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O DIREITO, A ADMINISTRAÇÃO E OS SERVIÇOS POSTAIS:
monopólio x privilégio estatal
Daniel Maia1
RESUMO
Determinar a natureza jurídica de uma atividade, como serviço público ou atividade econômica,
é de suma importância para o pleno exercício da Administração Pública. A usurpação de uma
atividade pelo Estado ou a privatização de um serviço pelo interesse privado acarreta sérios
prejuízos a ordem econômica. Neste diapasão, surge a problemática envolvendo os serviços
postais que foi objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
número 46. Assim, iremos aqui analisar as querelas envolvendo os serviços postais a luz da
Carta Política de 1988 e de outras normas infraconstitucionais, chegando ao irrefutável
resultado de que este é um serviço público atípico.
Palavras-chave: serviço público atípico. atividade econômica. serviços postais.
ABSTRACT
Determining the legal nature of a service as a public or private one is extremely important to
the strict exercise of the Public Administration. The usurpation of a private activity by the
Estate or the invasion of a public service by the private interest causes a lot of damages to the
economic order. In this context, emerge the problem involving the postal service that was the
main subject of the “Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental” (ADPF) number
46. On this perspective, the argument involving the postal service will be analyzed, using the
Constitution of 1988 and other laws, in order to determine that it’s an atypical public service.
Keywords: atypical public service. private service. postal service.
1. INTRODUÇÃO
Pelas sábias e já renomadas palavras de Dante Alighieri (séc. XIII), o direito “é a
proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade, e
1 Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará – UFC e Douutor
em Direito Constitucional.
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corrompida, corrompe-a”. Assim, podemos entendê-lo como um conjunto de normas de
conduta imposto coercivamente pelo Estado para garantir a harmonização das relações jurídicas,
que, quando não plenamente obedecido, quebra o frágil equilíbrio econômico-político-social.
A Carta Magna de 1988, que implantou um Estado voltado ao bem estar – social,
afastando o liberalismo e o socialismo exacerbado, entendeu por bem abrir a ordem econômica
do País tanto para o interesse privado atuante em nome próprio quanto para o interesse coletivo
exercido pelo Poder Público. É nesta linha tênue que iremos apresentar a problemática
envolvendo os serviços postais.
As atuações estatais estão enquadradas em duas searas distintas e antagônicas, que
são os serviços públicos e as chamadas atividades econômicas. A perfeita identificação da
natureza jurídica de qualquer serviço prestado pelo Poder Público é de extrema importância
para a coletividade, já que identificação da titularidade da prestação traz diversas outras
repercussões.
Desde a implantação dos correios, estes sempre foram vistos como mais um serviço
público prestado pelo Estado, sem existir, até o presente momento, qualquer questionamento
sobre sua natureza jurídica. Ocorre que nesses últimos anos, principalmente após a promulgação
da Carta Política de 1988 que consolidou uma ordem econômica baseada na livre iniciativa, o
Poder Judiciário teve que enfrentar diversas demandas sobre o assunto.
O setor privado passou a reivindicar a sua atuação na prestação dos serviços postais,
sob a argumentação de que estes teriam natureza de atividade econômica e não de serviço
público como defende a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Ainda afirmam
que, por tal atividade não estar arrolada pelo art.173 da Constituição Federal, artigo este que
taxativamente relaciona os monopólios da União, as empresas privadas teriam o direito legal de
prestar tais serviços.
Essa querela chegou às mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) pela ADPF n° 46,
na qual a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (ABRAED) requereu, dentre
outros pedidos, o reconhecimento da violação aos preceitos fundamentais da livre iniciativa, da
livre concorrência e do livre exercício de qualquer trabalho, supostamente perpetrados pelo
Estado através da empresa pública ECT.
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Esse é um dos mais evidentes exemplos da importância social, política e econômica
de se desenvolver um estudo mais aprofundado sobre os serviços públicos e a nova conjuntura
da econômica brasileira, já que a errônea identificação da natureza jurídica de instituto poderá
acarretar danos irreparáveis à sociedade.
Será que os serviços postais é um serviço público, ou estaríamos diante de um mal
funcionamento do complexo estatal? Qual interesse devemos defender nesta situação?
É esta face do Direito Administrativo que passaremos a analisar, ao fim
apresentando uma solução que garanta uma interpretação normativa que conserve a proporção
real e pessoal de nossa sociedade.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SERVIÇOS POSTAIS NO
BRASIL
Diante da importância da comunicação para o desenvolvimento social, desde as
civilizações antigas, o contínuo aperfeiçoamento dos serviços postais sempre foi um primado a
ser perseguido. Com a evolução da escrita, esse tipo de atividade passou a ganhar importância
e atenção dos governantes.
A história dos Correios no mundo sempre esteve marcada pela intervenção estatal.
Com o aperfeiçoamento e a popularização da comunicação escrita, conjugada com a criação da
imprensa em 14542, percebendo que os serviços postais vão muito além da simples troca de
correspondência, inclusive, tendo grande influência na economia e até no sistema bancário, os
estados sentiram a necessidade de aprimorar os seus correios.
O desenvolvimento histórico de cada estado é um fator de extrema importância
para o estudo da conjuntura dos correios no atual panorama econômico, podendo-se chegar a
afirmar que a organização interna de um país traz o espelho do serviço postal da época.
2 A origem da imprensa esta intimamente ligada aos países orientais, juntamente com a criação do papel. Em
contrapartida, os livros de história ocidentais atribuem ao alemão Johannes Gutenberg a invenção do tipo mecânico
móvel de chumbo fundido, atributo marco da reiintrodução e modernização da impressão de livros. As Bíblias
impressas por Gutenberg, por volta de 1450, até hoje são consideradas um marco de transição da história humana.
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Os historiadores apontam a carta de Pero Vaz de Caminha entregue ao Rei de
Portugal por Gaspar de Lemos, narrando as características da terra recém-descoberta, como a
certidão de nascimento de nosso país e, por conseguinte, a primeira aparição dos correios no
Brasil.
Pela carência de infra-estrutura e organização no período colonial, esta época ficou
marcada por um sistema de comunicação precário. O nosso serviço postal baseava-se apenas no
envio e no recebimento de correspondência de Portugal, tudo dentro das determinações do
Correio-mor3.
No ano de 1663, foram instaurados oficialmente os serviços postais no país com a
nomeação do alferes João Cavalheiro Cardozo para o cargo de Correio das Cartas do Mar, mas,
apenas com a vinda da família real em 1808, essa atividade ganhou a organização necessária,
aprovando-se, no mesmo ano, o primeiro Regulamento Postal do Brasil, que atribuía ao Estado,
em regime de monopólio, a execução dessa atividade.
Neste diapasão, importante se faz lembrar da carta recebida por D.Pedro I, às
margens do Riacho Ipiranga, no dia 7(sete) de setembro de 1822, pelo mensageiro Paulo
Bregaro, considerado pelos historiadores como o primeiro carteiro do país, contendo as novas
exigências da Metrópole, fato culminante para a proclamação de nossa independência.
Além da emissão dos primeiros selos postais brasileiros, em 1843, denominados
de “olho-de-boi”, os correios começaram a mostrar sinais de organização com a adesão, em
1877, ao tratado relativo à criação da União Geral dos Correios que posteriormente veio a se
transformar na União Postal Universal4.
3 Título criado em 1520 pelo Rei D. Manoel I, atribuído ao cidadão que tivesse o privilégio de exploração dos
serviços postais de Portugal na época. Esse ofício, conforme ensina o doutrinador João Pinheiro de Barros Neto
(2004), “compreendia monopólio sobre todas as cartas que fossem e viessem para e de qualquer parte de Portugal
(ilhas, possessões, conquistas etc), assim como as de outros países, além de explorar linhas de correios terrestres
na Capitania e correio marítimo entre os portos do Brasil”. 4 Criado em 1874, a União Postal Universal (UPU), organismo da Organização das Nações Unidades (ONU), é
integrada por 191 países-membros, dentre eles o Brasil, que compõem o principal fórum de cooperação entre os
Correios, possibilitando a manutenção de uma rede universal de serviços postais.
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O serviço postal é matéria positivada no corpo constitucional desde a Carta Magna
de 1891 que determinou, em seu art.7°, inciso 4°, ser competência exclusiva da União decretar
taxas dos correios e telégrafos federais, atribuindo, em seu art.34, inciso 15, ao Congresso
Nacional a competência legislativa sobre estes serviços.
Ainda que os serviços postais tenham ganhado a atenção dos governantes, estes
não conseguiram escapar do acelerado processo de degeneração que assolava os serviços
públicos em geral no início dos anos 30. Os relatos de Jose Américo de Almeida, ministro da
Viação e Obras Públicas da época, retratam bem este momento.
Nos Correios, não fora organizado, nem disciplinado o funcionalismo. [...] Não foi
selecionado, convenientemente, o pessoal para o tráfego. Entrechocam-se os horários
regulamentares com interesses privados. Os Correios constituíram, tradicionalmente,
o encosto de filhos-família e de pessoas que precisavam de uma achega ou de dividir
o tempo entre as funções públicas e deveres de outra natureza, exercidos fora da
repartição. [...] Paralelo aos titulados, constituídos por lei, proliferava o extravagante
conglomerado de diaristas de admissão sumária, de diárias arbitradas ad-hominem,
com as mais chocantes preterições. [...] Uma situação nesses moldes anômalos não
poderia ser sanada de pronto. (ALMEIDA, 1933, p. 149-152).
Pelo fato de o correio integrar a estrutura político-administrativa do país, com os
planos de reformulação da administração pública apresentados por Vagas, os serviços postais
passaram por profundas mudanças a fim de garantir a racionalização e a efetivação das
atividades. A partir da Era Vargas, surgi a burocratização do serviço com a exoneração dos
funcionários designados por vínculo político, a abertura de concursos e o estabelecimento de
critérios de promoção baseados na competência e na eficiência do serviço.
Neste mesmo esforço, o decreto nº 20.859, de 26 de dezembro de 1931, criou o
Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) que, pelo decreto n° 509, de 20 de março de
1969, transformou-se na atual Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), empresa
pública com competência, conforme art.2° deste dispositivo legal, de executar e controlar, em
regime de monopólio, os serviços postais em todo território nacional. Já em 1978, entra em
vigor a lei n°6.538, regulamentando os direitos e as obrigações concernentes ao serviço postal
e ao serviço de telegrama em todo o território nacional.
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Importante se faz ressaltar que a Carta Magna de 1988, seguindo o mesmo
caminho das constituições passadas (1934, 1937, 1946 e 1967)5, em seu art.21, inciso X, atribuiu
União a competência de manter o serviço postal e o correio aéreo nacional, cabendo ao mesmo
ente, conforme art.22, inciso V, legislar privativamente sobre estes serviços.
Neste diapasão, a ECT vem, nestes últimos anos, demandando judicialmente em
face de diversas empresas particulares sob a afirmativa de possuir o monopólio total e exclusivo
sob os serviços postais nacionais, questão esta objeto da Argüição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) n°46 que questiona a recepção da lei n°6.538 pela Constituição
vigente.
Diante da constante presença e importância do serviço postai em nosso cotidiano,
afinal de contas quem de nós nunca recebeu uma correspondência, e da apresentação histórica
desta atividade em nosso país, passaremos a enquadrar este tema no ordenamento vigente.
3. DA NATUREZA JURÍDICA DOS CORREIOS: SERVIÇO PÚBLICO X ATIVIDADE
ECONÔMICA.
A lei n°6.538/78, no caput de seu art.7°, conceitua serviço postal como todo
recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de valores, encomendas6 e
correspondência7, compreendendo no conceito deste último a carta8, o cartão-postal9, o
impresso10, o cecograma11 e a pequena-encomenda12. Malgrado a preocupação do dispositivo
legal acima em apresentar as definições dos termos de maior importância, apenas com a análise
5 Constituição de 1934: Art.5°. Compete privativamente a União: [...] VII – manter o serviço de correios.
Constituição de 1937: Art.15. Compete privativamente à União: [...] VI - manter o serviço de correios. Constituição
de 1946: Art.5°. Compete à União: [...] XI – manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional. Constituição de
1967: Art.8°. Compete à União: [...] XI – manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional. 6 Encomenda: objeto com ou sem valor mercantil, para encaminhamento por via postal. 7 Correspondência: toda comunicação de pessoa a pessoa, por meio de carta através da via postal, ou por telefone. 8 Carta: objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza
administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do
destinatário. 9 Cartão postal: objeto de correspondência, de material consistente, sem envoltório, contendo mensagem e
endereço. 10 Impresso: reprodução obtida sobre material de uso corrente na imprensa, editado em vários exemplares idênticos. 11 Cecograma: objeto de correspondência impresso em relevo, para uso dos cegos. Considera-se também,
cecograma o material impresso para uso dos cegos. 12 Pequena-encomenda: objeto de correspondência, com ou sem valor mercantil, com peso limitado, remetido sem
fins comerciais.
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desse sentido jurídico, não se pode apresentar maiores considerações sobre a essência desta
atividade.
Para a doutrinadora Maria Helena Diniz (1998), a natureza jurídica pode ser
entendida como a “afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma grande
categoria jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação”. O professor doutor José
de Oliveira Ascensão (1997) complementa dizendo o seguinte:
a determinação da natureza jurídica passa então a ser a identificação de uma grande
categoria jurídica em que se enquadre o instituto em análise. [...] Mais do que por
meio de uma análise conceitual, a determinação da natureza jurídica de um instituto
deverá fazer-se mediante a determinação dos seus efeitos. A categoria jurídica a que
se chegar deverá exprimir sinteticamente um regime positivamente estabelecido
(ASCENSÃO, 1997 apud ENCICLOPÉDIA SARAIVA, 1997)
Dessa forma, para que possamos identificar o significado último desta atividade,
teremos que nos remeter a um estudo mais aprofundado sobre as conseqüências práticas
advindas da classificação deste serviço dentro das classes previstas pela nossa atual ordem
econômica.
A ECT, conforme já mencionado no tópico anterior, é uma empresa pública,
vinculada ao Ministério das Comunicações, criada, pelo decreto n° 509/69, para exercer, em
regime de monopólio, os serviços postais em todo o território nacional, aspectos estes
reafirmados pela lei n°6.538/78.
Presentes algumas atecnias, o acordo com o art.5° do decreto-lei 200, já sob a
redação dada pelo decreto-lei n°900, considera-se empresa pública a entidade dotada de
personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União,
criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer
por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer
das formas admitidas em direito.
Corrigidas algumas imprecisões sob o contorno da Carta Política vigente, o
doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello (2006) assim conceitua empresas públicas:
Deve-se entender que a empresa pública federal é a pessoa jurídica criada por força de
autorização legal como instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de
Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes de ser
coadjuvante da ação governamental, constituída sob quaisquer das formas admitidas
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em Direito e cujo capital seja formado unicamente por recursos de pessoas de Direito
Público interno ou de pessoas de suas Administrações indiretas, com predominância
acionária residente na esfera federal
Advirta-se que esta não é a definição que lhe confere o Decreto-lei 200, com a redação
alterada pelo Decreto-lei 900, mas é a que se tem de adotar por inarredável imposição
lógica, em decorrência do próprio Direito Positivo Brasileiro. (MELLO, 2006, p.179)
Consoante a isto, Hely Lopes Meirelles (2008) igualmente se manifesta sobre o
tema.
As empresas públicas são pessoas jurídicas de direito Privado, instituídas pelo Poder
Público mediante autorização de lei específica, com capital exclusivamente público,
para a prestação de serviço público ou a realização de atividade econômica de
relevante interesse coletivo, nos moldes da iniciativa particular, podendo revestir
qualquer forma e organização empresarial. (MEIRELLES, 2008, p.74)
Assim, podemos concluir que a empresa pública é um instrumento de atuação no
domínio econômico atribuído pelo legislador ao Estado através da prestação de serviço público
ou a execução de atividade econômica. Neste contesto, a Associação Brasileira das Empresas
de Distribuição (ABRAED) argüiu, por meio da ADPF n°46, dentre outras questões, que os
serviços postais teriam natureza jurídica de serviços públicos, defendendo a ECT que seriam,
na verdade, atividades econômicas.
Tais conceitos por muito tempo foram objetos de digladiação entre os
doutrinadores. Eros Roberto Grau (1997), ministro do Superior Tribunal Federal, em renomado
trabalho acadêmico, classificou o objeto de atuação das empresas estatais como atividade
econômica em sentido amplo que subdividiria-se em atividade econômica em sentido estrito e
em serviço público.
A partir disto, por atividade econômica em sentido estrito, entende-se a permissão
fornecida pela Constituição de 1988, em seu art.173, ao Estado para atuar diretamente no
domínio econômico nos casos de imperativos de segurança nacional ou relevante interesse
coletivo. Diante do caráter suplementar desta atuação estatal, a empresa pública estará sujeita
ao regime jurídico de direito privado, não podendo gozar de privilégios fiscais nãos extensivos
ao setor particular.
Na atuação de uma atividade econômica em sentido estrito, a empresa pública
concorrerá igualmente com os demais agentes econômicos, respeitando os princípios gerais da
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ordem econômica. O regime de monopólio legal consistiria então, sob as palavras do
doutrinador Herbert Gross (1943) citado por Hely Lopes (2007) na “deliberada subtração de
certas atividades privadas das mãos dos particulares, para colocá-las sob a égide da Nação,
por motivos de interesse público”
A atual Constituição Federal arrolou taxativamente em seu art.17713 as atividades
econômicas sujeitas ao monopólio do Poder Público, cristalinamente subtraindo-as do âmbito
da livre concorrência. Importante se faz ressaltar que este dispositivo legal em nenhum
momento menciona os serviços postais.
Por sua vez, os doutrinadores nunca entram em consenso sobre o que poderíamos
entender por serviço público. Malgrado as controvérsias, segundo Hely Lopes (2007), este “é
todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles
estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples
conveniências do Estado”.
Assim, os serviços públicos, subespécie da atividade econômica em sentido amplo,
seriam aqueles regidos pelos princípios norteadores da ordem econômica, elencados no
art.17014 da CF/88, ou seja, aqueles passíveis de serem explorados com a finalidade lucrativa.
13 Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - a importação e exportação dos
produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV - o transporte marítimo
do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o
transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa,
a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e
seus derivados. V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de
minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e
utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do
art. 21 desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006). 14 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I -
soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa
do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e
sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional
de pequeno porte. IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras
e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995) Parágrafo
único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização
de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
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Em conformidade com o art.175 da CF/88, o Poder Público poderá prestar os
serviços públicos indiretamente, por meio de concessão ou permissão15, sempre através de
licitação, na forma da lei, ou seja, estes podem ser delegados à particulares para serem
explorados em regime de privilégio ou exclusividade, afastando-se, por exemplo, o princípio da
livre iniciativa.
Sobre o tema em apreço, o ministro Eros Roberto Grau (2006) assim se posiciona:
Os regimes jurídicos sob os quais são prestados os serviços públicos importam em que
seja sua prestação desenvolvida sob os privilégios, inclusive, em regra o da
exclusividade na exploração da atividade econômica em sentido amplo a que
corresponde a sua prestação. É justamente a virtualidade desse privilégio de
exclusividade na sua prestação, aliás, que torna atrativo para o setor privado a
exploração, em situação de concessão ou permissão. Neste sentido, a concessão de
serviço público é um privilégio que envolve exclusividade na prestação do serviço.
(GRAU, 2006)
Segundo as explanações acima, serviço público e atividade econômica em sentido
estrito são institutos por completo distintos, todos espécie da chamada atividade econômica em
sentido amplo.Destarte, diante de tais conceito, como classificar os serviços postais?
3.1. O serviço postal na Constituição Federal de 1988
A Carta Magna faz uso do verbo “manter” quando atribui à União a competência
sobre os correios. Qual seria a verdadeira vontade do legislador originário quando o escolheu?
Será que este termo possui o mesmo sentido de quando estava presente no corpo da Constituição
de 1934, ou, diante das mudanças da ordem econômica, este adquiriu um novo significado?
O termo “manter” vem do latim manutenere que significa ter ou segurar com a mão.
O dicionário Houaiss (2009) complementa atribuindo ao vocábulo a acepção de “fazer perdurar
em determinado estado; proteger, assegurar; sustentar na posse ou gozo de algo; reter,
15 Segundo as palavras de Celso Antônio Bandeira de Melo (2006, p.672 e 723), “Concessão de serviço público é
o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em
nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas
sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do
serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. [...] Permissão de
serviço público, segundo conceito tradicionalmente acolhido na doutrina, é o ato unilateral e precário, intuitu
personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada,
proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade de cobrança de tarifas dos usuários”.
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conservar”. Ainda que a análise morfológica e sintática da palavra seja necessária, se mostra
insuficiente.
A exceção da Carta de 1891, todas as demais constituições republicanas faziam uso
deste vocábulo quando mencionavam os serviços postais. Destarte, pela conduta do legislador
originário em cristalinamente repetir, com o passar dos anos, a mesma palavra, difícil se faz
acreditar que este tinha a intenção de implantar qualquer mudança.
Mesmo entendendo que a “vontade” do legislador constituinte da Carta Política de
1988, com a reprodução de um termo que abriu margens a criação da ECT sob o regime de
monopólio pelo decreto-lei 509/69, era de manter esta situação de privilégio, este argumento
igualmente não é suficiente para indicarmos, com precisão e exatidão, a natureza jurídica atual
dos serviços postais.
O Professor da Universidade Federal do Ceará Glauco Barreira Magalhães Filho
(2003) assim se posiciona:
Na realidade, a “vontade do Legislador” é uma metáfora que serve de mero topos
retórico-argumentativo. Não se pode ir à subjetividade alheia. Além disso, não existe
um Legislador, mas um órgão legislativo, composto por muitos membros. Geralmente,
nem todos os membros do Parlamento concordam com o projeto de lei. Entre os que
concordam, muitos o interpretam de modo diferente. Também não é raro o emprego,
por motivos políticos, de palavras vagas e ambíguas na leu, como no caso de temer-se
que a utilização de uma palavra precisa acarrete o surgimento de dificuldades para a
aprovação do projeto de lei, em razão de alimentar discordâncias.
Portanto, é inviável a pesquisa da vontade subjetiva do Legislador, podendo, no
entanto, conservando-se a expressão vontade do Legislador como uma metáfora que
se refere à intenção social objetiva na lei. Como se diz, “a lei é mais sábia do que o
Legislador”. (MAGALHÃES FILHO, 2006, p.62)
Diante do fato de o Legislador não criar uma norma jurídica isolada, mas sim um
conjunto sistêmico, devemos buscar analisar o inciso X à luz do próprio art.21,
compatibilizando-o, em seguida, com todo o corpo constitucional.
A palavra “manter”, no dispositivo acima, que arrola as competências da União, não
é mencionada apenas quando se refere aos serviços postais. Dentre outros, os incisos XIII e
XIV16 igualmente utilizam o vocábulo, citando o Poder Judiciário, o Ministério Público, a
16 Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações
internacionais; [...]X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; XI - explorar, diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a
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Defensoria Pública, a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar, ou seja, este
termo arrola atividades que inquestionavelmente possuem natureza jurídica de serviço público.
No mesmo artigo, os incisos XI e XII fazem uso da expressão “explorar,
diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão”. Perceba que apenas a análise
desta frase é suficiente para indicarmos a essência das atividades ali mencionadas, já que,
conforme determina o art.175 da CF, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente
ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos.
Alguns entendem que pelo simples fato de o constituinte não ter utilizado a
expressão acima, mas feito uso de um termo vago como o verbo “manter”, este seria um indício
que os serviços postais, por exclusão, seriam atividade econômica em sentido estrito.
O renomado professor Luiz Roberto Barroso, em parecer publicado no Boletim de
Direito Administrativo (BDA) de setembro/2003, mostrou-se adepto deste pensamento,
merecendo registro seu posicionamento.
Como já referido, o serviço postal pode ter sido considerado um serviço público no
passado, razão principalmente da falta de capacidade ou interesse da iniciativa privada
nesse entendimento, mas já de algum tempo evoluiu para uma atividade econômica.
O marco legal dessa alteração histórica na natureza do Departamento de Correios e
Telégrafos – DCT, em 1968, em empresa pública, à qual competia, nos termos do Dec-
lei n°509, de 20.3.1969, a execução e controle, em regime de monopólio, dos serviços
organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;(Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:) XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;(Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 8, de 15/08/95:) b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de
água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea,
aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos
brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de
transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; XIII
- organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos
Territórios; XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito
Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio
de fundo próprio;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) XV - organizar e manter os serviços
oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; [...] XXIII - explorar os serviços e
instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento
e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes
princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e
mediante aprovação do Congresso Nacional; b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a
utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 49, de 2006) c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização
de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de
2006) d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Incluída pela Emenda
Constitucional nº 49, de 2006) XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;[...]
13
postais. Lembre-se que a Constituição em vigor à época permitia que lei ordinária
instituísse monopólios. [...]
Do confronto entre os três incisos acima citados é possível concluir que, ao tratar de
serviços públicos, a Carta Magna deixou expressa a possibilidade de a União Federal
prestá-los diretamente ou mediante delegação de seu exercício aos particulares, em
regime de concessão ou permissão. Tanto no caso do inc.XI, quanto no do inc.XII, o
legislador constituinte se vale da locução ‘explorar, diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão”, deixando claro que todas as atividades
arroladas nesses dispositivos são consideradas serviços públicos.
Os serviços postais merecem tratamento distindo. Além de ter previsto no art. 22,V, a
competência genérica da União para legislar sobre a matéria, o constituinte tornou
explícita a necessidade de esse mesmo ente “manter os serviços postais”. É de ver que,
em lugar de outorgar competência ao Poder Público “para exploração direta ou
mediante delegação”, como fez no caso das telecomunicações (art.21,XI, da CF), a
Constituição tão-somente impôs à União a obrigação de manter tal atividade. Imaginar
que o serviço postal é um serviço público, como os dos incs. XI e XII, seria ignorar a
gritante diferença de texto que os distingue, como se o constituinte nada quisesse dizer
com isso, e estivesse apenas fazendo uso diletante das formas lingüísticas, para dizer
a mesma coisa de modos inteiramente diferentes. (BARROSO, 2003)
Data vênia, esse argumento não é suficiente para garantir a natureza jurídica de
atividade econômica em sentido estrito dos serviços postais. Como já acima explanado, o verbo
“manter” é utilizado desde a Constituição Republicana de 1934, momento este em que os
correios eram imperativamente, conforme reconhece o professor Barroso, serviços públicos, de
tal modo, um mero decreto-lei não possui o condão de alterar esta situação.
Em poucas palavras, o ponto chave de toda esta argumentação está em
determinarmos quem possui a titularidade sobre este serviço. Discute-se então se o domínio
pertenceria ao interesse privado, cabendo ao Estado, por força do art.173 da CF, apenas como
mera exceção, exercê-lo quando necessário aos imperativos de segurança ou relevante interesse
coletivo; ou se pertenceria ao Poder Público, só podendo ser exercido por particulares por meio
de autorização, concessão ou permissão.
Neste diapasão, não restam dúvidas de que o art.21, inciso X, da Lei Maior confiou
à União a titularidade sobre o referido serviço, não possuindo se quer os demais entes a
legitimidade de intervir nesta matéria. Assim, é a União quem possui o dever de manter, ou seja,
de prestar este serviço público em todo o território nacional. Desta forma, como tudo que é
próprio deste ente federativo é, por obvio, de natureza pública, não se pode concluir de maneira
diversa sobre os correios.
Pela simples análise dos incisos X, XI e XI, como aponta o doutrinador, não é
possível retirar da União a titularidade dos serviços postais, já que, se assim o fosse, todos os
14
bens arrolados nos incisos XIII e XIV, que igualmente utilizam o mesmo verbo, estariam
absurdamente atribuindo ao interesse privado o domínio sobre o Poder Judiciário do Distrito
Federal, por exemplo.
Em verdade, a melhor interpretação que se faz destas normas é que o constituinte
retirou a possibilidade de prestação dos serviços postais por particulares, diante da vedação
implícita a autorização, concessão ou permissão desta matéria. O legislador originário estaria
então enquadrando o correio como uma modalidade de serviço público atípico, impedindo o
interesse particular de exercê-lo.
O ministro Eros Roberto Grau, no voto apresentado na ADPF n°46, complementa
dizendo:
O argumento desenvolvido na tribuna pelo Professor Barroso não se sustenta. Pois é
certo que, para que empresa privada pudesse ser admitida à prestação do serviço
postal, que é serviço público, seria necessário que a Constituição dissesse que o
serviço postal é livre à iniciativa privada, tal qual o fazem os art.199 e 209 em relação
a saúde e a educação, os quais podem ser prestados independentemente de concessão
ou permissão. Os artigos mencionados excepcionam o art.175 para dizer que a
prestação de serviços de saúde e educação são livres à iniciativa privada. [...]
Como se vê, o serviço postal é, por excelência, serviço público exercido sob o
regime jurídico de privilégio, cuja titularidade foi negada ao interesse particular que esta
impedido constitucionalmente de exercê-lo inclusive por delegação, sob de
inconstitucionalidade.
Neste diapasão, foge o fundamento de aplicabilidade dos princípios norteadores da
ordem econômica brasileira arrolados no art.170 da CF nos serviços postais, ou seja, não há que
se nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, estando os correios submetido aos
princípios gerais da Administração Público e tendo como primazia o princípio da supremacia
do interesse público.
4. DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS E O REGIME DE “MONOPÓLIO”
QUE DISCIPLINAM OS SERVIÇOS POSTAIS.
15
Diante da superioridade normativa do corpo constitucional em face dos demais atos
normativos, importante se faz aqui analisar cada um destes dispositivos gerais, para que sejam
sanadas quaisquer dúvidas que possam persistir.
O Presidente Costa e Silva, pelo decreto-lei n°509, transformou o antigo
Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
(ECT), empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações. Dentre as regulamentações
do diploma legal em apreço, merece registro o art.2°, inciso I, que atribui a ECT a execução e
controle, em regime de monopólio, os serviços postais em todo o território nacional.
Neste diapasão, a lei n° 6.538/78, de 22 de junho de 1978, regulamenta o seguinte:
Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes
atividades postais:
I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o
exterior, de carta e cartão-postal;
II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o
exterior, de correspondência agrupada:
III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.
Diante da leitura destes dispositivos, novamente ressurge a dúvida sobre a natureza
jurídica dos serviços postais, já que apenas nas atividades econômicas em sentido estrito podem
ser exercidas em regime de monopólio, sendo este exatamente o meio legal de o Poder Público
subtrair o exercício de certas atividades da iniciativa privada.
Conforme outrora fundamentado, a Constituição de 1988 atribui aos correios a
natureza jurídica de serviço público. Então, como pode o uma norma infraconstitucional
modificar esta natureza? Estamos assim diante de uma hipótese de inconstitucionalidade ou
seria apenas mera atécnia do legislador?
A linguagem jurídica, por diversas vezes, faz uso da linguagem comum, criando
querelas que apenas podem ser questionadas por deliberação de uma corte jurisdicional. O termo
monopólio é um destes vocábulos que apresentam significados diversos.
Para o entendimento ordinário, monopólio significa tão somente a situação de
privilégio em que se encontra um agente com relação aos demais diante da oferta de uma
mercadoria ou de um serviço. Já para a doutrina jurídica, monopólio, vai muito mais além disto.
16
Este é na verdade um meio pelo qual o Poder Público pode subtrair do interesse particular um
serviço de natureza de atividade econômica de sentido estrito.
Pela ADPF n°46, a ABRAED chega a pedir a inconstitucionalidade da lei federal
n°6.538/78, afirmando não serem os serviços postais monopólio da União. Em termos técnicos,
realmente os correios não detêm o monopólio, mas sim uma exclusividade, diante da sua
natureza jurídica de serviço público atípico, de explorar o serviço de correios. Ocorre que, pelo
contexto não jurídico, este privilégio do Poder Público se enquadra no conceito popular de
monopólio.
O ministro Eros Roberto Graus (2005), no voto desta ADPF, entende que a ECT
“deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem, ou seja,
--- em linguagem técnica correta --- em situação de privilégio (o privilégio postal) ou --- na
linguagem corrente --- em regime de monopólio”.
Diante disto, podemos perceber que não existe qualquer inconstitucionalidade na
Lei Federal n°6.538/78, havendo apenas uma mera atécnia do legislador perfeitamente sanável
pelo uso da interpretação sistemática. Bem verdade, o mesmo não pode ser feito pelo art.3° da
lei nº 9.648, de 27 de maio de 1998, que acrescentou a Lei n° 9.07417, de 7 de julho de 1995 os
serviços postais como passíveis de se sujeitar ao regime de concessão ou permissão.
Conforme disposição acima, a Carta Política de 1988 atribuiu ao serviço postal uma
característica atípica por vetar a sua delegação ao interesse privado. O correio é um serviço que
só poderá ser executado pelo Poder Público através de algum órgão da Administração Direta ou
pessoa jurídica componente da Administração Indireta.
Imperativo se mostra a exclusão deste dispositivo legal de nosso ordenamento pelo
STF, como meio de fazer valer os ditames constitucionais.
5. CONCLUSÃO
17 Art.1° Sujeitam-se ao regime de concessão ou, quando couber, de permissão, nos termos da Lei no 8.987, de 13
de fevereiro de 1995, os seguintes serviços e obras públicas de competência da União: [..] VII - os serviços postais.
(Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998).
17
Tomando como base as idéias acima, imperativo se evidência a importância da
Administração para a perfeita estruturação e funcionamento do Estado, principalmente quanto
ao perfeito atendimento ao primado de supremacia do interesse público.
Com este trabalho, buscamos demonstrar que, diante da recente estruturação do
direito administrativo como ramo autônomo, muitas questões ainda estão passíveis de resposta,
trazendo grandes problemas para a coletividade. A devida caracterização da natureza jurídica
dos serviços postais demonstra perfeitamente esta situação.
A Constituição Federal de 1988 atribui aos serviços postais a natureza jurídica de
serviço público de caráter atípico, vetando sua prestação pelo interesse privado. Assim, quando
estivermos falando em correios, estaremos diante de um serviço que deve ter como base os
princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, dentre outros,
sendo assunto a ser discutido dentro do direito Administrativo.
O STF, em decisão da ADPF n°46, por maioria, assim determinou:
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS.
PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL.
CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE
1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES
CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS
HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE
COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA
AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT,
INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE
INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO
CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO,
SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO.
APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI.
1. O serviço postal --- conjunto de atividades que torna possível o envio de
correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado
--- não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço
público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas
espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é
de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos
privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma
situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve
confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A
Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço
postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X]. 4. O serviço postal é prestado
pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade
da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março
de 1.969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a
prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes,
18
a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado.
6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de
exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio,
o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os
serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio,
inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Argüição de descumprimento de preceito
fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação
conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação
às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo. (STF, ADPF n°46,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO; Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU,
Julgamento: 05/08/2009, Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
Além disto, nos posicionamos pela caracterização dos serviços postais com a
natureza de serviço público atípico, estando vetado constitucionalmente qualquer delegação de
sua prestação ao setor privado, seja por autorização, concessão ou permissão. Assim, esta
atividade, como muitas outras, deve receber uma maior atenção pelo Direito Administrativo
para que o interesse privado não afaste da União a titularidade deste serviço público de tamanha
importância para a integração e desenvolvimento nacional.
Dessa forma, a luz da Constituição vigente e levando-se em consideração os
preceitos administrativos, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é, sem sombra de
dúvidas, a pessoa jurídica designada para prestar os serviços postais em regime de completo
privilégio ou exclusividade.
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