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0 PODER
DA MENTEHUMANA
éclatai ß steve s da ç ilva ácad. Filosofia - UF G
Fone: 225-8810
EDIÇÕES LOYOLA sãopaulo
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Fora de tôda opção moral, f i lo-sófica ou religiosa, o domínio de si mesmo é uma higiene prudente para
noss a vid a qu otid iana. O abandono
animal aos inst intos, o deixar passar, a recusa ao esforço e reflexão, é ho-
je uma posição u ltrapassada, porque as
funções do cérebro inst int ivo do ani-
mal correspondem realmente no ho-mem, por sua maior evolução, ao cére-bro superior.
O autor, nesta obra, faz um es-tudo em profundidade do comporta-mento do hom em. Saber qu erer é
primeiro saber manterse em boas
condições de equil íbrio cerebral. As
vinculações da vontade e do querer
com o funcionamento do cérebro le-vamno a deduzir o específico do psi-
quismo humano e os meios prát icos
para conseguir a concentração de
nossas energias.
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C O N T R O L E C E R E B R A L
E E M O C I O N A L _ _ _ _ 1P S I C A N Á L I S E S D EO N T E M _ _ _ _ _ _ _ _ 2
P S I C A N Á L I S E S D EH O J E . _ _ _ _ _ _ _ _ 3
A F A C E O C U L T A D AM E N T E <T° M o i > 4
A F A C E O C U L T A D AM E N T E <tom° a __________ _ 5
O S G R A N D E S M É D I U N S6
F U N D A M E N T O D OH A T H A Y O G A _ _ _ 7
P R Á T I C A D O H A T H A Y O G A _ _ _ _ _ _ _ _ _ 8
O D O M Í N I O D E S I _ 9
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p a u l U M C i a nDoutor em Medicina 8 Ciên
cias, é diretor da Escola de Altos Estudos de Paris e professor na Escola de Psicõíogcs Práticos,
Especialista da fisiologia do sistema nervoso êle é considerado por muitos como o melhor neurofisió-
l o g o d o mundo. A u t o r de numerosos l i v ros de g rande ace i t ação
ent re os espec ia l i s tas e o púb l i co
é f ie l ao seu pr inc íp io de que o
c ient i s ta não só deve in formar
ao públ ico» mas fazê-lo pensar»
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iffliatal £ steve s an (”iloa Acad. Filosofia - U F G
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D O M Í N ID E S I
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âiatal £.steves da ç íloa Âcad. Filosofia - U FG
Fone: 2259810
Aos Educadores da Vontade pelas técnicas
de realização de si mesmo (cultura psicofísi- ca, relaxação, método Vittoz, yoga, psicossín- tese, método Ramain, etc.), para o Centená rio do Dr. Vittoz (1863-1925).
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4/
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íScfóf fêsteves da ftllm âcad. Filosofia - U F ô
fone: 2 2 5 9 8 1 0
“Ter consciência de um ato, não é pensá-lo mas senti-lo.É preciso dar-nos inteiramente àquilo que faze mos. É o meio de aperfeiçoar ainda os nossos
menores atos. Para isto é preciso adquirir a uni dade, que concentra tôdas as nossas forças, em lugar de gastá-las em pura perda."
Dk. Vi t t o z : Notes et Pensées, Ê d. du Levain.
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19$atal Çsteves da ç ilna Âcad. Filosofia - UFG
Fone: 225-98ÍO
I N T R O D U Ç Ã O
O homem moderno gosta da facilidade, pois vê nela o sinal do progresso: o latim sem esforço, a matemática sem trabalho, o conforto generalizado, o automóvel para
ir até à esquina, etc., etc. Doutro lado o Domínio de Si mesmo não está atualmente em grande favor. Com efeito, em pleno século da ciência e da técnica, em que vivemos, falar dêste Domínio seria defender uma posição idealista, ligada a posições morais ultrapassadas. Que um- pregar dor, que um confessor nos aconselhe tal Domínio para obter mais santidade, nós admitimos e com tanta maior
facilidade, quanto é certo não se tratar no caso, senão
de um apêlo a uma boa vontade freqüentemente ineficaz. Não compreendemos por que razão o Domínio de Si mes mo, fora de tôda opção moral, filosófica ou religiosa, é uma necessidade higiênica prudente e sábia para nossa vida quotidiana.
Por que querer, por que êsse esforço crispado, que nos parece tão pouco natural, tão contrário à relaxação
de uma atraente espontaneidade? Doutro lado, já nos não ensinou a Psicanálise a temer os recalques, os complexos, fonte das neuroses? Como ousar exercer uma autoridade parental sem recear de desequilibrar a criança? Não será melhor deixá-la livre? Não é por acaso a Moral um cons-
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14 O DOMÍNIO DE 81
trangimento desequilibrador, contrário às nossas mais
profundas tendências, uma necessidade imposta pela vi da social, mas à qual é melhor não submeter demasiado as crianças? Que estas aproveitem da própria juventude! Não é, por acaso, o Ideal, o provar de todos “os alimentos terrestres?” Não está a grandeza maravilhosa e trágica do homem na sua Liberdade absoluta, visto como não há Bem nem Mal? Tudo é permitido àqueles que se sentem bem! O essencial é ser livre e para isto, basta ter um cérebro normal. Para que moralista? É ao médico, ao psi- cólogo que convém curar os pecados capitais, produzidos
pelos distúrbios hormonais e pelos complexos. O indiví duo curado fará o que lhe der na fantasia.
Por que propor-nos êste esforço de dominar-nos, es forço tão penoso, tão fatigante, talvez até perigoso? Gra ças à ciência, encontraremos êste Domínio na farmácia:
pílulas para dormir ou para ficar acordado, pílulas para acalmar-nos e ver tudo cor-de-rosa, pílulas de inteligência, pílulas de esterilização a fim de que a fecundidade seja voluntária e responsável.
É possível tirar a vontade a um animal por meio de certos venenos. Assim o gato ou o pombo de Baruk per manecem nas mais extravagantes posições, em que forem
colocados, não por estarem paralisados, mas por terem perdido a iniciativa motriz. Êstes venenos agem sobre os mecanismos do cérebro. Quando conhecermos tais vene nos mais minuciosamente, não poderíamos, quem sabe, fazer o inverso, isto é, criar a química da Vontade sem esforços? Eis a solução: o químico substitui o moralista! Têrmos a santidade em garrafa!
A quem lembrar o longo esforço de treinamento do atleta, que lhe permite belos movimentos aparentemente fáceis e espontâneos, tão diferentes da deselegante cris pação anelante da pessoa não-treinada, é possível respon
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INTRODUÇÃO 15
der que aqui também, no atletismo, o mais importante é o “doping” e as receitas técnicas, que tornam iguais as oportunidades para todos os corredores das etapas mon tanhosas do Circuito Ciclista da França. Para melhorar as “performances” de uma graciosa atleta bastaria dar-lhe hormônio masculino!
Como pois exprobrar ao homem moderno de se desin teressar pelo Domínio de Si mesmo? Dominar-se é um luxo reservado para aqueles que têm tempo de sobra, que vivem calmamente; numa palavra, para os egoístas que vivem à parte da construção do progresso. Na vida agi tada, cheia de responsabilidades, o homem moderno não
pode permitir-se o repouso. É para êle um dever impres cindível ir sempre mais velozmente. Basta dar-lhe apenas os meios necessários para sustentar-se nesta resolução.
Nada de sermões, mas sim, pílula! Mas eis que êste homem moderno, tão bem ajudado pela medicina, tão bem aliviado pela técnica, desmoro- na-se, vítima da angina pectoris, do enfarte do miocárdio, da hipertensão arterial, da ruptura de uma úlcera esto macal, etc. O operário, o empregado moderno, tem seus trabalhos racionalizados a fim de ser evitada tôda fa
diga: nenhuma necessidade mais de deslocar-se; sempre o mesmo gesto estereotipado. Só lhe restaria integrar nesta cadeia sem fim, a satisfação de suas necessidades naturais e teria assim a utilização integral do pnóprio tempo! Re sultado: a rapidez e a monotonia do trabalho o precipi tam na nevrose. Razão a mais para não poder adquirir o Domínio de
Si ainda quando alguém está submerso na fadiga nervo sa. O fatigado nos suplica de curá-lo logo, de lhe resti tuir màgicamente o equilíbrio e as fôrças. Iremos por acaso responder-lhe com um sermão, dizer-lhe que se do mine? Não será certamente mais útil dar-lhe remédios?
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•16 O DOMÍNIO DE 81
I
É o que se faz em geral, 'pensando ser o Domínio de
tSi da ordem moral de um espiritual desencarnado. E o fatigado, cada vez mais cansado, vai de médico a médico, fio médico comum que o repele, como a um nervoso que fipenas se escuta a si mesmo, como um falso doente, ao médico especialista, ao psiquiatra, que o trata como um neurótico, fazendo com que consuma grande quantidade de tranqüilizantes, que poderiam ser úteis dentro de um es-
fôrço razoável de relaxação e repouso, mas bem incapazes ide ser a panacéia mágica sem a dita relaxação e repouso.
O mundo moderno tem necessidade, quer para resta belecer-se no próprio equilíbrio e saúde, quer —e ainda melhor — para não perdê-lo, precisamente dêste Domí nio e desta Vontade, que existe nas aptidões do cérebro
Jiumano, mas às quais tem tendência natural a fugir, porque lhe parece penoso e porque uma errada interpre tação da psicologia, lhas faz parecer ainda mais inúteis e até perigosas.
Pode-se evidentemente desejar construir um homem nôvo, livre de constrangimentos biológicos. No estado
fitual da ciência, é esta uma perspectiva utópica, infantil p perigosa. Se o progresso da ciência permite curar cada vez melhor os doentes, a ação dela sobre os que estão em
paúde, arrisca-se a produzir mais monstruosidades que melhoramentos. Ouçamos os sábios apelos à prudência de um Jean Rostand ou de um Aldous Huxley. Não, para não fazermos nada, mas para fazermos apenas o Bem. Ora, como assegurar-se que não se age senão para o Bem, quando se pensa que não há conhecimento humano penão estatístico, por exemplo, dos Relatórios Kinsey, nos quais se recusa tôda distinção entre normal e patológico, tôda hierarquia entre os comportamentos, tôda idéia de Domínio refletido.
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INTRODUÇÃO 1?
Para servir ao homem, o importante não é saber o que fazem os homens, mas sim o que são os homens; julgando-os então por aquilo que deveriam fazer, a fim de se conformarem àquilo que são. Para logo se perceberia que o que é mais freqüente é o mais anormal, por conse guinte também o mais desequilibrante e mais perigoso, ainda que preconceitos e maus hábitos nô-lo tornem con
fortável e agradável.O homem de hoje não sabe o que é ser Homem. Apai xonado pela técnica, êle aprende a utilizar a máquina e a mantê-la, mas o que êle mesmo é, êle o ignora. Utiliza seu organismo e seu cérebro mas com uma falta de co nhecimento, de competência e de sabedoria verdadeira mente deploráveis. Em conseqüência, p. ex., da imprudên
cia de médicos que, esquecendo a fragilidade do embrião, não hesitam em encher com drogas perigosas uma mulher grávida, a fim de impedi-la de vomitar, assim também co mo efeito da imprudência de cientistas e de estadistas, que obtêm o mesmo resultado, aumentando a radioatividade natural, foi muito discutido ultimamente sobre os nati- monstros, que uma caridade mal compreendida quereria
ver desaparecer! Qual dos dois é mais monstruoso: o re cém-nascido, que apresenta anomalias dos membros ou do cérebro, ou o homem normal, incapaz de portar-se como
Homem? Somos todos enfermos desnaturados que, num círculo vicioso, quase intransponível, produzimos uma ci vilização desumana que nos vai desumanizando cada vez mais. É por isso que preferiríamos matar os enfermos ao
invés de ajudá-los fraternalmente.É demasiado fácil a um moralista protestar dizendo que a causa desta situação é a falta de espiritualidade, a recusa de obedecer à Lei de Deus. Afirmação exata mas incompleta porque ela não vale senão para o crente e também apresenta freqüentemente a Moral como uma
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compulsão sobrenatural opondo-se às tendências humanas
profundas. Aquilo de que temos necessidade é de valorescomuns, de umaMoral Natural fundada objetiva e cien tificamente sôbre o que o homem é e sôbre o que lhe convém. Habituados a considerar a Moral como variável e relativa às livres opções filosóficas, políticas e religiosas, a ter da Tolerância um conceito negativo (isto é, a ter respeito da verdade do vizinho, pois que a verdade absolu ta e certa não é acessível), não conseguimos conceber que o conhecimento psicobiológico do homem possa dar-nos preciosas indicações, válidas par\a todos, objetivamente. Lembramo-nos perfeitamente das tentativas da “Moral Biológica”, que tôdas visavam, mais ou menos, atacar a Moral, fazendo o elogio do desregramento sexual, do ra cismo, dos direitos do forte, etc.
Como seria possível que (no dizer de J. Rostand) “a
biologia tenha passado para o campo da virtude”? Quem sabe? por ter sido ela falsamente desviada por biologistas espiritualistas moralizadores? De modo nenhum. A razão é outra. Simplesmente foi criada uma biologia humana,que, num espírito de comparação com o Animal numa perspectiva de progresso evolutivo, nos delimita com pre cisão a superioridade do Homem.
Curioso paradoxo: no momento exato em que os filó sofos modernos rejeitam a metafísica, as noções de essên cia e de natureza, nesta mesma ocasião os biólogos se tor nam defensores da noção de natureza humana, daquilo que é ser Homo Sapiens. Não é isto para ser admirado senão por aquêle que nada compreende do mistério do “animal espiritual”, soçobrando em desvios sucessivos: ou minimi zamos o Espírito, tornando-o o produto de uma matéria espiritualizante porque desespiritualizada, ou minimizamos a Matéria, considerando-a como uma mecânica acionada de fora pelo Espírito. Nós consideramos o Espírito e a
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INTRODUÇÃO 19
Matéria (dois conceitos, -pelos quais a abstração filosó
fica explica o real) como se tivessem uma existência pró pria independente, no mundo material. Nós os “coisifica- mos” em um dualismo exagerado: materialista (a matéria e seu produto espiritual) ou espiritualista (a máquina e seu conduto). Negamos assim a unidade do real, no qual matéria e espírito são indissociáveis, a menos que queira mos a destruição do Ser por êles formado. O homem não
é um corpo e uma alma. É uma unidadepsicossomática,um corpo vivo, animado, capaz de viver, agir, pensar e refletir graças ao cérebro. Não um cérebro animal acio nado por uma alma humana, mas um cérebro especifica mente humano, cuja supercomplexidade condiciona a es piritualidade humana. Por conseguinte, sem totalitarismo, sem ocupar absolutamente o lugar do psicossociólogo, do moralista e do metafísico, o neurofisiólogo, que fôr até ao
fim de sua tarefa, pode mostrar-nos com precisão que ser homem é utilizar convenientemente as possibilidades do cérebro humano, dizendo previamente em que consis te isso. Nem por isso se tornará milagrosamente fácil ser Homem. Ao contrário, a neurofisiologia nos demons tra quanto é delicado e difícil êste manejamento do cére bro, não porque a máquina resista ao pilôto, mas sim
porque o pilôto não é senão uma coisa só com ela e porque o Ser no mundo da pessoa humana, por mais transcen dente e independente que ela seja, não se realiza senão na imanência da inserção e da emergência das estrutu ras cerebrais.
O maior preconceito da nossa época dá-se sôibre o natural humano, sôibre a espontaneidade humana. O na tural seria, dizem, o fácil, o deixar-passar, o abandono animal aos instintos, a recusa ao esforço e à reflexão. Ora, bem pelo contrário, o Homem não é natural senão na difícil arte do Domínio de Si mesmo, ao serviço de uma conduta que sua reflexão lhe mostrou plenamente
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20 O DOMÍNIO DE 81
válida, tanto no plano individual quanto social, em refe rência àquilo que é o Homem. Não basta apenas opor o natural ao técnico, ou alterná-los ou escolher entre os dois, num espírito conservador ou progressista. É preciso uti lizar a técnica ao serviço da natureza humana a fim de nos ajudar a sermos Homem, cada vez mais e melhor, e não a fim de o sermos cada vez menos, minimizando todos os inconvenientes. Considerar o espírito naturalista
como minimizando o espiritual é agarrar-se a um concei to ultrapassado e, no dia de hoje, definitivamente anti- científico das ciências naturais: é rejeitar a biologia hu mana, privando o homem de seu cérebro e não aceitar o sentido da complexificação evolutiva que dá a verdadeira significação à série animal. Não se trata pois de pregar o Domínio de Si mesmo
e a Vontade, mas mostrar a necessidade psicobiológica hu mana dêles enquanto técnica dto realização de si mesmo.Pensar que se possa remediar os desequilíbrios do mun do moderno e a fadiga nervosa com medicamentos é uma ilusão perigosa. Esta fadiga vem lembrar-nos que somos homens e que por conseguinte temos de observar certas regras de higiene, que temos órgãos e sobretudo um siste ma nervoso para respeitar, utilizando-os sábia e correta
mente. O dilema é êste: ou morrer de estafa, chegando até à loucura ou conhecer-se a si mesmo e conformar-se com aquilo que cada um é.
Custosa aventura é êste passo da reflexão, dado pelo organismo animal, alcançando organicamente ao huma no. O animal com cérebro insuficiente dispõe de uma sar beãoria automática, a dos instintos. Incapaz de refletir,
pois não tem necessidade disto. Não tem êle que seguir senão os impulsos que sua química emite na base do cé rebro, para poder satisfazer assim corretamente suas ne cessidades, de acordo com seus costumes específicos e sua
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INTRODUÇÃO 21
natureza animal. Nada há de menos livre e menos espon tâneo do que o comportamento animal. Que ilusão, pois, a daqueles que invejam o animal, cuja sexualidade, pen sam êles, pode desencadear-se sem constrangimentos. A sexualidade animalesca não é, de modo nenhum livre, por que o animal não o é tampouco: ela está ligada aos costu mes da espécie. Não é a Vontade ou a Moral que a limitam, mas sim outros automatismos instintivos: nenhum domínio no inseto social de casta operária, mas uma esterilização biológica de origem alimentar; nenhum domínio no galo de casta inferior, mas um tabu social que lhe interdiz qual quer exercício de sexualidade, ainda que esta seja normal,
porque nenhuma galinha é disponível para êle.Só o homem pode ser livre, porque o progresso de sua
cerebrização transferiu ao cérebro superior as funções do cérebro instintivo do animal. O homem tem sempre ne cessidade e impulsos, mas não encontra em si os automar tismos de comportamento permitindo satisfazê-los corre tamente. Pode entregar-se à vontade a suas necessidades ou refreá-las. Mas para ser verdadeiramente livre, deve fundar sua conduta numa decisão refletida. Freqüente mente é êle ião pouco livre quanto o animal, pois aquilo
que toma por espontaneidade humana nada mais é do que obediência cega, simples conformismo a usos sociais, a hábitos que julga ser um infalível e incoercível instinto. Parecemos ser anjos tentando desesperadamente fazer obe decer a animais. Daqui o desequilibrante conflito entre a Moral e aquilo que supomos ser nossa natureza, a Von tade e o Instinto. Ora, como não somos absolutamente animais, não possuímos instintos corretos aos quais con
viria obedecer. O homem não pode animalizar-se. Não fará senão desumanizar-se tôda vez que, em lugar de que rer o que lhe convém, obedecer a maus hábitos. Em lugar do difícil Domínio de nós mesmos (única aptidão humana que permite ao homem ser Homem, dever e pêso êstes que
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22 O DOMÍNIO DE SI
são a nossa dignidade) procuramos tornar inócuas nossas ignorândas e nossos preconceitos por meios artificiais de defesa, por técnicas de preservação. Querendo defender- -nos contra aquilo que supomos ser fraquezas de nossa na tureza e que tem raízes em nossas tentativas permanentes de desnaturação, de fixação em um nível inferior e in completo de natureza, confundimos com a norma esta desnaturação, agravando-a um pouco mais por receitas que tornam ainda mais inútil o verdadeiro Domínio.
Que compreende atualmente a condenação lançada pelos moralistas católicos contra os processos artificiais de redução da fecundidade (ditos contraceptivos), palavra esta que, precisamente o uso tende a estender abusivamen te a todos os processos de regulação de nascimentos, sem distinção entre artificial e natural? Se temos razões legi timas de restringir a natalidade, por quê não utilizar tudo quanto permite a técnica moderna, visando sobretudo a eficácia? Em que seriam imorais certos processos? Não se vê a diferença essencial entre defender-se contra uma se
xualidade impossível de dominar e ser dono absoluto da própria sexualidade, fato que é realmente a única e ver dadeira sexualidade humana.
Esta discussão entre o natural e o artificial parece- -nos desembocar no conflito entre o espírito conservador (de quem é saudoso dos bons velhos tempos, rejeitando a técnica moderna e elevando o culto da natureza primitiva até o naturismo) e o espírito moderno de progresso, ávi do, de um homem nôvo, cada vez mais liberado pela téc nica. De fato, não se trata de voltar ao passado, de cair
nos excessos do naturismo, mas tampouco de idolatrar a técnica e batizar de progresso qualquer mudança. A técnica, para ser libertadora, não deve remediar a au sência de Domínio dando-nos um Pseudodomínio déséqui librante, mas pôr-se ao serviço do verdadeiro Domínio.
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INTRODUÇÃO 23
O problema é geral e sobrepassa de muito o simples problema da contracepção. Que coisa mais natural do
que a dor do parto, dadas as contrações e as dilatações? Que coisa mais feliz do que a anestesia geral que supri me tal dor? Está ou não assim resolvido o problema péla técnica?
No entanto, que é a dor do parto senão a conseqüên cia de um preconceito social agravado pelo acréscimo de sensibilidade e nervosismo moderno? Uma mulher pas siva e aterrorizada, que sempre receia sofrer, é forçada a sofrer! Em lugar de aumentar a passividade dela, ador- mecendo-a com substâncias tóxicas para ela e para a criança, não seria melhor ensiná-la a utilizar melhor o cé rebro para dar à luz voluntária e corretamente? Assim, em virtude das leis do cérebro, haveria o parto sem temor e sem dor. A anestesia ficaria para os partos anormais.
É conhecida a resistência que foi preciso vencer a fim de que triunfasse o método pavloviano do parto sem dor,
porque, método de Domínio de Si que êle é, contraria as tendências do mundo atual. Apesar de ser a mulher quem dá à luz, é preciso fazer
do parto um ato conjugal do qual participe o marido: uma
evidente necessidade despercebida aos técnicos. É sem en tusiasmo que o marido assiste (se assiste!) aos exercícios da espôsa. Êle nunca terá as dores de parto! Se se fizesse compreender aos dois cônjuges que aquilo que serve para
prevenir as dores do parto é justamente uma educação ce rebral do Domínio de Si, da verdadeira vontade humana, útil para uma vida equilibrada, perceberiam então eles que é disto que têm urgente necessidade, desta relaxação que
cura e que previne a fadiga nervosa. O homem moderno que quer tornar-se livre, deve aprender o Domínio cerebral de Si mesmo, a fim de não ser escravo das necessidades biológicas ou das drogas, podendo assim agir prudente e
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24 o domínio d e si
higienicamente como Homem. Verdadeiro domínio do re pouso, do sono, assim como da sexualidade. Sempre e em todo lugar, não queiramos remediar a nossa desnaturação mediante preconceitos ou falsa técnica, ainda mais desna- turante, mas desenvolver em nós os recursos de nossa na tureza, principalmente êste domínio, fonte de felicidade, de alegria, de paz interior que é a marca da autêntica es
pontaneidade humana, senão o inverso da crispação no
esforço daquele que quer, sem ter aprendido a querer. Haverá algo de mais utópico do querer não adoecer?
Não está, de fato, em nosso poder esquivar-nos do bacilo tuberculoso ou sermos insensíveis a um pólen qualquer,
fonte de alergia. As pesquisas modernas porém, sem ab solutamente negar êste aspecto objetivo da doença, des cobrem cada vez mais, também cientificamente, o aspecto
subjetivo. Está em nós levar uma vida higiênica, evitar o esgotamento, que abre a porta a tôdas as doenças e torna a cura difícil. Antigamente se contrapunham as verdadei ras doenças aos nervosismos, como se um desequilíbrio nervoso não fôsse também uma verdadeira doença. Histe ria, perturbações psicossomáticas são doenças da Vontade, pois que os complexos e os recalques produzem desordens
sôbre as quais a Vontade é impotente. Não se trata de, preliminarmente, reeducar a vontade, mas sim, curando a neurose, de restaurar a aptidão a querer. .Asneuroses po dem conduzir a uma fuga para alguma doença: a tuberculo se pode ser a perigosa solução de um conflito psicológico, dependendo a sensibilidade ao micróbio de uma perturba ção nervosa. Assim esta tuberculose só poderá ser curada, se se levar em conta também o terreno psicológico.
O homem, que é apto a querer, tem necessidade de aprender corretamente a querer: tal é a condição humana. Querer não é um automatismo. A ausência do Domínio de Si é terrivelmente perigosa para o equilíbrio e a saúde,
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iNata! st enes da ç ihmINTRODUÇ Ã O Acad . F i l oso f ia - U F G 25
Fone: 22588 tu
principalmente agora, quando não estamos mais enqua drados numa sociedade estável. Mas, igualmente perigoso é o falso Domínio de Si, de quem não aprendeu a querer corretamente. Inversamente, o retorno ao equilíbrio de pende do Domínio de Si, coisa tanto mais difícil ao dese quilibrado quanto é certo que seu desequilíbrio é prova de que estava êle anteriormente sem Domínio de Si. Por isto, não é necessário procurar desesperadamente querer, mas sim restabelecer a calma que permita aprender a querer.
Tudo se baseia na educação da Vontade. Infelizmente porém, só retivemos a metade da mensagem da psicaná lise, quando ela nos manda evitar o excesso de constran gimento autoritário para não nos arriscar a causar com plexos neurosantes. Apressadamente concluímos que não há mais nada a fazer da autoridade, esquecendo-nos por
completo que não é a verdadeira Moral que desequilibra, mas o Legalismo moralizaáor, impondo constrangimentos incompreendidos. Uma criança será certamente desequi librada por uma formação autoritária, oposta às suas ten dências. Mas será também desequilibrada se não se fizer dela um Homem, isto é, se não se lhe ensinar o verdadeiro
Domínio sôbre Si, propondo-lhe um esforço proporcionado
a suas fôrças, fazendo-lhe compreender a necessidade e o valor dêle. Sem esforço e difícil acesso não há, homem equilibrado. É isto contrário às tendências do mundo mo derno, mas justamente por causa disto o mundo moderno está morrendo. Não pode haver somente recalques, deve haver também sublimações: submissão dos dinamismos inferiores aos superiores.
Nunca meditaremos suficientemente o exemplo do parto sem dor, pois que nêle se unem maravilhosamente a teoria com a prática. Seria insensato dizer a uma mu lher que está sofrendo ou vai sofrer: “Ah! isto é questão de Vontade!” Não é querendo não sofrer que ela deixará
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de sofrer, mas sim aprendendo o Domínio de Si mesma que irá querer saber dar à luz corretamente. Como chegar até aí? Não simplesmente prescrevendo-lhe exercícios fí sicos, mas ensinando-lhe o funcionamento do próprio cére bro. É sabido como originàriamente Pavlov, por precon ceito, restringiu seu método às mulheres do povo. Foi a estas mulheres sem cultura científica que foram dados os cursos de vulgarização científica que as transformaram.
Pode parecer uma utopia, mas foi uma utopia vitoriosa! A cultura biológica, o conhecimento de Si mesmo é a fonte do Domínio de Si mesmo!
Quando compreenderão todos que o parto aqui não é senão um caso particular? É neste espírito da teoria ao serviço da prática que escrevemos êste livro. Pode-se con siderar a Vontade sob um ângulo de visão científica como
também podem dar-se receitas para querer . Mas estas re ceitas não serão plenamente eficazes se não compreender mos seu valor e necessidade. É preciso, pois, que abando nemos o preconceito de já sabermos o que seja q u e r e r . Po der querer, saber querer não dependem apenas de um sim
ples conhecimento psicológico da Vontade nem do Sentido Comum, nem sequer da análise científica da Vontade.
Baseia-se sobretudo no conhecimento dos mecanismos ce rebrais dela. Se o homem não é um anjo, procurando fa zer-se obedecer por um animal, sem consegui-lo, é porque no homem não há divisão: nada há nêle simplesmente angélico nem simplesmente animal; tudo é Humano. O órgão onde se condiciona, se materializa, se realiza o espi ritual é o Cérebro, órgão do corpo, onde o espírito, inserido na matéria, tem o poder de comandar o resto do corpo.
A Vontade é uma função cerebral. Daqui não se poder querer, corretamente, sem conhecer as condições do exer cício dela. Evidentemente não se trata aqui de totalita rismo biológico: o neurofisiólogo deixa ao psicossociólogo,
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ao filósofo os campos próprios. Êstes que digam o que é a Vontade em si mesma. A contribuição do neurofisiólogo —que é coisa nova e ainda mal conhecida—é o as pecto encarnado da Vontade, isto é, como o EU coman da a máquina, não do exterior, mas sim porque faz parte da própria máquina.
Tornando precisa a neurofisiologia da Vontade pelo estudo das propriedades específicas do cérebro humano, nós chegaremos a justificar cientificamente a intuição de numerosos Empíricos, que já se têm esforçaão esotèrica- mente a levar o homem ao Domínio de si mesmo. Já é hora de sair dêste empirismo, fonte sempre possível de erros. É preciso criar a ciência doDomínio de Si mesmo, não para impô-la a qualquer um, mas para que quem quiser usar
dela saiba orientar corretamente seus próprios esforços. Cientistas e moralistas unem-se muitas vêzes no desprezo aos esforços empíricos, esquecendo-se que tais esforços são a única tentativa eficaz para ajudar o homem moderno a encontrar o seu verdadeiro equilíbrio. O cientista e o mé dico devem compreender que uma ciência analítica, em nome de uma objetividade dita positiva, se recusa a co
nhecer todo o Homem em seu aspecto sintético, é uma ciência e uma medicina incompletas e, portanto, perigosas. É uma ciência, uma medicina que ignora o essencial, o cérebro humano, órgão do psiquismo e das relações sociais humanas. O moralista deve saber que uma moral desen carnada, que não se preocupa das condições materiais de sua realização, é um Legalismo farisaico áesequilibrante. Se os doentes têm necessidade de médicos, se os pecadores de confessores, o homem normal, tão ignorante daquilo que é e daquilo que deve fazer, tem sobretudo necessidade ãe conselheiros de humanização, que não sejam somente
psicossociólogos, mas também educadores ão cérebro. Logo, para ser verdadeiramente Homem, não basta simplesmen
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te a lavagem passiva do cérebro por sugestão, mas a apren dizagem das condições corretas para a utilização dêle.Que é Querer? Reflitamos um pouco sôbre isto, antes
de nos ir perguntando, ao percorrer o livro, como querer, depois de termos, então, visto que é o nosso cérebro que nos assegura as possibilidades de exercer materialmente esta capacidade espiritual de uma ordem diferente da ma
téria, na qual se manifesta.Usualmente, é a <efaculdade de se determinar livre mente a certos atos”. OVocabulário da Psicologia, sob a pena de H. Piéron, precisa ainda mais: um ato, uma ati tude são ditas voluntárias na medida em que se integram no comportamento de uma personalidade que controla o
jôgo normal das funções corticais. Opõem-se aos reflexos estereotipados, aos automatismos (quando êstes escapam ao controle), às reações e inibições afetivas de caráter im
pulsivo. O domínio do voluntário, retificado sob o nome de Vontade, na linguagem popular adotada pela psicologia
primitiva das faculdades, é quase que exclusivamente limi tado ao campo do sistema nervoso da vida de relação, ao
jôgo dos músculos estriados. As funções vegetativas lhe escapam, excetuada a função motriz da respiração, apesar
de haverem sido observados alguns casos anormais de ca pacidade de controle voluntário de algumas destas fun ções. Num sentido mais estrito, uma atividade, uma inibição são consideradas voluntárias na medida em que
forem precedidas de uma elaboração mental antecipa- dora. Daqui, vários graus neste caráter voluntário, em
função da parte tomada por esta elaboração, com passa gem, na concepção popular, a uma significação moral, dan
do lugar a uma hierarquia de valores, intervindo na decisão que precede toda execução ou tôda paralisação de atividade. Há ainda um traço de caráter que convém designar:
uma capacidade de decisão firme, vencedora dos obstáculos.
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Traço bipolar, de cujos extremos um é representado pela abulia. Um matiz apenas faz distinguir entreAquêle quetem vontade, dotado de forte controle sôbre si mesmo, vencendo os próprios obstáculos, como a fadiga e a dor, e oVoluntarioso, que tende a impor suas decisões, a opor sua vontade às dos outros. Demasiado freqüentemente figuramos a Vontade sob
o aspecto limitado do ato ou do domínio motriz, dito vo luntário. O interêsse de uma psicofisiologia completa da Vontade é precisamente minimizar a submissão da mo tricidade (que não é senão mecanismo de execução) e de insistir sôbre a submissão da motricidade cerebral à cons ciência refletida. Querer agir é primeiro querer pensar e
para querer pensar é preciso querer sentir, conhecer a si tuação atual, ajudar-se pela imaginação, que evoca o pas
sado e encara o futuro. Para saber querer, por conse guinte, não basta esforçar-se por querer no sentido motor, começar um ato ou impedi-lo. Será preciso pensar cor retamente com uma consciência clara, coisa que não é tão fácil quanto parece, pois exige tôda uma educação. Esta, antes de ser simplesmente uma educação da vonta de motriz, é uma arte de pensar e de refletir correta
mente para, com lucidez, exercer um Domínio geral de Si mesmo. Saber querer é primeiro saber manter-se em boas condições de equilíbrio cerebral, que conservam a aptidão para o Domínio de Si mesmo, aptidão possível ao cérebro humano, mas que se não realiza que por uma educação visando desenvolvê-la. Mas a vontade humana correta, que prova nosso Livre
Arbítrio, deve estar a serviço da defesa dêles: o querer não deve levar-nos a uma situação na qual não possamos mais querer, na qual nossa liberdade seria totalmente aliena da. Devemos querer com sabedoria e prudência. Veremos assim, contrariamente ao que afirma a filosofia existen
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cialista, que nossa liberdade não é absurda porque sem limites. Não há vontade humana correta que não esteja ao serviço do autêntico e do verdadeiro. Não saber querer não é querer. O homem não tem boa vontade humana senão quando quer o Bem. A psicofisiologia confirma cada vez mais objetivamente a Moral, dando-lhe uma base cien tífica, ancorada na natureza psicobiológica do homem e
fazendo disto um valor comum, quaisquer que sejam as
posições filosóficas ou religiosas, uma Moral biológica de prevenção e de promoção do homem e da humanidade. Como escreve Grenet, “a vontade não é uma fôrça que re sista aos obstáculos ou que os quebré, a não ser nos casos em que encontra pela frente uma impulsão que a contra rie. De si e por natureza, ela é, positiva e essencialmente, o apetite do Bem”. Aqui também a neurofisiologia mo derna é esclarecedora mostrando-nos que é impossível se
parar no homem o afetivo do racional. A verdadeira von tade humana tem sempre um aspecto afetivo, está sem pre ligada a uma satisfação, a um desejo. É preciso querer o que é amável. Nossos desejos porém são enganadores e nosso apetite do Bem nos leva freqüentemente ao Mal. A objetividade científica não está em recusar tomar posi ção,mas em desenvolver uma “Moral do Cérebro”, no qual
o bom juízo, revelando-nos o verdadeiro Bem, nos permi tirá comportar-nos como Homem verdadeiro, conservando nosso equilíbrio. Um problema de higiene mental.
É finalmente todo o homem e todos os problemas humanos que devem ser abordados sob um aspecto par cial mas essencial, se se quiser levar até ao fim a psico-
fisiologia da vontade. É o que nós queremos tentar neste
livro, descrevendo os mecanismos cerebrais do querer humano, mecanismos que a insuficiência do cérebro ani mal não lhe permite ter, mas que condicionam e limitam a Vontade Humana.
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INTRODUÇÃOc‘ Natal £steoe$ da ç iíoa
A cad . Ftlos ofi a U F G
Fone; 2 2 5 9 8 lü
Veremos então como, para querer, é preciso aprender a querer (a fim de ser um verdadeiro adulto) e como a civilização consiste em querer cada vez melhor. Por que querer? Para humanizar, para liberar, para não batizar como espontaneidade o abandonar-se a automatismos irrefletidos. Evocaremos alguns aspectos práticos da educação
psicofísica da vontade e terminaremos desenvolvendo, no
espírito de Teilhard de Chardin, as relações entre a Von tade e o Amor.
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iíNatal Qsteoes da (Wva A cad . F*.iosof ia U F G
Fone: 225-98 :o
1O Cérebro,órgão da Vontade
Von t a d e e Cé r e b r o .
Que a Vontade depende do cérebro e exige um funcionamento cerebral correto, é uma evidência. Não é possível querer, se o cérebro não funciona, como por ex., nainconsciência da coma. Não há verdadeira Vontade quandoo cérebro está submerso no sono, ainda que sonhando, atéquando o sonho comporta uma atividade motriz de tiposonambúlico. Se subirmos demasiado, sem máscara de oxigênio, a diminuição de pressão impede ao cérebro de recebero oxigênio necessário. E então antes de soçobrar na inconsciência, passa a pessoa por uma abulia feliz, durante a qualfica incapaz de fazer o esforço salvador de inalar oxigênioe isto tanto mais fàcilmente quanto é certo que o sentimentode perigo já desapareceu pelo obscurecimento da lucidez.Foi esta a experiência dos infelizes passageiros do balãoZenith e cantada por Sully-Prudhomme. Experiência queainda hoje se faz passar aos futuros aviadores, a fim deconvencê-los de nunca esquecerem de utilizar preventivamente os meios de defesa.
Mas quais são as relações entre o cérebro e a vontade?Deixando de lado a afirmação desabusada de que se tra-
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taria de um aspecto do insolúvel mistério entre o psicológico, hesita-se em geral entre duas soluções, ambas falsase nocivas, como veremos. Para uns, o cérebro não seria senão uma mecânica, um aparelho ao serviço de uma vontadeespiritual exterior. Isto minimizaria grandemente a importância do cérebro e levantaria o insolúvel (porque falso) problema das relações da alma e do corpo. Grande é a tentaçãodos idealistas, que professam uma tal opinião, de confinar o
animal, desprovido de alma, na mera mecânica e de negar--lhe, contrariamente a todo bom senso, tôda possibilidadede Vontade.
Mas se os idealistas mecanizam o corpo, bem freqüentemente seus adversários materialistas são também mecani-cistas: simplesmente para êles, tanto o homem como o animal não passam de mecânica. A vontade não seria senãoa tomada de consciência de um fenômeno localizado no cérebro. Nestas condições, ou a vontade é uma ilusão ouuma realidade material, da qual nos podemos assenhorear:sonha-se então com pílulas produzindo uma vontade semesforços ou com um autômato artificial dotado de verdadeira vontade e de verdadeira consciência.
De fato estas duas opiniões deveriam parecer-nos totalmente superadas devido aos progressos da neurofisiologia
do cérebro humano. Ê completamente exato que não se poderia localizar a vontade em um neurônio, mas isto não provaque se trate de um fator meramente espiritual acionando amecânica. Também não é menos exato que a vontade (êstecomando subjetivo do corpo por um Eu responsável) aparece filosoficamente de uma outra ordem, mas isto não implicade modo nenhum a inexistência de condições cerebrais da
vontade.A psicologia gestaltista tem tôda razão em dizer queo essencial não está no aspecto analítico do funcionamentocerebral (uma vez que as alavancas dos influxos, ao sabor
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das excitações e inibições cerebrais, garantem os circuitosdos reflexos condicionados), mas no aspecto sintético. Oêrro do gestaltismo foi, diante de uma neurofisiologia analítica que esquecia a síntese, pensar que a síntese escapava à neurofisiologia, que era inteiramente de outra ordem. Mas atualmente, em conseqüência de seus progressos, a neurofisiologia descobre, sob seu próprio ângulo devisão, o aspecto sintético do funcionamento cerebral. Cons
titui-se, assim, uma neurofisiologia da consciência, fundando-se sôbre esta a neurofisiologia da vontade. O neurofisio-logista renunciou definitivamente a sair do próprio campoe não tem nenhuma intenção de totalitarismo. Não competea êle conhecer a Vontade em si mesma, nem na sua fenome-nologia psicológica nem na sua metafísica. O que êle pretende é precisar em que medida a Vontade é também, emprincípio, um processo cerebral.
O Domínio v o l u n t á r i o .
Qualificamos de voluntários alguns de nossos atos, quese referem à nossa vida de relação e se executam graçasà contração de nossos músculos estriados esqueléticos, ditos
voluntários. Efetivamente a considerável atividade motrizde nossas vísceras é um automatismo executado à nossarevelia, pois a vontade nada pode sôbre êle. A diferençanão está na natureza diferente dos músculos viscerais dados esqueléticos, pois existe uma atividadereflexaautomática inconsciente e involuntária da vida de relação (a atividadeelementar e limitada que depende da medula espinhal) mas
também êsses reflexos complexos de comportamento, cujosencadeamentos são a base das manifestações instintivas aoserviço da manutenção da vida e da espécie. Não é tambéma harmonia, aparentemente inteligente e finalizada, de umato, que devemos qualificar de voluntário. Que aparência
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mais bela de vontade lúcida que o ato automático de umarã, sem cérebro, limpando com uma pata o ácido caído sôbrea outra pata? É para admirar a vontade de combate deum pássaro que ataCa Corajosamente um rival, mas tambémnão é para menosprezar sua apatia diante do mesmo adversário despojado das penas vermelhas. Estas penas vermelhas, fixadas na ponta de uma vara, restituem ao pássaroo antigo furor de combate! Não é o dito pássaro mais es
túpido neste caso do que mais inteligente no outro. Realmente êle não queria nada. Um automatismo incoercível oobriga a atacar, quando, em atividade sexual, vê penas vermelhas, mas normalmente tais penas estão cobrindo o rival.Um tal comportamento não exige a intervenção de um cérebro superior, sede da consciência e da vontade. Dependeapenas dos centros instintivos da base do cérebro (hypho-
thálamus) e do cérebro primitivo (rhinencéphalo). A sabedoria automática do instinto não é senão o aspecto superiordessa sabedoria do corpo, que por auto-regulação, marxtémconstante a composição do ambiente interior. O homemdoente de insuficiência renal não poderá curar-se se, consciente de seu mal, não se decidir consultar um especialista,que lhe prescreverá o tratamento adequado. Ao contrário,nada de consciente e voluntário na escolha deliberada que
faz da água salgada um rato operado das supra-renais: aperturbação do seu ambiente interior tornou sensível aosal seus centros instintivos e êle é obrigado escolher aágua salgada, tornada assim indispensável para êle.
A Vontade, como a Consciência, implica pois a entrada em jôgo dos centros superiores do comportamento, istoé, nos Mamíferos (entre os quais, o Homem), o Córtex
Cerebral. Ê sabido que no Córtex Cerebral estão sediados,na circunvolução frontal ascendente, os neurônios pirami dais psicomotores acionando os neurônios motores periféricos do lado oposto. São qualificados de voluntários e atentação pode ser bem grande de nêles fazer sediar a Von
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tade. Nada disto. Em neurocirurgia, nas condições usuaise favoráveis de operação em um doente acordado, os movimentos determinados por excitação elétrica desta zona, sãointerpretados como impulsões não-queridas.
Os neurônios psicomotores, tal como os músculos, sãoengrenagens que podem estar ao serviço da vontade, mascujo funcionamento só é voluntário em determinadas condi
ções. Contràriamente ao que se acreditava até agora, a ausência de comando voluntário no campo visceral não depende da inexistência de neurônios motores viscerais nocórtex cerebral. A excitação elétrica do córtex revela apresença dêles assim como a possibilidade de criar reflexoscondicionados córtico-viscerais (apanágio do córtex); forapois, do campo consciente e voluntário. É simplesmenteporque, pouco numerosos e lentos, êstes neurônios ficam àparte do funcionamento do conjunto. Mas, ainda no campoda vida de relação, a maior parte dos movimentos cerebraissão hábitos nos quais não intervém a vontade: nós tomamos consciência dêles se prestarmos atenção, mas1não interviermos voluntariamente no início dêles. E tanto melhor para nós, pois a vontade tem menos sucesso que oautomatismo. Já a lenda nos diz que a centopéia, per
guntada como fazia para andar com tantas patas, não soube responder.Ainda quando queremos um ato, freqüentemente a nos
sa vontade consiste simplesmente em começar um automatismo: não refletimos em todos os elementos, não queremostodos os pormenores de um gesto que sabemos estar fazendo.
Se é pois exato que não é possível executar um atoquerido sem ativação dos neurônios motores cerebrais e,por êles, dos músculos, não é menos exato que não bastaesta ativação para que o ato seja querido. Ê preciso queesta ativação motriz seja comandada por mim. Não< basta
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somente que sejamos conscientes e atentos ao movimento,mas que metamos nossa consciência e atenção para começar o movimento. Longe de ser freqüente, o ato volun-trário é raro, pois que necessita de uma reflexão, de umatomada de consciênciadaquilo que nos convém.
Mas a reflexão também não basta. É preciso que elatraduza ativamente (uma atividade, que não é unicamentepositiva) o movimento, mas também negativamente (a possibilidade de se recusar a agir, dominando um impulso). Antes de querer agir ou não, é preciso querer refletir , isto é,aplicar a própria tomada de consciência à situação. Querer,transborda de muito da simples atividade motriz e se referea todo o funcionamento cerebral. Somos vagamente conscientes daquilo que se passa ao nosso redor, um fenômenoinsólito pode atrair, apesar de nossa atenção, mas não somos
plenamente conscientes se não quisermos. Uma atençãopassiva e automática basta para ouvir e ver, mas é precisoquerer para escutar e olhar. Pensamos continuamente, masé raro que nosso pensamento seja uma atenção querida esem distração.
Querer é, pois, dar a tôda conduta humana sua plenadimensão do livre engajamento da pessoa. Está-se assim
tão longe de recorrer a uma misteriosa faculdade quantoa uma simples engrenagem nervosa. Mas isto concerne àneurofisiologia, pois o cérebro aparece como oórgão da per sonalização, da liberdade, o órgão do verdadeiro querer,do saber querer.
Que é necessário para querer? É preciso saber refletir, pensar, sentir, agir. Longe desta função natural do
cérebro fazer-se por si mesma, exige ao contrário, um difícil adestramento. Ê por isto que a aptidão a querer detodos os homens normais resta freqüentemente uma virtualidade inutilizada, pois não havendo aprendido a que rer, não sabemos querer. Tomamos por vontade uma cris-
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pação no esforço, contrária à fácil espontaneidade, quandonão é o entregar-nos a impulsos, que nós justificamos maisou menos cônscia e sinceramente. É que vivemos sob opreconceito de que querer é, primeiro, agir, é lançar-noscom energia na confrontação com um pensamento ou umarecusa, um ato ou a omissão dêle. Ora, querer tem por condição primeira sentir e compreender com lucidez, exigindoassim um acréscimo de consciência, de presença atenta
é refletida. Não é a rigidez brutal, mas a adaptabilidadesábia e prudente.
Sens ib il ida de mu s c u l a r e ha r mon ia do g est o .
Nada há na inteligência que não venha por meio dossentidos. Êste velho adágio da filosofia realista é plenamente' confirmado pela neurofisiologia. Privado das mensagens ativadoras dos sentidos, o cérebro inibe seu funcionamento e soçobra no sono. A neurofisiologia da Vontade deve pois insistir sôbre a importância da informação sensorial, que está na origem da precisão do gesto comode tôda harmonia do funcionamento cerebral, condição dopensamento. Mas não é somente para o comando volun
tário que os sentidos são importantes. Vamos ver que é,graças a êles, que se forma um Eu cerebral suscetível deresponsabilizar-se pela conduta. Os sentidos não nos informam apenas sôbre o mundo exterior ou sôbre o graude contração de nossos músculos. Êles permitem que tomemos consciência de nós mesmos.
Por importantes que sejam as estruturas cerebrais,
não são elas senão uma possibilidade, que é preciso aprender a utilizar, coisa que depende duma regulação harmoniosa do funcionamento. Não há vontade correta, se océrebro não funciona bem. Toma cada vez mais importância a evidência, demonstrada pela neurofisiologia moder
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na, de uma função de auto-regulação harmonizadora dofuncionamento nervoso, dependendo de centros situados nabase do cérebro. Não se trata simplesmente de quererou de saber o que querer. Trata-se de “estar em estado dequerer”, isto é, de poder e saber utilizar tôda nossa mecânica cerebral. Com efeito, veremos que o maior obstáculo àvontade é a impossibilidade de domínio de um cérebro, que,por imprudência e ignorância, havemos desequilibrado. Pa
ra querer, não há necessidade, é claro, de nos tornar todosneurofisiologistas, mas é importante justificar científica eobjetivamente, em nome da neurofisiologia, precisando-as,as indicações da sabedoria tradicional.
A mecânica cerebral ao serviço da vontade é de umaextrema complexidade. Todo gesto faz intervir o comandode numerosos músculos necessários ao movimento, ditos
sinérgicos. Há também freagem, inibição dos músculos deação inversa, ditos antagonistas. É que, na pessoa acordada, os músculos não estão em repouso, ainda quando emimobilidade total. Estão sempre num certo grau de tensão, numa espécie de contratura, dita tônus muscular, quenos permite fixar as articulações, guardando determinadasposições, o que, precisamente, falta no sono, pelo menosem boa parte.
Sem regulação adaptada do tônus, não haverá harmonia do gesto: os músculos antagonistas não devem resistirdemasiado, pois impediriam o movimento; não devem serdemasiado relaxados, pois que então o movimento seria excessivo. Agir comporta pois, não só o lançamento, pelo cérebro, de mensagens motoras a certos músculos, mas emprimeiro lugar, estabelecer uma repartição harmoniosa dotônus, acrescentando-o aqui, diminuindo-o acolá. Percebe--se a importância desta regulação quando um estado patológico dos centros nervosos vem perturbá-la, quer na embriaguez, na qual a incoordenação motriz tem uma tal origem,
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dNatal Qsteoes da ç$lh Acad. Filoso fia UF G
O CEREBRO, ÓRGAO DA VONTADE Fone: ^2b 2B ' 41
quer nas doenças do cerebelo, que é o centro regulador daprecisão dêste tônus. O doente do cerebelo tem movimentosdesarmoniosos, escandidos, imprecisos. Como um títere, nãopode tal doente fazer movimentos seguidos, contínuos (adia-dococinese).
A execução, pois, correta de um movimento voluntáriopede tôda uma harmonia 'preestabelecida. Esta harmonia
baseia-se na auto-regulação pelas mensagens dos sentidos.Se, em uma pessoa normal, os músculos nunca estão emrepouso completo, é porque recebem incessantemente mensagens sensoriais. As mais importantes destas mensagens,sempre presentes, vêm da sensibilidade muscular. Ê preciso que não esqueçamos ser o músculo não apenas um meroórgão de execução, mas também um dos nossos mais im
portantes órgãos dos sentidos. Tôda modificação da concentração do músculo, estática (tônus) ou dinâmica (movimento), vai ativar ou acalmar numerosos tipos de receptoressensoriais, mecânicamente sensíveis. Dêstes, alguns são dispositivos próprios dos músculos, como certas fibras especializadas, os fusos neuromusculares, que se compõem de umreceptor principal e de outros acessórios. Outros, estão si
tuados no nível dos tendões ou do conjunto muscular. Ofuso neuromuscular possui uma inervação motriz própriapor fibras mais finas, ditas gamma, que o mantêm em umestado de tensão variável, modificando a sensibilidade deseus receptores sensoriais.
Cada neurônio motor da medula é influenciado pelasmensagens provenientes do músculo que êle inerva e dos
músculos sinérgicos e antagonistas. A atividade dêle depende da soma das influências ativadoras e inibidoras quetais mensagens exercem sôbre êle. Podem-se hoje analisartôdas estas influências, ligando um micro-elétrodo aos neurônios medulares. A ordem motora cerebral não atinge pois
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a medula em repouso, mas ajunta um fato suplementar aesta dinâmica flutuante no tempo e no espaço de excitações einibições.
Mas esta dinâmica não é somente auto-reguladora damedula graças às inter-relações entre neurônios sensitivose neurônios motores. Um animal, privado de seus centrosencefálicos mas conservando apenas a medula, não tem o
tônus suficiente para guardar uma postura correta, paramanter-se sôbre as patas. A harmonia do tônus exige umaauto-regulação, que faça intervir em um nível superior asmensagens da sensibilidade muscular. Estas sobem até aoscentros da base do cérebro que asseguram esta regulação,enviando aos neurônios motores medulares mensagens reguladoras, ativadoras ou inibidoras. Inversamente às regulações locais ou regionais medulares, trata-se aqui de uma
regulação de conjunto, assegurando tôda a unidade motrizdo indivíduo, que pode assim conservar seu equilíbrio geraldurante o movimento. Mas a regulação não é apenas pelaintervenção das mensagens ascendentes vindas dos músculos. A serviço da harmonia do gesto voluntário, os centros reguladores recebem também mensagens descendentes,informadoras do estado do cérebro, pondo à disposição dêsteos centros motores periféricos.
Pôde dizer-se que o órgão regulador principal, o cere-belo, recebia por uma ligação com o cérebro, o duplo damensagem motriz, que estava para enviar. O maior desenvolvimento do cerebelo nos Mamíferos e no Homem sefaz em relação com a auto-regulação da motricidade cerebral voluntária.
A existência dêstes centros reguladores é bem atestada pela experimentação, que permite distinguir duas etapas.Enquanto um animal, cujos centros ficaram reduzidos àmedula, tem um tônus insuficiente, outro animal, que conservou também o bulbo e a protuberância, tem, pelo con
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o c e r eB r o , õ r g a o d a vo n t a de 43
trário, um tônus exagerado: têm contraturas em extensão,como se fôsse de madeira. Ë a rigidez descerebrada. Normalmente intervêm os centros reguladores principais, situados no mesencéfalo, impedindo esta hipertonia pelo ajustamento do tônus ao nível conveniente. A parte mais importante do cerebelo é um órgão de precisão, que age medianteêstes centros do mesencéfalo.
As mensagens da sensibilidade muscular não param nabase do cérebro: sobem por etapas sucessivas, até o córtexcerebral. É por isto que elas estão na origem de sensaçõesconscientes, informando-nos sôbre a posição e os movimentos das diversas partes do corpo, ainda quando não as vemos, dando-nos assim o sentido do relêvo (reconhecimentode um objeto por apalpação), ou do pêso. Apesar de prestarmos atenção a tais informações, no mais das vêzes não nos
rendemos conta daquilo que acontece assim permanentemente em nosso cérebro. Estas mensagens não deixam pois deter um papel da mais alta importância, tanto para a motricidade cerebral quanto para a motricidade medular.. A motricidade cerebral não depende de uma estrutura anatômicaem repouso, estando os neurônios motores dos diversos movimentos, situados uns ao lado de outros na zona motriz, mas
de uma estruturação, que é um mosaico de estados funcionais diferentes.Certos neurônios são excitados, outros inibidos com
referência ao grau de contração dos músculos. Temos, pois,no nosso cérebro, não um órgão de comando ao serviço davontade, mas o reflexo, a imagem fiel do estado do nossocorpo. E é dupla esta imagem. Atrás da Fenda de Rolando,
na circunvolução parietal ascendente, chegam as mensagensvindas dos músculos e da pele, que excitam ou inibem osneurônios sensitivos cerebrais. Ê a fonte de nossas sensações. Mas esta zona sensitiva vai influenciar os neurôniosmotores correspondentes, situados em frente, diante da Fen-
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da, na circunvolução frontal ascendente. As estruturas sensitivas se transformam em estruturas motrizes, e então bastará que a ordem motora seja enviada para que a execuçãoseja correta. Qualquer movimento, pois, não é simplesmenteuma ordem motora que chega ao músculo. É a modificaçãoda imagem motriz cerebral, da qual o cérebro é informadopor uma modificação da imagem sensitiva muscular cerebral. Querer, pois, não é apenas agir sôbre o músculo, masmanifestar imaginação motora, ter na própria cabeça a idéiade movimento, isto é, realizar a estruturação motora, queserá a origem do comando muscular.
Apr ende r a ag i r : Gnos ias e Pr a x i a s.
Não somos conscientes dos nossos movimentos porque já estamos a êles habituados. Enquanto que na medula,centro relativamente simples, tudo funciona correta e automàticamente, sem aprendizagem, graças à harmonia dasconexões nervosas que se vão fazendo no decurso do desenvolvimento, no cérebro, pelo contrário, bem mais complexo, nem tudo está preestabelecido. As conexões existem,mas elas permitem múltiplas possibilidades. Poderíamos realizar muitos gestos, mas só aprendemos alguns. A criançatem uma motricidade incoordenada: é porque o cérebro nãoestá amadurecido e também nem tôdas as conexões estabelecidas. Se alguns movimentos (como os do caminhar) sãoautomatismos inatos, dependendo apenas da maturação nervosa, não podemos, porém, à vontade, modificar nosso caminhar ou executar gestos, p. ex., da preensão, senão pela
aprendizagem. A criança, que brinca em seu berço, aprendea utilizar as possibilidades de seu cérebro, reconhece a significação das sensações e coordena cada vez melhor os próprios movimentos.
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O CÉREBRO, ORGAO DA VONTADE 45
A anatomia lhe dá neurônios cerebrais sensitivos, querecebem as mensagens dos sentidos, como lhe dá neurônios motores. Estando na vizinhança dêstes neurônios, osneurônios vizinhos, pela própria situação, são pré-adaptadosa um papel coordenador. Mas é o exercício, a aprendizagem, que permitirá a utilização destas possibilidades inatas.No cérebro, nem tudo repousa sôbre reflexos ordinários,mas sôbre reflexos adquiridos, reflexos condicionados. São
reflexos condicionados as gnosias perceptivas, isto é, coordenações que permitem compreender o sentido daquilo quesentimos. São reflexos condicionados as praxias motrizes,isto é, nossos gestos, cuja precisão foi adquirida às apalpadelas, ajustando movimento e esforço ao resultado procurado com a ajuda da sensibilidade muscular.
Aquilo que nos irá permitir agir, não são, pois, direta
mente, as estruturações sensitivas e motrizes primárias,situadas de um e de outro lado da Fenda de Rolando, masos circuitos coordenadores complexos, que tenhamos formado nas zonas vizinhas, zonas das gnosias e praxias..
As ZONAS MOTRIZES CEREBRAIS.
A precisão de nossos movimentos depende primeiramente da maior ou menor riqueza da inervação periféricado músculo: número de fibras musculares dependendo damesma fibra nervosa; densidade dos receptores sensitivos.Mas em relação com esta riqueza se acha a densidade dosneurônios receptores e motores cerebrais. Se se traçasse aimagem cerebral do corpo, ao longo da Fenda de Rolando
(onde se encontra a localização, ponto por ponto, de todosos músculos) pondo os pés para cima e a cabeça parabaixo, nós encontraríamos, quer para a sensibilidade comopara a motricidade, uma imagem deformada e grotesca, poishá bem mais neurônios cerebrais para determinados mús
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culos. Os músculos do tronco, apesar da sua massa, são pouco importantes cerebralmente falando, ao contrário dosmúsculos, menos volumosos, das mãos, da facete..do jpescoçQ(a fonação tem um rico comando cerebral). O corpo ao serviço da vontade, não é o corpo que vemos, mas aquêle quesentimos cerebralmente.
Defronte à zona sensitiva parietal existem 2 zonas motrizes cerebrais. Diante da área motriz da circunvoluçãofrontal ascendente (onde estão os neurônios psicomotorespiramidais, que vão diretamente comandar os neurônios motores periféricos do lado oposto que são os órgãos da motricidade fina de precisão) existe uma área pré-motrizyorigemdas vias extrapiramidais, que não comandam os neurôniosperiféricos senão por relés sucessivos, nos centros da basedo cérebro. Ê a motricidade mais grosseira, mas mais ge
neralizada, facilitando a eficácia da precedente. Em todomovimento cerebral, não há apenas a adaptação precisa dacontração de um músculo, mas o jôgo de numerosos músculos, acessórios, colaboradores e preparadores: o braço se deslocaa fim de que a mão aja. A área pré-motriz é a sede, aomesmo tempo, dêstes neurônios motores e dos neurônios coordenadores, base dos reflexos condicionados dos gestos,
que têm sob seu controle neurônios piramidais e extrapiramidais.Uma lesão nos neurônios de execução é fonte de para
lisia, bem difícil de evidenciar uma região localizada, poisse se trata da área motriz, é atingido apenas o gesto deprecisão. A zona pré-motriz continua a funcionar. Se estafôr atingida, subsistirá uma motricidade automática, que
depende dos centros motores da base, como os corpos estriados. Se forem atingidos os neurônios coordenadores,não haverá paralisia, mas impossibilidade de gesto corretoe querido. Ê o que se chama deapraxia. Há delas 2 importantes: a agrafia, daquele que não sabe mais escrever e a
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O CffiREBRO, ÕRGAO DA VONTADE 47
afasia motriz (anartria) daquele que não pode mais coordenar seus músculos fonadores para articular palavras.
Uma dificuldade de nossa organização cerebral é têr-mos 2 hemisférios cerebrais comandando cada um dêles ametade do corpo. Há normalmente um hemisfério preponderante, dito dominante, que é o hemisfério que comanda amão ativa: o esquerdo para o direito e o direito para oesquerdo. Neste hemisfério dominante são localizadas, mais
eletivamente, as gnosias e as praxias, sobretudo as da linguagem. O dito hemisfério é o cérebro dela. As outraspraxias são menos localizadas. As pesquisas atuais tendem a precisar o papel práxico dos 2 hemisférios e a importância docorpo caloso, que os une.
DOS AUTOMATISMOS CEREBRAIS À VONTADE.
O homem pode aprender a qualquer idade. Devem-sedistinguir porém 3 categorias de praxias. Há automatismosadquiridos espontâneamente na infância por uma auto-edu-cação influenciada pelo meio social que, por exemplo, dáuma língua utilizando apenas certas aptidões cerebrais inatas à modulação dos sons.
Tais reflexos condicionados são para nós como umasegunda natureza, isto é, a maneira pela qual nós aprendemos, na origem, a utilizar nosso cérebro no momento, noqual, inacabado, êle era muito maleável e quando sua própria construção foi infletida, pelo modo com o qual o fizemos funcionar. Doutro lado, esta auto-educação de basese faz no momento em que a consciência da criança não estáainda expandida, não obstante isso contribua justamente pa
ra a expansão dela.Não aprendemos voluntariamente. Contraímos um hábito de modo irrefletido, pois não estávamos ainda aptospara refletir. Mais tarde, ao contrário, a êste treinamento
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automático para a vida de um ser relativamente passivo,se seguirá uma educação consciente e voluntária. Por exercício querido, aprenderemos certos gestos novos que se enxertarão nos gestos primitivos. Tornar-se-ão êles tambémum automatismo, não fazendo intervir a consciência e a vontade, mas isto será secundàriamente. Enfim, se podemosrepousar sôbre gestos habituais automáticos, temos tambéma possibilidade de fazer gestos plenamente voluntários, isto é,
de utilizar nossos gestos aprendidos em circunstâncias diferentes. Em todos êstes casos se trata do funcionamento dosmecanismos motores cerebrais dessa harmonia das excitações e inibições, onde a auto-regulação sensorial tem um papel preponderante. Os centros reguladores da base do cérebro não são somente responsáveis pela regulação descendentedo tônus muscular por intermédio do tônus nervoso dos
neurônios motores. Sua função reguladora é geral e concerne todo o funcionamento nervoso. Existe assim umaregulaçãoascendente responsável da harmonia das funçõescerebrais. A informação que os centros reguladores recebem do cérebro não serve somente para preparar a motricidade para a ação, mas permite também agir retroativamentesôbre o próprio cérebro.
Agir supõe uma repartição correta no espaço e no tempo dos processos de excitação e de inibição entre os neurônios motores cerebrais. É assim que se realizam os circuitos condicionados. Durante muito tempo se acreditou quedependia tão-sòmente do cérebro. É sabido hoje que nistointervém também os centros reguladores. A educação éassim a utilização das possibilidades coordenadoras e har-monizadoras destes centros. Mas, freqüentemente, somosa prêsa passiva de todos êstes mecanismos nervosos. Nãoé a utilização completa dos podêres do cérebro que nos permitirá chegar à direção pessoal dêstes mecanismos. Mas énisto que consiste a verdadeira Vontade.
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O CÉREBRO, ÓRGÃÒ DA VÓNTADÉ 40
O EUCEREBRAL.
Durante muito tempo se creu que, por definição, osubjetivo, a consciência, a vontade escapavam a um estudocientífico objetivo. Tôdas as tendências porém, da neu-rofisiologia moderna, que perscrutam o cérebro humano acordado, nos conduzem objetivamente aos mecanismos cerebrais
precisos da subjetividade. Nós queremos apenas porque oEu, qualquer que seja a sua especificidade, é um mecanismocerebral apto, por causa disto, a entrar em relação com osmecanismos cerebrais. Uma vontade angélica espiritual desencarnada seria no homem, impotente. Impotente seriatambém uma vontade que não fôsse senão engrenagemcerebral.
Se as mensagens de nossos sentidos, que conduzem nocérebro às gnosias perceptivas, nos permitem distinguir osobjetos exteriores, é porque nos situam em relação a êles.A síntese de tôdas as sensações relativas ao nosso corpo,onde a sensibilidade do cérebro parietal cutâneo e muscularexerce papel preponderante, cria em nosso cérebro a imagem do nosso corpo, uma síntese formada na infância e que se
tornou hábito irrefletido.Ainda que não pensemos nela, está ela sempre presente
em nós. A presença da pessoa a si mesma no próprio cérebro é o aspecto imanente, o mecanismo cerebral do EuEm Eu que r o há 2 elementos: o Eu e o Querer. Nós temosidéia que somente o Qu e r e r é mecanismo cerebral e quepô-lo em movimento é espiritual. Como pode o espiritualdizemos, comandar excitações e inibições cerebrais? Felizmente não estamos diante de um insolúvel mistério, ma?sim diante de um falso problema. Qu e r e r é utilizar o Ercerebral, a imagem do corpo, os mecanismos cerebrais d?pessoa para a tomada de conta pessoal da conduta. O Er
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cerebral são as estruturações da zona parietal na sua partegnósica: aprendemos a utilizá-las para modificar as estruturações motrizes. O movimento voluntário ou o domíniovoluntário é a tomada de conta da dinâmica motriz cerebralpelas estruturas do Eu. Tudo quanto não fôr comandadopor estas estruturas escapa, justamente, à vontade.
Trata-se da alternância entre distração e atenção: es
tar atento é pôr o cérebro sob o controle do Eu cerebral;estar distraído, é deixar que aquêle funcione à revelia dêste.E isto não concerne apenas à motricidade, mas a tôda dinâmica cerebral, que tem a mesma base de mosaicos deexcitações e de inibições flutuando no tempo e no espaço,quer se trate de sensações ou de pensamentos. Tudo istoestá no nosso cérebro, mas devemos aprender a tomar ocontrole de tudo. Se não há sensação senão pela tomada de
consciência, todos os elementos da sensação preexistem nocérebro, a êle conduzidos à nossa revelia, pelas mensagensdos sentidos. Há em nós uma máquina de pensar pela associação das imagens do mundo exterior ou do equivalenteverbal delas, mas temos que dirigi-la voluntariamente. Estaratento ou distraído depende dos automatismos de regulaçãoda base do cérebro, que majoram aquilo a que alguém estáatento e freiam aquilo a que alguém está distraído. Masatenção e distração são para nós automatismos maquinais,dos quais não nos incomodamos. Ê preciso aprender a seratento ou a saber desviar nossa atenção, a fim de nãosermos escravos de automatismos cerebrais, de cuja direçãotemos normalmente o poder. Servir-se do cérebro para pensar e agir parece evidente, pois é um hábito da infância, quetomamos por uma aptidão inata. Ora, vamos ver que isto
não é tão espontâneo assim. Não é bom hábito senão aquêle que resultar de uma verdadeira tomada de consciênciaainda em formação como é a da criança. Na vida relativamente simples e conformista de antanho, quando bastavaseguir os costumes e usos, poucos conheciam êste problema.
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O CEREBRO, ORGAO DA VONTADE 51
Hoje, pelo contrário, quando tudo é examinado e criticado,é imprescindível aprender a saber querer. Tanto mais quanto por falta de sabedoria, vivemos uma vida excessiva, que,desequilibrando nossos centros reguladores, nos faz sucumbir à fadiga nervosa. Esta torna o Domínio de Si mesmobem mais difícil, mas exige precisamente êste Domínio, comocondição de retorno ao equilíbrio e à saúde. Saber querernão é um ativismo enervado e irrefletido, mas sim sabere sentir aquilo que cada um é a fim de poder fazer aquiloque se deve. Isto supõe condições cerebrais, das quais nãonos podemos libertar.
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AoLeFT es da<#«F./osofia . UFS
Fone: 225-98 ?o
2Vontade animal
e Vontade humana
COMPLEXIFICAÇÃO CEREBRAL E NÍVEIS DE VONTADE.
O homem primitivo personaliza os fenômenos naturais:
dá um espírito ao vento e ao raio. Animista, que é, anima
o inanimado. Com espontaneidade tôda natural, ‘ dá, porantropomorfismo, consciência e vontade humanas ao animal.
A objetividade, quer científica quer filosófica, se re
cusa a uma tal confusão. O animal não quer. Obedece apenas aos automatismos inatos de seus tropismos e instintos.
O animal não seria outro tanto do homem? Talvez seriaêste de uma ordem totalmente diversa por causa da espiritualidade de sua alma? Para Q u e r e r será necessário ter
uma alma espiritual, acionando a mecânica cerebral? Aca
bamos de ver que a neurofisiologia moderna não desaguasôbre o mistério de uma animação exterior pelo espiritual,mas nos diz com precisão a função cerebral de vontade, como
o Eu cerebral personaliza a conduta. Nestas condições, como
não conceder aos animais, pelo menos àqueles que têm umcérebro parecido com o nosso, o atributo da Vontade? Se
é falta de bom-senso atribuir Vontade a um infusório ou a
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um inseto, não o seria também negar a Vontade a um cão,
a um gato ou a um chimpanzé ? Tal fo i a posição de L. Labic-
que, que por razões meramente científicas foi levado a de
senvolver a noção de Consciência ou Alma Celular. Sendo
a série animal uma continuidade, por que e onde parar?
De fato, não temos compreendido bem o ensinamento
do estudo zoológico comparado dos animais e do homem, a
significação da evolução biológica que nos mostra a origem
do superior a partir do inferior. Os animais nos parecem
uma fantasia da natureza, sem maior interêsse para nós,
quer um animal entre outros, quer um ser espiritual de uma
ordem completamente outra. Ou igualamos as diferenças
num nivelamento generalizado, recusando todo juízo objetivo
de valor ou afirmamos descontinuidades totais, que tiram ao
inferior tôda e qualquer significação na preparação do su
perior. Ê impossível compreender a vida e por conseqüênciao Homem, se não se partir da noção da complexificação,
isto é, da aparição de sêres cada vez mais complexos, quanto
ao cérebro. Isto permite objetivamente dizer que o homem
é o florão da evolução animal, porque tem o cérebro mais
complexo. É impossível compreender plenamente o Homem,
tanto isolando-o do animal quanto dividindo-o em um corpo
animal e uma alma espiritual. Tôda espiritualidade humana,qualquer que seja sua sign!ficação metafísica, está encar
nada, isto é, se realiza pelas funções do cérebro humano.
Ê justamente o progresso da neurofisiologia humana que
faz com que hoje os valores espirituais humanos apareçam,
cada vez mais como fatos incontestáveis, quaisquer que se
jam as conclusões filosóficas. Se pois o espiritual humano
é cerebralizado (ou então, o cerebral humano, espiritualizado), é impossível que os estádios pré-humanos de cerebra-
lização não comportem uma certa espiritualidade, certos
degraus para a espiritualidade humana.
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VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 55
Tem tôda razão o filósofo, que, apoiado sôbre a objetividade psicológica, insiste que se reserve a palavra “ Espírito” ao homem. O homem chegou à Reflexão, “ esta cons
ciência da consciência” , segundo a justa expressão de Teilhard de Chardin.
Mas isto não exige absolutamente que aquilo que pre
cede (umbral de acesso ao Espírito) nada tenha que ver
com o Espírito. A ascensão, no animal, da complexidade
cerebral permite um psiquismo que, sem nunca atingir onível humano, sobe nessa direção. Nota-se perfeitamentebem uma espiritualização, ou melhor, uma 'pré-espirituali-
zação, uma preparação para o passo da Reflexão. Da mesma forma, antes da aparição da vida (outro umbral abrupto, outra descontinuidade), houve uma complexificação do
inanimado, realizando moléculas cada vez mais complexas,
que não eram vivas, mas se aproximavam cada vez maisda supercomplexidade destas. É uma posição simplista e
falsa ver tudo sob o aspecto contínuo ou totalmente des
contínuo. Há umbrais de descontinuidade sôbre um fundo
de progresso contínuo. A ciência nos mostra como a um
certo momento a complexificação quantitativa produz qua
lidades novas, estando a origem da mudança quantitativa
não no quantitativo mas na sua supercomplexificação. Por
que fazer dêste fato científico de emergência uma afir
mação filosófica materialista?
Se os espiritualistas fôssem realistas compreenderiam
que é precisamente uma sã reflexão filosófica sôbre a emer
gência que leva a explicá-la metafisicamente por estas di
ferenças formais de natureza do princípio explicativo da
organização, sôbre as quais insistia S. Tomás de Aquino,
depois de Aristóteles. Temos que retomar à sábia noção de
analogia, que tão bem nos explica a união do semelhante e
do diferente. O animal não tem vontade humana porque não
é homem, não tem um cérebro bastante complexo para
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56 O DOMÍNIO DE SI
querer humanamente sob a dependência de uma verdadeira
Reflexão, fonte de plena liberdade. Não deixa por isto deter um nível de vontade animalesca proporcionado ao graude complexidade de seu cérebro. A neurofisiologia moderna
objetifica nas estruturas cerebrais aquilo que a análise me
tafísica acha na diferença entre a alma espiritual humanae o nível animal da alma, destas almas animais que não
saem do nível animalesco ainda quando um mundo separa
o psiquismo inumano da ameba do psiquismo bem mais humano de um mamífero. Um umbral enorme separa a amebado chimpanzé, mas é enchida por uma seqüência de degrausintermediários. Êste não é o caso para a passagem do ina
nimado ao vivente (ainda quando tenha havido formas pré-
celulares de vida), nem para a passagem do animal ao homem
(ainda quando tenha havido pré-humanos mais simples). A
dificuldade aqui é de situar onde começa o homem, onde
êle passou a soleira. Mas esta não desaparece em absoluto simplesmente pelo fato de, antes do homem, ter havido
superanimais que ascendiam na escala na direção do Homem,
nem tampouco, depois de transposta a soleira, desaparece a
continuação do aperfeiçoamento.
L u g a r d a v o n t a d e n o s c o m p o r t a m e n t o s .
Donde vem que, com a motricidade aperfeiçoada que
têm, tenham os animais insuficiência no Querer? Em con
seqüência da insuficiência do Eu cerebral dêles, que lhes
não permite uma plena tomada de contas da própria con
duta. Um verdadeiro Eu cerebral exige hemisférios cere
brais e uma cortiça cerebral, coisa que não aparece senão
nos pássaros e sobretudo nos mamíferos. Os animais nãosofrem, por causa desta insuficiência de vontade, pois não
têm necessidade dela para uma conduta correta. Nêles o
essencial é o instintivo, o inato, a máquina de comporta-
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VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 57
mento, que lhes permite (sem ter necessidade de refletir
e de querer) portar-se corretamente, isto é, de acôrdo com a
própria natureza. Observando os animais, parece-nos queêles se alimentam depois de tomarem consciência da própriafome, seguida da decisão de procurar voluntàriamente aqui
lo que lhes fôr conveniente. Na realidade o estudo moderno
dos comportamentos instintivos mostra que se trata de au-
tomatismos, que dependem dos centros da base do cérebro
sem exigirem nem consciência nem vontade. O estado denecessidade orgânica, isto é, a modificação da composição
química do sangue sensibiliza os centros instintivos, obrigan
do o animal a deslocar-se, fazendo assim com que encontre,
sem procurar, aquilo de que tem necessidade. Assim sen
sibilizado, êle reage de modo reflexo aos alimentos que en
contra. Um sinal qualquer no alimento não faz com que o
reconheça conscientemente, mas determina automàticamentea captura e a consumação dêle.
O que diferencia o homem é precisamente a redução
dos podêres do cérebro instintivo, que é sempre a-sede inconsciente das necessidades, mas que não é capaz de de
terminar comportamentos convenientes. O cérebro supe
rior toma consciência do estado de necessidade, mas é a
êle que pertence remediar quer por hábito por uso social,quer por vontade refletida. Incapaz de liberdade, o animal
segue bons instintos. O Homem, privado dêstes bons ins
tintos, é livre dêles, mas a sua liberdade não é uma fun
ção que lhe permite agir a seu bel-prazer, mas sim suprir
a falta de instinto, achando pela Reflexão, aquilo que fôr
conveniente e bom, conformemente à natureza de Homem.
O Homem não pode deixar de querer, a não ser depois deter adquirido bons hábitos. Geralmente porém, êle toma
por vontade a escravidão ao conformismo social, que às
avêssas, dos bons instintos dos animais, pode ser muito
desnaturante.
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A neurofisiologia confirma assim, sem fazer nenhuma
metafísica, a diferença de natureza que separa o homem doanimal. Quando se fala de natureza do homem, entende-se
de sua natureza de homem, em relação com a complexidade
de seu supercérebro. De modo nenhum, como é crido fre
qüentemente, de uma metade dêle mesmo, que seria a parte
quase animal, biológica, elementar, pela qual êle se confun
diria com a natureza, em posição com sua dimensão espi
ritual e cultural. Ê, pelo contrário, na medida em que constatamos sua emergência acima da natureza, da qual é o
florão, que está o homem na sua natureza humana, cuja
conseqüência específica são o Espiritual e o Cultural.
Mas apesar da neurofisiologia reduzir o instinto animal
a cadeias de reflexos de comportamento, por conseguinte a
um automatismo total, ela não identifica o animal ao seuinstinto, retornando assim à tese do animal-máquina. Se
o homem, com sua superioridade refletida, não deixa de ter,
apesar da ausência de verdadeiros instintos, tôda uma série
de obscuras necessidades, de impulsos, de tendências que
exigem uma satisfação correta para um bom equilíbrio; se
debaixo do cérebro superior, o homem guarda um cérebro
instintivo, mais desenvolvido até do que no animal (aindaque não seja capaz de funcionar sem o controle do cérebro
superior) da mesma forma, o animal não é apenas instinto.Não tem êle obrigatoriamente necessidade do cérebro su
perior para regular sua conduta nas circunstâncias da vida
normal, mas não deixa contudo de possuir ainda que emum grau menor do que o homem, um cérebro superior que
lhe dá certa aptidão para adquirir comportamentos novos
sôbre a base de reflexos condicionados, para ser consciente,
para ascender a um certo nível de vontade e de domínio de
si. O neurofisiologista se encontra aqui preservado de duastendências errôneas, que são tentações inversas para o
especialista em psicologia animal. Êste, de fato, pode ser
levado a minimizar as possibilidades animais de inteligência,
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VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 59
para escapar ao perigo de antropomorfismo, sem perceberque cai, freqüentemente, no risco inverso, faltando, na mes
ma proporção, à objetividade. Não podendo negar a evi
dência, é levado a majorar excessivamente as possibilidades
psíquicas animais e, não julgando os comportamentos senão
pelo lado exterior, a tomar por sinal de inteligência um automatismo instintivo ou de aprendizagem, no qual o animal
não manifesta nenhum verdadeiro domínio. Ê preciso con
frontar os comportamentos animais com o grau de desenvolvimento do cérebro. Não se deverá atribuir ao modesto
cérebro de um inseto aquilo que ex:ge a complexidade da
cortiça cerebral de um vertebrado.
Se a inteligência refletida, permitindo o ato livre, a
verdadeira Vontade, é própria do homem, o nível do homemporém, é precedido do estádio pássaro-mamífero, no qual
uma inteligência, uma consciência, uma vontade análogasàs do homem, bem que em nível inferior, não podem ser ne
gadas. Dar vontade humana a um cão é uma puerilidade, na
qual tanto o neurofisiologista quanto o filósofo, cada um se
gundo seu ângulo de visão, denunciam uma falta de bom sen
so. Mas seria também não menor falta do mesmo cair no
êrro inverso, defendido por Descartes e justamente refuta
do por La Fontaine. O cão tem consciência e vontade decão. Antes de Descartes o realismo da filosofia aristotélico-
tomista havia reconhecido isto, quando chamava Estimativa,
esta inteligência concreta animal.
Empregar o têrmo Vontade aos níveis mais reduzidos
de organização cerebral é mais discutível. Os animais in
feriores têm sua conduta automàticamente regida pelos au-
tomatismos dos tropismos e dos instintos. Não deixariaporém de ser grave êrro limitá-los a êste nível. Desde a
origem, há uma possibilidade de adaptação a situações novas.
Os reflexos condicionados, a possibilidade de aprendizagem
se manifesta, até antes do cérebro, como propriedade da
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60 O DOMÍNIO DE SI
matéria viva, nos unicelulares. Pode-se por exemplo, inverter
um tropismo associando-o a uma recompensa ou punição,isto é, a algo de agradável ou de desagradável.
Passada a época, na qual se dava vontade humana àameba, a análise científica dos comportamentos inferiores
concluiu fazendo do unicelular o suporte passivo dos tropis
mos, propriedades de sua matéria viva. Êste estádio estáhoje também superado. Fala-se atualmente de psiquismo
inferior de uma grande complexidade desde o escalão celular. Viaud, por exemplo, retomando os trabalhos de Jen-
nings, nos mostra o aspecto patia dos tropismos, manifes
tação de uma proto-afetividade, que, evitando o desagradá
vel escolhe o optimum, um praeferendum, em lugar das
atrações e repulsões brutais ao máximo, dos tropismos ordinários.
O unicelular é uma pequena individualidade equipadade comportamentos que lhe permitem viver, fato que não
significa uma justaposição de comportamentos, mas a sín
tese unificada finalizada dêles para a defesa do indivíduo.
O especialista em comportamentos se curva objetivamente
sôbre o exterior das condutas, mas lhe escapará o essencial
se êle se recusar de ver que há um interior , a organização
interna de uma matéria viva unificada, que é responsável
por êsses comportamentos, que não passam de reações adaptadas e adaptadoras ao ambiente.
Nestes comportamentos elementares o animal reage co
mo um todo, um indivíduo, dependendo o nível de sua indi
vidualidade da complexidade de sua organização que asse
gura a sua unificação. A diferença essencial entre o inani
mado e o vivo é o grau de organização. O inanimado pouco
complexo, com interior relativamente simplrs (simplicidade,cuja complexidade nos é mostrada pela física moderna) é
uma presença passiva no mundo. Um indivíduo vivo, porsimples que seja, é uma organização bem mais complexa,
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VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 61
que não subsiste senão por uma atividade permanente li-beradora de energia; é uma presença ativa no mundo, em
luta permanente com êste, para manter-se e subsistir.
Esta noção científica da organização e de suas conse
qüências é desenvolvida por Teilhard de Chardin, quandofala do “ dentro das coisas” e não uma filosofia errada, que
daria consciência humana a uma pedra! Numa perspec
tiva de dinamismo evolutivo de cosmogênese, os níveis pré--viventes de organização interior, de dentro das coisas, são
uma pré-consciência em caminho para a soleira da com-
plexificação, que permitirá o primeiro nível da verdadeiraconsciência, a consciência celular ou bio-consciência.
Uma tal consciência celular é evidentemente uma qua-
se-inconsciência em relação à consciência refletida humanae até à consciência pré-refletida ou tangenciando um pri
meiro degrau de reflexão do pássaro e do mamífero. Não
deixa porém de ser análoga a ela, em nível inferior e sua
preparação, seu longínquo anúncio. Qualquer animal tem
conduta unificada e individualizada: é dotado de poder rea
gir, enquanto indivíduo, de se pôr, de uma certa maneira,
na sua ação. Não há negar que haja nisto uma pré-vontade.
Para que se torne Vontade, será preciso que emerja da
imanência, graças ao progresso da organização integrada,para dirigir a conduta. Todo o progresso do sistema nervoso
na série animal vai nesta direção, neste sentido. A presença
difusa do Eu se localiza nas estruturas cerebrais, onde ela
poderá individualizar a conduta. Acima dos automatismos
inatos e adquiridos, o animal possui uma conduta melhor
adaptada, que se desenvolve com a organização do cérebro.
Sendo apenas um bruxuleio mínimo nos animais inferioressem sistema nervoso ou sem centros superiores (sem cabe
ça) sobe ela um degrau com a aparição dos gânglios cere-
bróides, cérebro dos invertebrados, cérebro essencialmente
instintivo, que culmina com a individualidade bem marcada
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62 O DOMÍNIO DE 81
da abelha ou do polvo. Os vertebrados inferiores, aos quais
falta a cortiça cerebral, não vão também muito mais longe.
Êste progresso de individualidade e de consciência, que
se nota já num plano orgânico, quando aparecem, nos pás
saros e mamíferos, os centros termo-reguladores (assegu
rando a independência da temperatura interna dêstes para
com o ambiente em que vivem) é verificado especialmentenas relações sociais entre indivíduos. Nos sêres inferiores,
como os insetos sociais, a relação social não é senão uma in-teratração automática, enquanto que nos vertebrados sociais
aparece um conhecimento individual do outro. Êste não é
mais objeto de uma atração reflexa, mas é escolhido por ser
quem é, reconhecido como indivíduo. Isto é manifesto quan
do se trata da relação sexual. Não há verdadeiro amor
entre os invertebrados, mas simples desencadeamento dos
automatismos genitais, provocados por um sinal, p. ex., um
odor. Ao contrário, nos Pássaros e Mamíferos, existe uma
verdadeira escolha voluntária de um tal indivíduo por tal
outro. O mesmo grau de consciência se vê no comportamen
to de imitação. Só o Homem é capaz de imitação refletida.
O macaco, ao contrário do que geralmente se pensa, imita
pouco, êle macaqueia pois não sabe o que faz. Mas há tôda
uma evolução que vai da imitação biológica inconsciente, do
mimetismo que faz a côr do ambiente, aos automatismosinstintivos de imitação das lagartas, que seguem umas às
outras ou dos insetos sociais, que são obrigados, pelo ins
tinto, a imitar o trabalho do vizinho, com a tomada de cons
ciência progressiva do indivíduo vizinho e daquilo que êle faz.
Se devemos censurar os homens que se portam como os
carneiros de Panúrgio, deveríamos também censurar tais
carneiros que, em seu automatismo, não sabem utilizar as
possibilidades e vontade de seus cérebros de Mamíferos.
A psicologia comparada contribui, também ela, para
nos mostrar que Querer, para o homem, não é constrangir
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VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 63
a carne rebelde, impor a espiritualidade à parte animal. Êpelo contrário, utilizar corretamente nossa carne, que é car
ne humana, provida de um cérebro que a comanda e lhe dásua verdadeira significação espiritual. Querer pois não é
algo de supérfluo, mas uma necessidade. O homem é feitopara querer. Saber querer é a utilização correta do próprio cérebro.
A SUPERIORIDADE CEREBRAL HUMANAI A LINGUAGEM.
Ê interessante precisar um pouco mais a diferença
entre cérebro animal e cérebro humano para melhor compreender a especificidade da Vontade Refletida Humana e
sua diferença de natureza psicobiológica para com a von
tade animal.
O Homem não tem apenas o mais volumoso ou o mais
pesado cérebro com relação ao próprio pêso corporal, mas
também o cérebro mais complexo, isto é, com a maior rique
za em interconexões de sua rêde neurônica da cortiça cerebral.
A importância em pêso ou volume do cérebro huma
no está em relação com a quantidade de neurônios: cêrca
de 14 bilhões, enquanto que o chimpanzé, que é o maisvizinho, na natureza atual, tem apenas 4 bilhões. O nú
mero nada diz por si mesmo, mas tendo os neurônios pro
longamentos interconectados de modo múltiplo, a riqueza
das interconexões cresce infinitamente mais do que o nú
mero de neurônios. Objetivamente, enquanto máquina ner
vosa, o cérebro humano é um aparelho bem mais complexo
que o cérebro animal. Não nos admiremos, pois, se êle
efetua realizações psicológicas de outra ordem. Se a com-
plexificação quantitativa é origem de qualidades novas, é
porque efetivamente a rêde cerebral passou a soleira da
complexidade no nível humano.
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64 0 DOMÍNIO DE S l
Esta superioridade do cérebro humano de tal modo se
manifesta em todas as suas partes que tôdas as funçõescerebrais são de outra ordem. Mas a diferença para com
o animal não está apenas na riqueza da rêde. Está também num progresso de hierarquização do cérebro, na qual
o cérebro superior toma uma preponderância maior e se
torna mais necessário para a conduta. Quando se passados mamíferos inferiores aos primatas e, entre êstes, dos
macacos inferiores aos antropóides e ao Homem ou quandose segue na série paleontológica dos hominídeos, a subida
ao Homem verdadeiro, não se verifica simplesmente o acrés
cimo de riqueza da rêde nervosa, mas também o desenvolvimento cada vez maior da região pré-frontal. Ê a prepon
derância desta região que faz verdadeiramente o Homem.
Pouco importa pois, que alguns mamíferos mais inteligen
tes (o elefante ou o delfim) tenham uma riqueza cerebral
vizinha à do homem. Aquilo que lhes falta é o acabamentoda hierarquia das regiões do cérebro, acabamento não atin
gido ainda pelo Homem de Neanderthal, cujo cérebro tem o
volume atual, mas com insuficiência da região pré-frontal.
Esta mudança de importância relativa das regiões do
cérebro explica porque a superioridade humana não basta
por si mesma. Ela baseia-se sôbre uma inferioridade, a
redução dos podêres instintivos do cérebro inferior, que já assinalamos. O homem não é superior se não utilizar
seu cérebro superior. Se, pelo contrário, êle se abandonar
aos automatismos do cérebro inferior, fica abaixo do ani
mal, pois a humanização dêste cérebro inferior não lhe
assegura um funcionamento correto, senão quando êste tra
balhar sob o controle do cérebro superior. E isto não é aMoral quem no-lo diz, mas a fisiologia correta do cérebro
humano, em afirmação absolutamente incontestável.
Mas uma diferença de princípio separa o funcionamen
to do cérebro superior da do cérebro instintivo. Neste,
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VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 65
tudo depende da construção, das propriedades inatas do
organismo. Não há necessidade de aprender. No cérebrosuperior, ao contrário, é preciso aprender a desenvolver
as possibilidades inatas inscritas nas estruturas. Enquanto
que um instinto é obrigatoriamente bom para o animal,
um hábito humano pode ser mau, por ser apenas um pre
conceito social. Se não nos damos conta da mudança denatureza no campo daquilo que chamamos nossa vida ins
tintiva, é porque parecemos estar presos a automatismosperfeitamente comparáveis aos automatismos animais. To
mamos por instintos, as maneiras pelas quais aprendemos
socialmente a satisfazer nossas necessidades na adolescênciaem conformidade aos usos e costumes de uma sociedade onde
crescemos.
Se não houvesse superioridade humana sem o cérebro
(isto é, de fato, sem a aptidão de origem genética da matéria viva humana para dar, no desenvolvimento, um cé
rebro humano), de nada serviria ao Homem ter êste su-
percérebro, se não fora também um ser de natureza social,
isto é, que não pode sozinho equilibrar-se, que tem neces
sidade dos outros. Para nada teria servido ao homem seu
supercérebro se não fôsse ao mesmo tempo social, como tam
bém de nada lhe serviria ser social se não tivesse êste super
cérebro. As sociedades animais são aparafusadas em seus
costumes instintivos. Uma diferença de natureza separa
delas a sociedade humana: êste dinamismo de progresso
cultural de geração em geração. Baseia-se êle numa me
lhor utilização das possibilidades do cérebro humano, ór
gão do progresso.
Êste superdinamismo, nós vamos encontrar também
no desenvolvimento individual. Pela simples posse do pró
prio cérebro, há aptidões plenamente humanas, quer no
homem-primitivo, quer no recém-nascido. Mas enquanto o
animal, fora do caso de grande patologia, vai certamen-
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66 O DOMÍNIO DE SI
te tornar-se um animal normal adulto munido de bons ins
tintos, de certa aptidão a aprender e a utilizar inteligentemente sua experiência, nem sempre será assim com o serhumano. Êste tem que ser socializado, civilizado, sem o
que não somente não dará tôdas as suas possibilidades,
mas perderá até suas aptidões. O homem nasce com umcérebro inacabado e imaturo, que não é rico senão em pos
sibilidades, que aprenderá a desenvolver copiando aquêlesque com êle convivem.
Aquilo que nos mostra melhor o êrro a que nos arrasta nosso egoísmo individualista (que nos faz esquecer nos
sa socialização profunda) é ignorarmos que o essencial de
nosso psiquismo, aquilo que nos dá um pensamento ver
dadeiramente humano apto à abstração, é a linguagem.
Pensamos sempre por meio de palavras, ainda quando, pelo
hábito profundamente adquirido, não nos damos conta disto
e cremos ter um pensamento “meramente” espiritual. Océrebro humano nos dá a aptidão inata de modular os
sons, mas o menino aprende a imitar a língua de seu am
biente. Ê por isso que o menino surdo se toma também
mudo. O menino guardará apenas as aptidões que puder
exercitar no meio em que vive. Assim é que a falta de uso
do TH inglês ou J espanhol torna difícil a um brasileiro
pronunciá-los. Pensa-se com palavras, com uma sintaxe recebidas do ambiente em que se vive, donde se segue que
mais lucrará aquele que pensar numa língua rica do que
numa pobre. O progresso cultural é, no fundo, um pro
gresso de linguagem.
Sempre foi definido o pensamento humano pela sua
verbalização. Deveria porém, ter-se insistido mais em que,
de uma parte, a verbalização é um uso social e que, deoutra, é ela uma aptidão que não aparece senão com a
supercomplexidade do cérebro humano. É o grande mé
rito de Pavlov de haver demonstrado, provando-o cientifi-
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VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 67
camente, que a supercomplexidade cerebral humana exigia
uma diferença de natureza entre o pensamento humanoe o animal. O animal, tendo um cérebro mais simples,tem apenas um pensamento muito reduzido pela associa
ção das imagens diretas dos sentidos. Já o homem possuieste pensamento por imagens, bem mais rico por causa dacomplexidade cerebral, nas zonas receptoras e nas suas
possibilidades de associação. Esta riqueza de circuitos ce
rebrais lhe dá o poder de utilizar uma simbólica verbalpara pensar, um segundo sistema de sinalização. Aquilo,
que no animal não passava de um sinal, um meio de co
municação elementar, se toma no homem um poder de designar as coisas e de pensar, não associando as imagens,
mas as palavras: linguagem interior.
Para tirar-se todo o proveito da importância da lin
guagem, não basta contentar-se com o aspecto analíticodela. A linguagem está também ao serviço da supercons-ciência refletida humana. A consciência depende, já o vi
mos, da imagem do Eu que se forma no cérebro e a tomada de consciência da passagem da dinâmica' cerebral
sob o controle dêste neuro-Eu. Enquanto que no animalum neuro-Eu insuficiente não atinge a direção da condu
ta, pois fica imerso no dinamismo cerebral, no homem,
pelo contrário, se faz uma emergência, em que consiste aReflexão. Esta emergência é condicionada pela supercom
plexidade, que não exige a linguagem mas a torna pos
sível. Esta, por seu lado, ao mesmo tempo que favoreceo pensamento abstrato, favorece também a Reflexão. A
imagem do Eu é também verbalizada na palavra Eu e a
dos outros em Tu e Vós. Quando a criança começa a di
zer Eu, é quando ela faz progressos fulminantes com relação ao macaco. Dois são os fatôres que então intervêm:a maturação do cérebro, que normalmente a toma aptaa dizer Eu (mas que existe também no surdo-mudo que
não diz Eu) e socialização desta aptidão que fornece a
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68 O DOMÍNIO DE SI
palavra Eu. Havendo ausência desta verbalização, have
rá insuficiências.
Se pois, Q u e r e r é, de modo refletido, personalizar sua
mecânica cerebral, aplicando a ela seu neuro-Eu, esta operação fica grandemente facilitada no homem, pelo fato depoder dizer Eu q u e r o .
Acima do cérebro instintivo, localizado na face interna do cérebro, a grande massa do cérebro superior, onde
se localizam as zonas motrizes e sensitivas, é uma sortede máquina de pensar verbalizada, sede dos reflexos condicionados, isto é, dos hábitos sociais. Há nela tôda a me
cânica essencial para as condições humanas. Isto porém,não basta. Pode dizer-se Eu q u e r o e conformar-se irrefle-tidamente aos usos sociais. Ê possível também, de modo
igualmente automático, aparentar alguém seu anticonfor-mismo social.
O PRÉ-FRONTAL HUMANO, VONTADE REFLETIDA DO BEM.
O homem não se define simplesmente pela substituiçãodos instintos inatos pelos usos aprendidos. Êle não é uma justaposição de afetividade e de necessidades elementares
com reflexos condicionados. Como acharia êle o próprioequilíbrio, esforçando-se de lutar em nome da Moral contra
suas tendências profundas, se ignora a quem deve dar a
primazia: ao coração ou à razão? Que coisa é impor
tante: a máquina de raciocinar ou a afetividade? Onde situar a espontaneidade humana?
É aqui que intervém a parte mais humana do cérebro, a região pré-frontal, cujas propriedades nos são reve
ladas pela patologia, pela experiência no macaco ou pelas
operações de lobotomia, que propõem fora de circuito tal região, nos doentes mentais.
Não queremos dizer que esta região seja o cérebro
da inteligência, no sentido restrito da palavra. A inteli
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VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 69
gência depende da máquina de pensar do cérebro sensorial e motor. A fronte humana é o Domínio de si mesmo.Sem retomarmos a uma localização falsa do espiritual,vemos que os complexos circuitos cerebrais desta zona são
a condição material, que dá à consciência humana sua
superioridade. Não basta a verbalização do neuro-Eu. Ê
preciso que o Eu ou a imagem dela mesma, que êle designa, possa atingir a direção da conduta. Esta emergência
refletida depende dos circuitos pré-frontais. Graças a ês-tes não somos mais imersos como o animal, na ação, mas,
utilizando um passado vivido e personalizado, temos preocupação com o futuro. Cérebro pré-frontal, cérebro da
inquietude humana, fonte da inquietude patológica psi
quiátrica, acalmada pela eliminação do pré-frontal (lobo-
tomia), mas ao preço de uma mutilação grave e definitiva.Privado desta inquietude, que é a característica principal
do Homem, êste não pode mais considerar-se livre e responsável, dotado de uma consciência moral, que o faz dis
tinguir o Bem do Mal e o excita a procurar o Bem.
O diálogo de surdos entre os partidários da primazia
da razão e aquêles da preponderância do sentimento, rece
be sua verdadeira solução da neurofisiologia. Esta mostra-
-nos que o pré-frontal dá ao homem sua dimensão com
pleta, esta união viva do racional e do afetivo em um nívelsuperior, sobrepassando a razão sem lhe ser contrário. Ê o
que se pode qualificar, em seus sentidos autênticos, pelas
palavras Coração e Amor. Há uma afetividade elementar
que não é completamente humana; a da pressão do cora
ção e do desencadeamento do instinto. Ê obra do cérebro
inferior, comum ao homem e ao animal, mas incapaz de
funcionar corretamente no homem sem o cérebro superior,apesar de ser isto que fazemos sempre sob pretexto de
uma falsa espontaneidade. Há uma racionalidade fria e
desumana, que consiste em não utilizar senão o cérebro
superior sensitivo e motor, dominando, isto é, recalcando,
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depreciativamente, a afetividade. Alterna-se assim um es
forço refletido e um abandono espontâneo. A verdade humana está em fazer sempre a síntese dos dois, estabele
cendo-se dêste modo, na verdadeira espontaneidade huma
na, utilizando o cérebro pré-frontal, colocando-se no bomhábito de utilizá-lo.
Já foi muito discutido se o homem é ou não livre.
Nisto está a chave do problema da vontade. Será a liber
dade apenas uma ilusão ou ao contrário, uma certeza absurda, pois não haveria nem Bem nem Mal? Devemos
acreditar naquilo que queremos ou simplesmente quererqualquer coisa?
E perfeitamente exato que, estatisticamente, os homens se comportam bem pouco livremente, pois não fazem senão obedecer a determinismos incoercíveis: hormô
nios, complexos ou usos e costumes. Ê exato que êles igno
ram o Bem e o Mal, como tais, assim como o Bem e oMal para a sua própria natureza. Baseiam a noção deambos apenas sôbre as próprias opções filosóficas ou reli
giosas. Mas tudo isto tem origem somente em erros, pre
conceitos, ignorância ou estupidez mais espalhados do quea vontade de fazer o mal.
Com seu cérebro pré-frontal possui o homem um ór
gão libertador dêstes preconceitos, contanto que saiba uti-lizá-lo e utilizá-lo corretamente.
O fato de não sabermos utilizar nosso cérebro, nãoquer dizer que não tenha êle certas aptidões. Abandonar-
-nos aos determinismos, quando êles não são ainda bas
tante fortes para nos aprisionar, é, no fundo, lobotomizar-
-nos transitoriamente, isto é, utilizarmos a parte su
prema do nosso cérebro. Escolher livremente o Mal é, co
mo vemos, utilizar incorretamente o próprio cérebro, tornando-nos incapaz de liberdade. Só há uma utilização cor
reta do cérebro e é precisamente a escolha voluntária do
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VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 71
Bem. O cérebro pré-frontal aparece assim como sendoaquilo que dá ao homem, com relação ao animal, uma
verdadeira Vontade, baseada sôbre a aptidão de refletir,
a fim de determinar o Bem e o Mal, não com referência a
uma Moral desequilibradora (porque Legalismo desencar
nado) mas em conformidade com a lei própria do nossoser. Pela sua constituição o homem não é livre de querer
qualquer coisa que seja. Não é êle livre, se quiser permanecer normal e são, senão para escolher o Bem, para ter
uma vontade boa. A saúde confundindo-se aqui com a sa
bedoria e, de um certo modo, com a santidade.
O drama da condição humana é que não basta ter umpré-frontal para querer e saber querer, mas é preciso tam
bém aprender a saber utilizá-lo. Ora bem. Deve-se dizer
que esta é certamente a região mais inútil ou a mais mal
usada. Ê lamentável que freqüentemente, o homem moderno, adorador da razão, esteja neste ponto em atraso
para com o primitivo, mais humano, pois teria muito mais
possibilidades de expandir seu pré-frontal. É isto o que
exige precisamente, a saúde individual e social dos‘homens.
A neurofisiologia vem assim confirmar a moral. Seráisto útil? Certamente, pois a Moral assim fundada na
natureza humana se torna um valor comum irrecusável edoutro lado, a Moral deixará de aparecer apenas um mandamento legalista incompreensível. Mas a neurofisiologia,
com suas indicações normativas, não substitui nem a Moral
nem a Metafísica. As considerações neurofisiológicas sôbre
o homem, longe de explicarem tudo, desaguam pelo contrá
rio, no mistério do ser. Condicionada pelo cérebro a per
sonalidade humana aparece bem diferente daquela que só ametafísica nos revela. Uma tal emergência não poderia
manifestar-se se ela não dependesse da imersão de umatranscendência. Mas não é a ciência que nos deve dizer
isto. 0 que entra em suas novas atribuições é somente pre
cisar as condições do Sa b e r q u e r e r .
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iíNatal Çsteve$da ç ilüa Acad. F;iosofja - (JFG
Fone: 225 -98 10
3Patologia do Cérebro e
perturbações da Vontade
N o r m a l e P a t o l ó g i c o .
Qualquer que seja sua natureza metafísica própria,
a Vontade acaba de ser apresentada como uma função
cerebral. A Vontade na sua plenitude, que é a vontade
refletida do Homem, não é possível senão pelo degrau de
supercomplexidade transposto pelo cérebro humano, dan
do assim ao Eu cerebral sua plena dimensão e seus podê-
res. Sendo um mecanismo complexo, uma tomada de
consciência pessoal de automatismos cerebrais, em si mes
mos involuntários e inconscientes, não basta isto para que
a Vontade aja. Não basta ter um cérebro humano, feito,
em princípio para querer. Ê preciso que o cérebro seja
normal ; é preciso que saibamos utilizá-lo corretamente a
fim de saber e poder Querer.
Vamos pois examinar 2 condições da aptidão da Von
tade, que originam 2 aspectos diferentes das insuficiências
e das perturbações dela.
Há doenças do cérebro que o tornam mais ou menos
inapto a querer. Compete ao médico e ao psicoterapeuta
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74 O DOMÍNIO DE 81
tentar curá-lo, tornando a dar-lhe a aptidão normal deQuerer. Ora, são bem mais numerosos os indivíduos com
cérebro normal, mas tão incapazes quanto os doentes da
vontade, pois que não sabem querer. Aqui não é mais o
caso de chamar médico mas sim um educador, ainda quan
do se trate de adultos. O doente e o ignorante, incapazes,
por razões diferentes, do domínio de si mesmos, têm um
comportamento análogo desumanizado. Não basta, pois, curar
o doente, mas é preciso, além disto, ensinar-lhe ou tornar a
ensinar-lhe a querer. De resto com exceção de casos extre
mos, há freqüentemente associação de determinismos patológicos (que alienam a vontade) com a ignorância.
Começamos a saber que, se é objetivamente possível
qualificar um comportamento colérico ou preguiçoso, isto
não deve implicar necessáriamente na existência de vício
ou pecado, do qual seria culpada a pessoa que a êle se entregasse livre e voluntariamente. Pode tratar-se de um
automatismo patológico incoercível que suprime ou atenua
tôda possibilidade de domínio sôbre si mesmo. Não deixa
remos apesar disto de opor o doente ao de boa saúde, con
siderando que só a doença suprime a vontade. Apesar dis
to ainda haverá gente que pergunte se o culpado é “ doente
ou pecador” , sem ver a ilogicidade de associar culpabilidade ou doença, pois ninguém pode ser culpado senão pela
parte do comportamento que não está inteiramente doentia.
Ainda se falará da terapêutica dos pecados capitais pre
tendendo substituir o confessor pelo médico. Criar-se-á
uma “Moral sem pecado” , não conservando dêste senão o
aspecto psicopatológico, isto é, a responsabilidade falsa e
doentia do “ universo mórbido da culpa” , crendo que bastará
curar os doentes para lhes devolver vontade e liberdade.
O dilema não está entre doenças e pecado, que não
estão no mesmo plano. Mas entre doença e ignorância,
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 75
entre uma verdadeira patologia e a falta de educação oude bom senso.
Não basta que a saúde seja devolvida ao doente, masalém disto, é preciso que êle saiba utilizar corretamentesuas aptidões a fim de poder portar-se como Homem. Tam
bém a ignorância atenua a culpabilidade. Fundamentalmen
te é ela, atualmente o pior dos flagelos. Os homens não
são humanos, não pela vontade pecadora de fazer o Mal,mas pela ignorância da nocividade do Mal.
O pecado nos aparece em sua plena dimensão, que é
religiosa, como uma desobediência à Lei Divina. Isto per
mite ao incrédulo de negá-lo, afirmando seu direito de
gozar de tôdas “ as iguarias terrestres” e de denunciar osperigos dos constrangimentos morais desequilibrantes. Atual
mente é mais necessário do que nunca, desenvolver o aspecto natural do pecado e da moral; precisar que a liberdadenão consiste em fazer alguém aquilo que bem lhe der na
veneta fazer ou de impor a si mesmo a obediência a uma
lei moral sobrenatural, mas de compreender as condiçõesde equilíbrio do nosso ser. Ê por uma ignorância muito im
prudente que cremos possível querer livremente qualquer
coisa que seja, dentro de uma espontaneidade fantasiosa ou,
ao contrário, dobrar-nos pela ascese ou penitência a regras morais, que nos parecem opostas a esta falsa espon
taneidade. A verdade está na via média, que nos faz
aderir à Moral como à própria lei do nosso ser, condiçãoindispensável da verdadeira Liberdade e da vontade boa.
Se é pois necessário (mas bem difícil) averiguar a res
ponsabilidade de um comportamento humano, não é tam
pouco preciso ter um reflexo moralista, passando diretamente da doença ao pecado. É preciso antes de mais nada,
diagnosticar se temos pela frente um doente, inapto a que
rer o Bem e do qual é necessário que cuidemos ou um
ignorante, que não sabe comportar-se corretamente, fa-
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76 O DOMÍNIO DE SI
zendo, sem querer, sua própria infelicidade e a dos outros,e que devemos educar, isto é, convencer. Um mau com
portamento resulta sempre de uma má utilização cerebral
muito análoga. Mas em um caso ou por uma parte, se
trata de um anormal, mais ou menos, prêso pela doença;
em outro caso, um indivíduo normal que não sabe condu
zir-se normalmente utilizando corretamente seu cérebro,
portando-se, por ignorância, como um doente. “Basta que
queira” , dizemos, com desprezo paternalista, a quem nãopode sair de seus maus comportamentos. Ou então: “Que
se trate” , se é um doente! Por que esquecer que se o clien
te não é doente, é o mais das vêzes, um ignorante, tendo
necessidade de aprender? Aprender é tornar a virtude na
tural, o que não quer dizer que seja ela fácil, pois nada do
que é humano é fácil. Será necessária sempre uma penosa
ascese, mas uma ascese alegre de cumprimentos, bem diferente da ascese queixosa do constrangimento moralista pu
ritano e maniqueu, que despreza e castiga a carne em lugar
de elevá-la, dando-lhe seu verdadeiro sentido.
Não é nossa intenção especificar aqui tôda a patolo
gia da vontade, quer se trate das insuficiências das abu-
lias ou dos aparentes excessos, dos quais a verdadeira von
tade está ausente, nem de entrar em pormenores das perturbações psicológicas dos deficientes da vontade.
Nossa intenção é simplesmente mostrar que a medici
na e a psicopatologia modernas puseram em evidência con
dições cerebrais anormais, nas quais o exercício da von
tade é impossível ou freado, condições que reduzem o doen
te a níveis de comportamento infra-humanos, cuja harmonia
o homem não pode tornar a encontrar visto como foi chamado para coisa melhor. Isto levará a compreender como a
ignorância pode imitar o patológico, pois todos temos em
nós tentações naturais de desnaturação.
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 77
Temos que ser prudentes quando apreciarmos nossaconduta ou a dos outros, pois aquilo que nos parece vo
luntário, não é, muitas vêzes, senão ilusão enganadora.
Vimos como nossa fisiologia cerebral explica que a von
tade é sujeita, possível mas não obrigatoriamente, a au-
tomatismos cerebrais preexistentes. O doente como o ig
norante são igualmente prêsa passiva dêstes automatis-
mos, ainda quando têm a ilusão de consentirem nêles. Es
tá a diferença entre êles em que o primeiro não tem mais
ou tem menos possibilidade de domínio sôbre si mesmo,
enquanto que o outro não sabe utilizá-lo. Apesar de bem
diferentes, fundamentalmente, o normal e o patológico, mui
tas vêzes não estão separados senão por uma diferença de
intensidade: é o mesmo determinismo, que quando transpõe
um certo grau, escapa à vontade. Aquém dêste grau, êle
a torna simplesmente mais difícil.
Excetuando o indivíduo completamente alienado por
uma psicose, que o separa do mundo, a possibilidade de
domínio de si variará com as circunstâncias, de um mo
mento para outro. O psicopata pode ter fases de lucidez,
nas quais é responsável. O indivíduo normal, por sua vez,
pode por imprudência e ignorância meter-se em circuns
tâncias, nas quais perderá todo domínio de si, deixando-selevar pela cólera, pela sensualidade ou entregando-se a
excessos de álcool ou de alguma medicação tranqüilizante.
O mérito da medicina e da psicologia moderna está
em mostrar-nos a fragilidade da vontade, em fazer que
saiamos de nossas ilusões. Aquêle a quem, talvez, fazemos
belos sermões é,muitas vêzes, tão irresponsável quanto a rã,
sem cérebro, que dá aparência de vontade, quando en
xuga com uma das patas o ácido caído na outra. Um
simples automatismo, dependendo da hamonia das auto-
-regulações de sua medula espinhal!
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78 o d o m í n i o d e s i
Mas tentação ainda maior é a de passar de nm êrropara outro e, depois de ter engrandecido a vontade, mini
mizá-la ou negá-la. Apesar de os atos voluntários serem
estatisticamente raros, nem por isto devemos esquecer que
o funcionamento correto do cérebro humano repousa sôbreo ato voluntário. A possibilidade humana de liberdade não
necessita nem da negação dos determinismos nem da aceitação dêles, mas sim o dever de aprender a dominá-los.
A Liberdade, baseando-se no funcionamento do cérebro, ficará comprometida por qualquer perturbação dêstefuncionamento. Teríamos pois agora que passar em re
vista tôda a neuropsiquiatria a fim de conhecermos osmúltiplos aspectos da patologia da vontade. Contentar-nos--emos porém de relembrar a influência das lesões cerebrais
e depois a das perturbações do equilíbrio do meio interior,
que impedem o funcionamento correto do cérebro. Veremos também como a vontade é dificultada pelas perturbações da harmonia funcional cerebral, nas neuroses e nas
fadigas nervosas.
V o n t a d e e d o e n ç a s d o c é r e b r o : a p r a x i a s , p e r d a d e i n i c i a -
t i v a MOTRIZ, DESDOBRAMENTO DA PERSONALIDADE.
Pode uma lesão cerebral alterar a Vontade? Sabemos
perfeitamente que a Vontade não se localiza nestes mecanismos de execução, que são as zonas motrizes ce
rebrais e as diversas etapas motrizes. O indivíduo que quere não pode, sofre por causa desta sua paralisia, seja elacompleta, como nas lesões medulares ou atinja apenas a
área motriz, responsável pelos movimentos precisos ou pe
los circuitos práxicos da zona pré-motriz, tendo como conseqüência uma simples impossibilidade do gesto aprendi
do. A permanência, nestes casos, da vontade e da consciência tem uma grande importância prática. Ainda que
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 79
a Vontade não faça o milagre de reconstituir as estruturas destruídas, possui ela o poder de favorecer a retomada
funcional de estruturas simplesmente inibidas, de permi
tir utilizar ao máximo as possibilidades de suplência, de
favorecer até os fenômenos de regeneração periférica. É
já sabido como a vontade, dinamizada pela esperança epela confiança, tem um papel na reeducação, p. ex., dos
poliomielíticos, nos quais as paralisias superam originà-
riamente as meras lesões irreparáveis. Está próximo odia, quando o progresso das próteses permitirá fazer co
mandar seus mecanismos pelos influxos nervosos cerebrais
do paralítico. É muito importante notar a manutenção deuma imagem cerebral normal do Eu em numerosos pa
ralíticos ou mutilados, pois vimos a importância dela na
fisiologia cerebral da motricidade.
Embora nascida congenitalmente sem braços e sem pernas, Denise Legrix se sente normal, pois suas estru
turas cerebrais não estão mutiladas, possuindo ela em seu
cérebro a noção normal do corpo humano. Certas lesões
cerebrais, ao contrário, mais ou menos localizadas' na zona gnósica parietal trazem perturbações mais ou menos
graves da consciência do corpo. Por exemplo a anosogno-
sia de certos hemiplégicos, que perderam a consciência do
membro paralisado, negando pertencerem êles ao próprio
corpo. Em um grau mais adiantado temos a patologia psi
quiátrica da eciutoscopia, na qual a imagem do corpo se
toma alucinação positiva da presença de um outro ou
alucinação negativa, que suprime a imagem própria no es
pelho! Drama vivido e descrito por G. de Maupassant.
Um caso particular de paralisia motriz cerebral é odos afásicos, incapazes somente dos mecanismos motores
da fonação. Classicamente se distinguem as afasias loca
lizadas, como a afasia motriz, que impede a articulação
das palavras (o paciente é silencioso, porque não pode
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80 O DOMÍNIO DE SI
articular por causa da lesão da zona motriz corresponden
te) ou as afasias sensoriais do tipo da surdez verbal, queé a impossibilidade de reconhecer palavras ouvidas. Mas,
freqüentemente, lesões mais generalizadas do cérebro dominante levam a uma afasia sensorial do tipo Wernicke,
na qual o paciente, capaz de articular, não pode encontrar as palavras exatas. Chamaram a isto de Perda dalinguagem interior. Na realidade porém, como demons
trou Alajouanine, se trata antes da impossibilidade deevocar voluntariamente as palavras. Estas são utilizadas
no plano dos automatismos do pensamento, mas não podem ser evocadas para exprimir-se senão no caso de fórmulas automáticas, como p. ex., uma locução proverbial.
Um doente não pode dizer o nome da filha, mas a chamacorretamente para lhe fazer notar a própria incapacidade.É partindo da utilização de tais restos automáticos, que se
conduz atualmente a reeducação, que é retomada encarregando a vontade da verbalização cerebral.
Existe a mesma distinção entre simples lesões dos mecanismos de execução e perturbações mais graves, nas quais
a tomada de consciência, o nível psicológico são mais im
plicados. Esta mesma distinção se encontra em outras
apraxias.
Classicamente se distingue entre a apraxia ideomotriz,
na qual o doente não pode executar corretamente gestos
simples, que lhe são ordenados (simples perturbação de
execução) e a apraxia ideatória, que é a incapacidade “ de
estabelecer o plano de ação necessário ao fim proposto,
ainda que a cinética segmentar esteja intata” . Neste úl
timo caso, p. ex., haverá impossibilidade de acender uma
vela com fósforo. Trata-se de uma perturbação psíquica,que não significa perda de inteligência, mas perturbações
da atenção, da memória, da associação das idéias. Mor-laas demonstrou a importância de uma agnosia de utiliza
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 81
ção, isto é, incapacidade, não de reconhecer os objetos, masde manejá-los e utilizá-los corretamente. Sempre a im
portância da sensibilidade ao serviço da motricidade. Aquitambém, os gestos automáticos são menos perturbados do
que os voluntários. O doente pode dar a impressão de nãoquerer. É porque êle se dá conta de sua incapacidade de
execução, quer seja esta meramente motriz, quer concirna
apenas a preparação mental do ato.
Existe, de outro lado, uma perturbação freqüente em
numerosas afecções mentais nas quais a doença não estána execução, que é correta, mas em uma impossibilidade
de querer, que dependa da perda de iniciativa motriz. Foi
mérito de Baruk demonstrar por experiências em animais,
que é de base cerebral tal perda. Êle realizou em 1928, porintermédio de um alcalóide vegetal, a bulbocapnina, acatatonia em diversos animais, que, sob a influência de tal
droga, conservam as mais estranhas e desconfortáveis po
sições, em que eram colocados. O gato permanece imóvel
ainda quando espicaçado, ameaçado com fósforo aceso. Se
alguém o empurrar, resiste negativamente. É possível que
dê um ou dois passos adiante quando violentado, mas
volta logo a negar-se a andar. Se todavia o seu equi
líbrio fôr ameaçado, êle é capaz de fazer todos os movimentos necessários para readquiri-los. Assim, se colocar
mos as suas patas dianteiras em uma cadeira e as trasei
ras em outra e afastarmos estas repentinamente o gato
saltará com facilidade e elegância própria dos felinos, mas
quase imediatamente volta a imobilizar-se. Por vêzes fica
o gato com as patas traseiras na cadeira e as dianteiras pen
dentes dela. “ Ê interessante, diz também Baruk, reunirvários animais em catatonia experimental: gato, rato, ma
caco e pássaro. Ficam êles imóveis ou como bonecos ar
ticulados. Mas apenas passa o efeito da intoxicação, o
gato se joga repentinamente sôbre o rato para devorá-lo,
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o pássaro voa e o macaco recomeça a pular e a trepar poralguma coluna que por acaso exista no ambiente. O fenômeno depende da cortiça cerebral, pois não é notado nosvertebrados inferiores que manifestam apenas tontura, pa
ralisia ou abalos convulsivos. Foi possível também produzir
manifestações análogas por meio de diversas substâncias
químicas e principalmente por toxinas microbianas como atoxina colibacilar. De modo que “ certos tóxicos podem agir
sôbre a Vontade e paralisá-la” . “Esta noção tem conseqüências consideráveis em psicologia” . Com efeito em pre
sença de perturbações patológicas da vontade, guarda-se
a mesma tendência como na presença de “ má vontade” ou
de “preguiça” . Esta atitude é tanto do doente como do
médico. O doente envergonha-se ao sentir que está perden
do a iniciativa e faz a si mesmo graves reprimendas. O
médico, em lugar de procurar as causas desta falta de
vontade, tem a tendência, juntamente com as pessoas que
convivem com o doente, de acentuar as reprimendas e o
sentimento de culpabilidade do doente, exortando-o a “ en
corajar-se” , a “ dar provas de energia” , a “mostrar que tem
vontade” , etc. Uma outra tendência dêstes doentes con
siste em jogar sôbre os outros a causa de sua própria
perturbação, considerando-a como efeito da ação malévola
dos outros, exercida por meio de raios, de hipnose ou demeios sobrenaturais.
Estas duas atitudes se baseiam sôbre a mesma idéia, a
saber, que a Vontade é geralmente considerada como uma
entidade metafísica particular independente das causas ha
bituais de doença, crendo então, por conseguinte, freqüen
temente, que não pode ser ela atingida senão pela pre
guiça ou por alguma ação misteriosa ou sobrenatural. Por
causa da intoxicação, o animal em experiência e o doen
te mental têm suas relações norma,is cortadas com o mun
do exterior, no qual por isto, não podem agir. É êste um
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 83
dos sinais importantes do autismo introvertido da demênciaprecoce ou da esquizofrenia.
Esta ruptura com o mundo exterior, que não se ma
nifesta apenas com a perda da iniciativa voluntária, mas
também com impulsos incoercíveis (que não têm senão as
aparências de um excesso de vontade, pois que dependem
de uma consciência alienada), não é própria somente da
patologia psiquiátrica. O sono, êste repouso periódico docérebro, comporta, como sinais principais, resultando da
inibição e da desorganização cerebral, a perda da vontade
e da consciência. Se no sono profundo fica suspensa tôda
atividade cerebral, não se dá o mesmo no sono mais leve,
no qual pode subsistir a atividade anárquica e fora da
realidade, que é o sonho. Assistindo como espectador ao
desenrolamento do sonho, o Eu do sonho pode dêle participar com uma aparente vontade meramente imaginária.
Entretanto em casos extremos, esta vontade se toma efe
tivamente motriz, no sonho vivido do sonambulismo.
De outro lado, no adormecimento e no despertar se
realizam desequilíbrios bem próximos àqueles da psicopa-
tologia. Com efeito, a consciência pode ser mais resistente
que a vontade e a pessoa, ainda consciente ou despertada,pode ressentir uma inaptidão a agir, quer na euforia do
adormecimento quer na angústia de se sentir paralisada
pela cataplexia do despertar. Isto confirma a necessidade
de um funcionamento cerebral correto para o exercício da
vontade.
Sob o efeito de fatores psicodislépticos de alucinações,
com a mescalina, o paciente é, de início, consciente, masacaba, em um segundo estádio vivendo num estado de sonho,
as próprias alucinações. É esta irrealidade de um mundo
imaginário onde o esforço não existiria, a vontade inútil
que está na origem da toxicomania.
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O DOMÍNIO DE Si
Se as atividades sonambúlicas são normalmente limitadas, já, nos casos extremos, se chega ao “ desdobramentoda personalidade” , no qual alternam duas atividades con
traditórias, aparentemente normais, estando uma das von
tades ao serviço da consciência acordada e a outra, aoserviço da inconsciente. Tais casos não são específicos
somente da patologia do sono, mas aparecem como manifestações de estados epilépticos, nos quais as crises con
vulsivas são substituídas por equivalentes: fugas inconscientes crises de sonolência, impulsos repentinos, etc. A
neurofisiologia moderna, procurando compreender os efei
tos terapêuticos das comaterapias convulsionantes (insuli
na, cardiazol, eletrochoque), acentuou o papel dos centros
reguladores da base do cérebro, nestes fenômenos; êstesmesmos centros, que são implicados na fisiologia do sono
e da vigília. Se a vontade depende da cortiça cerebral, exigeum funcionamento harmonioso desta cortiça, que por suavez, está sob a dependência da regulação pelos centros da
base do cérebro.
E q u i l í b r i o d o a m b i e n t e i n t e r i o r e V o n t a d e .
As p e r t u r b a ç õ e s h o r m o n ia i s .
O funcionamento correto dos centros reguladores, co
mo da própria cortiça cerebral, depende do bom estado
funcional dos neurônios. Importa pois que os alimentos
necessários sejam fornecidos e que os detritos tóxicos se
jam eliminados, a fim de que a matéria viva esteja em boas
condições. A perda da iniciativa motriz por intoxicação
não é senão um caso particular de paralisia eletiva do querer. De fato, tôda perturbação excessiva, para mais ou
para menos, dos caracteres físicos ou químicos do am
biente interior, suprimindo as condições “ óptima” do bom
equilíbrio nervoso, se oporá ao exercício correto da cons-
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 85
ciência, do juízo, da vontade. Nos casos extremos o cérebro parará e o paciente cairá em coma. Se a perturba
ção fôr menor, o paciente parecerá normal mas um exame
atento ou uma situação difícil mostrará a sua incapacidadede julgar, de decidir, de esforçar-se para agir. Pelas con
dições do ambiente, êle será posto na patologia mental. Êo exemplo do qual falamos há pouco, dos efeitos da falta
de oxigênio em altitudes maiores, falta que se encontra
em tôdas as perturbações do ambiente interior, falta ouexcesso de um alimento ou de detrito. Tanto a demasia
quanto a falta são prejudiciais. Nosso cérebro não funciona corretamente senão em condições “ optima” . É ne
cessário bastante oxigênio, mas a demasia dêste gás vitalé tóxica. O oxigênio sob pressão no nado submarino levaa manifestações epilépticas, às quais se ajunta a embria
guez das profundidades, devida à ação narcótica do excesso
de azôto e em parte, do gás carbônico, que faz esquecer asituação, levando o nadador a retirar sua própria máscara.
O gás carbônico, detrito respiratório, é perigoso, quando
em excesso e tem influência na asfixia. Mas nossas células
têm necessidade da quantidade normalmente presente nosangue, por causa do mecanismo da respiração. Uma baixa excessiva, que é fator de alcalose gasosa, leva a con
vulsões tetânicas. A respiração exagerada em ritmo e amplitude (hiperpnéia) modifica a atividade elétrica do cé
rebro e revela o temperamento epiléptico. Fora das condições normais de temperatura, asseguradas por mecanis
mos termoreguladores precisos, a hipotermia (fator de lentidão psíquica e de coma) como a hipertermia (fator e
fonte de delírios) se opõe ao Domínio de si mesmo.
Do mesmo modo agirá, qualquer forma de perturbação do funcionamento cerebral quer se trate de falta de
sangue, de insuficiência circular ou respiratória ou de umamodificação específica em tal fator preciso. O Domínio
de si mesmo exige a saúde do cérebro. Se é fácil por em
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86 O DOMÍNIO DE SI
evidência a repercussão das perturbações mais graves, épreciso também saber que a sensibilidade do cérebro e dos
centros reguladores é extrema e que tudo quanto agir sôbre
o organismo, se manifestará por um desequilíbrio nervosolatente, revelado por certos métodos de avaliação sensíveisdo equilíbrio nervoso, p. ex., a medida dos tempos de exci
tação elétrica dos nervos (cronaxias). Sob o efeito do
barulho, alguns roedores mais sensíveis chegam a ter crise
epiléptica, dita audiógena, às vêzes mortal. A medida dascronaxias mostra a generalidade da desequilibrante dos barulhos sôbre os centros nervosos, em particular no homem.
Mas um silêncio total (câmara insonora) é também desequilibrante. O cérebro quer sempre o “ optimum” .
É conhecida a importância das vitaminas fornecidas por
uma boa alimentação para o bom funcionamento celular.
Com efeito a patologia revelou as perturbações nervosasdevidas à carência de certas vitaminas, p. ex., as crises
de polinevrites do beribéri ou a demência pelagrosa. Umamãe carenciada de vitamina PP antipelagrosa (porque seprivava de carne, durante a ocupação alemã, para dá-la
aos filhos) manifestou uma aversão psicopatológica irres
ponsável contra os próprios filhos, curados justamente pe
las vitaminas das quais ela se privara. Também aqui a
cronaximetria revela ser preciso um “optimum” de tôdas as
vitaminas para um bom equilíbrio nervoso. Quer a fal
ta quer o excesso delas são fontes de um desequilíbrio la
tente, que, apesar de não manifestar-se por efeitos espe
taculares, como nos casos precedentes, não produzirão me
nos dificuldades.
Juntamente com as vitaminas, o sangue leva ao cé
rebro outras moléculas indispensáveis, os hormônios, pro
duzidos pelas glândulas endócrinas. A falta de hormônio
por insuficiência endocriniana ou o excesso dela, por hi-
perfuncionamento tumoral ou por administração terapêu-
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 87
tica demasiada, perturbam tôda a atividade nervosa. Nosso desejo de esforço voluntário, nossa tendência à atividade ou à cólera e, inversamente, nossa recusa de esforço,
nossa preguiça, nossa apatia, encontram freqüentementea própria causa na patologia endocriniana. Antes das re
primendas e dos conselhos morais, seria necessário um balanço endocriniano.
Tal menino preguiçoso ou colérico é de fato um doen
te. Não será possível injetar-lhe vontade ou calma. Masse se lhe administrassem os hormônios requeridos, ser-lhe-
-ia restabelecido o equilíbrio nervoso, permitindo-lhe então
vontade e calma. O Domínio de si mesmo exige um “tô-nus” nervoso “ optimum” , que, por sua vez, depende devariados hormônios. Em primeiro lugar, o hormônio tiroi-
diano, hormônio de ativação celular, cujo excesso leva a
hipernervosismo e a uma porta aberta para a doença deBasedow; e cuja falta provoca a lentidão do mixedema doadulto e a idiotia na criança. Há também os hormônios
da glândula supra-renal, a adrenalina da glândula medu-
lo-supra-renal (hormônio do esforço e da emoção), os hor
mônios esteróides da glândula córtico-supra-renal, regula
doras do quimismo celular, cuja ausência é também fator
de fatigabilidade excessiva. Uma carência supra-renal é
a grande causa das fadigas. É gastando a supra-renal queos mais variados choques nos desequilibram.
Sem querermos passar em revista todos os hormônios,
todos êles importantes para o equilíbrio nervoso, assina
lemos porém ainda os hormônios sexuais. A diferença de
fôrça entre o macho e a fêmea vem da influência respec
tiva da testosterona e da foliculina. Ao equilíbrio perma
nente do hormônio masculino corresponde o ciclo femini
no ovariano que submete a mulher aos dois desequilíbrios
caracterizados das regras e da ovulação, quando a foliculi
na ganha sôbre a progesterona ou inversamente. Se é nor-
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88 O DOMÍNIO DE 81
mal ser submetido a estas influências, a patologia endocrinia-
na, agigantando-as, leva a graves insuficiências ou impos-
sibilidades de Domínio de si mesmo, que alienam a liberdade
e nas quais a responsabilidade fica atenuada.
O sistema nervoso, apesar de submeter-se passivamen
te às perturbações endocrinianas, pode também ser res
ponsável de dar-lhes início, perturbando-se assim a si mes
mo. Para facilitar o esforço, o sistema nervoso inicia, quer
diretamente pela inervação ortossimpática das glândulasendócrinas, como a medulo-supra-renal, quer indiretamente,
por meio dos hormônios hipofisiários, a produção de hormô
nios. Pedindo, às vêzes, às glândulas um esforço excessivo,
pode desgastá-las tomando-as insuficientes. Ê um círculo
vicioso que se estabelece assim entre os hormônios e o sis
tema nervoso. A emotividade excita a tiróide e a supra-
renal, que, de seu lado, por seus hormônios, acrescem aemotividade. Tôda a endocrinologia sexual está sob a de
pendência do psiquismo.
H a v e r á m e d i c a m e n t o s p a r a a v o n t a d e ?
Esta química das desordens da vontade explica a existência de “ medicamentos” , ditos “ da vontade” . Pode-se
acalmar ou ativar um sistema nervoso desequilibrado quer
corrigindo o fator específico de desequilíbrio, quer admi
nistrando uma substância estranha acalmante ou excitante.
Vamos conhecendo cada vez melhor o modo de ação
neurofisiológica dêstes medicamentos e dispomos de me
dicamentos cada vez mais eletivos para tôda espécie decomportamento. Foram também feitos reais progressos no
conhecimento das desordens neuroquímicas, bases dos dese
quilíbrios e já se começam a compreender os mecanismos
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 89
químicos íntimos da ação dos medicamentos nervosos. Êstes
são freqüentemente ativos sôbre a química específica da
transmissão dos influxos entre os neurônios, fazendointervir substâncias várias com enzimas ativadoras e
destruidoras.
Restam porém, ainda, muitas incógnitas, tomando
assim a terapêutica muito empírica e imprecisa. Ê inútil
esperar a solução milagrosa da facilidade da vontade,obtida por pílulas e sem esforços. Sendo a personalização
da conduta por uma utilização correta do cérebro, nunca
será a Vontade, criada por um medicamento. Aquilo que
êste pode é acalmar um desequilíbrio nervoso, e, restabe
lecendo um funcionamento correto, restituir a aptidão à
Vontade, tranqüilizando-a por exemplo, acalmando uma emo
tividade anormal. Não convém esquecer porém, que a ação
medicamentosa é sempre o primeiro estágio de uma açãotóxica. Para ser prudente é necessário reservar os medica
mentos para as circunstâncias excepcionais e para as doen
ças. O êrro atual é de pedir aos medicamentos aquilo que
se deveria obter por um esforço pessoal de higiene e de
Domínio sôbre si mesmo. Permitindo que evitemos o es
forço, êstes medicamentos nos tornam incapazes de o fa
zermos, fazendo de nós uns desequilibrados, que ficam tendouma falsa necessidade do tóxico. Nosso cérebro desequili
brado não achará mais seu próprio equilíbrio senão ao
preço de nova intoxicação. O aguilhão do álcool restitui ao
fatigado a coragem em viver e de agir, mas êste querer
artificial e transitório o sujeita ao álcool, ao tóxico, levan
do-o à intoxicação alcoólica, com conseqüente perda total do
Domínio de si mesmo. Ao contrário, sabiamente utilizados,
os medicamentos (entre os quais o álcool e o café) permitem
saber querer e assim, poder dispensá-los. Tomados em
excesso são verdadeiros tóxicos da vontade, suprimindo tôda
possibilidade de Domínio sôbre si mesmo, depois de haver
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90 O DOMÍNIO DE SI
fingido assegurá-la. Nada jamais nos dispensará do esforço
necessário para conduzir-nos como Homens, isto é, comocriaturas racionais.
V o n t a d e e n e u r o s e s .
Mas há ainda outra fonte de comportamentos patológicos opondo-se ao exercício da vontade, na qual o cérebro
não está lesado nem submetido a condições anormais eno entanto, não é possível o Domínio de si mesmo. Sãoos comportamentos neuróticos, cuja origem nos foi preci
sada pela psicanálise e cujos mecanismos nervosos a neuro-fisiologia nos está fazendo compreender. Nas psicoses há
uma perturbação grave da consciência pessoal, havendopossibilidade que desordens da química do cérebro tenhamnelas importante papel. Nas neuroses o paciente é normal,
mas manifesta, em certas circunstâncias, condutas racionalmente inexplicáveis: é sujeito a impulsos incoercíveis oua inibições não menos constrangedoras. Não pode deixar defazer certas coisas e sente-se impedido de fazer certas outras.
Tornamos a encontrar aqui no patológico uma talacentuação do normal que passamos da ordem da tenta
ção para a da alienação. Nossa neurofisiologia normal nos
privava de vontade durante o sono e nos limitava pelas
influências hormonais. Estas condições normais tornavampossível tôda uma patologia psiquiátrica da vontade. Vi
mos da mesma forma, que o funcionamento do cérebro é emsi mesmo, um automatismo inconsciente; a tomada de cons
ciência não é senão um “ processus” superior acrescentado.
Não é possível normalmente, ser consciente de tudo: dos
mecanismos elementares das sensações e do pensamento,
do trabalho cerebral inconsciente, que surge repentinamen
te nas intuições, de todo êsse funcionamento cerebral en
fim, que, quando normal, escapa constitucionalmente, à cons-
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 91
ciência e à vontade. Quanto às nossas lembranças, muitasestão já esquecidas e de outras só nos lembramos quandocircunstâncias imprevistas provocam a evocação delas. O
mérito de Freud, fundador da psicanálise, foi de mostrar
que certos aspectos inexplicáveis de nossos comportamen
tos, certos traços de caráter, certas doenças ditas psicossomáticas tinham sua origem no inconsciente. Nem tôdas
as lembranças, das quais não temos consciência, estão esquecidas, mas sim em estado de possibilidades virtuais
em algum estoque cerebral, cujo mecanismo não conhece
mos ainda bem. Há lembranças presentes em nosso cérebro,mas cuja tomada de consciência é impossível por causa
de uma inibição, chamada recalque. Uma tal lembrança,
isolada do psiquismo consciente, é um complexo, que se
revelará por manifestações neuróticas, um impulso ou desgosto incoercível, uma perturbação visceral, levando até
a pensar em doença orgânica. O recalque, ainda que fator
de desordens neuróticas é um mecanismo de defesa, elimi
nando recordações ligadas a um choque afetivo durante
a infância. Diante do defeito de alguém, não basta poisfazer apenas um balanço orgânico, eliminando, p. ex., as
glândulas endócrinas, mas é necessário também um balançopsicológico. A neurose aparece como sendo uma fuga nadoença, para esconder um complexo inconsciente. Se uma
criança é preguiçosa, sem razão endocriniana, é necessário,antes de qualificar como pecaminosa a preguiça dela, ver se
não está inibida por algum desequilíbrio neurótico, prove
niente, p. ex., de um ciúme recalcado, devido ao nascimento
de um irmãozinho, que lhe não souberam fazer aceitar.
A lenta confissão psicanalítica, a interpretação dos
sonhos e eventualmente, a facilitação pelos hipnóticos na
narcoanálise (na qual a inibição geral do cérebro suprime
as inibições dos recalques) levam a reconhecer a origemdas manifestações neuróticas e psicanalíticas. Isto vai per
mitir, pela tomada de consciência (que é realizada pela
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92 O DOMÍNIO DE S I
síntese cerebral personalizante) suprimir as manifestações
desequilibrantes. Lá onde tecnicamente, a psicanálise vê o
conflito do consciente e do inconsciente, a neurofisiologiapavloviana nos acostumou a perceber os mecanismos ce
rebrais do conflito entre excitação e inibição (fator de an
gústia) e a repercussão sôbre os centros reguladores dabase do cérebro, responsáveis do equilíbrio visceral, isto é,
de tudo aquilo que é mantido à margem da tomada deconsciência. Quem diz psicossomático, diz córtico-visceral,
isto é, interação entre a cortiça cerebral e os centros
hipotalâmicos do equilíbrio visceral, da sabedoria do corpo.A psicanálise nos ensinou uma grande prudência ao tratar
mos da espontaneidade, da vontade e da responsabilidade.
Se devêssemos situar a liberdade em alguma brecha entre
os determinismos, não haveria lugar para ela, visto como
nossos mais espontâneos comportamentos podem originar-se
nas motivações do inconsciente. Mas ser livre não é simples
mente não ter determinismos, mas sim ser capaz de dominá-los. Isto é possível para um cérebro normal, coisa que
não acontece ou, pelo menos, não suficientemente, para um
nevrosado.
H ip n o s e e s u g e s t ã o .
Êste cérebro nevrosado é um cérebro fraco, seja pelasua própria constituição, que o toma mais frágil aos fa
tores nevrosantes, seja por ter-se enfraquecido por um cho
que emotivo nevrosante. O cérebro fraco não é simplesmen
te um cérebro menos apto aos esforços voluntários e assim
susceptível de iludir-se, tomando por vontade automatis-
mos incoercíveis vindos do inconsciente. Êle é além disto,
um cérebro aberto à influência de outrem, isto é, suscetí
vel de ser sugestionado, quer dizer, de executar a vontade
de outrem, assumindo-a pessoalmente sem reflexão. A su
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 93
gestão aparece, de fato, como sendo o inverso da persua
são e da conversão, que é a adesão racional e refletida a
uma argumentação. Os neuróticos, particularmente os histéricos, são especialmente sugestionáveis e em primeira linha com a auto-sugestão, fator de numerosos sintomasneuróticos. Um caso espetacular é o da sugestão pós-hip-
nótica, pela qual o paciente a quem foi dito, sob hipnose,que fizesse tal ou tal ato em determinado momento, depois
de acordado. Ê o que êle fará sob o comando de uma in
tuição, que assume pessoalmente, apesar de tratar-se deinfluência de uma vontade de outrem, inscrita no incons
ciente dêle. Esta vontade estranha só será porém eficazenquanto não impuser atos demasiado contiários à moral
do interessado. As manifestações espetaculares da hipnose,
que originaram as pseudofeitiçarias e as pseudopossessões
encontram-se em nevrosados de cérebro fraco. As pessoas
mais normais não são capazes de fenômenos tão espetacula
res, acompanhados de sono hipnótico, no qual a vigilânciase limita à relação com o hipnotizador.
Pode-se, contudo, abaixar a resistência de indivíduos
normais menos sugestionáveis. É o que fazem os hipnóti
cos utilizados na narcoanálise. Esta, ainda que fazendodesaparecer os recalques, não é o famigerado sôro da ver
dade, pois resta sempre uma possibilidade de resistência e
de mentira. Mas o paciente se torna sugestionável e pode-se
então, fazer com que êle confesse tudo quanto fôr desejado
que êle confesse. Aquilo que os jornalistas chamaram ex
pressivamente como “ lavagem do cérebro” é o conjunto das
práticas neurofisiológicas e psico-sociológicas, permitindo
cientificamente diminuir a resistência cerebral, enfraquecendo a vontade e submetendo hipnòticamente o paciente a uma
vontade estranha, contrária às suas convicções. Esta prática não tem eficácia definitiva senão mantendo o condicio
namento. Ê porém profundamente chocante e desequili-
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94 O DOMÍNIO DE SI
brante. Também aqui, se a hipnose pode ser útil, utilíssima,
em diversas afecções psicossomáticas, não é para ser re
comendada aos indivíduos normais.Apoiados sôbre o conhecimento das leis pavlovianas
da neurofisiologia do cérebro humano, pôde-se assim construir, quer uma ação desumanizadora, visando diminuir a
consciência e a vontade; quer uma ação super-humanizado-ra, tendente a dar a cada um uma melhor possibilidade de
verdadeira vontade. Não, sugestionando, isto é, diminuindo
sua consciência, mas explicando-lhe racionalmente, ensinando a aumentar a própria consciência.
É o caso, por exemplo, do parto sem dor, pelo método
pavloviano psicoprofilático, no qual, ensinando-se à mãe a
dirigir pessoalmente o próprio parto, recusando o precon
ceito social da dor, por isto mesmo se torna o parto vo
luntário e consciente, isto é, humanizado, indolor. Ê um
exemplo que deveria ser generalizado. O médico não de
veria fazer abstração do psiquismo nem tampouco sugestionar seu paciente, mas sim explicar-lhe tudo quanto aca
bamos de dizer, pedindo-lhe sua colaboração pessoal no atoda cura.
A PSICOCIRURGIA E OS SEUS PERIGOS.
Uma prática análoga à lavagem do cérebro, mas infinitamente mais grave, são as operações de psicocirurgia.
Aqui a transformação da personalidade se baseia numamutilação cerebral definitiva, justamente de uma parte es
sencial do cérebro humano: a região pré-frontal, sede do
Domínio de si mesmo. Retirar esta dita região por lobo-
tomia (quer se trate de leucotomia ou de topectomia) é
suprir ou diminuir a aptidão ao domínio livre, à inquie
tude humana, que se preocupa de um futuro melhor. O
paciente que perde a aptidão a utilizar a plena dimensão
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 95
da própria vontade, é mais facilmente sugestionável. A l
guns dêsses operados sofrem enormemente, outros caem
numa euforia indiferente, que lhes esconde a própria diminuição. Se se tratasse de indivíduos normais, uma talmutilação seria evidentemente inadmissível: não se con
verte ninguém tomando-o inapto a querer, mas fazendocom que perceba pessoalmente o Bem. Tais operações só
são feitas em doentes mentais incapazes de verdadeira von
tade, que foi nêles supressa ou mutilada pela inquietudepsicopatológica. Tal operação se apresenta assim como um
mal menor, que suprime uma perturbação por uma insu
ficiência: a inquietude anormal dá lugar a uma placidez
exagerada.
Aquêles que, como Baruk, se opuseram a tais opera
ções estavam inteiramente com razão, na medida em que
era possível esperar, com o progresso da medicina, umamelhor solução. Hoje, de fato, tais mutilações são desne
cessárias, pois são substituídas pelos tranqüilizantes e ti-moanalépticos, que acalmam as manifestações patológicase permitem que os pacientes assim tratados possam recor
rer à psicoterapia ou à reeducação pelo trabalho (ergote-rapia) ou ao jôgo em comum (ludoterapia), tôdas bem
mais humanas. Contanto porém que êstes métodos não se
jam senão um estádio transitório e que não se chegue aos
excessos simbolizados pela camisa de fôrça química oulobotomia química, na qual não se trata mais de educar a
consciência e a vontade, mas de suprir as deficiências da
verdadeira vontade, acalmando artificialmente os impulsos
patológicos.
O CANHOTISMO CONTRARIADO.
Não é apenas o conflito neurosante da excitação e da
inibição nos recalques que impede o pleno Domínio de si
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96 O DOMÍNIO DE SI
mesmo. Êle se manifesta em desordens análogas quer no
plano psicológico, quer no plano das repercussões psicos
somáticas, quando tal conflito não tem origem psicológica.Normalmente existe um hemisfério dominante, o da linguagem, que é o esquerdo nos destros. Se alguém fôr obri
gado a servir-se primacialmente do hemisfério dominado(caso dos canhotos aos quais se obrigar a escrever com a
mão direita ou daqueles que devem utilizar o ouvido não--diretor) produz-se um conflito entre os dois hemisférios, re
sultando disto a tartamudez e outras manifestações neuró
ticas, corrigidas apenas pelo restabelecimento do papel diretor do hemisfério dominante.
A FADIGA NERVOSA.
As deficiências da vontade num paciente educado, não
dependem hoje apenas e unicamente dêsses conflitos neu
rológicos de origem neurótica ou não. Há um fato de rebaixamento dos podêres cerebrais, que, apesar de menos
patológica, tende a expandir-se cada vez mais. Se perder
mos o esforço de querer, não é unicamente por causa da
patologia do cérebro, da patologia hormonal ou das neuroses. É porque nos pomos imprudentemente em condições
de vida esgotadoras.
Nestas condições, nosso cérebro, desequilibrado pelanossa falta de sabedoria, se torna incapaz de assegurar a
direção consciente e voluntária de nossa conduta.
Esta causa suplementar da impossibilidade de querer
é a fadiga. Não a fadiga física muscular tradicional, que
obrigava ao repouso e ao sono, mas o aspecto moderno dafadiga, que é a fadiga nervosa, a “surmenage” , o esgota
mento. As neuroses da fadiga são pseudoneuroses, isto é,
não são conflitos psicológicos e recalques, de si neurógenos,
mas sim as condições de vida. Se os estandardistas sucum
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PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 97
bem à fadiga, não é por falta de equilíbrio, mas pelas condições inumanas de trabalho, em que vivem; no barulho,
na multiplicidade de tarefas, na produtividade, no controle autoritário e incompreensivo. Para fazer com que saiam
dêste desequilíbrio, que os obriga, depois do trabalho, a
relaxar-se quer num repouso total, quer num passeio ener
vado, não é necessário psicanalisá-los nem enchê-los de
tranqüilizantes, mas simplesmente humanizar o trabalho dê-
les e também procurar aumentar-lhes a resistência.
A neurofisiologia moderna expressa-nos bem êste paradoxo, que é o progresso de uma fadiga, que se toma cadavez mais nociva, justamente quando a automação generali
zada do trabalho e da vida deveria aliviá-la.
Temos na base do nosso cérebro centros reguladores,responsáveis pela harmonia tanto das funções cerebrais
quanto ao funcionamento de todo o organismo. Êles asse
guram o bem-estar de nosso corpo, pedindo-nos um esforço de adaptação que fazemos mal em desconhecer, exigindo-
-lhes pelo contrário, esforços exagerados, que nos conduzem
ao desequilíbrio e à patologia. Sabemos hoje cientificamente
que coisa é ser enervado, crispado e também tudo quanto
precisa ser feito para remediar e fazer repousar os centros
reguladores perturbados. São desequilíbrios análogos, es
forços análogos para o organismo: subir destreinado cor
rendo por uma escada acima e ser vítima de um cuidadoangustiante. São de fato os mesmos centros reguladores,
responsáveis pela harmonia do corpo, que determinam a ace
leração respiratória e circulatória, proveitosa tanto a quem
sobe rápido por uma escada quanto a quem sente as perturba
ções somáticas da emoção. Tôda a harmonia cerebral exige
um bom funcionamento dêstes centros reguladores respon
sáveis da vigilância e da atenção. Se a fadiga enerva taiscentros não seremos mais capazes de consciência e de von
tade corretas. O esgotamento nervoso é o grande fator
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da impossibilidade de domínio de si mesmo, no mundo atual.
Longe de desculpar a ausência de Domínio de si mesmo
pelo enervam ento e tentar remediá-la pelo álcool ou pelostranqüilizantes, o que é preciso, ao contrário, é restabelecer
a possibilidade de domínio, mudando as condições inumanas
da vida. Não deixando, é claro, de ensinar a cada um, seuspróprios recursos cerebrais de relaxamento e de luta contra
a fadiga nervosa. Recursos em geral, ignorados ou negli
genciados, quando são de fato o segrêdo da verdadeira von
tade (métodos de relaxamento, estudados mais adiante).
Uma compreensão errônea e implicações da psicanálisee da significação da moral levaram muita gente a pensar
que a Moral é desequilibrante por se opor às tendênciasnaturais do ser, aceitando-se como origem dos recalques
a barreira constrangedora imposta sociologicamente por um
super-Ego desequilibrante.
A verdade porém é que a Moral não é desequilibrante,mas sim a caricatura legalista dela, que consiste em opor
a Moral a falsos instintos naturais, que não são senão pre
conceitos sociais.
Pelo contrário, atualmente a Moral aparece cada vez
mais como uma higiene de ordem superior, necessária para
nosso equilíbrio e garantia de um funcionamento cerebral
normal, que permite assim verdadeira liberdade e vontade.Os fatores da fadiga nervosa são faltas de higiene, devidas
à nossa ignorância das condições do equilíbrio humano. Co
mo guardar um cérebro equilibrado quando as condições de
vida moderna são um meio impróprio para um tal equilí
brio? Indiquemos, entre outras, a falta de oxigênio num ar
infectado de gás de escapamento ou de fumaça; o barulho,
êsse grande fator de fadiga nervosa (como já dissemos aci
ma) ; as condições sociológicas de relações humanas desu-
manizadas, nas quais o indivíduo é, segundo o momento, de-
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PATOLOGIA DO CEREBRO E. 99
masiado livre ou demasiado constrangido, afogado como fica,numa multidão, quando o equilíbrio psicossomático humano
exige uma comunidade fraternal. Verdadeiramente o que
deveria surpreender não é que sejam tão numerosos os desequilibrados, inaptos a saber querer, mas sim que em taiscondições de vida como são as nossas, reste ainda alguém
capaz de conservar o equilíbrio. Isto não nos deve levar
apenas a lamentar um passado onde as condições primitivas
de vida não permitiam tampouco o necessário equilíbrio, mas
sim deplorar que o melhoramento de nossos conhecimentos,longe de cooperar para um tal indispensável equilíbrio, o
tenha proposto às proezas técnicas e econômicas.
Nossa fadiga e as suas conseqüências, assim como tô-
das as doenças e neuroses da civilização deveriam, se fossem bem compreendidas, ser um sinal de alarme. Infeliz
mente não compreendemos a origem delas e nos contentamos em esperar desesperadamente por um remédio mágico,
que nos livraria dos efeitos sem que nós afastássemos as
causas! Tal remédio não existe e até, se existisse seria piordo que a doença, pois nos dispensaria do esforço de plena
reflexão e de plena liberdade. Ora, só êste esforço é que^os permitirá humanizar a vida com tôda a lucidez.
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tVotai Çsteves da ç^iloa Acad. Filosofia . UF G
Fone: 225 9S !0
4A obrigação de saber querer
e os perigos da ignorância
V e r d a d e ir a e f a l s a l ib e r d a d e .
Que haja doenças que limitam ou suprimem a vonta
de; que seja necessário prestar atenção às nossas condi
ções de vida a fim de não perdermos o Domínio de nós mesmos, como acontece com os enervados; nisto, todos os
entendidos concordam. Ê preciso cuidar dos doentes para
restituir-lhes a saúde. Ê preciso desenvolver a higiene pública para prevenir as doenças. Está tudo nisto, pensamos
nós. Basta ser normal e têrmos, pela nossa própria constituição cerebral, o poder de querer segundo nosso desejo, e
o poder também de não querermos se assim nos parecer.
Não está por acaso nisto justamente a Liberdade? Nãoexige porventura a tolerância que deixemos cada um livrede decidir-se em função de suas próprias convicções?
Não é possível haver unanimidade naquilo que é neces
sário querer e também no papel da vontade e da fanta
sia. Quando o médico e o psicanalista conseguiram curar
o patológico, concluíram sua missão restaurando a Liber
dade. Devem abster-se de interferir abusivamente fora dopróprio campo, isto é, interferir no uso livre que cada umpode fazer da própria Liberdade. Neste ponto não nos
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102 O DOMÍNIO DE SI
devemos limitar, além de nossa moral pessoal, senão pela
necessidade de não importunar os outros e não perturbar
a ordem pública.
Tal é a opinião comum. Ela é justa na medida em
que nada se deve impor e em que cada um deve decidirlivremente aquilo que deve fazer. Não devemos obedecer aimposições mas sim àquilo que nos parece justo. Toda
regra social à qual não cremos é um constrangimento ex-
temo, que arrisca ser desequilibrante. Temos que com
preender e aceitar a necessidade dela.Mas é falso pensar que cada um é livre de inventar a
própria Moral, como se não houvesse valores comuns, que
dependem do fato de que sendo, como somos, sêres humanos, devemos conformar-nos à natureza humana.
Ê grave preconceito pensar que alguém sendo um ho
mem normal, provisto de um cérebro humano funcionando
corretamente, é automàticamente um ser livre que pode,sem inconveniente algum, fazer o que bem lhe aprouver.
Nosso cérebro, como as máquinas, deve ser utilizado cor
retamente, conforme à própria constituição, conforme àqui
lo para que foi êle feito. Não somos livres senão de fazer
livremente o Bem, pois que o Mal é uma imprudente e
errada utilização do cérebro, visto como neste caso o homem
arrisca a própria aptidão à Liberdade. Fazer voluntària-
mente o Mal é comportar-se como um doente.
Mas quem faz voluntàriamente o Mal? Acabamos de
relembrar tôda uma inteira patologia do comportamento
na qual aquilo, que parecia pecado responsável, é de fato,
uma atração incoercível, que suprime tôda possibilidade de
domínio e de escolha.
Suponhamos (o que seria uma utopia) homens perfeitamente reequilibrados e restituídos à própria liberdade
por uma medicina e psicoterapia perfeitas. Se escaparmos
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A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 103
ao êrro de crer que farão obrigatoriamente só o Bem, cai
remos certamente na tentação de pensar que, na plena lu
cidez em que estão, poderão livre e voluntariamente optar
entre o Bem e o Mal. Qual pode ser uma opção livre e
/úcida a qual um tem sua própria definição do Bem e do
(Víal? Seria tal opção um simples negócio de gôsto pessoal?
Para fazer voluntàriamente o Bem é preciso compreen
der a significação disto. Não somente na relatividade de
uma moral individual de situação mas de um ângulo de
visão, que vise sempre a melhoria humana em tôdas as
situações.
Ao contrário do que geralmente se pensa, a vontade
de fazer o Mal não é tão comum quanto possa parecer. Se
reina o Mal na sociedade humana é porque os homens não
são livres ou, pelo menos, não sabem usar a própria Liber
dade. Mais do que malvados são doentes, fracos, ignoran
tes, imprudentes. Quem ousaria calcular exatamente a par
te de responsabilidade dos chefes hitleristas nas suas atroci
dades, produtos de uma mistura de patologia mental com
estupidez?
Erramos quando pomos oposição total entre normal e
patológico. Apesar de suas motivações serem diferentes,
é justo que dominemos com o mesmo nome (preguiça ou
cólera) um mesmo comportamento, seja êle determinismo
patológico ou livre decisão. Escolher a preguiça, a cólera,
chamadas de Mal pelo moralista, por uma decisão que cre
mos ser livre, é extremamente imprudente, pois quem nos
assegurará que não estamos iludidos e que não estamos
senão curvando-nos à patologia hormonal ou aos comple
xos ignorados de nosso inconsciente?
Ê significativo que, exaltando todos os “ alimentos ter
restres” , A. Gide tenha feito sobretudo a apologia da neu
rose, à qual o havia conduzido uma educação puritana,
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104 O DOMÍNIO DE SI
isto é, sua ausência total de liberdade e de lucidez. Mas
há coisa mais grave. O indivíduo são traz em si mesmo
determinismos normais, tão alienadores quanto os deter-minismos patológicos. A diferença está em que êle pode
aprender a dominá-los. É isto que temos chamado de tentações naturais de desnaturação ou de fixação em um nível
de natureza inferior e incompleto. Se um degrau de des-
continuidade separa o patológico do normal, apesar da iden
tidade das aparências, é preciso também não esquecer a
dimensão da continuidade. A patologia endocriniana nãosuprime nossa liberdade senão porque temos hormônios comatividade sôbre os centros nervosos. Nos limites do normal,
êstes hormônios tornam mais difícil o domínio sôbre nósmesmos. Os complexos do inconsciente não são alienadores
senão porque a neurofisiologia cerebral comporta possibilidades limitadas de tomada de consciência. Imenso é o campo
do inconsciente: é mais fácil não refletir e não querer!
Curioso paradoxo! Esta supercomplexidade do cérebrohumano tanto nos dá o poder de fazer bem melhor que
o animal, quando refletimos, quanto o de fazer freqüente
mente, infinitivamente menos bem, quando não refletimos.
Ser livre, querer, refletir, não é uma fatalidade, mas sim
um dever, apesar de difícil.
A mais importante mensagem cultural e humanista
da neurofisiologia do cérebro humano é de marcar com pre
cisão as condições do querer humano, que não é humano
se não fôr vontade do Bem. Não somos livres senão para
conduzir-nos como Homens. Recusar fazer o Bem é uma
grave imprudência, é um risco de desumanização para nós
e para os outros. O homem não realiza sua natureza hu
mana senão quando cumpre livremente o Bem. É preciso
desfazer o preconceito que aponta o fácil como natural parao homem. É fácil para o animal ficar na sua natureza ani
mal seguindo os automatismos de seus bons instintos. Não
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A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 105
se dá isto com o homem, que deve descobrir pela Reflexão
aquilo que é bom para si.
O grande obstáculo atual à liberdade, postos uma vez
de lado os obstáculos patológicos e os resultados da fadiga
nervosa, é a ignorância, a falta de cultura sôbre as leisdo funcionamento de nosso cérebro. Mas, digamos tôda
a verdade. Ainda que amanhã desapareça esta incultura,
nem por isto desaparecerão tôdas as dificuldades no domínio de nós mesmos. Ninguém poderá conduzir-se co
mo Homem ignorando as condições do equilíbrio humano,mas sempre será difícil ser verdadeiramente Homem, aindaquando uma educação adequada tenha facilitado o exer
cício da lucidez e da vontade. Como não será válida se
não uma conduta humana livre baseada num engajamento pessoal, restará sempre a possibilidade de dizer NÃO,
apesar dos mais sérios e objetivos argumentos a favor do
Bem. Ê esta a enfermidade fundamental mais grave dohomem. Subsistirão sempre tentações naturais de desnaturação, pois teremos sempre hormônios, necessidades, impulsos para um Bem fácil. Tais tentações serão ainda mais
agravadas por uma misteriosa aptidão a recusar o bem, ain
da que racionalmente apresentado como sendo o segrêdo da
saúde, do equilíbrio e da felicidade. Um tal ilogismo de
nossa liberdade deveria levar-nos a tomar em consideração
sua interpretação metafísica, isto é, êsse desequilíbrio deorgulho de um ser fraco, mas responsável. Desequilíbrio
expresso, no Cristianismo, pelo Pecado Original.
A s a t i s f a ç ã o h u m a n a d a s n e c e s s i d a d e s .
A neurofisiologia nos atesta que o cérebro humano éo órgão da liberdade. Não haverá porém contradição seafirmarmos que bem poucos dos atos dos homens normais
são livres. Isto é verdade, simplesmente porque não sabe
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106 O DOMÍNIO DE SI
mos ser livres, não sabemos que coisa seja querer, nem oque querer. Cultuamos a espontaneidade e recusamos cris
par-nos sempre no esforço. Estabelecemos por isto em nós,cômodas barreiras: há a vida animal do corpo, a vida in
telectual e racional do pensamento, a vida espiritual. Acada uma o seu lugar! Infelizmente estas separações são
artificiais pois não há senão a vida humana, vida espiritual encarnada: não há vida animal do corpo, mas sim a
vida humanizada de um corpo humano que não tem mais
nada de animal. Não se trata pois de dar vez ao corpo ou
de dominá-lo em nome de um espiritual desencarnado, fatorde recalques. Nem sequer de utilizar, a fim de evitar recalques, as energias inferiores, mudando-lhes o leito, trans
pondo-as a um plano superior (“ Sublimação” em psicaná
lise). De fato, êste é um conceito ambíguo. Em lugar de
ignorar o impulso e de deixar que faça estragos incons
cientemente, é êle endereçado a uma utilização mais hu
mana. A verdade não está na sublimação do interior (oque poderia levar ao êrro de negar a própria existência do superior), mas no reconhecimento que o inferior
humano é um inferior incompleto e mutilado, que não
tem existência própria e que é feito para ser comandadopelas estruturas superiores. Não há no homem, difícil
conflito entre o amor superior, espiritual desencarnado e
o impulso erótico genital, mas o verdadeiro amor hu
mano é o encargo do sentido do erótico pelo espiritual.Não é humano e completo senão o erótico espirituali
zado, isto é, humanamente dominado ou o espiritual
encarnado na conduta dos reflexos sensuais genitais. Ê
que o homem, apesar de ter um triplo aspecto hierar
quizado, não é um ser duplo (alma e corpo) ou triplo
(corpo, alma, espírito). Êle se exprime nas estruturas uni
ficadoras de seu cérebro com 3 andares. Não há a justaposição do cérebro do instinto e da afetividade unificadora
do corpo e do cérebro da inteligência, da tomada de cons-
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A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 107
ciência e da relação social, mas sim encargo do cérebro
primário e de suas necessidades pelo cérebro da inteligên
cia e unificação suprema do instintivo-afetivo elementare do racional pelas estruturas superiores pré-frontais, co
mo já dissemos atrás. Dar primazia ao espírito não é re
calcar o inferior, mas dar-lhe sua significação humana.Não é um corpo humano aquêle que não fôr comandado
pela lucidez pré-frontal.
Ora, que fazemos nós pràticamente ? Aceitamos que
nossa lucidez obedeça a nossas necessidades de uma maneira que nós cremos instintiva mas que, de fato, não é senão
um hábito socialmente adquirido.
No animal, em razão da insuficiência do cérebro supe
rior, os hormônios sexuais ou as modificações do ambienteinterior, que mostram a necessidade alimentar das célu
las, vão fazer disparar no cérebro inferior um automatismo
instintivo, (satisfazendo à necessidade de uma maneira conforme aos costumes da espécie, inscritos nos automatismosdo cérebro inferior). No homem, êstes fatôres continuam
importantes, pois causam no cérebro inferior perturbações
das quais o cérebro superior tomará consciência sob a for
ma de necessidades, mas o homem não está ligado à suaquímica orgânica. Na ausência de hormônios sexuais, naausência de fome orgânica, pode êle ter desejo sexual ou
alimentar, por motivação psicológica cerebral. Doutro lado,compete ao cérebro superior decidir se convém ou não sa
tisfazer a tal necessidade e como satisfazê-la.
Nós julgamos ser espontâneos obedecendo às necessi
dades orgânicas, consideradas como parte animal de nós
mesmos. Com efeito, por ignorância, cremos ser possível
dividir nossa vida em 2 partes: uma, da atividade cons
ciente e refletida, outra, da vida instintiva e sentimental.Submetemos nossa conduta pessoal às nossas necessidades
orgânicas, sexuais, alimentares ou outras, esquecendo que
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108 O DOMÍNIO DE SI
a satisfação humana destas necessidades exige reflexão e
vontade. Sob o ângulo de visão de construção constitutiva
o cérebro inferior é feito para funcionar sob o controle docérebro superior. Ignorando isto, nós nos tornamos autô
matos do cérebro inferior e comparáveis ao animal desce-
rebrado cujo hipotálamo desencadeado faz disparar estados
violentos de raiva ou ao doente mental lobotomizado, também êle incapaz de controle. Para ser verdadeiro Homem,é preciso controlar os automatismos, induzidos pelos nos
sos humores no cérebro inferior.
Em lugar disto, pelo contrário, nós deixamos que sedesencadeiem. Fixamo-nos assim num nível inferior à nos
sa natureza, tornando-nos comparáveis ao doente incapaz
de Domínio sôbre si mesmo. É por causa disto que o co
mando humoral das condutas, que coloca o animal na sua
natureza, nos coloca a nós fora da nossa, porque nos priva
de nossa dimensão essencial.
O moralista avisa contra os excessos da gula, da sen
sualidade, da agressividade. O neurofisiologista está nisto
completamente de acôrdo. Todavia é grande imprudênciapara um sujeito normal deixar-se assim levar por tais ex
cessos, pois desumanizam a conduta dêle, tomando-o prê-
sa de automatismos inferiores. Não queremos dizer com
isto que seja necessário suprimir as alegrias da carne, que
têm no homem sua superioridade, precisamente graças aoprogresso do cérebro. Mas justamente estas alegrias não
serão humanas senão enquanto dominadas, permitindo as
sim consciência e lucidez suficientes. Desprezar tais ale
grias ou fingir ignorá-las é êrro desequilibrado do purita-
nismo, que, por vêzes esconde, sob aparências de domínio
e de virtude, as incapacidades neuróticas dos recalques.
Seria êrro complementar mergulhar alguém nessas alegrias num desencadeamento total, privando-as assim da
dimensão humana.
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A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 109
Êste desencadeamento alienador parece ter caráter na
tural e inevitável, evitado apenas por ascese extraordiná
ria, da qual a maior parte é incapaz. Êste também é um
preconceito, devido a sermos prêsa de maus hábitos. Nós
não nos podemos dominar simplesmente porque temos o
mau hábito de pensar que seria impossível dominar-nos
e assim nos deixamos levar pela facilidade espontânea do
desencadeamento das paixões.
É claro que não se trataria apenas de opor-se a êste
desencadeamento com heróicos, mas freqüentemente ineficazes, esforços da vontade, mas sim de tomar o bom há
bito de prevenir o desencadeamento das paixões, antes que
seja tarde demais. Não por uma ascese desencarnada, mas
pelo contrário, para gozar plena e humanamente de uma
carne, mantida em sua plena significação. Nossa culpabilidade não está nas ações, que fazemos com autômatos,
tão alienados quanto um doente mental, mas em nos terdeixado imprudentemente levar a tal estado. Culpabilida
de aliás atenuada pela nossa ignorância do caráter inumano e contra-natureza de um tal desencadeamento.
A Moral não se opõe à natureza, mas permite evitar
a contra-natureza, desde o momento em que compreendemos sua verdadeira significação. Não recusar a carne, mas
usar a técnica da utilização espiritualizante da carne.
A ALIENAÇÃO SOCIAL.
Por causa de não nos servir corretamente dos meca
nismos corporais para espiritualizar-nos, isto é, humanizar-nos, nós nos tomamos escravos das necessidades in
coercíveis de um corpo materializado. Mas não é apenas
das necessidades biológicas elementares que nos tornamosescravos, mas dos usos sociais, dos costumes, do ambiente
em que vivemos.
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110 O DOMÍNIO DE SI
Libertar-nos do conformismo, que guia nossos atos, con
duz freqüentemente a êsse anticonformismo neurótico, igualmente irrefletido, de certos adolescentes, que manifestam
por atitudes anti-sociais o próprio inconsciente desequilíbrio
de sêres mal-educados numa sociedade má. No Homem,a passagem das condutas do plano instintivo ao plano su
perior não leva logo de imediato, à plena dimensão humana
da conduta, livre, porque refletida, por conseguinte, que
rida. Inicialmente há apenas a passagem dos reflexos ina
tos do instinto aos reflexos condicionados dos hábitos sociais. Esta aprendizagem automática pelo ambiente, à qualfreqüentemente se limita uma falsa educação, não visa
uma plena formação humana mas simplesmente fazer umcidadão conformado, bem adaptado e bem obediente.
Ao contrário dos costumes instintivos dos animais, que
são conformes à natureza da espécie, os usos e costumes
humanos podem ser preconceitos sociais antinaturais. A
automação da conduta é uma feliz lei cerebral que liberta
nossa reflexão e não nos constrange a estar sempre que
rendo. Ê bom descarregar-se assim sôbre bons hábitos,mas contanto que sejam bons hábitos e não apenas pre
conceitos sociais, contrários à verdadeira natureza humana.
A educação não deveria ser uma aprendizagem conformista intelectual ou técnica, mas dar o hábito de refletir e de abraçar o que é Bem. Também aqui, como com
os hormônios, nós fazemos de um precioso mecanismo fisiológico, que é esta possibilidade de adquirir hábitos, uma
tentação grave de desnaturação, que nos transformará em
“robots” . É por causa disto que nem sempre somos livres, que não temos verdadeira vontade! Nós nos escra
vizamos ao nosso ambiente, queremos o que querem nossos humores, o que querem nossos vizinhos!
Refletimos um pouco sôbre o engrandecimento cari
catural que nos fornece a patologia social. Que coisa acon-
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A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 111
tece com a liberdade individual em uma multidão hipno
tizada pela própria compactividade e pelos seus líderes?
Estará por acaso sendo realmente dono da própria vontade aquele cidadão pacato e responsável que agora, no meiode uma turba enfurecida, exige aos gritos e palavrões, seupróprio dinheiro, depositado em um banco, que parece estarindo à falência?
Nossas alienações sociais ordinárias são menos espetaculares, mas é um fato que nossa alimentação e nossa
sexualidade dependem dos usos e costumes. Não seguimos
nossa verdadeira natureza, nossas verdadeiras necessidades, mas sim uma falsa natureza, falsas necessidades, quemaus hábitos deram ao nosso corpo. Até o Bem, a Moral
se tomam um bom conformismo de espiritualização ascé
tica desencarnada, muito inumano e desumanizante, poisvisamos a salvação de nossa alma, a obediência a Deus ou
à Igreja e não o progresso de nós mesmos na conformida
de àquilo que somos. Qual não deve ser a tentação de
fazer o Mal, quando parece êle tão natural, tão tentadorenquanto que o Bem, o Domínio de si mesmo são apresen
tados como renúncia às alegrias terrestres? Está estabelecido o conflito entre a consciência e a boa consciência!
Quando porém cessar o conflito do apêlo da Vida e da
Moral, quando a Moral aparecer como a possibilidade do
desdobramento total da Vida e o Mal como uma desequili-
brante diminuição, então o Bem não se tomará fácil nemo Mal desaparecerá da face da terra, mas que mudança
de perspectiva! Para o homem alcançar uma tal situação,
não tem necessidade de sermões ascéticos desencarnados,
mas apenas de um conhecimento objetivo científico de si
mesmo, de uma cultura biológica enfim. Então êle compreenderá que, antes de ser uma ofensa a Deus, o peca
do é inicialmente uma falta técnica contra si mesmo e
contra os outros de um incapaz, bôbo e ignorante, de con-
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112 O DOMÍNIO DE SI
duzir-se corretamente utilizando as magníficas possibilidadesdo próprio cérebro e especialmente do cérebro pré-frontal.
Fazer o Bem, exige certamente uma ascese, mas bemdiversa da costumeira! Exige uma ascese de realização
de si mesmo, da ressacralização da carne. Maravilhosa pos
sibilidade de todos os homens, normais ou curados, mas
que êles deitam a perder! Tornados escravos, não com
preendem a verdadeira razão da própria escravidão nem amaneira de livrarem-se dela. Reivindicam porém, alto e
bom som, ser libertados artificialmente por drogas, que
lhes fazem sentir necessidades artificiais e tomar por Domínio de si mesmos uma escravidão ainda maior.
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âtiatal P steves da ( Clloa Acad. Filosofia - U F G
Fone: 225-9810
5 A educação da Vontade
A MORAL POSITIVA.
Se é tão rara hoje esta livre vontade humana refletida, que não poderia, pela nossa própria constituição ce
rebral, estar senão a serviço do Bem, sob pena de se destruir, é fácil concluir, dentro de um pessimismo desesperado
e desesperante, que tal Vontade só pode ser encontrada em
uma elite. Afirmar que somente uma elite pode chegar
ao pleno desdobramento humano, quando todos os homens
normais, pela própria constituição de seus cérebros, têmesta aptidão, é infelizmente um paradoxo muito espalhado.Êle implica da parte daqueles que crêem pertencer a talelite e que, de fato, freqüentemente se servem menos de
sua liberdade do que os outros, uma sorte de paternalismo desprezador, que se veste com um manto de falsa cari
dade. Sente-se aqui o relento da divisão cátara entre ospuros e a massa, tão contrário ao humanismo autêntico
quanto o moralismo constrangedor de seus adversários, osInquisidores. Estamos por acaso tão longe assim da época,
na qual todos partilhavam a concepção de uma carne peri-
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114 O DOMÍNIO DE Sl
gosa e má, de uma carne perdida e causando perdição?
Época em que se via na mortificação recalcando a carne o
único caminho para a salvação, época que considerava aperigoso necessidade do matrimônio uma ocasião obrigatória
de pecado? Preconceitos todos êstes tanto de S. Tomás deAquino quanto de S. Bernardo e de Abelardo. A diferença
é que hoje, uma maioria, repelindo a mortificação, afirmaria
que, no fundo, é bem agradável perder-se!
Porém, uma mortificação, que fôsse esquecimento, hor
ror ou recusa da carne, seria um comportamento contraa natureza, ameaçando manifestar uma neurose ou con
duzir a esta. Não uma virtude, mas uma “ doença da
virtude” . Além disto, seria uma solução demasiado fácil,
pois recusa, separando simplesmente a carne do espírito,
realizar a unidade humana empregando corretamente acarne, segundo o verdadeiro papel dela, que é o de nos
permitir um incessante progresso e espiritualização. O
domínio autêntico de si mesmo, não é, em verdade, obtido senão pelo esforço, pela mortificação e pela ascese, mas
num espírito completamente diferente. Não castigar a car
ne, mas expandi-la fazendo com que renda tôdas as suaspossibilidades.
A neurofisiologia, cerebralizando o domínio de nós mesmos, acaba de confirmar o ângulo de visão do moralista
mas de um certo modo, erguendo-o sôbre seus própriospés até uma “Moral nova” . Esta não é senão um retômoà verdadeira Moral, a Moral do Cristo e de S. Paulo, moral
dos princípios tradicionais, mas realizada de maneira equi
librada e humanizante. E isto pela recusa em aceitar um
Legalismo desencarnado, repleto de proibições e autorizações,
mas pela afirmação das condições positivas do desdobra
mento humano, fora até de qualquer consideração religiosa.
Ê paradoxal que se caricaturize como otimismo irrealista, por ignorar a natureza, aquêles que, como Teilhard
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 115
de Chardin, insistem nesta Moral Positiva. São os pessi
mistas, chamando-se a si mesmos de realistas e ignorando
a verdadeira natureza do Homem, que tomam por naturais os desvios devidos à doença, à ignorância, à fraquezae ao pecado. Seus interditos negativos instalam os homens
na passividade do pecado e da impotência, na aceitação da
desesperadora alternativa entre o pecado obrigatório e o
arrependimento ineficaz.
Para ser eficaz deve o arrependimento basear-se sôbre
a convicção de que, apesar de fracos e inclinados à recaída, nós temos a possibilidade de levantar-nos, não apenas
passivamente pela graça de Deus, mas também pelo nosso
esforço pessoal, no qual o crente vê precisamente a inser
ção da graça. Temos que salvar-nos a nós mesmos. O que
vale dizer, no plano profano, comportar-nos sempre como
Homens.
P e r m a n e c e r a d u l t o s : a p r e n d i z a g e m p e r m a n e n t e .
Isto supõe aprender : aprender que coisa significa hu
manizar-se, aprender quais os meios de lá chegar, em uma
espiritualidade encarnada, de esforço positivo e eficaz. De
vemos ser adultos, cada vez mais e melhor. No sonho de
qualquer adolescente, rebelando-se, contra as prescrições, oestado adulto é sempre um paraíso maravilhoso, no qual
tudo é permitido. Não mais será necessário esforço algum.
Um ponto de chegada afinal.
Todos nós vivemos, mais ou menos, tendo o precon
ceito de que o dinamismo de realização do Homem pelo
esforço educativo concerne apenas aquêle que não é adul
to. Consideramos todo o adulto sob um aspecto estáticoacabado, cuja velhice é a deterioração e que não deve sofrer
imposição alguma exterior da sociedade em que vive!
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116 O DOMÍNIO DE 81
Infelizmente o conhecimento atual da neurofisiologianos diz o contrário, isto é, que não há estado humano es
tático, de equilíbrio estável, assegurado e definitivo; quenosso destino normal é de contínua maturação desde a
concepção até a velhice, tendo êste último estado aspectospositivos não-negligenciáveis; que para ser e permanecer
adulto não se trata de aceitar sem alegria inevitáveisconstrangimentos, mas de nos constranger sem cessar a
subir, a fim de evitar a tendência desnaturante de descer,
que é uma lei da nossa fraca natureza.
Tomando-se rapidamente antiquado tudo quanto já te
mos aprendido na vida, devido à aceleração dos progressos
científicos e técnicos, é necessário que sempre estejamosa par, mediante uma educação permanente. Não compre
enderemos o verdadeiro sentido desta necessidade nova, queé o progresso autêntico, se não compreendermos que êle nosobriga a reconhecer que o Homem é um ser que deve sempre
aprender.
Pela própria constituição do cérebro o Homem se de
fine pela aptidão a aprender. Êle crê porém que esta ap
tidão não pede senão ser utilizada, bastando aprender qual
quer coisa intelectual ou tècnicamente. No entanto esta
aptidão não é senão virtual e antes de utilizá-la é preciso
desenvolvê-la. O homem deve inicialmente aprender a
aprender. O segredo de uma educação bem feita não estaria pois na soma dos conhecimentos, freqüente e rapida
mente antiquados, mas no desenvolvimento da aptidão de
aprender verdadeiramente, isto é, a refletir, a compreen
der, a querer. Todo homem normal possui esta aptidão a
aprender, ainda quando as deficiências de uma educação
ausente, insuficiente ou falseada não a tenham desenvol
vido. Nunca pois será demasiado tarde para aprender eadquirir assim o pleno Domínio de si mesmo, tomando-seentão verdadeiro Homem.
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 117
E porém necessário um esforço muito grande para
deixar maus hábitos, para deixar de ser um autômato do
conformismo, para pôr-se enfim a refletir e a julgar. Teriavalido melhor tomar de uma vez por tôdas o bom hábito
de utilizar tôdas as suas próprias e mais completas possi
bilidades. Diante das terríveis deficiências atuais não devemos acusar a irresponsabilidade dos ineducados, mas sim
a deficiência dos educadores.
As CONDIÇÕES DO ESTADO ADULTO HUMANO! PROLONGAÇÃO DA
IMATURIDADE.
Não somente temos o preconceito da perfeição auto
mática de um estado adulto acabado, mas pensamos tam
bém que basta ser um homem normal, basta ter escapado
às doenças do desenvolvimento (que lesam direta ou indi
retamente o cérebro) para chegarmos a êste estado adulto. É grave êste nosso êrro, pois confundimos estado adul
to animal com estado adulto humano. Bem que o animal
como o homem, se construam ao longo de uma dinâmicade crescimento, a natureza do animal é bem mais estática,
mais fatal, mais obrigatória. Basta-lhe um crescimento
biológico elementar sem carências e doenças, fontes natu
rais de monstruosidades.
Deve êle especialmente esperar que a própria matura
ção se faça, trazendo com ela os instintos necessários. A
parte da educação e reflexão é reduzida e não indispensável
para a sobrevivência. No Homem é tudo diferente, ainda
que, contràriamente aos preconceitos, o estado adulto nor
mal, baseando a conduta numa reflexão, que ache o Bem
atraente e preferível, seja ainda uma raridade e o anor
mal, isto é, o imaturo, o comum. A mais grave das pato
logias não é a patologia doentia usual dos anormais, ma?
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118 O DOMÍNIO DE SI
sim aquela daqueles que se crêem normais porque nãoestão doentes, sem porém terem aprendido a utilizar com
pletamente as possibilidades humanas.
O homem não é superior ao animal senão utilizando
as possibilidades cerebrais humanas de superioridade. Caso contrário é inferior ao animal, pois pode chegar a des
naturar-se. Vimos isto naquilo que concerne à deficiênciados instintos. Esta deficiência existe “pari passu” com oretardamento do desenvolvimento do homem, condição nor
mal da superioridade humana, que, se não fôr utilizadacorretamente, tem por conseqüência impedir uma matura
ção completa.
Primo afastado do homem, o chimpanzé interessa especialmente ao psicofisiologista, que não tem à disposiçãoos verdadeiros ancestrais do homem, os hominídeos em
via de humanização, de encaminhamento à plena Reflexão.
Entre todos os sêres atuais êle é o mais rico cerebral-mente, pois possui um cérebro com uma estrutura hierar
quizada bem vizinha à do homem. A maior diferença paracom êste, a mais significativa é que, apesar de partirem
ambos, a quando do nascimento de estados imaturos muito
vizinhos têm duração de crescimento muito diferente. O
chimpanzé amadurece rapidamente: é com rapidez que seu
cérebro se completa anatòmicamente e aprende tudo quanto
lhe é necessário. O homem, de seu lado, permanece muitomais tempo inacabado. Por isto foi possível compará-lo ao
feto do chimpanzé, pois conserva por muito mais tempo uma
imaturidade, que sendo fonte de múltiplas possibilidades, o
faz ficar mais jovem. Quando todo progresso já está pre
parado no chimpanzé, então é que se dá uma partida fulminante no Homem.
Passado o período da infância, que compreende umalenta maturação anatômica do cérebro, a maturidade se
xual não coincide com o fim do crescimento e do estado
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 119
adulto, mas sim com o estado tipicamente humano da
adolescência, na qual o cérebro acaba sua maturação fisio
lógica, bem revelada pela eletroencefalografia. Desprovidode instintos, o homem tem todo o tempo para aprender a
servir-se do próprio cérebro. Mas não há aqui a aprendizagem de um cérebro acabado. Ê a utilização de um cére
bro em maturação, condicionando até certo ponto, esta
mesma maturação. Um cérebro maleável, porque inacabado
e que não dará tôdas as suas possibilidades senão sub
metido a uma educação plenamente humana, isto é, hu-
manizante.
N e c e s s i d a d e d a c u l t u r a .
O crescimento é sempre uma assimilação. Sob a di
reção de hereditariedade, que não é senão o órgão de pro
gramação dos ácidos nucléicos, o organismo cresce tomando elementos emprestados ao meio exterior. No animal a
assimilação é meramente material: é adulto o indivíduocujos órgãos estão corretamente acabados e que, por con
seguinte, não tem senão que usar dêles corretamente. Na
espécie humana, ao contrário, além desta assimilação ma
terial, é necessária uma assimilação espiritual cultural ,
orientando a maturação no sentido da realização completa
das possibilidades humanas. O animal, salvo deficiênciapatológica do ambiente material de crescimento e de seus re
cursos orgânicos, é obrigado a ser êle mesmo. Se exis
tem diferenças individuais, elas se realizam automàtica
mente, sem influência maior do ambiente. O homem, ao
contrário, fica bem marcado pelo ambiente e sua realiza
ção individual variará conforme as condições da assimila
ção cultural. É perfeitamente legítimo que julguemos ovalor destas diversas possibilidades, pois algumas dão des
dobramentos autênticos, verdadeiros sucessos enquanto que
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120 O DOMÍNIO DE 81
outras são fracassos, por ter um ambiente insuficiente fei
to abordar a humanização. Se insuficiências leves ou tar
dias não são mutilações graves e definitivas, há outras
importantes e precoces que irão marcar definitivamente a
criança e privá-la de certas aptidões, ainda que admissíveis
hereditàriamente.
Também aqui, numa escala contínua das condições de
ambiente, desde o mais até o menos humanizante, veremos
surgir degraus de descontinuidade, que introduzem uma ver
dadeira diferença de natureza entre um patológico extremo
definitivo e um simples retardamento recuperável eventual
mente. Duplo degrau: degrau de nível cultural, abaixo do
qual o homem normal será forçosamente um sub-homem e
degrau de crescimento, pois o que não foi realizado em
certos estados da maturação se torna sempre mais difícil,
por ir perdendo o cérebro suas possibilidades.
O êrro do racismo não está em reconhecer diferenças
de inferioridade ou de superioridade entre os grupos hu
manos (coisa evidente) mas sim atribuir tais diferenças
à constituição hereditária, quando se trata apenas de
níveis atingidos pela superioridade ou inferioridade cultu
ral do ambiente. Notemos também que não convém exage
rar o valor das superioridades intelectuais sôbre o bom
senso, sôbre a inteligência prática e principalmente sôbreo coração, pois nestas últimas aquêles que julgamos infe
riores são superiores a nós. Também não se trata aqui de
superioridade absoluta de um tipo de cultura, mas de re
tardamento ou avanço de desenvolvimento e de maturação
desta cultura na sua caminhada para a Verdade, que é
uma, apesar de serem muitos os caminhos para ela.
Nada mais útil do que a patologia social para nos fa
zer compreender esta maleabilidade do homem pelo am
biente e por conseguinte a necessidade neurofisiológica de
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 121
uma boa educação. São bem conhecidos os casos de desu-
manização de meninos seqüestrados, normais originalmen
te, mas que por falta de contato natural ou humano, setornaram idiotas. Sua inteligência não se pôde desenvol
ver, prova esta bastante de que a espontaneidade da matu
ração cerebral é orientada pelo ambiente. Uma criança
impedida de andar durante o período, no qual o meninonormal parece exercitar-se nisto, ràpidamente se toma capaz de fazê-lo na idade conveniente. “ Parece” , dissemos,
pois que de fato, não se trata senão de manifestações es
pontâneas da maturação dos feixes piramidais. Ao contrário, um macaco a que se costuraram as pálpebras, quan
do do nascimento, perde sua aptidão para ver, pois são
indispensáveis as mensagens da vista para a construçãocorreta do cérebro visual. No caso dos meninos-lôbos daÍndia (caso bem conhecido de meninos selvagens que cres
ceram fora da civilização) a perda das possibilidades é
menor porque a vida em um ambiente natural e em socie
dade, ainda que de lôbos, favorece mais a maturação cé-rebro-psíquica. Há simplesmente uma grande desumani-
zação (simultâneamente com uma lupificação, traduzindo
sem dúvida alguma a inteligência humana, pois que ne
nhum animal teria uma tal potência de imitação de com
portamentos contrários à sua natureza): corridas a 4“patas” , uivos lupinos, sem expressão emotiva humana,
sem linguagem articulada. A reeducação é difícü, especialmente a da linguagem, uma vez que já tiver sido pas
sada a idade em que a criança, graças às aptidões hereditárias de seu cérebro, começa a modular os sons, época na
qual deve êle normalmente aprender a imitar a língua da
queles com quem vive e que lhe darão seu nível cultural.
Se a articulação se tomar inútil por falta de utilidade so
cial, a criança perderá, em grande parte, tal aptidão.
Completamente diferente é o caso dos surdos-mudos
aão reeducados a qualquer forma de linguagem, pois suas
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122 O DOMÍNIO DE SI
deficiências são menos graves. Não falando porque a pa
lavra lhes é inútil, por não a ouvirem, êles não desenvolvem
a própria aptidão, donde a mudez dêles. Mas criados emsociedade humana, são menos gravemente desumaniza-dos, o que explica porque guardam melhor a possibilida
de de aprender a linguagem humana. Ê sabido porém,que quanto mais depressa forem reeducados, menos gra
ves serão as suas deficiências. Temos que levar em conta
êstes exemplos para compreender a importância das de
ficiências do ambiente e da educação na expansão das aptidões. Não é de modo algum indiferente para nós têrmosvivido nossa infância em um ambiente humanamente ricoou ao contrário, deficiente. As novidades científicas tão
duras de assimilar pelo adulto esclerosado nas suas roti
nas, são bem mais acessíveis em um ensino precoce dos
jovens.
Exemplo inverso dos meninos-lôbos, é o do acesso dos jovens selvagens à vida civilizada. Antes dos 5 anos tudo
é possível em função das possibilidades individuais. De
pois dos 5 anos há possibilidades perdidas pois o social jáorientou demasiado a maturação. Adaptar um homem de
Cro-Magnon adulto à nossa cultura seria sem dúvida, im
possível, mas não haveria dificuldades com uma criancinha,
pois ela possuiria as aptidões.Ê muito importante não exagerar demasiado a here
ditariedade no homem. Ela causa diferenças individuais
constitutivas, diferenças de tipos intelectuais, de aptidõese de gôsto entre as civilizações, as etnias. Mas as mais
grosseiras diferenças vêm do ambiente educativo; da ma
neira pela qual êste orientou a realização das virtualida-
des de origem. Todos os homens são da raça humana etôdas as etnias têm uma repartição análoga de inteligên
cias. O que faz um indivíduo inferior a outro (se fizer
mos abstração dos falsos preconceitos) é a insuficiência
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 123
de formação educativa humanizante. Se se tratasse sim
plesmente da hereditariedade, poder-se-ia falar de fatali
dade natural e sonhar de melhorar algum dia os ácidosnucléicos (bem que seria mais fácil deteriorá-los). Mas,
visto como o responsável é o ambiente, não há fatalidade.
Como não indignar-se, como não lutar diante do fatoque numerosos homens não podem, por deficiência de seu
ambiente de juventude, realizar completamente suas pos
sibilidades humanas, quer sejam êles das classes pobresquer homens de culturas e de economias de desenvolvi
mento retardado ou subdesenvolvimento? Que um homemtenha aptidões para ser um músico ou um cientista de gênioe que os azares do nascimento o impeçam de aceder ao nívele à utilização superior de sua própria inteligência, confinan
do-o a ser operário braçal ou selvagem nas profundezas das
florestas africanas, eis uma injustiça, hoje inaceitável, pois
que há remédio para ela. O crime da ignorância racista
é precisamente justificar por ignorância científica uma tal
injustiça. Nós nos indignamos facilmente do bárbaro séculoXIX, que punha meninos a trabalhar nas minas e nas fábricas, pensando não poder dispensá-los. Que dirá o futuro
sôbre as barbáries de nosso século ignorante?
A neurofisiologia nos mostra com precisão a neces
sidade que há, para ser um Homem verdadeiro, de receber
uma boa educação humanizante, progredindo em função da
maturação biológica do cérebro que ela favorece. Se é
necessária uma higiene da gravidez, particularmente prudente nos primeiros meses, quando o embrião está for
mando seus futuros órgãos, sob pena de graves monstruo
sidades, não é possível também, na infância e na adolescên
cia preocupar-se apenas com a higiene física. A verdadeira educação é uma higiene de ordem superior, pois elaforma a personalidade, ensinando a utilizar os recursos ce
rebrais. E isto não é o supérfluo para o uso de uma elite,
mas uma absoluta necessidade para, todos os homens.
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124 O DOMÍNIO DE SI
Sem entrarmos em todos estádios do desenvolvimento,
desde o nascimento à idade adulta, cujo conhecimento per
mite adaptar a educação às possibilidades individuais, importa que recordemos aqui a significação de 3 períodos su
cessivos: da infância até cêrca de 5 anos, da infância an
tes da puberdade e da adolescência.
Também aqui nós vivemos engolfados em preconceitos.
Há um mito muito espalhado por culpa da psicopedagogiacientífica ocidental (que confunde objetividade científica com
recusa positiva dos valores humanos) que o menino é como
uma planta, que vinga num bom ambiente. Bastaria pois o
bom ambiente e a boa hereditariedade para que tudo vá bem.
Êrro gravíssimo, pois até a objetividade da pedagogia soviética nos afirma que o menino é, antes de tudo, uma consciênciapara formar.
P r é e d u c a ç ã o d o m e n i n o .
Quando se fala de educação, visa-se mais freqüente
mente a infância, pela tentação que temos, de pensar queela é o momento mais importante. Ignoramos que o es
sencial é o que se passa antes, é a pré-educação que marca
definitivamente e que está acabada, mais ou menos, aos5 anos. Vemos assim no adolescente um homenzinho, que
não tem lá muito mais que aprender, senão no plano intelectual.
Além disto, vemos esta educação da infância sob a
forma escolar da instrução que visa dar certos mecanismos
de base e os conhecimentos necessários para uma profissão. Ensinar a ser Homem, isto está fora das preocupa
ções, pois vem por si mesmo! A cultura recua sem cessardiante da massa de pormenores a ingurgitar em todos os
campos. O humanismo tradicional reservado a uma elitedesaparece. Ignora-se completamente que a verdadeira cul
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 125
tura é precisamente saber comportar-se como Homem.
Para isto deveriam convergir todos os ramos da educação,
quer se trate de conhecer as realizações do passado (humanismo dito literário) quer se trate do conhecimento cien
tífico do mundo e do homem. Prefere-se porém, ensinar a
gramática latina em tôdas as suas minudências, os me
canismos pormenorizados da climatologia e a última des
coberta sôbre as prothalias de Fougères. E êstes jovens
não saberão nunca o que é um cérebro sob o ponto devista do equilíbrio humano, pois é preciso preservar a san
ta liberdade da opção das diversas morais, mantendo a.todo custo uma estúpida separação entre a ciência e a vida.
A meninice antes dos 5 anos, é o período capital, tão
capital quanto as primeiras semanas do desenvolvimento
intra-uterino. Não se trata mais de ter um cérebro com
as células, mas sim que êste cérebro se acabe de formar
anatòmicamente, tomando suas interconexões e que o me
nino aprenda a utilizá-lo. Sendo um ser social que temnecessidade dos outros, o menino vai receber dos outrosmas especialmente do ambiente familiar, a imagem daqui
lo que deve ser do que deve fazer. Tudo isto êle deve po
der aceitar sem desequilíbrio.
Para confirmar a importância formadora dêste perío
do, no qual não vemos freqüentemente senão a maturação
biológica do cérebro, condicionando os progressos psicológicos, é preciso levar em conta a patologia. Não somente
recordemos os meninos dessocializados como os meninos-
-lôbos, mas também a descoberta das perturbações do hos-
2ntalismo, demonstrando que a higiene necessária à saúde
psicossomática e até ao crescimento físico não é só e sim
plesmente material.
Esta higiene comporta a afeição maternal pois o menino materialmente bem cuidado, mas sem tal afeição, so
fre gravemente na sua saúde física como também não está
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126 O DOMÍNIO DE SI
em boas condições para seu equilíbrio psicológico. O grande mérito da psicanálise, infelizmente em um vocabulário
freqüentemente contestável (majoração da sexualidade emterminologia de genitalidade adulta, minimizando o afetivo e o social) fo i insistir sôbre a importância dos choques,
principalmente afetivos da infância. Ela nos mostrou co
mo as neuroses do adulto provêm precisamente dêsses er
ros pré-educativos de pais, que pensam poder ignorar tudo
da psicofisiologia da criança. Quando julgamos o caráter,
os defeitos e as qualidades de um menino de 5 anos, temos
a tendência de não ver senão a hereditariedade, esquecendo a imensa influência dos primeiros anos que orientaram
as tendências hereditárias. Fala-se de meninos perversos,
quando se deveria falar de meninos pervertidos, que eram
talvez, no máximo, os mais pervertíveis.
O bebê deve aprender tudo. Ao mesmo tempo que seamadurece seu cérebro, incapaz de funcionar a quando do
nascimento, vai êle, brincando no próprio berço, formandoas praxias e as gnosias, aprendendo a distinguir-se do mun
do exterior. Forma então em seu cérebro a imagem do pró
prio Eu e a utiliza para a personalização de sua conduta,
havendo assim o nascimento de uma vontade própria que
se opõe ao ambiente. Há aqui uma espécie de auto-educa-
ção de base que irá dar ao pensamento e à consciência
elementares sua plena dimensão humana, quando, basean
do-se sôbre as aptidões inatas à vocalização, vai ser apren
dida a língua cultural. Com ela o menino poderá querer
melhor, chegando então a dizer: Eu quero!
Qualquer que seja porém, a importância do papel da
auto-educação e da influência do ambiente, esta aquisição
das bases da vontade fica sempre muito automática e
pouco refletida. Vai ser necessário, num segundo estádio,
sair desta vontade espontânea para chegar a uma vontade
verdadeira, que é refletida. Nisto a deficiência é total,
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À EDUCAÇAO DA VONTADE 127
pois que os educadores se limitam a orientar a vontade de
seus pupilos por meio de interditos ou de ordens, pouco
justificados, sem procurar desenvolver a dita Vontade. Oadulto teria necessidade de uma vontade bem diferente
desta primeira vontade automática da infância. Infeliz
mente, nada é feito para dar-lha e isto é tanto mais grave
quanto é certo que as condições educativas são nisto muito deficientes. Uma educação da vontade, que é uma promoção à verdadeira liberdade, não se pode conceber que
seja fácil. Ê preciso ensinar o esforço do Domínio de simesmo, esforço difícil, mas recompensado pela alegria do
sucesso obtido por si mesmo. Aquilo que a criança realizava no seu berço, aquelas múltiplas e difíceis proezas sen-soriais e motoras, que felizmente ninguém lhe podia proi-
brir, o menino, o adolescente, o adulto deve continuá-las no
plano das condutas humanas.
Em razão de a psicanálise, muito justamente, preve
nir contra a aprendizagem demasiadamente autoritária,
que perturba a espontaneidade do menino e é fator de
complexos nevrosantes, muitos pedagogos caíram nô extre
mo oposto de achar perigo em qualquer grau de autorida
de. Segundo 'êles o menino perderia sua espontaneidade.
Êstes pedagogos não percebem que se o menino educado
autoritàriamente não chega a compreender e a conseguir
a verdadeira direção voluntária autônoma de sua conduta,outro tanto acontece com aquele que não foi educado e se
tornará prêsa fácil de necessidades e maus hábitos, que
lhe farão recusar tôda imposição social. Habituar o menino, proporcionalmente à sua idade, a querer e a saber que
rer é certamente uma emprêsa delicada, mas deve ser ameta dos pais e educadores, cuidadosos de evitar os erros
complementares despersonalizantes do excesso e de ausência da autoridade.
Para ser equilibrada, a relação entre o menino e o educador, como de resto, tôda relação social, deve tentar ser,
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128 O DOMÍNIO DE 81
uma relação não de sujeito a objeto, de tirano a escravo,(pouco importando qual dos dois seja o escravo) mas uma
relação interpessoal, isto é, personalizante. Ê mais verda
deiro ainda, não ser o menino um animal para domesticar,
mas um ser humano para transformar em uma pessoa autêntica capaz de vontade refletida. A relação deve poisbasear-se numa certa igualdade respeitosa, no reconheci
mento da complementariedade, que é, aqui, a diferença de
situação entre o adulto acabado e o menino em formação.
É também uma lei de higiene biológica psicossomática queo Homem, ser social, não encontra a própria saúde (nem
o menino as condições convenientes de desenvolvimento)senão em relações sociais “optima” , que assegurem sua
necessidade dos outros, mas que respeitem a necessidade
de expansão limitada de cada um.
Não é psicobiològicamente bom nem ser demasiada
mente constrangido nem demasiadamente relaxado. O equilíbrio está num “optimum” , numa dialética equilibrada de
dar e de receber, que não é possível conceber sem amor.
Mas amar verdadeiramente alguém é querer seu bem e
não desequilibrá-lo por um excesso de pseudo-amor ou por
ausência premeditada de amor.
Esta relação a outrem, da qual o menino tem vital
mente necessidade, não lhe fornece apenas autorizações ouconstrangimentos, ocasiões estas de formar-se para a li
berdade. Inicialmente, é ela e bem antes do acordar da
plena consciência, a apresentação de um modêlo para imi
tar. Tomando consciência de si mesmo, o menino se re
conhece como membro da família humana e deve aceitar
sua situação sociológica de masculinidade ou de feminili
dade, condicionada por sua anatomia. A imagem cerebralrefletida de seu corpo é socializada. Tudo quanto a psica
nálise freudiana nos descreveu dramàticamente, sob o têr-
mo de Complexo de Édipo ou de castração, utilizando os
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 129
exageros dos desvios patológicos, corresponde à realidade
profunda das primeiras relações do menino para com sua
mãe, protótipo daquilo que êle é ou não é, e para comseu pai. O principal é social e afetivo, antes de ser se
xual, mas terá forçosamente, uma modalidade sexual, uma
repercussão sôbre a expansão futura da sexualidade.Para poder saber querer, mais tarde, é preciso inicialmente, ter podido situar-se bem e aceitar sua própria si
tuação no mundo, no seio da humanidade. Insistindo sô
bre a importância do social, fonte de neuroses de supe
rioridade ou de inferioridade, Adler e, mais tarde, K. Hor-ney trouxeram um complemento indispensável à obra deFreud. A compensação da inferioridade em superioridadeneurótica é a fonte de falsas pseudo-vontades autoritárias,
máscaras de abulias.
O animal que não vive senão na ação, não encara o
futuro, ajudando-se de um passado, evocado pela persona
lização das lembranças. Tudo quanto o marcou e condi
cionou, se manifesta em sua conduta sem que disto tomeêle consciência. A plena dimensão humana, ao contrário,
é realizada quando a conduta é julgada pela consciênciarefletida. Não se trata porém de um Eu ideal, mas da ma
neira equilibrada ou não, pela qual foi formado êste Eu na
meninice. Para saber querer é preciso um Eu normal, cuja
atividade não seja limitada por complexos e recalques, ca
paz, isto é, de verdadeiro Domínio de si mesmo. Êste Eu
normal se forma na luta entre o menino e o ambiente, especialmente a vontade dos pais. Seu equilíbrio exige pois
um “ optimum” entre uma firmeza excessiva, que impe
diria de aprender a querer pessoalmente e um liberalismo
exagerado, que nada impondo, impediria o esforço formador. O segrêdo do equilíbrio ulterior (residindo aqui a dificul
dade dêle) não está na educação escolar de um menino de
5 ou 6 anos, mas no ambiente e nas condições de vida de
um bebê, que toma a pouco e pouco consciência daquilo que
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130 O DOMÍNIO DE SI
êle é. Aqui qualquer êrro é fácil, mas especialmente grave,pois não se trata de responder a perguntas. O equilíbrio
e a vontade dos pais, o mútuo amor dêles são a garantiadesta pré-educação.
Erradamente se escarnece da terminologia freudiana,
bem canhestra quando fala de estádio oral ou anal, ge-
nitalizando-os. É perfeitamente exato que a primeira relação social da criança, os primeiros conflitos formadores
entre ela e o mundo adulto, a primeira escolha entre mo-
ralismo desequilibrante, amoralismo ou verdadeira morale higiene pessoal começa a propósito da satisfação das primeiras necessidades: de alimentos, de evacuação e limpe
za, de sono, de afeição e de relações sociais. E é desde ês-tes momentos que é necessário evitar os escolhos comple
mentares do autoritarismo e do liberalismo, cortando o
primeiro tôda espontaneidade e o segundo deixando de
senvolver-se uma espontaneidade descontrolada e por con
seguinte desumana, porque a-social. Como poderia o me
nino formar uma consciência normal se, no momento emque é maleável, uma cêra virgem, possuindo tôdas as pos
sibilidades, existir, ainda que inconscientemente, uma oposi
ção total entre a tendência à norma nêle inscrita e aquilo que
lhe mostra e impõe o ambiente?
Aquilo que se lhe propõe deve ser tentador para sua
afetividade, ainda que se trate de uma imposição momen-tâneamente desagradável. Diante da insuficiência da cons
ciência tudo é aprendizagem, no princípio, mas não uma
aprendizagem animal e sim uma aprendizagem formadora
de uma consciência, que acorda e que deve encarregar-se
da própria conduta, saber querer verdadeiramente e não
apenas aceitar condicionamentos.
Esta primeira educação suscitava poucos problemasantigamente, em mundo relativamente estável, para o qual
era preciso preparar o menino, que afinal, pouco teria que
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 131
servir-se da própria liberdade. Agora, não é mais assim,
pois o indivíduo não tem mais constrangimentos sociais queo mantenham equilibrado.
O homem quer sentir-se libertado. Mas para ser livre é preciso ser forte. Mas como esta fôrça é deficiente,
vivemos sobretudo os inconvenientes de uma tal necessá
ria liberação, êste mundo incoerente, fator dos desequilíbrios da fadiga nervosa.
Como poderiam pais não-formados, não plenamenteadultos, “ surmenés” , ser bons educadores ou sequer bons
modelos? Vivemos com o preconceito que ser pai é coisa
espontânea, natural. No entanto, como em tudo que é
natural-humano, a paternidade exige uma difícil prepara
ção, que deveria ser considerada como um dever. Está
aqui a verdadeira procriação voluntária humana, fre
qüentemente apresentada hoje no simplismo de técnicas
contraceptivas, pretendendo suprir a ausência da vontade.Aprender a ser mãe e não fiar-se a um instinto deficiente e
mais ainda aprender a ser pai (para o que o instinto não é
apenas deficiente, mas ausente) são aprendizagens ambas
necessárias.
Mas é necessária esta Escola de Pais não apenas para
que saibam comportar-se corretamente com seus filhos, mas
em primeiro lugar, para serem êles mesmos adultos e equilibrados. Não é fácil ser educador senão tendo já compreen
dido e vivido o que é ser Homem e também o perigo das
deficiências. Se é difícil ensinar às crianças a saber que
rer, é porque o pedagogo não sabe exatamente o que seja
saber querer e sua necessidade. Damos aos meninos la
mentáveis exemplos, precisamente à meninice, pensando erradamente não serem êles notados.
Aquilo que todos começam a reconhecer no plano se
xual é também válido de um modo geral. Se o menino
pode ficar definitivamente nevrosado por espetáculos se
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132 O DOMÍNIO DE 81
xuais precoces (que êle não pôde compreender e dos quai9
viu apenas o aspecto agressivo), poderá também ficar igual
mente nevrosado por todos os desequilíbrios do mundo dosadultos e especialmente do ambiente familiar. Como poderá
o menino desejar ser um homem normal, se os espetáculosque lhe oferecemos são em grande parte contraproducentes?
Como poderá uma menina achar seu equilíbrio se sua
anatomia é apresentada como negativa, quando a supe
rioridade quase neurótica do homem ostenta a positivida-
de do próprio sexo e principalmente quando ela percebeos inconvenientes sociológicos de ser mulher? Como pode
tuna mãe, insatisfeita, ainda que legitimamente, de sua
condição feminina e do comportamento do marido, levaros filhos a ter uma personalidade sexual equilibrada? É
bem sabido como as neuroses de inversão sexual, esta impossibilidade de querer uma sexualidade normal, provém
de uma perturbação educativa, que não permitiu à criança aceitar ser do próprio sexo. Ê isto que obriga a neces
sidade sexual a satisfazer-se de um modo anormal, a menos que não fique totalmente inibida pelo recalque.
Nunca será demasiada a insistência que fizermos sôbre
esta humanização educativa da meninice, ensinando a crian
ça a ser um Homem normal, apto a saber querer ou afas
tando-a disto e falseando-lhe o caráter. Aqui também, ésôbre uma continuidade de faltas educativas, levando a
maus hábitos, que se estabelece a descontinuidade da plena
patologia neurótica.
Apesar disto, o que realmente importa, ainda desejan
do que tais estádios não falhem, é não deixar-se cair num
pessimismo completo, se assim acontecer. Excetuando o
caso da completa patologia neurótica, difícil de corrigir,fora os casos dos ambientes anormais desumanizantes, sim
bolizados pelo caso extremo dos meninos-lôbos, é sempre
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A. EDUCAÇAO DA VONTADE 133
possível uma posterior correção. O menino de 5 anos já
atingiu um certo acabamento elementar da própria perso
nalidade, mas esta fica ainda muito longe de se completar,bem que comportando já o essencial.
A p r e n d e r a s e r p a r a s a b e r v i v e r : a v e r d a d e i r a e d u c a ç ã o .
É precisamente porque o início nem sempre foi satisfatório que a educação ulterior deve sê-lo. Ora, é freqüente que pouquíssimos sejam aquêles que se ocupem de apren
der a ser e a viver humanamente. Muitos se contentam comuma aprendizagem livresca ou técnica a fim de encherem
a cabeça inexistente, pois incapaz de assimilar o que se lhe
apresenta. A Moral aparece como um constrangimento social ou religioso, oposto às tendências habituais e hipocri
tamente imposta por adultos que mostram perfeitamente
ignorá-la. Tudo é feito para favorecer a passividade, chamada de sabedoria. Como, de resto, fazer de outra maneira,ainda sentindo a necessidade pedagógica, no monstruoso
contexto atual de aulas sobrecarregadas, onde a educação é
impossível?
Ê claro que múltiplos esforços já foram realizados em
favor de um educação ativa, dita nova, sob a iniciativa de
numerosos precursores competentes. Infelizmente tais tentativas ficaram isoladas, apesar de seus sucessos. Passa-se
quase sempre da escola maternal formadora e expansiva
ao incoerente intelectualimo obrigatório das classes primárias. Note-se principalmente que da psicanálise e da peda
gogia nova não se reteve senão o aspecto negativo, o perigo
da aprendizagem autoritária, impossibilitando-se assim a edu
cação. Foi esquecido o principal, o essencial, isto é, tôda
a pedagogia da formação da Liberdade e da Vontade noesforço pessoal, num quadro coletivo à base de colaboração
e não de concorrência egoísta.
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134 O DOMÍNIO DE SI
O resultado do impasse da educação atual, na qual
um menino ineducado é submetido, antes de tempo, àsdepravações de um mundo desorientado pelos espetáculosdas “ mariposas” , dos cinemas e da rádio e televisão, é a
generalização de uma perversão por ausência de educação,manifestada em todos os ambientes e em todos os países.
Estamos falando do fenômeno dos “ play-boys” , que pro
curam achar um sentido na vida, lutando contra o tédiopela agressividade e sexualidade.
Êles não são nem doentes nem culpados. São deseducados, perigosos porque não têm a hipocrisia dos adultos,
que não obedecem à Moral senão em certas circunstâncias.Não são os “ play-boys” que devem ser repreendidos por
deseducados ou por não terem encontrado o sentido da vi
da. Os adultos é que não souberam educá-los e não souberam dar-lhes o sentido da vida, dando-lhes o mau exemplo
de pregar o Bem sem cumpri-lo. Infelizmente os adultosnão são sequer capazes de contra-atacar, rejeitando a hi
pocrisia moralista e querendo o Bem.
Quando é que em lugar de denunciar os erros dos ou
tros, os homens ocidentais e orientais compreenderão me
lhor, de um lado, a desumanização complementar pela anar
quia líbero-tecnocrática e de outro lado, o totalitarismo de
um estatismo também êle tecnocrata? O exemplo da Suécia é, neste ponto, particularmente deplorável. Lá, num país
em que tudo é feito para lutar contra a miséria, não há
verdadeira promoção humana, pois nada é feito para suscitar
a iniciativa individual, fonte do progresso autêntico. O Es
tado lá faz tudo e os homens se entediam numa passividade
de espera, não podendo encontrar a verdadeira felicidade na
dissociação entre conforto e moral, higiente do corpo e daalma.
Entre as tentativas feitas atualmente para sair dos
erros pedagógicos, devemos assinalar uma, particularmen
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 135
te interessante, pois que o bom senso intuitivo prático de
seus promotores se encontrou com a verdade neurofisioló-
gica. Nas escolas técnicas da Câmara de Comércio de Paris,chegam pré-adolescentes incapazes de fixar a própria aten
ção para aprender qualquer coisa que seja. Em lugar de
esforçar-se ineficazmente constrangendo-os a estudar, Mlle.Ramain introduziu uma pré-formação, visando dar ao aluno
aquilo que o ensino ordinário considera espontâneo. Exercícios muito simples ensinam a aprender a sentir, a contro
lar os próprios gestos, a fixar a atenção, a saber concen
trar-se. Resumindo: passando tôda a dinâmica automáticado cérebro ao controle da vontade, numa educação que não
é uma luta desesperada em um esforço ineficaz, que cha
mamos de Querer, mas a aquisição, relativamente fácil, de
um automatismo de controle refletido e de utilização cor
reta completa do cérebro.
Depois de tal preparação, o aluno que parecia pregui
çoso ou idiota, se torna subitamente apto a qualquer educação, intelectual ou técnica. A originalidade dest.a inicia
tiva é que ela não se restringe apenas a uma experiência
isolada e fugidia, mas levada pelo entusiasmo e dinamismo
de seus promotores quer alastrar-se cada vez mais em to
dos os ambientes.
É claro que todo e qualquer educador, ainda com es
pecialização no seu ensino, poderia usar êste espírito for
mador. Várias iniciativas interessantes já foram feitas
para orientar neste sentido o ensino doméstico, e educa
ção física etc. Mas para aí chegar deve o educador fazer
um esforço reflexivo pessoal. Deve perceber que para tornar-
-se um verdadeiro educador, deve também êle praticar esta
educação da atenção e do Domínio de si. Isto lhe permitirá,
apesar das circunstâncias, uma vida mais equilibrada e
mais feliz, protegendo-se assim contra um envelhecimentoprematuro.
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136 O DOMÍNIO DE SI
Aquilo que assim fôr obtido nesta formação humana
no plano escolar, repercutirá sôbre toda a vida do educado,
que se tomou, “ ipso facto” , mais consciente e responsável,mais apto para lutar contra a fadiga nervosa e as múltiplas tentações desumanizantes de um mundo desequilibra
do. Não é pois, precisamente pregando a Moral, propondo
uma continência negativa, que se conseguirá lutar contrao desencadeamento sexual alienador e fonte das piores ca
tástrofes sociais, mas ensinando êste Domínio de si mesmo,aplicado à sexualidade. Haverá então uma continência positiva, daquele, isto é, que se forma, pelo domínio cerebral, para
ser plenamente adulto e livre, para ser um Homem verdadeiro
e não a ridícula e miserável caricatura de um subanimal,oferecida pela humanidade atual.
Im p o r t â n c i a h u m a n a d a a d o l e s c ê n c ia .
Aquêle que, depois de bons hábitos da meninice, aprendeu a pouco e pouco a voluntarizar, isto é, personalizar o
Domínio de si, compreendendo cada vez melhor o que seja
conduzir-se como Homem, está antecipadamente defendido
contra as dificuldades da adolescência. Diante do apare
cimento constrangedor das necessidades sexuais na puber
dade, saberá fazer o esforço necessário para não se deixar
arrastar por elas.
A adolescência não é senão um passo a mais no caminhoda maturidade. Não é a maturidade. É tão prejudicial
considerar o adolescente como um adulto, como persistir a constrangê-lo como um menino. Não temos geralmente, compreendido a significação psicológica dêste es
tádio da adolescência, própria só do Homem. O adolescente
não está apto a arcar com as responsabilidades do adulto.Deve ainda aprender e daí continuar em disponibilidade
para isto. Apesar de ter mais necessidade de autonomia
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 137
e de responsabilidade, não deve deixar-se levar por seus
desejos de ser prematuramente tratado como adulto, quer
na profissão, quer em família. Não está ainda apto paraisto. Pelo contrário, isto o impediria de acabar de formar-se,tornar-se verdadeiramente adulto. Esta situação especial
do adolescente, perfeitamente percebida no plano da higiene do crescimento, deve ser também reconhecida no planopsicológico. A adolescência é um período de aprendizagem
da relação equilibrada para com outrem, social ou sexualmente falando. Ela comporta a maturação de uma afeti-
vidade adulta, isto é, sexualidade, que de início, egoística e
narcisicamente voltada para a satisfação pessoal, deve tor
nar-se altruísta e abrir-se para o intercâmbio do dar e
do receber.
São conhecidos os conselhos dados tradicionalmente
aos adolescentes, conselhos apoiados numa incompreensão
total da contribuição da psicanálise, que condenou o mo-ralismo puritano mas não o verdadeiro Domínio de si
mesmo. Bastaria para ser normal, que o adolescente exer
cesse sua sexualidade desde a puberdade, evitando porém
de fixá-las em um casamento precoce e êste sem procria
ção! É impossível dar conselhos mais desumanizantes,
pois é tratar o adolescente como um chimpanzé púbere e
adulto, negligenciando por completo, a significação for
madora da adolescência humana. Tal é, objetivamente, o
dinamismo da natureza humana que seria vão negar poder
o adolescente tornar-se verdadeiro adulto no plano afetivo
e sexual (o mais importante para sua vida individual e
social), um ser livre e capaz de vontade, senão lutando
contra as tentações naturais de desnaturação de suas ne
cessidades. E isto, não ensinando a ignorá-las, a recalcá-
-las, a desprezá-las, mas a dominá-las, pelo menos enquanto não puder dar-lhes uma satisfação normal e humana em
um matrimônio definitivo, que exige a maturidade adulta.
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138 o d o m í n i o d e s i
O maior obstáculo à vontade são os maus hábitos do
adolescente, que quer fazer de adulto, isto é, imitar os
erros de um adulto, que precisamente não é adulto.
Também neste ponto é necessário substituir a inefi
caz moral negativa por uma desdobrada e higiênica educa
ção cerebral do Domínio de si mesmo, que permitirá ser
um Homem verdadeiro. Não adquirir maus hábitos alie-
nadores, mas sim bons hábitos formadores. Abandonar o
preconceito de que seria normal e natural deixar-se levar
pela natureza, mas sim lutar contra ela, obedecendo à
Moral, por razões sociais ou religiosas, para compreender
que estas razões sociais e religiosas nos ajudam a tornar-
-nos Homens verdadeiros. Se não agirmos assim, uma fa l
sa Moral desencarnada se satisfará com o desastroso ca
samento dos adolescentes, como solução para a ausência
de Domínio de si mesmos, que êles demonstram. Isto os
instalará num estado não-adulto, que levará o casamentoao fracasso. Ou então a mesma falsa Moral aceitará o
desencadeamento, a falta de vontade desde o momento do
casamento, pois então, acharão que não têm mais neces
sidade de fazer esforços. Chegar-se-á assim a tôda essa
monstruosidade conjugal de indivíduos deseducados, que
se crêem porém, normais, apesar de não serem senão la
mentáveis fracassos dos divórcios, dos adultérios, da prostituição, do abôrto e da contracepção. Tudo isto, trágicas so
luções para a ausência de vontade e cujas legalizações
permitirão ainda mais ausência de vontade e mais desuma-nização.
Os problemas do domínio sexual são muito importan
tes pois somente o verdadeiro Domínio de si mesmo con
cede ser adulto, isto é, estar no verdadeiro estado de adulto, que é o esforço permanente na recusa às tentações, apesar dos bons hábitos.
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A EDUCAÇAO DA VONTADE 139
Mas somente o Domínio geral de si mesmo é que podelevar ao domínio sexual. A relação homem-mulher não é
senão um caso particular de relação social humana e apersonalização desta relação é válida para todos os casos.
Não é adulto senão aquêle que sabe dominar-se e tratar os outros como pessoas responsáveis, guardar sua pró
pria dignidade, respeitando a dos outros. Na relação, bem
freqüente, entre dono e escravo, não é apenas o escravoque fica despersonalizado, mas também o dono. Não é
possível ao homem guardar o próprio equilíbrio fazendo-sede Deus, de falso Deus! O Deus verdadeiro é libertador epersonalizante e não um ídolo constrangedor e alienador.
O segrêdo do Domínio de si mesmo é guardar lucida
mente seu lugar no “ optimum” , é recusar tanto um ex
cesso de abaixamento quanto um excesso de elevação. Também aqui somente a verdadeira educação pode encaminhar
tudo para o melhor.
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i!Natúl Çsteves da ç^ih
Acad. Filosofia - U F G
Fone: 225 98 :o
6Civilização e Vontade
P r o g r e s s o c u l t u r a l e C é r e b r o .
Acabamos de insistir sôbre o dinamismo da personali
zação do homem ao longo do ciclo vital individual desde aconcepção até a morte. Ao homem não basta apenas ter
um cérebro (o que é uma aptidão hereditária espêcífica).
Não é êle adulto senão em um ambiente cultural humano,
que lhe permite utilizar as possibilidades do próprio cére
bro, tendo necessidade outrossim de uma boa educação, que
o faça aprender a saber querer a fim de chegar assim ao
domínio da própria conduta. Segundo as condições do am
biente poderá o Homem humanizar-se ou desumanizar-se,ainda que as aptidões hereditárias tenham sido idênticas
de início.
Aquilo que faz um ambiente humanizante é ser umambiente humano fornecendo as relações sociais, das quais
tem o indivíduo precisão e mergulhando-o numa ambiên-
cia cultural, fruto das descobertas das gerações desapa
recidas, uma espécie de nova herança, não inata, mas ad
quirida e transmitida por uma educação, na qual a linguagem tem papel preponderante. A riqueza de nosso pensa-
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142 O DOMÍNIO DE SI
mento depende antes de tudo da riqueza da língua, que
aprendemos e do nível cultural do nosso ambiente de nas
cimento e de educação.Esta socialização cultural que condiciona o desdobra
mento de todo o nosso ser vai dar à espécie humana um
dinamismo de uma ordem, que falta ao animal. É o progresso histórico. A situação do indivíduo é condicionada
pela sua situação histórica na humanidade. As abelhas,animais de natureza social como o homem, não mudaram
desde a origem da própria espécie: nenhum progresso nosseus costumes sociais, baseados sôbre o instinto e sôbre
uma parte mínima de aprendizagem. Ao contrário, gra
ças à sua inteligência, o homem é suscetível de invenções,de descobertas, podendo explicá-las a outrem e fazendo-as
passar assim para o acervo cultural coletivo, que elas contribuem a fazer progredir. É pelo cultural que nós nos
humanizamos. O mosaico de níveis de cultura nas diversas
civilizações à face da terra tem uma significação que nãoé apenas de azar, pois corresponde a um progresso histó
rico. Certas culturas estão avançadas, outras, atrasadas
ou até em regressão. Humanizando-se, como se humani
za, pela cultura, pode o Homem mais bem humanizar-se
hoje do que antigamente, se pertencer a uma cultura
avançada.
Para compreender a natureza da espécie humana énecessário insistir ao mesmo tempo sôbre seu aspecto so
cial e sôbre o fato do supercérebro. Difícil síntese que
falta aos partidários de um “biologismo” (isolando o ho
mem em sua solidão) e àqueles de um “sociologismo” (es
quecendo que a dimensão cultural própria do social hu
mano é uma conseqüência das aptidões cerebrais superio
res). O social, sem o nível humano do Cérebro, são costu
mes imutáveis das sociedades animais, que não mudam degeração à geração, ainda quando, nêles, se ajunta algo de
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CIVILIZAÇAO E VONTADE 143
aprendido àquilo que é inato, pois os animais não têm in
venção. O cérebro humano sem o social, seria inútil, pois
que é sôbre a relação humana, isto é, o Diálogo, que seconstrói a maneira humana de ser, de viver e de pensar.
Mas juntando-se o cérebro ao social, então temos o
progresso cultural, temos o sentido da história, que é a
utilização sempre cada vez melhor do cérebro para maior
consciência, para maior liberdade e por conseguinte, para
uma vontade cada vez mais lúcida e verdadeira. Êste Sen
tido da História está inscrito na natureza do homem, quenão pode realizar plenamente suas possibilidades, senão pou
co a pouco e melhorando sempre. Mas êste Sentido da Histó
ria, apesar de seu caráter normal, não é simplesmente o
automatismo da melhoria do cérebro na evolução biológica.
Assim como o indivíduo pode desumanizar-se, apesar
de sua natureza normal, da mesma forma a sociedade
pode evoluir num sentido desumanizante. Bem que sejauma tendência normal, o progresso pode permanecer ape
nas possível, pois depende da livre vontade humana: ir
no sentido da história aparece como um dever de melhor
equilíbrio. Daqui vêm as incoerências e recuos das civili
zações e que nos fazem esquecer a grande linha ascendente
esboçada pelos progressos do conhecimento. Ê êrro dizer
que qualquer estrutura social é boa para o homem, assimcomo também é errado fazer juízo de valor apenas desde
o insuficiente ângulo de visão da adaptação. Deve julgar-
-se uma estrutura social pelo seu caráter normativo, suas
possibilidades de maior humanização. É êrro recusar o
progresso e afirmar que tudo era melhor antigamente,
quando justamente o homem, ignorante e impotente, não
tinha plena possibilidade de realizar-se. Mas também é
êrro batizar como progresso qualquer modificação, assim
como pôr-se à procura de um homem inteiramente nôvo.
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144 O DOMÍNIO DE 8J
O autênticamente nôvo é o que melhor realiza as possibili
dades de origem; é o que é mais conforme à natureza e
não aquilo que a desnatura.
N e c e s s i d a d e d a h i g i e n e s o c i a l .
O drama da nossa sociedade atual está em que todos
nós teríamos a possibilidade de ser bem mais humanos.Seria insensato ter saudade do passado, quando o Homem
estava desarmado por sua ignorância, assim como conde
nar o progresso científico e técnico, querendo voltar a umavida natural, de fato desnaturadora para o homem. Mas
os nostálgicos do passado têm razão de condenar as graves
desnaturaçÕes do homem no mundo moderno. Não há porque condenar os progressos técnicos, mas sim os exageros,
que tomam o Homem escravo da máquina, da técnica. Esta
é que deve pôr-se ao serviço do homem e não aceitar senãoo que fôr proveitoso a êste.
Devemos protestar contra todos os aspectos desuma
nos e desequilibrantes da vida moderna, precisamente por
que temos hoje a possibilidade de criar condições de vidabem mais humanas. Ora, por nossa culpada ignorância e
nossa irreflexão chegamos a desnaturar de tal modo o
ambiente que o tomamos bem mais impróprio à vida hu
mana do que o ambiente selvagem de antanho, de si tãopouco expansivo. A tribo primitiva com seus tabus erapouco favorável ao indivíduo.
Êste era tão pouco preservado quanto seu descendente,
perdido entre a multidão das cidades modernas, nas quais
apesar de tomado mais apto para maior liberdade, êle não
consegue exercê-la. A tribo primitiva é um estádio superado,
mas é necessário que encontremos condições atuais paraa expansão do indivíduo. Êste problema não existe na
sociedade animal simples, na qual os costumes sociais as
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CIVTLiIZAÇAO E VONTADE 145
seguram tudo o que é preciso para o equilíbrio individual.A vida socializada do homem moderno, especialmente nas
cidades, não será equilibrante senão quando, aceitando anecessidade cerebral humana de refletir, estabelecermos re
gras de higiene social (para defesa do equilíbrio e da saúde)
assim como uma bio-sociologia e uma neuro-sociologia, in
felizmente, desprezadas por sociólogos, perdidos nas descri
ções das estruturas sociais e esquecidos do sentido destas,que é justamente a melhor satisfação das verdadeiras ne
cessidades humanas. Esquecidos por conseguinte a humani
zação do Homem e da sociedade.
HÁ PROGRESSO PARA O HOMEM?
Ê difícil ser justo para com o homem primitivo. Freqüentemente temos a tendência de diminuir demasiado a
distância que o separa de nós. Isto equivale a negar oprogresso histórico. Êste fato se dá, particularmente, quan
do se naturaliza exageradamente, a concepção cristã da
queda de Adão no Pecado Original. Erradamente nós ima
ginamos (coisa que nem a mais estrita teologia jamais
exigiu) que Adão, sem o Pecado Original teria gozado daexpansão completa das possibilidades humanas, o que éum absurdo cientificamente falando. Estar no equilíbrio
pleno de sua natureza humana, graças a relações autênticascom Deus não implica absolutamente a negação do caráter
dinâmico dessa natureza, que inclui um progresso cultural
de realização de geração em geração. Qualquer que seja a
opção metafísica, o Homem não é um ser estático mas
dinâmico.
Longe de opor, como se faz às vêzes, uma perfeição
original (na qual a necessidade do progresso é imposto poruma queda, uma regressão) a uma imperfeição de origemexigindo o progresso, é mais certo professar a opinião mé
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146 O DOMÍNIO DE SI
dia, mais lógica, da necessidade do pregresso, mas de um
progresso cuja evidente necessidade racional é obscure
cida por falta de bom senso e de sabedoria. É isto justamente o que a teologia entende na expressão: “ Pecado Ori
ginal” , que, despojado de uma certa apresentação mítica,se torna uma forte probabilidade.
Esta fraqueza de origem nos homens os conduz a es
colher a descida fácil do “laisser-aller” desumanizante, de
preferência ao caminho difícil, mas humanizante. Mas fra
queza de origem em um ser responsável, pois é livre de
escolher entre uma subida e uma descida, apesar da própria falta de lucidez, que atenua mas não anula a responsabilidade. O Pecado Original, objetivamente, é a incapa
cidade e a recusa pelo homem de assumir sua própria na
tureza e de reconhecer que a única verdadeira vontade
humana é a vontade do Bem.
Relembrar porém, juntamente com a ciência, que a
humanidade, partindo de muito baixo, está subindo continuamente ainda que insuficientemente, não deve induzir ao
êrro de rebaixar o homem primitivo, fazendo dêle um
animal apenas aperfeiçoado. Nós ignoramos quando, na
evolução dos pré-humanos, deva ser situado o passo da
Reflexão. È porém certo que, por mais progressiva que
seja a série nos estádios sucessivos de cerebralização, não
deixou de haver para um certo grau de complexificação
quantitativa do cérebro, a superação de uma mudança qualitativa, revelando a natureza diferente, humana, espiri
tual, do nôvo ser, florão da evolução. Por mais primitivo
que tenha sido, o primeiro homem era Homem e não Ani
mal. Tinha seu cérebro humano organicamente acabado,
ainda que a insuficiência cultural não lhe permitia apro
veitar-se plenamente dêle. Ter um cérebro humano é ter
superado o passo da Reflexão, é ser apto à verdadeira L i
berdade e a verdadeira Vontade, é ser capaz de Amor e de
Religiosidade.
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CIVILIZAÇÃO E VONTADE 147
Ê tão grave êrro científico animalizar o primeiro ho
mem quanto atribuir-lhe a ciência infusa e tôdas as per-
feições.O progresso histórico, progresso individual e sobretudo
a generalização dêste progresso a sempre maior número
de indivíduos, pode parecer mínimo quando comparamosas elites da Grécia antiga às elites atuais ou então, quando,
inversamente pomos em paralelo os Assírios e a tortura
científica de nossa época.
Mas isto é um êrro. Se nós nos referirmos ao verdadeiro comêço da história, ao momento do passo da Reflexão, quando, isto é, o homem primitivo começou a revolucionar o mundo ao interrogar-se sôbre o próprio dever, se julgarmos o conjunto da humanidade antiga e da hodierna, veremos então um incontestável progresso. Aquilo que
inicialmente era o apanágio de apenas alguns, que podiam
refletir e pensar (graças à escravidão de outros) se toma,
apesar de terríveis insuficiências, a propriedade de todos.Foi sem dúvida, um extraordinário progresso quando S.Paulo, rejeitado pelos intelectuais de Atenas, se dirigiu com
sucesso aos doqueiros de Corinto, mais aptos, no fundo, a
uma sã Reflexão. Antes de libertar os escravos era necessário restituir-lhes a dignidade humana. Êste era o ver
dadeiro caminho para a libertação dêles, sem que por isto
queiramos minimizar a importância dos progressos econômicos.
A VERDADEIRA LIBERTAÇÃO! SOCIALIZAÇÃO E NOOSFERA.
O que o homem quer é ser livre, sempre mais livre.Mas êle não compreendeu ainda a verdadeira Liberdade
(esta escravidão voluntária ao Bem) que lhe é imposta pelaobediência ao equilíbrio individual e social do seu organismo. Os progressos científicos e técnicos podem ser fa-
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148 D DOMÍN IO DÊ Si
tôres de libertação, mas somente com referência a estaexpansão na natureza humana para o Bem. Senão, são
alienadores.
Sendo o homem um ser de natureza social, nascido por
mutação no seio de sociedades de primatas pré-humanos,teve inicialmente a própria liberdade circunscrita pelos usos
sociais da sociedade primitiva, cuja origem conhecemos
mal. Muito superiora, pois de uma natureza psicobiológicadiferente da do animal, a personalidade do Homem não
havia ainda plenamente emergido da consciência coletiva,que dificultava a plena realização de suas aptidões para aLiberdade. O progresso, baseado na ascensão cultural, (por
conseguinte, sôbre um “ processus” de aperfeiçoamento social) traduziu-se paradoxalmente pela emergência da pessoaindividual, que pareceu um recuo na socialização. Isto po
rém é apenas uma ilusão, pois que êste progresso pessoalnão tem realidade senão pelo progresso social.
Mas esta ilusão levou ao preconceito de opor indivi
dual a social. No orgulho de nossa libertação (nesta ado
lescência de uma humanidade que não tinha ainda atingi
do a maturidade, mas que, como todo adolescente, tem opoder de destruir-se e de destruir tudo) nós esquecemos
de sermos sêres, nos quais a socialização é constitutivo da
natureza. Não sentimos mais em nós a necessidade dos
outros, a necessidade de amar e de sermos amados; nósesquecemos que nosso psiquismo é baseado no emprêgo de
uma língua e assim cremos possível crescer no egoísmo,
que tomamos como uma afirmação de nossa pessoa, quando
é precisamente a negação dela.
Daqui tôda a ambiguidade de todo êsse admirável mo
vimento de libertação, que anima o homem (a mulher)
modernas. Êle é a legítima recusa aos constrangimentossociais ou morais impostos e também, ao mesmo tempo, a
afirmação do direito do ser à própria livre realização. Mas,
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CIVILIZAÇAO E VONTADE 149
em lugar de substituir as imposições pela reflexão lúcida
sôbre a necessidade do Bem, confunde-se a Liberdade coma possibilidade de fazer qualquer coisa, recusando assim a
distinção entre o Bem e o Mal. Querendo tomar-se desu
manamente livre, o Homem moderno toma-se ainda mais
escravo que o Homem de outrora. Escravo de suas neces
sidades orgânicas, que toma por infalíveis instintos. Es
cravo do conformismo ou do anti-conformismo. Escravo
de inconscientes engenheiros, físicos, biólogos ou psicó
logos que lhe dão condições inumanas de vida. Pobre cobaia nas mãos de técnicos, aprendizes de feiticeiros e su
cumbindo por falta de higiene mental aos inumeráveis de
sequilíbrios da fadiga nervosa!
Que contraste entre o mundo em que vivemos e a
visão profética objetiva do cientista, descrita por Teilhard
de Chardin, como a sociedade ideal, na qual, baseadas no
Amor, as relações sociais darão possibilidade de expansãoaos indivíduos. Êste aspecto feliz da socialização já foi
indicado igualmente pela “Mater et Magistra” .
Terá sido o profeta da Noosfera, Chardin, um utopis-
ta, esquecido do Mal? De modo nenhum. Nunca disse êle
que a Noosfera seria de fácil conquista. Simplesmente
mostrou ser ela o destino normal e natural do Homem,
exigindo, isto é, um considerável esforço de lucidez refletida e de vontade. Sendo o destino normal de realização das
possibilidades da natureza humana, a Noosfera só nos pa
rece utópica por causa de nossa ignorância, que faz com
que escolhamos os caminhos perigosos da facilidade ou do
falso moralismo.
A Noosfera, sociedade de liberdade ou melhor de li
bertação, é a sociedade de personalização e de “amoriza-ção” , na qual convergirão tôdas as vontades boas, tôdas
alegremente preocupadas pelo esforço de sucesso do indi
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150 O DOMÍNIO DE 81
víduo, quando êste se põe ao serviço de todos, procurando
melhorar também a si mesmo.O verdadeiro progresso da civilização é o progresso no
Querer melhor. O drama no caso é que, tendo a possibili
dade de querer mais e melhor, queremos realmente pior
que nossos antepassados, porque nosso hiperindividualis-
mo fêz com que confundíssemos preconceitos sociais com o
Bem, com a autêntica Moral.
Já é chegado o tempo de promovermos a salvação davontade. A Noosfera tem necessidade do progresso téc
nico, mas não dessa Tecnosfera, a mais horrenda de suascaricaturas. O mundo moderno pede o suplemento de al
ma, de liberdade, de lucidez e de responsabilidade que está
precisamente nos nossos recursos não-empregados e dilapidados. Mais do que um suplemento, uma utilização mais
completa e mais autêntica. Ora, nós vamos no sentido contrário pois que o que pedimos à ciência não é ensinar-nosa querer o Bem, mas dispensar-nos simplesmente de que
rer, graças a pílulas, que nos forçam a fazer o que é
preciso.
A índia possui em sua tradição espiritual tôda umasérie de possibilidades de se realizar pelo Domínio de si
mesmo. Estamos falando do treinamento de Yoga. Não
seria mais justo ensinar tais técnicas de Domínio de simesmo, não simplesmente para uma ascese superior de
recusa do mundo, mas para permitir a todos um lugar
nêle? Por que orientar os hindus para aquilo que o Ocidente tem de menos defensável? Num país em que os
monges praticam o domínio sexual, por que se terá orientado o govêrno hindu, a fim de resolver o difícil problema
demográfico, para a monstruosa solução da esterilização,segundo a facilidade ocidental, encorajada ainda por cimacom um prêmio em dinheiro? Sob aparências realis
tas e progressistas, trata-se porém da pior regressão e
desumanização.
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CIVILiIZAÇAO E VONTADE 151
A Moral também concorda com o conhecimento bioló
gico do Homem. O Bem, isto é, o progresso no Querer me
lhor, não é simplesmente a utilização correta hierarqui
zada e normal das possibilidades do cérebro humano comrelação ao cérebro animal, a fim de comportar-se comoadulto plenamente responsável. É querer-se no sentido da
história. Não ser escravo de inumana socialização, quetende a apagar o indivíduo diante da sociedade, mas trabalhar para que os homens possam ser cada vez melhores.
Vale dizer: que saibam refletir e escolher com tôda a
própria vontade um bem melhor, humanizar-se pessoalmente para serem humanizadores ; tomar em mão pessoalmente
o próprio destino. Isto quer dizer realizar a própria salvação juntamente com a de tôda a humanidade dentro de
uma verdadeira Moral, que é a dinâmica positiva de rea
lização do ser, fôrça esta subentendida na própria história,
quase esquecida, da palavra virtude.
É à luz dêste sentido da história que é preciso julgar,sem complacência e sem severidade, o drama do. mundoatual, que é o de humanidade adolescente, cabeluda, que
quer ser livre quando ainda não aprendeu o que seja sa
ber Querer. Isto porque uma irreal separação entre Natureza e Moral, daquilo que deveria ser a higiene suprema,
um Moralismo desequilibrante.
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i!Motal Çsteves da (S t!oa Acad. Filosofia - UFG Fone: 225-9810
7 As técnicas do Querer
C o n h e c e r o p r ó p r io b e m : a M o r a l d o c é r e b r o .
Apesar de ser apto a querer e de não achar constitu-
tivamente seu equilíbrio senão querendo aquilo que con
vém a si e aos outros, de uma maneira “optima” , o Homem não sabe querer. Tem sido sempre assim, mas esta
carência da vontade do Bem nunca foi tão perigosa quanto hodiernamente, numa sociedade em plena transforma
ção, cada vez mais submetida às iniciativas do Homem.
Querendo libertar-se e tendo o poder para isto, o Homemnão pode verdadeiramente libertar-se porque ignora a sig
nificação da Liberdade humana.
Que é preciso para ser livre? Ter um cérebro que funcione bem, isto é, no qual a potência refletida de persona
lização da conduta não seja suprimida ou freada nem pordoenças, nem por faltas de higiene, nem por ignorância
e falta de conhecimento daquilo que é ser Homem e da
quilo que convém fazer e evitar para ser Homem o mais
plenamente possível.
Tudo quanto dissemos precedentemente deve ser abase de um conhecimento de si mesmo, fonte de uma cul
tura biológica, que não deve ser apenas uma acumulação
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154 O DOMÍNIO DE SI
enciclopédia de conhecimentos, mas possibilidades de conduzir-se como Homem.
Para saber Querer, para ser Livre, é preciso saber o
que é a Liberdade humana; é necessário conhecer a LeiMoral e segui-la. Mas nós vimos que esta Lei Moral não
é boa senão na medida em que é compreendida. Daqui anecessidade de completar o ângulo de visão tradicional(muito freqüentemente confundido com um Moralismo dé
séquilibrante) com uma Moral do Cérebro. Esta nos dirá
as precisas e verdadeiras condições humanas encarnadasda Liberdade e da Vontade, apresentando-nos o Mal comouma incapacidade técnica do ignorante ou do culpado, nãosabendo servir-se do próprio cérebro e do Bem como um
poder de humanização, de expansão humana individual esocial. O Bem não é uma imposição negativa para evitaruma tendência incoercível ao Mal. Ê o difícil e alegre esforço de subir, apresentando assim o aspecto positivo e
proveitoso da realização de si mesmo.
O ponto de partida de tôda vontade libertadora de fazer o Bem é pois compreender a necessidade psicológica
do Bem, sua lógica e a irracionalidade estúpida de umMal desequilibrante. Êste, apesar de seu aspecto tentador,
não é senão estupidez, ignorância ou desejo masoquista esádico de destruição. Aquilo que diz o moralista tradicio
nal se confirma para todos os homens, qualquer que sejasua opção metafísica, pois não está no poder do Homem
de utilizar seu cérebro, fora da finalidade dêste, sob pena
de desequilíbrio.
Bastaria então porventura ensinar a Moral do cérebro
para que tudo vá bem e para que a lógica do Bem e da
verdadeira Virtude tome conta da humanidade? Infeliz
mente não. Nunca se chegará a falar demasiado da necessidade da educação, pois sofremos hoje mais por igno
rância que por vontade do Mal. Por uma ignorância que
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AS TÉCNICAS DO QUERER 155
seria culposa, se os entendidos, os educadores tivessem
querido ensinar uma ciência humana normativa, ao quefogem êles inexplicavelmente.
Mas esta educação racional não basta. Não basta di
zer: É preciso agir assim.
A maioria dos homens apesar de levados a reconhecer
o Bem, afirma-se incapaz de querer o Bem, por incapaci
dade total de Domínio de si mesmo. Não podem querer
porque não sabem querer. Ninguém os ensinou a querer.
E d u c a ç ã o p s ic o f í s i c a e V o n t a d e .
Nós vivemos com o preconceito de que Querer é uti
lizar uma fôrça misteriosa para dominar uma incoercível
tendência. Tratar-se-ia de enrijecer os músculos e ener
gias em um esforço inumano para agir ou impedir deagir. Ora, não nos sentimos capazes dêste esforço. Todos
recebemos uma educação física que, além de uma. higiene
elementar, visava desenvolver nossos músculos. Educação
do esforço físico para desenvolver a dinâmica da contração.
Êste espírito da educação física deveria ser atualizado
no sentido e com a única finalidade de desenvolver a Von
tade. Há dois erros para serem evitados.
Em primeiro lugar o educador físico não é um edu
cador do músculo mas sim do cérebro. A educação não é
física, visando simplesmente acrescer desmedida e inestè-
ticamente (em que pese aos juizes do Concurso de Apoio)
as massas musculares. Ê uma educação do cérebro, não
da cortiça motora ou da vontade, mas uma educação dos
centros reguladores da harmonia dos gestos sob o contro
le da vontade, uma educação psicofísica, que nos ensinaa agir correta e economicamente, aumentando a eficácia,
apesar de reduzir o esforço. Quando o educador físico
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156 O DOMÍNIO DE S I
compreender que o essencial (quer se trate de treino ou
de fadiga) está na regulação cerebral, êle perceberá então
porque é que tudo que favorece a harmonia motora é oque é favorável a tôda a harmonia psicossomática, isto é,
o equilíbrio do cérebro em tôdas as suas funções. A moral
esportiva é a moral do Homem. Basta ao esportista reco
nhecer a necessidade geral dela, fora de qualquer exercício muscular. O educador físico tomar-se-á o principal pro
fessor de educação e de cultura humanas, no dia em quecompreender o verdadeiro sentido dos exercícios que manda
fazer. Êste sentido não está em realizar “performances”
com um esforço desesperado e ineficaz da vontade, mas sim
em ter bons hábitos, que darão a vitória com facilidade. Nãoserá necessário querê-la a cada instante, mas sim tê-la
preparado pacientemente por um treino incessante, no qualconsiste precisamente a verdadeira vontade.
O segundo êrro prejudicial à transformação humanis
ta da educação física é que esta é demasiado orientada para a execução de movimentos, quando o mais importante
para realizar tais movimentos seria aprender a concen
trar-se, a frear-se, a prestar atenção e por conseguinte a
relaxar-se e a controlar a relaxação para assim agir mais
e melhor.
Como já dissemos, já temos que tomar consciência do
estado de tensão de nossos músculos, tão importante parao movimento. Deixando de lado o preconceito da vonta
de de agir, é preciso que nos concentremos no aspecto com
plementar do músculo, órgão sensorial, que nos informará
sôbre sua própria tensão.
É preciso saber sentir e saber relaxar-se para poder
querer. Não esforçar-se para concentrar instantaneamente
uma barreira voluntária, mas habituar-se e dominar voluntariamente tôda a dinâmica cerebral. Isto permitirá refletir
e conter-se em tôdas as circunstâncias.
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AS TÉCNICAS DO QUERER 157
O mais importante pois, não é a ação, mas sua representação mental. Isto fará com que, sem negligenciar a
ação, possa alguém treinar em pensamento, comandandonão os músculos mas a imagem cerebral, sensitiva e mo
tora dêles. O domínio do corpo está no domínio do cérebro, no qual se reflete todo o nosso corpo.
O e x e m p l o o r i e n t a l : o Y o g a e o Z e n .
Sem que seja preciso assimilar o espírito metafísico
e místico destas realizações orientais, teríamos muito paraaproveitar dêstes modos de dominar-nos psicofisicamente.
Não apenas para separá-los do contexto religioso hindu fazendo dêles uma simples cultura física higiênica, mas para
reinseri-los em uma perspectiva de humanismo leigo ou
cristão, como bem demonstrou o R. P. Déchanet.
Tôda uma auréola esotérica de mistério plana sôbreo Yoga, favorecido por um certo esnobismo. É necessáriorejeitar todo esoterismo e esnobismo, eliminar tudo que
fôr inaceitável sob o ângulo de visão da ciência moderna.
Fiquemos apenas com o admirável conteúdo de formação
da vontade pela relaxação, pela calma, pelo repouso (de
que tanto precisa nossa época “ surmenée” ), a regulação
das posições e das atitudes em relação com um estado men
tal procurado, a regulação da respiração.
Mas é sôbre a maneira, pela qual muito justamente
o Budismo Zen concebe a Vontade, que quereríamos cha
mar a atenção. Ela concorda perfeitamente com tudo quan
to temos sugerido cientificamente. Será lido com proveitoa brochura de um ocidental, E. Herrigel, que se iniciouno Japão “no Zen, na arte cavalheiresca do arco e flexa” .
Por que arco e flexa? De fato, não é isto que importa.Poderia ser qualquer outra atividade, por exemplo, para
uma mulher, a arte japonêsa de fazer um buquê (Ikebana).
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158 O DOMÍNIO DE 81
O importante não é aprender a fazer alguma coisa, masaprender a dominar-se, a sair-se bem, sem visar isto di
retamente. São “performances” que necessitam de calmae de verdadeiro Domínio. Nada é mais interessante do quecompreender como, apesar de querer, não se pode querer
e como, não querendo diretamente, se aprende a conseguir,a realizar.
“ Não atirais com arco, diz o Mestre japonês, para for
tificar os músculos. Para retesar a corda não é necessárioempregar tôda a fôrça do corpo. Basta aprender a deixar
vossas duas mãos executar todo o trabalho, enquanto queos músculos dos braços e dos ombros quedam relaxados,
parecendo não tomar parte alguma na vossa ação. Só en
tão, quando fôrdes capazes disto, é que tereis preenchido
uma das condições, graças às quais vergareis o arco eatirareis, em espírito. Se não puderdes vergar o arco, é
porque não estais respirando segundo as regras. Depois
da inspiração, engoli suavemente o sôpro, durante um instante, conservai-o assim. Então a parede abdominal se
retesará moderadamente. Em seguida, expirai até ao fundo, mas, o mais lenta e regularmente possível. Depois de
uma breve pausa, inspirai vivamente para explicar suave
mente. Continuai assim, nesta alternância de inspiração
e expiração, cujo ritmo se estabelecerá suavemente por simesmo. Executando tudo isto devidamente, verificareis
que o tiro com arco se irá tomando cada dia mais fácil.Respirando de modo como foi dito, descobrireis além dis
to, o princípio de tôda fôrça espiritual e quanto mais vosdescontrairdes tanto mais percebereis que esta fonte res
sumbrará por todos os vossos membros” .
Num dia em que eu lhe fazia notar como me esforça
va conscienciosamente para ficar descontraído, o Mestre me
respondeu: “É justamente porque vós vos esforçais, porque ficais pensando nisto. Concentrai-vos exclusivamente
sôbre a respiração como se nada mais houvésseis de fazer.
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AS TÉCNICAS DO QUERER 159
O grande obstáculo é vossa vontade demasiado têsa paradeterminado fim . . . Libertai-vos de vós mesmos; deixai
para trás de vós tudo quanto sois” .Ê assim, por uma certa despossessão, um certo desa-
pêgo, que não exige um resultado imediato, mediante umesforço crispado, que se chega ao sucesso.
N e c e s s i d a d e d a r e l a x a ç ã o : m é t o d o s d e l a .
Há tôda uma série de técnicas para aprender a Querer.
Longe de visar diretamente a Vontade, elas tendem mais
para o equilíbrio geral. Aparentemente bem diferentes umasdas outras, acabam tendo tôdas modos de ação bem vizinhos.
Não aprendemos a agir plena e conscientemente que
dando-nos nos automatismos da infância. Temos no nosso cé
rebro, graças à existência dos centros reguladores da base,
todo um automatismo harmonizador, que permite a Atençãoe a Distração. É preciso que aprendamos a dominá-lo.
Isto é tanto mais difícil e necessário quanto é certò que àausência de educação se ajunta o desequilíbrio e a super-
excitação do aparelho regulador, provocado pelo enervamen-
to da “surmenage” nervosa.
Esta se traduz por essa crispação física e mental que
paralisa todos os nossos esforços de vontade e de lucidez.Ê preciso prender a distender, a relaxar nosso aparelho
nervoso regulador. Entre os métodos de distensão, de relaxação é bom que insistamos mais especialmente sôbre os
métodos de relaxação muscular, de uma parte e sôbre o
método Vittoz de reeducação do controle cerebral, de outra.Dois métodos muito diferentes nos próprios princípios mas
chegando a resultados semelhantes.
É o desequilíbrio dos centros reguladores que é res
ponsável pela crispação dos músculos. É necessário pois
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160 O DOMÍNIO DE 81
exercitar-se na distensão e na descrispação. Isto trará du
pla vantagem: os músculos distendidos não enviarão mais
mensagens sensitivas reflexas, que aumentam o enerva-mento e doutra parte são os próprios centros reguladores
os responsáveis da distensão muscular e da distensão cerebral. Procurar distender os músculos é procurar a própria
distensão geral. Seria fácil provocar uma distensão passiva
artificial pela anestesia ou pela hipnose.
Bem mais úteis porém, são os métodos ativos, pelos
quais, sob a orientação de um monitor, o paciente apren
de a distender-se mediante certos exercícios. Êle é educado assim a utilizar os podêres do próprio cérebro: apren
de a Querer, aprendendo a distender-se, a acalmar-se. Os
métodos práticos de distensão, de relaxação são numerosose por isso não podemos descer a pormenorizá-los. Com
Jacobson, o acento é antes neurofisiológico de distensãomuscular; com Schultz e seu “ training autógeno” , é o
nível psicológico que é atingido, chegando-se até a um verdadeiro estado de auto-hipnose, que, como no Yoga, não
tem o aspecto negativo de sonolência, mas importa numa
hiperatividade concentrada de tipo extático.
Ãs técnicas de relaxação propriamente ditas, é preci
so juntar os métodos mais ativos de exercícios musculares
da ordem da dança rítmica, mas num espírito completa
mente diferente.
C o n t r o l e c e r e b r a l p e l o m é t o d o V i t t o z .
A base da relaxação está na tomada de consciência do es
tado de tensão dos músculos guiando-se, por exemplo, pelasensação de pêso. Na psicoterapia do método Vittoz cuja
origem é mais empírica, mas que visa uma reeducação mais
completa do controle cerebral, o ponto de partida é a tomada de consciência de tôdas as sensações às quais não
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a s t é c n i c a s d o q u e r e r 161
prestamos atenção. Trata-se de perceber as impressões sen-
soriais elementares “ como um menino ao despertar” , im
pressões vindas tanto do próprio corpo quanto aquelas provindas da sensibilidade muscular e também do ambiente
exterior. Esta reeducação da atenção sensorial se completa
pela utilização da tomada de consciência e da colocação em
controle voluntário, durante o curso, de automatismos, co
mo o caminhar e a respiração. Aprende-se o contrôle daemissividade, isto é, a dirigir pela imaginação, a própria
energia psíquica para determinado ponto do corpo, concen
trando nêle a atenção e evitando a dispersão.
Outro aspecto do método Vittoz diz respeito ao contrô
le das imagens mentais: representando o paciente figu
ras geométricas simples e exercitar-se a eliminar uma des
tas imagens mentais dentre 3 ou 5. A um paciente que é
vítima de distrações ensina-se assim a controlar seu cé
rebro, fixando sua atenção e ensinando-o a distender-se.
Nada mais útil do que meditar as “Notas e Pensamen
tos” do Dr. Vittoz. Mostram perfeitamente bem o fim pro
posto pelo método, que é o meio de reaprender à Querer
sem atacar diretamente a Vontade, mas sim a causa da
falta de Vontade, isto é, a impotência de dirigir o próprio
cérebro.
“ Os atos conscientes, diz o Dr. Vittoz, devem chegar
a fazer parte de nós mesmos, devem chegar a ser naturais.Fazei durante meses inteiros atos conscientes e chegareis
à liberdade da vontade, isto é, a ser independente de qual
quer situação” .
C o n s e l h o s p a r a o h o m e m n o r m a l .
Pelas técnicas da relaxação, a medicina ocidental tor
na a descobrir, no plano da psicoterapia psiquiátrica e de
pois, na higiente do trabalho, aquilo que havia de certo
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162 O DOMÍNIO DE SI
nas técnicas orientais. Uma síntese de tôdas estas técni
cas fará desaparecer todo e qualquer esoterismo inútil.
O que prejudicou cientificamente a psicoterapia vit-
toziana, consistiu em que o controle do desequilíbrio e do
reequilíbrio cerebral se faz apreciando sôbre a fronte, o
estado das “vibrações cerebrais” do paciente. A neurofisio-
logia atual, que, evidentemente está ainda longe da per
feição, ignora que coisa possam ser tais “vibrações cere
brais” ! Praticamente porém, pouco importa. Basta ser
certo que os exercícios propostos são excelente meio dereequilíbrio e de educação do Domínio de si mesmo, cien
tificamente justificado. Seria êrro negligenciar a aplica
ção dêles unicamente pela dificuldade que há na interpre
tação das vibrações vittozianas.
De fato, existindo diversos tipos de técnica de disten
são, que permitem a retomada do Domínio de si mesmo,
será bom distinguir entre a terapêutica das neuroses exigindo uma técnica segura, medicalmente controlada, tan
to mais quanto mais esta terapêutica entrar na persona
lidade do paciente e o problema, completamente diferen
te, da educação do Domínio de si mesmo nas pessoas nor
mais ou o do reequilíbrio dos fatigados.
Aqui há 2 escolhos para se evitar. O primeiro é a so
lução fácil, sem valor, cuja eficácia é meramente de sugestão, que depende de charlatães, que visam sobretudo lucro
financeiro. Mas não convém, para evitar isto, cair em
outro êrro, qual seria o de pensar que tais exercícios vitto-
zianos só podem ser ensinados por médicos. Para os não-
-doentes (depois de verificar sua saúde) é possível usar
elementos dos métodos precedentes e dar a cada paciente es
tas possibilidades de distensão e de super-repouso, tão necessário na vida moderna. Isto, é claro, não quer dizer que
nos esqueçamos de tentar remediar a própria vida moderna.
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AS TfiCNICAS DO QUERER 163
Como já tivemos ocasião de ver, o ser humano, ao con
trário do animal, deve aprender tudo. Êle vive porém, emgeral, sob preconceitos desumanizantes. Deve, particular
mente aprender a repousar, tanto mais quanto a própriavida fôr mais fatigante.
Antigamente o excesso de fadiga física levava ao sono
reparador. Hoje, a fadiga nervosa é fonte de insônia. Ab
solutamente não repousam as pessoas sobrecarregadas sim
plesmente mudando de ocupação para diversões trepidantes,enervantes, anti-higiênicas, em meio a rumores desequili-
brantes. Seria melhor dedicar menos tempo para repousar,
mas repousar mais profundamente. É o que oferecem to
dos os métodos dos quais falamos e que deveríamos co
nhecer, a fim de evitar que também nós um dia, nos sinta
mos “ surmenés” .
Para vencermos quaisquer preocupações, venham donde vierem, deveremos sempre recorrer a êstes métodos de
tomada de consciência e de distensão.
Quando se tratar de triunfar sôbre as dores do parto
(um preconceito social) os exercícios propostos à grávida
para que dirija ela mesma voluntáriamente o próprio par
to, são exercícios de Domínio respiratório e de distensão.
Nada se perderia em saber que tais exercícios levam a um
Domínio geral, que não diz respeito, por conseguinte, so
mente ao parto, mas também servem para a luta contra a
fadiga nervosa. Estas técnicas pois, não deveriam ser en
sinadas apenas às grávidas mas deveriam tornar-se base
de tôda educação física, visando assim dar a todos, não a
fôrça física, mas a possibilidade de manter a calma e o
Domínio de si mesmo, isto é, o segrêdo da vontade lúcida.
Quando Scandel se levanta contra o abuso dos hipnó-
ticos e preconiza para as pessoas normais a volta ao sono
natural, no seu livro “ vitória sôbre a Insônia” , são exerci-
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164 O DOMÍNIO DE SI
cios da mesma ordem de recondicionamento da calma, ge
radora do sono, que êle propõe.Para favorecer o domínio tão difícil da sexualidade,
não é necessário fazer sermões, mas sim dar um controle
cerebral. Foi o mérito do P. Chanson ter percebido isto.
No seu livrinho “Para a saúde do corpo e do espírito” êle
vulgariza um conjunto de exercícios de educação psicofí-
sica com domínio das atitudes, da respiração, do andar.
Ensina a descondicionar-se dos maus hábitos e a recondicionar-se nos bons, associando uma situação corporal a
uma situação moral. Com tais exercícios êle facilita aos
adolescentes a luta contra a tentação de masturbação que
ameaça mantê-los numa insuficiência de vontade e numa
imaturidade afetiva, que os impedirá de tornarem-se adul
tos. Êste mesmo Domínio de si mesmo parece ao dito P.
Chanson, justamente a chave da harmonia conjugal, tor
nando inútil o emprêgo dos contraceptivos para limitar a
fecundidade. Êstes contraceptivos são maus remédios con
tra a ausência de Domínio de si mesmo. Êstes não se tor
narão inúteis por simples apelos “ espirituais” para o Do
mínio de si mesmos, mas sim pela educação do controle
cerebral.
Encontram-se os mesmos exercícios descritos pela pe
na de M. Kohler, que descrevendo a angústia dos homens
de hoje, quer remediar a ela pelas “ Técnicas da Serenidade”.
Êstes são alguns exemplos para se meditar, entre mui
tos outros, que mostram como uma educação do cérebro
deve ser posta a serviço de uma moralização humanizado-
ra. Portanto, como vimos no caso do tiro com arco e flexa
trata-se de dar um espírito a tôdas as nossas ações. Nãoé apenas a educação física que deve ser transformada em
serviço de verdadeira formação do homem. Esta transfor
mação deve dar-se em todo o tipo de educação, como, de
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AS TÉCNICAS DO QUERER 165
resto, já vimos, quando evocamos a educação nova e espe
cialmente o método Ramain.
Ê preciso favorecer tudo quanto forme a atenção, tudo
quanto evite a passividade. Qualquer ato, que nós executa
mos maquinalmente, pode ser ocasião de um exercício de
Domínio de si mesmo (o caminhar, por exemplo), sentin
do-o e controlando a execução dêle. Se o educador físico,
obnubilado pela sua atenção ao músculo, não cumpre ple
namente seu ofício, há um outro especialista, que pelo
contrário, faz boa utilização de seu cérebro: é o cantor. Or-
dinàriamente nossa voz é mal regulada, pois falamos ma
quinalmente, sem nos preocuparmos com as sensações que
nos vêm do ouvido ou dos músculos fonadores ou de todos
os receptores do tórax, do pescoço, sensíveis às vibrações
vocais. O cantor, de seu lado, ainda sem fazer a análise
consciente delas, sabe muito bem utilizá-las para regular
sua modulação sonora. O canto é afinal, uma fonação bemmais consciente e bem mais voluntária. Bastaria saber
disto para deduzir uma possibilidade de formação. O mes
mo pode dizer-se da dança, considerada como expressão
corporal, como uma tomada de consciência num trabalho
corporal, que permite retificar os maus hábitos e favorecer
a distensão.
A escrita, na qual (como já demonstrou a grafologia)se exprime a personalidade, pode servir a uma reeducação
(grafoterapia : Olivaux). É certo que uma tal grafotera-
pia, útil aos neuróticos, poderá constituir um exercício de
reequilíbrio e de Domínio de si mesmo para as pessoas
normais.
O mesmo se dá com tôda espécie de trabalho, com tôda
espécie de jôgo. Os exercícios tão proveitosos de ergotera- pia para os doentes mentais (Sivadon), poderão ser utili
zados pelos sãos.
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166 O DOMÍNIO DE 81
O caráter se exprime pelos traços do rosto. A proso-
pologia (Ermiane) propõe-se justamente elucidá-lo. Mas aqui
também, a procura voluntária de imitação de um tipo derosto pode conduzir a uma transformação da personalidade
no sentido da imitação.
PSICOPEDAGOGIA DA VONTADE.
Não é conveniente minimizar os podêres da sugestão,
que não é ilusão mas sim condicionamento cerebral. Ê oque faz a patologia neurótica, por exemplo na histeria. Re
vela os podêres que possui o cérebro e que a pessoa
normal pode aprender a utilizar melhor. Não se trata de es
tender exageradamente o poder da vontade até proezasespetaculares (por exemplo, no campo visceral). Mas de
dar sempre a preponderância ao cérebro superior sôbre os
automatismos do cérebro inferior a fim de humanizar plenamente tôdas as nossas condutas. Esta referência aos valores superiores permite, até na índia, distinguir o faquir de
feira de atividade comercial do autêntico asceta, que não
visa o domínio corporal senão para obter o domínio espiritual.
Em psicologia animal, a inteligência se manifesta nas
condutas de desvio, isto é, a possibilidade de dominar o
impulso de lançar-se diretamente para a frente. Isto mostra a compreensão do problema. Está aqui também o se-
grêdo da vontade humana, que consiste em retardar o atoa fim de melhor refletir sôbre a necessidade dêle, sôbre
as condições de sua execução. Isto exige calma.
Eis como, muito simplesmente, J. de Courberive, nos
propõe um lembrete pedagógico da vontade: 1) “Emprega
certo tempo para premeditar tua ação: A ) delimita exatamente o que queres fazer; B) e qual a razão para fazê-lo.
2) Traça um plano de ação tão racional quanto possível.
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AS TÉCNICAS DO QUERER 167
Racional aqui quer dizer: realista, isto é, que leva em conta
todos os dados, incluindo o inevitável, aceitando-o e daí,
tornando-o de um certo modo voluntário. 3) Coroa êsteplano com uma decisão irrevogável (senão não seria umadecisão). Daí em diante sabe dizer NÃo a tudo quanto não
entrar neste teu plano. 4) Pré-imagina teu ato. Faze o
ensaio geral dêle na tua tela cérebro-mental. 5) Reitera-
-te enèrgicamente a injunção: Vamos! 6) Executa o deci
dido sem mais delongas. Faze-o bem e de tal maneira que
não seja preciso repeti-lo. Em cada uma de tuas realizações procura sempre o definitivo. Cumpre alegremente to
dos os itens de teu programa..
A eficácia dos pequenos meios é simplesmente inacre
ditável. A utilização dos atos quotidianos forja a têmpera
das vontades. Não espereis pelos grandes momentos para
só então fazerdes atos heróicos. Quem se mostra medroso
na vida escondida não possui a estôfa dos heróis. A maissimples existência quotidiana nos oferece mil e uma oca
siões para afirmar-nos, para desenvolver-nos: escrever li
vremente, formar frases bem construídas e bem concluídas,
observar a propriedade dos têrmos, falar tão distintamente
que o interlocutor nos entenda logo da primeira vez. In-
fantilidades? Nada disto: Controle de si mesmo.
“ Haverá coisa mais deliciosa, escreve C. Prudence, doque o Domínio de si mesmo, do que a paz interior. . . A
paz interior autêntica não é um estado negativo, mas po
sitivo. A pureza sem perturbação nenhuma, não é uma
fôrça; a calma, sem domínio da agitação, não é uma se
gurança; a tranqüilidade sem combate não é senão pre
guiça ou abdicação. . . Quando o homem se conhece bem
em sua constituição e suas características, pode estabelecer
em si mesmo uma paz inalterável, porque baseada no co
nhecimento de si mesmo e na certeza do real. .. A paz é
irreconciliável com a agitação dos pensamentos, o tumulto
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168 O DOMÍNIO DE SI
dos sentimentos e os caprichos da vontade. Ela reclama
o controle dos pensamentos, o domínio dos sentimentos e
a livre escolha do querer. . . Não haverá paz para o homem desorientado, fora de si mesmo, fugindo a si mesmo
para procurar exteriormente os motivos de seu comportamento e os meios de seu consentimento.
Não há pois receita mágica para a vontade, receita que
dispensaria os esforços. Os fracassos não devem desani
mar-nos a menos que durmamos nêles. O hábito do Do
mínio de si mesmo cura da fobia do escrupuloso que nãoousa querer.
A vontade é facilitada para quem sabe fazer a própria
unidade e a própria síntese. Importa muito, saber anali-
sar-se. Se a psicanálise insiste tanto sôbre o aspecto ana
lítico é para fazer tomar consciência dos elementos neuró
ticos perturbadores. Mas não convém que nos percamos na
análise. O essencial é aptidão para a psicossíntese, para aqual se voltam diversas tentativas psicoterápicas.
“ Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a ter
ra” , diz-nos o Sermão da Montanha. “Em que consiste esta
mansidão? pergunta o R. P. Carré. Já tive ocasião de dizer
que ela deve ser reabilitada. Com efeito, a significação pro
funda dela foi desvalorizada. Parece ser apenas uma passividade benevolente: nenhuma aspereza no caráter, nada
de reações vivas, nada de agressividade; antes uma bonomianatural ou afetada, que suporta tudo. Tal é a idéia que ge
ralmente se faz da mansidão. . . Falemos da atitude con
trária à mansidão. . . Ã mansidão não se opõe, como po
deríeis crer, a violência, qualquer que seja, mas sim a du
reza. Ao lado da dureza aparece uma outra atitude, vizinhadela: o endurecimento” . A estas duas atitudes se opõe a ma
leabilidade.
“ Evidentemente, considerando apenas as aparências, não
há ninguém mais despojado, menos em posse de si mesmo,
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AS TÉCNICAS DO QUERER 169
do que o homem, que não resiste a Deus e fica maleável
nas mãos dêle. Mas olhai um pouco mais de perto! De que
está êle despojado? De tudo quanto nós chamamos sua
dureza: de tôdas as recusas que êle fazia a Deus e a seus
irmãos; despojado de sua dureza, de suas pretensões, de
suas amarguras... Êste homem, até então fechado em
si mesmo, deve antes ser considerado como libertado, como
arrancado de uma estreita prisão” .
O espírito de mansidão é inicialmente o Domínio de si
mesmo, “ aplicando-vos corajosamente a controlar vossas
reações; a manter o equilíbrio de vossos juízos e de vossos
atos, atingireis a fonte de muita paz e felicidade” .
Dêste modo, como acabamos de ver, o segrêdo da von
tade do Bem está na recusa da desnaturação orgulhosa. Se
a preocupação do futuro é própria do Homem, se há uma
inquietude, boa e legítima, que seria inadmissível querersuprimir por tranquilizantes químicos, não deixa de haver
porém uma inquietude excessiva, à beira do patológico, na
pessoa que está sempre preocupada, ansiosa e tensa, supe
rando assim a própria resistência. Ê bem conhecido o poema
de Péguy, onde Deus mostra Sua satisfação pelo abandono,
pela confiança que tem o menino no próprio pai.
Não se trata, é claro, de elogiar o infantilismo, mas asábia distensão confiante do verdadeiro adulto, que sabe
deixar para o dia seguinte aquilo que não tem necessidade
de ser resolvido imediatamente e vai repousar, esquecendo
tudo, tudo durante um sono reparador.
Finalmente é na confiança que está o segrêdo da von
tade. Basta compreender e saber. Como em tôda huma
na emprêsa pessoal e importante, é necessário crer nelacom tôdas as fôrças, e todo o coração. Só então é que é
preciso aprender. Mas êste aprender fica sempre indis
pensável.
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i!Klatal fêsteves da ç^ilva Acad. Filosofia - U F G
Fone: 225 9310
8 Amor e Vontade: paixãopelo "optimum"
E s p o n t a n e i d a d e e c é r e b r o : q u e r e r a m a r .
Usualmente o Amor vai de “pari passu” com a espontaneidade, a liberdade e a fantasia. Isto parece opor-se à
dura imposição que a idéia de Dever e de Vontade, sempre
evoca. Estará aqui, talvez, até, o segrêdo do drama da
nossa época.
É necessário que aprendamos que coisa seja o amor
humano, a liberdade humana, a espontaneidade humana.
Desejosos de libertação, não mais querendo obedecera regras constrangedoras (no que, por sinal, nos mostramos adultos) nós, em geral, confundimos a Liberdade com
o poder de fazer o que nos der na fantasia. Antigamente
as imposições sociais mantinham um certo equilíbrio, que
não era plenamente humano.
Rejeitando porém, o Moralismo e a Moral juntamenteiremos dar nas piores aberrações. Basta abrir os olhos
(coisa que justamente não fazemos ou então invocamos
simplesmente a fatalidade!) para ver aonde nos conduz afantasia daquilo que chamamos “ a espontaneidade do amor” .
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172 o d o m í n i o d e s i
Bela e humana essa pretensa liberdade, que é de fato, a
escravidão de uma carne decaída, pois está desviada de suasignificação! A libertação das necessidades e dos com
plexos, das ignorâncias e imaturidades faz da Humanidade
algo parecido com uma floresta virgem. Nesta tudo está
submetido à harmonia dos instintos animais.
Nada mais significativo do que as reações, diante doverdadeiro Domínio de si mesmo, na sexualidade. Diz o
casal moderno que quer ser livre para ter relações carnaisà vontade, quando lhe aprouver. Daqui a recusa de observar uma continência periódica, ligada ao ciclo feminino: o
marido não aceita tornar-se escravo dos hormônios femi
ninos! É bem verdade porém, que, por uma ilógica incoe
rência, os adversários da continência periódica (tomando
a execução por regra e considerando a mulher como escra
va dos próprios hormônios) não hesitam em afirmar, con
traditoriamente, ser necessário para a mulher ter relaçõessexuais no momento da ovulação. Todos nós sabemos aondeleva esta tal espontaneidade, que não é senão o erotismo
hormonal de um ser humano, cujo cérebro não é senão uma
máquina para gozar. E afinal, até certo ponto, pois o gôzo
se perde em um automatismo inconsciente! Eis os frutos
desta espontaneidade irrefletida: a mulher sacrificada aodesejo do homem, com a conseqüente desmoralização da
juventude, a prostituição, o abôrto, o divórcio etc. É ver
dade que os partidários da “maternidade voluntária” noscomunicam o segrêdo da vontade e da civilização: os meios
contraceptivos, meios de defesa que permitem à própriamulher pôr-se, sem perigo, à disposição do agressor mas
culino, entregando-se à própria orgasmomania. Êstes tais
partidários desta “maternidade voluntária” se esquecem de
acrescentar que, diante dos fracassos inevitáveis dos contraceptivos, outra boa receita seria generalizar o abôrtoterapêutico ou também, eventualmente, a irreparável e de-
sequilibrante mutilação, que é a esterilização cirúrgica.
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AMOR E VONTADE: PAIXAO PELO “OPTIMUM” 173
Pensar que, na situação atual de ignorância e de ima
turidade sexual, êstes meios contraceptivos não façam cres
cer a desmoralização, é uma perigosa utopia.
Só há uma procriação voluntária. Aquela que se baseia sôbre a educação da sexualidade humana, pela qual,
graças ao domínio cerebral da sexualidade dos esposos
(na alegria de uma união espiritual na carne) decidemêstes, livremente, sôbre o nascimento de filhos. E conse
guem isto, devido ao domínio que o marido tem sôbre a
ejaculação e do conhecimento de ambos sôbre a fertilidadefeminina.
Objetam a isto dizendo “ ser a cerebralização excessi
va, pelos cálculos de períodos e de temperaturas, contrária ao impulso afetivo e sexual dos esposos” . Acrescentam
até que tudo isto “ é pouco poético” . Certamente (pensamos tais) ser a cozinha contraceptiva mais poética! Mas
infelizmente, não para a mulher e sim para o imaturo ir
responsável que seria o marido. Que poesia haverá na
falta de abandono da mulher que teme a gravidez, tenha,
ou não, aparelho de defesa contra esta! Em lugar de
se evitarem um ao outro, não seria bem mais humano que
se conhecessem melhor pelo domínio da própria fisiologia?
Recentemente, numa conferência, tomava o Dr. Eck,
surpreendentemente partido pelos inimigos do cérebro: “ou
tro fator que contribui para o pêso do tédio, é a excessiva
cerebralização, que acompanha o indispensável progresso.
Ê certamente bom que o pensamento ganhe sôbre o instinto,
mas há certas coisas, que talvez tivessem mais vantagem de
serem mais sentidas que pensadas. Quem sabe se o homem
de amanhã não será senão uma massa esférica globular, con
tendo um imenso cérebro que se entedia na própria casca?
O próprio amor se cerebraliza e a arte de amar se vaitornando algo de rigorosamente bem pensado e codificado.
É claro que não chego a negar a extrema importância de
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174 O DOMÍNIO DE 81
uma educação sexual completa e generosa. Mas a apre
sentação desta tem sido freqüentemente, apenas um sopo-rífero catálogo de documentos e de receitas, no qual não
há mais lugar para o sentido do mistério e para a alegriada descoberta. O amor tecnizado substituiu a poesia doamor. Que a inteligência deva controlar o instinto, é evidente! Mas quando se vê escrito, com tôdas as letras, que
não há instinto sexual no homem, porque o cérebro é oprimeiro órgão sexual do homem, chego a ter mêdo de um
dia o amor vir a tornar-se uma fonte de tédio” . Todos estamos de acôrdo em que uma tal catástrofe
deva ser evitada. Justamente uma das grandes preocupa
ções dos partidários dos métodos naturais da regulação dafecundidade é de lutar contra a tecnomania. Não defen
dendo o “ método das temperaturas” , mas sim o conhecimento e o Domínio de si mesmo, graças ao diagnóstico tér
mico da ovulação. Tal é o espírito da fita cinematográficado Dr. Chartier. Tal o espírito apostólico do Dr. Van derStappen, referido em “A Grande Alegria de Amar” . Taltambém o da mais completa brochura sôbre educação se
xual dos adultos: “Nada de Abatimento no Amor” . Tôdasestas falam da necessidade da técnica, mas em referênciaao que fôr mais humano. A importância não está tanto
no diagnóstico da ovulação quanto na educação da conti
nência. No nível inumano de sexualidade a que chegamos, por falta de educação adequada, é bem verdade dizer
que a continência é contra a natureza, pois que a maioria
está desnaturada. É absolutamente necessário tomar a con
tinência natural, mas isto não se obtém automàticamente,
nem se realiza por moralismos, nem por voluntarismos, maspela educação do cérebro.
Sofremos tanto pela falta de cerebralização, que bem
poderíamos alegrar-nos que entrasse um pouco mais dereflexão nos problemas humanos. De modo nenhum po
demos temer excesso de cerebralização. A tediosa cerebra-
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AMOR E VONTADE: PADCAO PELO “OPTIMUM” 175
lização contra a qual se levanta o Dr. Eck, supondo terbase na minha posição pessoal sôbre a sexualidade cerebral, é justamente uma cerebralização incompleta. Porém,
não se trataria, segundo a opinião dêle, senão em trocar opreconceito do cérebro do instinto pelo preconceito do cé
rebro racionalista. Ora, não está nisto a plena dimensão
humana.
Pôr a sexualidade sob o completo controle do cérebro,não é matar o amor, mas substituí-lo pela razão, no senti
do estrito e dissecante da palavra; é pô-la ao serviço doamor; é recusar a falsa separação entre o erotismo sentimental e o amor espiritual platônico e desencarnado.
Já dissemos isto, quando recordamos a hierarquia ce
rebral, que não é dupla mas tripla, isto é, a união do tríplice
andar da unidade corporal, do psiquismo inteligente e doespiritual. Não somos absolutamente uma justaposição de
uma fria e lógica máquina de pensar e de uma carne cheia
de sentimento, de afetividade e de desejo em um desencadeamento ilógico e irracional. Somos amor, isto é, uniãodo afetivo com o racional, em um plano superior que so-
brepassa a razão mas não lhe é contrária. Não somosapenas o cérebro primitivo ou poético. Somos um cérebro
pré-frontal. Os dois outros cérebros não podem funcionar
humanamente senão sob o controle do pré-frontal, no qual
se encarna a fina ponta espiritual da alma, aquilo pelo qualsomos verdadeiramente Homens.
Nada mais perigoso do que a palavra: “ Sentimento” .Não é ela freqüentemente senão a camuflagem conscientedas necessidades eróticas e das necessidades de amizade.Nós isolamos o sentimento: uns, principalmente as mu
lheres, para celebrá-lo; outro, principalmente os homens,
para denunciá-lo e recalcá-lo. Será necessário ter ou não
ter coração? ou, simplesmente dar-lhe um lugar de quando em vez “quando o guerreiro tem necessidade de repouso” ?
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Nunca teremos coração demasiado. O coração é a lu
cidez do verdadeiro amor, da verdadeira liberdade, da verdadeira espontaneidade, que é a vontade; é a espontanei
dade amorosa de conduzir-se como homem completo.
O coração não é o sentimento que desencadeia a pressa, dita do coração, que dêste não tem senão o nome. É
preciso reconhecer, com o espírito feminino, a primazia docoração, mas lutar contra a tendência de certo espírito de
identificar o coração com sua infra-estrutura sentimental,
opondo-o à razão. É preciso reconhecer, com espírito masculino, a primazia da razão, mas da verdadeira razão humana, que é precisamente o verdadeiro coração e que não
tem necessidade de eclipsar-se, às vêzes, a fim de dar-lhe
lugar, pois que ela é sempre amor.
Que supina ignorância a de pensar que o que faz o“charme” da vida humana é livrar-se, de tempos em tem
pos, do próprio cérebro, limitando-o simplesmente à vidaintelectual, ao pensamento. O cérebro é o órgão da vida
humana sentida e vivida, é o órgão da relação social humana equilibrada, que não existe senão em um amor cons
ciente, amor que dá todo o sentido à obscura necessidade
dos outros, que está na nossa carne.
Esta necessidade do amor para o equilíbrio humano
não é nativa, pois, como já vimos, o homem deve aprendertudo. Ê por falta desta aprendizagem que tantos homens to
mam por liberdade e espontaneidade a escravidão às ten
tações naturais de desnaturação, que os fixam em um nível
inferior, comparável ao estado de doentes ou de não-adul-
tos. Não basta pois ter uma zona pré-frontal. É necessá
rio também saber utilizá-la corretamente e não para desencadear os cérebros inferiores e se privar da verdadeira li
berdade.
O homem que quer ser verdadeiramente Homem não
tem liberdade senão para o Bem. Por isto o Amor e a L i
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AMOR E VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM” 177
berdade parecem ao homem ser difíceis deveres, aparente
mente contrários às nossas tendências espontâneas, que,
de fato, não são senão preconceitos. Aquilo a que chamamos de Amor e Liberdade, opondo-o ao Dever, à Ascese, à
Vontade, não é senão a mais desumana caricatura do ver
dadeiro Amor e da verdadeira Liberdade.
Quer queiramos ou não, somos forçados a nos aceitar
tais como somos, obedecendo às leis de funcionamento cor
reto de nosso organismo.
O Dever não é um código jurídico de permissões e interdições, por cujas inobservâncias seríamos punidos porum legislador supremo. Um tal Dever, contrário à liber
dade humana é desequilibrante e deve ser recusado. Mas
esta recusa a um dever falso não deve levar ao êrro de
opor-nos à necessidade do verdadeiro Dever, isto é, a obe
diência ao dinamismo montante de realização daquilo aque somos chamados a ser; um esforço voluntário de cres
cimento espiritual encarnado. Nada nos é permitido ounegado. Com lucidez, nós nos interdizemos a nós mesmos
aquilo que faz mal a nós ou aos outros; recusamo-nos a
amesquinhar-nos, a passar por doentes, ignorantes, incapazes, sabotadores. Condenados por nosso organismo (por
uma necessidade de saúde e de higiene superior) a amar,
nós aceitamos amar, queremos amar, aprendemos a amar,
tomamos o bom hábito de amar.Refletindo sôbre a psicofisiologia da Vontade vemos
que obrigatoriamente deve haver uma luta contra o pre
conceito, que opõe esforço, ascese, vontade, dever à liber
dade, ao amar e à verdadeira espontaneidade. O segrêdo
da verdadeira boa vontade humana, isto é, da vontade boa,
da utilização correta do cérebro, do controle cerebral nalucidez da tomada de consciência e o Domínio de si mes
mo, está na compreensão das relações entre amor e Von
tade. Êle se resume em “ querer amar e gostar de querer” ,
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178 o d o m í n i o d e s i
numa procura apaixonada do “optimum” , no qual a sabe
doria se junta à santidade.
Que devemos querer? A que aplicar nossa liberdade?
A amar válida e corretamente, com um amor plenamente
humano, pois é o segrêdo do equilíbrio individual e social.
A nossa semelhança não está em uma máquina de raciocinar mas sim em uma impossível máquina de amar.
É conhecida a lenda de Malebranche dando um pontapéem um cão, incapaz de verdadeiro sofrimento. Era êste o
êrro dos animais-máquinas de Descartes. Numa tartarugaeletrônica pode ser dado um pontapé, com receio apenas de
quebrá-la. E isto, ainda quando o fabricante a tenha dotadode mecanismo que a faça fugir gemendo. Isto não seria uma
caricatura de afetividade.
Ao contrário, os animais não são uma caricatura de
nossa afetividade. Êles são realizações dela, bem que em
nível inferior de complexidade, de organização.O grande mérito de Teilhard de Chardin é sua lei de
Complexidade-Consciência, que nos causa ainda algumadificuldade para ser entendida. De feito, o R. P. Teilhard
via bem mais longe levando mais adiante o conhecimento
científico da série dos sêres, em uma atitude, ao mesmo
tempo, heurística e prospectiva e da qual o futuro irá tendo
cada vez mais necessidade.A ascensão de organização na evolução biológica não
é somente ascensão de consciência, permitindo, sempremais e melhor, unificar-se, pensar, refletir, e querer num
progresso de personalização, que termina, nesta terra, na
verdadeira pessoa, a do Homem. Ela é, principalmente, aascensão de relações de amor (amortização). Ora, o cará
ter pessoal é preporcionalmente direto ao desenvolvimento
do amor. A noosfera não é uma sociedade racionalista. Elanão está no extremo oposto da desumanizante tecnosfera,
senão porque é a agaposfera. Esta é o acabamento das
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AMOR E VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM” 179
possibilidades de personalização do homem em uma socie
dade personalizante. A razão disto é ser ela fundada no
Amor equilibrado, higiene suprema do Homem, do qualcompreendemos atualmente que deve amar seu próximo co
mo a si mesmo em referência a um Ideal.
Mas se o Amor se encontra no ponto final é porque foi
desde sempre o constitutivo do mundo, logo, presente des
de a origem dêste. Esta ascensão de organização material
não é uma associação por imposição externa (como uma
suspensão, devida à agitação de um líquido sujo) mas umainteratração, que, desde a origem, tem uma natureza afe
tiva e traduz o Amor. Não queremos dizer com isto, usando
um antropomorfismo ridículo, que os átomos se atraem
porque se amam, como pessoas humanas. Nem tampouco
que as células do organismo superior se amem, ficando
voluntàriamente juntas, nem que a borboleta ame sua fê
mea como à mulher o homem.Mas o homem não tem esta necessidade de amar seu
próximo como a si mesmo, senão porque o Amor' é a lei
da natureza, apesar das aparências contrárias de luta, que
não são senão um aspecto dramático; por sinal, o menos
importante.
Não é à toa que a psicoquímica chama e mede sob
o nome de “Afinidades” as fôrças de atração.O Amor é proporcional ao nívei de organização. Êle
é interatração dos átomos e das moléculas. É a unifica
ção dos elementos da célula, dotada de um elementar e
automático amor de si mesma e que lhe dá um comporta
mento defensivo. É a interatração das células-irmãs do
organismo superior, mantendo-as juntas em um organis
mo unificado, no qual o amor inconsciente de si mesmose revela na regulação automática do ambiente interior e
dos instintos. Êle está no instinto social e no instinto se
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180 O DOMÍNIO DE 81
xual, que é a interatração dos indivíduos; tudo isto rea
lizado na central do automatismo do amor de si mesmo
e do amor para com os outros, isto é, no cérebro inferior
do instinto.
Quanto mais sobe e se eleva esta organização e com
plexidade do cérebro, mais êste nível elementar de amor
se vê completado pela tomada de consciência daquilo que
convém, isto é, o reconhecimento do outro enquanto in
divíduo, afetivamente escolhido por êle mesmo. A sexua
lidade de uma borboleta é um automatismo desencadeado
pelo odor, não significando verdadeiro amor psíquico. Já
nos pássaros e mamíferos êle se baseia num prévio re
conhecimento do outro, enquanto outro. Há aqui um ver
dadeiro amor, ainda que não em nível humano.
Justamente esta ciência da Amorização nos vem mos
trar com precisão que a Moral do Amor corresponde àconstituição natural do Homem. Êste não pode evitá-la
sem se desequilibrar. Mas, ao contrário do animal, que
não pode normalmente sair de sua verdadeira natureza,
o Homem, por ser livre, pode descarrilhar, não sabendo
utilizar aquilo que normalmente o ligaria livremente ao
Bem. No homem, até o Bem pode tomar-se desequilibran-
te e contra a natureza, se fô r imposto. É o que foi mostrado pelo exemplo, de povos primitivos aos quais se quis
melhorar as condições de vida mas destruindo suas estru
turas sociais. Longe de favorecê-los nós os levamos ao
desgosto de viver e à conseqüente desaparição.
Quem fôr prêsa de maus hábitos desequilibrantes de
ve aprender a reconhecê-lo, para só então mudar volun-
tàriamente de vida. É por causa disto que a Moral, nosentido comum da palavra, que é uma imposição, aparece
como sendo o contrário da verdadeira Moral, que é con
versão, convicção daquilo que é bom, útil e são.
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AMOR E VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM” 181
Go s t a r d e q u e r e r : a s c o n d i ç õ e s d a f e l i c i d a d e .
Querer amar não basta para o equilíbrio do Homem.
É necessário também que goste de querer. É gostando de
querer, é pelo dever de gostar de querer que achamos nos
so equilíbrio. Gostar de querer é ter compreendido a ne
cessidade do esforço de vontade boa.
Que procura o Homem inquieta e desesperadamente?
Êle procura a felicidade, mas com a intuição instintiva
que a felicidade está ligada ao equilíbrio e à expansão doSer. Mas, também aqui, quantos preconceitos, quantas ilu
sões, quantos erros! Não sabemos que coisa seja ser fe
liz! Para sermos felizes, a qualquer preço, com encanta
dora espontaneidade, fazemos nossa infelicidade e a dos ou
tros, por não compreendermos que não basta a boa vontade,
mas é também necessária a vontade boa.
Que é necessário para sermos felizes? Ninguém melhor nos explicou do que o P. Teilhard de Chardin e não
há porque maravilhar-nos disto. Êle conhecia as condições
biológicas da Amorização e também que a Amorização cor
reta, ápice da humanização, é o único segrêdo da ascensão
para a felicidade, que é difícil fonte da alegria de viver,
numa ascética benéfica para quem compreendeu.
Que vemos no mundo que nos cerca? “ Inicialmente,
diz Teilhard de Chardin, fatigados (ou pessimistas) aos
quais aborrece o esforço; depois gente bem (ou gozadores
da vida); finalmente os ardentes, para os quais viver é
uma ascensão, uma descoberta. Para os que formam esta
última categoria é sempre melhor ser do que não ser.
Mas ainda é sempre possível e unicamente interessante ser
sempre mais. Aos olhos dêstes conquistadores, o Ser é
inesgotável (não, à maneira gideana, como um jóia de inumeráveis facêtas, que se podem girar em todos os sentidos
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182 o d o m í n i o d e s i
sem cansar), mas com um foco de calor e de luz ao qualé possível aproximar-se sempre mais.
“Pessimismo e nostalgia do passado; gôzo do momento presente; impulso para o futuro. Estas são as três atitu
des fundamentais em face da vid a.. . três formas opos
tas de felicidade em presença; felicidade de tranqüilidade;
felicidade de prazer. Felicidade de crescimento enfim. Desdeêsse terceiro ângulo de visão, a felicidade não existe, nemvale por si mesma, como um objeto que pudéssemos pro
curar e agarrar, mas não é senão um sinal, um efeito e como que a recompensa da ação convenientemente dirigida...Nenhuma mudança beatifica a menos que faça ascender. O
homem feliz é pois aquêle que sem procurar diretamente afelicidade, acha inevitavelmente a alegria por acréscimo, no
ato de conseguir chegar à plenitude e ao extremo avançadode si mesmo” .
Entre estas três felicidades Teilhard mostra as razões
objetivas e científicas, as razões biológicas em nosso organismo, de escolher a terceira, a única plenamente hu
mana. É preciso ir até à maior consciência e nossa personalização comporta três tempos; centração, descentração e
supercentração.
Centração: “para ser plenamente nós mesmos, devemostrabalhar durante tôda nossa vida para organizar-nos, isto
é, para conseguir sempre mais ordem, mais unidade nasnossas idéias, nos nossos sentimentos, na nossa conduta...
Ser é, antes de tudo, se fazer e se achar” .
Descentração: “ a tentação ou ilusão elementar que es
preita, desde o nascimento, o centro reflexivo, que cada umde nós guarda no fundo de nós mesmos, é de imaginar que
para crescer é bom se isolar sôbre si mesmo e continuar,
egoisticamente, somente em si, o trabalho original do pró
prio acabamento: separar-se dos outros ou concentrar tudoem si mesmo. Não, não podemos progredir até ao máximo
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AMOR B VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM” 183
de nós mesmos, sem sairmos de nós mesmos, unindo-nos aos
outros de modo a desenvolver por esta união um acréscimo
de consciência. Daqui as urgências, daqui o sentido profundo do amor, que sob tôdas as formas, nos impele a
associar nosso centro individual com outros centros escolhidos e privilegiados; do amor cuja função e encanto essenciais são de nos completar” .
Supercentração: “ para sermos plenamente nós mes
mos, nós somos forçados a alargar a base do nosso ser,
isto é, de nos ajuntar ao Outro. Ora, uma vez que conseguimos um pequeno número de afeições privilegiadas, êste
movimento de expansão não pára mais. Êle nos aspira in
sensivelmente, de próximo a próximo, para círculos de raiosempre maior. Podemos prever o momento em que os ho
mens saberão que coisa é (como por um só coração) de
sejar, esperar e amar todos juntos a mesma coisa ao mesmo tempo. . . Aquilo que a vida nos pede, afinal de con
tas, de fazer por Ser, é de nos incorporar e subordinar a
uma Totalidade organizada, da qual não somos, còsmica-
mente, senão parcelas conscientes. Um centro de ordem
superior nos espera (está já aparecendo), não somente ao
nosso lado, mas para além e para cima de nós mesmos” .
“Não mais simplesmente desenvolver a si mesmo, nem
simplesmente dar-se a alguém igual a si, mas tambémsubmeter-se e concentrar a própria vida em alguém maior.
Vale dizer: inicialmente: ser; depois: amar; finalmente:
adorar. Felicidade de crescer, de amar e felicidade de ado
rar. Eis, em última análise, a tríplice beatitude, que a
teoria nos permite prever, partindo das leis da Vida.
A verdadeira felicidade nos espera em uma direção de
terminada: 1) pela unificação de nós mesmos no nosso
próprio íntimo; 2) pela união de nosso ser com outros sê-
res iguais a nós; 3) pela subordinação de nossa vida a
uma vida maior que a nossa... Para ser feliz é preciso,
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184 O DOMÍNIO DE SI
primeiramente, reagir contra a tendência ao menor esforço, que nos leva ou a ficar onde estamos ou então a pro
curar a renovação de nossas vidas, de preferência na agitação exterior. Nas ricas e tangíveis realidades materiais
que nos cercam é necessário, sem dúvida, que nos enrai-
zemos. Mas é no trabalho de nossa perfeição interior intelectual, artística e moral, que, afinal, a felicidade nos
espera. Para ser feliz, em segundo lugar, é preciso rea
gir contra o egoísmo que nos leva ou a fechar-nos em
copas sôbre nós mesmos ou então a submeter os outros
ao nosso domínio. Para ser feliz, plenamente feliz, é preciso, em terceiro lugar, de um modo ou de outro, direta
mente ou por meio de intermediários gradualmente ex
pandidos (uma pesquisa, uma emprêsa, uma idéia, umacausa. . . ) transportar o interêsse final de nossas existências para o caminhar e para o sucesso do mundo no qualvivemos”.
Fazer sua própria salvação salvando o mundo, isto é,crescer e fazer crescer e finalmente cumprir o papel, ao
qual nossa natureza (que devemos realizar) nos impõe porlivre e racional escolha, isto é, exatamente o que precisamos querer. Ê nesta lucidez que devemos andar.
A necessidade primordial não é a de precipitar-nos ce
gamente para frente, mas sim de ver bem claro o caminho
a fim de que a ação emane, de um certo modo, de si mesma. Esforço de reflexão mais do que esforço de ação, tal
é o segredo do verdadeiro Domínio de si mesmo. Êste é
um valor eminentemente comum a todos os homens, pelo
próprio fato de serem Homens. Valor que deve suscitar
uma reflexão metafísica em um plano que não está na
ordem da ciência, mas que a reflexão lógica sôbre a ciência toma verossímil.
Para que êste esforço de maturação até à extrema
velhice, se êste amadurecimento desaparecer com a des-
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AMOR E VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM’ 185
traição do corpo? Para que esta ascensão de adoração se
ela não culminar Naquele que é supremamente adorável,
em um Deus pessoal, em Deus-Amor?
Para Teilhard de Chardin “a solução completa do pro
blema da felicidade (está) na direção de um Humanismo
cristão ou, se preferirem, na direção de um Cristianismo
super-humano” .
P a i x ã o p e l o “O p t i m u m ” e p e r ig o s d o e g o í s m o .
De modo que a Vontade consiste, para cada um de
nós, em tornar-nos sempre mais aquilo que é nossa vocação de Ser, mas também de Ser social, isto é, membro da
humanidade, que caminha. Para querer ser mais, é necessário situar-nos corretamente no mundo, de fronte às coi
sas e aos outros, no espaço e no tempo.Caímos fàcilmente em dois erros complementares: a
afirmação egoísta de nós mesmos, que é uma inumana des
naturação, pois o homem é um ser limitado, sofredor e
mortal e que não pode equilibrar-se senão quando sua ex
pansão é limitada pela dos outros. O culto do Eu desper
sonaliza a relação social, que deixa de ser inter-pessoal
como deveria. Impede também o serviço e o dom pelo qualo Eu encontra seu equilíbrio em um câmbio, onde êle re
cebe e dá. Êste culto do Eu é a fonte da indiferença, do
desprêzo ou do ódio, que são a negação do Amor neces
sário para a expansão de nosso Ser.
Mas para poder dar, é preciso Ser. Daqui a falsidade
daquele que, sob o pretexto de lutar contra o egoísmo,
chega a um esquecimento total de si mesmo. Ninguém de
ve deixar-se oprimir ou devorar, pois quem só dá ou sórecebe não pode amar. O verdadeiro esquecimento de si
não está no recalque de si mesmo. Não é senão o aban
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186 O DOMÍNIO DE 81
dono do egoísmo. Não é algo que se obtenha por um es
forço incessante, mas a própria natureza dêste esforço,
cujo hábito se adquiriu. Para alguém esquecer-se saudà-velmente é necessário que continue a ser, não renunciando senão ao egoísmo.
Habituamo-nos a apresentar, como heroísmo de san
tidade, uma desumana vontade do olvido em Deus e de
despersonalização; quase como uma diminuição ou abjeçãodaquilo que, na realidade, nos engrandece, permitindo-nos
ser perfeitamente nós mesmos.No amor para com os outros (que nos é necessário no
segundo tempo da procura da felicidade) não se trata apenas
da nossa própria ascensão mas também de ajudar-nos à
ascensão dos outros, não os impedindo de amar-nos comum verdadeiro amor equilibrado, quer por um altruísmoexcessivo e falso, quer por egoísmo.
No tempo da adoração, não se trata de se deixar per
der num Todo despersonalizante, mas sim de superperso-
nalizar-se caminhando para um Ideal. Ora o mais perso-nalizante de todos os Ideais é o verdadeiro Deus, pessoale transcendente.
Que coisa é necessário querer? É preciso ter a paixãopelo “ optimum” , desejando-o com tôdas as próprias fo r
ças e lutar para manter-se neste desejo. Mas a paixão
dêste “Optimum” (tomando aqui “paixão” no sentido trágico da palavra) é justamente não nos apaixonarmos pelo“ Optimum” . Acontece com êle o mesmo que sucede coma Liberdade: aquêles que mais apaixonadamente a dese
jam são os que contribuem, contraditoriamente, para despedaçá-la. O “optimum” não é desejado porque nos pare
ce sinônimo de moderação, daquilo que não exige o menor
esforço, daquilo que vai por si. Nós reservamos a paixão
para os extremos: alguém é apaixonadamente conservador
ou retrógrado, revolucionário ou progressista; alguém é
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AMOR E VONTADE: PAIXAO PELO “OPTIMUM” 187
violentamente partidário desta ou daquela opinião, sem per
ceber que desta maneira não atingirá nem a verdade nem
o equilíbrio.
Aqui também, é necessário distinguir um Falso Op-
timum, que é o culto moderado de um egoísmo desnatu-rador, que é a vontade estática de não avançar nem recuar.Seria caricaturar o “ Optimum” ver numa tal opinião uma
média, centrista, não engajada e desapaixonada.
O verdadeiro “ Optimum” é a procura apaixonada da
Verdade numa luta entusiasta para ascender; é pôr tôdasas próprias fôrças na tarefa Humana, recusando perder o
precioso tempo; é precipitar-se para o alto, para o verdadeiro,mas com prudência (uma prudência apaixonada ou uma
paixão prudente!). Precipitar-se sem prudência é enganar-se
e acabar perdendo tempo.
Dar o verdadeiro sentido ao “Optimum” é assim tor
nar a dar a própria significação à virtude, à fôrça de prudência que não é recusa escrupulosa de agir, mas sim uma
audácia refletida.
Esta necessidade do “ Optimum” para estar na Ver
dade é, já vimos, uma lei biológica de equilíbrio de nosso
cérebro; é a regra de nossa saúde psicossomática, que não
aceita nenhum excesso em nenhum sentido.
Ê preciso um “ Optimum” de oxigênio, de hormônios,de vitaminas; um “Optimum” igualitário nas relações so
ciais. Para definir o “Optimum” (esta linha média pela
qual é preciso caminhar com um dinamismo apaixonado),
o melhor é perceber sempre os dois limites opostos, que
marcam as fronteiras dos desequilíbrios.
Num espírito, que chamam de Cartesiano, bem gos
taríamos que a Verdade estivesse de um lado e o Êrro dooutro. A Verdade está antes na síntese de duas afirma
ções, que isoladas seriam erros, mas que unidas, compen
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188 O DOMÍNIO DE SI
sam seus excessos e mostram a verdadeira realidade. Ê
justa a afirmação que a tese e a antítese não são senão
aparentemente contraditórias e que a Verdade se encontra na síntese superior, que retém aquilo que tinham de
verdadeiro as teses em aparente contradição.
A paixão pelos extremos, a confusão do “ Optimum”com a Inação é uma tentação natural de desnaturação,
pois para nós é um verdadeiro caminho de perdição.
Balizemos lucidamente a via média, que é a via do
verdadeiro Amor. Progridamos nela apaixonadamente, poisela é a difícil síntese do espírito de conservação com oespírito de progresso. Nela o progresso é realização; logomelhor conservação das possibilidades naturais de origem
e não um caminhar cego e destruidor. Nela a conservaçãonão é a recusa de realizar melhor os valores, mas orientação
do progresso, reconhecimento do dinamismo da verdadeira
natureza humana, que é a vontade de lutar pelo melhor afim de não cair no pior.
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dMatal Çsteves da ç iíva Acad. Filosofia - UFG
Fone: 225-9810
Conclusão
Tradicionalmente a Vontade é um poder, uma fôrça,
que está em nós e que a Moral nos impõe usar, mas só a
serviço do Bem. Os progressos da psicologia científica e
da psicopatologia nos tornaram bastante cépticos sôbre a
existência da Vontade humana. Alguns chegaram até aduvidar se não seria ela apenas uma ilusão. Nós obedece
mos a tantos determinismos imperiosos naturais .e pato
lógicos, que poderíamos pensar não ser a Vontade senão
a camuflagem de um impulso todo-poderoso, que aceita
mos a fim de não reconhecer a onipotência dela.
Nossa impotência em querer é uma boa desculpa sem
pre pronta. Além disto para que serviria esta fôrça de realização senão para permitir a nos comprometer segundo
nosso bel-prazer. De fato, que coisa iremos querer?
Os moralistas das diversas escolas e os amoralistas não
estão absolutamente de acôrdo sôbre o Bem e o Mal. Ainda aceitando uma determinada noção do Bem e do Mal, seria
porventura isto ter Vontade livre? Não estaremos apenas
aderindo à Vontade de um outro? Não é por acaso um
dos principais argumentos do ateísmo a existência de umDeus todo poderoso, que nos fixa leis e normas negando
assim a nossa Liberdade?
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190 O DOMÍNIO DE 81
Os marxistas vêem nesta crença o meio dos ricos pa
ralisarem a vontade popular pregando a resignação, que
é a obediência à própria vontade projetada em um Sersobrenatural. Certos psicanalistas não podem deixar de
ver a visão nevrosante de um Deus paternalista, carica
tura do pai abusivo e opressor.
Querendo ser livre e totalmente autônomo o homem
moderno não concebe a Vontade senão como possibilidade
de fazer o que bem lhe aprouver, tendo assim uma con
duta absurda, na sua insignificante fantasia, que não vi
saria senão uma satisfação egoística instantânea.
O homem moderno se encontra numa dúvida total, no
momento em que, já libertado, tem necessidade sob pena
de catástrofe, de saber que coisa fazer da própria Liber
dade, que coisa querer. Para sair desta dúvida, deve êle
saber cientificamente e objetivamente que coisa é ser Homem.
Foi o que fizemos, baseando-nos na constituição neu-
robiológica, nos mecanismos que nos dão a possibilidade de
ser um Homem. Estamos aqui num terreno científico e
objetivo, valor comum que todos devem aceitar, quaisquer
que possam ser suas opções metafísicas.
Construir primeiro o Homem sôbre a metafísica seria,
atualmente, nunca chegar a um acôrdo. Funcjando-nos porém sôbre a biologia humana ninguém poderá contestar
nossos argumentos. Não queremos dizer com isto que o
nível metafísico (o único totalmente essencial) não valha
nada. Ao contrário, é refletindo sôbre a significação cien
tífica do Homem que deveremos logicamente voltar às ex
plicações metafísicas dos incontestáveis valores humanos.
Se procurarmos desesperadamente localizar ou captarno cérebro a Vontade, seria esta uma tentativa tão inútil
quanto a de situar nêle a inserção dela, isto é, a mistério-
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CONCLUSÃO 191
sa central, desde a qual uma fôrça espiritual, chamada
Vontade, acionaria a mecânica corporal.
Enquanto fôrça independente a Vontade não existe.
Ela é uma função cerebral, isto é, uma maneira de ser,
que, contrariamente ao preconceito usual, não consiste em
uma extraordinária tensão motora positiva de ação ou ne
gativa de retenção e domínio. Ê, como vimos, o encargo
pessoal da conduta e do psiquismo. O essencial não é pois
a ação ou o domínio, que resultarão automàticamente da
nossa decisão lúcida. “O essencial é a lucidez, a reflexão,o juízo” . Êste é o poder que nós temos e que não tem, por
insuficiência cerebral, o animal. Nós nos situamos acima
da ação para contemplar a significação total dela com re
lação a nós e a nossa situação no mundo das coisas e dos
outros homens. Tôda vontade que escolhe o Mal é pois
um sem-sentido, pois seria um poder personalizante que
escolheria o caminho da despersonalização. A Vontade nãoserá Vontade Humana verdadeira senão quando fôr um
esforço de lucidez, que nos mostre o valor humanizante do
Bem. Para nós mesmos e para os outros.
Efetivamente, se nós considerarmos a Vontade como
um absoluto, que não precisa lutar contra determinismos,
como o serviço de uma liberdade total, por nada limitada,
não teríamos diante de nós a vontade Humana. Esta, éuma luta contra os determinismos para escolher obrigato
riamente o caminho do Bem.
Difícil necessidade esta de conciliar liberdade com obri
gação! Não há senão um caminho possível sob múltiplas
opções e maneiras de realizá-la. Num certo sentido não so
mos livres de querer o que bem nos aprouver, se quisermos,
sendo homens nos conduzir como Homens, e progredir nahumanização. Êste é nosso lógico dever não por imposição
estranha, mas pela imposição nossa a nós mesmos, livre
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192 O DOMÍNIO DE SI
mente mas com lucidez, de nos comportar segundo a nossa
natureza.
Teoricamente o condutor de uma máquina está livre
para fazer dela o que bem lhe aprouver. A não ser porém
que seja doido ou sabotador, êle deverá conformar-se com
as indicações do construtor.
No caso da máquina, o modo de emprego é estranho
à máquina, ainda sendo ela automática. Êle está no plano
de construção que ela recebeu do construtor. No caso do
Homem (se quisermos ficar no plano dos fenômenos ma
teriais) não há construtor, pois nosso organismo se auto-
construiu, em virtude da Interação entre a hereditariedade
do modo de emprêgo, de funcionamento correto, que a
biologia revela, dizendo com precisão as finalidades de tô-
das as engrenagens orgânicas.
Muitos cientistas não aceitam a palavra “ finalidade” ,
pois vêm nela uma teoria filosófica que não tem nada que
ver com a ciência. Há certamente uma filosofia da fina
lidade que nos revela o sentido completo dela. Mas uma
coisa é estudar metafisicamente o problema da finalidade
e outra constatar o fato das finalidades orgânicas, que
não podem ser negadas sob pena de renegar a fisiologia
e a medicina. Nunca médico algum faria uma Relação
Kinsey do fígado, classificando os diversos tipos de célulasbaseando-se apenas na noção de freqüência, sem nenhuma
distinção entre normal e patológico. O médico institui pro
vas funcionais para saber do fígado de cada um em que
medida é êle normal, isto é, capaz de assumir corretamente
suas próprias funções. Da mesma forma deveria ser im
possível a um psicólogo e a um sociólogo descrever um
comportamento humano sem dar um juízo do valor sôbre
a significação do tal comportamento em relação à norma
do dinamismo de humanização, de conformidade à utiliza-
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CONCLUSÃO
c!Ah ta l Çsteves da <Jí!oa
Acad. Filosofia - U FG Fone: 225 n3 :o
ção normal, isto é, libertadora de um cérebro hierarqui
zado, são e verdadeiramente adulto.
É paradoxal ver o admirável esforço das filosofias mo
dernas dar no nada. Elas se obstinam em considerar-se
meramente descritivas, fenomenológicas, recusando-se a in
teressar-se pelas noções metafísicas de Essência, de Na
tureza e de Ser. É justa a crítica que elas fazem sôbre uma
certa maneira tradicional de considerar metafisicamente a
natureza humana. Convenhamos todavia que esta situação
se encontra apenas numa escolástica fixa, rígida, infiela seus próprios fundadores. Esta, em efeito, não faz outra
coisa senão repetir as palavras dêles, sem melhorar-lhes
a formulação a fim de torná-la mais adequada aos princí
pios, graças aos progressos do conhecimento científico.
Mas por êste fato de ter sido o Ser considerado assim,
demasiado estaticamente e sem história, não há porque
recusá-lo mas sim restituir à natureza humana, que é Pessoa, sua verdadeira face dinâmica. Ê a isto que nos obriga
o conhecimento científico do Homem, pois tal conhecimen
to não é apenas a descrição fenomenal de mecanismos e de
órgãos, mas conhecimento material de um Ser unificado e
das condições materiais da espiritualidade dêle. Um conhe
cimento que leva obrigatoriamente à Metafísica.
A verdadeira Vontade é o desejo de conformar-se aesta natureza, que é em nós como que um órgão de pro
gramação (isto é, não algo já feito, mas algo para ser feito
e que não se impõe a nós senão logicamente). Em outras
palavras: não temos o poder de recusar estüpidamente
aquilo que é a finalidade de nosso Ser e o segrêdo da verda
deira Felicidade.
Muitos de entre os homens tinham crido haver-se li
bertado completamente, eliminando Deus e a Moral. Ti
nham caído na ilusão de facilidade, comum a crentes e
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194 O DOMÍNIO DE SI
descrentes de pensar em Deus, como inteiramente estra
nho a êles mesmo e na Moral, como uma imposição exter
na, sem nenhuma outra significação senão a subrenatural.
Ora, nem Deus nem a Moral são inteiramente elimináveisse quisermos continuar a Ser e a Querer. Querendo-nos
imprudente e falsamente completamente livres, perdemosnossa Liberdade e nossa Vontade. Tornamo-nos escravos
de tôdas as tentações naturais de desnaturação, provenien
tes dos níveis inferiores de nosso organismo.
A dúvida metafísica permite eliminar a Moral sobre
natural e a transcendência de Deus (coisa afinal ilógica
para o crente), mas é impossível eliminar tôda e qualquer
Moral assim como todo e qualquer aspecto de Deus.
Há uma Moral Natural que depende da nossa própria
constituição orgânica. Recusá-la é ignorância, que, por sua
vez, é uma falta de higiene. Esta Moral Natural se baseiana significação do mundo e dos sêres, qualquer que seja
a origem dêles. Significação que, metafisicamente, ainda
para quem não acredita no Deus verdadeiro, no Deus com
pleto, é uma Harmonia, um Ideal, como é para o crente,
Êste sabe ser tal o aspecto imanente, presente ao mundo,do verdadeiro Deus.
O conflito atualmente não existe mais entre materialistas e espiritualistas, entre ateus e crentes em Deus, no
sentido clássico das palavras. O conflito está agora entreespiritualistas materialistas, que recusam a plena dimensão do espírito, não conservando dêle senão o aspecto en
carnado, as condições materiais e os materialistas espiritualistas para os quais estas condições materiais são logi
camente o caminho que os conduz à confirmação da natu
reza metafísica verdadeira do espírito. Há também um
conflito entre os crentes do verdadeiro Deus, que não é
um déspota alienador mas o criador responsável da liber
dade humana, o respeitador da dignidade, relativamente
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CONCLUSÃO 195
autônoma das criaturas (pois que esta autonomia é o mo
do de ser dêles) e os crentes em um Deus impessoal, me
ramente imanente; logo, sem existência própria e que êleschamam Infinito, Ideal, Harmonia, Amor.
Quando êstes dois grupos antagônicos entrarem em
acôrdo sôbre os valores comuns de um mundo em Amori-zação, no qual o único dever do Homem é de ser superamo-rizador, então vai ser-lhes bem mais fácil professar uma
verdadeira tolerância. Esta não é absolutamente o ceti
cismo desabusado diante da impossibilidade de conhecer a
Verdade ou a concessão tristonha diante do êrro, masaceitar que existem níveis diferentes de Verdade à qual
a adesão universal é cada vez mais difícil, pois toca cada
vez mais o engajamento livre e responsável de nossas pessoas. Em uma perspectiva dinâmica de progresso, na qual“ tudo quanto sobe, converge” (Teilhard de Chardin), te
mos a certeza de que o caminho de cada um, ainda mantendo seu próprio ângulo de visão e na condição de diri
gir-se sempre para o mais verdadeiro, não deixará de encontrar-se com o dos outros, se êstes agirem também nasmesmas condições.
Nesta procura apaixonada pelo “ Optimum” , que nosleva a erros extremados (bem pouco “optima” ) pois não
sabemos o que nos convém, há duas oposições furiosas.
Há os partidários da luta, da conquista, do esforço
para conseguir tudo pela Vontade do Homem com suas
próprias e únicas fôrças (o que equivale a um sonho dePrometeu de um homem nôvo melhorado). Há os parti
dários do abandono, do desapêgo da submissão a uma graça extra-humana, que recebemos gratuitamente, quer venha ela de Deus ou de algum misterioso poder apaziguador
de uma comunhão com a natureza.
Também aqui, a nourofisiologia da Vontade é esclarecedora, pois permite estabelecer a Verdade na síntese do
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196 O DOMÍNIO DE SI
esforço e do abandono, restabelecendo a continuidade entre Graça e Vontade. Se a neurofisiologia nos confirma a
necessidade personalizante do esforço, não porém de umesforço qualquer, mas sim de um esforço de conquista, de
conquista de nossa Verdade baseada no conhecimento daquilo que somos chamados a ser, segundo aquilo que somos.Não temos que inventar-nos, mas sim achar-nos. A novi
dade não é total nem à nossa fantasia. É ela conformidadea êsse programa de ser, que está em nós. Na falta de tal
programa, essa novidade não seria senão fracasso e monstruosidade.
A ascese não tem por fim castigar a carne, mas sim
permitir-lhe realizar sua verdadeira significação personalizante.
Mas, inversamente, a ascese deve ser base de distensãoe de abandono. Aquêle que se crispa todo tentando dominardesesperadamente os impulsos, que lhe escapam ao con
trole, ainda não chegou até aí. Ê preciso, primeiramente,ter aprendido calma e lucidamente, a fazer o inventário
de si mesmo; a cultivar sua atenção para chegar a unificar-se e atingir o pleno domínio. As técnicas da Vontade
não são técnicas de esforço físico, mas técnicas de repouso,
de relaxamento, de descrispação. São técnicas que nos per
mitem retemperar a nós mesmos. Graças a elas, após êstecontato, que tem origem no âmago de nosso ser, nós nos
tornamos capazes de ascese e de saber Querer.
Não é, por acaso, significativo, constatar esta conver
gência do estado cerebral entre a auto-hipnose lúcida dos
estados de relaxação e os estados de êxtase místico? A
finalidade metafísica de certos métodos psicofísicos é pre
cisamente a União Mística, pela qual o santo chega a sermais autênticamente e ativamente êle mesmo, submeten
do-se, em aparência, passivamente à influência de um Deus
personalizante.
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CONCLUSÃO 197
É pois um êrro grave confundir a Vontade com certa
pretensa virtude de Orgulho. O Orgulho é, ao contrário,
a tentação do fraco que se julga forte e recusa considerarsua fraqueza natural. É muito significativa e verdadeira
a velha história do Pecado Original, do qual o Cristianismofêz um dogma. É bem aceitável que o Homem primitivo,
apenas emergido para a liberdade responsável, ficasse endoidecido de orgulho e desejoso de decidir a seu bel-prazer
sôbre o Bem e o Mal, em lugar de seguir as verdadeirasindicações de sua natureza. Êste é o drama de nossas
tendências naturais, das quais umas nos impelem a subir(únicas autênticas!) e outras, porque incompletas, nos le
vam a descer o apetite do prazer do menor esforço, que
nos priva da verdadeira alegria. No entanto é a êste aban
dono ao prazer, que batizamos de Vontade!
Vimos cientificamente como nossa fôrça se funda sô
bre uma fraqueza, como nossa Vontade não pode apoiar-se
sôbre bons automatismos instintivos. Nunca se insistirádemasiado sôbre as inferioridades que resultam de nossa
superioridade, que nos obrigam a refletir lucidamente com
prudência sôbre o que é necessário querer
Há certamente indivíduos normais e indivíduos doen
tes, quer se trate de perturbações endócrinas ou de neuroses. Mas, se há uma diferença de natureza em um mesmo
comportamento, conforme fôr êle normal ou patológico,
pois o indivíduo que assim procede nunca está totalmente
alienado (exceto em casos extremos de comas) nem total
mente livre e senhor de si. A patologia não faz ser.ão,
fundamentalmente, incrementar nossas tentações naturais de
desnaturação e tornar mais difícil a Vontade. Tanto o doente
como o são devem pois, fazer esforços de lucidez e de
domínio. Não há porque instalar-se no “ghetto” de irres
ponsabilidade, no qual se encerram os normais sob o qualificativo de anormais e de doentes. Como se os normais
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198 O DOMÍNIO DE 81
estivessem verdadeiramente sãos com graves erros de con
duta, devidos às próprias ignorâncias e imprudências, que
os fazem conduzirem-se com menos desculpas como doentes. Como se os anormais estivessem em um estado estático
de deficiência total, no qual tôda ascensão lhes tivesse sido
interdita. Todos, doentes e sãos, no abandono distendido à
Graça, devemos fazer o sorridente esforço de domínio, quenos fará subir, apesar de nossas dificuldades e quedas. To
dos nós, não somos normais ou anormais, mas sim Homens,
que devem humanizar-se, isto é, progredir em um esforço,que nenhuma droga jamais substituirá, ainda quando sejaela indispensável para diminuir algum determinismo patológico. O esforço infrutífero pode ser mais humanizante
que um esforço demasiado fácil.
Um esforço sorridente, um esforço alegre: tal é a últi
ma mensagem da fisiologia da Vontade. Querer amar;
gostar de Querer não bastam. Querer ser feliz não comporta apenas a lucidez sôbre as condições da felicidade, bemdelineadas por Teilhard de Chardin. Comporta também
a “ Vontade de Sorrir” ; o dever, o esforço de sorrir, não
apenas um sorriso crispado, que é um sorriso superficial,que não traduz o estado profundo do organismo. O verda
deiro sorriso é uma maneira de ser de nossos centros regu
ladores afetivos do hipotálamo, que nos põem orgânica epsicologicamente em estado feliz.
O Homem, ser social, tem o dever de ser um “ criador de
alegria” . Impondo-se a si próprio êste dever de alegria co
municativa, é êle obrigado a pôr-se a si mesmo neste esta
do, isto é, a realizar mais fàcilmente em si mesmo êste
equilíbrio altruísta, fonte de felicidade.
Acabemos, uma vez por tôdas, de esperar que do mundo e dos outros, nos venha a alegria. Descubramos por
tôda a parte razões para sorrir, a fim de poder assumir o
dever higiênico de sorrir. Um sorriso lúcido, que não é o
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CONCLUSÃO 199
otimismo beato, mas realismo baseado na virtude da es
perança, virtude do saber querer.
Na mesma medida em que nos deixamos perder nonegro, no incoerente e no absurdo, nesta mesma devemos
testemunhar a luz, a harmonia, a beleza e a bondade.
Querer esperar, apesar de tudo é sempre, pois (em
que pese êste duro combate e seus fracassos, que acaba
rão somente juntamente com a Humanidade) o Mal não
pode vencer, pois é negativo, é uma diminuição do ser.
Apesar de nossa falta de lucidez e de nossas tentações,como deixaremos de ter, ao menos em certas horas, a
intuição dêste Bem, único que pode dar-nos a verdadeira
felicidade ?
“Mas, escreve Péguy, a esperança, disse Deus, eis aqui
lo que até a mim, me espanta. É verdadeiramente espan
toso! Que êsses pobres filhos vejam como tudo se passa
e ainda creiam que amanhã tudo melhorará! . . . É verdadeiramente espantoso e é exatamente a maior maravilha
de nossa Graça” .
O R. P. Teilhard de Chardin, na sua lucidez, nos dá
êste conselho: “ Creiamos pelo menos. Creiamos tanto mais
forte e desesperadamente quanto mais a realidade pa
recer ameaçadora e irredutível. E então, pouco e pouco,
veremos distender-se depois sorrir, depois nos tomar emseus braços mais que humanos, o universal Horror... Vis
to como, com coração puro, temos crido intensamente no
Mundo, o Mundo abrirá diante de nós os braços de Deus.
Nesses braços, então, devemos jogar-nos, para que se feche
em tôrno de nossas vidas o círculo do Ambiente Divino.
Êste gesto será o de uma correspondência ativa ao dever
quotidiano. A fé consagra o mundo. A fidelidade comungacom êle” .
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200 O DOMÍNIO DE SI
Escutemos finalmente o Pe. Termier na esplanada deQuébec: “Procura compreender, procura conhecer e em todo
caso, ama. Abre os olhos à beleza do mundo e tua almaao mistério. Quando tiveres compreendido, explica entãoa teus irmãos” .
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^ Z L ey-,eVeí * ólloa afd f ’’osofta . ( J F G
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r
Indice
INTRO DUÇÃO .......................................................................................13
CAPÍTULO I
O CÉREBRO, ÓRGAO DA VONTADE
Vontade e Cérebro .......................................................................... .......33
O Domínio Voluntário ...................................................................... .......35
Sensibilidade muscular e harmonia do gesto ............................ .......39
Aprender a agir: Gnosias e Praxias ...................................................44
As zonas motrizes cerebrais ..............................................................45
Dos automatismos cerebrais à Vontade .................................... .......47
O Eu cerebral ............................................................................... .......49
CAPITULO II
V O N T A D E A N I M A L E VO N T AD E H U M A N A
Complexificação cerebral e níveis de Vontade ................................53
Lugar da Vontade nos comportamentos ...............................................50A superioridade cerebral humana: a linguagem ..............................H3
O pré-frontal humano, Vontade refletida do Bem ................... .......OH
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206 O DOMÍNIO DE SI
Ca p it u l o m
PATOLOGIA DO CÉREBRO E PERTURBAÇÕES DA VONTADE
Norm al e Patológico ...................................................................... 73
Vontade e doenças do cérebro: Apraxias, perda de iniciativa
motriz, desdobramento da personalidade ........................... 78
Equilíbrio do ambiente interior e Vontade. As perturbações
hormonais ................................................................................. 84
Haverá medicamentos para a Vontade? .................................... 88
Vontade e Neuroses ........................................................................ 90
Hipnose e Sugestão ...................................................................... 92
A Psicocirurgia e os seus perigos ............................................... 94
O canhotismo contrariado ............................................................. 95
A fadiga nervosa .......................................................................... 96
Ca p ít u l o IV
A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E OS PERIGOS DA IGNORÂNCIA
Verdadeira e falsa Liberdade ....................................................... 101
A satisfação humana das necessidades ........................................ 105
A alienação social ........................................................................ 109
Ca p ít u l o V
A E D U C A Ç Ã O D A V O N T A D E
A moral positiva ............................................................................ 113
Permanecer adultos: aprendizagem permanente ......................... 115
As condições do estado adulto humano: prolongação da ima
turidade ................................................................................... 117Necessidade da cultura .................................................................. 119
Preeducação do menino ................................................................. 124
Aprender a ser para saber viver: a verdadeira educação .... 133
Importância humana da adolescência .......................................... 136
7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI
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INDICE
cAL in ! t st.tes a’a rfitoa Acad. Filosofia - U F G
Fone: 225-9810 207
Capi tu lo V I
C IV IL IZAÇ AO E VON T AD E
Progresso cultural e Cérebro ....................................................... 141
Necessidade da higiene social ..................................................... 144
Há progresso para o homem? ................................................... 145
A verdadeira libertação: Socialização e Noosfera ................... 147
Capí tu lo V II
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