O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
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O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil: um retrato a partir do pacto pela
saúde
Telma Maria Gonçalves Menicucc1
Alisson Maciel de Faria Marques2
Belo Horizonte
2013
1 Universidade Federal de Minas Gerais
2 Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
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O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil: um retrato a partir do pacto
pela saúde
Performance of States and Municipalities in health in Brazil: a picture from the “Health
Pact”
Palavras chave: políticas públicas de saúde, gestão em saúde, avaliação em saúde
O artigo é resultado de pesquisas realizadas com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
de Minas Gerais (Fapemig) - Projeto: Apq – 01725-09 - e do INCT Centro de Estudos da
Metrópole/CEBRAP.
Resumo
O artigo analisa e compara o desempenho dos municípios e estados brasileiros no período de
2007 a 2009 a partir, principalmente, de indicadores do Pacto pela Saúde, relacionados a
processos, gestão e resultados em saúde. O pano de fundo foi buscar interpretar esses
resultados à luz do arranjo institucional do SUS, particularmente no aspecto relativo ao
propósito de constituição de redes regionalizadas de atenção a partir da definição de
competências solidárias e atribuições diferenciadas entre as unidades federativas e de
mecanismos de pactuação entre elas. Apesar da grande desigualdade entre municípios, entre e
intra estados, e entre regiões, os resultados apontam para o desempenho insatisfatório, além
de reforçar a constatação de que a constituição das redes de atenção ainda é extremamente
incipiente no Brasil. Apesar da heterogeneidade entre estados, de modo geral, observou-se um
pior desempenho nos indicadores relativos à gestão e melhores nos relativos ao processo de
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
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regionalização além de certa relação entre o grau de regionalização e melhoria do
desempenho assistencial dos municípios.
1 Introdução: contexto, justificativa e objetivos
Uma iniciativa no âmbito da política de saúde trouxe uma inovação no sentido de
buscar comprometer os municípios e estados com resultados, a partir da definição de forma
pactuada de prioridades, objetivos, metas e indicadores para aferição dos resultados. Trata-se
do Pacto Pela Saúde (BRASIL, 2006) – um conjunto de reformas institucionais que se
relaciona a diferentes aspectos da gestão do sistema de saúde e que visava “à qualificação e
implementação do processo de descentralização, organização e gestão do Sistema de Único de
Saúde (SUS) à luz da evolução e aprimoramento do processo de pactuação intergestores”
(FADEL et al, 2009: 450). Além de buscar resolver problemas persistentes no funcionamento
e gestão do sistema de saúde, uma das maiores inovações do Pacto foi a tentativa de
comprometer estados e municípios com resultados.
Desde 2007, o Departamento de Informática do SUS (Datasus) disponibiliza as
informações relativas aos municípios e estados brasileiros para grande parte dos indicadores
definidos no Pacto pela Saúde. Esse conjunto de informações coloca a possibilidade de
analisar e comparar o desempenho dos municípios e estados na execução da política de saúde,
bem como nos resultados efetivos sobre a saúde dos cidadãos. Esse é o primeiro objetivo
deste trabalho: avaliar esse desempenho no período de 2007 a 2009 a partir de indicadores do
Pacto pela Saúde.
Para além de uma comparação de desempenho, um segundo objetivo é interpretar esses
resultados à luz do arranjo institucional do SUS, que reflete os efeitos de instituições
federativas sobre a implementação de políticas sociais, particularmente a política de saúde. O
pano de fundo dessa análise considera o esforço normatizador no âmbito do setor saúde no
Brasil no sentido de definir as relações intergovernamentais, as competências solidárias entre
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as unidades federativas e mecanismos de pactuação uma vez que o SUS foi criado como um
pacto federativo assentado em uma clara concepção de cooperação entre as três esferas de
governo. Para favorecer as relações cooperativas, através da criação de incentivos adequados
à transferência de responsabilidades e do combate às relações competitivas e predatórias entre
União, estados e municípios, foram criados mecanismos como os instrumentos de regulação
do sistema e que envolveram diretamente a organização dos atores e a interação entre os
mesmos.
A partir desse arcabouço institucional, pretende-se inferir o desempenho de estados e
municípios sob a perspectiva da construção de redes assistenciais que integram diferentes
municípios – condição para a garantia de atenção à saúde universal e integral - e que, em
princípio, se constituem em espaços territoriais regionais. Destaca-se, por um lado, o caráter
ainda exploratório desse esforço, tendo em vista a insuficiência dos indicadores do Pacto,
considerando que eles foram definidos para outros objetivos. Por outro lado, ressalta-se seu
caráter inovador ao buscar fazer uma leitura dos indicadores do Pacto de uma perspectiva
interpretativa.
Do ponto de vista teórico, o trabalho se justifica em função da necessidade de avançar
na compreensão dos problemas associados à implementação de políticas públicas em contexto
federativo, o que remete à discussão do formato das relações intergovernamentais. Do ponto
de vista prático, ele pode ser uma contribuição para a avaliação das políticas de saúde e seus
resultados efetivos em função dos objetivos pretendidos.
Além dessa introdução, o texto se estrutura da seguinte forma: na segunda seção é
apresentado o referencial teórico que embasa o estudo e enfocadas as soluções institucionais
que vem sendo dadas no caso da saúde no Brasil. Na terceira seção detalha-se a metodologia
utilizada; na quarta são apresentados os resultados e, na última, algumas conclusões.
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
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2 Política de saúde em contexto federativo: cooperação e coordenação
De acordo com a literatura, a conduta cooperativa envolve uma ação coletiva, entendida
como a escolha por todos ou pela maioria de uma linha de ação que, quando escolhida por
todos ou pela maioria, conduz ao resultado coletivamente melhor (ELSTER,1989b). Mas, a
literatura também enfatiza as dificuldades de ultrapassar a racionalidade individual na busca
do auto-interesse para ações cooperativas e, em geral, se considera que o dilema da ação
coletiva só se resolve através da realização de um acordo cooperativo cujo cumprimento é
obrigado por uma força externa (REIS, 1984;1988; PRZEWORSKI,1994; BARRY,1982;
ELSTER,1989a) ou quando hajam "incentivos seletivos”, entendidos como ganhos ou
benefícios individuais, derivados da participação na ação coletiva (OLSON,1971, 1982).
Entretanto, outras análises sugerem que quando os indivíduos têm a possibilidade
suficientemente grande de se encontrar é possível a cooperação. Os membros de um grupo
podem aprender a colaborar, desde que todos cooperem, ou seja, em situação em que se siga
uma estratégia condicionalmente cooperativa, baseada na reciprocidade (TAYLOR,1987;
AXELROD, 1984). Mas mesmo que os indivíduos sejam todos solidários, as dificuldades
para a realização do interesse comum persistem, posto que derivam do problema da
coordenação, que por sua vez resulta da irrelevância da ação de qualquer indivíduo isolado
para a realização do bem comum (REIS,1984).
No âmbito de estruturas federativas, ganha relevância a discussão das condições que
propiciam a cooperação e minimizem a competição e do problema da “coordenação
intergovernamental, isto é, das formas de integração, compartilhamento e decisão conjunta”
(ABRUCIO, 2005:41). Se o arranjo federativo é aquele em que “unidades autônomas
racionalmente cedem parte de sua autonomia para obter um bem coletivo de interesse
comum” (ARRETCHE, 2005:7), todavia, certo grau de autonomia regional continua
preservado e “apesar de um certo grau de centralização caracterizar as formas existentes de
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federação, todas possuem mecanismos que impedem sua transformação em estado unitário”
(ALMEIDA, 2005:32). Em um arranjo federalista, portanto, deve haver incentivos para a
cooperação para se solucionar os problemas de ação coletiva. Nessa perspectiva, para Abrucio
(2005:43), um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, entre
governos que compartilham a soberania e são ao mesmo tempo autônomos e
interdependentes.
O sucesso desse pacto federativo requer a cooperação entre os diversos atores
envolvidos, o que implica coordenação eficiente entre as diferentes instâncias
governamentais, enfrentando o problema da coordenação das ações de níveis de governo
autônomo (VIANA et alii, 2002). A coordenação pressupõe, diferentemente da cooperação,
certa centralização de decisões (SOUZA, 2004:24), mas ainda que possam requerer “medidas
de cima para baixo”, as ações de coordenação devem ser, assim como ações cooperativas,
negociadas e aprovados pelos entes federativos (ABRUCIO, 2005; SOUZA, 2002).
No modelo federativo tripartite brasileiro, a gestão das políticas públicas torna-se mais
complexa na medida em que é preciso conjugar a interdependência e autonomia de três entes.
Há certo consenso de que a coordenação federativa, por sua vez, precisa ser exercida tanto
pela União quanto pela esfera estadual em relação aos municípios. Ainda que a esfera estadual
seja aquela com atribuições menos definidas na Constituição Federal, cabe a ela um papel
central nas políticas sociais em função da heterogeneidade dos municípios em termos de
capacidade técnica, administrativa e financeira. Nessas condições, a assunção de políticas
públicas pela esfera municipal pode contribuir para o aprofundamento das desigualdades que
caracterizam o país.
Entre as ações voltadas para a institucionalização dos princípios do SUS, que
pressupõem ações cooperativas entre as três esferas de governo, destacam-se aquelas voltadas
para a materialização da regionalização da rede de serviços. Essa objetiva garantir o acesso do
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cidadão ao sistema de saúde e orientar os investimentos, tendo em vista as desigualdades
regionais, de forma a otimizar os recursos e obter economias de escala e, desta forma,
alcançar os objetivos finalísticos da política de saúde: resultados favoráveis quanto à situação
de saúde dos cidadãos.
Embora prevista desde a Constituição, a regionalização tem-se mostrado de difícil
concretização. O aparato institucional do SUS montado na década de 90 foi bem sucedido no
sentido de viabilizar a descentralização, mas não conseguiu efetivar a regionalização (Fortes
(2008); Levcovitz et al. (2001); Médici (1996, apud Mendes, 1998); Mendes (1998);
Menicucci et all (2007). Ao contrário, as regras da descentralização, particularmente as
relativas à transferência de recursos, atuaram no sentido de dificultá-la ao supervalorizar o
papel do Município como prestador dos serviços de saúde, ao lado de uma subvalorização do
papel dos Estados como instâncias de organização do processo de gestão, financiamento,
fiscalização e controle.
Com vistas a ordenar o processo de regionalização, a partir de 2001 foram estabelecidas
regras e instrumentos, como: o Plano Diretor de Regionalização (PDR), a ser elaborado pelas
secretarias estaduais, como instrumento de ordenamento do processo a partir da organização
dos territórios estaduais em regiões e microrregiões e que subsidia a construção do Plano
Diretor de Investimento (PDI); foi definido o Município-polo, como aquele que apresente
papel de referência para outros municípios, em qualquer nível de atenção e que têm
responsabilidades diferenciadas dos demais municípios porque sua área de responsabilidade
sanitária transcende seus limites geográficos; a Programação Pactuada Integrada (PPI) como
instrumento de planejamento físico-orçamentário dos serviços de saúde no âmbito estadual,
consubstanciando-se em um pacto solidário entre os gestores, levando em conta a
regionalização formalizada no PDR e que busca consolidar o papel do nível estadual de
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governo na coordenação da política estadual, promovendo a integração dos sistemas
municipais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).
Em 2006 foi aprovado o Pacto Pela Saúde, que expressa uma evolução incremental dos
acordos normativos historicamente realizados no âmbito do SUS, ao mesmo tempo em que
traz mudanças qualitativas importantes que buscavam promover “inovações nos processos e
instrumentos de gestão (...) e redefinir responsabilidades coletivas por resultados sanitários
em função das necessidades da população e na busca da equidade social (BRASIL, 2006, p.
7-8. Grifos nossos).
O aperfeiçoamento e definição das responsabilidades sanitárias e de gestão são
realizados por meio dos três componentes que compõem o Pacto: Pacto pela Vida, Pacto em
Defesa do SUS e Pacto de Gestão. O Pacto pela Vida é o compromisso entre os gestores do
SUS em torno de prioridades que apresentam impacto sobre a situação de saúde da população
e reforça no SUS o movimento da gestão pública por resultados, ao estabelecer um conjunto
de compromissos e metas sanitários considerados prioritários, a ser implementado pelos entes
federados.
O Pacto em Defesa do SUS envolve ações concretas e articuladas pelas três instâncias
federativas no sentido de reforçar o SUS como política de Estado e de estabelecer
compromissos com a consolidação da Reforma Sanitária no Brasil e dos princípios
constitucionais do SUS. Sua concretização passa por um movimento de repolitização da saúde
com uma estratégia de mobilização social que envolve o conjunto da sociedade brasileira e se
vincula ao processo de instituição da saúde como direito de cidadania e tem o financiamento
público da saúde como um dos pontos centrais.
O Pacto pela Gestão do SUS traz alterações nas regras com vistas a reforçar a estratégia
da regionalização ao buscar estabelecer mais claramente as responsabilidades de cada ente
federado de forma a diminuir as competências concorrentes; aprofunda a territorialização da
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saúde como base para a organização dos sistemas a partir da estruturação das regiões
sanitárias; reitera o PDR, o PDI e a PPI como os principais instrumentos de planejamento da
Regionalização.
Para a constituição de uma rede de atenção à saúde regionalizada em uma determinada
região, o Pacto enfatiza a necessidade de pactuação entre todos os gestores envolvidos, ou
seja, de uma ação coletiva cooperativa e solidária entre os municípios e coordenada pelo
estado enquanto ator-chave no processo de articulação dos municípios e de coordenação da
prestação dos serviços de saúde que transcendem os limites de cada um. Como mecanismos
de gestão regional, prevê-se a criação de um Colegiado de Gestão Regional, formado pelos
gestores municipais de saúde do conjunto de municípios e por representantes do gestor
estadual.
Mais recentemente, o Decreto presidencial 7.508/2011, que regulamenta a Lei
8080/90, consolida processos em curso e tem como foco principal as relações federativas ao
buscar assegurar o compromisso dos entes federados com a assistência à saúde integral e de
qualidade. Em grande parte, explicita de forma mais clara os conceitos que norteiam a
organização da atenção à saúde (regionalização, integralidade, redes de serviço) e reforça as
direções desejadas ao definir obrigações comuns e individuais dos entes federativos e buscar
organizar o SUS regionalmente.
3 Metodologia
O conjunto de dispositivos institucionais que integram o Pacto pela Saúde envolve
componentes diferenciados, com objetivos e possibilidades de avaliação também bastante
diferenciadas, embora inter-relacionados. Para esse estudo, o foco será sobre o Pacto pela
Vida e o Pacto de Gestão que preveem a definição de indicadores e a necessidade de os entes
federados produzirem as informações que permitam monitorar e mensurar o seu compromisso
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
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com os resultados em saúde e com a gestão do SUS. No Pacto pela Vida, são definidos
compromissos em torno de prioridades que apresentam impacto sobre a situação de saúde da
população, definindo metas sanitárias, traduzidas em objetivos, para os entes federados,
principalmente os municípios. O Pacto de Gestão define responsabilidades relativas à
regionalização; ao planejamento e programação; à regulação, controle, avaliação e auditoria; à
educação e saúde; e na participação e controle social. Também essas responsabilidades são
expressas em objetivos e indicadores e, na sua maioria, referem-se ao nível estadual de
governo.
A proposta deste estudo foi utilizar essas informações para traçar um retrato do
desempenho dos municípios e estados brasileiros, de duas perspectivas:
1. Considerando que um dos princípios que orienta a política de saúde no Brasil é a
igualdade, com vistas a alcançar patamares mais equânimes dos perfis de saúde entre regiões
e grupos sociais, o primeiro objetivo é identificar as diferenças na situação de saúde e na
atenção à saúde nos municípios e estados e, de forma indireta, o desempenho geral de estados
e municípios.
2. Avaliar esse desempenho tendo como referencial o arranjo institucional do SUS com
vistas à criação de redes assistenciais buscando identificar se esses resultados estão
associados à atuação dos entes federados no cumprimento de suas obrigações e
responsabilidades dentro do sistema de saúde, particularmente, com o papel de
coordenação, no caso dos estados, e de cooperação, no caso dos municípios polos.
Para isso foram utilizados os dados do Pacto disponíveis no DATASUS e outros obtidos
a partir de Menicucci (2013) para as informações relativas ao processo de regionalização. Do
total de 44 indicadores estabelecidos inicialmente, foram selecionados 10 indicadores
municipais e 5 estaduais considerados válidos para fins de análise e comparação. Os critérios
de exclusão foram: indicadores de abrangência localizada, não disponíveis para o triênio
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analisado (2007-2009), sem informações para mais de 30% dos municípios e indicadores
expressos sob a forma de números absolutos.
Para reduzir impactos de eventos isolados e evitar distorções significativas, no caso de
municípios com baixa população em indicadores nos quais o denominador é a população, foi
feito um alisamento dos indicadores no período dos três anos gerando um único valor trienal.
Dado que cada indicador apresenta magnitude e unidades de mensuração diferentes,
optou-se por padronizá-los a partir da construção de índices, com valores de 0 a 1, utilizando-
se da fórmula clássica que considera os valores máximos e mínimos observados3.
Os indicadores foram também classificados em dois tipos: resultados e processos.
Indicadores de “processo” são os relativos às atividades desenvolvidas para o alcance dos
objetivos planejados. Os de “resultado” referem-se à efetividade das medidas tomadas e são
as demonstrações dos efeitos consequentes das intervenções realizadas (DONABEDIAN,
1994; MARTINS, 2004; BITTAR, 2001). Outra distinção foi classificar indicadores que
expressam resultados que dependem da cooperação entre municípios e aqueles que são
relacionados apenas à atuação de cada município isoladamente. Nesse caso, os municípios
foram também comparados a partir da sua função na rede de serviços (polo ou não polo).
A pontuação final do município foi calculada através da média aritmética dos dez
indicadores. Pontuações foram também definidas, separando os indicadores por tipo
(processo/resultado) e quando dependem de cooperação ou não.
A análise dos estados e para o cálculo de sua pontuação considerou três dimensões: a
primeira (D1) considera o desempenho a partir dos valores estaduais para os indicadores
3 Para evitar distorções em função dos casos discrepantes, a partir do cálculo dos intervalos interquartílicos
foram restabelecidos os limites inferiores (considerando o primeiro quartil menos uma vez e meia o intervalo
interquartílico) e superiores (considerando o terceiro quartil mais uma vez e meia o intervalo interquartílico).
Atribuiu-se valor “0” para todas as observações abaixo do limite inferior e “1” para os valores acima dos limites
superiores.
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
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municipais, levando-se em conta que o estado é corresponsável pela atenção à saúde nos seus
municípios.
A segunda dimensão (D2) considera o desempenho nos indicadores estaduais em quatro
dos cinco indicadores selecionados do Pacto pela Saúde, dos quais dois se referem ao
desempenho do estado em relação à dimensão assistencial (Pacto pela Vida) e dois são
relativos às suas responsabilidades definidas no Pacto de Gestão.
Uma terceira dimensão (D3) considera dois indicadores que se referem às atribuições
do Estado em relação à regionalização, sendo um dos indicadores do Pacto (% de CGR
constituídos) e outro indicador que expressa a capacidade do estado de coordenar a
implantação dos instrumentos previstos na normatização da regionalização: o PDR e a PPI.
Para os cinco indicadores do Pacto foi realizado o processo padrão de alisamento,
identificação de outliers e padronização. Para o último indicador, os valores foram atribuídos
a partir da média aritmética dos valores assumidos pelos estados a partir da implantação de
dois instrumentos (PDR e PPI), da seguinte forma: 1 ponto = dois instrumentos implantado,
0,5 ponto= instrumentos implantados parcialmente e 0 = não implantados.
A pontuação final nessas dimensões foi obtida a partir da média aritmética dos valores
obtidos nos respectivos indicadores. A pontuação final do estado é a média aritmética do
índice alcançado nas três dimensões. Para fins de simplificação da apresentação dos dados, a
pontuação dos municípios e estados foi categorizada em cinco intervalos, estabelecidos entre
os valores de 0 a 1.
4 Resultados e discussão: desempenho dos municípios e estados
4.1 Os municípios
O desempenho geral dos municípios (Gráfico 1) apresenta grande variação entre regiões
e estados, mas a maior concentração ocorre no intervalo de 0,401-0,600: 62% do total de
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
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municípios. Entre os 5563 municípios brasileiros, apenas 46 apresentaram desempenho no
valor máximo (0,801-1), ou seja, menos de 1%, sendo esses localizados nos estados do Rio
Grande do Sul (15), Paraná (11), São Paulo (10) e Minas Gerais (10). Três dos seis
municípios com os piores desempenhos estão localizados no estado do Amazonas; os demais
no Pará, Maranhão e Bahia.
A maior proporção relativa de municípios com desempenhos mais baixos concentra-se
na Região Norte, destacando-se positivamente o estado de Tocantins cujos municípios
apresentam índices superiores dentro da região: 26,62% entre 0,601-0,800 e 66,19% entre
0,401-0,600. A região Nordeste apresenta o segundo pior desempenho, embora a variação
entre os estados seja significativa. Ao passo que no Rio Grande do Norte 50% dos municípios
alcançaram a pontuação entre 0,601-0,800, com um desempenho bastante superior ao da
região, os municípios da Bahia apresentaram os índices mais baixos. De modo geral, as
melhores pontuações são verificadas nos municípios dos estados das regiões Sul, Sudeste e
Centro-Oeste. Destacam positivamente os estados do Paraná e Espírito Santo com cerca de
60% de seus municípios com índices superiores a 0,600, bem acima da média do país.
Quando a análise dos municípios é estratificada por indicador, observa-se que o
desempenho é bem heterogêneo. Os municípios apresentaram melhor resultado no indicador
“Proporção de óbitos com causas definidas” (indicador 9), o que pode indicar tanto o maior
acesso da população aos serviços de saúde que diminui a subnotificação, quanto uma maior
conscientização de profissionais de saúde e gestores sobre a necessidade de sistemas de
informação consistentes para melhoria do processo de tomada de decisões.
Os piores desempenhos foram observados em indicadores que expressam ações básicas
de caráter preventivo. O pior resultado foi no indicador “Razão de mamografias realizadas”
(2): 86% obtiveram pontuações baixas (menores ou iguais a 0,600), mais de 50% com índices
no patamar mais baixo (entre 0-0,200). Esse resultado é bastante negativo para um
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
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procedimento básico para diagnóstico precoce do câncer para os quais muitas mulheres não
estão tendo acesso. O segundo pior resultado observado, com 75% dos municípios com baixo
desempenho, expresso por índices inferiores ou iguais a 0,600, foi no indicador “Razão de
Exames Citopatológicos” (1) que, tal como a “Razão de mamografias realizadas”, está
relacionado com o rastreamento e detecção precoce de câncer e envolve, em parte, cooperação
entre municípios . Isso indica, em primeiro lugar, que o sistema de saúde ainda não se
configurou de acordo com o modelo de atenção pautado nas ações de prevenção e promoção,
tendo ainda foco nas ações de tratamento e recuperação. E, em segundo, indica distorções na
rede de atenção que vai se expressar em desigualdades no acesso a serviços básicos.
O terceiro pior desempenho municipal foi observado no indicador “Cobertura Vacinal
Tetravalente” (10) para o qual um pouco mais de 70% dos municípios brasileiros
apresentaram desempenho baixo, com índices de até 0,600. Um desempenho fraco para um
procedimento básico de prevenção.
Os três indicadores relativos à mortalidade infantil são sugestivos de algumas hipóteses.
O desempenho dos municípios em relação à mortalidade neo-natal (4), que expressa muito o
acesso e a qualidade da atenção no pré-natal, parto e pós parto, é inferior aos resultados
obtidos em relação à taxa de mortalidade pós-neo natal (5), que é muito afetada pelas
condições de vida. Apesar da grande variabilidade entre os municípios, é possível supor que,
nesse caso, as condições sanitárias estejam sendo mais afetadas por fatores externos ao
sistema de saúde, o que se reflete na taxa de mortalidade infantil (3), em que pese a influência
também dos fatores internos ao sistema.
Os indicadores de desempenho municipal foram separados em dois grupos, sendo um
deles formado por indicadores que medem resultados na saúde (incluem os três indicadores
relativos à mortalidade infantil, supostamente sendo efeitos das ações e intervenções
governamentais, mas também de outros fatores); e o outro grupo por indicadores de processo
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
15
(relativos às atividades desenvolvidas para o alcance dos objetivos visados). Nos indicadores
de processo, a maior concentração de municípios se dá entre 0,401 e 0,600 (63%), ao passo
que para os indicadores de resultados cerca de metade dos municípios do país apresentam
índices acima desse patamar. É de se supor que esses resultados estejam também associados
em parte a outros fatores além da atuação específica no setor saúde. A correlação linear entre
os dois conjuntos de indicadores foi positiva, mas fraca (0,198), o que é consistente com a
afirmação anterior.
4.2 Desempenho de estados versus desempenho dos municípios e a construção da
regionalização: coordenação e cooperação
Para a análise dos estados, partiu-se de uma comparação do seu desempenho nas três
dimensões consideradas, enfatizando a relação entre elas. Para isso, foram identificados
grupos de estados com desempenhos similares. Como a pontuação foi categorizada em cinco
intervalos, estabelecidos entre os valores de 0 a 1, para simplificação da apresentação,
atribuiu-se uma numeração a cada intervalo: 1=0,0-0,200; 2=0,201-0,400; 3=0,401-0,600;
4=0,601-0,800; 5=0,801=1,0.
Relacionando as três dimensões verifica-se a composição de sete conjuntos distintos de
estados (Quadro 2). A distribuição dos Estados na matriz elaborada sugere que há uma
relação, embora não direta, entre uma melhora nas dimensões tipicamente relativas à ação do
estado (D2 e D3) e a dimensão assistencial dos municípios (D1), que apenas indiretamente
expressa a co-responsabilidade estadual pela assistência. Isso porque pontuações mais altas
em D2 e D3 parecem estar associadas a pontuações também mais altas em D1 (ver linha
tracejada).
Considerando que D1 expressa o desempenho dos municípios de cada estado, a análise
partiu da pontuação obtida em D1. O conjunto mais baixo da pontuação obtida em D1 inclui
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
16
os estados do Amapá (0,249) e Pará (0,339), ambos na região Norte. Apesar da baixa
pontuação na dimensão assistencial, esses estados apresentam pontuações levemente mais
elevadas nas outras duas dimensões, sendo o Pará melhor pontuado na regionalização (D3=
0,667) e o Amapá nos indicadores estaduais do Pacto pela Saúde (D2= 0,438). Isso parece
sugerir que, embora a gestão estadual esteja relativamente mais avançada, limitações na rede
assistencial (tais como capacidade instalada, acesso, falta de recursos humanos ou mesmo
características da gestão municipal) podem diminuir os efeitos da coordenação estadual mais
qualificada e da regionalização.
O conjunto dos estados que obtiveram pontuação 3 em D1 é o mais heterogêneo,
apresentando estados em quase todas as regiões, à exceção da Sul: quatro da região Norte
(Acre, Amazonas, Roraima e Rondônia), cinco da região Nordeste (Maranhão, Sergipe,
Pernambuco, Alagoas e Bahia), um estado da Sudeste (Rio de Janeiro) e outro da Centro-
Oeste (Mato Grosso).
A qualidade da gestão estadual, medida por D2, teve pontuações que variaram de 2 a 4.
A regionalização captada por D3, por sua vez, apresentou estados em todos os níveis de
pontuação. O primeiro destaque é o estado do Maranhão, que apresentou pontuações mais
baixas nas três dimensões (D1= 0,509; D2= 0,543; D3= 0,000), com índice 0 na Dimensão 3,
ou seja, ausência de implementação dos instrumentos da regionalização. O segundo destaque
é o estado do Mato Grosso que, ao contrário, obteve a pontuação mais elevada do grupo e
situação mais favorável nos indicadores tipicamente estaduais (D1= 0,592; D2= 0,659; D3=
1,000).
Chama bastante atenção nesse grupo o Rio de Janeiro, com pontuações baixas nos
indicadores estaduais (D2), embora com situação melhor (dentro do grupo) na dimensão
assistencial relativa ao desempenho dos municípios do estado (D1) e na implementação dos
instrumentos de regionalização (D3). Considerando que esse desempenho nos indicadores
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
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municipais é o mais baixo entre os estados da região Sudeste, da qual faz parte o Rio de
Janeiro, a baixa qualidade da gestão estadual deve estar impactando o desempenho dos
municípios.
O terceiro grande grupo é composto por estados que apresentaram as maiores
pontuações na dimensão assistencial (valor 4) e que reúne o maior número de estados (13).
Todos os estados da região Sul estão nesse grande conjunto, bem como os da região Sudeste,
à exceção do Rio de Janeiro. Essas regiões são as que apresentaram melhor resultados,
considerando o conjunto dos estados.
Chama a atenção o fato de que dos 13 estados do grupo, 10 apresentam também a maior
pontuação observada na D3, ou seja, aquela que expressa o cumprimento do papel do estado
na coordenação do processo de regionalização ao implementar os instrumentos de
planejamento da regionalização previstos na legislação com vistas a favorecer a cooperação
entre municípios, bem como o estabelecimento dos mecanismos de gestão regional.
Esse grupo apresenta alguns destaques. A pontuação mais alta foi obtida pelo estado de
Tocantins (D1=0,603; D2=0,814; D3=0,875). Esse resultado chama a atenção por ser o estado
mais novo da federação, mas pode sugerir que ele tenha começado a organizar sua política de
saúde a partir da legislação recente do SUS, justificando o alto desempenho em D2 e D3.
Contudo, ressalva-se que, mesmo estando incluído no grupo 4 em relação à pontuação nos
indicadores municipais, Tocantins obteve o menor valor no grupo, situando-se no limiar
inferior do intervalo. Isso pode ser explicado em parte pela condição herdada do seu
desmembramento do estado de Goiás, sugerindo certa dependência da capacidade instalada
anterior, ou ainda pelas dificuldades encontradas na implantação de redes assistenciais em um
estado recente. Mas esse estado se destaca entre os da Região Norte, tanto a partir da
comparação dos desempenhos estaduais, tanto pelo de seus municípios. Embora os
municípios da Região Norte tenham tido o pior desempenho relativo, Tocantins teve mais de
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
18
66% de seus municípios com pontuação entre 0,401-0,600 e 26,62% entre 0,6001-0,800,
similar à média do país e muito superior aos demais estados da região. Esses resultados
sugerem a relevância da gestão estadual para o desempenho municipal, que tem potencial para
otimizar os recursos estruturais disponíveis.
Em seguida, com pontuações mais altas dentro desse grupo situa-se o estado de São
Paulo, particularmente na D3, na qual obteve a pontuação máxima (1,0). Já o estado que
apresentou a pontuação mais baixa nesse grupo foi o Piauí (D1=0,658; D2=0,449; D3=0,447),
com destaque para a baixa pontuação nas dimensões relativas ao desempenho especificamente
estadual.
De modo geral, observa-se que a maior parte dos estados que obteve pontuação 5 em
D3 está com pontuação 4 em D1 (11 do total de 14 estados). Isso parece sugerir uma relação
entre o grau de regionalização – expressa pela implantação dos instrumentos previstos - e a
melhoria do desempenho assistencial dos municípios. A relação entre o desempenho
assistencial (D1) e o desempenho estadual nos indicadores de gestão do Pacto (D2) parece ser
um pouco menor.
Mas se as normas do SUS atribuem um papel relevante aos estados na coordenação do
processo de regionalização, particularmente a implantação de alguns instrumentos (PDR e
PPI) e de uma instância de pactuação entre os municípios (CGR), é de se esperar que a
implantação desses instrumentos indique um bom desempenho do estado na estruturação e
funcionamento da rede de atenção à saúde, particularmente naquelas ações que dependem de
cooperação intermunicipal, e que deveria ter reflexos no desempenho dos municípios,
particularmente nesses indicadores.
Os dados analisados confirmam essa suposição. Há relação entre a pontuação dos
municípios nos indicadores que exigem cooperação e a pontuação dos estados nos indicadores
relativos à implantação dos instrumentos da regionalização: quanto maior a pontuação do
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
19
estado em D3, maior a proporção de municípios com índices mais altos nos indicadores que
exigem cooperação; ou municípios com pontuação mais alta estão localizados em estados
com melhor desempenho nos indicadores que expressam o exercício da coordenação do
processo de regionalização. Esses resultados permitem inferir que o desempenho dos
municípios em ações mais complexas, cuja realização não compete a todos os municípios, de
alguma maneira é afetado positivamente pelo desempenho do estado nesse aspecto.
Os dados apontam que houve melhor desempenho municipal nos indicadores que
expressam ações ou resultados que não dependem da cooperação intermunicipal. Isso indica
que o processo de descentralização com foco no município atua positivamente sobre o
desempenho. Ou seja, nas ações que integram a atenção básica e são atribuições de todos os
municípios, o desempenho é melhor. Em contrapartida, o pior desempenho nos indicadores
que dependem de cooperação intermunicipal por se tratar de ações de maior complexidade
não disponíveis em todos os municípios, sugere ou que os instrumentos que incentivam a
cooperação solidária ainda não estão funcionando adequadamente, ou que as redes de atenção
não estão constituídas ou são insuficientes de forma a garantir a atenção de maior
complexidade.
Essa segunda hipótese é reforçada pela constatação de que não existe diferença
significativa entre o desempenho global dos municípios polo e o dos não-polos, bem como
entre aqueles situados em estados onde essa distinção não foi identificada (22% dos
municípios), embora prevista nas normas da regionalização. A intenção dessa comparação foi
verificar se os municípios com maior capacidade de atendimento tinham desempenho melhor
do que os demais, o que expressaria a ausência de cooperação. O comportamento homogêneo
nesses dois conjuntos de indicadores, independente do tipo de município e do tipo de ação
para a produção do resultado (cooperativa ou não), é observado tanto nos estados que adotam
o modelo de regionalização previsto nas normas do SUS quanto naqueles que não o adotam.
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
20
Ou seja, não há evidências de que os municípios não polos tenham acesso dificultado aos
serviços supostamente disponíveis nos polos, caso em que a cooperação não estaria
ocorrendo. A hipótese mais plausível é que os serviços não estão disponíveis para todos,
independentemente da condição do município na rede de atenção estadual.
5 Conclusões
A intenção deste estudo foi analisar e comparar o desempenho dos municípios e estados
brasileiros no período de 2007 a 2009 a partir, principalmente, de alguns indicadores
selecionados do Pacto pela Saúde, relacionados a processos, gestão e resultados em saúde. O
pano de fundo dessa análise foi buscar interpretar esses resultados à luz do arranjo
institucional do SUS, particularmente no aspecto relativo ao propósito de constituição de
redes regionalizadas de atenção a partir da definição de competências solidárias e atribuições
diferenciadas entre as unidades federativas e de mecanismos de pactuação entre elas. Para
isso, os indicadores selecionados foram categorizados e relacionados de diferentes formas, na
perspectiva e ultrapassar a simples descrição de resultados e produzir uma interpretação.
Cabe destacar o caráter ainda limitado desse empreendimento por diferentes razões,
destacando-se entre elas: a) o caráter relativamente recente da definição dos indicadores do
Pacto e dos esforços de sua mensuração por municípios e estados, ainda pouco familiarizados
com práticas de avaliação de resultados; b) a relativa inadequação de alguns indicadores para
os objetivos propostos neste estudo, uma vez que parte deles foram construídos a partir de
prioridades definidas pelo Ministério da Saúde; a necessidade de maior número de
indicadores para mensurar de fato o processo de regionalização e o desempenho dos governos
na política de saúde; e principalmente a necessidade de avaliar o desempenho de estados e
municípios considerando, por um lado, variáveis internas ao setor saúde e que tem impacto
sobre a ação dos gestores, como os recursos disponíveis (financeiros, técnicos, humanos e a
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
21
capacidade instalada) e, por outro, variáveis exógenas ao setor e que tem impacto sobre as
condições de saúde e, consequentemente, sobre as necessidades de saúde e sobre o perfil de
saúde, particularmente as condições socioeconômicas e ambientais.
Apesar dessas limitações, foi possível traçar um perfil geral do desempenho dos estados
e municípios, por meio de padronização dos indicadores com a construção de índices, de
forma o obter pontuações parciais e gerais que refletem esse desempenho relativo, tendo
como parâmetro os melhores e piores desempenhos observados no país.
O desempenho insatisfatório nos indicadores do Pacto, além de reforçar a constatação
de que a constituição das redes de atenção ainda é extremamente incipiente no Brasil, leva a
pensar na ainda hoje prevalente municipalização em detrimento da regionalização. Resultados
indesejáveis em indicadores que pressupõem cooperação e responsabilidades solidárias
podem ser um legado da forma de estruturação do SUS na década de 90 do século passado
que, ao favorecer a descentralização com o consequente fortalecimento dos municípios, teve
como efeito não previsto a sua desarticulação.
Há que se considerar ainda a implantação relativamente recente de pactuação das metas,
visto que a orientação para resultados requer uma substancial mudança de cultura,
gerenciamento efetivo dos processos assistenciais e uma estrutura adequada para consecução
dos objetivos. Além disso, as próprias práticas de pactuação, por meio da quais há a
negociação das prioridades e dos resultados desejáveis, são também de ocorrência recente,
carecendo de maior tempo para se institucionalizarem.
Várias hipóteses precisam ser testadas para tentar explicar a frágil regionalização,
pressuposto para a organização de redes de atenção à saúde efetivas que se constituem sob
uma base territorial, estruturadas segundo níveis de complexidade e agregação tecnológica.
Entre os fatores explicativos, podemos hipotetizar: a inadequação ou incompletude das regras
institucionais da regionalização definidas no Pacto pela Saúde cujo modelo prevê, de fato, um
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
22
processo de articulação e cooperação, mas somente no ato da pactuação, mostrando-se frágil
para garantir o comprometimento e inter-responsabilização de todos os entes pelo alcance dos
resultados conforme pactuado4; a ausência de sanções, na prática, frente ao não cumprimento
das metas o que mostra a tensão entre a normatização feita pela União, mas que não pode se
impor frente a entes federados autônomos, embora interdependentes; a ausência ou fragilidade
de exercício pelo nível estadual de governo de suas funções enquanto coordenador do
processo, ou seja, coordenador da ação coletiva, traduzida pela implantação dos instrumentos
previstos no arcabouço normativo e atuação ativa na construção da cooperação entre
municípios; ou ainda fatores estruturais que escapam à capacidade dos gestores de solucionar,
como os déficits históricos de financiamento que se expressam mais fortemente pela baixa
capacidade de investimentos que permitam preencher os chamados “vazios assistenciais”,
entendidos com a falta de capacidade instalada para realização de procedimentos.
Estudos futuros precisam também identificar outros fatores que influenciam o
desempenho dos municípios e estados em relação aos indicadores de desempenho, que não
aqueles relativos aos instrumentos de gestão e de regionalização. Mesmo para esses últimos,
apenas uma análise qualitativa da implementação efetiva desses instrumentos permite
identificar a forma de sua aplicação, a qualidade das ações, o que não é possível no âmbito de
uma análise estritamente quantitativa. É necessário ainda construir indicadores que captem a
qualidade da atuação tipicamente estadual para diferenciar mais fortemente os estados entre
si.
4 O Contrato Organizativo da Ação Pública ( COAP), previsto no Decreto 7.508/2011, em princípio, obriga os
entes signatários ao seu cumprimento sob pena de as cláusulas penais serem executadas.
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
23
6 Referências
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O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
25
Quadro 1 - Indicadores do Pacto pela Saúde de acordo com o Pacto, prioridades ou responsabilidades, método de cálculo, polaridade, tipo e
relação com a cooperação intermunicipal.
Tipo de
Pacto Prioridade N. Indicador Método de cálculo Polaridade Tipo
Resultado
depende de
cooperação
intermunicipal
INDICADORES MUNICIPAIS
Pact
o p
ela V
ida
Prioridade II:
Controle do câncer
de colo de útero e
mama
1 Razão de exames
citopatológicos
N°. de exames citopatológicos do colo do útero, em
mulheres na faixa etária de 25 a 59 anos, em determinado
local e ano / População feminina, nesta faixa etária, em
determinado local e ano
Maior/Melhor Processo Sim
Prioridade II:
Controle do câncer
de colo de útero e
mama
2 Razão de mamografias
realizadas
N°. de mamografias realizadas na faixa etária de 50 a 69
anos, em determinado local (residência) e ano / População
feminina nesta faixa etária, em determinado local e ano
Maior/Melhor Processo Sim
Prioridade III:
Redução da
mortalidade infantil
e materna
3 Taxa de mortalidade
infantil
(N°. de óbitos de crianças residentes com menos de um ano
de idade / N°. de nascidos vivos de mães residentes)*1000
Menor/Melhor Resultado Sim
Prioridade III:
Redução da
mortalidade infantil
e materna
4 Taxa de mortalidade
neonatal
(Nº. de óbitos de menores de 28 dias / N°.s de nascidos
vivos de mães residentes) * 1000
Menor/Melhor Resultado Sim
Prioridade III:
Redução da
mortalidade infantil
e materna
5 Taxa de mortalidade
pós-neonatal
(N°. de óbitos de residentes 28 a 364 dias de vida
completos / N°.s de nascidos vivos de mães residentes) *
1000
Menor/Melhor Resultado Sim
Prioridade VI:
Fortalecimento da
atenção básica
6 %População cadastrada
na Estratégia de Saúde
da Família
(População cadastrada no Sistema de Informação da
Atenção Básica em determinado local e período / Base
demográfica do IBGE) * 100
Maior/Melhor Processo Não
Prioridade VI:
Fortalecimento da
atenção básica
7 %Nascidos vivos com
7+ consultas de pré-
natal
(N°. de nascidos vivos de mães com 7 ou mais consultas de
prenatal em determinado local e período / N°. de nascidos
vivos, no mesmo local e período) * 100
Maior/Melhor Resultado
/
processo
Apenas em grau
pequeno
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
26
Prioridade VI:
Fortalecimento da
atenção básica
8 %Famílias com Bolsa
Família acompanhadas
(N°. de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família
com perfil saúde acompanhadas pela atenção básica na
última vigência consolidada / N°. total de famílias
beneficiárias do Programa Bolsa Família com perfil saúde
na última vigência consolidada) *100
Maior/Melhor Processo Não P
act
o d
e G
estã
o
I: Responsabilidades
gerais da gestão do
SUS
9 %Óbitos por causa
definida
(N°. de óbitos não fetais com causa básica definida / Total
de óbitos não fetais residentes) * 100
Maior/Melhor Processo Não
I: Responsabilidades
gerais da gestão do
SUS
10 Cobertura vacinal
tetravalente
(Nº de crianças menores de um ano de idade vacinadas com
terceiras doses da vacina DTP+Hib / População < 1 ano de
idade) * 100
Maior/Melhor Processo Não
INDICADORES ESTADUAIS – PACTO DA SAÚDE
Pa
cto
pel
a V
ida Prioridade X:
Atenção integral às
pessoas em situação
ou risco de violência
11 %Municípios com
estratégia de prevenção
de violência implantada
(N°. de Municípios prioritários da UF com Rede de
Prevenção das Violências e Promoção da Saúde
implantados / N°. total de municípios prioritários da UF,
questionário FORMSUS) * 100
Maior/Melhor Processo/
gestão
Não se aplica
Prioridade X:
Atenção integral às
pessoas em situação
ou risco de violência
12 %Municípios com
notificação de violência
implantada
(No. de municípios prioritários com Notificação
Investigação Individual de Violência Doméstica, Sexual e
ou outras Violências implantada / Nº de municípios
prioritários)*100
Maior/Melhor Processo/
gestão
Não se aplica
Pa
cto
de
Ges
tão
I: Responsabilidades
gerais da gestão do
SUS
13 %Municípios com
pactuação em
vigilância sanitária
(Nº de municípios que pactuaram ações estratégicas / Nº
total de municípios) * 100
Maior/Melhor Processo/
gestão
Não se aplica
II:
Responsabilidades
na regionalização
14 %CGR constituídos (N°. de Colegiado de Gestão Regional intraestadual
constituído / N°. de regiões de saúde existente no estado de
acordo com o Plano Diretor de Regionalização) * 100
Maior/Melhor Gestão Não se aplica
III:
Responsabilidades
no planejamento e
programação
15 %UF com relatórios de
gestão aprovados
N°. de estados com Relatórios de Gestão Estadual
aprovados nos Conselhos Estaduais de Saúde
Maior/Melhor Gestão Não se aplica
INDICADOR ESTADUAL RELATIVO À RESPONSABILIDADE NA COORDENAÇÃO DA REGIONALIZAÇÃO
Responsabilidade na
coordenação da
regionalização
16
*
Instrumentos de
regionalização
implantados
Média aritmética dos valores assumidos pelo estado em
relação à implantação do PDR e da PPI
Maior/Melhor Gestão Não se aplica
Fonte: BRASIL/DATASUS 2011, Dados da pesquisa.
*Fonte: Ministério da Saúde e Menicucci, 2013.
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
27
QUADRO 2 – Desempenho dos Estados na Dimensão 1, na Dimensão 2 e na Dimensão 3. D1 2 3 4
D2 2 3 2 3 4 2 3 4 5
D3
1 Maranhão
2
Acre
Amazonas
Roraima
3 Amapá Rondônia
Rio de Janeiro Sergipe Piauí
4 Pará Pernambuco
Paraná
Rio Grande do
Norte
5 Alagoas
Bahia
Mato
Grosso
Paraíba
Espírito Santo
Rio Grande do
Sul
Goiás
Ceará
Mato Grosso
do Sul
Minas Gerais
Santa Catarina
São Paulo Tocantins
Fonte: Datasus, 2010; DCP/UFMG (2011); Dados da pesquisa.
Nota: Em cada grupo, os estados foram ordenados alfabeticamente.
O desempenho de estados e municípios na saúde no Brasil
28
GRÁFICO 1 - Proporção de municípios por estado segundo desempenho em indicadores do Pacto pela Saúde. Brasil, 2007-2009
Fonte: Datasus, 2010. Dados da pesquisa
4,80,7 0,5 0,2
23,1
31,8
50,0
26,7
58,0
37,5
7,2
18,9
4,5 2,2 1,8 3,6
14,120,6
10,7
27,1
7,0 7,63,7 0,8 3,1 3,6 6,4
11,36,5
9,8
75,063,6
45,2
60,0
41,3
62,5
66,2
74,2
73,1 75,0
48,5
77,1
68,6
74,5
84,0
68,1
59,3
42,3
72,8
67,1
42,4
55,650,4
78,2
59,6 68,7 62,0
1,9 4,5
13,3
26,6
6,5
22,4 22,8
49,7
19,3 17,3
4,9 5,3 4,6
32,5
57,7
19,6
27,6
54,1
41,3
42,9
15,4
29,124,8
27,2
1,2 1,6 2,8 3,0 0,8
0%
50%
100%
RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste Total
0 - 0,200 0,201 - 0,400 0,401 - 0,600 0,601 - 0,800 0,801 - 1,0
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