção científicas afastadas de qualquer pressuposto filosófico - considerado especulativo,
28
no mau sentido – visando a mais absoluta objetividade, que poderia ser atingida quando o
investigador se munisse de instrumentos rigorosos, no que se referia ao levantamento das
fontes e posterior publicação dos fatos investigados (FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p. 7).
Uma ciência depende dos documentos e que objetiva eliminar toda forma de
subjetividade. Sua reflexão é uma referência primordial no amadurecimento do pensamento
histórico e da profissão de historiador, que a princípio tenta submeter-se à disciplina de sua
ciência para conseguir ser capaz de atingir a verdade objetiva que tanto busca.
Pôr suas ideias no estudo dos textos é um método subjetivo [...]. Vários
pensam que é útil e bom ter preferência, ideias ―mestras‖ [que dão] à obra
mais vida e mais encanto; é o sal que corrige a insipidez dos fatos. Pensar
assim é enganar-se muito sobre a natureza da história. Ela não é uma arte, é
uma ciência pura. [...], o melhor historiador é o que mais se atém aos textos.
(Fustel de Coulanges, apud TÉTART, 2000, p.94).
Nas palavras do próprio Fustel de Coulanges ―o melhor dos historiadores é aquele que
se mantêm mais próximo dos textos, que os interpreta com maior precisão, que não escreve e
nem mesmo pensa a não ser a partir deles‖ (DOSSE, 1994, p.42).
Durante muito tempo os historiadores acharam que os documentos eram somente
aqueles que esclareciam a parte da história dos homens, digna de ser conservada, transmitida
e estudada: a história dos grandes acontecimentos. A principal habilidade do historiador era
tirar tudo do documento, sem acrescentar nada a ele. O melhor historiador era o que se
mantinha mais perto do texto, que escrevia e pensava segundo os documentos, afirma Dosse
(2003).
De acordo com Faustino e Gasparin, (2011) na perspectiva da história metódica os
fatos históricos falavam por si mesmos e conteriam verdades irrefutáveis e inquestionáveis.
Não podia ser dado o direito à dúvida, pois toda reflexão seria prejudicial e poderia levar à
especulação filosófica e à subjetividade, que deturpariam o caráter positivo da história. Era
preciso retratar de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, sendo essa
uma concepção científica em que o pesquisador além de apresentar os resultados de sua
produção, de forma objetiva e clara, não deveria expressar suas opiniões, sendo neutro e
imparcial em seus trabalhos, não apresentando nenhum posicionamento crítico, existindo
assim uma separação notável entre o pesquisador/autor e sua obra.
De acordo com o pensamento metódico, a história existe em si, objetivamente e se
oferece através dos documentos escritos e oficiais. A história científica, portanto, seria
produzida por um sujeito neutro que não elabora hipóteses, não questiona e nem muito menos
29
problematizaria o real (AZEVEDO e STAMATTO, 2010, p. 9). Ao historiador não
competiria o trabalho da problematização, da construção de hipóteses, da reabertura do
passado e da releitura de seus fatos. Tratados dessa maneira, os fatos históricos se tornariam
verdades absolutas, objetos que se pode admirar do exterior, copiar, contemplar, imitar, mas
jamais desmontar, remontar, alterar, reinterpretar, rever, problematizar, reabrir. Uma vez
―estabelecido‖ os fatos passados, a não ser que aparecessem novos documentos que
alterassem a descrição, tornando-a mais ―verdadeira‖, eles seriam uma ―coisa que fala por si‖
(REIS, 2004, p.29).
José Carlos Reis (2004) afirma que o projeto de uma história metódica é impraticável
plenamente, e sustentar que há obras históricas que o realizaram plenamente é ―caricaturar‖ a
produção histórica ―positivista‖. Entretanto, tal projeto foi uma ―orientação‖ da pesquisa
histórica que, se não o realizou inteiramente, pois impossível, se deixou conduzir por seus
princípios e objetivos.
De acordo com Fraçois Dosse (2003) não podemos dizer que os historiadores da
escola metódica eram os ingênuos, não se pode dizer que eles cultivavam um fetichismo do
documento e que eles negavam a pertinência da subjetividade historiadora, simplesmente a
escola metódica via a grandeza do historiador em sua capacidade de controlar sua
subjetividade, de colocar-lhe um freio.
Considerando, contudo, que a consciência humana não é isenta de historicidade, sendo
formada de acordo com o momento histórico em que se vive, Ranke e seus seguidores,
mesmo tendo se esforçado muito, não conseguiram a neutralidade que tanto defendiam para
os estudos históricos, não conseguiram controlar completamente sua subjetividade e ser
totalmente passivo diante do documento.
(...) perdido numa floresta imensa de fontes documentais ainda virgens,
precisou apelar para um rigoroso critério de seleção do material utilizável,
sob pena de não levar a bom termo sua obra. Ainda que justa, [esta]
argumentação não justifica, ou justifica mal, o fato da divisão do trabalho
que o historiador escolheu para favorecer justamente os grupos políticos
sociais privilegiados. (Holanda, apud FAUSTINO e GASPARIN, 2011, p.
7).
Os historiadores do século XIX conseguem apenas parcialmente sua busca pela
história científica que tenta ser antimetafísica, antifilosófica e centrada em um método que faz
do historiador um observador passivo. Entendemos que, até certo ponto, os historiadores
conseguiam seguir métodos positivistas que eles estabeleceram para o estudo da disciplina.
30
É importante lembrar que mesmo que esses historiadores tentassem ser imparciais,
fugindo da interdependência entre eles e os seus objetos; buscando apenas verdades absolutas
nos documentos (escritos e oficiais) não podemos afirmar que eles conseguiam absolutamente
essa imparcialidade tão desejada diante dos mesmos. Pois sabemos que os historiadores
metódicos escolhiam o que deveria ser analisado, e que nem tudo era considerado digno de
ser afirmado como um documento histórico. É justamente no momento em que esse juízo de
valor e critério de seleção acontece é que entra a parcialidade desse historiador. Dessa forma,
bem clara, vemos a subjetividade histórica, a construção de uma história a partir do privilégio
de determinados documentos e do repúdio a outros.
O historiador metódico, na nossa concepção, não pode ser enxergado como um agente
passivo que apenas busca encontrar verdades e objetividades em seu objeto de pesquisa sem
interferir de nenhuma maneira nos documentos com os quais trabalha, mas sim como um
agente ativo que carregado de intencionalidade vai construindo a história que deseja fazer
seguindo os objetivos que traçou e pretende atingir, selecionando o tempo topo o que julga ser
apropriado para servir a sua pesquisa.
2.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS TEÓRICOS METÓDICOS
Os aportes teóricos tradicionais, por muito tempo, influenciaram as práticas de ensino
de História nos currículos, seus livros didáticos e outros materiais de ensino/aprendizagem de
História. Deixou influência decisiva no perfil da história ensinada no Brasil, desde a sua
constituição como disciplina do currículo das escolas brasileiras, a partir do século XIX,
quando a história escolar, como disciplina obrigatória, foi instituída no país em 1838.
Devemos lembrar que uma concepção, ao orientar conteúdos e práticas de ensino,
nunca se apresenta de forma pura. Sofre influência de outras formulações teóricas que sejam,
em alguns pontos, compatíveis com seus elementos constitutivos. A orientação metódica
presente no ensino de História através de modelos, leis, programas, currículos, compêndios e
manuais escolares, frequentemente, apresentou ideias desenvolvidas pelos idealistas, pelos
historicistas, pelos presentistas e pelos estruturalistas, segundo Araújo (2009).
Convencionou-se chamar de tradicional o ensino de História que segue essas
orientações e que, no século XIX, imprimiu um caráter cientificista aos currículos escolares,
mas que faz sentir sua influência ainda hoje através de conteúdos, atividades e práticas
pedagógicas presentes no ensino desta disciplina escolar que se refere ao ensino escolar a
historiadora Circe Bittencourt (2011) entende que a reconstituição do passado da nação por
31
intermédio de grandes personagens serviu como fundamento para a História escolar,
privilegiando-se estudos das ações políticas, militares e das guerras.
Um currículo de História construído a partir do pensamento metódico tem seus
conteúdos ordenados de forma linear com privilégio da visão eurocêntrica, apresentando o
conhecimento em uma perspectiva total, organizando todo o passado da humanidade num
contínuo tempo cronológico. Para os metódicos, a História como disciplina é elaborada a
partir de fatos que se interligam e interelacionam entre si promovendo, assim, a explicação do
desenvolvimento do mundo. Os fatos históricos se encadeiam de forma mecânica
apresentando sempre relações deterministas de causas e consequência, a partir das quais não
se percebem mudanças/permanências, continuidade/descontinuidade, as rupturas presentes no
decurso da história do homem e da sociedade (AZEVEDO e STAMATTO, 2010, p. 9).
O ideal presente nesse ensino é o do progresso contínuo, aprendido através do estudo
dos fatos, representado pela linearidade e superposição constante dos acontecimentos,
demonstrando, assim, que o curso da história é sempre ininterrupto e gradual. Por ser
entendido o tempo positivo de forma linear e evolutiva, seguindo em direção à ordem e ao
progresso social, se dá muita ênfase a alguns acontecimentos passados, sobretudo, aqueles que
se referiam a grandes batalhas, aos grandes homens e heróis cujos feitos deveriam ser
seguidos e lembrados por serem considerados os construtores da nação. O ensino é marcado
pela narrativa construída sobre esses exemplos a serem apreendidos, admirados e seguidos
sem levar em conta outros sujeitos sociais, que estavam presentes na cena política. Os fatos
históricos relevantes são vistos sempre como os eventos políticos, administrativos,
diplomáticos, religiosos (FAUSTINO e GASPARIN, 2001).
A história concebida, essencialmente, enquanto narrativa dos aconteci-
mentos, fundamenta o paradigma tradicional, que nos oferece uma visão de
cima, no sentido de que tem sempre se concentrado nos grandes homens,
estadistas, generais ou eclesiásticos. Toda essa visão se molda na concepção
de um tempo cuja dimensão é o passado. Esse tempo histórico tradicional se
coaduna com um modelo de história factual, buscada nos documentos, fontes
primordialmente escritas e que se constituíam provas incontestáveis à
explicitação da ―verdade‖ dos fatos históricos. (Souza e Araújo, apud
ARAÚJO, 2009, p.14).
Segundo Bittencourt (2011, p.141), do final do século XIX até a primeira metade do
século XX, os conteúdos da História eram compostos de longas e cansativas narrações que
contavam as origens das grandes nações e dos feitos dos grandes estadistas. ―O Estado ou os
chefes políticos e militares, cabe enfatizar, eram o motor das transformações e do progresso
32
da história, considerando que o século XIX foi o momento de criação e consolidação dos
Estados nacionais e da elaboração das ―histórias nacionais‖, de caráter político e militar.
No estudo da disciplina de História, o alunado deveria memorizar os eventos passados
da sociedade para que nunca esquecesse as importantes contribuições dos seus ancestrais, pois
entendiam que essa era uma forma de fazer o mundo se modernizar e progredir. O culto aos
antepassados, aos heróis, foi muito importante, juntamente com o respeito às tradições e aos
símbolos, que representaram essas tradições, tendo a função de manter sempre viva a
memória dos acontecimentos passados, segundo afirma Carvalho (2005).
Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos
de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos
eficazes para atingir a cabeça e os corações dos cidadãos a serviço da
legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de
seus heróis e não possua seu panteão cívico. (Carvalho, apud FAUSTINO e
GASPARIN, 2011, p. 10).
Recursos didáticos como mapas das grandes nações, tratados, cartas eram
imprescindíveis ao professor de História. Para a fixação de todo o ―repertório‖ de fatos e
acontecimentos passados, era necessário, ao final de cada unidade trabalhada, uma síntese e
uma avaliação objetiva, para saber se o aluno havia, realmente, aprendido e assimilado ―bem‖
os conteúdos transmitidos de forma expositiva (FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p. 10). Os
alunos eram submetidos a exercícios enormes de perguntas que forçavam a memorização dos
textos, uma vez que deveriam reproduzi-los de forma precisa nas provas orais ou escritas.
Esse tipo de procedimento levava a um processo de ensino-aprendizagem baseado
exclusivamente na exposição, leitura e memorização. Saber história das civilizações
significava conhecer as grandes nações, o nome dos seus heróis, suas capitais, a língua, a
moeda, a economia, a política, as datas comemorativas (FAUSTINO e GASPARIN, 2001, p.
10).
Para Langlois e Seignobos (1946), o historiador tem por vocação ser um educador
cívico onde o valor da história é, sobretudo, pedagógico e o método crítico necessário para
combater a credulidade e a subjetividade à autoridade. Os eventos passados são instrumentos
da educação cívica. Na educação cívica, os fatos históricos e os grandes homens são
devidamente reconstruídos para servir de instrução à juventude. Faz-se uma ―história
comemorativa‖, que legitima os ritos cívicos. Nesses rituais, realizados, quando os grandes
heróis produziram os seus grandes feitos, procura-se a coincidência do ―atual com eterno‖, em
um presente intenso. Segundo Circe Bittencourt (2011, p. 61):
33
Desde o início da organização do sistema escolar, a proposta de ensino de
História voltava-se para a formação moral e cívica, condição que se
acentuou no decorrer dos séculos XIX e XX. Os conteúdos passaram a ser
elaborados para construir uma ideia de nação associada à de pátria,
integradas como eixos indissociáveis.
Várias críticas e dúvidas a essa corrente de pensamento surgiram desde o século XIX e
no decorrer do século XX. Suas premissas teóricas foram questionadas, afirmando-se que seus
princípios de ensino não viabilizam os meios necessários para uma aprendizagem
significativa.
Atualmente entendemos que para que aconteça um ensino-aprendizado de qualidade é
necessário que o aluno não só consiga identificar datas, nomes, lugares e saber narrar eventos
históricos importantes, mas, sobretudo, saiba o significado deles, os contextos envolvidos, as
rupturas e continuidades a partir desses momentos da história, saiba questioná-los,
problematizá-los, seja capaz de dar sentido ao que foi estudado.
Conforme aponta Araújo (2009), ao longo das décadas de 1940 e 1950 houve um
aumento nos debates sobre métodos e objetivos do ensino de História isso, em grande medida,
aconteceu pela expansão das Faculdades de Filosofia Ciências e Letras nesse período, onde
foi promovida largamente a formação de professores de História para outros níveis além do
ensino primário oferecido nas escolas normais. A presença da história no currículo da antiga
escola primária e do ensino secundário vai assumindo novos contornos e finalidades no
decurso do século XX, passando por significativas transformações principalmente a partir de
meados dos anos 1980.
As mudanças de paradigmas da História levaram a discussões quanto à prática de
ensino dessa disciplina, o ofício do historiador, tanto pesquisador como também professor,
levou a conclusões que o ensino tradicional precisava ser mudado. Durante muito tempo o
ensino dessa disciplina limitou-se aos fatos políticos, econômicos e sociais, e o espaço escolar
era apenas um lugar de reprodução. A prática do professor é avaliada, assim como sua relação
com os alunos.
Como consequência dessa disputa, houve uma renovação na produção historiográfica
visando ultrapassar as concepções metódicas.
parte-se da compreensão hoje de que o ensino-aprendizagem de História não
pode resumir-se à apresentação e memorização de uma simples enumeração
de datas. Estas são necessárias. Não há ensino de história sem cronologia.
Contudo, a seleção e apresentação de datas devem ser feitas de maneira
contextualizada, tendo em vista a necessidade de localizar o aluno no tempo,
34
a partir de seu tempo e do passado, a fim de que haja compreensão histórica.
(AZEVEDO e STAMATTO, 2010. p.78).
ARAÚJO (2009) defende que o professor necessita ter propriedade do conhecimento
de história adquirido na academia, levando-o para a sala de aula de uma maneira que consiga
transpô-lo didaticamente para que se torne significativo para o estudante. E para que isso
aconteça é preciso levar em consideração a realidade vivida pelo alunado, pois só dessa forma
o professor entenderá como adequar as linguagens e fazer com que os conteúdos ensinados
sejam realmente alcançados e entendidos pelo seu público alvo e, assim, consiga um ensino-
aprendizagem de qualidade. A autora entende que o professor de história:
Deve, portanto, ter como referência a pessoa comum e, a partir dela, articular
no presente as relações multidimensionais próprias da dinâmica do fazer
história: os conceitos de tempo e temporalidade, mudanças/permanências,
continuidade/descontinuidade. Considerar a pessoa no ensino de história
implica tratar os conflitos sociais diários, as lutas, as conquistas, os
costumes, as crenças, as formas de organização social do trabalho, a cultura
popular, etc. Isso não implica, é claro, um abandono dos conteúdos de
História sedimentados na tradição de nossa cultura ocidental, mas, de outra
forma, uma re-leitura desses acontecimentos e realidades passadas, a partir
de um olhar crítico, objetivo também do ensino de história. (ARAÚJO, 2009,
p.8).
Entrevistas orais, fotografia, desenhos, figuras diversas, filmes, textos literários, letras de
música, quadrinhos, charges, visitas a museus e galerias são instrumentos didáticos ou
espaços de aprendizagem recomendados para facilitar o trabalho dos(as) professores(as) de
história que desejam enveredar por um fazer ensino de História dinâmico e plural, capaz de
superar as limitações dos livros didáticos que seguem os princípios teóricos positivistas.
Segundo Araújo (2009) as inovações no ensino de história são introduzidas a partir da
utilização das novas linguagens que, por sua vez, surgem como instrumentos inusitados,
promovendo o destronamento dos métodos e técnicas arcaicas de ensino, denunciadores da
presença dos parâmetros positivistas como principal inspiração no fazer cotidiano das aulas de
História. Todavia, afirma que a utilização dessas novas fontes e linguagens deve surgir por
meio de mudanças significativas nos processos metodológicos. Não adianta a introdução
desses documentos, escritos e não escritos, apenas como ilustração do programa curricular a
ser cumprido. Precisamos dialogar com as fontes/documentos utilizados na sala de aula,
fazendo as devidas análises sobre a natureza, características próprias, quando, por que e por
quem foram produzidos.
35
Buscamos dar um exemplo2 de como um conteúdo poderia ser abordado por um
professor de História que segue os princípios teóricos da escola metódica dita positivista, do
século XIX. Para isso selecionamos o assunto Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que
corresponde ao período marcado com o declínio da Europa e a ascensão dos Estados Unidos
como maior potência mundial. Nesse conteúdo as datas, locais, heróis das batalhas, as causas
e consequências seriam bastante explicados, pelo professor, os relatos de todo
desenvolvimento dos conflitos entre os países seriam narrados detalhadamente e se possível
cópias de documentos oficiais seriam mostrados para os alunos para dar mais veracidade as
aulas, como, por exemplo, os tratados assinados pelos presidentes.
O professor ressaltaria o assassinato de Francisco Ferdinando, príncipe do império
austro-húngaro, durante sua visita a Saravejo (Bósnia-Herzegovina). Apresentando esse
evento como o estopim deste conflito, citando que as investigações levaram ao criminoso, um
jovem integrante de um grupo Sérvio chamado mão-negra, contrário a influência da Áustria-
Hungria na região dos Balcãs. O império austro-húngaro não aceitou as medidas tomadas pela
Sérvia com relação ao crime e, no dia 28 de julho de 1914, declarou guerra à Servia.
Toda essa explicação, que marcaria a exposição oral do professor, seria feita de modo
neutro e claro. A exposição da narrativa sem reflexão, deixaria claro para os alunos que o
papel do estudioso da História não seria de julgar o passado.
O professor explicaria também que vários problemas atingiam as principais nações
europeias no início do século XX. Alguns países estavam extremamente descontentes com a
partilha da Ásia e da África, ocorrida no final do século XIX. Alemanha e Itália, por exemplo,
haviam ficado de fora no processo neocolonial. Enquanto isso, França e Inglaterra podiam
explorar diversas colônias, ricas em matérias-primas e com um grande mercado consumidor.
A insatisfação da Itália e da Alemanha, neste contexto, poderia ser considerada uma das
causas da Primeira Grande Guerra.
Ficaria demarcada a restrição da definição dos sujeitos históricos. A história da
Primeira Guerra Mundial seria a história de europeus colonizadores, em guerra pela expansão
da sua influência política, econômica e territorial.
Outro ponto que seria lembrado é que no início do século XX havia uma forte
concorrência comercial entre os países europeus, principalmente na disputa pelos mercados
2 Poderíamos elencar qualquer conteúdo de História (História Antiga – História Medieval – História Moderna –
História Contemporânea) para exemplificar como um professor conduziria em sua aula as explicações desses
conteúdos à luz dessa perspectiva teórica, que estamos tratando. Entretanto, para não ficar repetitiva e cansativa
a leitura, decidimos eleger apenas um conteúdo de um período histórico e mostra-lo detalhadamente.
36
consumidores que gerou vários conflitos de interesses entre as nações. Ao mesmo tempo, os
países estavam empenhados numa rápida corrida armamentista, já como uma maneira de se
protegerem, ou atacarem. Existia também, entre duas nações poderosas da época, uma
rivalidade muito grande. A França havia perdido, no final do século XIX, a região da Alsácia-
Lorena para a Alemanha, durante a Guerra Franco Prussiana. O revanchismo francês estava
no ar, e os franceses esperando uma oportunidade para retomar a rica região perdida.
O professor explicaria para os alunos que com essa disputa acirrada pelo mercado
mundial, foram surgindo os primeiros sinais de que uma grande guerra estaria vindo pela
frente. Os países da Europa começaram a investir em tecnologia de guerra, engrossando as
fileiras do exército. Além disso, foi desenvolvido uma política que ficou conhecida como
―política de alianças‖. Foram assinados acordos militares que dividiram os países europeus
em dois blocos, que mais tarde dariam início à Primeira Guerra Mundial. A divisão colocava
de um lado a Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro, que formavam a Tríplice Aliança, e
do outro a Rússia, França e Inglaterra, compondo a Tríplice Entente.
Todo esse conhecimento teria sido adquirido pelos historiadores mediante o contato
com documentos do estado, a exemplo dos acordos militares assinados pelos chefes de Estado
de países europeus. Pensando-se a partir dos textos, como defendia Coulanges (apud Dosse,
1994, p. 42), a história seria a História dos grandes feitos políticos-administrativos, nos quais
têm espaços as guerras, os eventos militares, sempre liderados por aqueles que passariam a ser
considerados heróis da nação.
Para finalizar sua aula, o professor, explanaria sobre os principais ataques que
aconteceram contra o continente africano e no oceano pacífico, onde havia colônias e
territórios ocupados pelos europeus. Diria também que coube ao Japão invadir as colônias
micronésias e o porto alemão que abastecia carvão, de Qingdao, na península chinesa de
Shandog. Todos esses ataques fizeram com que em pouco tempo a Tríplice Entente tivesse
dominado todos os territórios alemães no Pacífico. No ano de 1917 os Estados
Unidos decidiram entrar na guerra. Eles se posicionaram ao lado da Tríplice Entente, já que
tinham acordos comerciais milionários envolvidos com países como Inglaterra e França. Esta
união foi crucial para a vitória da Entente, o que acabou forçando os países derrotados a
assinarem a rendição.
Todas essas informações acima são importantes para entendermos a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). Entretanto, hoje sabemos que essas informações são poucas, carecem
de outras informações imprescindíveis para compreendermos a história de uma forma mais
ampla, completa, plural, vendo distintas versões e visões, por meio de problematizações
37
maiores, para podermos entender o lado dos vencidos, excluídos. Se o conteúdo ficasse
apenas nessas explicações, os alunos, por exemplo, não saberiam a importância crucial que as
mulheres tiveram durante a guerra, já que eram elas que trabalhavam nas fábricas de
armamentos, também não conheceriam os detalhes das trocas culturais que aconteceram
quando soldados invadiam outras nações, não entenderiam a situação das pessoas menos
favorecidas e todo sofrimento que passaram durante os conflitos para as partilhas da Ásia e
África e de toda fome, doença e escassez que mulheres, homens e crianças tiveram que
enfrentar durante a Guerra.
Apenas os relatos dos vencedores seriam apresentados com mais profundidade e
destaque, um lado apenas seria mostrado, sem existir problematizações, perguntas,
comparações, análises críticas. Aos não europeus, não brancos, não homens e não ricos não
seria dada a voz necessária. Seriam silenciados e excluídos da narrativa, no máximo
apresentados como perdedores, mas não seria mostrada a versão deles, como protagonistas
também, como voz ativa, tendo participação importante para o desenrolar dos conflitos.
Muitos e ricos recursos didáticos, como histórias em quadrinho, filmes, literatura de
cordel, quadros, fotos, esculturas, livros da época, jornais, relatos orais de filhos e netos de
sobreviventes da guerra não seriam apresentados em sala de aula, só seriam apresentados no
máximo cópias de documentos escritos e oficiais. Um pesquisador e professor metódico não
abordaria fontes diversas, pois acreditaria está dando margem a interpretações filosóficas, a
visões diferentes que fugiriam da verdade e isso seria nocivo para o ensino da História.
Aróstegui (2006) nos mostra que essa a historiografia feita pelos metódicos se
estabeleceu através dos documentos e de sua crítica na intenção de transmitir os fatos ―como
realmente aconteceram‖, somente fontes diretas da história eram aceitas. Os historiadores
dessa escola foram denominados de ―metódicas‖ já que sua preocupação número um era de
dispor de um método. Este que se inicia no século XIX quando decidiram se separar
definitivamente das concepções relativas à escrita da história que se baseavam em crônica e
testemunhos deixados por gerações anteriores e sempre se mostraram contra qualquer teoria
ou filosofia.
Além da abordagem dos conteúdos, podemos mencionar a relação professor-aluno que
dependendo da postura teórica seguida pelo professor sabemos que também pode mudar
completamente. As escolhas teóricas sempre afetam as posturas metodológicas. Quem segue
fielmente os princípios teóricos metódicos, por exemplo, não vai permitir que seus alunos
expressem suas reflexões críticas, por achar que elas caminham para um pensamento
38
filosófico e isso afeta negativamente a história, deixando-a extremamente subjetiva. Para os
metódicos a História precisa ser objetiva construída a partir de documentos escritos e oficiais.
Na relação professor-aluno que se baseia em princípios metódicos, é o professor que
conduz o conhecimento e os alunos sem questionar apenas aceitam o que é ensinado como
verdade absoluta, sem existir espaço para a troca de conhecimento e nem de reflexões por
ambas as partes. O professor é tido como a autoridade máxima, detentor de todo
conhecimento e os alunos apenas subordinados que devem seguir fielmente todos os
ensinamentos passados por seu tutor intelectual, principalmente, ensinamentos dos grandes
homens, grandes representantes da nação que são apresentados como exemplos que devem ser
admirados, seguidos. Os protagonistas da História são os representantes da elite, pessoas que
tem dinheiro, destaque social. Diferentes grupos sociais são deixados de lado, não são
visibilizados. Dessa maneira, é possível que o estabelecimento de diálogos entre professor e
aluno seja prejudicado ou mesmo inexistente, pois o que deve haver mesmo são duas grandes
ações: preleção oral do professor e memorização por parte dos alunos.
Barros (2010) lembra que os historiadores metódicos enxergavam os documentos
como ―detentores de verdades absolutas‖ e que a história poderia ser reescrita de forma
objetiva e definitiva, dessa forma estaria estabelecendo um caráter científico a ela. Os estudos
eram voltados apenas para figuras importantes da elite e suas bibliografias relatavam apenas
as histórias de grandes personagens – reis, militares, imperadores, governantes, presidentes.
Diante disso, podemos afirmar que, a compreensão sociocultural dos alunos seria
desprezada, é apenas imposta uma história eurocêntrica distante da realidade deles, uma
história que não faz sentido com seu dia-a-dia, com o contexto social-cultural que estão
inseridos. O ensino não faz ponte entre presente e passado, os conteúdos não são
contextualizados, problematizados, somente narrados.
Nessa relação o aluno não tem voz, não opina, não diz o que sabe previamente sobre o
assunto, não expõe seus desejos de aprender coisas diferentes, não tem oportunidade de
apresentar suas reflexões sobre os assuntos, suas perguntas e dúvidas na busca de respostas
diferentes para a história que lhe é apresentada. O ensino-aprendizagem da disciplina resume
à apresentação e memorização e enumeração de datas, exposta de forma cronológica e linear.
A apresentação das datas não é contextualizada, não localiza o aluno no tempo, a partir de seu
tempo presente com o do passado.
Em uma aula pautada em tais princípios, seria totalmente inexistente a
contextualização histórica. O objetivo do professor é narrar os fatos históricos e o do aluno,
memorizá-los. A autonomia intelectual do aluno simplesmente não é incentivada já que isso
39
pode dar margem a questionamentos filosóficos, subjetividades que não são aceitos. Não é
permitido que o aluno construa significado a partir do que lhe foi passado. O professor não
instiga, não provoca o alunado para que seja ativo na aprendizagem, mas somente pare na
memorização dos eventos. A interpretação é descartada, é desnecessária. ―[...] Em outros
termos, uma abordagem curricular positivista, não visiabiliza a compreensão da realidade
sociocultural da comunidade escolar posto que não há espaço para as relações entre presente e
passado e os conteúdos históricos não têm meios para a contextualização‖ (AZEVEDO e
STAMATTO, 2010, p. 78).
Para os metódicos não existe problematização, construção de hipóteses, releitura de
fatos, reconstrução do passado. Todos os fatos históricos contidos em documentos oficiais são
tidos como detentores de verdades totais e absolutas, seriam uma ―coisa que fala por si‖ que
não podem ser questionadas, mudadas, mas apenas reproduzidas, e toda e qualquer opinião
pessoal do historiador seria irrelevante como afirma (REIS, 2004).
Outra prática metodológica de um professor que com certeza muda de acordo com a
corrente teórica é a forma como ele avalia seus alunos. Um docente metódico em suas
avaliações testa o conhecimento dos alunos no intuito de saber se de fato conseguem
reproduzir as histórias que lhe foi narrada, os nomes dos personagens, os locais, as datas. A
avaliação seria voltada para analisar se o aluno memorizou, gravou o conhecimento. Testes
orais, provas de múltipla escolha, questionários escritos são alguns exemplos de avaliações
cobradas, pois através dessa metodologia o aluno pode expor ao professor o que memorizou.
Geralmente essas atividades são feitas de forma estanque no fim do bimestre letivo valendo a
nota máxima da matéria, na unidade didática.
Avaliar de forma contínua o desenvolvimento e as produções dos alunos não é
objetivo de um professor metódico, pois o mesmo não quer saber se o aluno está produzindo
interpretações próprias, resignificando o conhecimento. A avaliação feita só no fim do
bimestre já é suficiente para esse tipo de professor, já que nela consegue analisar se o aluno
decorou ou não os assuntos explanados em sala.
Nas provas não são cobrados saber se os eles conseguiram ter uma visão crítica,
ampla, questionadora, se de fato interiorizaram os assuntos e conseguiram aplicá-los nas suas
vidas, se sabem relacionar com as suas realidades, nos contextos de vida que estão inseridos.
Não é exigido do aluno que saibam relacionar o passado com o presente, que consigam
interpretar os eventos, vê-los de maneira plural, entendendo suas particularidades, rupturas,
continuidades.
40
Essa perspectiva de ensinar e aprender História passa por mudanças e adaptações que
fazem com que sua influência possa ser vista ainda hoje em práticas de docentes de História,
como bem explicam Azevedo e Stamatto (2010, p. 83-84). Podemos afirmar que as buscas por
adaptações foram resultado dos questionamentos sofridos a partir da expansão dos estudos
teóricos de cunho marxista, como veremos no capítulo seguinte.
41
CAPÍTULO 3 – HISTÓRIA E PROBLEMATIZAÇÃO DA SOCIEDADE: A BASE
MATERIAL E O PAPEL DOS SUJEITOS HISTÓRICOS
3.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA MARXISTA
Também no século XIX, tem início, na Alemanha, um movimento histórico de cunho
materialista que posteriormente ficou conhecido como marxismo. Assim como os
historiadores da escola metódica que pretendiam fundar uma história científica, afastando-se
completamente de uma história baseada na filosofia, a corrente historiográfica marxista,
mesmo seguindo caminhos diferentes da historiografia metódica, buscava esse mesmo
objetivo.
Karl Marx e Friedrich Engels foram os fundadores dessa corrente de pensamento. Em
um período em que o idealismo hegeliano predominava e se atribuía apenas à vontade dos
pensamentos dos homens a causa dos fenômenos sociais, desprezando assim o papel da vida
material para se explicar a sociedade e a história da humanidade de uma maneira geral. É
justamente nesse momento histórico que estes autores escreviam suas principais obras que
posteriormente se tornariam os fundamentos teóricos dessa corrente, como afirma Aróstegui
(2006).
Marx e Engels decidem seguir um caminho completamente oposto à corrente idealista
e introduzem uma nova concepção sobre a forma de se entender a história da humanidade e,
dessa maneira, se afastam do pensamento filosófico de Hegel.3 É na obra intitulada: ideologia
alemã escrita em 1845-1846 que aparecem as primeiras formulações sobre o Materialismo
Histórico, que só foi publicado um século depois. Outra obra fundamental para se entender a
história marxista é O Capital (1867) através dela o proletariado internacional pode conhecer
as razões de sua miséria e os meios de acabar com ela de maneira revolucionaria. Os
descobrimentos de Marx e Engels permitiram às massas operárias dar uma orientação correta
a suas lutas.
Conforme aponta Aróstegui (2006) o marxismo trouxe uma importante renovação
temática para a historiografia. A historiografia marxista fixou sua atenção em alguns temas
preferidos, as temáticas iam desde as fontes e os métodos, os problemas teóricos e os campos
3 A dialética assume em Hegel o ponto central de seu pensamento e está presente, influenciando, de forma
diversa, uma vez que este método foi incorporado no pensamento de diversos outros pensadores e correntes
filosóficas, entre elas o marxismo e o existencialismo. De certa forma toda filosofia de Hegel é dialética uma vez
que sua filosofia é uma filosofia do devir e essencialmente racionalista – todo racional é real e todo real é
racional. (MARQUES, 2012, p. 5).
42
de pesquisa, até os problemas da revolução francesa. Ela deu também uma grande atenção à
concepção do trabalho histórico, à história das classes baixas, à história das mulheres, do
feminismo etc. O autor afirma que a influência do marxismo tem sido profunda na trajetória
das ciências sociais, particularmente a partir dos anos 30 do século XX e, em especial, nos
anos posteriores à Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
É importante ressaltar que Marx e Engels nunca desenvolveram de forma sistemática
um corpo de conceitos, eles foram elaborados de forma desigual por seus sucessores. ―Muitas
das expressões que mais tarde se tornaram conceitos e fundamentos do materialismo histórico,
nem sempre foram enunciados com o objetivo de delinear naquele momento uma maior
precisão conceitual.‖ (BARROS, 2011, p.44). Os conceitos pertencentes à infra-estrutura, por
exemplo, tem sido mais bem elaborado do que os pertencentes à superestrutura segundo
afirma a autora Harnercker (1983).
Karl Heinrich Marx, (1818-1883) era filho de um advogado, nasceu na cidade alemã
de Tréveris, na região renana, em uma família burguesa judia convertida ao protestantismo e
conquistada para o espírito das Luzes. Aos dezoito anos vai morar em Berlim, onde a filosofia
hegeliana dominante exerce uma profunda influência em sua vida levando-o a abandonar o
Direito pela Filosofia. Foi durante algum tempo jornalista-editor da publicação radical
Reinische Zeitung, que foi suprimida pelo governo em 1843. No mesmo ano, Marx foi para
Paris, onde o impacto do pensamento francês e inglês o levou a reexaminar os pressupostos
metafísicos da filosofia hegeliana; fazendo com que as suas próprias ideias acerca da
natureza, da sociedade e da história ganhassem finalmente forma. O jovem Marx põe em
causa a filosofia de Hegel, dialoga com os jovens hegelianos – Ruge, Bauer, Feuerbach – e
concebe os seus primeiros manuscritos – ―Economia Política e Filosofia‖ (1844) e ―A
Ideologia alemã‖ (1845-1846). Em 1884 conheceu Friendrich Engels, e a colocação destes
dois homens no desenvolvimento de uma teoria social e econômica sistemática iria continuar
até a morte de Marx (GARDINER, 1964, p. 153-154).
Friendrich Engels (1829-1895) nasceu na cidade alemã de Wuppertal e faleceu em
Londres. Sua posição econômica privilegiada, como filho de um rico industrial alemão,
trouxe-lhe condições financeiras mais favoráveis do que às de Marx para realizar seu trabalho
intelectual. O período em que assumiu a direção de uma das fábricas da família, em
Manchester, permitiu que acumulasse uma série de observações a respeito da situação
miserável do proletariado inglês, o que pode ser observado já em uma de suas primeiras
obras: A situação das classes trabalhadoras na Inglaterra (1845) (BARROS, 2011, p.20).
43
Marx e Engels desconsideraram a ideia hegeliana de que a explicação da história está
na ação de forças espirituais. Todos os que defendiam a corrente idealista tais como: teólogos,
filósofos, sociólogos, historiadores etc., viam a consciência, a razão, as ideias políticas,
morais e religiosas, como a força motriz fundamental e determinante do desenvolvimento da
sociedade (HARNECKER, 1983, p.95). Divergindo dessa concepção, esses autores apontam
que o sentido da evolução histórica se encontra na maneira como os homens criam e usam os
instrumentos para produzir os meios de subsistência. Ou seja:
Na Dialética Hegeliana seu ponto de partida é o Espírito, o mundo das
ideias. É a partir do Espírito que se institui o movimento do mundo. [...] A
novidade introduzida foi precisamente inverter o ponto de partida do
processo dialético. Enquanto Hegel o situa no Espírito, Marx o localiza na
Matéria. (BARROS, 2011, p. 40- 41).
Diferente da concepção idealista da história, proposta por Hegel, Marx e Engels
entendem que a história não é explicada a partir das ideias, mas a partir da prática material, e
que as concepções e especulações políticas, morais, religiosas e filosóficas do homem, em
qualquer período da história, só têm significado se forem consideradas como reflexo dos fatos
fundamentais da produção material e dos conflitos entre diferentes interesses econômicos.
O trecho abaixo apresenta nas palavras de Marx, extraídas de sua obra ―A ideologia
alemã‖, as concepções que tinha sobre o materialismo histórico bem como sua clara
divergência em relação à concepção idealista da história:
A filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui parte-se da terra para
atingir o céu. Isto significa que não se parte daquilo que os homens dizem,
imaginam e pensam nem daquilo que são nas palavras, no pensamento na
imaginação e na representação de outrem para chegar aos homens em carne
e osso; parte-se dos homens, da sua atividade real. É a partir do seu processo
de vida real que se representa o desenvolvimento dos reflexos e das
repercussões ideológicas deste processo vital. Mesmo as fantasmagorias
correspondem, no cérebro humano, a sublimações necessariamente
resultantes do processo da sua vida material que pode ser observado
empiricamente e que repousa em bases materiais. Assim, a moral, a religião,
a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as formas de consciência
que lhes correspondem, perdem imediatamente toda a aparência de
autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; serão antes os
homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações
materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu
pensamento e os produtos desse pensamento. Não é a consciência que
determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na primeira
forma de considerar este assunto, parte-se da consciência como sendo o
indivíduo vivo, e na segunda, que corresponde à vida real, parte-se dos
próprios indivíduos reais e vivos e considera-se a consciência unicamente
como sua consciência. (Marx apud GARDINER, 1964, p.159).
44
Vemos no trecho acima, uma famosa frase de Karl Marx, que diz ―não é a consciência
que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência‖. Esta frase é bem
significativa na definição do materialismo histórico. Entendemos de acordo com a concepção
materialista da história que não são os pensamentos, as ideias; ou seja, não é a consciência,
como propunham Hegel e seus seguidores, que dão sentido à História e que determinam a
vida, mas sim as atitudes concretas, as condições materiais da vida do homem em sua
existência histórica que influenciam a sua consciência em uma determinada sociedade. A
concepção materialista da História segundo Bertrand Russell:
[...] parte da proposição segundo a qual a base de toda a estrutura social é a
produção dos meios para a manutenção da vida humana e, depois da
produção, a troca de produtos; e, em todas as sociedades que já apareceram
na história, a maneira como é distribuída a riqueza e a sociedade dividida em
classes ou ordens, depende daquilo que é produzido, como é produzido, e
como se trocam os produtos. Segundo este pondo de vista, as causas finais
de todas as transformações sociais e revoluções políticas devem procurar-se,
não no cérebro humano, não nos melhores critérios humanos acerca da
verdade eterna e da justiça, mas nas transformações quanto aos modos de
produção e de troca. Devem procurar-se, não na filosofia, mas na economia
de cada período determinado. (Bertrand Russell apud GARDINER, 1964, p.
349).
Para o materialismo histórico o que dá sentido a todas as sociedades são as forças
produtivas e as relações de produção; as riquezas e divisões de classe são frutos das relações
econômicas que acontecem nessa sociedade e, por fim, as transformações e revoluções que se
configuram nela não podem ser explicadas corretamente pela Filosofia, mas sim pela
Economia, pois é ela que determina tudo. São as relações materiais, ou seja, as relações
econômicas que dão sentido à vida social, que determinam a história da humanidade, como
vemos nesse outro trecho que expressa bem essa ideia:
Esta concepção da história tem, portanto como base o desenvolvimento do
processo real da produção, contritamente a produção material da vida
imediata; concebe a forma das relações humanas ligada a este modo de
produção e por ele engendrada, isto é, a sociedade civil nos seus diferentes
estádios, como sendo o fundamento de toda a história. Isto equivale a
representá-la na sua ação enquanto Estado, a explicar através dela o conjunto
das diversas produções teóricas e das formas da consciência, religião, moral,
filosofia, etc., e a acompanhar o seu desenvolvimento a partir destas
produções; o que permite naturalmente representar a coisa na sua totalidade
(e examinar ainda a ação recíproca dos seus diferentes aspectos). Ela não é
obrigada, como acontece à concepção idealista da história, a procurar uma
categoria diferente para cada período, antes se mantendo constantemente no
plano real da história; não tenta explicar a prática a partir da ideia, mas sim a
45
formação das ideias a partir da prática material; chega portanto, à conclusão
de que todas as formas e produtos da consciência podem ser resolvidos não
pela crítica intelectual, pela redução à ―Consciência de si‖ ou pela
metamorfose em ―aparições‖, em ―fantasma‖, etc., mas unicamente pela
destruição prática das relações sociais concretas de onde nasceram as
bagatelas idealistas. Não é a Crítica, mas sim a revolução que constitui a
força motriz da história, da religião, da filosofia ou de qualquer outro tipo de
teorias. (Marx e Engels apud GONZALEZ, 2011, p. 140).
Para Marx e Engels a sociedade civil nos seus diferentes estágios é o fundamento de
toda a história, para esses pensadores as classes sociais são o que move a História, as lutas
diárias exercidas por elas geram a dinâmica que impulsiona a sociedade a seguir em frente,
pois entendem que esses conflitos geram contradições que ao serem resolvidas proporcionam
mudanças sociais e consequentemente movimento, avanço e dinâmica para as relações
cotidianas. O homem como sujeito social é visto como agente central do processo de
produção social, os homens aparecem na história não apenas como grandes heróis, mas
também como trabalhadores, proletários atuantes, a história é construída por todos os homens
e suas ações diárias que fazem suas revoluções grandes ou pequenas e que, dessa maneira,
exercem a força motriz da história.
Segundo o historiador Ivo dos Santos Canabarro (2008, p. 61-62):
A síntese geral da teoria marxista está em afirmar que as sociedades devem
ser pensadas em sua totalidade, pois consiste em pensar que existem
estruturas que basicamente são formadas por determinadas relações sociais.
O marxismo trabalha com a noção de sujeitos sociais, ou seja, determina o
papel específico que os homens ocupam em uma determinada sociedade,
portanto, estabelece que os homens permaneçam em uma luta constante com
a natureza para poder subsistir. Nesta luta permanente são estabelecidas
determinadas relações, o que se costumou chamar de relações de produção,
pois são cotidianas e todos os homens estão sujeitos a estabelecer, sendo as
sociedades estruturadas a partir delas. Estas relações de produção sempre
correspondem a um estágio evolutivo da própria sociedade, que podemos
denominar de forças produtivas, o que corresponde às formas como a
produção material de uma determinada sociedade está organizada dentro de
uma perspectiva maior que é o modo de produção. É possível afirmar que a
totalidade das relações de produção, constituem a base econômica de
sociedade, portanto, podemos constatar que o marxismo tem uma
preocupação em estudar este fenômeno e também as relações que são
estabelecidas a partir desta estrutura.
É possível afirmar que a dinâmica da história está no conflito entre forças produtivas e
relações de produção e que elas só acontecem por que os homens permanecem em uma luta
constante com a natureza, lutas diárias que todos os homens estão sujeitos a estabelecer ao
46
longo da vida por meio de estruturas que basicamente são formadas por determinadas relações
sociais.
O historiador José Carlos Barros (2011) entende que a ideia de considerar o ―Modo de
Produção‖ como ponto de partida para a análise histórica foi a grande novidade trazida por
Marx e Engels, no que concerne particularmente à sua contribuição para a historiografia.
Barros (2011, p. 48) explica que esse conceito tem passado por várias redefinições devido ao
avanço de trabalhos historiográficos mais específicos, mas devemos entendê-lo inicialmente
como a combinação das ―forças de produção‖ e das ―relações de produção‖ correspondentes a
certo período ou sociedades historicamente localizadas.
Os homens, ao elaborarem a sua produção social, entram em determinadas relações
que são indispensáveis e independentes da sua vontade, relações de produção essas que
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças materiais de
produção. A totalidade destas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, que Marx e Engels chamaram de infra-estrutura. Para o marxismo é nela que se
encontram as explicações dos fenômenos sociais da superestrutura, sendo esta entendida
como, as instituições jurídico-políticas e ideológicas de uma determinada sociedade
(HARNECKER, 1983). Em certa fase do seu desenvolvimento, as forças materiais entram em
contradição com as relações de produção, gerando assim uma época de revolução social,
sendo estas contradições que são paulatinamente suscitadas nos diferentes modos de
produção, que farão com que, através do processo dialético, ocorram as mudanças na
humanidade (GARDINER, 1964). Resumidamente, o conflito entre classes, tendo como base
o poder econômico, proporciona a evolução, esta que não segue um curso linear, mas procede,
justamente, pela transformação de uma estrutura para outra estrutura social.
Barros (2011, p. 123) afirma que o materialismo histórico tenta explicar a História em
função de uma ―luta de classes‖, uma luta que determina por entretecer dramaticamente a
história social que se ajusta perfeitamente à história dos modos de produção.
A história de todas as sociedades, até hoje, tem sido a história da luta de
classes. Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, barões e servos,
membros especializados das corporações e aprendiz, em suma: opressores e
oprimidos estiveram em permanente oposição; travaram um luta sem trégua,
ora disfarçada, ora aberta, que determinou sempre com a transformação
revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes
em conflito. (Marx e Engels apud BARROS, 2011, p.101).
47
José D‘ Assunção Barros (2011, p. 11) explica que o materialismo histórico começou
a ser pensado e organizado visando a possibilidade de se construir uma História que pudesse
contribuir para impulsionar o desenvolvimento humano como um todo, contra o pano de
fundo dos interesses das elites e dos poderes dominantes, contra as desigualdades das classes
sociais. Afirmando que no limite, este paradigma acena com a possibilidade de que a História
seja posta a serviço dos movimentos sociais, das classes socialmente revolucionárias, dos
oprimidos pela própria História, da desalienação do ser humano em múltiplos sentidos,
fazendo com que tivessem consciência do seu importante papel social, apresentando as forças
invisíveis que o estariam aprisionando e determinando, em última instância, seu próprio
destino.
Na concepção do materialismo histórico, os sujeitos da História são os vários grupos
sociais, as massas, as forças sociais que unem os indivíduos. Essa História, sobretudo, dá-se
pelo desenvolvimento dos modos de produção. As classes sociais ocupam sempre uma
posição específica no modo de produção de uma determinada formação social.
Chama-se classes os grandes grupos de pessoas que se diferenciam entre si
por seu lugar num sistema de produção social historicamente determinado,
por sua relação (as mais das vezes fixada e formulada nas leis) com os meios
de produção, por seu papel na organização social do trabalho e,
consequentemente, pelo modo de obtenção e pelas dimensões da parte da
riqueza social de que dispõe. As classes são grupos de pessoas, um dos quais
pode apropriar-se do trabalho do outro graças ao fato de ocupar um lugar
diferente num registro determinado de economia social. (LENIN apud
BARROS, 2011, p. 121).
Sua história – a das classes sociais em confronto, aliança e luta – é ditada por um
ritmo histórico mais agitado ela se agita a partir de eventos, assiste à eclosão de revoluções,
vê-se atravessada por manifestações ideológicas que podem assumir a forma de produtos
culturais específicos. As lutas de classes acontecem nas ruas, nas relações de trabalho, no
confronto cotidiano, mas também por meio de textos, discursos, preconceitos, permanências e
inovações (BARROS, 2011, p.103).
O modo de produção é estrutura e cenário para a atuação das classes sociais,
verdadeiros protagonistas da História, de acordo com as proposições que fundamentam o
materialismo histórico. Karl Marx enfatizava que, a revolução proletária seria responsável
pela transformação do mundo. Nesta, o motor da História é a luta de classes. Portanto, o
homem é o único responsável pelas transformações que ocorrem, isto é, eles fazem a História.
48
Para o autor de O capital, um grupo humano só pode compreender uma
evolução ao empenhar-se no processo de mudança. Por outras palavras, os
homens, apesar de estarem inseridos em estruturas sociais, não são objetos
passivos, mas sujeitos ativos da sua própria história. Portanto, um grupo
econômico transforma-se em classe social através de uma tomada de
consciência. Esta traduz-se por atos: a luta sob a forma de greves, de
manifestações, de revoltas; o voto por ocasiões de eleições; a organização de
partidos, de associações e de sindicatos; a expressão de ideologias – o
liberalismo, o radicalismo, o socialismo, etc. (BOURDÉ e MARTIN, 2003,
p.163).
A História nessa perspectiva é entendida por possuir uma ordem evolutiva racional,
em que as fases sucessivas que a constituem seguem em direção à utopia comunista. ―A
tomada de poder político pela classe operária ou pela classe operária e seus aliados, criariam
as condições que possibilitariam estabelecer as relações ideológicas que permitiriam um pleno
desenvolvimento das forças produtivas, base necessária para o desenvolvimento final do
comunismo‖ (HARNECKER, 1983, p. 150). Os soviéticos eram os sustentadores dessa leitura
de Marx. Para eles, haveria uma ligação profunda entre evolução e revolução no processo de
desenvolvimento: a evolução seria constituída pelas mudanças quantitativas que formariam as
mudanças qualitativas revolucionarias; a revolução viria coroar a série de mudanças
quantitativas evolutivas.
Para o pensamento marxista a revolução constitui a força motriz da história, da
religião, da filosofia ou de qualquer outro tipo de teorias, essas revoluções acontecem por
meio das lutas, greves, manifestações. As revoltas sociais das classes trabalhadoras, de uma
forma geral, são compreendidas pelo materialismo histórico como o motor da História. Marx
mantem a ideia de um sentido da História, de uma finalidade das ações humanas, as relações
de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social. Ao
fim de uma longa evolução, marcada por dolorosas contradições – crises, epidemias,
migrações, guerras etc., –, a História deve gerar uma sociedade comunista de paz e de
abundância. Ou seja, a ordem evolutiva é justamente a evolução das lutas sociais até
culminarem em uma sociedade perfeita (BOURDÉ e MARTIN, 2003, p.158-159). Pelo
conceito de práxis, difundido pelo marxismo, a história teria sua salvação na própria história,
a utopia restaria o tempo passado e presente de infelicidade, e a espécie humana seria imortal
e se aperfeiçoaria, superando a finitude dos indivíduos. ―O marxismo inspira, pela sua
estratégia para solucionar o drama da temporalidade, confiança e esperança. A utopia será
uma ‗cidade feliz‘ humana e histórica, e não uma ‗cidade de Deus‘ ou do Espírito Absoluto‖
(REIS, 2004, p.65).
49
Os trabalhos de Marx e Engels sustentam a ideia de práxis, de uma ação
transformadora do mundo, uma ação revolucionária que busca a utopia comunista. Neste
mesmo sentido podemos também analisar o pensamento de Marx e Engels, quando afirmam
que: ―Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém,
é transformá-lo‖ (Marx apud GONZALEZ, 2011, p. 140). Na verdade, com esta afirmação,
estes pensadores chamam a atenção para os limites da teorização em si, a qual não retém
condições suficientes para promover mudanças na realidade concreta, daí ressaltar a atitude de
intervir no mundo, não reduzir a ação humana à pura contemplação. Em ―A ideologia alemã‖,
Marx e Engels esboçam a materialidade e a objetividade com que concebem o trabalho que
realizam:
As premissas de que partimos não constituem bases arbitrárias, nem dogmas;
são antes bases reais de que só é possível abstrair no âmbito da imaginação.
As nossas premissas são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições
materiais de existência, quer se trate daquelas que encontrou já elaboradas
quando do seu aparecimento quer das que ele próprio criou. Estas bases são,
portanto verificáveis por vias puramente empíricas. (Marx e Engels apud
GONZALEZ, 2011, p. 140).
Guiado, então, pelo objetivo não apenas de conhecer, relatar e compreender a História,
mas principalmente ―transformar‖, é que o materialismo histórico se constitui como
referencial que compreende a materialidade e a objetividade do conhecimento como
premissas essenciais. ―Não é a Crítica, mas sim a revolução que constitui a força motriz da
história, da religião, da filosofia ou de qualquer outro tipo de teorias‖ (Marx e Engels apud
GONZALEZ, 2011, p. 140).
É importante lembrar que o conceito de práxis não foi criado pelo marxismo. Marx
herda do Iluminismo revolucionário e principalmente do idealismo alemão, de Kant e Fichte,
a ―razão prática‖, a ―práxis‖ a intervenção racional, crítico-concreta no mundo. (REIS, 2004,
p. 64). A práxis deve ser entendida como um conceito que une ―Teoria‖ e ―Ação‖, que remete
respectivamente das palavras gregas: theoria e poiesis. Entre essas duas instâncias humanas
do ―pensamento‖ e do ―fazer‖, a práxis correspondia a uma terceira instância que se relaciona
ao ―agir‖, e mais especificamente à ―ação que se realizava no âmbito das relações entre as
pessoas, a ação intersubjetiva, a ação moral, a ação dos cidadãos‖. Marx traz a práxis para
uma centralidade que se relaciona à possibilidade de transformar conscientemente o mundo
seja por meio da recuperação de uma consciência que deve se aplicar à vida, pela ação
revolucionária. (BARROS, 2011, p.132).
50
Situando o conceito de práxis dentro de uma visão marxista, podemos dizer que esta é
a síntese da teoria e da prática através da ação política (Pimenta apud MEDEIROS, 2006, p.
6). A autora explicita o conceito de práxis a partir da contribuição de Adolfo Sánchez
Vásquez, concebendo-a como uma prática que se faz pela atividade humana de transformação
da natureza e da sociedade, consolidando-se, assim, em uma práxis, em uma atitude humana
diante do mundo, da sociedade e do próprio homem.
3.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS TEÓRICOS MARXISTAS
A historiografia marxista causou impacto não só nas concepções dos docentes, mas
também nas produções dos livros didáticos de uma forma notável, afetando dessa forma os
conteúdos históricos ensinados em sala de aula, segundo a autora Circe Bittencourt (2011,
p.146): ―no ensino de História, a tendência marxista foi marcante a partir do fim da década de
70 [século XX] e ainda permanece como base da organização de conteúdos de várias
propostas curriculares e de obras didáticas‖.
Antes da influência dessa vertente de pensamento o que se encontrava nas páginas dos
manuais escolares e na oratória dos professores, de uma forma geral, era uma história baseada
nas ideias da historiografia metódica, os fatos e acontecimentos históricos apareciam num
tempo linear e cronológico onde eram explicados exclusivamente por meio da ação de
governantes, apresentando assim uma visão de cima, no sentido de que sempre se
concentravam nos feitos de grandes homens. Toda essa visão se moldava na concepção de um
tempo cuja dimensão era o passado. A história concebida até então, não levava em conta
outros sujeitos sociais que também estavam presentes nas cenas políticas; por meio dessa
historiografia tradicional não se percebiam as rupturas e continuidades presentes no decurso
da história do homem e da sociedade (ARAÚJO, 2009, p. 14).
Segundo mostram as autoras Azevedo e Stamatto (2010, p. 80), ―a linearidade
absoluta da história positivista é flexibilizada na perspectiva marxista, a partir da qual a
história é entendida como ciência da totalidade do real na dinâmica de suas ações, ao mesmo
tempo articuladas e contraditórias‖. Segundo a vertente marxista, entendemos que:
as contradições que paulatinamente suscitaram nos diferentes modos de
produção, fizeram com que, através do processo dialético, ocorressem as
mudanças na humanidade. Em outras palavras, o embate entre classes, tendo
como pano de fundo o poder econômico, proporcionou a evolução.
Embasado num conceito teleológico, tal ideologia advoga que os próximos
51
estádios da humanidade seriam: a instalação de uma ditadura proletária e que
lhe se consubstanciaria no comunismo. (MORAIS, 2006, p.17).
Aspectos dessa perspectiva teórica marcada pelos conflitos sociais e pelas
transformações por que passam os homens em sociedade marcam os conteúdos e o ensino da
disciplina História. Dessa forma, ―os conteúdos escolares foram organizados pela formação
econômica das sociedades, situando os indivíduos de acordo com o lugar ocupado por eles no
processo produtivo‖ (BITTENCOURT, 2011, p. 147). No ensino de História no Brasil,
percebemos claramente a influência dessa perspectiva teórica, um exemplo bem marcante são
os ciclos econômicos conhecidos como: Pau-Brasil, Cana-de-açúcar, Ouro, Café, Borracha e
Industrialização - ciclos que foram caracterizados por alguns historiadores como sendo os que
delimitaram as fases do nosso desenvolvimento econômico-social. Contar a história do país
enfatizando os ciclos econômicos e os conflitos sociais entre as classes dominantes e
dominadas e enfatizando que essas são etapas necessárias para o desenvolvimento da
sociedade só acontece graças à influência da historiografia marxista nas produções didáticas.
Entendemos que Marx e Engels ―introduzem um novo e duplo olhar na História: uma
atenção para a dimensão econômico-social‖ (BARROS, 2011, p.44). A historiografia marxista
segue esse princípio e dá atenção justamente às questões relacionadas a essa dimensão. É por
esse motivo que ao influenciar os conteúdos e o ensino de História o foco que antes era dado
para as dimensões políticas e os grandes feitos de importantes homens passa então para a
dimensão econômica da sociedade, no qual os sujeitos da História não são mais enxergados
nos cenários políticos, mas sim nos vários grupos sociais, nas massas, nas forças sociais
trabalhadoras.
Por entender que os homens são sujeitos de sua história, e, que, portanto, são
eles os únicos responsáveis por romper as correntes que os mantém presos, o
pensamento de Marx se mostra revolucionário. De acordo o autor d‘O
Capital ―os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como
querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas
com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado‖.
(Marx apud ALVES, 2011, p.9).
O marxismo proporcionou uma compreensão maior da realidade social, mostrando os
acontecimentos históricos através de um olhar mais amplo, apresentando-os como um
processo complexo, com diferentes grupos sociais participantes do curso do desenvolvimento
da História da humanidade. Quanto a esses aspectos no ensino escolar, podemos afirmar
conforme Azevedo e Stamatto (2010, p.80) que:
52
se espera que em meio a um processo ensino-aprendizagem de História, os
envolvidos obtenham meios e instrumentos necessários para a análise e
compreensão da realidade social como uma totalidade histórica complexa.
Há assim, possibilidade de percepção da história como processo, o que
permite que o aluno compreenda a humanidade em suas trajetórias e nestas
perceba os mecanismos de diferenciação entre os grupos sociais.
Para o pensamento marxista o motor da história é a luta de classes em que a revolução
proletária é responsável pela transformação do mundo. Marx entende, portanto, que o homem
é o único que pode proporcionar as mudanças sociais. Por outras palavras, os homens, apesar
de estarem inseridos em estruturas sociais, não são objetos passivos, mas sujeitos ativos da
sua própria história, segundo afirmam os autores Bourdé e Martins (2003, p.163). Adaptando
essa ideia para o ensino escolar vemos que a valorização dos homens como construtores da
história é de extrema importância para a formação de um ensino-aprendizado de qualidade de
acordo com as propostas atuais de educação. O marxismo ampliou a identificação dos sujeitos
históricos e das relações sociais. Se pensarmos a adoção desses princípios em uma dimensão
educacional, vemos que ela possibilitou ao aluno ser enxergado e se enxergar como sujeito
construtor da história; o que antes não era possível, pois o aluno era visto apenas como
receptor dos ensinamentos dos professores, pois na visão da história tradicional acreditava-se
que o docente era o único detentor de conhecimento e que o discente era uma ―tábua rasa‖ que
recebia passivamente os conhecimentos. Além disso, o ensino tem se caracterizado pelo
respeito às diversas formas de manifestação social, a partir de uma maior consciência de que
possuem uma identidade própria (AZEVEDO e STAMATTO, 2010).
Os trabalhos de Marx e Engels sustentam a ideia de práxis que é a união de uma teoria
e uma ação, da união do pensamento e do fazer no qual juntos são responsáveis pela
transformação do mundo. Sob a perspectiva marxista de que o mundo não muda somente pela
prática, mas por uma ação que deve estar unida a uma teoria. Entendemos que a consciência
da práxis tem o poder de influenciar positivamente o ensino de História e a compreensão
histórica de uma forma geral, essa consciência de práxis é fundamental, pois ―compreender
que os homens, à medida que transformando o mundo, transformam a si mesmos, é pensar
historicamente‖ (AZEVEDO e STAMATTO, 2010).
A reflexão crítica sobre a prática deve ser uma constante no cotidiano escolar. Quando
os profissionais da educação analisam suas ações é natural que seu ofício seja repensado e
aperfeiçoado, no momento em que novas demandas e realidades aparecem. À medida que as
atividades vão sendo realizadas, o profissional deve avaliar sempre se seus objetivos estão
53
sendo alcançados. Ter um referencial teórico bem estabelecido, refletir e trocar experiências
vai garantir que se o exercício da profissão seja realizado com mais segurança.
Nesse aspecto, o professor de História não deve, em suas aulas, ensinar o
conhecimento histórico somente pelo conhecimento e erudição, mas sim
deve dar um sentido àquilo que ele pretende ensinar. O professor de História,
tendo o conhecimento das construções sociais durante os tempos, tem a
capacidade de mostrar que as mudanças no tempo presente são possíveis de
serem realizadas. É importante destacar que, durante as aulas de História, o
professor consiga desenvolver a criticidade dos seus alunos, não somente
sobre o que passou, mas sim sobre o que está acontecendo no tempo
presente. Os mecanismos de dominação devem ser analisados e
compreendidos segundo os seus objetivos, entre estes pode-se destacar: a
mídia; o mundo do trabalho e seus acondicionamentos; as relações entre
empregador e empregado; o poder de persuasão comercial característico da
cultura do capital; o Estado enquanto defensor dos interesses de uma classe
dominante. (JÚNIOR PIVATTO, 2011, p.5).
Em termos mais concretos um professor que segue os aportes teóricos marxistas ao
explicar para os seus alunos o conteúdo histórico da Primeira Guerra Mundial (1914-1918),
por exemplo, tenderia a ressaltar os aspectos das transformações socioeconômicas que a
guerra proporcionou a várias nações. Focaria principalmente nos impactos econômicos que a
guerra causou a todos os envolvidos. Deixaria claro para seus alunos que as guerras fazem
parte da história da humanidade e o desenvolvimento da sociedade, pois sem guerras e lutas
de classe as transformações sociais não aconteceriam.
Para a aula ficar mais dinâmica e participativa poderia pedir para os alunos darem
exemplos de lutas de classes e para explicarem como eles acham que essas lutas poderiam
gerar transformações na sociedade, a partir das respostas e do conhecimento prévio dos alunos
trabalharia os principais conceitos e assuntos sempre buscando interagir com a classe e fazer
os alunos se sentirem envolvidos com o conhecimento e instigados a aprender cada vez mais.
O professor perguntaria aos alunos sobre o que eles imaginam ser o imperialismo e em
seguida explicaria o conceito certo para a turma para depois poder enfatizaria que a Primeira
Guerra Mundial foi fruto do imperialismo capitalista e que os países envolvidos nela estavam
procurando benefício próprio e não a justiça social e a igualdade para todos. A guerra visava o
crescimento econômico das nações e o avanço capitalista. Diferente das lutas de classe que ao
final dos conflitos podem gerar transformações para o bem comum, o fim do capitalismo e o
alcance do socialismo, a guerra entre nações, entretanto, é um instrumento do capitalismo e
que acarreta em uma destruição da sociedade e não a harmonia e a paz socialista.
54
Apontaria que a guerra em particular essa guerra foi preparada por duas alianças
imperialistas: a Tríplice Aliança e a Entente. Esses dois blocos imperialistas visavam na
guerra fins de conquista e lucro. Lembraria que o nacionalismo exagerado na política
econômica dos países naquele momento agravaram ao extremo as relações entre as nações,
criando um local favorável aos conflitos militares como meio para uma nova partilha do
mundo e das esferas de influência em proveito dos Estados mais fortes.
Deixaria claro para os alunos a diferença entre lutas entre classes e guerra entre países
que aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial. Afirmando que as lutas de classes são
eventos inevitáveis e necessários para a dinâmica e desenvolvimento do ciclo natural da vida,
mostrando que a história de todas as sociedades, até hoje, tem sido os conflitos entre classes
tais como: luta sob a forma de greves, de manifestações, de revoltas populares, levantes etc,
homens livres e escravos, patrícios e plebeus, senhores e camponeses, ricos e pobres,
burgueses e proletários, opressores e oprimidos estiveram em permanente oposição; travando
lutas que terminaram sempre com a transformação revolucionária da sociedade inteira. Já a
Primeira Guerra Mundial foi a guerra entre países em que os conflitos eram travados por
grupos da elite, poderosos, nações ricas que almejam cada vez mais lucrar, crescer,
enriquecer, e fortalecer seus interesses capitalistas que visam apenas benefícios próprios que
no final transformaram negativamente outros países principalmente os da África e Ásia. Por
meio dessa comparação mostraria aos alunos que existem conflitos produtivos e outros que
são completamente danosos à sociedade.
Para não deixar a aula tão distante da realidade dos alunos poderia exemplificar o
conteúdo falando sobre as guerras civis que diariamente acontecem e sobre os conflitos e
manifestações sociais por lutas e melhorias sociais que acontecem nas ruas em vários lugares
do nosso País. Explicar sobre a Primeira Guerra Mundial abre a possibilidade de falar sobre
outros conflitos armados e até mesmo os que acontecem diariamente nos bairros por causa do
trafego e varias outras questões estruturais. É possível o professor explanar sobre questões
macro que nesse caso é a primeira Grande Guerra e também sobre questões micro que são
pequenos conflitos que também são gerados por disputa de poder, entre opressores e
oprimidos, entre fortes e fracos, burgueses e proletários etc.
O professor lembraria aos alunos que as classes sociais são o motor da História e não
as guerras, e que somente as suas lutas diárias proporcionadas pelos conflitos de classes
podem gerar o desenvolvimento e avanço necessário para a vida, na medida em que
impulsiona a sociedade a seguir em frente. Tendo em vista que esses conflitos geram
contradições que ao serem resolvidas provocam mudanças sociais e, consequentemente,
55
movimento e avanços para as relações cotidianas, para a ordem correta e natural da vida, com
avanço e desenvolvimento social. Essa ordem correta e natural é justamente a ordem
evolutiva na qual a evolução das lutas sociais em seu estágio final é culminar em uma
sociedade perfeita, igualitária.
Outro importante aspecto que um professor que segue o marxismo diria para seus
alunos é que eles são os agentes sociais e que a história não é só feita por grandes homens,
grandes heróis da nação, mais também por pessoas comuns, trabalhadoras, proletários
atuantes, por todos os homens e suas ações diárias que fazem suas revoluções grandes ou
pequenas e que, dessa maneira, exercem a força primordial da história. E é este homem
enquanto sujeito social é visto como agente central do processo de produção social em que a
evolução histórica se encontra na maneira como os homens criam e usam os instrumentos
para produzir os meios de subsistência e nessas relações econômicas que dão sentido à vida
em sociedade, estas que determinam a história da humanidade.
Para explicar o conteúdo especificamente da Primeira Guerra mundial (1914-1918), é
possível pensarmos que um professor marxista poderia muito bem iniciar sua aula enfatizando
os efeitos do imperialismo para o início da Guerra. O docente possivelmente lembraria aos
alunos que no final do século XIX e início do século XX, o mundo encontrava-se dividido
pelas potências europeias e os Estados Unidos. Não existiam mais territórios sem dono e as
grandes potências brigavam entre si buscando expandir suas áreas de dominação econômica e
política.
Diria que essa competição capitalista estimulou o crescimento de grandes monopólios
(grandes empresas) que passaram a controlar os grandes setores da economia. Tais empresas
queriam crescer e enriquecer cada vez mais. Desejavam matérias-primas (minério, algodão,
cacau), mão-de-obra barata (para trabalhar nas minas com salários reduzidos e lucros para os
patrões) e mercados consumidores. Para conseguir tudo isso as empresas (monopólios)
precisavam investir capital em outros lugares do mundo e criar impérios econômicos
(principalmente em países de economia mais frágil) e, tudo isso, com a ajuda de seus
respectivos governos e esse choque de imperialismos acabou deflagrando a Primeira Grande
Guerra.
Reforçaria para seus alunos que os aspectos econômicos foram imprescindíveis para o
início do conflito que teve proporções mundiais. Explicaria para a turma que os países
imperialistas colonizaram vastas regiões na África e na Ásia e que no começo do século XX, a
indústria alemã estava ultrapassando à inglesa e tanto alemães quanto ingleses não queriam
56
deixar de competir no mercado e para acabar de vez com a concorrência, seus governos
decidiram que uma guerra seria muito bem-vinda.
Outro ponto que um professor marxista não deixaria de explanar para seus alunos seria
sobre a participação dos EUA na Guerra. Lembraria que o país só entrou no conflito por
questões econômicas, pois vendiam alimentos, combustível, produtos industriais e máquinas
para a França e a Inglaterra. O comportamento solidário dos EUA logo se aprofundou,
principalmente quando observamos o empréstimo de recursos financeiros para a guerra na
Europa. Até esse momento, o conflito se transformava em um evento bastante lucrativo e
benéfico para a economia norte-americana.
Com essa mentalidade, os americanos começaram a fazer uma forte campanha a favor
da entrada do país na guerra. Em março de 1917, os alemães afundaram alguns navios
americanos que iam comerciar com a Inglaterra e no dia 6 de abril de 1917, os Estados
Unidos declararam guerra contra os alemães e seus aliados. Em pouco tempo, as tropas
alemãs e austríacas foram derrotadas. Em novembro de 1918, o armistício de Compiègne
acertou a retirada dos alemães e a rápida vitória da Tríplice Entente e fim da Guerra.
Finalizaria a parte expositiva da aula afirmando que até então, essa foi a pior guerra
que o mundo conhecera, foram 9 milhões de mortos e, além deles, famílias inteiras foram
destruídas e crianças ficaram órfãs, os EUA tornaram-se o país mais rico do mundo e o
desemprego aumentou na Europa. Tudo isso caracterizava uma nova fase mundial, era o
início de um novo século.
No que se refere à relação professor-aluno, nesse contexto que estamos elucidando é
fácil imaginar um professor marxista incentivando seus alunos a analisar as características
sociais e as transformações pelas quais passam os homens em sociedade, e, isso, por meio de
diferentes dinâmicas de suas ações em um tempo linear. Ao apresentar diferenças sociais, por
meio dos estudos históricos, o professor reforçaria que o aluno deve se perceber como agente
do processo histórico e que precisa respeitar as diversas formas de manifestações sociais.
Dessa forma, como declaram Azevedo e Stamatto (2010, p.80):
[...] Dessa maneira é que se espera que em meio a um processo ensino-
aprendizagem de história, os envolvidos obtenham meios e instrumentos
necessários para a análise e compreensão da realidade social como uma
totalidade histórica complexa. Há assim, possibilidade de percepção da
história como processo, o que permite que o aluno compreenda a
humanidade em suas trajetórias e nestas perceba os mecanismos de
diferenciação entre os grupos sociais.
57
Conforme aponta Aróstegui (2006) o marxismo trouxe uma importante renovação
temática para a historiografia. A historiografia marxista deu atenção a temas que antes não
eram trabalhados, houve uma ampliação das fontes, dos métodos, dos problemas e dos
campos de pesquisa. Os marxistas deram atenção a questões voltadas ao trabalho, a história
das classes pobres, a história das mulheres, dos operários, das revoluções, entre outros.
É possível imaginar em aula em que o professor se baseia em princípios marxistas ele
enfatizando para toda a turma que são as relações econômicas que dão sentido à vida social,
que determinam a história da humanidade, os sujeitos da História são os vários grupos sociais,
as massas, as forças sociais que unem os indivíduos. Portanto, o homem é o único responsável
pelas transformações que ocorrem, são os homens (humanidade) que fazem a História. A
evolução das lutas sociais até culminarem em uma sociedade perfeita.
Gardiner (1964) explica que quando as forças materiais entram em contradição com as
relações de produção, em um determinado momento da vida, proporcionam uma época de
revolução social, que com o tempo suscitam diferentes modos de produção e
consequentemente mudanças na humanidade, pois Marx acreditava que a sua teoria tornava
possível predizer com segurança a próxima fase – do desenvolvimento da sociedade,
segurança essa que entendia justificar em parte o programa evolucionário que defendia.
Os homens, ao elaborarem a sua produção social, entram em determinadas relações
que são indispensáveis e independentes da sua vontade, relações de produção essas que
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças materiais de
produção. A totalidade destas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade – a base real em que se estabelecem as superestruturas legais e politicas e que
correspondem determinadas formas de consciência social que são fundamentais para as lutas
politicas e econômicas, segundo aponta Gardiner (1964).
O professor apresentaria uma educação libertadora, buscando gerar nos alunos uma
consciência social, ensinando-os a ter um papel ativo na luta política e econômica, ensinando-
os a se opor às forças, instituições opressoras, ao mesmo tempo em que prepara e contribui
para uma substituição das mesmas, ensaiando-os novos valores, concepções, práticas e
perspectivas e a enxergar diferentes grupos sociais como agentes ativos da história.
Os alunos em uma aula marxista, diferente das aulas metódicas, poderiam se
expressar, tirar dúvidas, questionar, acrescentar conhecimento sobre os temas trabalhados em
sala. As aulas não estariam concentradas apenas no professor, mas os alunos também seriam
peça fundamental para o bom desenvolvimento do processo de ensino-aprendizado. Os alunos
seriam estimulados a pensar, questionar, a ter autonomia intelectual, seriam estimulados a
58
levar para as aulas seus conhecimentos prévios, suas dúvidas, as aulas estariam livres para
serem dinâmicas e participativas. O professor trabalharia os conhecimentos prévios dos
alunos por meios de questões norteadoras relacionadas com os objetivos da aula. Ao longo
desta, tal conhecimento prévio do aluno seria confrontado com a narrativa histórica
apresentada para, dessa forma, poder aproximar o aluno do conhecimento e situá-lo no tempo
e no espaço por meio da compreensão de um conteúdo que faz sentido com sua vida para com
isso buscar uma educação libertadora focada nos aspectos das lutas políticas e econômicas, na
oposição das opressões.
Ensinaria uma História que pudesse contribuir para impulsionar o desenvolvimento
humano como um todo, contra o pano de fundo dos interesses das elites e dos poderes
dominantes, contra as desigualdades das classes sociais. Mostraria para os alunos que a
História deve ser posta a serviço dos movimentos sociais, das classes sociais, dos oprimidos
pela própria História, fazendo com que tivessem consciência do seu importante papel social.
A forma que o professor avaliaria seus alunos provavelmente seria por meios de
questões voltadas para os processos sócio-econômicos para a explicação da História para,
dessa forma, tentar entender se a turma conseguiu compreender que são os aspectos materiais
que impulsionam o desenvolvimento da vida e conduzem toda a narrativa histórica.
Elaboraria atividades para testar se a turma realmente consegue analisar diferentes
dinâmicas sociais e as transformações que passam os homens em sociedade em diferentes
tempos históricos e contextos diversos. Nas avaliações estariam presentes questões que
problematizam temais sociais e econômicos, dessa forma o professor poderia avaliar
principalmente se os alunos entendem que as lutas de classes são o motor da vida e que as
revoluções é que movem a sociedade e a levam para a utopia de um mundo melhor e perfeito
sem desigualdades.
Ao apresentar diferenças sociais por meio dos estudos históricos o professor reforçaria
por meio de atividades, trabalhos, provas e seminários, entre outros, que os sujeitos históricos
são plurais e que todo o ser humano deve se perceber como agente do processo histórico.
A partir os anos de 1980, tanto a perspectiva originária da escola metódica quanto à
marxista, passaram a ser questionadas, tanto no que se refere à produção historiográfica
quanto em relação à história ensinada, como ressaltam Azevedo e Stamatto (2010, p.80). De
acordo com as autoras,
[...] Essa crise paradigmática caracterizou-se, entre outros aspectos, pela
tentativa de deslocamento da macroistória para a microistória; pela
59
transferência do centro de interesses da pesquisa história das estruturas
abrangentes (economia, sociedade, política) para a pesquisa das pessoas e de
se cotidiano.
Como consequência de mudanças como essas, a produção historiográfica brasileira e o
ensino de História no País passaram por transformações visíveis até hoje em todas as
instituições formativas, tanto no ensino superior quanto na Educação Básica. Como dizia
Caimi (apud AZEVEDO E STAMATTO, 2010, p. 81). O modelo positivista era rejeitado em
bloco e o modelo marxista era rejeitado naquilo que se manifestava como uma leitura
ortodoxa e mecanicista da leitura de Marx. A História passava a experimentar uma produção
amparada nas transformações advindas do movimento conhecido como Escola dos Annales. É
sobre esse aspecto e suas relações com as mudanças no ensino de História que discorremos no
capítulo seguinte.
60
CAPÍTULO 4 – HISTÓRIA RENOVADA: PLURALIDADE E PROBLEMATIZAÇÃO
DO CONHECIMENTO
4.1 – A HISTÓRIA SOB A INFLUÊNCIA DA ESCOLA DO ANNALES
Na primeira metade do século XX, desenvolve-se surge na França, um dos
movimentos mais emblemáticos, significativos e duradouros para a historiografia ocidental,
segundo afirma o historiador José de Assunção Barros (2011) em seu artigo ―A Escola dos
Annales: considerações sobre a História em Movimento‖. No campo historiográfico nascia na
França, em 1929, uma nova forma de pesquisa histórica, convencionada de Escola dos
Annales e que teve a liderança inicial de Lucien Febvre e Marc Bloch, a partir dos seus
trabalhos a História passou a ser interpretada por um novo prisma, oposto à visão apresentada
pela história tradicional ou também conhecida como história metódica ou positivista.
Para alguns estudiosos, essa escola trouxe uma revolução para a historiografia,
rompendo com uma história basicamente factual e política que era, sobretudo, influenciada
pelo positivismo. Com esse rompimento, vale salientar, não significa dizer que os
historiadores dos Annales rejeitaram à história política, elimindo-a completamente e
renegando seu lugar e importância. Le Goff, por exemplo, junto com Duby, ambos
historiadores, ―consideram que a política não é mais a ‗espinha-dorsal‘ da história, no sentido
de que ‗ela não pode aspirar à autonomia‘.‖ (BURKE, 1997, p. 101). Mas, como eles próprios
salientam ela é indispensável para ser estudada, como o fez o próprio Bloch, ―uma nova
história política, uma história total do poder, em todas as suas formas e com todos os seus
instrumentos. [...] é dessa forma o apelo ao retorno da história política, mas uma história
política renovada‖ (LE GOFF, 1993, p. 36).
Os Annales possibilitaram mudanças significativas na forma de compreender a
disciplina de História e, consequentemente, no papel do historiador. Estas mudanças podem
ser observadas, condensadamente, no seguinte quadro:
61
PRINCIPAIS MUDANÇAS IMPETRADAS PELO MOVIMENTO DOS ANNALES
EM COMPARAÇÃO À ESCOLA METÓDICA.
Escola metódica
Movimento dos Annales
Análise dos fatos: história que trabalha as ilusões
de cada época.
Análise dos fatos: história crítica, que trabalha
na dissolução de evidências mostrando os
supostos ocultos, questionando as visões
comuns.
Objeto de estudado: o passado escrito, registrado
em texto, documentações oficiais.
Objeto de estudo: não mais só o estudo do
passado, abre-se portas para o estudo do
presente, e da ―pré-história‖ do homem.
Resultados esperados: história essencialmente
descritiva, narrativa, imparcial e objetiva.
Resultados esperados: história que explora todo
o espaço e dimensões possíveis de seu caráter
interpretativo, agindo na criação de modelos,
hipóteses e explicações globalizadas que
rompam com o limite da história nacional.
Noção de tempo: estudo do tempo curto
(èvènementelle), com a idéia do progresso simples
(linear) e acumulativo.
Noção de tempo: degeneração dos múltiplos
tempos, criação de uma nova noção do tempo e
da duração.
Analise das conjunturas e processos longa
duração. Rechaçando a idéia linear simplista de
progresso.
Relação com as fontes: procura, consciente ou
inconscientemente, neutralidade máxima no trato
da fonte, uma objetividade incondicional.
Relação com as fontes: história que assume
como consciente dando total esclarecimento dos
seus pressupostos e pontos de partida.
Técnicas de apoio: crítica interna e externa do
documento através das ―ciências auxiliares‖
(Diplomática, Numismática e Paleografia).
Técnicas de apoio: iconografia, fotografia aérea,
carbono 14, dendocronologia e o estudo das
séries.
Domínios: história que já estabeleceu seus temas
de estudo limitados pela definição de deu objeto e
fechados em torno de seu objetivo. História que
isola seus problemas e encerra em rígidos limites
cronológicos, espaciais e temáticos.
Domínios: tudo o que é humano pertence à
história; de perspectivas globalizantes, que usa o
método comparativo, que transcende
permanentemente as barreiras cronológicas,
espaciais, temáticas do objeto.
Fontes: documentos escritos. Fontes: história que se multiplica,
recria, inventa e descobre múltiplas fontes e
novos pontos de apoio.
Definição: a ciência do passado. Definição: ciência dos homens no tempo.
Relação com as ciências sociais: história como
disciplina estanque, autônoma e sem ligações
interdisciplinares.
Relação com as ciências sociais: história aberta
para diálogos e intercâmbios com as ciências
sociais.
Fonte: FONSECA (2006, p.7)
62
O grupo dos Annales, composto por uma equipe multidisciplinar, fez uma releitura da
história, apresentando novas abordagens, novos problemas e novos objetos, propondo
problemas e levantando hipóteses, proporcionando uma melhor compreensão do objeto de
estudo comum às ciências sociais.
Incompatível com a ênfase dada pela história política aliada ao Estado, em que narrava
os fatos como ocorreram, de forma imparcial, a historiografia dos Annales se firma como
corrente dominante a partir da crítica à história realizada em seu tempo. Barros (2011) lembra
o que era necessário para o movimento dos Annales se firmar:
Para se firmar como corrente historiográfica dominante na França, e estender
posteriormente sua influência a outros países da Europa e também da
América, os fundadores e consolidadores dos Annales precisaram estabelecer
uma arguta e impiedosa crítica da historiografia de seu tempo –
particularmente daquela historiografia que epitetaram de História
Historizante ou de História Eventual – buscando combater mais
especialmente a Escola Metódica Francesa e certos setores mais
conservadores do Historicismo. Os Annales, em busca de sua conquista
territorial da História, precisavam enfrentar as tendências historiográficas
então dominantes, mas também se afirmar contra uma força nova que
começava a trazer métodos e aportes teóricos inovadores para o campo do
conhecimento humano: as nascentes Ciências Sociais. É contra o pano de
fundo deste duplo desafio que o movimento inicia a sua aventura
historiográfica. (BARROS, 2010, p. 5).
Buscando se firmar como corrente historiográfica dominante na França e
posteriormente estender sua influência para o mundo, os fundadores dos Annales precisaram,
para conseguirem seu espaço, começar a aplicar métodos e teorias inovadoras para o seu
tempo e enfrentar as tendências historiográficas então dominantes. Dessa forma, os
integrantes do grupo em torno da revista dos Annales acabaram por formar uma corrente
teórica, centrados na prática do historiador. Segundo Bourdé e Martin, formaram um
movimento que desprezava a História historicizante ou événentielle (centrada nos
acontecimentos), voltava-se para a análise da longa duração, retirava o olhar histórico da
política e centrando sua atenção para as atividades econômicas, nas organizações sociais e
psicologias coletivas, com o intuito de aproximar a História a outros campos das ciências
humanas.
Aos poucos, o grupo dos Annales foi reconhecido pela seriedade de seus
trabalhos e pela inovação do método histórico, pois estes historiadores se
propunham a defender um novo tipo de história, onde era praticada a
interdisciplinaridade, objetivando uma história problema, defendiam uma
história das sensibilidades, das representações sociais. Aos poucos os
Annales foram conquistando mais adeptos, principalmente os historiadores
mais jovens que acreditavam nas proposições de Bloch e Febvre. Dentre
63
eles, podemos destacar Fernand Braudel, Pierre Goubert, Maurice Agulhon,
Georges Duby e outros. (CANABARRO, 2008, p. 81).
Marc Bloch e Lucien Febvre não entendiam a prática histórica fora do cotidiano, e
segundo Glénisson (1979), recomendavam aos historiadores que ―longe de encerrar-se em sua
torre de marfim, o historiador deverá abrir-se ao mundo exterior, participar ativamente da vida
de seu tempo‖. Esse espírito de renovação, marcou essencialmente a primeira geração dos
Annales, entre os anos de 1930 e 1945. Eles lançaram uma revista com suas principais ideias.
Ela foi intitulada de Les Annales d’Historie Economique et Sociale (Os Anais de História
Econômica e Social), e tinha o objetivo inicial de mostrar para as pessoas uma forma diferente
de se construir o conhecimento histórico, e de contestar os antigos ensinamentos espalhados
pela escola metódica. Com o lançamento do primeiro número desse periódico ficava evidente
que a sua proposta era:
1 – organizar um fórum que promovesse uma discussão entre os
historiadores e cientistas sociais; 2 – questionar a divisão da história em
antiga, medieval e moderna e da sociedade em primitiva e civilizada; 3 –
criar uma comunidade das ciências sociais. A revista também prometia uma
nova forma de construção do conhecimento histórico, ampliando a noção de
fonte documental, permitindo o uso dos documentos escritos e imagéticos ou
não-verbais, como também um diálogo promissor com as demais ciências
sociais. (CANABARRO, 2008, p. 76).
A revista dos Les Annales d’Histoire Economique et Sociale estava sob a direção de
dois historiadores franceses, anteriormente citados, que trabalhavam na universidade de
Estrasburgo, onde tinham encontros diários. A universidade era ponto de encontro de
professores de diferentes áreas, tais como: o psicólogo Charles Blondel, o sociólogo Maurice
Halbwachs, Henri Bremond e os historiadores Georges Lefebvre, Gabriel Le Bas e André
Piganiol, toda esta equipe de professores tinha contatos permanentes, o que os auxiliou na
construção de uma visão interdisciplinar da história, pois diferentes profissionais,
principalmente das ciências humanas, atuavam juntos e colaborando para o sucesso da revista.
Os seguidores das ideias apresentadas pela Escola dos Annales acreditam que a
História deveria ser feita por uma construção do passado, não estando pronta nos documentos,
mas necessitando ser escolhida, analisada e interrogada; e o historiador devendo assim julgar
tais fragmentos a partir do seu conhecimento acerca da representatividade e subjetividade que
fatalmente estaria presente em diferentes documentos estes sendo tidos como qualquer
vestígio deixado pelos homens em diferentes tempos e lugares.
64
Outra importante contribuição da escola dos Annales para os estudos históricos foi não
só a mudança do seu objeto de estudo, mas a ampliação das fontes históricas, proporcionando
uma maior flexibilidade e ampliação dos estudos, gerando infinitas possibilidades de
investigação e trabalhos variados. A partir deste contexto, os ditos excluídos – negros,
mulheres, crianças ganham seu espaço na historiografia. Segundo Tétart (2000, p.109, 110) os
Annales desceram "[...] ao porão da História recusando o elitismo dos assuntos e a prioridade
do acontecimento. A partir de então [...] a extensão da curiosidade do historiador não tem
mais limites [...]".
Como vimos, na geração de Braudel, a história das mentalidades e outras
formas de história cultural não foram inteiramente negligenciadas, contudo,
situavam-se marginalmente ao projeto dos Annales. No correr dos anos 60 e
70, porém, uma importante mudança de interesse ocorreu. O itinerário
intelectual de alguns historiadores dos Annales transferiu-se da base
econômica para a ―superestrutura‖ cultural, ―do porão ao sótão‖ (BURKE,
1992, p.82).
A partir de 1970 os Annales ganharam destaque em todo o mundo ocidental através
de estudos que propunham a inclusão de personagens históricos que antes eram invisíveis,
excluídos e completamente marginalizados, deixados de lado do contexto histórico social.
Tendo em vista que anteriormente os estudos históricos eram dedicados a narrar a história de
grandes ícones da sociedade cristã ocidental que se delineavam a uma trajetória única,
progressiva, em que o protagonista principal era sempre um homem branco, europeu e
burguês, sendo assim um modelo que deveria servir de herói e exemplo para as outras
gerações e nações.
(...) os historiadores da década de 1960 e 1970 abandonaram os mais
tradicionais relatos históricos de líderes políticos e instituições políticas e
direcionaram seus interesses para as investigações da composição social e da
vida cotidiana de operários, criados, mulheres, grupos étnicos e congêneres
(HUNT, 2001, p. 02).
A escola dos Annales a partir da década de 1970 ganhou reconhecimento e prestígio
em vários países do mundo através de estudos que contribuíram para o desempenho da
História Social, já que tais estudos visavam a inclusão de uma política que envolvesse tudo
que fosse referente ao ser humano, principalmente, as classes marginalizadas, que por longos
anos foram esquecidas pela pesquisa científica histórica.
65
De acordo com a obra de Burke (1997), os Annales foi um movimento dividido em
três fases: a primeira apresenta a guerra radical contra a história tradicional, a história política
e a história dos eventos. Inicia-se em 1929 e vai praticamente até o final da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), sob a orientação de Bloch e Febvre, sendo o trabalho desses dois
historiadores franceses peça fundamental para consolidação da Escola dos Annales. Eles
foram responsáveis pela primeira geração da escola, deram mais importância à história
econômica e social, opondo-se à história tradicional. Esta primeira geração é responsável
pelos diálogos interdisciplinares, consolidando, desta forma, uma nova perspectiva histórica,
pois os historiadores desta geração procuraram aproximar os estudos históricos das demais
disciplinas na perspectiva de entender de forma mais clara a noção de totalidade. Peter Burke,
(1997), descreve as linhas diretrizes do movimento da seguinte forma:
Em primeiro lugar, a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos
por uma história-problema. Em segundo lugar, a história de todas as
atividades humanas e não apenas história política. Em terceiro lugar, visando
completar os dois primeiros objetivos, a colaboração com outras disciplinas,
tais como a geografia, a sociologia, a psicologia, a economia, a linguística, a
antropologia social, e tantas outras. (BURKE, 1997. p.11-12).
Um dos objetivos de Marc Bloch e Lucien Febvre era a constituição de uma história
com uma visão global, recusando a história mais fragmentada, pois pretendiam entender o
homem em sua totalidade, e este objetivo era uma das características fundamentais da Escola
dos Annales, pelo menos na primeira e segunda geração.
A segunda fase, não só se opunha às ideias de uma história tradicional, mas já
apresentava conceitos próprios e novos métodos. Correspondeu ao período de 1945 a 1968, na
qual o maior destaque foi das ideias trazidas por Fernand Braudel. Foi ele que prosseguiu com
a direção da Revista dos Annales, mas não estava sozinho nesta geração, embora sua presença
tenha sido fundamental para a sua organização e divulgação a partir do fim da Segunda
Guerra Mundial. Centrou-se mais sobre os conceitos de estrutura e conjuntura, e acabou por
aproximar-se muito, segundo Burke (1997), de uma escola, com novos métodos e propostas
para a constituição de uma História serial e de longa duração.
Sua inovação foi a percepção de profundas e constantes conexões entre tempo e
espaço, história e geografia. É válido destacar que também se trabalhou com a história
quantitativa e com as noções de região e regionalização, com a demografia histórica e com a
história serial, todas estas perspectivas podem ser constatadas nos historiadores desta geração.
66
Mas o historiador com maior destaque foi realmente Fernand Braudel, que conseguiu criar
uma identidade para esta fase dos Annales, segundo afirma Canabarro (2008).
Fernand Braudel mostrou que a História, longe de encerrar-se no estudo dos
acontecimentos, não somente era capaz de individuar as estruturas, mas também se
interessava em primeiro lugar por essa tarefa. Dessa forma, no desenvolvimento de sua
demonstração, também precisou o sentido que os historiadores davam à própria palavra
estrutura. Por estrutura, os observadores do social entendem uma organização, uma coerência,
relações bastante fixas entre realidades e massas sociais (MATOS, 2010, p. 120).
A terceira geração se inicia em 1968, ano marcante para os europeus, pois os
estudantes foram para as ruas protestar sobre todas as formas de conservadorismo que havia
no sistema educacional francês. As mudanças ocorridas após 1968 influenciaram também na
Escola dos Annales, que a partir deste período começou a acrescentar novos direcionamentos
na sua forma de construir a história. Esta geração é bem mais plural e diversificada, contando
com a presença de diferentes e importantes historiadores entre eles algumas mulheres, tais
como: Christiane Klapisch, Arlette Farge, Mona Ozout e Michele Perrot. Os temas, objetos e
abordagens são bem diversificados, contemplando a própria multiplicidade das ideias de
diferentes historiadores (CASABARRO, 2008, p. 91).
Essa geração foi liderada por Jacques Le Goff e Georges Duby, traz uma fase marcada
pela fragmentação e por exercer grande influência sobre a historiografia e sobre o público
leitor. Uma das características marcantes da terceira geração dos Annales é a tentativa de
popularização da história, quando os historiadores escrevem livros com uma linguagem
acessível para ser lidos pelo grande público. Os historiadores saíram das universidades e
foram para os lugares onde o povo se encontrava, participavam dos programas de rádio e de
televisão, na perspectiva de divulgar o conhecimento histórico. Alguns historiadores dos
Annales também escreveram naquele momento para os principais jornais franceses
(CANABARRO, 2008).
A influência da Escola dos Annales na historiografia é decisiva para se pensar nas
novas perspectivas de abordagens, objetos e dimensões que configuram o conhecimento
histórico. Como afirma Peter Burke (1997), a Escola dos Annales é a verdadeira Revolução
Francesa da historiografia.
A diversidade de objetos e abordagens ficou evidente nesta geração, pois o
espírito interdisciplinar dos Annales foi seguido pelos historiadores
interessados nas aproximações com as ciências sociais. A psicologia foi uma
das disciplinas que teve uma grande aproximação, as ideologias, o
67
imaginário social e as mentalidades também podem ser destacados como
dimensões importantes para esta geração. [...] Podemos citar dois grandes
historiadores que trabalham com as mentalidades, que são: Jacques Le Goff
e Georges Duby que estudam com esta dimensão desde o início dos anos de
1960. [...] Nesta terceira geração, as fontes de pesquisa são bem
diversificadas, pois trabalham com as escritas, imagéticas e orais,
introduzindo-se assim novas fontes como a fotografia, o cinema, a pintura, a
arqueologia, os jornais, os inquéritos policiais e demais documentos, todos
considerados como importantes para a construção do conhecimento
histórico. (CANABARRO, 2008, p. 92-93).
A terceira geração acabou por abrir-se aos mais diversos temas e, por isso, foi criticada
pela fragmentação. Para Ronaldo Vainfas (1997, p. 137), é costume se destacar a preferência
por assuntos ligados ao cotidiano e às representações (...) microtemas, portanto, recortes
minúsculos do todo social. Essa centralidade em ―microtemas‖, história da vida privada,
história de gênero, da sexualidade, micro-história, como afirmou Vainfas, foram campos não
apenas abertos pela história das mentalidades como seu próprio refúgio, assim como o
principal elo com a – iniciada após 1988 – quarta geração dos Annales.
A terceira geração dos Annales, sensível como as outras as interrogações do
presente, muda o rumo de seu discurso ao desenvolver a antropologia
histórica‖ e, neste sentido ―o preço a pagar por essa nova readaptação é o
abandono dos grandes espaços econômicos braudelianos, o refluxo do social
para o simbólico e para o cultural. (DOSSE, 1992, p. 249).
De acordo com Azevedo e Stamatto (2010, p.16), essa terceira fase corresponde até
nossos dias, em que diferentes perspectivas e autores encontram espaço de atuação. A partir,
principalmente dos anos de 1970, o que se observa é o surgimento de uma nova orientação
marcada por uma fragmentação teórica a partir das propostas de Le Goff, Le Roy Ladurie e
Pierre Nora e outros. Passa-se a pesquisas sobre novos e por vezes específicos temas:
mulheres, crianças, famílias, entre outros.
A mais importante contribuição do grupo dos Annales, incluindo-se as três
gerações, foi expandir o campo da história por diversas áreas. O grupo
ampliou o território da história, abrangendo áreas inesperadas do
comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos
historiadores tradicionais. Essas extensões do território histórico estão
vinculadas à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento de novos
métodos para explorá-las. Estão também associadas à colaboração com
outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à linguística,
da economia à psicologia. Essa colaboração interdisciplinar manteve-se por
mais de sessenta anos, um fenômeno sem precedentes na história das
ciências sociais. (BURKE, 1997, p.126).
68
Os historiadores Jacques Le Goff, Le Roy Ladurie, Robert Mandrou, Jacques Revel
dentre outros, contribuíram bastante nas décadas de 70 e 80 do século XX para a revista dos
Annales, principalmente no que se refere à abordagem cultural que é a marca da terceira
geração dos Annales ou Nouvelle Histoire ou Nova História. Nesta fase a produção histórica
foi avaliada e reelaborada teórica e metodologicamente. A Nova História diferencia-se da
tradicional em seis pontos segundo afirma Burke (1992, p.360): I. o paradigma tradicional diz
respeito somente à história política, a História Nova, preocupa-se com uma história total, onde
tudo é histórico; II. a história tradicional pensa na história como narração dos grandes fatos, a
nova preocupa-se em analisar as estruturas; a tradicional olha de cima, a nova, de cima, de
baixo e de outros ângulos possíveis; III. documentos oficiais são os que interessam ao
paradigma tradicional, o paradigma da História Nova aceita qualquer espécie de documento;
IV. o historiador tradicional explica por meio da vontade do indivíduo histórico, Nova
História preocupa-se com os movimentos sociais; V. finalmente, o paradigma tradicional
considera a História uma ciência objetiva, com dois pressupostos básicos: conhecimento
histórico é verdadeiro; passado é fixo o qual é adquirido através de um método. O paradigma
novo não crê na possibilidade de uma objetividade total.
O grupo ampliou o território da história abrangendo áreas inesperadas do
comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos
historiadores tradicionais. Essas extensões do território histórico estão
vinculadas à descoberta de novas fontes e do desenvolvimento de novos
métodos para explorá-los. Estão também associadas à colaboração com
outras ciências ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à linguística,
da economia à psicologia. Essa colaboração interdisciplinar manteve-se por
mais de sessenta anos, um fenômeno sem precedentes das ciências sociais.
(BURKE,1997, p. 126- 127).
A Nouvelle Histoire (Nova História) teve uma aproximação com outras ciências
humanas, com a antropologia, a sociologia, a geografia e a economia, para não alongarmos, a
Nova História adotou a narrativa como forma de expressão e, com isso, aproximou-se de um
grande público. Como resultado dessa ―nova forma de fazer história‖ conquistou-se mais e
mais leitores, para temas históricos. Os livros dessa nova fase se concentram nos estudos nos
hábitos, costumes, crenças, rituais, bem como do amor, do sexo, do casamento, da magia, da
religião, da morte, do medo, dos jovens, do poder, da sexualidade, das mulheres, dos negros,
dos indígenas, do mito, entre outros temas.
69
4.2 – A HISTÓRIA ENSINADA A PARTIR DE PRINCÍPIOS DA TERCEIRA FASE DA
ESCOLA DOS ANNALES
O ensino de História no Brasil sofreu influência da escola dos Annales em sua 3ª etapa
– a Nova História – no fim do século XX, período em que se formou um público nas escolas
bem maior e mais diversificado, a partir de 1970, passando a exigir dessas instituições
respostas para as suas dúvidas, anseios e inquietações. (AZEVEDO e STAMATTO, 2010) A
história antes centrada na narrativa dos feitos de homens importantes, dos heróis nacionais,
dos administradores públicos e grandes eventos históricos, nacionais e mundiais, passa a
partir de então, a abrir caminho para uma história que se volta para ensinar questões que se
preocupavam, sobretudo, com a compreensão da realidade social e histórica.
Segundo aponta Barros (2010) os novos tempos começavam a trazer um novo padrão
historiográfico, novas aberturas, retornos e possibilidades, e também incertezas para os
historiadores no que se refere à natureza do conhecimento que produzem e ao papel do
conhecimento histórico na sociedade. Entre os ―retornos historiográficos‖, há a retomada da
narrativa, do político, da biografia, aspectos que haviam sido de, alguma maneira, reprimidos
ou secundarizados pelo padrão historiográfico anterior, e que agora reemergiam com
inesperado vigor.
Entre as novidades, postula-se a possibilidade de examinar a história de acordo com
uma nova escala de observação — atenta para o detalhe, para as microrrealidades, para aquilo
que habitualmente escapa ao olhar panorâmico da macro-história tradicional — e é a esta
nova postura que se passou a chamar de micro-história. Intensifica-se também o olhar do
historiador sobre o seu próprio discurso, e o fazer historiográfico, mais do que nunca, será ele
mesmo um objeto privilegiado de estudo. De igual maneira, o principal das preocupações
historiográficas parece se deslocar para o âmbito da cultura, de modo que a cultural passa a
ocupar uma posição central no grande cenário das modalidades historiográficas (BARROS,
2010, p.4).
Sob a influência desse movimento historiográfico, segundo Azevedo e Stamatto (2010,
p.82), podem ser citados três aspectos característicos com consequentes contribuições para o
ensino escolar: ―perspectiva da história global, noções de múltiplas temporalidades e a
história a partir de questões-problema‖.
A Nova História propõe, neste momento, uma negação das ideias e conceitos criados
por uma história ―parcial‖ que só repetia os feitos de grandes homens, de guerras e
acontecimentos políticos sem questionar esses eventos e problematizá-los. Na crítica pioneira
70
à escola metódica, destaca-se o sociólogo e historiador François Simiand (SIMIAND, 2003)
que não aceitava a ideia de Seignobos (1854-1942) de que o fenômeno social era apenas uma
abstração e defendia a possibilidade de constituição de uma ciência social, além de divergir
com os metódicos nas classificações dos fatos da vida social. Porém, a crítica mais amarga
aos metódicos seria à das fontes. Simiand (2003) descartava a ideia de imparcialidade do
pesquisador, para tanto, afirmava que:
À força de repetir com a escola moderna que a história é uma representação
do passado, exata, imparcial, sem fins tendenciosos nem moralizadores, sem
intenções literárias, romanescas, anedóticas - o que constitui, com efeito,
uma concepção muito superior às concepções e às práticas historiográficas
anteriores - esquecendo-se de sublinhar que ―exato‖ não quer dizer integral
que ―imparcial‖ não quer dizer ―automático‖, que sem fins tendenciosos,
sem preocupações literárias não querem dizer sem preconceitos, sem
escolhas. (SIMIAND, 2003, p. 71-72).
A École des Annales preocupava-se com uma interpretação que se fundamentava em
um trabalho unido com as demais ciências humanas (filosofia, sociologia, antropologia, etc..)
para dessa forma, aumentar as possibilidades de ampliar e conhecer novos campos a serem
estudadas, diversificando o objeto de estudo e uma vez feita a escolha, levantar a
problematização do assunto em questão e do contexto social que está inserido para dessa
forma poder analisar e conseguir uma visão mais ampla sobre o assunto que deve ser
trabalhado.
O programa teórico dos Annales é composto por diferentes propostas que reproduzem
de uma maneira clara os rompimentos para com a historiografia tradicional positivista. Podem
ser citadas algumas características desse movimento historiográfico que influenciam o ensino
de História: a perspectiva da história global ou história total; noções de múltiplas
temporalidades; história a partir de questões-problema e a interdisciplinaridade (BARROS,
2010).
Na perspectiva da história global ou também conhecida como história total, no ensino
da disciplina podemos perceber essa influência de forma definida e clara por meio dos
conteúdos que são estudados a partir da proposta de seleção dos conteúdos por eixos
temáticos. Este que consiste em dar possibilidade de se trabalhar os assuntos da disciplina a
partir de temas que são problematizados a partir da realidade social em que o estudante está
inserido e a partir das experiências de vida dos mesmos, proporcionando assim uma ponte
entre temas antigos e atuais que se relacionam e facilitam a compreensão dos conteúdos,
71
tornando-os mais atrativos, pois o alunado consegue relacioná-los e aplicá-los no seu dia-a-
dia. Segundo as autoras, Azevedo e Stamatto (2010, p. 82).
O estudo da História através dos eixos-temáticos permite que se transite das
partes para o todo e vice-versa, em constante vai-e-vem no tempo e no
espaço, permitindo a compreensão da totalidade do social em suas
contradições, mudanças e permanências e, portanto, na sua historicidade.
É importante lembrar que a história através de eixos-temáticos não pretende fazer da
história uma disciplina que diz tudo, mas que se aprofunda naquilo que diz, esse
aprofundamento proporciona mais clareza já que não se limita a apenas sequenciar alguns
eventos históricos em ordem cronológica e linear, mas analisa diferentes eventos em tempos
distintos vendo assim a influência dos contextos e de toda historicidade por trás dos fatos
históricos.
Muitos livros didáticos de História não seguem a uma história feita a partir de eixos-
temáticos, observamos que apresentam os conteúdos de forma linear e cronológica com fatos
objetivos, cheios de datas e episódios narrados de maneira imparcial, características de uma
história tradicional que dentro dos debates e produções dos historiadores já está ultrapassada,
entretanto ainda é reproduzida nas escolas e ensinada para os alunos. Adotar um
posicionamento crítico nos dias atuais é algo fundamental, não faz mais sentido um professor
não instigar a formação crítica dos alunos, é imprescindível que o professor adote um
posicionamento crítico em suas aulas tanto em relação aos fatos narrados como em relação ao
próprio material, pois mesmo com um material considerado tradicional é possível fazer uma
aula dinâmica e instigante, mesmo com um material didático meramente narrativo, é possível
olhar de forma crítica para a História e para o modo como ela vem sendo escrita ao longo do
tempo e apresentar isso aos alunos.
Dessa forma, entendemos como sendo muito apropriados os questionamentos de Paulo
Miceli:
É possível ser neutro frente à violência da conquista da América? É possível
ser neutro frente ao trabalho escravo? É possível ser neutro frente aos
campos de extermínio nazistas? É possível ser neutro frente ao bombardeio
de Hiroshima e Nagasaki? Ora, é impossível trabalhar esses temas com a
mesma isenção do professor que ensina a regência dos verbos, o que não
significa que este professor e aqueles das demais disciplinas não tenham
compromisso com a educação dos futuros cidadãos. A diferença é que
ensinar História também significa comprometer-se com uma estética de
mundo, onde guerras, massacres e outras formas de violência precisam ser
tratados de modo crítico. (MICELI, 2009, p. 39).
72
Todos nós temos conceitos e preconceitos frente a diferentes assuntos, muitas vezes
que se baseiam pelo senso comum ou por meio de um embasamento sólido construído por
anos de leituras, observações e vivências que possibilitaram chegar a determinadas conclusões
positivas ou negativas. O professor tem o dever de conduzir o aluno a uma aprendizagem
significativa que esteja voltada a formar futuros cidadãos. Como educadores, não devemos
ficar omissos, neutros em meio às questões principais, sejam elas: social, culturais,
econômicas, políticas, como qualquer outra que influencie de alguma forma nossa sociedade,
nosso país, estado ou bairro, essas questões devem ser explicadas em sala para que os alunos
saibam se posicionar, opinar e questionar, é importante trabalhar os conceitos, descontruir
preconceitos, paradigmas. Para isso é necessário que o professor saiba abordar os assuntos e
temas de uma maneira que as questões importantes sejam debatidas de forma crítica e
contextualizada, apresentando e explanando de uma forma que chame a atenção do estudante,
que faça sentido com a sua vida para que assim consiga interiorizar melhor e verdadeiramente
aprender, não como um papagaio que decora e repete, mas de forma consciente, inteligente e
crítica, sabendo questionar os fatos e não apenas aceitá-los como verdades inquestionáveis,
absolutas e perfeitas.
Já a perspectiva de uma História construída por diferentes noções de temporalidade é
possível trabalhar no ensino no momento em que se admite, em um mesmo tempo
cronológico, a existência de diferenciados ―níveis‖ de temporalidade tais como: tempos
biológico, psicológico, cultural, entre outros, nos quais os homens realizam suas vidas,
experimentam e constroem suas histórias. Apreender esse flexível movimento histórico nas
formações sociais ao longo do tempo, é um dos objetivos desafiantes que se impõem aos
professores de História nos dias de hoje. O desafio consiste em não só identificar essas
temporalidades, mas entender que elas influenciam os eventos históricos. É importante
mostrar para o aluno que um determinado evento pode ser relativizado por diferentes nuances,
pois nada é totalmente objetivo, fechado, mas sim construídos por constantes variáveis.
De acordo com a Nova história, o fato histórico passa a ser percebido num
tempo de curta duração, como um momento da conjuntura social; a síntese
dos vários momentos é que forma a conjuntura, que também é de curta
duração e deve ser abordada nos vários aspectos do político, do cultural, do
social e do econômico. (AZEVEDO e STAMATTO, 2010. p. 82).
73
Em se tratando da perspectiva de uma História-problema, de forma resumida ela pode
ser alcançada no ensino de História pela formulação de perguntas relevantes elaboradas pelo
professor, a partir das quais ele questiona o passado, através da ajuda das ciências sociais. O
melhor caminho consiste em propor, com base em situações problematizadoras extraídas da
realidade social dos alunos, perguntas ao passado, em diferentes épocas e lugares, sempre
orientados por dúvidas e indagações reais. Para que desta forma o ensino da disciplina seja
significativo para os alunos na sua experiência atual, que não fuja da sua realidade para que
possa fazer sentido para ele e fique mais fácil de compreender.
Sabemos que já está ultrapassada a ideia de se estudar toda a história numa perspectiva
progressiva do passado para o presente conforme orientação positivista voltada para uma
história-narrativa. ‗A História-Problema vem reconhecer a impossibilidade de narrar os fatos
históricos ‗tal como se passaram‘. ―Por ela, o historiador sabe que escolhe seus objetos no
passado e que os interroga a partir do presente‖ (REIS, 2004, p. 74).
A História é entendida atualmente como uma construção do passado feita a partir do
olhar do historiador que escolhe o que deseja investigar, que problema pretende tentar
responder para entender o contexto atual que está vivendo e também outros períodos
históricos. É por meio de uma problemática que a história vai sendo construída de forma não
linear e nem narrativa, tendo em vista que o historiador atual compreende que as respostas
para sua pergunta não se encontram prontas em um documento, mas que podem estar
presentes em diferentes vozes e contextos diversos.
Inserida em um contexto de crises paradigmáticas, em que os homens
buscam mais do que nunca, a sua identidade, a nova história toma como um
desafio responder a inquietações do hoje. É uma história-problema que
pretende iluminar o presente e ser uma forma de consciência que permite ao
aluno compreender o contexto atual e, ao mesmo tempo, quando esse detiver
o conhecimento do presente, ter condições de entender outros períodos da
história. (AZEVEDO e STAMATTO, 2010, p. 82-83).
O contexto atual em que vivemos, em um mundo globalizado, com muitos avanços
tecnológicos, culturais, científicos, e em outras tantas áreas, nos são apresentas muitas
informações, estas que circulam rápido por meio da mídia e de diferentes meios de
comunicação. Ter informação não significa ter conhecimento, muitos, hoje em dia acham que
compreendem diferentes temas por estarem cercados de informações, mas uma coisa é
conhecer um fato e outra é compreendê-lo, saber debatê-lo e problematizá-lo. Os alunos
precisam ter condições de entender os dias atuais relacionando com outros períodos da
74
história. Trabalhar em sala a História-problema nos dá essa possibilidade. Dessa forma o
alunado não terá apenas uma informação superficial, mas a compreensão de todo o contexto,
de toda base que envolve o evento, com suas variáveis, suas rupturas e continuidades ao longo
do tempo.
Reis (2004) lembra que para os Annales ―é o problema e não a documentação que está
na origem da pesquisa, isto é, sem um sujeito que pesquisa, sem o historiador que procura
respostas para questões bem formuladas, não há documentação e não há história‖ (REIS,
2004, p. 24). É importante sempre frizar para os alunos que nós somos os agentes da história,
os principais protagonistas, todos os dias construímos nossas histórias, os estudantes precisam
ter essa consciência bem formada, entendendo, sua cidadania, seu papel social e o estudo da
história.
Uma das grandes contribuições da terceira geração dos Annales foi buscar inserir os
―excluídos‖ na história, os personagens e eventos que sempre foram deixados de lado, que
nunca tiveram voz e espaço nas narrativas históricas tradicionais e assim foi que o ensino de
História foi se abrindo para as tendências de abordar novos temas como da história das
religiões, de gênero, da vida privada, da sexualidade, da loucura, que tende a centrar-se nos
estudos culturais das massas anônimas, das questões populares e de um olhar ao indivíduo
como representante de uma coletividade.
Hoje entende-se que a História pode ser feita a partir de todas as fontes capazes de
fornecer informações sobre o passado. Assim, não é mais apenas um documento considerado
oficial que pode trazer ao historiador dados confiáveis acerca do período estudado, mas
também bilhetes, poemas, quadros, moedas, estatuárias, relevos de monumentos, vasos,
roupas, filmes e tantos outros objetos (REIS, 2011).
Essa nova noção de fonte histórica, rompem completamente com a vertente positivista
que reconhecia como válidos somente os documentos oficiais. As ideias dessa corrente
historiográfica vão ser a chave para se abrir um diálogo amplo com a cultura material e, por
fim, ter a noção de que o fato histórico é resultado de uma construção, rompendo com a
hipótese historicista de que os fatos históricos são únicos e que contem verdades absolutas
independente da pesquisa e da escrita do historiador. Atualmente prefere-se reconhecer que
toda historiografia é resultante de uma interpretação crítica que o pesquisador faz de
documentos das mais diversas formas por ele próprio obtidos.
Ao incorporarmos diferentes linguagens no processo de ensino de história,
reconhecemos não só a estreita ligação entre saberes escolares e a vida
75
social, mas também a necessidade de (re)construirmos nosso conceito de
ensino e aprendizagem. As metodologias de ensino, na atualidade, exigem
permanente atualização, constante investigação e contínua incorparação de
diferentes fontes em sala de aula. O professor não é mais aquele que
apresenta um monólogo para alunos ordeiros e passivos que, por sua vez,
―decoram‖ o conteúdo. Ele tem o privilégio de mediar as relações entre os
sujeitos, o mundo e suas representações, e o conhecimento, pois as diversas
linguagens expressam relações sociais, relações de trabalho e poder,
identidades sociais, culturais, étnicas, religiosas, universos mentais
constitutivos da nossa realidade sócio-histórica. As linguagens são
constitutivas da memória social e coletiva. (FONSECA, 2005, p. 165).
Os conteúdos de história contidos na maioria dos livros não são suficientes para levar
os alunos a uma compreensão mais abrangente e crítica, para entenderem profundamente as
relações culturais, étnicas, religiosas etc., os manuais didáticos são apenas um norte que o
professor tem para conduzir seu ensino. Hoje em dia temos vários recursos disponíveis para
ampliar a discussão sobre temas diversos, no ensino de história existe a possibilidade de o
professor trabalhar com diferentes linguagens, temos a possibilidade de trazer para o ambiente
da sala de aula novas temáticas como a história da infância, a família, as ―minorias‖, a festa, a
moda, a culinária, o cotidiano e as ―mentalidades coletivas‖. E a utilização de novas fontes
documentais em sala de aula contribui para uma melhora tanto da didática, como também, da
relação ensino e aprendizagem, permitindo assim ao aluno perceber que a História é um
processo e, principalmente, que ele e os demais são agentes e não meros espectadores de um
grande filme.
Muitos professores ainda estão presos a uma maneira tradicional se de dá aula, em que
ele explana os conteúdos enquanto os alunos calados escutam as aulas e, no fim do bimestre,
fazem uma avaliação estanque. Depois de tantas pesquisas, debates, entendemos que essa não
é a forma correta para um ensino de qualidade adequado para tornar o alunado crítico,
participativo, interessado e entendido em questões sociais, políticas e culturais,
conscientizando-se de sua cidadania, seus direitos e deveres. É importante que o docente
busque atualização profissional permanentemente, buscando se adequar a um novo público
que deseja um ensino mais ágil, dinâmico e que o prepare para as realidades e contextos que
os cercam.
Para Barros (2010) existem diferentes propostas que ele considera como as principais
características do programa teórico dos Annales que reproduzem de uma maneira clara os
rompimentos para com a historiografia tradicional. Entre essas propostas estão a História-
Problema, que também pode ser chamada de História problemática; a História Global ou
História Total, que não pretende fazer da História uma disciplina que diz tudo, mas que se
76
aprofunda naquilo que diz; a Interdisciplinaridade, que aproximou definitivamente a História
das Ciências Sociais; a nova noção de fonte histórica, rompendo com a vertente positivista
que reconhecia como válidos somente os documentos oficiais, por fim, a noção de que o fato
histórico é resultado de uma construção, rompendo com a hipótese historicista de que os fatos
históricos são verdadeiros e independentes da pesquisa e da escrita do historiador, pois prefere
reconhecer que toda historiografia é resultante de uma interpretação crítica que o pesquisador
fará de documentos das mais diversas formas por ele próprio obtidos.
Barros (2010) entende que são diferentes propostas elaboradas pela escola dos Annales
que vão influenciar completamente o ensino de História. Veremos a seguir através de
exemplos práticos como poderia se configurar uma aula de História em que o professor segue
os princípios renovados.
Ao explicar o conteúdo histórico da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) para os
seus alunos tenderia a dar voz aos excluídos da história e não apenas narrar os acontecimentos
do conflito apresentando exclusivamente questões políticas e grandes homens que
participaram da guerra. Contaria a história de forma crítica, sempre problematizando,
comparando eventos, mostrando diferentes visões, abordando aspectos políticos, sociais,
econômicos e culturais.
Enfatizaria que a Primeira Guerra Mundial foi fruto do imperialismo capitalista e que
isso gerou desastrosas consequências principalmente para os países da Ásia e África, pois
muitas vezes, ignorando a historicidade e as diferenças dos povos de uma mesma localidade,
os imperialistas fizeram com que um mesmo território agrupasse etnias rivais que acabavam
causando grandes conflitos, guerras civis e eventos genocidas de razões diversas. Além disso,
diria à turma que a presença estrangeira queria extrair ao máximo as riquezas naturais dos
espaços colonizados e por causa de toda essa exploração, ainda hoje várias regiões que foram
dominadas naquele período enfrentam miséria e pobreza.
Outro ponto fundamental seria lembrar aos alunos que o imperialismo e a guerra não
só provocou conflitos civis entre nações e tribos e desestabilidade econômicas para os povos
colonizados e afetados pela guerra, mas, também provocou a desarticulação de vários
costumes e tradições que estavam arraigados por séculos entre os povos dominados, e a
justificativa que os colonizadores davam era por se acharem superiores às demais culturas
existentes, os imperialistas perseguiam determinadas práticas culturais que delineavam a
identidade dos povos dominados e achavam que isso era necessário, pois apenas a cultura
deles era rica, pura, verdadeira e importante para ficar na história e influenciar futuras
77
gerações. As segregações e xenofobias eram constantes pelos colonizadores e deixaram
grandes marcas de preconceitos e traumas para os povos dominados.
Para deixar a aula mais participativa e próxima de temas que aconteceram em nosso
País perguntaria se eles sabem explicar sobre a resistência indígena e africana diante de toda a
exploração dos colonizadores durante vários e vários anos em nosso País. Pediria também
para eles debaterem e pensarem sobre os impactos das guerras para o meio ambiente e toda
destruição que é causada e que consequência essas guerras terão a curto e longo prazo nas
sociedades.
Apontaria também ao longo da aula que durante a Primeira Guerra Mundial, as
mulheres foram fundamentais para o desenvolvimento e sucesso da guerra, explicaria à turma
que as mulheres que viviam nos países envolvidos no conflito, passaram a trabalhar fora de
casa, pois os homens estavam nos campos de batalha e que esta foi uma conquista
significativa para elas naquele momento histórico. Os papeis que desempenharam tanto no
campo, quanto na cidade foram com atividades imprescindíveis para a sobrevivência das
pessoas e para que a guerra tivesse êxito.
Ao entrar nesse assunto pediria para os alunos apresentarem seminários sobre as lutas
e conquistas femininas ao longo dos anos em todo o mundo e sobre a situação atual que se
encontram com os novos desafios e problemas. Alguns alunos abordarias as questões do
feminismo, outros sobre as conquistas sociais que as mulheres já conquistaram, também
teriam alunos para falar sobre as questões do aborto, outras sobre as várias formas de
violência que as mulheres enfrentam no seu cotidiano em uma sociedade machista e patriarcal
e por último outros alunos explicariam sobre como as mulheres são vistas pela ótica de
diferentes religiões ao redor do mundo.
O professor ao longo das aulas sobre esse tema dos conflitos mundiais deixaria claro
para os alunos que a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) envolveu a participação de muitos
países e o Brasil não ficou de fora deste contexto e participou enviando medicamentos e
equipes de assistência médica para ajudar os feridos da Tríplice Entente (Reino Unido,
França, Rússia e Estados Unidos) e que também participou realizando missões de
patrulhamento no Oceano Atlântico, utilizando embarcações militares.
Explicaria para a turma sobre a participação do nosso país na guerra e explicar as
consequências que isso gerou para o país é bastante valido, pois é um assusto mais presente e
que interessa os alunos, não algo fora da realidade deles, pelo contrario, é a sua nação que está
sendo mencionada em um contexto histórico tão importante.
78
Levaria para a aula, documentários mostrando o cotidiano das pessoas durante o
período da guerra, mostrando as relações familiares, de trabalho, os campos de batalha, as
questões escolares, as relações de lazer e vários outros pormenores do dia-a-dia para ficar
mais fácil a compreensão desse período histórico, também passaria trechos de filmes tudo isso
com a intensão de elucidar melhor o conteúdo e envolver mais os alunos nas aulas.
Outro ponto importante seria lembrar aos alunos que os benefícios da Primeira Guerra
para a economia brasileira foram gerados porque durante os quatro anos da Primeira Guerra
Mundial, os países europeus envolvidos no conflito voltaram a produção de suas indústrias
para a fabricação de armamentos e equipamentos para os soldados. Desta forma, o Brasil
ficou sem opções para importar produtos manufaturados da Europa. Ricos cafeicultores
brasileiros aproveitaram o momento e investiram capital acumulado nas indústrias,
favorecendo assim a industrialização do Brasil. Explicaria que o Brasil também lucrou muito
exportando matérias-primas para os países em guerra como, por exemplo, exportando muitos
produtos agrícolas como café, cacau e açúcar.
É importante lembrarmos que os conhecimentos prévios dos alunos são extremamente
valorizados em uma aula de História que segue os princípios teóricos renovados. O estudo da
história é feito a partir das experiências de vida do alunado e de problematizações da realidade
social e histórica dos mesmos na busca de encontrar respostas no passado para que dessa
forma, o ensino da disciplina se torne mais significativo e de acordo com as suas vivências e
dúvidas atuais.
O professor por meio de questões norteadoras buscaria entender quais são os
conhecimentos prévios dos alunos para, em seguida, poder confrontá-los com a narrativa dos
eventos históricos, sendo essa uma alternativa de poder aproximar o aluno do conhecimento e
situá-lo no tempo e no espaço por meio da compreensão de um conteúdo que faz sentido com
sua realidade atual. O aluno seria incentivado a participar ativamente da aula apresentando
seus conhecimentos sobre o assunto, fazendo perguntas, tirando dúvidas e ampliando seus
conhecimentos, buscando respostas para as dúvidas presentes em eventos do passado.
Nas aulas o professor sempre vai tentar fazer ponte com o presente e passado,
contextualizando os acontecimentos, correlacionando com a realidade dos alunos. Fazendo
que os mesmos possam fazer reflexões críticas e coerentes sobre suas experiências e
relacionar as suas vivências com os relatos históricos de outros tempos e lugares para que
possam compreender o real, a vida cotidiana do ponto de vista histórico, entendendo os
porquês de determinadas coisas estarem acontecendo, entender as rupturas e as continuidades
79
históricas. O professor vai articular diferentes conteúdos com personagens históricos e
temporalidades, mas sem cair nos anacronismos.
Na relação professor-aluno que se baseia em princípios renovados, não é só o
professor que conduz o conhecimento, mas tanto ele como os alunos tem voz ativa e podem se
expressar em sala e juntos buscarem trazer para o ambiente escolar novos assuntos, dúvidas,
reflexões, questionamentos, problemáticas, tudo que venha a somar e contribuir positivamente
para um ensino de qualidade. Dentro e fora de sala a relação professor-aluno é trabalhada para
que exista espaço para a troca de conhecimento, contextualizações e reflexões por ambas as
partes. Nessa relação o aluno tem voz, opina, diz o que sabe previamente sobre o assunto,
expõe seus desejos de aprender coisas diferentes, tem oportunidade de apresentar suas
reflexões sobre o conteúdo.
O professor renovado incentiva seus alunos a pensar de forma crítica, reflexiva, a
construir o conhecimento, a ter autonomia, a ser cidadãos ativos, conscientes do seu papel na
sociedade, a participarem da política, cultura, esporte, meio ambiente, a preservar o
patrimônio histórico e cultural e artístico, a ter uma visão mais ampla, plural, questionadora
entendendo as diferenças e respeitando-as, compreendendo o tempo não linear, mas um tempo
histórico articulado e contraditório, um tempo complexo, a partir do qual é possível entender a
humanidade em suas trajetórias diversas vendo os diferentes mecanismos exercidos por
diferentes grupos sociais e sujeitos históricos, ativos e construtores da sua própria história. Ao
apresentar diferenças sociais, por meio dos estudos históricos, o professor reforçaria que o
aluno deve se perceber como agente do processo histórico e que ele está construindo todos os
dias a sua história, pois não são apenas os grandes homens que podem fazer isso, mas
qualquer pessoa, independente do sexo, da religião, dos costumes, do lugar de origem ou das
condições sociais.
Nas aulas de um professor renovado os recursos didáticos são os mais variados
possíveis, o leque de possibilidade é gigantesco, as fontes históricas são diversas e plurais,
tais como: mapas, tabelas, quadros comparativos, gráficos, livros didáticos, jornais, histórias
em quadrinho, filmes, quadros, pinturas, literatura de cordel, cultura material, jogos, internet,
etc. Recursos dos mais variados possíveis para instigar a produção do conhecimento dos
alunos e tornar as aulas mais dinâmicas e participativas visando um ensino de qualidade em
que o aluno participa e junto com o professor constroem novos saberes.
As avaliações também são bastante variadas, dinâmicas e executadas diariamente em
sala, não são avaliações estanques que só acontecem no fim do semestre por meio de uma
atividade escrita valendo a nota máxima. São, entretanto, avaliações que levam e conta:
80
participação, atenção, argumentação em debates e em produção textuais, resolução de
atividades escritas e orais, assiduidade, execução das tarefas individuais e em grupo. No
intuito de avaliar se de fato os alunos estão aprendendo o conteúdo e produzindo
conhecimento, não apenas decorando datas, nomes, fatos históricos, já que a ideia
fundamental da aprendizagem é fazer com que os alunos exercitem sua autonomia, que
desenvolvam o olhar crítico, que aprendam a questionar, problematizar e saberem enxergar na
história da humanidade as rupturas e continuidades.
Um importante papel do professor é incentivar os alunos a se perceberem também
como agentes ativos da história, cidadãos que devem respeitar o próximo, que precisam lutar
pelos seus direitos de viver em uma democracia em que o bem estar social é colocado em
primeiro plano para todas as pessoas e os governantes agem de forma justa sem fazer
distinções e sem agir com preconceitos.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a graduação muitas vezes aprendemos a distinguir e separar a história
tradicional da renovada. Presenciamos na academia professores ensinando que determinado
autor é de tal linha teórica, que já está superada, e, portanto, nem vale a pena ler. Diante disso,
acabamos, em nossa formação, sem ler muitos clássicos importantes para o desenvolvimento
da disciplina por acharmos que é tradicional demais, ultrapassado e sem nada de interessante
para acrescentar ao nosso conhecimento. Ficamos viciados em pensar que só determinada
linha teórica deve ser estudada. Entretanto, isso acaba resultando em uma formação fraca,
tendenciosa, que carece de embasamento e crítica. Acabamos por colocar barreiras e
separações rígidas entre as correntes historiográficas, quando na verdade existem entre elas
relações e influências. Não é correto dizer que uma determinada vertente historiográfica não
serve, que absolutamente nada dos princípios dela podem ser aproveitados. Entendemos que
uma crítica malfeita é perigosa e que é fundamental para a boa formação de um profissional
de História conhecer pelo menos as principais correntes historiográficas e ter propriedade para
explicar suas escolhas, pois estas irão repercutir no seu ofício e no ensino-aprendizagem, caso
decida lecionar. Não devemos simplesmente dizer que uma ou várias teorias estão
ultrapassadas e que existe apenas outra que deve ser seguida, devemos saber explicar os
porquês de seguir um/uns embasamento(s) historiográfico(s), ser coerente na hora de escolher
e saber também que não é um crime seguir alguns princípios ditos de uma corrente dita
―antiga‖ e para, muitos, ―ultrapassada‖.
Entendemos ser possível, sim reunir princípios de diferentes teorias que sejam
coerentes entre si para elaborar um trabalho mais sistemático e contextualizado dos conceitos
e conteúdos históricos. Pode-se desenvolver, por exemplo, como apontam também outros
pesquisadores do ensino de História, um diálogo teórico entre uma tendência marxista e a
Nova História, por exemplo.
Para que o professor consiga reunir esses princípios de diferentes teorias que tenham
relação e coerência entre si é necessário que domine minimamente pelo menos as principais
concepções historiográficas para poder selecionar e reunir corretamente esses princípios. É
necessário que o professor de História tenha consciência da importância de entender os
princípios epistemológicos de sua área e, dessa forma, saiba os ―porquês‖ em seguir
determinadas concepções historiográficas, no sentido de explicitar para si mesmo,
primeiramente, as características da sua maneira de compreender o ato de ensinar História e,
em seguida, dessa forma, tenha segurança e propriedade para elaborar corretamente seus
82
planejamentos de aulas, sabendo de fato que objetivos de aprendizagem quer que seus alunos
alcancem, através das apresentações de conteúdos que seguem determinadas correntes
teóricas.
Compreendemos que o embasamento teórico-metodológico que um docente segue em
sala sempre muda o direcionamento de uma aula. Seguir determinada corrente historiográfica,
consequentemente, influenciará as práticas pedagógicas desse professor, pois sabemos que
são esses posicionamentos teóricos que vão dar o norte necessário para as escolhas dos
conteúdos, das avaliações e da forma que se estreitará a relação professor-aluno, por exemplo.
Mas sabemos que não é só isso que fará com que uma aula seja produtiva. Como explicamos
acima existem vários elementos que contribuem para o bom funcionamento de uma escola e
do ensino-aprendizagem. Não basta fazer apenas uma parte e esquecer-se das outras. A
educação é um sistema e para ele funcionar adequadamente é necessário um conjunto de itens
estarem funcionando, pois só funcionarão de forma correta e perfeita quando estão
interligados e em perfeita sintonia.
Uma aula produtiva em que o ensino-aprendizado é de fato alcançado, precisa que
juntos estejam funcionando vários elementos, tais como: planejamento prévio das aulas,
domínio dos conteúdos que serão explanados, domínio de classe pelo professor responsável,
uso adequado dos recursos didáticos e das mídias disponíveis, participação ativa dos alunos,
autonomia do professor, saudáveis relações entre professor-aluno, corretas avaliações de toda
prática de ensino e também apoio dos pais e de toda comunidade escolar no intuito de somar e
fazer todo corpo escolar caminhar de forma saudável, pois se a escola não está bem, com
certeza, essas aulas não funcionaram da maneira correta.
O ensino e a aprendizagem são como engrenagens de um carro: se faltar alguma peça
com certeza o carro não andará com a potência que é recomendada. Se algo ficar fora de lugar
o funcionamento nunca será o ideal. Cada peça, cada elemento precisam estar juntos, unidos
para que de fato aconteça um ensino-aprendizagem de qualidade, em que são atingidos todos
os objetivos que foram traçados.
A forma que uma aula é conduzida pode mudar de acordo com o mau funcionamento
de algum desses elementos, a cima citados. Se o professor não planejar adequadamente, não
dominar completamente os conteúdos que vai explicar, não conseguir manter os alunos em
harmonia em sala, não souber usar os recursos didáticos e midiáticos a seu favor para
melhorar as aulas, não conseguir estimular a participação dos alunos, não tiver autonomia e
domínio do seu ofício, não manter relações equilibradas com o alunado, e também não se
auto-avaliar e nem avaliar corretamente seus alunos para ver se de fato conseguiram aprender,
83
com certeza o ensino-aprendizado estará falho, com lacunas a serem preenchidas,
concertadas.
Outro fator importante é existir o apoio de toda comunidade escolar para que a escolar
funcione bem. Dessa maneira, ambiente se tonará mais agradável e prazeroso para as relações
educacionais. Um lugar em que todos cumprem suas obrigações, entendem seus direitos e
lutam por eles é claro que será um espaço em que as práticas de ensino fluirão com facilidade
e os frutos positivos disso serão colhidos.
Assim posso afirmar que, elaborar essa pesquisa, desenvolvida como trabalho de
conclusão de curso (TCC) foi extremamente enriquecedor para a minha formação
profissional. À medida que ia pesquisando e me aprofundando no tema comecei a perceber
muitas deficiências no meu conhecimento historiográfico, não sabia, por exemplo, explicar
conceitos básicos das principais vertentes historiográficas. Hoje, ao termino da pesquisa, já
me sinto uma profissional de História bem preparada, não só no embasamento teórico, mas
também no ensino, como professora, pois consigo escolher melhor as bases teóricas e consigo
aplicá-las em sala de aula para alcançar um ensino-aprendizagem de qualidade. Entretanto, sei
que minha vida acadêmica e de pesquisas não vão parar, uma vez que, a profissão docente
exige de nós uma busca constante, ou seja, não deixamos de ser pesquisadores, pelo contrário,
essa pesquisa me mostrou o quanto devo cada dia mais procurar melhorar meus métodos e
aprofundar meus conhecimentos.
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