1
1
O DIREITO APLICÁVEL NA SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
ORIUNDAS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA
INTERNACIONAL DE NATUREZA MERCANTIL NO ÂMBITO DO
MERCOSUL1
Kádia Colet Barro2
RESUMO
O artigo consiste na análise do direito aplicável na ocorrência de conflito oriundo de
contratos de compra e venda de natureza mercantil no âmbito do Mercosul, analisando-se,
através dos elementos de conexão – legislação interna e legislação dos outros Estados que
integram o Mercosul, bem como demais normas internacionais – qual a norma e o foro
aplicável na busca da solução de tal conflito, ou seja, se busca a melhor forma de solucionar
a eventual divergência, sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Contrato internacional de compra e venda mercantil, direito
aplicável, Mercosul.
1 Texto parcial da monografia O direito aplicável na solução de controvérsias oriundas do contrato de
compra e venda internacional de natureza mercantil no âmbito do mercosul, desenvolvida pela autora junto à
Universidade de Passo Fundo, no curso de graduação, sob a orientação do Ms. José Carlos Carles de Souza. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo.
2
2
ABSTRACT
The article consists in analyzing the applicable law in case of conflicts
originated from international commercial sale contracts in the ambit of Mercosul, being
analyzed, through the connection elements – Brazilian law and the law of the other States
that integrate the Mercosul, as well as other international rules – which one is the applicable
law and the applicable jurisdiction to solve the respective conflict, in other words, the best
way to solve the eventual divergence of applicable law, under the Brazilian legislation.
Keywords: applicable law, international commercial sale contract, Mercosul.
INTRODUÇÃO
O artigo faz uma abordagem quanto o direito aplicável no caso da ocorrência de
conflito oriundo de contratos de compra e venda internacionais de natureza mercantil no
âmbito do Mercosul, mais precisamente no que toca ao foro competente e à norma
aplicável, observando-se, é claro, os elementos de conexão para dirimir eventual
controvérsia entre as partes contratantes.
Para melhor entender, busca definir qual o foro e, por conseguinte, a norma de qual
Estado dos contratantes e ou norma internacional – tratados, acordos, convenções,
protocolos – será aplicada no caso concreto, na busca da melhor forma de solução do
referido conflito. Destarte, a referida solução tem como base o ordenamento jurídico
brasileiro, embora faça menção ao direito comparado, principalmente, às normas dos
demais Estados-parte do Mercosul.
A escolha do assunto justifica-se diante da inegável evolução da atividade negocial
no mercado internacional, conseqüentemente, no mercado entre Estados-parte do Mercosul,
caracterizando-se o surgimento de uma nova ordem econômica.
Em razão disso, cresce de forma avassaladora o número de exportações e
importações naquele espaço – Mercosul. Por via de conseqüência, cresce na mesma
proporção o número de contratos de compra e venda, principalmente os de natureza
3
3
mercantil, os quais são os instrumentos, por excelência, do comércio que circunda os
Estados-parte do Mercosul.
Dessa forma, tendo em vista ser elemento ínsito de todo o contrato internacional, a
possibilidade de aplicação de mais de um ordenamento jurídico, o Direito, como forma de
regular tais atividades, não poderia ficar alheio a essa nova forma de contrato de compra e
venda mercantil, muito menos deixar os contratantes inseguros quanto ao desfecho de uma
possível lide. Deve o Direito buscar a melhor solução na eventualidade da ocorrência de
alguma divergência entre as partes para que essas tenham um risco menor ao celebrarem
seu contrato, contribuindo, destarte, para o crescimento e a integração do Mercado Comum
do Sul.
1 O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO MERCOSUL E SUA
INTERGOVERNABILIDADE
Segundo Bittencourt (1996, p. 133), durante os anos de 1953 a 1973, o mundo
econômico contemplou o desenvolvimento de apenas um bloco regional, que foi a
Comunidade Econômica Européia. O mesmo autor ainda afirma que inúmeras tentativas de
integração fizeram outros blocos regionais, inclusive na América Latina, até que em
meados dos anos 70 “os rumos da balança comercial tiveram nova fase, com maior
mobilidade do capital e, o surgimento de um mercado industrializado que mais tarde viria a
ser chamado de „Tigres Asiáticos‟”. Assim, tal queda de fronteiras econômicas na escala
mundial serviu para tornar mais estreita as relações entre os países do chamado Cone Sul.
Dessa sorte, em 26 de março de 1991 foi assinado o Tratado de Assunção, criando,
naquele momento, o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL – reunindo os países do Cone
Sul: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com o intuito de permitir a livre circulação de
bens, serviços e fatores produtivos, objetivando sempre o processo de integração
econômica, cultural, jurídica e política de tais Estados.
4
4
Uma das principais características do Mercosul foi a transitoriedade, ou seja,
tivemos uma fase provisória ou transitória, que teve início no Tratado de Assunção, e que
culminou com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto – fase definitiva”.
No que pertine ao período de transição, ou melhor, “o lapso temporal entre o evento
da vigência daquele instrumento – Tratado de Assunção – (29 de novembro de 1991) e a
data definida, já no seu artigo 1o, para o estabelecimento de um Mercado Comum (31 de
dezembro de 1994)” (VENTURA, 1996, p.43-45), foi estabelecida uma estrutura orgânica
composta por órgãos de administração e execução – Conselho do Mercado Comum (CMC)
e o Grupo do Mercado Comum (GMC) – dotados de natureza jurídica intergovernamental3,
com poder decisório.
Já em 17 de dezembro de 1994, o Protocolo de Ouro Preto4 criou a estrutura
institucional do Mercosul com propósito de definitiva, dotando-se de personalidade jurídica
internacional. Segundo a professora Deisy de Freitas Lima Ventura, “ele manteve ou criou
alguns fóruns intergovernamentais, onde estão representados os interesses de cada Estado
Parte, cujas decisões, em geral, dependem da posterior ratificação pelas ordens nacionais.”
(1996, p. 56). Daí o caráter intergovernamental do Mercosul e não supranacional.
Registre-se, como exemplo da ausência do caráter supranacional do Mercosul, o
artigo 40 do Protocolo de Ouro Preto que dispõe “uma vez aprovada a norma, os Estados-
Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico
nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do MERCOSUL”.
Assim, como dito, tem-se que o Mercosul, como pessoa jurídica de direito
internacional, é uma entidade intergovernamental e não supranacional, ou melhor, “inexiste
assim, uma auto-aplicabilidade de normas. Estas, em geral, devem ser primeiramente objeto
de consenso nos órgãos do MERCOSUL e a seguir internadas nos ordenamentos jurídicos”
(BATISTI, 2001, p. 532).
3 Entende-se ser de natureza jurídica intergovernamental porque o Mercosul não possui caráter supranacional,
ou seja, em geral, as normas ou decisões que dele emanarem ficam sujeitas a ratificação pelo ordenamento
jurídico interno de cada Estado-parte. (LORENTZ, 2001, p. 96) 4 Aprovado pelo Congresso Nacional em 15 de dezembro de 1995, Dec.-Lei n
o 188 e Decreto executivo
publicado no Diário Oficial no 241 de 18 de dezembro de 1995.
5
5
Como exemplo da intergovernabilidade do Mercosul, além do já narrado, é a
aplicação do Protocolo de Las Leñas, o qual prevê a cooperação e assistência jurisdicional
em matéria civil, comercial, trabalhista. Maria do Carmo Puccini Caminha dispõe acerca
desse protocolo de forma mais detalhada. Para ela:
O PL prevê que as sentenças transitadas em julgado, prolatadas pelo juiz
de um país, poderão ser seus efeitos diretamente aplicados em outro
Estado-parte do Mercosul, sem o procedimento da homologação de
sentença estrangeira a que estão submetidas todas as demais,
provenientes de países de fora da área. Prevê igualmente a cooperação
mediante o fornecimento de informações sobre o direito vigente. (2003, p.
49).
Tal protocolo foi ratificado por todos os Estados-parte do Mercosul e, segundo
Caminha (2003, p. 50), em decorrência do princípio lex posterior derogat legi priori,
estaria garantida a uniformização do sistema e a conseqüente aplicação da norma
internacional. No entanto, a mesma autora continua explicando que a homologação de
sentenças estrangeiras e cartas rogatórias no Brasil é matéria constitucional5, ao contrário
dos outros Estados-parte, que possuem regulamento infraconstitucional para tal matéria.
Assim, Caminha (2003, p. 52) afirma que mesmo sendo uma norma mercosulina
ratificada, ou seja, devidamente internalizada no sistema brasileiro, para o Supremo
Tribunal Federal, o Protocolo de Las Leñas não teve o condão de afastar o disposto na
norma constitucional (art, 102, I, “h”).
SENTENÇA ESTRANGEIRA; PROTOCOLO DE LAS LEÑAS:
HOMOLOGAÇÃO MEDIANTE CARTA ROGATÓRIA. O Protocolo de
Las Leñas (Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em
Matéria Civil, Comercial, Trabalhista, Administrativa entre os países do
Mercosul) não afetou a exigência de que qualquer sentença estrangeira – à
qual é de equiparar-se à decisão interlocutória concessiva de medida
cautelar – para tornar-se exequível no Brasil, há de ser previamente
5 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
h) a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias, que podem ser
conferidas pelo regimento interno a seu Presidente;
6
6
submetida à homologação do STF, o que obsta a admissão de seu
reconhecimento incidente, no foro brasileiro, pelo juízo a que se requeira
a execução. (03.10.1997 – CR 7.618 – República Argentina (AgRg) – rel.
Min. Sepúlveda Pertence) (grifo nosso).
Isso posto, nota-se que mesmo as normas emanadas do Mercosul devidamente
integradas nos sistemas nacionais podem não ser aplicadas pelos Tribunais, demonstrando
novamente o caráter integovernamental do Mercosul, e não supranacional, como no caso da
Comunidade Européia.
De outra banda, fora elaborada há pouco tempo – 31 de março de 2004 – a
Resolução no 04/04 do Grupo de Mercado Comum, a qual cria o grupo ad hoc sanitário e
fitossanitário, onde seu artigo 6o dispõe que a referida norma“ [...] não necessita ser
incorporada ao ordenamento jurídico dos Estados Partes[...]”, para que possa ser
efetivamente aplicada por seus respectivos tribunais.
Ou seja, como se pode perceber ao ler seu texto, a aplicação da referida norma no
ordenamento interno dos Estados-parte independeria de ser internalizada, indo de encontro
aos preceitos acima aludidos. Infelizmente, não se tem ainda nenhuma decisão dos tribunais
pátrios acerca de sua aplicação.
De qualquer forma, vê-se que dependendo da importância da norma, nesse caso
uma regra de caráter fitossanitário, a mesma poderá ser aplicada independentemente de ser
incorporada ao ordenamento jurídico dos Estados Partes.
Contudo, é de extrema importância para o processo de integração, bem como para
que o Mercosul aspire futuramente ser um órgão supranacional e, por conseguinte, suas
normas de direito comunitário, que os Estados parte trabalhem no sentido ajustarem suas
normas internas às normas que de lá – Mercosul – emanarem.
2 ELEMENTOS DE CONEXÃO
Conforme dispõe Nádia de Araújo “o estudo do Direito dos Contratos Internacionais
integra a parte especial do Direito Internacional Privado, quando se analisam as regras de
7
7
conexão – direito aplicável – que regem as relações obrigacionais internacionais.” (2000, p.
17).
Mais precisamente, no prefácio à primeira edição da obra de João Grandino Rodas,
Contratos Internacionais, Jacob Dolinger (2002, p. 10) menciona que quando se analisam
regras de conexão para relações obrigacionais internacionais, entretanto comerciais, estar-
se-á diante de um direito autônomo denominado, atualmente, como Direito Internacional
Econômico.
Inobstante às denominações acima aludidas, cabe referir que tais estudos – Direito
Internacional Privado ou, como queiram, Direito Internacional Econômico – têm por objeto
“o conflito de leis no espaço” (AMORIM, 2000, p. 6), o qual pode ser dirimido através dos
citados elementos de conexão, ou seja, há a definição de qual direito irá reger o contrato em
discussão, quais sejam: aquele que as partes estipularam, aquele determinado pelo
ordenamento interno do Estado de uma delas ou, ainda, aquele estabelecido por normas
internacionais, como tratados, convenções e protocolos.
No que concerne a este estudo, o qual tem por fim a solução de conflitos oriundos
de contratos de compra e venda mercantis no âmbito do Mercosul, a que se fazer uma
análise distinta dos elementos de conexão atentos à lei aplicável, bem como ao foro
aplicável em caso de eventuais conflitos.
Quanto a tal distinção, é necessário tecer alguns comentários referente ao direito
comparado, como no caso do sistema da common law, mais precisamente o Direito Inglês.
Conforme José Inácio Gonzaga Franceschini (2002, p. 66–67), lá não há distinção entre lei
aplicável e foro aplicável, tendo em vista a aplicação do sistema de interpretação da proper
law, onde se as partes contratantes escolheram um determinado foro para dirimir eventuais
conflitos decorrentes de um contrato, poder-se-á presumir que assim o fazendo, “fora a
intenção das partes eleger a lex fori como lei vigente da avença.” 6
Vale referir, que a
proper law, além de ser uma forma que as Cortes inglesas encontraram de aplicar a livre
vontade das partes à essência da relação contratual, permite que o juízo presuma o que
6 Conforme dispõe Nádia de Araújo (2000, p. 24), trata-se do sistema unilateral para a solução do conflito de
leis em contratos internacionais
8
8
essas desejavam no momento da celebração do contrato, e aplique a lei que achar mais
conveniente a isso.
No entanto, segundo Franceschini (2002, p. 67), perante os sistemas de influência
latina, dentre os quais, os Estados componentes do Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai
e Uruguai – impõe-se a distinção entre as competências legislativas e judiciárias, haja vista
que tais sistemas não permitem a simples presunção do que as partes contratantes
pretendiam no momento que firmaram o contrato, ou seja, se as partes escolherem o foro
brasileiro para dirimir um possível conflito oriundo de seu contrato, não quer dizer que terá
de ser aplicada a lei brasileira, mas sim a lei do país que as normas de Direito Internacional
Privado brasileiro determinarem.7
Conforme refere Franceschini “no Direito Internacional Privado brasileiro vigente,
há ainda certa confusão entre lei aplicável e foro, notadamente face a uma quase irresistível
tendência em favor da aplicação da lei do foro aos contratos internacionais [...]”(2002, p.
67). Veja-se que, os próprios tribunais e juízes brasileiros, freqüentemente não fazem
distinção entre norma e foro aplicável, conforme preconiza Nádia de Araújo:
Em outro acórdão, posiciona-se o TARS8 da mesma forma, em prol da
competência da justiça brasileira como acima, utilizando a noção do
contrario sensu, pois seria imperativa a competência da justiça brasileira
se as obrigações foram pactuadas no Brasil. Este acórdão também é
equivocado, a nosso ver, pois faz confusão entre lei aplicável e jurisdição.
Poderia perfeitamente ser aplicável a lei brasileira em outro juízo, assim
como poderia ser aplicável uma lei estrangeira em ação intentada no
Brasil. (in RODAS, 2002, p. 228).
Por óbvio que, se os tribunais brasileiros adotassem tal entendimento, foro aplicável
igual à norma aplicável, estar-se-ia diante da aplicação do sistema de interpretação da
proper law of contract utilizado pelos países da common law, mais precisamente a
Inglaterra.
7 Para Araújo (2000, p. 22) Trata-se do sistema multilateral de solução do conflito de leis.
8 Sigla que corresponde ao Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, que não mais existe.
9
9
2.1 Norma aplicável
Segundo Baptista (1994, p. 29), nos países da civil law, mais precisamente nos
Estados componentes do Mercosul, dois critérios de conexão são deduzidos para determinar
a norma que irá reger àquele contrato, no que se refere às obrigações: o lugar de celebração
– lex loci celebrationis ou lex loci contractus9 - ou o lugar de execução do contrato – lex
loci executionis ou lex loci solutionis.10
O Direito brasileiro determina a aplicação da lei do país onde as obrigações se
constituírem consoante o disposto no artigo 9o, caput, da Lei de Introdução do Código Civil
– LICC - (Decreto - Lei no 4.657 de 04 de setembro de 1942).
É de todo oportuno mencionar o que afirma Garcia Júnior (2000a, p. 18), para ele
os Estados-parte do Mercosul não possuem um entendimento uniforme quanto à norma
aplicável, eis que conforme prevê o Código Civil Argentino, em seus artigos 1.205 a 1.209,
o Código Civil Uruguaio, em seu artigo 2.399 e o Código Civil Paraguaio, em seu artigo
297, aplicar-se-á, para a solução de eventual conflito, a lei do lugar de execução do
contrato, ou seja, lex loci executionis.
Daí é que surge a problemática para a solução de conflitos oriundos de contratos
internacionais no âmbito do Mercosul, in casu, dos contratos de compra e venda de
natureza mercantil, uma vez que tais Estados adotam entendimentos contrários com relação
a norma aplicável. Todavia, o presente estudo tem por finalidade a análise da solução do
aludido conflito, tendo em vista o ordenamento pátrio, ou seja, o brasileiro.
Desse modo, voltando-se à Lei de Introdução do Código Civil, mais precisamente
ao parágrafo segundo do artigo 9o, o mesmo preconiza que “a obrigação resultante do
9 A doutrina da lei do lugar de celebração do contrato foi difundida pela escola francesa, os quais afirmavam
que nenhuma lei seria mais adequada na regulação de uma obrigação jurídica do que aquela vigente no lugar
onde ela se constituiu. (GARCIA JÚNIOR, 2000a, p. 23). 10
Consoante aos ensinamentos de Nádia de Araújo (2000, p. 152–153) a teoria de ser aplicável a lei do lugar
do execução do contrato, lex loci executionis, foi difundida, principalmente, pelo jurista Frederich Carl von
Savigny.
10
10
contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.”, ou seja, do lugar de
onde partiu a oferta.
A que se dizer, quanto à definição de proponente e, por conseguinte, sua residência,
“que as questões relativas às regras qualificadoras são sempre regidas pela lei local, ou seja,
será utilizada a definição do direito brasileiro para determinar o proponente” (ARAÚJO,
2002, p. 207). Os tribunais brasileiros têm decidido dessa forma, como no caso de uma
decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que se referia a um contrato de resseguro
entre empresa seguradora estrangeira e resseguradora brasileira. Consoante à legislação
brasileira, nesses contratos o proponente é o segurado, portanto reputam-se celebrados na
sede do proponente, atento ao artigo 9o, § 2
o da LICC e ao artigo 435 do Código Civil.
11
Conforme leciona Nádia de Araújo (2002, p. 202), os tribunais pátrios têm referido
indubitavelmente o artigo 9o da Lei de Introdução quando há necessidade de determinar a
norma aplicável, mesmo que, em virtude disso, seja necessário a aplicação de legislação
estrangeira, “pois esta é a regra de conexão por excelência da lei brasileira”. A mesma
autora explica:
Por fim, veja-se o caso do STF Banco do Brasil v. Champalimaud (RE
93.131/MG, RTJ 101/1.149). Sobre um negócio jurídico acordado em
Portugal, mas a ser executado no Brasil, já que a ré era uma sociedade
aqui estabelecida, decidiu o juiz de 1a instância ser aplicável a lei
portuguesa, por força do disposto no art. 9o da LICC. Na apelação, o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais também concordou com a
interpretação da 1a instância e disse ser a lei portuguesa aplicável porque
as obrigações haviam sido constituídas em Portugal. Aqui, pelo relatório
feito no acórdão do STF, transparece que a discussão em Minas Gerais
teria incluído a questão da autonomia da vontade, pois há uma citação a
Amílcar de Castro, e sua posição contrária à liberdade das partes em
escolher a lei. Dizia o relatório que o local de assinatura do contrato
financeiro em Londres não fora considerado como relevante para o
deslinde da questão, já que as demais obrigações constituíram-se em
Portugal. Isso porque, em sua apelação, pretendiam os apelantes a
aplicação da lei inglesa, o que foi descartado pelo autor, pois a discussão
cingiu-se às obrigações assumidas em Portugal, e não ao contrato de
financiamento, que poderia ser regido pela lei inglesa. Assim, os contratos
em litígio teriam sido dois: o celebrado entre o Banco Sotto Mayor e a
ECIL, e aquele entre a ECIL e o autor da ação, Champalimaud. A seguir,
11
Agravo de Instrumento 1.737/95, Reg. 15.06.1996, p. 1.281 – 1.284, unânime, Des. Martinho Campos, j.
19.12.1995.
11
11
mencionou-se novamente no relatório a autonomia da vontade como
proibida pela nossa lei, de acordo com os ensinamentos de Amílcar de
Castro. Confirmada pela apelação a decisão de 1o grau, chegou ao STF em
grau de recurso extraordinário. Em seu voto no RE, o Ministro Moreira
Alves voltou aos argumentos do acórdão apelado e entendeu aplicável o
direito português, por força do art. 9o
da Lei de Introdução. [...]
(ARAÚJO, 2002, p. 201–202).
Outro tópico do estudo dos contratos internacionais é, no que envolve a norma
aplicável, segundo Diniz (1993, p. 475), o fracionamento do contrato, ou como é
largamente conhecido, um dépeçage12
. “Este é um mecanismo pelo qual um contrato ou
uma instituição é dividida em diferentes partes, que serão, cada uma delas, submetidas a
leis diversas.” (ARAÚJO, 2002, p. 207).
Maria Helena Diniz (1993, p.475) cita como exemplo um contrato de transferência
de propriedade de um bem imóvel em que a capacidade dos contratantes submete-se à sua
lei pessoal; a forma, à lei de celebração do contrato e a transferência do domínio, à lei da
situação do imóvel. Isso é dépeçage ou fracionamento.
Os tribunais brasileiros cuidaram do tema por diversas vezes. Araújo (2002, p. 208)
afirma que o Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro utilizou o dépeçage ou fracionamento
ao determinar duas leis regentes à mesma situação: para os fatos ocorridos no país
estrangeiro que diziam respeito à substância do contrato, a lei estrangeira, e para as
questões de execução do contrato, a do local em que fora celebrado, isto é, a lei brasileira.13
Contudo, não se pode olvidar que, como reconhece Araújo (2002, p. 207–212),
quando o contrato tiver se constituído no exterior e, por conseqüência, a lei aplicável for a
estrangeira, que esta legislação estrangeira não fira princípios como dos bons costumes e da
ordem pública, conforme procedeu o Supremo Tribunal Federal no caso narrado abaixo.
SENTENÇA ESTRANGEIRA. DIVÓRCIO. IRREGULARIDADE DA
REVELIA DECRETADA PELO JUÍZO ESTRANGEIRO.
Matéria de direito e de ordem pública, o que torna ocioso discutir eventual
intempestividade da contestação apresentada ao pedido de homologação.
Inadmissibilidade de proceder-se a citação da ré – residente no Brasil –
12
Teoria que aponta a necessidade de se utilizar diferentes ordenamentos jurídicos para diferentes elementos
de um contrato. 13
Apelação Cível 50059/86, Reg. 3151, Cód. 86.001.500.59, 4a Câmara, unânime, Juiz Miguel Pacha, j.
09.09.1986.
12
12
por meio outro que não a carta rogatória, segundo resulta das normas
jurídicas em vigor no nosso país. Precedentes do Supremo Tribunal
Federal. Indeferimento do pedido de homologação da sentença
estrangeira, comunicando-se, ao órgão disciplinar competente, os fatos
relacionados ao procedimento de citação. Votação unânime, indeferida”
(DJ 09.11.1990, p. 12.755, Ementa, vol. 1600-02, p. 208, rel. Célio Borja,
Tribunal Pleno)
Portanto, verifica-se que consoante ao artigo 9o da Lei de Introdução do Código
Civil deve-se aplicar, na solução de eventual conflito oriundo de contrato internacional,
neste caso contrato de compra e venda mercantil, a norma do lugar de celebração desse, ou
seja a lex loci celebrationis ou lex loci contractus.
2.2 Foro aplicável
Cabe discorrer agora em relação ao foro aplicável, sempre lembrando que esta
análise é feita sob a égide do direito interno brasileiro. Assim, a matéria relativa à
competência internacional, mais precisamente ao que se aplica a este trabalho, está disposta
nos artigos 88 e 89, inciso I do Código de Processo Civil.
É importante frisar que “os arts. 88-90 [do Código de Processo Civil] só se referem
à competência da autoridade judiciária do Brasil. Não afastou alguma competência da
autoridade judiciária estrangeira que coincida com a autoridade judiciária brasileira [...]”
(NARDI, 2002, p. 131).
Conforme continua Marcelo de Nardi (2002, p. 132), comprova a referida proposta
doutrinária – possibilidade de competência da autoridade estrangeira – o fato de haver
homologação de sentença estrangeira consagrada pelo já citado artigo 102, inciso I, alínea h
da Constituição Federal brasileira. “Afirma-se monopolista14
a jurisdição brasileira, mas
admite, após soberano exame de determinados requisitos, a eficácia de decisões tomadas
por outras jurisdições”. Nas palavras do mesmo autor:
14
Com relação ao entendimento monopolista da competência brasileira se tem o exemplo do artigo 90 do
CPC, o qual não reconhece a litispendência entre ação intentada no exterior e perante o tribunal brasileiro.
13
13
Em resumo, o sistema jurídico desenvolvido no Brasil fixa monopólio
jurisdicional absoluto para si, admitindo a existência, em determinadas
hipóteses delimitadas na lei (arts. 88 e 89, do CPC), de meios de solução
de controvérsias patrocinados por entes internacionais de igual estrutura
soberana, cujos efeitos podem ser experimentados internamente mediante
ato de soberania do próprio Estado brasileiro. (2002, p. 134).
É pertinente ainda dizer, segundo Nardi (2002, p. 134), que o artigo 89 do CPC
elenca casos de competência exclusiva, já o artigo 88 do CPC disciplina casos de
competência concorrente, admitindo a dirimência de eventual litígio por autoridade
estrangeira, sendo que os efeitos decorrentes de tal decisão poderão ser internalizados sem
violação da soberania nacional.
3 NORMAS INTERNACIONAIS
3.1 O protocolo de Buenos Aires
No que pertine ao estudo que esse trabalho se propõe, mister se fazer,
primeiramente, uma análise detalhada do Protocolo de Buenos Aires, norma mercosulina
que dispõe acerca da jurisdição internacional em matéria contratual15
, ou seja, do foro
aplicável.
Desse modo, o referido protocolo foi concluído em 05 de agosto de 1994, aprovado
pelo Congresso Nacional brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 129, de 05 de
outubro de 1995 e promulgado executivamente pelo Presidente da República mediante o
Decreto nº 2.095, de 17 de dezembro de 1996.
15
No direito comparado, existe a Convenção de Bruxelas de 1968, ratificada pelos Estados que compõem a
Comunidade Européia, a qual permite que as partes escolham livremente o foro aplicável ao seu contrato, em
caso de haver controvérsia entre os contratantes. (ARAÚJO, 2000, p. 134).
14
14
Conforme comenta Armando Alvares Garcia Júnior, (2004, p. 15) o citado
protocolo, muito embora pouco conhecido, existe e está plenamente vigente para os
Estados-partes do Mercosul, ou seja, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Tal protocolo, “norma de direito internacional público, regula a jurisdição
contenciosa internacional relativa aos contratos internacionais de natureza civil ou
comercial celebrados entre particulares, pessoas físicas ou jurídicas” (GARCIA JÚNIOR,
2004, p. 15), isto é, define qual a jurisdição aplicável na solução de enventual conflito
oriundo de um contrato internacional, in casu, do contrato de compra e venda de natureza
mercantil.
Segundo Armando Alvares Garcia Júnior (2004, p. 16), os negócios empresariais
internacionais de natureza privada celebrados entre partes contratantes sediadas em Estados
integrantes do Tratado de Assunção submetem-se a essa norma jurídica excluindo-se, por
conseguinte, as respectivas normas nacionais dos Países-membros. Daí a fundamental
importância desse protocolo nas relações comerciais no âmbito do Mercoul, bem como a
solução a que este trabalho se propõe.
Importa ressaltar que, para Araújo (2000, p. 82), o referido protocolo não possui
aplicação somente se ambas as partes contratantes possuírem domicílio16
ou sede social em
um dos Estados-parte do Mercosul – artigo 1º - mas sim se pelo menos uma delas lá tiver
seu domicílio. Para tanto, é necessário que as partes estipulem, antecipadamente e
expressamente, tal cláusula de eleição de foro no contrato cuja discussão se baseia.
No entanto, a referida norma não tem aplicação em todos os contratos
internacionais, excluindo-se explicitamente de seu âmbito de aplicação os contratos
16
A noção de domicílio é estabelecida pelo artigo 9º do Protocolo de Buenos Aires, o qual define:
Art. 9º. Para os fins do artigo 7º, alínea “b”, considerar-se-á domicílio do demandado:
a) quando se tratar de pessoas físicas:
1. sua residência habitual;
2. subsidiariamente, o centro principal de seus negócios;
3. na ausência destas circunstâncias, o lugar onde se encontrar a simples residência.
b) quando se tratar de pessoa jurídica, a sede principal da administração.
2. Se a pessoa jurídica tiver sucursais, estabelecimentos, agências ou qualquer outra espécie de representação,
será considerada domiciliada no lugar onde funcionem, sujeita à jurisdição das autoridades locais, no que
concerne às operações que ali pratique. Esta qualificação não obsta o direito do autor de interpor a ação junto
ao tribunal da sede principal da administração.
15
15
elencados no artigo 2o17
. Veja-se que, que dentre tais contratos, foi excluído de sua
aplicação os contratos de venda ao consumidor. Daí um dos motivos de não se tratar dessa
espécie de contrato neste trabalho.
O Protocolo de Buenos Aires também traz uma inovação no momento em que
permite que as partes escolham por si só a jurisdição aplicável em caso de possível conflito,
ou seja, o princípio da autonomia da vontade quanto ao foro aplicável no caso dos contratos
internacionais – compra e venda – fora positivado. Ademais, a norma traz a possibilidade
das partes fazerem tal estipulação, além do momento da celebração do contrato, durante a
sua vigência ou uma vez suscitado o litígio.
A positivação do princípio da autonomia nesse caso específico, escolha da
jurisdição aplicável ao contrato, conforme dispõe Garcia Júnior (2004, p. 97) é uma
inovação, na medida em que nenhum dos Estados-parte do Mercosul possui tal assertiva
expressa na sua respectiva legislação interna. A permissão ou não de tal liberdade às partes
ficava a cargo dos tribunais, sem haver um entendimento uniforme quanto a isso.
Caso as partes não façam a eleição da jurisdição que irá reger aquela
contratação internacional, ou não haja acordo amigável quanto a isso, o protocolo
determina que seja aplicada a jurisdição subsidiária, ou seja, o autor do eventual litígio
poderá optar pelo juízo do lugar de cumprimento do contrato, do domicílio do demandado,
ou de seu domicílio ou sede social, desde que demonstre ter cumprido a prestação a que se
obrigara.
Nota-se que as regras quanto à eleição de jurisdição aplicável são, de certa forma,
diferentes das normas apontadas pelos artigos 88 e 89 do Código de Processo Civil que se
referem à competência internacional.
17
Art. 2. O âmbito de aplicação do presente Protocolo exclui:
1. as relações jurídicas entre os falidos e seus credores e demais procedimentos análogos, especialmente as.
concordatas;
2. a matéria tratada em acordos no âmbito do direito de família e das sucessões;
3. os contratos de seguridade social:
4. os contratos administrativos;
5. os contratos de trabalho;
6. os contratos de venda ao consumidor;
7. os contratos de transportes;
8. os contratos de seguro;
9. os direitos reais.
16
16
O mesmo ocorre, segundo Garcia Júnior (2000a, p. 18), no que se refere à legislação
dos outros Estados-parte do Mercosul – Argentina, Paraguai e Uruguai – eis que tais
Estados possuem comandos diferenciados, comparado ao Protocolo de Buenos Aires,
quanto à jurisdição aplicável em caso de lides que envolvam partes de Estados distintos.
Destaca-se também, de acordo com Araújo (2000, p. 265), que o Protocolo de
Buenos Aires já vem sendo aplicado pelo Supremo Tribunal Federal, como em 1999,
quando o STF devolveu uma carta rogatória, n. 8837, ao Paraguai pelo fundamento de que
havia a existência, no contrato em discussão, de uma cláusula de eleição de foro brasileiro
que impedia, ao ver do ministro julgador, a citação da parte domiciliada no Brasil, que aqui
deveria ser acionada, fazendo menção expressa da aplicação, naquele caso, do Protocolo de
Buenos Aires.
3.2 Demais normas internacionais
Mesmo que já tenha se trazido, no decorrer deste trabalho, outras fontes externas
importantes para o deslinde do presente estudo, como no caso do Protocolo de Buenos
Aires, faz-se mister referir ainda acerca dos demais tratados, acordos e convenções
referente ao assunto.
Inicialmente, cabe fazer menção à Convenção Interamericana do México sobre o
direito aplicável aos contratos internacionais18
. De acordo com Araújo (2001, p. 46), tal
convenção foi assinada por todos os países membros do Mercosul, sem que no entanto os
mesmos tenham-na ratificado. Os únicos países que a ratificaram até agora, foram o
México e a Venezuela.
Essa Convenção, segundo Souza Júnior (2002, p. 443), traz avanços importantes na
solução de controvérsias originadas de contratos internacionais, uma vez que permite, em
seu artigo 7o, que as partes elejam, expressa ou tacitamente, o direito aplicável ao contrato.
18
A Convenção Interamericana do México fora baseada na Convenção de Roma de 1980 sobre a Lei
Aplicável às Obrigações Contratuais, ratificada por todas as nações pertencentes à Comunidade Européia.
(ARAÚJO, 2000, p.134)
Também necessário referir que as Convenções de Haia, a partir de 1955, e de Viena de 1980, da qual países
como Argentina e Uruguai são signatários, eis que essas muito contribuíram na construção da Convenção
Interamericana do México, uma vez que permitem a autonomia da vontade das partes na escolha da lei
aplicável. (ARAÚJO, 2000, p. 124–133).
17
17
Em caso da ausência de eleição do direito aplicável, o artigo 9o determina que o
contrato será regido pelo direito do Estado com o qual o mesmo possua vínculos mais
estreitos, levando-se em conta os princípios gerais do direito comercial internacional
aceitos por organismos internacionais, ou seja, estar-se-ia diante da aplicação do princípio
da proper law. (SOUZA JÚNIOR, 2002, p. 443).
Além disso, “o artigo 10 da Convenção autoriza, quando pertinente, a aplicação de
normas, costumes e princípios do direito comercial internacional, em outras palavras,
permite a aplicação dos princípios que compõem a lex mercatoria”. (SOUZA JÚNIOR,
2002, p. 443).
Conforme menciona Nádia de Araújo “a Convenção do México teve repercussão no
Brasil através de sua influência nos artigos relativos aos contratos internacionais do Projeto
de lei no 4.095/95
19” (2000, p. 187), o qual, foi retirado do Congresso Nacional pelo Poder
Executivo.
É oportuno mencionar que, nos demais Estados-parte do Mercosul – Argentina,
Paraguai e Uruguai – em virtude de serem signatários do Tratado de Montevidéu de 194020
,
não permitem às partes contratantes a liberdade de escolha da norma aplicável ao seu
contrato. Conforme dispõe Nádia de Araújo (2000, p. 153), o Brasil participou do
Congresso em que houve a celebração daquele tratado, no entanto, não o assinou em
virtude de conter dispositivos contrários a sua legislação internacional.
Em derradeiro, também é necessário referir a Convenção interamericana sobre
normas gerais de direito internacional privado21
, a qual foi ratificada por todos os países
componentes do Mercosul e disciplina a forma de aplicação da norma estrangeira, mais
precisamente nos seus artigos do 1o ao 6
o.
Dessa forma, Taquela (2000, p. 740) explica que a referida Convenção
Interamericana do México, se ratificada por todos os Estados do Mercosul, seria, de certa
19
O referido projeto é de autoria da comissão formada pelos professores Jacob Dolinger, João Grandino
Rodas, Rubens Limongi França e Inocêncio Mártires Coelho. 20
Trata-se de um Tratado assinado no Segundo Congresso Sul-americano de Direito Internacional Privado de
Montevidéu. O Brasil participou do Congresso, entretanto não assinou o referido tratado em virtude do
mesmo estabelecer como lei aplicável a do lugar de execução do contrato, lex loci executionis. O Tratado de
Montevidéu está ainda vigente nos Estados da Argentina, Paraguai e Uruguai. (ARAÚJO, 2000, p. 153) 21
Convenção sobre direito internacional privado, realizada em 1979 na cidade de Montevidéu – Uruguai,
promulgada pelo Decreto n. 1979 de 09 de agosto de 1996.
18
18
forma, a solução dos problemas quanto à escolha da norma aplicável, posto que a
autonomia da vontade estaria positivada, ao contrário da situação jurídica atual. Com
relação à autonomia da vontade – norma aplicável - no Brasil, será vista mais adiante.
Cabe ainda referir o Código de Bustamante, ou melhor a Convenção de Direito
Internacional Privado de 192822
, a qual trata, dentre outras matérias, sobre os contratos
internacionais e, conseqüentemente, às regras de competência internacional em matéria
civil e comercial. Todavia, para Araújo (2000, p.160), tal convenção deixou aos Estados a
liberdade de interpretação do código segundo suas próprias normas internas.
Com relação à competência internacional, o Código de Bustamante, em seu artigo
318 permite aos contratantes a escolha do foro aplicável, em caso da ocorrência de eventual
conflito, “desde que haja elemento de fixação de competência relacionado à nacionalidade
ou ao domicílio de uma das partes .” (NARDI, 2002, p. 136).
Já no que se refere à norma aplicável, o Código não contemplou a autonomia da
vontade, apenas discorrendo, no seu artigo 186, ser aplicável aos contratos, primeiramente,
a lei comum às partes, e, na sua ausência, a lei do lugar onde o contrato foi celebrado, no
mesmo entendimento que o artigo 9º da Lei de Introdução. (ARAÚJO, 2000, p. 160–161).
Percebe-se, destarte, que no âmbito do Mercosul não há um ordenamento uniforme
quanto à questão da norma aplicável aos contratos internacionais, havendo apenas, no
âmbito do foro aplicável, o Protocolo de Buenos Aires quanto à jurisdição internacional.
4 A AUTONOMIA DA VONTADE NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Nádia de Araújo (2002, p. 199) leciona que não há muita jurisprudência com relação
ao princípio da autonomia da vontade relativa à norma aplicável, ao contrário do foro
aplicável, que a seguir ver-se-á.
Desde já, traz-se a opinião de Maria Helena Diniz, (1994, p. 251) a qual afirma
taxativamente não haver autonomia da vontade para escolha da norma aplicável no direito
brasileiro. Cabe analisar-se o porquê dessa afirmação. Para tanto, deve-se lembrar
22
Os demais Estados componentes do Mercosul não são signatários dessa Convenção.
19
19
novamente do artigo 9o da LICC, o qual restou omisso quanto às partes poderem optar pela
norma aplicável ao seu contrato. Além disso, cabe fazer a análise se tal norma possui
caráter imperativo ou não.
Segundo João Grandino Rodas (2002, p. 51), são imperativas as normas que
possuem “continentes de critérios que necessariamente serão utilizados na apreciação
jurídica do ato”. Ele continua dizendo que “sendo uma lei imperativa, subordinará todos os
atos dependentes de sua aplicação. Os conflitos de leis imperativas são resolvidos pelas
regras de Direito Internacional Privado e não pela vontade das partes contratantes.” Isto é,
somente às normas facultativas23
é válida a autonomia da vontade.
Entende-se destarte, que no momento em que o artigo 9o omite-se com relação ao
assunto – autonomia da vontade – as partes não poderão dispor de tal faculdade – escolha
da norma aplicável – visto a imperatividade da norma. Rubem Belandro assim define uma
norma imperativa:
Não são todas as leis que possuem um caráter de imperatividade estendida
às relações multiconectadas, pois, se assim fosse, a utilização do direito
estrangeiro pelas normas de conflito nunca ocorreria. O que distingue o
uso das primeiras das normas imperativas é que estas atendem aos ditames
de uma civilização comum, enquanto as segundas procuram preservar a
coerência do ordenamento jurídico interno. (BELANDRO apud
ARAÚJO, 2002, p. 209).
A que se dizer ainda, de acordo com Nádia de Araújo (2001, p. 43–44), a despeito
da alegação de alguns juristas, como Haroldo Valadão, o qual entende ser a autonomia da
vontade um direito subjetivo conferido à pessoa independente do que dispõe o direito
positivo, que o ordenamento jurídico brasileiro, por ser positivista, segundo o qual os
direitos subjetivos somente decorrem de previsão legal, o artigo 9o não inclina a uma
interpretação permissiva da autonomia, pois não há disposição expressa de tal liberdade.
Aliás, como bem observa Wilson Batalha, “face a Lei de Introdução do Código
Civil não pode pairar dúvida: inaceitável é a autonomia da vontade para a indicação da lei
23
Segundo Rodas (2002, p. 51), “são facultativas as normas que permitem aos particulares escolher entre
dois, ou mais critérios de apreciação de seus atos.”
20
20
aplicável. [...] não nos parece merecer dúvida que o art. 9o da Lei de Introdução se reveste
de caráter imperativo”. (apud FRANCESCHINI, 2002, p. 73).
Veja-se, que apesar da Convenção Interamericana do México permitir que as partes
escolham a norma aplicável ao seu contrato, conforme já referido, tal Convenção ainda não
possui aplicação no Brasil e em nenhum dos outros Estados-parte do Mercosul, uma vez
que nenhum deles ainda a ratificou. De mais a mais, a própria Convenção interamericana
sobre normas gerais de direito internacional privado de Montevidéu, ratificada pelos quatro
países membros do Mercosul, nada refere com relação à autonomia da vontade relativa à
escolha da norma aplicável.
Dessa forma, segundo Araújo (2002, p. 199), os tribunais brasileiros não têm
permitido às partes estipularem a eleição de norma aplicável, aplicando o disposto no artigo
9o da LICC como regra de conexão por excelência da legislação brasileira.
Para a mesma autora (ARAÚJO, 2000, p. 73), em referência aos demais Estados
componentes do Mercosul, percebe-se que, em virtude do Tratado de Montevidéu, esses
também não contemplam o princípio da autonomia da vontade referente à escolha da norma
aplicável, ou melhor, não possuem tal direito subjetivo positivado em seus ordenamentos
internos.24
Assim, mais detalhadamente, no caso da Argentina, Nádia de Araújo (2000, p. 74–
81) dispõe que a doutrina entende ser possível às partes a eleição da norma aplicável ao seu
contrato, entretanto os tribunais têm rechaçado o referido entendimento. Já o Uruguai , após
a sua participação na Conferência de Haia de 1985, tem se posicionado em favor da
autonomia, mas, até o momento, não possui nenhuma decisão concreta a respeito. Por
último, o Paraguai, que também possui divergência na doutrina com relação à possibilidade
de tal autonomia, mas a exemplo do Uruguai, não possui nenhuma decisão de seus tribunais
com relação ao assunto.
24
No direito comparado, mais precisamente nos países da common law (ARAÚJO, 2000, p. 61) é permitido a
aplicação da autonomia da vontade na escolha da lei aplicável. No caso do direito inglês á utilizado o
princípio da proper law, já referido. No direito americano, tal direito subjetivo é permito tendo em vista o
Restatement First of Conflict of Laws, espécie de código americano com normas de direito internacional
privado. Segundo Jacob Dolinger (2001, p. 80), trata-se na verdade, de um reordenamento dos princípios
decorrentes de uma longa experiência jurisprudencial e doutrinária em função dos conflitos do direito dos
diferentes Estados americandos. Não tem força de lei, mas tem mais peso do que uma obra doutrinária.
21
21
Com relação ao foro aplicável, segundo Araújo (2002, p. 213), existe a mesma
discussão acerca do artigo 88 do Código de Processo Civil, relativa a ser essa norma de
caráter imperativo ou facultativo. No entanto, as decisões dos tribunais brasileiros têm tido,
na sua maioria, o entendimento de que a cláusula de eleição de foro é permitida.
Serve como exemplo o despacho do Min. Celso de Mello, quando estava
na presidência do STF, ao decidir a Carta Rogatória 7.311, em que
esclareceu o entendimento do Tribunal a respeito de competência
concorrente no direito brasileiro. Disse o Ministro que a norma inscrita no
art. 88 do CPC, por definir as hipóteses de competência concorrente,
representava uma faculdade do autor utilizar-se do foro brasileiro ou do
foro estrangeiro, desde que seja uma das hipóteses do citado artigo.
(GRANZIERA, 2002, p. 221).
Todavia, “o problema surge quando há uma cláusula de eleição de foro estrangeiro e
é competente a justiça brasileira, por força das disposições do artigo 88 do CPC”
(ARAÚJO, 2002, p. 213). Ou seja, se a ação for proposta no Brasil e a parte demandada
propuser exceção de incompetência, por força de cláusula de eleição de foro, o julgamento
poderá ter desfecho imprevisível. Araújo (2002, p. 222) ainda afirma que o Tribunal do Rio
de Janeiro, especificadamente, já tratou da matéria inúmeras vezes, sendo que suas decisões
são, predominantemente, a favor da eleição de foro pelos contratantes.
No primeiro caso, uma exceção de incompetência, o Tribunal entendeu
que se as partes haviam elegido validamente o foro estrangeiro, somente
naquele local poderia o litígio ser iniciado. A ré alegara, por meio de uma
exceção de incompetência, que teria ocorrido declinatória fori por causa
da cláusula que elegia o foro alemão para dirimir as controvérsias
contratuais, a final julgada procedente, pelo que o feito foi extinto.
Inconformada, a agravante entendia que por ser o Brasil o local de
cumprimento da obrigação deveria o foro ser também o brasileiro, na
forma do art. 88 do CPC. Todavia o Tribunal julgou diversamente, pois no
seu entender considerou válida a cláusula de eleição de foro, em razão da
natureza do direito em questão, e na Súmula 33525
do STF julgou extinto
o feito.26
(ARAÚJO, 2002, p. 223).
25
Súmula 335: “É válida a cláusula de eleição de foro para os processos oriundos do contrato.” 26
Revista de Direito do TJRJ 9/190, Ementário 71/99, n. 10, 18.10.1990, Apelação Cível 4903, 1989, Reg.
25.09.1990, unânime, Des. Darcy Lizardo de Lima, j. 07.08.1990.
22
22
Já os Tribunais de Justiça de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul “ao contrário
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mostram-se, na sua maioria, opostos à cláusula
quando ela implicar incompetência da Justiça brasileira, entendendo que a exegese do art.
88 do CPC importa julgar competente a justiça nacional.” (ARAÚJO, 2002, p. 225).
[...] O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que sendo contrato
celebrado no Brasil – por aqui residir o proponente –, e hipótese de
competência concorrente, na qual seria possível a atuação paralela da
justiça estrangeira, teve por inaceitável, embora considerasse válida a
cláusula de eleição que afastasse a jurisdição nacional, cuja autoridade
não estava impedida de apreciar a matéria. No corpo do acórdão acima se
esclarece que não ficou demonstrado ter a parte autora aderido às
condições gerais da venda, onde o foro estava previsto, sendo esse mais
um caso em que por ser contrato impresso, e portanto de adesão, a
cláusula de eleição de foro é inválida.27
(ARAÚJO, 2002, p. 226).
De qualquer forma, Barbosa Moreira já examinara tal questão, em lição que
reconhece a validade de cláusula de eleição de foro em contratos internacionais no Brasil.
Ocorrendo qualquer das hipóteses do art.88, de acordo com a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – ao menos como vem sendo
entendida – a sentença estrangeira apenas será homologável se as partes
tiverem acordado em eleger o foro do outro Estado, ou se, ali proposta
ação, o réu se houver submetido à respectiva jurisdição, apresentando
defesa perante o juiz estrangeiro. Em tal perspectiva, não se afigura
inteiramente apropriada a expressão „competência concorrente‟ no que
tange à Justiça estrangeira: no fundo, para o Brasil, a brasileira é que seria
a única competente em princípio, ao passo que alguma outra unicamente
pode vir a tornar-se competente, em virtude de ato da parte, anterior ao
processo ou praticado nele. [...] (MOREIRA apud NARDI, 2002, p. 133).
No caso dos contratos de compra e venda, que envolvam partes domiciliadas em
algum dos Estados-parte28
do Mercosul, entende-se que essas podem estipular livremente a
cláusula de eleição de foro, tendo em vista o Protocolo de Buenos Aires. Veja-se que,
conforme já mencionado, o próprio Supremo Tribunal Federal devolveu uma carta
rogatória, n. 8837, ao Paraguai pelo fundamento de que havia a existência, no contrato em
27
Vide ainda RT 632/82. 28
Tais Estados permitem a escolha do foro aplicável pelos contratantes atento ao disposto em seus Códigos
de Processo Civil. (ARAÚJO, 2002, p. 226)
23
23
discussão, de uma cláusula de eleição de foro brasileiro, a qual seria permitida nos termos
do Protocolo de Buenos Aires. Além do mais, o próprio Código de Bustamante permite que
as partes estipulem o foro aplicável no caso da ocorrência de um eventual conflito, desde
que atendam as condições lá impostas, já referidas neste capítulo.
5 DIREITO APLICÁVEL
Conforme relata Ventura, “os anos de 1990 trazem consigo uma experiência inédita
de integração econômica e sub-regional para a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai.
Membros do Mercado Comum do Sul, MERCOSUL [no entanto] vivem um momento de
grandes incertezas quanto ao futuro, especialmente no que se refere às questões
institucionais e jurídica.” (1996, p. 13).
Veja-se que, conforme mencionado, o Mercosul possui personalidade jurídica
internacional, podendo, dentre outros poderes, celebrar tratados com outros Estados,
conforme já aconteceu.
Ocorre que, segundo Kerber (2001, p. 80), não há no Mercosul a presença de um
direito comunitário, por via de conseqüência, não possui caráter supranacional, como
acontece na Comunidade Européia, sendo que suas decisões, protocolos, acordos, dentre
outros, somente terão efeito, em geral se internalizados pelos países que o compõem, ou
seja, não terão aplicação direta no ordenamento interno daqueles.
Além disso, Caminha (2003, p. 49) afirma que mesmo que as normas emanadas do
Mercosul sejam devidamente integradas no ordenamento interno dos Estados-parte, muitas
vezes não são aplicadas pelos tribunais, em virtude de contrariarem norma interna, como no
caso da posição brasileira em relação ao Protocolo de Las Leñas, já mencionada.
Isso acontece, porque, relativo ao Brasil, não há uma disposição constitucional
expressa quanto à hierarquia entre norma interna e tratado, apenas é abordado o assunto de
forma tangente, em seu artigo 102, inciso III. Entretanto, o artigo 4o da Constituição
Federal dispõe que o Brasil deverá buscar a integração dos povos da América Latina,
visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações. (VENTURA, 1996, p.
66).
24
24
Desse modo, o grande problema que enfrentam as pessoas físicas e jurídicas
ao realizar negócios, ou melhor, ao celebrar contratos de compra e venda mercantis no
âmbito do Mercosul, posto que não há uma uniformização de regras, é o risco a que se
submetem por não saberem como irão proceder os tribunais em caso de um eventual
conflito entre as partes contratantes.
Dito isso, o que se percebe, desde logo, é que o problema principal refere-se
à norma e ao foro aplicável no caso da ocorrência do citado conflito. Quanto à norma
aplicável, limita-se, no âmbito dos países que compõem o Mercosul, em determinar se é a
da celebração, lex loci celebrationis ou a lei de execução do contrato, lex loci executionis.
O Brasil, por não ser signatário do Tratado de Montevidéu de 1940, é o único
Estado dentre os demais – Argentina, Paraguai e Uruguai –, que possui entendimento
diverso, isto é, atento ao disposto no artigo 9o da Lei de Introdução do Código Civil,
determina ser aplicável a lei do lugar de celebração do contrato, permitindo-se, dependendo
do caso, o dépeçage do contrato.
Destarte, segundo Nádia de Araújo (2002, p. 202–204), mesmo que em virtude
disso tenha que ser aplicada a lei estrangeira, assim o será. É claro que, desde que tal lei
não fira os bons costumes e a ordem pública do Estado brasileiro.
Contudo, a lei estrangeira vem sendo aplicada, em alguns casos, mesmo quando
contrariar dispositivo legal interno, conforme o exemplo trazido pela mesma autora,
(ARAÚJO, 2002, p. 205–206) referente à decisão do então presidente do Supremo Tribunal
Federal quanto a Carta Rogatória 9.897, julgada em fevereiro de 2002, cujo pedido era de
citação de cidadão domiciliado no Brasil por força de ação movida nos Estados Unidos da
América, em que procedia a cobrança de dívida de jogo. Mesmo que a legislação brasileira
impedisse a cobrança por dívidas de jogo, a decisão na referida Carta Rogatória no 9.897
modificou a jurisprudência até então predominante e deferiu o pedido de exequatur para
que a citação fosse realizada.
No longo voto, em que discorre sobre o papel do país perante as demais nações,
bem como se tal decisão infringia a ordem pública do país, o presidente daquela Corte
assim se pronunciou em um dos trechos de sua decisão.
25
25
É o caso de indagar-se, à luz dos valores em questão: o que é capaz de
colocar em xeque a respeitabilidade nacional: a homologação de uma
sentença estrangeira, embora resultante de prática ilícita no Brasil, mas
admitida no país requerente, ou o endosso, pelo próprio Estado, pelo
Judiciário, de procedimento revelador de torpeza, no que o brasileiro
viajou ao país-irmão e lá praticou o ato que a ordem jurídica local tem
como válido, deixando de honrar a obrigação assumida? A resposta é
desenganadamente no sentido de ter-se a rejeição da sentença estrangeira
como mais comprometedora, emprestando-se ao território nacional a
pecha de refúgio daqueles que venham a se tornar detentores de dívidas
contraídas legalmente, segundo a legislação do país para o qual viajarem.
[...] A origem do débito mostrou-se como sendo a participação em jogos
de azar, mas isso ocorreu nos moldes da legislação regedora da espécie.
No país em que mantida a relação jurídica, o jogo afigura-se como
diversão pública propalada e legalmente permitida. Ora, norma de direito
internacional, situada no mesmo patamar do artigo regedor da eficácia das
sentenças estrangeiras, revela que “para qualificar e reger as obrigações
aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem” – cabeça do art. 9o da
Lei de Introdução do Código Civil. (apud ARAÚJO, 2002, p. 206).
Outro ponto importante foi definir se as partes podem livremente fazer a escolha da
norma aplicável ao seu contrato – autonomia da vontade - o que, consoante aos
ensinamentos de Nádia de Araújo e João Grandino Rodas (2002), restou demonstrado não
ser permitido pelo direito brasileiro, por ser o comando do artigo 9o da LICC de natureza
imperativa.
Nos demais Estados-parte do Mercosul, apesar da doutrina ser favorável à aplicação
da autonomia da vontade nos contratos internacionais, não existem ainda decisões concretas
de seus tribunais, deixando às partes contratantes certa insegurança quanto a isso.
A solução do problema, para Araújo (2001, p. 46) seria a ratificação, por todos os
Estados-parte do Mercosul, da Convenção Interamericana do México. Assim, o princípio da
autonomia da vontade nos contratos internacionais estaria positivado. Entretanto, em
virtude do sistema jurídico brasileiro somente permitir a aplicação da norma internacional
após a aprovação do Congresso Nacional, tal convenção ainda não pode ser aplicada pelos
tribunais brasileiros, o mesmo ocorrendo com os demais Estados, Argentina, Paraguai e
Uruguai.
Já com relação ao foro para a solução de eventual controvérsia, entende-se ser
aplicável o Protocolo de Buenos Aires, primeiramente, por ser norma posterior ao artigo 88
26
26
do Código de Processo Civil brasileiro – lei posterior derroga a anterior – em segundo
lugar, por ser norma mais específica – trata da competência internacional referente a
contratos mercantis – e, finalmente, por ser norma internacional ratificada pelo Brasil, o
qual deve, através de seus tribunais, honrar a respeitabilidade nacional. Veja-se o que diz
Mazzuoli a respeito da aplicação da norma internacional, após ser aprovada pelo Congresso
Nacional:
O decreto executivo, assinado pelo Presidente da República, é ainda
referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, e acompanhado de
cópia do texto do ato. A partir de então, tem o tratado plena vigência da
ordem interna, devendo, por isso, ser obedecido tanto pelos particulares
como pelos juízes e tribunais nacionais. (2002, p. 40)
Dessa feita, se aplicável o Protocolo de Buenos Aires, as partes podem livremente
escolher o foro que atuará na sua demanda, e em caso de não haver escolha, aplicar-se-á
subsidiariamente as disposições contidas no artigo 7o daquele.
Veja-se a importância da aplicação desse protocolo na conclusão deste estudo, eis
que podendo as partes escolher o foro para a solução de eventual conflito oriundo de seu
contrato, estarão, mesmo que indiretamente, escolhendo a norma aplicável a esse – lei da
celebração ou da execução. Desse modo, não haveria como não tratar de tais temas
conjuntamente – norma aplicável versus foro aplicável.
Ademais, como já mencionado, a norma estrangeira somente será aplicada se não
for contrária a ordem pública e aos bons costumes, por conta disso, afirma Araújo (2002,
p.209), que após a utilização da regra de conexão pelo juiz do foro – lei da celebração ou da
execução do contrato –“pode ocorrer que a lei indicada seja contrária a ordem pública,
quando então a lei do foro prevalecerá.”
Por conta disso, justifica-se a importância dos Estados, que fazem parte do
Mercosul, aplicarem as normas internacionais por eles ratificadas, e mais importante ainda,
quando essas forem provenientes de tal organismo internacional (Mercosul). Tal atitude
traria maior segurança às partes, ao celebrarem seus contratos, por conseguinte, ajudaria na
expansão do Mercado Comum do Sul, tão importante para o crescimento das nações do dito
Cone Sul. Em prol desse entendimento, atenta-se ao que foi dito, recentemente, no II
27
27
Seminário dos Grupos de Estudos e Pesquisas da Comissão Especial de Integração do
Mercosul da Ordem dos Advogados do Brasil:
As interpretações judiciais no âmbito do Mercosul são de grande
relevância para o processo de integração. Os operadores do direito, em
geral, devem ter extrema cautela e prudência para não tentar frustrar o
compromisso internacional firmado pelo seu respectivo Estado. Seu
trabalho, na interpretação dos textos, em conjunto com os magistrados,
transforma a norma abstrata em direito vivo. A habilidade dos advogados
na condução das lides levadas aos tribunais, como representantes dos
interesses das partes, é que vai delinear o direito posto em juízo. Todos,
porém, devem estar conscientes de que a vigência interna de um tratado
não pode estar em contradição com a externa. A eventual adoção de forma
diversa gera responsabilidade ao Estado infrator. Já ensinava, com
magistral propriedade de sempre, Pontes de Miranda: „(...) o juiz que
preferisse a lei estatal em contradição ao direito internacional, violaria o
direito internacional, e o estatal, que o mandou aplicar de preferência.‟
(CAMINHA, 2003, p. 56).
Por fim, não se pode olvidar que no direito comparado, a faculdade das
partes de escolher o foro e a norma aplicável ao contrato internacional encontrou guarida
nas principais convenções internacionais – quanto ao foro Convenção de Bruxelas e quanto
à norma, Convenções de Haia, a partir de 1955, Convenção de Viena e Convenção de
Roma – e legislações internas de diversos países, especialmente os localizados no
continente Europeu.
Assim sendo, entende-se ser aplicável, tendo em vista o ordenamento jurídico
brasileiro, aos contratos de compra e venda mercantis no âmbito do Mercosul, com relação
ao foro competente, o Protocolo de Buenos Aires, cujo comando permite às partes a escolha
do juízo que irá reger a solução de suas possíveis controvérsias. Desse modo, depois de
definido tal juízo, e se esse for o brasileiro, aplicar-se-á a lei do lugar de celebração do
contrato, conforme determina o artigo 9o da Lei de Introdução do Código Civil, não
podendo as partes dispor acerca disso, ou seja, sendo vedado o princípio da autonomia da
vontade neste caso.
28
28
CONCLUSÃO
Em face do exposto, percebe-se a grande importância de se ter um sistema
harmonizado de normas para se chegar à melhor forma de solução de eventuais
controvérsias oriundas, principalmente, de contratos de compra e venda internacionais de
natureza mercantil no âmbito do Mercosul.
Diante do crescente aumento das negociações internacionais, as quais alavancam o
crescimento econômico do Brasil e, o que se percebe, tendem a melhorar a qualidade de
vida de sua população, o Mercosul, sem sombra de dúvidas, é um dos grandes responsáveis
por tal fenômeno. No entanto, muito se discute quanto ao futuro do Mercosul, sendo que
vários doutrinadores dizem estar o mesmo chegando ao fim diante da dificuldade da efetiva
integração política, econômica e jurídica dos Estados que o integram.
Por certo que, se o Mercosul deixasse de existir, nos tempos atuais, provocaria uma
grande crise nos Estados-parte, principalmente no Brasil, que possui boa parte de suas
exportações para o mercado Argentino. Assim, não há como se falar término, mas sim na
sua evolução, e para que isso ocorra, deve-se buscar, além da integração aduaneira, a
harmonização das regras no que tange o direito aplicável – foro e norma - na solução de
controvérsias, eis que as partes não podem celebrar seus contratos tranqüilamente diante de
tal insegurança jurídica.
Quanto à referida harmonização de regras, seria de extrema importância a
ratificação, pelos Estados-parte do Mercosul, da Convenção Interamericana do México, a
qual permitiria às partes a livre escolha da norma aplicável diante de uma eventual lide,
diminuindo a insegurança jurídica das mesmas e contribuindo para o aumento ainda maior
das exportações, por conseguinte, dos contratos de compra e venda entre pessoas residentes
e ou domiciliadas naquele espaço integrado.
Contudo, não basta apenas a ratificação da dita convenção, é preciso que os
Estados-parte a apliquem efetivamente, bem como as normas internacionais emanadas do
Mercosul, como no caso do Protocolo de Buenos Aires, o qual harmoniza o sistema quanto
ao foro competente, principalmente no que se refere aos contratos de compra e venda
internacionais.
29
29
Se os Estados-parte do Mercosul assim procederem, ou seja, na busca da
harmonização de suas normas e efetivamente aplicando os tratados, acordos, convenções e
protocolos internacionais que ratificarem, ele estará se aproximando do modelo europeu, ou
seja, do bem sucedido modelo de integração utilizado pela Comunidade Européia e neste
trabalho utilizado à titulo de direito comparado.
Todavia, deve-se ter em mente também, que o Mercosul, comparado com o citado
modelo europeu, é um bloco de integração recente, que possui apenas treze anos de
existência, onde, do outro lado, a Comunidade Européia possui mais de quarenta anos de
integração, havendo, destarte, muito caminho que percorrer no seu processo evolutivo e o
Direito, como regulamentador, muito tem a contribuir quanto a isso.
Dessa forma, sugere-se como solução, aos eventuais conflitos oriundos dos
contratos de compra e venda no âmbito do Mercosul, sob a ótica do ordenamento jurídico
brasileiro, quanto ao foro competente, a aplicação do Protocolo de Buenos Aires, cujo
comando legal permite às partes sua livre escolha. Após definir o foro, se esse for o
brasileiro, aplicar-se-á a norma do lugar de celebração do contrato, consoante ao disposto
no artigo 9º da Lei de Introdução do Código Civil brasileiro, sem ser facultado aos
contratantes sua livre escolha, ou seja, não há a aplicação do princípio da autonomia da
vontade na definição da norma aplicável.
Enfim, este artigo, prescindindo da ilusão de esgotar o tema, fez uma análise
multidisciplinar do assunto, tendo como objetivo principal, a busca da melhor forma de
solução do conflito com o intuito de diminuir os riscos que as partes se submetem ao
realizar a referida atividade negocial, colaborando, destarte, no crescimento do processo de
integração do Mercosul.
REFERÊNCIAS
AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000.
ARAUJO, Nadia de. Contratos internacionais: autonomia da vontade, mercosul e
convenções internacionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
30
30
______. O Direito subjetivo e a teoria da autonomia da vontade no Direito Internacional
Privado. In: CASELLA, Paulo Borba (Coord.). Contratos internacionais e direito
econômico no Mercosul após o término do período de transição. São Paulo: LTr, 2001. p.
31-47.
______. Contratos internacionais e a jurisprudência brasileira: lei aplicável, ordem pública
e cláusula de eleição de foro. In RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos
internacionais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 195-229.
ARGENTINA. Código Civil. Disponível em: <http://www3.usal.es/~derepriv/refccarg/
ccargent/codciv.htm >. Acesso em: 28 jul. 2004.
______. Constituição. Disponível em: <www.georgetown.edu/pdba/ Constitutions/
Argentina/argen94.html>. Acesso em: 15 ago. 2004.
BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais: uma visão teórica e prática.São
Paulo: Saraiva, 1994.
BATISTI, Leonir. Direito do consumidor para o Mercosul: enfoque jurídico e econômico
dos blocos de integração. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2001.
BRASIL. Código Civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
______. Código de Processo Civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 2. ed. Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2004.
______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 335. In: Código de processo civil e
legislação processual em vigor. 31.ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 185.
CAMINHA, Maria do Carmo Puccini. Os juízes do Mercosul e a exterritoliaridade dos atos
jurisdicionais. Revista de Direito Constitucional e internacional, n. 45, ano 11, p. 34–56,
out./dez. 2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003
CONVENÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO DE 1928. SEITENFUS,
Ricardo (Org.). Legislação internacional. Barueri: Manole, 2004, p. 1836
CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE NORMAS GERAIS DE DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO realizada em Montevidéu em 1979. SEITENFUS, Ricardo
(Org.). Legislação internacional. Barueri: Manole, 2004, p. 1884.
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos.São Paulo: Saraiva, 1993.
31
31
______. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva,
1994.
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 6.ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001.
FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. A lei e o foro de eleição em tema de contratos
internacionais. In RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 66-121.
GARCIA JÚNIOR, Armando Álvares. A lei aplicável aos contratos internacionais.São
Paulo: Aduaneiras, 2000a.
______. Jurisdição Internacional em matéria contratual no Mercosul. São Paulo:
Aduaneiras, 2004.
KERBER, Gilberto. Mercosul e a supranacionalidade. São Paulo: LTr, 2001.
LORENTZ, Adriane Cláudia Melo. Supranacionalidade no Mercosul. Curitiba: Juruá,
2001.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O poder legislativo e os tratados internacionais: o treaty-
making power na Constituição brasileira de 1988. Revista de Direito Constitucional e
Internacional. n. 38, ano 10, p, 9-45, jan./mar. 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais.
NARDI, Marcelo de. Eleição de foro em contratos internacionais: uma visão brasileira. In
RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 122-194.
PARAGUAI. Codigo Civil. Assunción: Elisa, 2004.
______. Constituição. Disponível em:
<www.georgetown.edu/pdba/Constitutions/Paraguay/ para1967.html> Acesso em: 15 ago.
2004.
PROTOCOLO DE BUENOS AIRES de 05 de agosto de 1994. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/mercosul/Protocolos/BUENOS_AIRES.htm>. Acesso em: 15
ago. 2004.
PROTOCOLO DE OURO PRETO de 12 de dezembro de 1994. Disponível em:
<http://www.mercosul.gov.br/textos/default.asp?Key=17>. Acesso em: 15 ago. 2004.
32
32
RESOLUÇÃO NO 04/04 DO GRUPO DO MERCADO COMUM de 31 de março de 2004.
Disponível em: http://www.mercosur.org.uy/paginabienvenidaportugues.htm. Acesso em:
25 mar. 2005.
RODAS, João Grandino (Coord). Contratos internacionais. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
______. Elementos de conexão do Direito Internacional Privado Brasileiro relativamente às
obrigações contratuais. In RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 19-65.
SOUZA JR., Lauro da Gama e. Os princípios do Unidroit relativos aos contratos
comerciais internacionais e sua aplicação nos países do Mercosul. In RODAS, João
Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
p. 427-464.
URUGUAI. Código Civil. Disponível em: <www.parlamento.gub.uy/htmlstat/pl/codigos/
codigocivil/1995/cod_civil.>. Acesso em: 28 jul. 2004.
______. Constituição. Disponível em: <www.constitution.org/cons/uruguay.htm>. Acesso
em: 15 ago. 2004.
VENTURA, Deisy de Freitas Lima. A ordem jurídica do MERCOSUL. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1996.
TRATADO DE ASSUNÇÃO de 26 de março de 1991. SEITENFUS, Ricardo (Org.).
Legislação internacional. Barueri: Manole, 2004, p. 1292.
Top Related