O ENSINO DA DISCIPLINA DIDÁTICA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NO CURSO NORMAL EM PARANAÍBA/MS (1964-
1971).
Noely Costa Dias Garcia (PG-UEMS)
e-mail: [email protected]
Milka Helena Carrilho Slavez - orientadora (UEMS)
e-mail: [email protected]
PALAVRAS-CHAVE: Escola Normal. Formação de Professores. História da
Disciplina Didática.
O interesse pelo tema formação de professores tem me acompanhado desde a
graduação no curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul -
UEMS, na Unidade Universitária de Paranaíba, quando realizei uma sobre este tema,
que resultou no trabalho de conclusão de curso (TCC) intitulado A FORMAÇÃO
CONTINUADA COMO POSSIBILIDADE DE MUDANÇA DA PRÁTICA
PEDAGÓGICA DO PROFESSOR EM SALA DE AULA.
Algumas inquietações que ficaram dessa pesquisa feita como conclusão do curso
de Pedagogia, somadas a interesses despertados durante a participação do Grupo de
Pesquisa em História da Educação Brasileira, o GEPHEB me levaram a me interessar
pelo tema formação de professores, agora numa perspectiva histórica. Desse modo, ao
cursar a Pós-graduação em educação da UEMS na unidade universitária de Paranaíba-
MS, me envolvi com estudos que possibilitaram a elaboração do presente artigo que é
parte do projeto de monografia que se encontra em fase de redação final cujo título
provisório é: O ENSINO DE DIDÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM
PARANAÍBA/MS (1964- 1971).
É desafiador pensar sobre o que induz as instituições de educação a escolherem
determinados conteúdos de ensino e por que as escolhas vão se modificando no decorrer
do tempo. Desse modo, ao estudar uma disciplina escolar busca-se entender quais são os
aspectos políticos, econômicos, sociais que a cercam, pois é fato que nenhuma
disciplina é criada do nada. Para sua criação estão agrupados os interesses dos governos,
as políticas educacionais, as representações, toda a sua trajetória enquanto disciplina e
por último o currículo escolar.
Enfim, questiona-se qual é a finalidade das instituições educacionais ensinarem
o que ensinam? Nesse sentido, uma das formas para se compreender o campo de
estudos históricos é a investigação de como as disciplinas escolares surgiram? Qual
eram suas finalidades? Qual é a importância de se estudar a disciplina? Por que uma
disciplina é considerada mais importante que outra? Por que certas disciplinas são
criadas e instaladas no currículo escolar? Por fim como as mesmas foram e estão
inseridas no campo educacional brasileiro?
Diante de questões dessa natureza, na primeira parte deste artigo, buscamos um
estudo com embasamento teórico no campo da pesquisa sobre as disciplinas escolares
envolvendo autores como Bittencourt (2003), Chervel (1990), Galvão & Souza Junior
(2005), Julia (2001), Pessanha; Daniel; Menegazzo (2004), Pessanha (2010).
Nossa investigação tem como objetivo analisar a finalidade da disciplina
didática no curso normal no estado de Mato Grosso do Sul e, em especial em Paranaíba-
MS, uma vez que essa formação vem sofrendo transformações no decorrer da história
da educação.
Partindo do objetivo lançado o presente trabalho pretende apresentar os
resultados preliminares da pesquisa em andamento a partir de documentos coletados na
Escola Estadual Aracilda Cícero Correia da Costa, uma vez que, essa foi a primeira
escola responsável pela a formação dos professores de Paranaíba no período de 1967 a
2000. Também foram obtidos dados a partir de entrevista feita de acordo com as
definições de história oral apresentadas por Meihy e Ribeiro (2011).
Vale ressaltar que a investigação em andamento está vinculada ao projeto de
pesquisa intitulado HISTÓRIA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM
MATO GROSSO DO SUL (1997-2008) coordenado pela Profª Drª Estela Natalina
Mantovani Bertoletti e que tem como colaboradora a minha orientadora Profª Drª Milka
Helena Carrilho Slavez.
Dessa forma, a problemática do estudo pode ser exposta na questão: Como era
conduzido o ensino da disciplina didática no período de 1964 a 1971 na formação de
professores na cidade de Paranaíba/MS?
1. Apontamentos acerca da noção de disciplinas escolares
As pesquisas desenvolvidas no campo das disciplinas escolares são pouco
estudadas o, uma vez que, o estudo histórico voltado ao conteúdo de ensino tanto
primário como secundário não despertou tanto os interesses dos pesquisadores, logo,
estudos que abarcam pesquisas voltadas as disciplinas escolares ainda são pouco
estudadas no Brasil. No entanto, de acordo com Chervel (1990, p. 177), “Mais
recentemente, tem-se manifestado uma tendência, entre os docentes, em favor de uma
história de sua própria disciplina”.
No entanto, o conceito a princípio apresentado por Chervel (1990, p. 177) é que
[...] “as definições que dela são dadas de fato não estão de acordo a não ser
sobre a necessidade de encobrir o uso banal do termo, o qual não é
distinguido de seus ‘sinônimos’, como ‘matérias’ ou ‘conteúdos’ de ensino.
A disciplina é aquilo que se ensina e ponto final”.
Em consonância com o autor, os significados atribuídos às disciplinas escolares
acabam por serem confundidos com seus sinônimos, tais como, matérias ou conteúdos a
serem ensinados aos alunos. Porém, ele esclarece que o termo disciplina escolar após a
Primeira Guerra passa a designar a seriedade desse conceito, o qual não se admitia
confundi-lo com os termos resultados de seus sinônimos.
Nos últimos anos, tem se aumentado os estudos voltados a entender como certos
saberes se tornaram propriamente escolares. Em geral, para Galvão & Souza Júnior
(2005), as pesquisas desenvolvidas por professores/pesquisadores que se interessam em
conhecer a história de sua disciplina escolar, possibilita de maneira significativa qual é o
papel da escola e por outros interesses sociais que tem sido fundamentais na formação
de novos indivíduos.
Certamente, para Galvão & Souza Junior (2005, p. 393) uma das razões pelas
quais a história das disciplinas escolares tem se configurado, na atualidade brasileira,
como uma importante
[...] “área de estudos tem sido a sua potencialidade em fornecer um novo
olhar para a escola do passado, permitindo perceber que a história da
educação vai além da história dos ideários e dos discursos pedagógicos.
Estudos nesse campo permitem, ainda, complexificar a noção de tempo, na
medida em que o estudo das transformações de um saber se torna escolar não
obedece a uma linearidade lógica, mas resulta de uma série de injunções que
assumem características específicas em cada espaço social e em cada época”.
Nesse contexto, ao qual foram reportadas pelos autores, as pesquisas voltadas as
disciplinas escolares atualmente no Brasil tem sido importantes, devido ter se mudado o
olhar retrocedido para escola, o qual se busca nesses estabelecimentos escolares do
passado toda a sua história e constituição, para que assim se compreenda de fato o que
foi fundamental na época e contexto social para a elaboração e implantação de uma
disciplina de ensino.
O aumento das pesquisas em história das disciplinas segundo Bittencourt (2003)
deve-se ao processo de transformações curriculares dos anos de 1970 e decorrer de
1980, período em que se repensava o papel da escola em suas especificidades e espaço
de produção do conhecimento e não lugar apenas de reprodução de conhecimentos.
É instigador pensar os motivos que modificaram as práticas pedagógicas
contribuindo para que se pudesse repensar todo trabalho educacional desenvolvido no
espaço escolar, uma vez que, o Estado e a elite dominante tinham uma postura
determinante em toda a estrutura de funcionamento.
Atualmente, é fato considerar que a maioria das escolas dá mais valor ao ensino
propiciado pelas disciplinas de língua portuguesa e matemática, deixando as demais
matérias como apenas um complemento do conhecimento do indivíduo para que esse
futuramente possa viver em sociedade. Logo, a importância de se entender de fato qual
a finalidade de cada disciplina escolar tem na carreira estudantil de cada pessoa, pois
trata-se de algo que está encoberto.
Para Bittencourt (2003) cada disciplina escolar faz parte de um currículo e
estabelece saberes, caracterizado como sendo naturais que circulam no dia-a-dia das
salas de aula. Dessa forma, questionamentos acerca da existência de disciplinas
escolares no contexto escolar e no currículo escolar de cada instituição são debates entre
muitos estudiosos tanto na atualidade quanto em outros períodos da história da
educação.
Segundo Forquin (1992 apud GALVÃO & SOUZA JÚNIOR, 2005, p. 393-
394), o campo de pesquisas em história das disciplinas escolares “[...] possibilita obter
informações acerca da seleção cultural que faz a escola, identificando o que é, em
determinada época, compreendido como deve ser ensinado [...]”. Desse modo, a escola
dita em cada período o que de fato deve ser lecionado em seu interior escolar.
Até o final do século XIX, o termo disciplina escolar era entendida como
vigilância dos estabelecimentos de ensino, a coerção dos comportamentos danosos que
não propiciava a boa ordem dentro destes e aquela parte da educação dos alunos que
colabora para isso. Nesse sentido, averigua-se que disciplina escolar era entendida como
um meio de manter a ordem dentro das escolas.
Segundo Chervel (1990) os termos equivalentes mais utilizados no século XIX,
são expressões, tais como “objetos”, “partes”, “ramos”, ou ainda “matérias de ensino”.
No entanto, no início do século XX, o termo disciplina coloca em evidência, antes da
banalização da palavra, as novas tendências do ensino, sendo esse primário ou
secundário e de acordo com Chervel (1990, p. 178), “[...] descartemos primeiramente a
informação falaciosa dos dicionários etimológicos que atribuem a Oresme, no começo
do século XIV a primeira utilização da palavra no sentido de “conteúdo de ensino”.
Dessa forma, questiona-se a palavra disciplina ser cedida do latim, a qual
assinala a ensino que o aluno recebe do mestre. Na realidade, questiona-se que a palavra
disciplina foi originada por uma vasta corrente de pensamento pedagógico da segunda
metade do século XIX, tendo ligação com a inovação das finalidades do ensino primário
e secundário da época.
Para Bittencourt (2003, p. 13) a linha de pesquisa em disciplina escolar tem
contribuído
[...] para o desenvolvimento de análises educacionais visando situar o
conjunto de agentes constituintes do saber escolar, especialmente professores,
alunos e comunidade escolar e, nesse processo, as disciplinas escolares
passaram a ser incluídas como um dos objetos importantes das investigações
sobre as práticas escolares.
Assim sendo, as pesquisas voltadas as disciplinas escolares propiciam um
envolvimento de toda a massa de indivíduos que a compõe e determinam no campo
educacional, sendo alvo decisivo dessa constituição os docentes, discentes e toda
comunidade escolar. No entanto, Bittencourt (2003) esclarece que historiadores
franceses dedicaram seus estudos sobre seus agentes e seus saberes inseridos na
concepção de uma cultura escolar, a qual difere-se das abordagens das décadas
anteriores que se interessava apenas na escola em seus aspectos estruturais.
Nesse sentindo Dominique Julia (2001, p.10-11) estabelece que cultura escolar
pode ser entendida como
Um conjunto de normas que definem os saberes a serem ensinados e de
condutas a serem inculcadas e um conjuntos de práticas que permitem a
transmissão destes saberes e a incorporação desses comportamentos, normas
e práticas ordenadas de acordo com as finalidades que podem variar segundo
as épocas (religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).
Nesta concepção apresentada pelo autor, a cultura escolar de uma instituição de
ensino é determinada por todos os conjuntos de normas e práticas educacionais, onde a
cultura escolar de uma escola não pode ser estudada separadamente de suas relações de
conflito ou pacíficas que ela possui em cada época da história.
A cultura escolar de cada instituição de ensino engloba tudo, desde o conteúdo
até o funcionamento da escola, uma vez que, cada escola tem a sua própria cultura
escolar, pois cada uma trabalha a seu modo o seu método de ensino, as relações entre
professores e alunos.
Segundo Chervel (1990, p. 178)
[...] É durante a década de 1850, que marca o começo da crise dos estudos
clássicos, que os partidários das línguas antigas começam a defender a ideia
de que, na falta de uma cultura, o latim traz ao menos uma ‘ginástica
intelectual’, indispensável ao homem cultivado.
Assim sendo, começa a repensar a caráter do ensino oferecido ao aluno. Nas
palavras de Chervel (1990, p. 179) “... deseja-se, de agora em diante, disciplinar:
‘Disciplinar a inteligência das crianças, isto constitui o objeto de uma ciência especial
que se chama pedagogia’”.
Para Chervel (1990) a palavra exercício intelectual surge primeiro com o
matemático e filósofo Antoine Cournot, mas, sobretudo é com Félix Pécasut e com os
artesões da renovação pedagógica de 1880 que ela propagou como um dos temas da
nova instrução primária.
A princípio, a disciplina incide do geral para o particular, constituindo-se como
uma matéria de ensino capaz de servir de aprendizado intelectual, a qual careceria
comprometer em resguardar o melhor, diferente das demais disciplinas ocorridas,
criando inovações estabelecidas pelo desenvolvimento da sociedade.
Cabe ressaltar, que a palavra exercício intelectual era designada apenas ao
ensino primário, aparecendo somente mais tarde no ensino secundário, uma vez que, o
ensino secundário nunca ocultou sua capacidade em formar os espíritos pelo exercício
intelectual.
Para Chervel (1990, p. 180) a razão desse atraso é simples
[...] Até 1880, mesmo até 1902, para a Universidade não há senão um modo
de formar os espíritos, não mais do que uma “disciplina”, no sentindo forte
do termo: ai humanidades clássicas. Uma educação que fosse
fundamentalmente matemática ou científica não deveria ser, antes do começo
do século XX, plenamente reconhecida como uma verdadeira formação do
espírito. É somente quando a evolução da sociedade e dos espíritos permite
contrapor. A disciplina literária uma disciplina científica que se faz sentir a
necessidade de um termo genérico.
Assim sendo, averigua-se que antes do século XX não havia uma educação
matemática ou cientifica, isso só veio acontecer por necessidade da sociedade da época,
ou seja, uma disciplina só surgiria caso a sociedade a qual ela estava inserida a
permitisse.
No entanto, o ensino oferecido no ambiente escolar, uma vez que, esses
estabelecimentos de ensino eram organizados para instruir e ensinar indivíduos das
elites burguesas. Desse modo, esse ensino era incapaz de atender a maioria de sujeitos
dos demais setores sociais, heterogêneos no ponto de vista social, econômico e cultural.
Depois do fim da I Guerra Mundial, o termo disciplina vai sendo
descaracterizado, tornando-se rubrica que nomeia as matérias de ensino, sem ter
referência às exigências da formação do espírito. Logo, com o termo disciplina os
conteúdos de ensino são idealizados como próprios da classe escolar, autônomos da
realidade cultural exterior da escola. Sendo assim, Chervel (1990, p. 180) afima “... uma
‘disciplina’, é igualmente, para nós, em qualquer campo que se a encontre, um modo de
disciplinar o espírito, quer dizer de lhe dar os métodos e as regras para abordar os
diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte”.
É interessante verificar, que com passar dos anos o termo disciplina veio se
modificando, sendo apenas um nome que fica para nomear as matérias em estudo, uma
vez que, os conteúdos ministrados em cada escola são próprios de si, não obtendo
intervenção sociedade exterior a escola. No entanto, a disciplina será um meio para
fazer obedecer ao espírito, propiciando formas e regras a serem seguidas e estudadas,
sendo limitadas por um órgão maior, denominado como Estado sendo o principal agente
regulador das práticas educacionais.
Consoante com isso, Bittencourt (2003) caracteriza os termos disciplina e
matéria escolar, pois segundo a autora o emprego dos dois termos estão atrelados a
determinados níveis de ensino e o qual depende da sua utilização no dia-a-dia escolar,
relacionando às especificações das várias práticas docentes, uma vez que difere o tipo
de professor e a forma como o conhecimento a ser transmitido se compartimenta em um
local onde o mesmo será delimitado e preciso.
No entanto, ela afirma que na década de 70 e 80 ocorrem mudanças no contexto
das disciplinas escolares, uma vez que, os currículos escolares passaram por
reelaboração, por serem alvo de mudanças, as disciplinas de ensino tornam-se objeto de
interesse, pois se tenta abranger o seu papel e sua significação nos novos currículos
elaborados.
Segundo Bittencourt (2003, p. 16) a década de 80 representou
[...] um repensar das problemáticas educacionais no momento de
democratização política em que vivia nosso país. A constatação de um
sistema educacional “em crise” levou, entre outras medidas, a reformulações
dos currículos produzidos durante o regime de ditadura militar e, nesse
contexto, surgiram questionamentos diversos sobre as diferentes disciplinas
escolares que consideravam, entre outros tópicos polêmicos, os objetivos e o
papel social e cultural do saber elaborado para uma escola “para todos”.
Conforme pontuado pela autora, a década de 80 foi determinante para algumas
problemáticas decorrentes do âmbito escolar, mediante a democratização política que
passava o Brasil, a que possibilitou uma mudança nos currículos até então criados com a
visão de membros do regime militar. Nesse sentindo, muitas foram as indagações acerca
das disciplinas de ensino, uma vez que se almejava um ensino voltado a toda a
sociedade brasileira, aonde o ensino teria que ser igual para todo o indivíduo brasileiro.
Nesse mesmo período de 80 Bittencourt (2003, p. 16) assegura
[...] Os desafios dos educadores brasileiros centravam-se sobre as
possibilidades de superar uma série de problemas relativos à marginalização
de parcelas significativas da população, considerando as desigualdades
econômicas e sociais mantidas pelo regime militar e tais problemáticas
caracterizam os debates do período. A volta de exilados, em especial, Paulo
Freire, trouxe novo alento para quem empenhava em reformulações
essenciais das práticas escolares, mas fez surgirem outros problemas.
De acordo com essa afirmação, fica a cargo dos professores resolverem vários
problemas que envolviam a marginalização da maioria dos indivíduos da sociedade
global, os quais eram considerados inferiores a uma parcela da população, e era
detentora de um fator econômico e social baixo sustentado durante o período do regime
militar. Assim sendo, com o fim da ditadura militar, o retorno de Freire do exilo,
possibilitaram-se reformulações nas práticas educacionais, logo, resolvidas essas
questões apareceram outros problemas.
Questões acerca dos conteúdos e os métodos de alfabetização da criança
ressurgiram, e com a volta de Freire buscou-se pensar um conhecimento que atendesse
interesses da classe menos favorecida não ficando apenas a classe dominante.
Sendo assim, o currículo acaba por aumentar o sentido de preparo disciplinar,
num contexto de propiciar regras de conduta entre os indivíduos do âmbito escolar, para
que nesse sentido englobe objetos, partes e disciplinas de ensino. Desse modo, é
importante destacar a relação que se faz presente entre o currículo escolar e a cultura, o
poder, a ideologia, controle social, ou seja, todas as relações de poder que estão por traz
de sua elaboração.
Bittencourt (2003) pondera que se procura compreender as clivagens entre o
currículo formal, elaborado pelo poder educacional, e o currículo vivenciado na sala de
aula por professores, alunos e outros agentes da comunidade escolar.
Deste modo, nessa linha de pesquisa histórica, teóricos buscam compreender o
currículo em fundamentos em que se baseia o conhecimento escolar, sendo este
produzido cientificamente em pesquisas acadêmicas e o conhecimento derivado do dia-
a-dia do indivíduo denominado ser do senso comum.
Portanto, são poucas as pesquisas desenvolvidas nesse campo da história da
disciplina, porém de acordo com as investigações que já foram feitas, para que um
determinado conteúdo faça parte de uma disciplina de ensino o mesmo necessita ser
aprovado por todos os agentes responsáveis pela sua criação, sendo esses, toda a
comunidade escolar, o Estado, a sociedade e outros indivíduos que estejam relacionados
para a constituição desse conteúdo de ensino. Logo, existe toda uma relação de poder
por traz dessa constituição, a qual procura atender a classe dominante e detentor de um
poder aquisitivo favorável.
Vale ressaltar, que ao falar de disciplina escolar é necessário entender a cultura
escolar, assim sendo, a cultura escolar vai se compondo por meio das normas e práticas
que determinam os valores e comportamentos que seriam traçados e conhecimentos a
serem lecionados por uma determinada escola. Sendo assim, cada escola constitui e dita
a sua própria cultura escolar.
A pesquisa em história das disciplinas escolares, até mesmo para de fato
compreender como se constitui a cultura escolar se faz necessário um estudo voltado a
fontes primárias, logo, um espaço para encontrar tais fontes era os estabelecimentos
escolares.
Para Pessanha; Daniel; Menegazzo (2004) existem documentos na guarda da
escola que se tornaram um registro legal que ilustram práticas escolares, tais como:
livros de atas, cadastro e termo de posse de professores, boletins, diários de classes,
pastas individuais de alunos, registros de provas orais e escritas. Esses documentos
eram obrigados a serem mantidos na escola, embora a partir de 1980 as escolas tiver
passado por um informatização acabou-se alterando as formas de arquivar os
documentos que mantêm registro fundamentais para estudar e compreender a historia
das disciplinas escolares.
Antes das escolas terem um sistema informatizado de guardar arquivos, tais
documentos acima pontuados eram todos armazenados na própria escola, no entanto,
atualmente, há uma imensa dificuldade de encontrar tais documentos. Ressaltamos isso,
mediante a dificuldade de encontrar documentos escritos para concretização desse
trabalho.
Outra fonte considerada de suma importância nos desenrolar da pesquisa é o
caderno do aluno, pois como faz parte do dia-a-dia do aluno na escola esse pode ser um
depoimento valioso do que tenha permanecido no trabalho do professor na escola com
determinadas matérias de ensino.
Segundo Chervel (1990, p. 208) “[...] as exigências intrínsecas de uma matéria
ensinada nem sempre se acomodam numa evolução gradual e contínua”, uma vez que,
essas reivindicações perpetuadas em uma disciplina escolar acabam ocasionando um
desconforto, pois com as mudanças propicia uma instabilidade, o medo do novo a ser
implantado gera desordens no campo educacional. Mesmo, a forma antiga de ensinar
certo conteúdo esteja saindo de cena e o novo se instaurando, o antigo ainda continua
vivo, possibilitando variações nesse método novo.
Haja vista, para que se consiga ter êxito na disciplina a ser ensinada é
fundamental que a prática do exercício pedagógico do professor tenha qualidade, uma
vez que, faz jus a troca de papéis entre o professor e o seu aluno, há uma necessidade de
diálogo entre ambos nesse processo de construção do conhecimento.
Para Chervel (1990, p. 210)
O estudo da evolução das disciplinas, conteúdos e exercícios, mostra que as
práticas de estimulação do interesse do aluno estão constantemente em ação
nos arranjos mínimos ou importantes que elas sofrem. Toda inovação, todo
novo método chama a atenção dos mestres por uma maior facilidade, um
interesse mais manifesto entre os alunos, o novo gosto que eles via encontrar
ao fazer os exercícios, a maior modernidade dos textos que se lhes submete.
Essa realidade apresentada demonstra que toda trajetória para progresso de uma
disciplina, é necessário que haja um elo desde a constituição do que será trabalhado em
sala à sua aplicação, para que assim consiga possibilitar ao aluno o seu interesse em
aprender o que esta se estudando, uma vez que, toda novidade acerca da prática
pedagógica do professor lhes propicia um interesse, pois ambos buscam encontrar no
novo uma forma melhor de exercer sua prática pedagógica, uma vez que, essa contribui
para melhor compreensão de seu aluno na matéria ministrada.
2. A disciplina didática no curso normal em Paranaíba: algumas respostas e
mais questionamentos
O levantamento no Banco de Teses e Dissertações da CAPES possibilitou
localizar a partir da leitura dos resumos apenas três trabalhos que abordam o tema com
o mesmo propósito dessa pesquisa. No entanto, ao ler detdamente os resumos dos
trabalhos, observou-se que apenas uma dissertação de mestrado realmente pode oferecer
elementos importantes, a autora é Carla Busato Zandavalli Maluf de Araujo e o título é
“O ENSINO DE DIDÁTICA NA DÉCADA DE TRINTA, NO SUL DE MATO
GROSSO: ORDEM E CONTROLE?” defendida no ano 1997.
Para Araújo (1997, apud PESSANHA; DANIEL; MENEGAZZO, 2004), a
configuração da disciplina didática durante a década de 30 do século XX, e dos manuais
de didática corroborou como uma tentativa de conferir a marca ordem e progresso.
Como verificado pelos autores, tanto a disciplina didática como os manuais de didática
tinham a função nesse período de estabelecer ordem e progresso nas escolas, os quais
propiciavam normas a serem seguidas e metas a serem atingidas.
As informações sobre a disciplina didática no sul de Mato Grosso na década de
trinta encontram-se muito bem apresentadas neste trabalho, porém nosso interesse é a
respeito de um período posterior, mais precisamente três décadas após, a data 1967
deve-se ao início do curso normal na cidade de Paranaíba, de acordo com o diário
oficial
Desse modo, procuramos investigar nos documentos encontrados nos arquivos
da escola onde funcionou por mais tempo os cursos de formação de professores, a
Escola Estadual Aracilda Cícero Corrêa da Costa, indícios que pudessem apontar para
as finalidades da disciplina didática no curso normal a partir de sua implantação naquele
município até a mudança proporcionada pela Lei de Diretrizes e Bases Nº 5672/71, que
transforma o antigo curso normal para o curso Magistério. Assim, o período escolhido
para realizar o presente estudo compreende o período de criação do curso normal em
Paranaíba-MS, no ano de 1967 até a modificação para o Magistério, em 1971.
Conforme afirmado anteriormente, houve uma imensa dificuldade de encontrar
documentos escritos para concretização desse trabalho. Os poucos documentos
encontrados foram atas das provas finais das primeiras, segundas e terceiras séries do
curso normal que funcionava no período noturno. Nestas atas observam-se as notas dos
alunos que cursaram a primeira série do curso normal nas disciplinas de Português,
Matemática, História, Geografia, Francês, Desenho, Metodologia, Ciências, Educação
Física, no ano de 1967; em 1968 observam-se as mesmas disciplinas, porém foi
acrescentada a disciplina escrita com a abreviação Art. Ed., supõe-se tratar de Educação
[m1] Comentário: Colocar a data
Artística, pois na página referente ao mesmo ano de 1968, porém com as notas dos
alunos da segunda série do curso normal, a abreviação é escrita Ed. Art., nesta página
também se nota a disciplina Psicologia além das mencionadas anteriormente.
No ano de 1969, na página que apresenta as notas da turma da primeira série,
vemos as mesmas disciplinas, entretanto não encontramos mais a disciplina Francês e
sim Inglês. Já na página daquele ano que registra as notas dos alunos do terceiro ano as
disciplinas Sociologia, Filosofia aparecem pela primeira vez, e não se vê mais História e
Geografia.
No documento referente ao ano de 1970, as notas da turma da primeira série do
curso normal apresentadas são das disciplinas Português, Matemática, História,
Geografia, Inglês, Desenho, Educação Artística, Metodologia, Ciências, Educação
Física, e pela primeira vez, aparece a disciplina Educação Cívica. As mesmas
disciplinas aparecem na página que registra as notas dos alunos da segunda série do
curso normal, daquele mesmo ano. Quanto às notas da turma do terceiro ano, também
são substituídas as disciplinas História e Geografia e acrescentada as disciplinas
Sociologia e Filosofia, não aparecem mais o Inglês, nem o Francês e está presente
Educação Cívica. Nas páginas referentes ao ano de 1971, não se observa mudanças
quanto ao oferecimento ou retirada de disciplinas.
Destes documentos encontrados nota-se uma variação nas disciplinas
apresentadas, pois ao que tudo indica, no período em que os registros foram feitos não
teria ocorrido mudança na legislação, o que então teria levado a escola a retirar algumas
disciplinas que foram oferecidas no primeiro ano do curso como o Francês e substituí-
las pelo Inglês? Neste trabalho não pretendemos responder a essa pergunta, pois nosso
interesse é a disciplina Didática, contudo, este é o aspecto mais intrigante que decorre
da observação dos documentos coletados na escola Estadual Aracilda Cícero Corrêa da
Costa. Em nenhumas das páginas das atas encontradas se observa esta palavra, apenas
vemos a disciplina denominada Metodologia.
Diante disso, partimos para uma entrevista realizada no dia 09/02/2013 com a
professora que ministrou a disciplina Metodologia no período em estudo, seu nome é
Joana Darc dos Santos ela nos recebeu em sua residência. Porém ela não pode
esclarecer porque não era oferecida a disciplina Didática e sim Metodologia. Ela apenas
disse: era Metodologia, foi a que eu lecionei, eu não lecionei Didática foi
Metodologia...
Questionada a respeito do que era ensinado nesta disciplina, Joana Darc afirmou:
como eu lecionava Metodologia então nós confeccionávamos. Para cada
aula que ia dar aquilo, eram umas aulas linda e muito bem motivada, com
muito material, com um material bem pobrinho... Olha o palavreado, mas eu
quero falar de verdade, bem pobrinho porque nós não tínhamos em
Paranaíba papelaria, mas tinha aquilo que chamava atenção do aluno,
muito.
Esta professora não se recordou de nenhum livro em especial, apenas mencionou
alguns materiais e cadernos que foram emprestados e nunca foram devolvidos. Por fim
sua fala apresenta indícios de que a disciplina Metodologia, ministrada por ela tinha
relação com as disciplinas que deveriam ser ensinadas pelas normalistas, como
Português e também se aproximava dos estágios, conforme ela relata:
Por exemplo, eu me esqueci de dizer dentro das possibilidades mínimas do
que a gente não tinha todo mundo também trabalhava muito, nos fazíamos
estágios eu levei grupos, naquela época era os centros rurais Tamandaré,
Alto Santana, nos íamos de madrugada passamos o dia trabalhando com o
professor do campo trabalhando o campo, trabalhando a parte pedagógica e
observando ele a fazer a merenda, ele cuidar da criança... o menino que
tinha que sair mais cedo porque o pai veio buscar porque tinha que ajudar a
plantar, ajudar a colher. São coisas que se viu da vivencia de se ver. ...então
isso bem antes quando eu voltei, fazia estágios com médicos, dava palestra,
trazia tudo, para que você saísse preparada acudir nossos alunos de volta.
Então essas coisas eram as coisas diferenciadas que tinham que hoje não
tem, volto a dizer a você, que os professores são os mesmos. É como eu digo
no Zé Garcia, às vezes chega umas substitutas, eu nunca questionei saber de
ninguém, por que o saber é seu e depois você vai conversar elas realmente
sabem e tem conhecimento, elas não foram preparadas para entrar em uma
sala de aula, principalmente hoje, fala uma coisa para você e amanhã o
menino já esta fazendo outra coisa... nos já tivemos professores de chegar
para dar aula e depois sair, uma moça de fora... acho que Iturama, Santa Fé
ou Santa Clara, ela deu as aulas...5 aulas, agente olhava aquela pessoa
magrinha... quando ela saiu, ela sentou na sala dos professores parecia que
a moça ia morrer, isso já tem uns 8 anos....ela quase deu um trem...falou
assim estou abandonando, nunca mais eu dou uma aula. São essas coisas
que eu acho que faz toda a diferença e que a metodologia você ensinava
como que era... esse bimestre nos vamos trabalhar metodologia de
Português, agente trabalhava só Português, ali se sanava tudo, isso nos
primeiros anos. Ai no outro bimestre, quando você entrava no 2º e 3º você
entrava nos estágios assistir a aula depois ministrar a aula bem por
disciplina, que aquilo que você viu, você voltou e não sanou, falei faz assim e
assim e você não fez, vamos retomar, agora hoje é igual na sala de aula, se
não der tempo de dar a matéria o adeus ao aluno, se o aluno aprendeu ou
não. Então gente, infelizmente se não tiver uma busca... tem que fazer isso ai,
a minha maneira de ver é pegar o que era bom e juntar com o que vem de
novo ai vai virar, senão eu não acredito na educação.
Nossa pesquisa não está concluída, os documentos encontrados e as informações
obtidas por meio da entrevista forneceram poucas respostas e mais questionamentos. O
relato da professora da disciplina Metodologia Joana Darc dos Santos, nos dá elementos
para acreditarmos que a finalidade desta disciplina era preparar as normalistas para a
realidade da sala de aula, principalmente nas questões que envolvem aspectos
metodológicos e práticos por meio dos estágios. Contudo, seria precipitado chegar a
essa conclusão a partir de um único depoimento. Deste modo, daremos prosseguimento
a esta pesquisa para procuramos respostas as questões que surgiram destes primeiros
fragmentos da história da disciplina Didática no curso Normal em Paranaíba - MS.
Consideramos que ao organizarmos os documentos e principalmente ao
buscarmos resgatar a história da disciplina didática na formação dos professores da
escola primária de nossa cidade ajudamos a desvelar a cultura escolar da formação de
professores levantando, organizando e digitalizando as fontes.
Referências:
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Disciplinas Escolares: História e Pesquisa.
In:______OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda de; RANZI, Sirlei Maria Fischer (org).
História das disciplinas escolares no Brasil: Contribuições para o debate. Bragança
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pesquisa. Teoria & Educação. Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1990.
GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. SOUZA JÚNIOR, Marcílio. História das
disciplinas escolares e história da educação: algumas reflexões. Educação e Pesquisa,
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JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Trad. Gizele de Souza.
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MEIHY, J. C. S. B.; RIBEIRO, S. L. S. Guia prático de história oral: Para empresas,
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PESSANHA, Eurize Caldas. História de disciplinas escolares em uma “Escola
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PESSANHA, Eurize Caldas. DANIEL, Maria Emília Borges. MENEGAZZO, Maria
Adélia. Da história das disciplinas escolares à história da cultura escolar: uma
trajetória de pesquisa. In:______ Revista Brasileira de Educação. Set/Out/Nov/Dez.
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