8/9/2019 O Aventureiro, Ilha Grande-RJ: uma anlise de mudana
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
O AVENTUREIRO, ILHA GRANDE-RJ: UMA ANLISE DE MUDANASOCIAL
Gustavo Villela Lima da Costa
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2008O AVENTUREIRO, ILHA GRANDE-RJ: UMA ANLISE DE MUDANA
SOCIAL
Gustavo Villela Lima da Costa
Tese de Doutorado apresentada aoPrograma de Ps-graduao emAntropologia Social, Museu Nacional, daUniversidade Federal do Rio de Janeiro,como parte dos requisitos necessrios
obteno do ttulo de Doutor emAntropologia Social.
Orientador: Jos Sergio Leite LopesDoutor em Antropologia Social
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Rio de JaneiroJulho de 2008
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O AVENTUREIRO, ILHA GRANDE-RJ: UMA ANLISE DE MUDANASOCIAL
Gustavo Villela Lima da Costa
Orientador: Jos Sergio Leite Lopes
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-graduao emAntropologia Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio deJaneiroUFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo deDoutor em Antropologia Social.
Aprovada por:
______________________________________Presidente, Prof. Jos Sergio Leite Lopes
______________________________________Professora Lygia Sigaud
______________________________________Professor Antonio Carlos de Souza Lima
______________________________________Professora Rosane Manhes Prado
______________________________________Professora Neide Esterci
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Rio de JaneiroJulho de 2008
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COSTA, Gustavo Villela Lima da.O Aventureiro, Ilha Grande-RJ: uma anlise de mudana social/ Gustavo
Villela Lima da Costa.Rio de Janeiro: UFRJ/PPGAS, Museu Nacional,2004.
313 f.:31cm.Orientador: Jos Sergio Leite LopesTese (doutorado)UFRJ/ Museu Nacional/Programa de Ps-graduao
em Antropologia Social, 2008.Referncias Bibliogrficas: f. 306 - 313
1. Ilha Grande 2.Conflitos sociais 3. Unidades de Conservao. I.LOPES,Jos Sergio Leite. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, MuseuNacional,Programa de Ps-graduao em Antropologia Social. III.Ttulo.
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O AVENTUREIRO, ILHA GRANDE-RJ: UMA ANLISE DE MUDANASOCIAL
Gustavo Villela Lima da CostaOrientador: Jos Sergio Leite Lopes
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-graduao emAntropologia Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio deJaneiroUFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo deDoutor em Antropologia Social.
Este estudo analisa uma situao de mudana social em curso, queocorre no povoado do Aventureiro, na Ilha Grande-RJ. Entre as principaisalteraes ocorridas no local nos ltimos quinze anos, podemos destacar amudana de atividade econmica das famlias, que abandonaram
progressivamente a agricultura de subsistncia e o trabalho na pescaembarcada e assalariada, para viver do turismo, realizado nos campings nosterrenos das casas dos moradores. Um fator determinante para estamudana foi a desativao do Instituto Penal Cndido Mendes, no ano de1994, que transformou a Ilha Grande em uma fronteira aberta para o capital
imobilirio e turstico. Alm disso, no ano de 1981, o povoado doAventureiro passou a fazer parte de uma Reserva Biolgica e este estudoaponta alguns efeitos sociais decorrentes da criao de uma Unidade deConservao de proteo integral em uma rea previamente habitada. Entresuas principais conseqncias destacamos a prtica da tutela e controle daprpria populao que permaneceu no interior da Reserva Biolgica, emuma situao de ilegalidade, e que se tornou um objeto de administrao
por parte do Estado. Esta situao jurdica especfica favoreceu, por umlado, um conjunto de prticas tutelares de dominao sobre a populao por
parte do rgo ambiental e por outro lado, acabou protegendo a praia da
intensa especulao imobiliria, possibilitando, no apenas a permannciados moradores no Aventureiro, mas tambm sua gesto do negcio doturismo, ao contrrio das demais praias da Ilha Grande, em que o turismo administrado pelo grande capital ou por empresrios vindos de outraslocalidades.
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Palavras Chave: Conflitos Sociais em Unidades de Conservao. Tutela.Mudana Social. Turismo.
Rio de JaneiroJulho de 2008
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O AVENTUREIRO, ILHA GRANDE-RJ: UMA ANLISE DE MUDANASOCIAL
Gustavo Villela Lima da Costa
Orientador: Jos Sergio Leite Lopes
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-graduao emAntropologia Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio deJaneiroUFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo deDoutor em Antropologia Social.
Abstract
This study analyzes a social change situation that occurs at theAventureiro beach, at Ilha Grande, state of Rio de Janeiro. Among the mainchanges that had place there in the last fifteen years, we can emphasize theeconomic activity change by the families that had abandoned,progressively, the livelihood agriculture and hireling fishing to live ontourism, which takes place at the families houses. A main factor thatcaused these changes was the demolition of the Candido Mendes prison, in1994, that turned the whole Island into an open frontier to touristic and landcapital. Besides, in 1981, the Aventureiro beach became part of aBiological Reserve and this study also aims to point some social effectsthat occurred after the creation of a conservation reserve (that is the mostrestrictive one about human presence) in an inhabited area. One of the mainconsequences is the tutelage practice and control over the population- thatlives in an illegal situation - by the state, treating the inhabitants as objectsof administration. This specific juridical situation made possible, on theone hand, a set of tutelary practices of domination by the state over thepopulation, and on the other hand, protected the beach by the intense land
speculation, making possible to the inhabitants to remain at Aventureirobeach and to manage their own tourism business at Aventureiro beach, onthe contrary of other beaches in the island, where touristic activity ismanaged by the large capital or by people from other localities.
Key Words: Social Conflicts in Natural Reserves. Tutelage. Social Change.Tourism.
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Rio de JaneiroJulho de 2008
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Agradecimentos:
Para a realizao desta tese, agradeo, em primeiro lugar, ao meu orientador eprofessor, Jos Sergio Leite Lopes por sua ateno ao longo desta jornada epor seus comentrios sempre importantes para uma melhor apresentao destetrabalho. Agradeo tambm a Lygia Sigaud pelo incentivo pesquisa e porapontar caminhos sempre certeiros ao longo do curso de Mestrado e deDoutorado, alm de sua imprescindvel participao em minha banca dequalificao e a Rosane Prado, por suas sugestes e tambm pela generosidadecom que compartilha seu conhecimento (especialmente sobre a Ilha Grande).
Agradeo tambm ao professor Antonio Carlos de Souza Lima, de quem fuibolsista de graduao do CNPq, e que foi fundamental na minha formao
como antroplogo, sobretudo pelo rigor e exigncia metodolgicos e pelasleituras fundamentais, alm das importantes sugestes feitas como membro deminha banca de qualificao.
Igualmente importantes na minha formao foram os professores dos cursosao longo do Mestrado e do Doutorado: Gilberto Velho, Giralda Seyferth, LuisFernando Dias Duarte, Eduardo Viveiros de Castro, Lygia Sigaud, Jos SergioLeite Lopes, Henri Acselrad, Carlos Vainer, Joo Pacheco de Oliveira, AnaDaou, Carlos Fausto, Federico Neiburg e Marina Velasco.
Ao longo da pesquisa agradeo principalmente a Lus, Janete, Joo Paulo,Eduardo, Joel, Jaqueline, Vitor e Mateus, por me receberem em sua casa noAventureiro e poraturarem minhas perguntas. Sou grato tambm a toda a
populao do Aventureiro, aos funcionrios da FEEMA, e a todos queconcederam entrevistas. Agradeo tambm Helena Cato, Alexandre doCODIG e ao pessoal da SAP.
Agradeo a todos da Secretaria do PPGAS, s bibliotecrias Lourdes CristinaArajo Coimbra e Carla Regina Paz de Freitas e tambm a Carmen Lucia da
fotocopiadora.
Por fim, agradeo CAPES e UFRJ/Museu Nacional, pelo apoio financeiroe por oferecer boas condies de pesquisa.
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SUMRIO:
Introduo: pgina 13
Captulo 1 - O Passado Revisitado: pgina 68
Captulo 2Efeitos Sociais da Tutela Ambiental: pgina 144
Captulo 3Dinmica da Vida Social no Aventureiro: pgina 222
Captulo 4O Turismo e suas Modificaes: pgina 262
Consideraes Finais: pgina 313
Bibliografia: pgina 318
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O Aventureiro, Ilha Grande-RJ: uma anlise de mudana social
Todo o imperecvel apenas uma imagem potica! E os poetas mentem demais. Masdo tempo e do devir, devem falar as melhores imagens: um louvor deve ser, e uma justificao de toda a transitoriedade!. Nietzche: Assim Falava Zaratustra, Nas IlhasBem-Aventuradas, pp. 100-101.
Nossa natureza encontra-se no movimento; o inteiro repouso a morte. Pascal:Pensamentos, p. 64.
Introduo
Neste trabalho ser analisado o cenrio de rpida mudana social causado pela
crise do setor pesqueiro e, principalmente pelo crescimento do turismo (ps-desativao
da penitenciria Instituto Penal Cndido Mendes - em 1994) que se tornou a principal
atividade econmica do povoado do Aventureiro e de quase toda a Ilha Grande, situada
no litoral sul do estado do Rio de Janeiro. Neste cenrio de rpidas mudanas sociais,
procurarei demonstrar como os moradores do Aventureiro vivenciaram essas
transformaes e quais os efeitos sociais desse processo em curso, em meio a um
contexto de intensa especulao imobiliria naquela regio e de aumento da coero da
lei ambiental, que tende a criminalizar as prticas de subsistncia dos moradores do
Aventureiro, desde a agricultura, passando pela pesca e pela atividade mais recente do
turismo. Esta nova ordem jurdica, instaurada a partir da criao da Reserva Biolgica
Estadual da Praia do Sul em 1981, que inseriu a praia do Aventureiro e seus moradores
dentro de seus limites, teve como um de seus efeitos a tutela no apenas do meio
ambiente, mas dos prprios moradores do Aventureiro que se tornaram tambm objetos
da administrao pblica.
O Aventureiro Hoje
Na praia do Aventureiro vivem cerca de cem pessoas, que esto distribudas em
pouco mais de trinta casas. Em geral as casas dos membros de uma mesma famlia
nuclear se distribuem ao redor da casa dos pais nos terrenos contguos. Um morador s
pode construir sua prpria casa, com autorizao da FEEMA, quando se casa e constitui
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sua prpria famlia como veremos mais detalhadamente no segundo captulo. Em
funo das proibies da lei ambiental, que atuam ali desde a criao da Reserva
Biolgica Estadual da Praia do Sul no ano de 1981, percebe-se que as casas habitadas
tm todos os seus cmodos ocupados por moradores, em uma situao de superlotao
de algumas casas. As casas que possuem terrenos tm tambm maior rea para os
campings e em geral pertencem s famlias mais prsperas, que podem abrigar mais
turistas nas temporadas. Ao chegar no Aventureiro hoje em dia, em uma poca fora de
temporada turstica, o visitante se depara com poucas casas construdas de frente para o
mar, enquanto outras esto escondidas nas encostas pela cobertura vegetal. Muitos
terrenos no tm cercas e os caminhos entre eles so percorridos pelos moradores e
visitantes. Das casas que esto prximas areia, j se percebe nas varandas algumas
mesas e cadeiras que informam a existncia de um bar ou restaurante e, em geral, so ascasas mais beneficiadas por sua localizao geogrfica no que concerne aos campings.
Casa de um morador com um Bar de beira de praia, enfeitado com pinturas com motivos marinhos.
Os ranchos de pesca, que guardam as canoas ficam na praia e possvel observar
homens consertando suas redes de pesca em pocas de pouco movimento de turistas,
que podem estar secando ao sol. Dependendo da hora do dia se avistam os pescadoresrecolhendo as redes de espera e trazendo o produto da pesca daquele dia. Muitos
homens aproveitam o momento de pouca visitao turstica e realizam pequenas obras
de infra-estrutura em seus terrenos.
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Moradores realizando reparos nas redes de pesca, que sero utilizadas como redes de espera. Em geral essesreparos, em funo do tempo que demandam so feitos com mais freqncia nos perodos de baixa
temporada. Na alta temporada turstica muitos desses moradores estaro ocupados com as atividades noscampings e restaurantes ou no transporte dos passageiros.
Nas casas, as mulheres esto lavando roupa, cozinhando. De manh h pouco
movimento dos jovens e crianas, que em sua grande maioria esto na escola que fica
na praia vizinha do Provet. A escola do Aventureiro abriga os alunos menores (at a
quarta-srie) e possvel escutar as brincadeiras e a algazarra infantil que vem da
escola. Alguns moradores mais velhos saem para pescar nos costes rochosos com
linha, tanto de manh cedo quanto no fim de tarde. No incio da noite comeam osrudos dos motores dos geradores de energia eltrica movidos a leo diesel, que
possibilitam o funcionamento das televises, DVDs, aparelhos de som, computadores,
alm de ligarem os refrigeradores, que mantero a produo de gelo para preservar os
alimentos para o dia seguinte. O tempo de funcionamento dos geradores depende da
condio econmica de cada famlia, pois o preo do leo diesel impede que os mesmos
funcionem durante todo o dia. Da praia possvel ver as casas iluminadas e o brilho das
luzes por trs da mata das casas mais escondidas. Em geral, por volta das dez horas da
noite os motores so silenciados e as famlias vo dormir, pois no dia seguinte por volta
das seis horas todos j esto de p, seja para ir aula ou para recolher as redes de pesca
e fazer os trabalhos domsticos.
Se o visitante chegar em poca de temporada turstica (feriados e frias escolares),
a impresso ser totalmente diferente. A movimentao na praia intensa, com
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inmeros barcos chegando repletos de turistas. Nos terrenos das casas os turistas, em
geral, jovens em nmero equilibrado de homens e mulheres entre 15 e 25 anos,
basicamente, montam suas barracas de camping, enquanto os turistas que j esto
acomodados j esto na praia, com inmeras cangas estendidas, jogando frescobol, ou
praticando o surfe. J possvel, ento, notar o funcionamento total dos bares, com os
moradores trabalhando na venda de bebidas, principalmente a cerveja. A movimentao
de jovens intensa, assemelhando-se a uma grande festa. Logo pela manh iniciam-se
os trabalhos nas cozinhas que exalam o cheiro dos refogados do feijo e arroz, base dos
pratos- feitos que sero completados no final da manh quando comeam as frituras das
batatas e do peixe a milanesa, cardpio comum em todas as casas. Nessas ocasies os
chefes de famlia ficam em casa recebendo e organizando os turistas em seus terrenos,
com a ajuda de algum filho homem ou vizinho, a quem remunera, dependendo domovimento. As mulheres ficam na cozinha produzindo as refeies. A pesca em rede de
espera continua a ser feita pelos homens, j que boa parte do peixe consumido nos
pratos- feitos pescada pelos prprios donos dos campings. Neste perodo alguns donos
de barco do Aventureiro aproveitam para pescar com uma pequena tripulao, com a
rede traineira, cercando cardumes um pouco mais longe da costa para prover os
restaurantes com pescado. Em pouco tempo os turistas esto acomodados e se espalham
pelas praias do Aventureiro, do Demo, do Sul e do Leste. Um visitante desavisado no
seria capaz de distinguir um turista de um jovem morador do Aventureiro, com suas
tatuagens, piercings, grias, hbitos e roupas, em geral as bermudas de surfe. As
mulheres jovens do Aventureiro ficam mais em casa e no saem tanto quanto os homens
e no mostram tanto seus corpos ( muito raro ver uma moradora andando somente de
biquni pela praia). A maioria dos jovens do Aventureiro em poca de grande
movimento est trabalhando nos campings e restaurantes, j que o sucesso do trabalho
depende das famlias e da diviso das tarefas. Algumas famlias menores recorrem ao
pagamento de salrio para algum morador que precise de trabalho. Na alta temporada, o
visitante observa o grande movimento de barcos, lanchas e iates que passam por ali e o
funcionamento da cabine de barcos na areia da praia, em torno da qual ficam os donos
de barco do Aventureiro que transportam os turistas mediante um pagamento das
passagens. De noite os geradores de energia eltrica funcionam at o incio da
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madrugada, quando ainda grande a venda de bebidas alcolicas como a cerveja,
catuaba e vinho. Quando as luzes se apagam, os turistas e alguns moradores do
Aventureiro, em geral os mais jovens e do sexo masculino, fazem fogueiras na praia
para os luaus e ficam bebendo e tocando violo at mais tarde. Nos dias seguintes
prossegue essa movimentao intensa, at que o feriado chega ao fim e em questo de
horas as barracas so desmontadas e os jovens entram nos barcos em grupos para serem
levados para Angra dos Reis. Novamente o Aventureiro se esvazia e os moradores se
readaptam a outra rotina, em que aproveitam para realizar tambm as obras de infra-
estrutura a fim de estarem preparados para o prximo feriado.
Histria da Ocupao da Ilha Grande
De acordo com os relatos orais, os atuais moradores da praia do Aventureiro so
descendentes de pessoas que ali vivem h pelo menos quatro geraes. A Ilha Grande,
por sua vez, habitada h cerca de trs mil anos, de acordo com Tenrio (2006). Neste
perodo um grupo pescador, coletor e caador se apossou de um pequeno morro hoje
denominado Ilhote do Lestelocalizado na atual Reserva Biolgica Estadual da Praia
do Sul, em rea bem prxima praia do Aventureiro. De acordo com a autora (2006:
22) este um ponto estratgico, j que o Ilhote do Leste est localizado na boca de duas
lagunas, do Sul e do Leste, que eram maiores e ainda mais ricas em tainhas, que at
hoje, vm a elas para a desova. Estes antigos habitantes da Ilha Grande caavam
macacos e porcos-do-mato e se utilizavam de coquinhos e das folhas de palmeiras para
a cobertura das casas e dos troncos do guapuruvu para a elaborao das canoas. A
hiptese de utilizao de pequenas embarcaes por esses grupos reforada pela alta
incidncia do guapuruvu (uma espcie de rvore) na Ilha Grande, as lminas de
machado, adicionadas presena de peixes de guas mais profundas, alm do fato de
que esses grupos priorizavam as praias voltadas para alto-mar. A grande quantidade de
peixes encontrados nas fogueiras mais antigas do Ilhote do Leste refora a idia de que
esses grupos eram predominantemente pescadores (Tenrio 2006: 27) e ainda exmios
canoeiros que tinham alta mobilidade na costa (idem pp. 33). A forte relao com o
mar que tinham esses antigos habitantes da Ilha Grande fica evidenciada nos rituais
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funerrios. De acordo com Tenrio, golfinhos e outros mamferos marinhos eram
colocados sobre o morto em seu tmulo. Os vestgios desses grupos, considerados
como amoladores-polidores foram encontrados nos litorais sul e sudeste nas seguintes
localidades: Ilha de Florianpolis, na ponta das Laranjeiras-Paraty, Na Ilha Comprida-
SP, em Cabo Frio e Arraial do Cabo-RJ, na Ilha Grande-RJ e na Ilha de Marambaia-RJ.
As similaridades encontradas entre os amoladores- polidores fixos da Ilha de Santa
Catarina e da Ilha Grande permitiram a elaborao da hiptese de que foram deixados
por grupos que compartilhavam de uma importante caracterstica cultural: eram
canoeiros e se teriam dispersado atravs da navegao de cabotagem (Tenrio 2006:
26). De acordo com as evidncias arqueolgicas esses grupos teriam abandonado a rea
do Ilhote do Leste, o que permanece um enigma, j que a autora considera esse lugar
como um ambiente to propcio vida (Tenrio 2006: 32). Epidemias e disputas soas hipteses mais provveis para o abandono do ilhote do Leste que teria funcionado ao
mesmo tempo como templo, centro de trocas, local de habitao e de proteo (2006:
33).
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Marcas deixadas nas pedras pelos antigos habitantes da Ilha Grande, amoladores- polidores, no ilhote doLeste. Estes sulcos so resultantes da atividade de elaborar objetos polidos. No caso da Ilha Grande eram
lminas de machado feitas a partir de seixos encontrados dentro dos riachos que desembocam nas praias(Tenrio, 2006: 26).
Em um perodo posterior, a Ilha Grande foi habitada por ndios tupi-guaranis.
Capaz (1988 apud Ribeiro 2006:42) descreve os tupinambs como a tribo dominante na
regio da baa da Ilha Grande, cujo territrio abrangia de Cabo Frio a Ibertioga e deles
recebeu o nome Ipaum (Ilha) Guau (Grande). O navegador Andr Gonalves foi o
primeiro europeu a avistar a Ilha Grande em 1502, porm, foi apenas na ocasio de uma
expedio exploradora a Angra dos Reis, no ano de 1531, que foi feito o primeiro
registro oficial de sua existncia, para a Coroa portuguesa, por Martim Afonso de
Souza. De acordo com Wunder (2006: 109) existe uma hiptese de que na poca da
conquista portuguesa a Ilha Grande era habitada pelo grupo dos Goians (Apud Dunn,
Maciel & Magnanini, 1982), mas que mais provvel que seus vizinhos, os Tamoios
(um subgrupo dos Tupinambs) vivessem na Ilha (Apud Vieira de Mello, 1987; Nesi,
1990). So nos relatos de Hans Staden, que aparece o nome Ipaum Guau, j que o
marinheiro alemo viveu por meio ano na baa da Ilha Grande, na aldeia indgena deUbatuba, perto da atual cidade de Mangaratiba (Wunder 2006: 110). Tambm foram
esses antigos moradores que abriram as trilhas utilizadas at hoje. Os portugueses ao
longo do sculo XVI promoveram o desenvolvimento da cidade de Angra dos Reis,
vizinha Ilha Grande, que se tornou um importante porto continental e aumentou o
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interesse estratgico da Ilha Grande. A beleza da paisagem da ilha levou adoo
temporria do nomePlacentia. Neste perodo contrabandistas e piratas holandeses,
franceses e ingleses, que se abasteciam de gua potvel, frutas e lenhas na Ilha se
tornaram uma ameaa aos portugueses, que temiam o estabelecimento de colnias
hostis na Ilha Grande e, assim, proibiram completamente as incipientes tentativas de
colonizao, sendo que no sculo XVI apenas seis famlias portuguesas haviam se
estabelecido na ilha (Wunder Apud Nesi, 1990, p.21). At 1725 era proibido viver na
Ilha Grande e somente ao longo do sculo XVIII comearam os assentamentos (Wunder
apud Vieira de Mello, 1987, p.5).
Numerosas fazendas existiram no litoral sul do atual estado do Rio de janeiro nos
sculos XVIII e XIX, cujas runas podem ser vistas at hoje. Na rea da atual Reserva
Biolgica Estadual da Praia do Sul, a maior delas est localizada nas margens do rioCachoeira Grande e suas runas feitas de pedra-de-mo tinham como elemento
agregador um tipo de cimento feito com conchas e leo de baleia. O avano da
economia deplantation fez da Ilha Grande um significativo centro agrcola durante todo
o sculo XIX. A demanda por terras se multiplicou e grandes posses de terras foram
estabelecidas em locais como Abrao, Dois Rios e Parnaica. Os principais produtos
plantados eram a cana-de-acar, o cacau e o caf, este em menor escala j que beira-
mar sua produo baixa (Ribeiro 2006:44). De acordo com este autor, em relao
paisagem, portanto, o que temos hoje por natural pode se tratar na verdade de um
sistema manejado durante sculos e considera que o legado florestal atual seja produto
das relaes de populaes passadas com o meio (Ribeiro 2006: 40). O principal
produto agrcola era a cana-de-acar e, em 1808 foi fixada no Abrao uma grande
fbrica para produzir acar e lcool, e no final do sculo o nmero de engenhos de
acar havia subido para seis (Wunder apud Vieira de Mello, 1987, pp. 97-98). Como
efeito colateral do incremento da economia de plantation algumas fazendas da Ilha
Grande funcionaram como centros de recepo e ada ptao de escravos trazidos da
frica, que ali se recuperavam de sua viagem transcontinental, aprendiam o portugus e
se adaptavam nova comida e ao novo clima. Os escravos dessas fazendas
especializadas da Ilha Grande alcanavam excelente preo no mercado (Wunder apud
Nesi, 1990, p.28). Com o fim da pirataria, foram os comerciantes ilegais de escravos
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que passaram a buscar refgio nas tranqilas enseadas da Ilha. Apenas em 1850 a
marinha brasileira, sob presso inglesa, passou a patrulhar suas guas.
Entre 1893 e 1903 a antiga fazenda de Dois Rios foi convertida em priso, sendo
que desde 1886, a fazenda na vizinha praia do Abrao vinha sendo usada como hospital
de quarentena para imigrantes recm-chegados da Europa que fossem suspeitos de
portar doenas infecto-contagiosas (Wunder 2006: 113). No sculo XIX, a Ilha Grande
ficou gradualmente marginalizada dos centros de desenvolvimento econmico, apesar
de sua localizao privilegiada do ponto de vista geogrfico. Um primeiro marco do
declnio da produo agrcola na ilha foi a construo da estrada de ferro litornea,
aberta em 1864, e dessa forma com uma topografia de declive e com o caro transporte
por barcos no era possvel manter os preos da produo agrcola da Ilha Grande
competitivos frente produo do continente (Wunder 2006: 114-5).Baseado nos dados de Willems (1952) e Mussolini (1980), que realizaram
pesquisas no litoral norte do estado de So Paulo nas dcadas de 1940 e 1950, podemos
inserir alguns dados sobre o modo de vida das populaes litorneas do litoral sudeste
(em rea muito prxima da Baa da Ilha Grande, o que nos leva a crer que existem
possveis semelhanas nos modos de vida desses grupos sociais, permitindo uma
comparao). Em primeiro lugar podemos destacar o papel predominante da mandioca
na dieta dos habitantes do litoral do sudeste naquela poca, em que Mussolini define
esses grupos como populaes rurais do litoral (1980: 219). De acordo com Willems o
cultivo e a colheita da mandioca, assim como o preparo da farinha e a manufatura e
manuteno dos implementos usados nesse processo tomavam grande parte do tempo de
trabalho daquelas pessoas (Willems 1966: 37). A dieta dos habitantes naquele perodo
descrita por Willems e Mussolini como sendo base de farinha de mandioca e peixe
seco, alm de bananas verdes, servidas em um ensopado de peixe, dieta tambm
descrita em entrevistas pelos moradores do Aventureiro, como a base de sua
alimentao no passado e que at hoje um prato muito apreciado na culinria local.
Este autor ressalta que esta economia de subsistncia no era esttica e imutvel, pois os
habitantes da ilha Bzios de ento, j haviam cultivado o caf, e aps uma crise haviam
retornado pesca de subsistncia e ainda, durante sua pesquisa haviam comeado a
comercializar o limo da praia, que era comercializado em Santos. De acordo com
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Willems o preo pago pelo limo atraiu os ilhus para esta nova ocupao e que o efeito
imediato sobre a agricultura foi uma drstica reduo das reas cultivadas, mesmo
fenmeno ocorrido no Aventureiro anos mais tarde, tanto no incio da pesca embarcada,
que absorveu grande parte da mo-de-obra masculina, quanto com o turismo recente,
que absorve toda a mo-de-obra disponvel, alm de ser uma atividade mais lucrativa do
que a agricultura ali realizada. Willems aponta ainda que a mudana histrica das
plantaes de caf, para a agricultura mais ampla demonstra a capacidade dos ilhus da
ilha de Bzios de adotar e abandonar atividades de subsistncia. Esta histria de
mudanas rpidas e freqentes na economia, de acordo com este autor no podem se
moldar a um esteretipo aceito de um caiara imutvel (Willems 1966: 33). Alm
disso esses ciclos econmicos e a capacidade adaptativa dessas populaes do litoral
ocorrem porque essas populaes gravitam ao redor de centros maiores, tornando-seseus satlites, enviando-lhes sua parca produofarinha de mandioca, peixe, algum
caf (Mussolini 1980: 221). Esta autora ressalta ainda que ao lado da grande lavoura,
voltada para o mercado externo, tambm se desenvolveu uma agricultura de
subsistncia suplementar quela. De acordo com Queiroz, em todos os tempos houve
um campesinato livre brasileiro, coexistindo tanto com as fazendas monocultoras,
quanto com as fazendas de criao de gado e tendo a seu cargo a produo de
abastecimento para estas empresas e para os povoados. Sua coexistncia com as
monoculturas de exportao e com as fazendas de gado assumiu formas variadas
(Queiroz, 1976: 26).
O processo de mudana que ser descrito nesta tese ininterrupto como vimos
nesta breve introduo histrica e muito importante destacar que essas populaes
litorneas, entre as quais est inserido o povoado do Aventureiro, apesar de seu relativo
isolamento e de sua grande adaptao ao meio natural, que garantiu sua produo de
alimentos e a reproduo social ao longo do tempo, nunca foram auto-suficientes e
economicamente independentes, como ressalta Willems (1966: 99) e que sua
sobrevivncia sempre esteve vinculada ao contato com os grandes centros urbanos e s
trocas comerciais decorrentes desse contato. A partir dos relatos dos moradores e de
minha prpria observao podemos reconstruir, em parte, o passado recente do povoado
do Aventureiro, baseado principalmente nos marcos das pessoas e no passado lembrado
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por mim atravs de minha prpria experincia pessoal. Alm disso utilizo um texto de
Vilaa e Maia (2006), que realizaram uma pesquisa no local em meados dos anos de
1980 e complementam e reforam as lembranas dos moradores do Aventureiro a
respeito do passado recente.
De acordo com Vilaa e Maia (2006: 59), que realizaram sua pesquisa no
Aventureiro, no incio dos anos oitenta, a populao do Aventureiro vivia ali como um
povo, h muitas geraes, e parte substantiva de sua subsistncia sempre estivera
relacionada explorao dos recursos naturais: a pesca nas praias, a caa eventual na
floresta e a agricultura domstica voltada especialmente para a produo da farinha de
mandioca. De acordo com as autoras existiam, ento, dezessete roas no Aventureiro,
cujas reas variavam de 600 a 4.500 m2 em que eram cultivados a mandioca, o feijo, o
guando, o milho, a cana e a banana. A tecnologia aplicada era a queimada para aberturados terrenos, e a tcnica restrita ao uso do enxado, enxada e foice, no sendo utilizadas
mecanizaes de qualquer espcie. A posse de uma roa, para as autoras, que
caracterizava uma famlia nuclear no Aventureiro de ento (Vilaa e Maia, 2006:81), e
alm disso a roa seria muito mais que a produo de alimentos: ela produz famlias,
ncleos individualizados, fundamentais para a reproduo da sociedade (idem,
2006:85). A partir desses dados, portanto, percebemos que o passado recente do
Aventureiro muito diferente do momento em que realizei minha pesquisa no local,
entre 2002 e 2006, quando o turismo se torna a principal atividade econmica das
famlias.
Descrio geogrfica
Localizada na regio sul do estado do Rio de Janeiro, na baa de mesmo nome, a
Ilha Grande pertence ao municpio de Angra dos Reis. a maior ilha do estado, com
uma rea de 193 km2 e possui relevo bastante acidentado e inmeros picos, sendo o
mais alto, o Pico da Pedra dgua, com 1031 metros de altitude, seguido pelo Pico do
Papagaio com 982 metros. Na Ilha existem 106 praias, diversos cabos e enseadas. O
clima da regio ameno com temperaturas mdias entre os 26 C e 20 C. No entanto o
ndice pluviomtrico anual alto, atingindo cerca de 2302 mm. Seu sistema
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hidrogrfico composto por numerosos cursos dgua que descem pelas montanhas, s
custas dos quais as populaes de diversas localidades da Ilha Grande se abastecem.
Existem na ilha alguns rios de maior porte como o Capivari, Matariz, Andorinha, Dois
Rios e Crrego do Sul. rea de predomnio da Mata Atlntica e ecossistemas marinhos
associados, originalmente a Ilha Grande foi coberta por densa floresta. Ao longo da
histria os diversos ciclos econmicos marcaram a presena das populaes no local,
entre os quais o extrativismo de madeira, plantaes de acar e caf e criao de gado,
alm de formas mais recentes de trabalho como o turismo (verFERREIRA, 2004).
Mapa Rodovirio do Estado do Rio de Janeiro .
Mapa aproximado do Municpio de Angra dos Reis .
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A praia do Aventureiro mede aproximadamente 800 metros de extenso e tem
como vizinha, a pequena praia do Demo, com aproximadamente um tero de seu
tamanho, separada por um costo rochoso, sendo que durante a mar baixa, pode tornar-
se praticamente a mesma praia, quando as pessoas podem caminhar de uma praia
outra pela areia. Em geral, este trajeto, quando a mar est cheia, feito por uma trilha
na encosta. Logo aps a praia do Demo fica situada a praia do Sul, que s pode ser
alcanada pelo costo rochoso de aproximadamente 500 metros de extenso.
Vista da praia do Aventureiro do costo de pedra que leva praia do Sul.
Em pocas de ressaca, o mar impede esta caminhada, obstruindo a passagem at a
praia do Sul. A praia do sul mede aproximadamente 3km e termina no chamado ilhote
do leste. O ilhote, na verdade, um pequeno morro situado na desembocadura do canal
que drena as lagoas do Sul e do Leste, divide a praia do Sul e a praia do Leste, que
possui 1,5 km de extenso e esto separadas pelo canal do manguezal. No ilhote que
se encontram os stios arqueolgicos, as chamadas oficinas de pedra polida, ou seja,
sulcos nas rochas onde populaes pr-histricas afiavam seus machados e outros
artefatos. Nesta rea as escavaes arqueolgicas revelaram a presena de sambaquis e
stios de aterramentos. Todas essas praias, incluindo a do Aventureiro e a do Demo,
esto situadas no interior da Reserva Biolgica Estadual da praia do Sul, que apresenta
cinco ecossistemas em seu interior: restinga, lagunas, mangue, mata de encosta e costo
rochoso (Revista da FEEMA, no 2, 1991). Um quarto de sua rea constitui uma plancie
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arenosa, onde se desenvolve uma restinga de expresso singular no estado do Rio de
Janeiro e so estes atributos que se tornaram nos principais motivos que levaram este
local a ser transformado em uma Reserva Biolgica, j que os especialistas consideram
como uma das restingas mais bem preservadas do Estado. (Idem). As lagoas do Sul e do
Leste so criadouros naturais de fauna aqutica marinha de espcies como a tainha, o
camaro e o robalo. Alm do manguezal e da plancie, as matas de encosta e o litoral
rochoso somam da Reserva.
Mapa turstico da Ilha Grande. Neste mapa notamos a marcao das trilhas entre as praias e
algumas das Unidades de Conservao. A praia do Aventureiro est no canto esquerdo inferior da
imagem, na rea da Reserva Biolgica.
Entre as cidades e povoados de praias vizinhas ou de praias mais distantes da
prpria Ilha Grande, destaco os de maior importncia no cotidiano dos moradores do
Aventureiro e que fazem parte dos trajetos de deslocamento e das relaes econmicas e
afetivas das pessoas que ali vivem e sero descritos, de maneira breve, abaixo:
Angra dos Reis
O municpio de Angra dos Reis, do qual a Ilha Grande faz parte possui 814m2 de
superfcie e uma populao de 90.877 (IBGE, 1996). O municpio constitudo de uma
faixa de terra de mais de 100 quilmetros de comprimento, que se estende desde a praia
de Gratucaia (distrito de Jacuecanga) at o distrito de Mambucaba, no litoral sul do
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estado do Rio de Janeiro, incluindo a Ilha grande e as demais ilhas de sua baa. Nas
ltimas trs dcadas houve um aumento sbito da populao e a cidade se expandiu,
estendendo-se morro acima no centro da cidade, enquanto outra parte se espalhou na
formao de bairros perifricos. Tudo isso como resultado de ocupao intensa ocorrida
ao longo das ltimas trs dcadas em que a populao triplicou entre 1960 e 1990, fruto
dos empreendimentos que se estabeleceram em Angras dos Reis e da abertura da estrada
Rio-Santos na dcada de 1970. As reas de expanso no so ocupadas apenas por
famlias que acorreram para a regio procura de melhores condies de vida mas,
tambm por pescadores e outros moradores que repassaram suas posses nas ilhas e
regio costeira para particulares ou empreendimentos imobilirios, vindo a se
estabelecer nessas reas (LEITE LOPES 2004: 75-6). Entre as empresas que se
instalaram na regio esto o estaleiro da Brasfels (antigo Verolme), fundado em 1959, oTEBIG (Terminal de Petrleo da Baa da Ilha Grande - terminal da Petrobrs de
recepo de petrleo importado) e a Eletronuclear, a usina nuclear, fundada em 1972.
Outra importante fonte de renda para o municpio de Angra dos Reis o turismo. Para
os moradores do Aventureiro, Angra , como chamada localmente a cidade
grande, onde so feitas as compras de material de construo, de produtos para casa e
para os campings, onde esto os hospitais, bancos, cartrios e assim por diante.
Porto de Angra dos Reis. Cada praia da Ilha Grande e de outras ilhas da regio possui um local
especfico para o embarque e desembarque de passageiros e de carga.
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Provet
A Vila de Provet, 2a mais populosa da Ilha Grande-RJ com aproximadamente 3
mil habitantes, tambm a ltima vila que sobrevive de forma substantiva da pesca, ao
contrrio das demais localidades que passaram a viver do turismo aps a demolio do
presdio em 1994. no Provet onde trabalharam todos os homens do Aventureiro, que
viveram da pesca embarcada no passado recente, em algum dos muitos barcos da frota
de pesca deste povoado, que raramente atingido pelas ressacas de inverno, pois se
encontra em uma baa relativamente protegida pela ilha dos Meros. importante
destacarmos tanto o pertencimento macio da populao de Provet Assemblia de
Deus, que se estabeleceu por l h mais de 70 anos, quanto as possveis conformidades
desta crena com o modo de vida dos pescadores embarcados, como veremos nocaptulo 4. Era no povoado do Provet que eram vendidos os produtos agrcolas do
Aventureiro, em um passado recente, em que as famlias viviam das roas. A praia do
Provet est fora dos limites da Reserva Biolgica, embora fique a 1h30 minutos de
caminhada por trilha do Aventureiro. Este povoado fica do outro lado do morro, que
atinge 464 metros de altitude a sudeste do Aventureiro. No Provet fica a escola de 2
grau, freqentada pela grande maioria dos jovens do Aventureiro, que vo escola de
barco (viagem que dura de 30 a 40 minutos). Alm disso no Provet ficam mercados,
padaria, farmcias, posto de sade, luz eltrica, telefone entre outras facilidades que no
existem no Aventureiro. Os moradores do Aventureiro s realizam ali as compras mais
urgentes, em funo do preo mais elevado das mercadorias em relao Angra dos
Reis. Muitos moradores do Aventureiro tm parentes que vivem no Provet e o trnsito
entre os dois povoados constante.
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Vista da praia do Provet do alto da trilha que leva praia do Aventureiro.
Parnaica
A praia da Parnaica j foi a segunda mais populosa da Ilha Grande, segunda
praia habitada mais prxima do Aventureiro, (fica a duas horas de caminhada) em
direo norte. Atualmente, entretanto esta praia est praticamente desabitada, contando
com apenas duas famlias, que voltaram em funo do turismo depois da dcada de
1990. O povoado da Parnaica foi abandonado por seus habitantes, em torno das
dcadas de 1950 e 1960, supostamente em funo das constantes fugas de presos, pois a
penitenciria ficava na praia seguinte a da Parnaica, na praia de Dois Rios e tambm
pelo isolamento de seus moradores, que ficavam ilhados durante boa parte do ano em
funo do mar agitado, j que a Parnaica, assim como o Aventureiro fica voltada para
mar aberto. De acordo com os relatos orais, viviam mais de duas mil pessoas nesta
praia, que esconde na mata de restinga inmeras runas de casas, que comprovam a
densidade demogrfica, que ali existiu. na Parnaica que fica o cemitrio catlico do
Aventureiro. Hoje em dia a praia da Parnaica muito procurada por turistas, j que
alm da praia, h um grande rio de gua doce, com cachoeiras e por ser praticamente
desabitada mais vazia do que outras praias da Ilha Grande durante a alta temporada. A
Parnaica tambm est fora dos limites da Reserva Biolgica.
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Abrao
A vila do Abrao, que fica situada na praia de mesmo nome a mais populosa da
Ilha Grande, com mais de 3 mil habitantes. Este local pode ser considerado como a
porta de entrada da Ilha Grande, pois ali fica ancorada a maior frota de barcos de
passeios da regio, j que esta praia fica situada na parte protegida da baa da ilha da
Grande, em guas calmas, e ainda possui o porto para as barcas de passageiros que
chegam de Angra dos Reis e de Mangaratiba, no continente. no Abrao onde ficam as
principais pousadas e hotis da Ilha Grande e grande parte de sua populao composta
por pessoas de fora, que no so nascidas na Ilha Grande e que ali vivem do turismo.
Neste sentido podemos afirmar que o Abrao a capital da Ilha Grande, o local por
onde passam necessariamente as discusses sobre o futuro da Ilha Grande, de suaocupao, da preservao ambiental e do turismo. muito raro que um morador do
Aventureiro v ao Abrao, a no ser a passeio, mas no poderamos deixar de citar e
descrever este lugar em funo de sua influncia poltica sobre as demais praias da Ilha
Grande.
Dois Rios
A praia de Dois Rios, conhecida entre os moradores da Ilha grande como
Colnia, abrigou as instituies carcerrias da Ilha Grande por quase um sculo e este
fato foi determinante para uma criar uma configurao social especfica nesta praia. Os
moradores atuais dessa praia fazem parte de famlias de policiais ou ex-policiais ou de
ex- funcionrios que trabalharam para o estado nesta penitenciria, que foi desativada
em 1994. As casas seguem um padro de vila militar, com as casas de alvenaria todas
iguais seguindo o padro da hierarquia local (variando de tamanho de acordo com os
cargos que eram ali ocupados). Sendo assim, podemos afirmar que a praia de Dois Rios
representa um lugar totalmente singular na Ilha Grande, pois ali os moradores no so
agricultores, ou pescadores, como em outras praias e nem vivem do turismo como em
outros locais. As famlias vivem de salrios, penses e aposentadorias do estado por
serem ex- funcionrios da penitenciria. Em 1994, junto com a retirada dos presos, todo
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o aparato administrativo da penitenciria foi desfeito e, portanto, para muitos moradores
tanto de Dois Rios como do Abrao, a existncia da penitenciria significava a presena
de uma instituio forte e presente do governo na Ilha Grande. A praia de Dois Rios
ligada ao Abrao pela nica estrada existente na Ilha Grande, que existia para o
transporte de presos, pois o Abrao fica na parte de dentro da Ilha Grande me guas
calmas da baa de Angra dos Reis, enquanto a praia de Dois Rios fica voltada para o
mar aberto. Se no passado houve at uma moradora do Aventureiro que trabalhou na
casa do diretor da penitenciria, hoje muito raro que algum morador do Aventureiro
passe pela praia de Dois Rios, que fica do outro lado da Ilha Grande, a no ser quando
ocorre algum passeio fretado de barco, quando os turistas so levados para dar uma
volta por algumas praias da Ilha Grande.
Longa
A praia da Longa muito importante para os moradores do Aventureiro, em uma
relao existente desde muito tempo atrs quando o caminho para o continente para os
moradores do Aventureiro, na poca das canoas a remo, era feito atravs da praia da
Longa, por uma trilha que passa por trs da Lagoa do Sul, no caminho das antigas
fazendas que ali existiam, nas encostas ngremes da mata que fica entre as duas praias.
Esta trilha ainda existe, embora esteja quase sempre tomada pelo mato. Hoje em dia,
entretanto, os moradores do Aventureiro utilizam a praia da Longa como porto seguro
para seus barcos no inverno na poca das grandes ressacas, em que a praia do
Aventureiro no oferece proteo aos barcos, que seriam destrudos pelas ondas se ali
permanecessem. Alm disso, na praia da Longa em que fica o estaleiro mais prximo
para reparos e manuteno dos barcos. A praia da Longa fica dentro da baa de Angra
dos Reis, em guas calmas e protegidas e possui aproximadamente o mesmo nmero de
habitantes do Aventureiro.
Ao longo do trabalho, poderemos observar e analisar o processo de mudana
social, ao mesmo tempo em que nos deteremos na questo dos conflitos em torno da
questo fundiria, tornados mais agudos pelas restries da legislao ambiental, desde
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a instaurao da Reserva Biolgica no ano de 1981. O povoado da praia do Aventureiro
um caso singular na Ilha Grande, por ser o nico local em que os moradores1 mais
antigos, cujas famlias vivem ali h vrias geraes so os gestores do negcio do
turismo. Em outras praias, como Araatiba, Palmas, e, principalmente no Abrao, o
turismo desenvolvido e explorado por investidores oriundos de outras localidades,
sobretudo de centros urbanos como o Rio de Janeiro e So Paulo e at do exterior, de
pases como Frana, Itlia e Alemanha. Nesses locais os antigos moradores venderam
seus terrenos mais prximos da praia e habitam nas encostas dessas praias ou se
mudaram para algum centro urbano do continente, especialmente Angra dos Reis. No
Aventureiro, por sua vez, os moradores esto conseguindo se manter em sua terra de
origem por diversos fatores, mas principalmente pela existncia da Reserva Biolgica e
pelos efeitos sociais da tutela, que so resultantes da legislao ambiental e da presenade um posto da FEEMA no local (processo tornou ilegal a presena dos moradores, mas
tambm protegeu a rea da especulao imobiliria e da expropriao dos moradores
pela grilagem ou compra dos terrenos) alm do aporte importante de dinheiro oriundo
do turismo. Alm disso, os anos de convivncia com os turistas propiciaram uma troca
de informaes e de conhecimento que forneceu um capital simblico para os
moradores, que permitiu, por sua vez, uma atuao eficaz nos processo de negociao
pela permanncia do povoado e da atividade turstica junto aos rgos pblicos
(FEEMA, prefeitura de Angra dos Reis e Ministrio Pblico Estadual). Neste processo
de interao com os turistas, alguns desses se tornaram aliados privilegiados dos
moradores para outros circuitos, ampliando o capital das relaes sociais. A presena do
estado tambm foi importante para fixar as pessoas em suas casas, atravs da
inaugurao da escola de 2 grau na praia vizinha do Provet, no ano de 2000.
O principal objetivo desta tese observar e analisar um processo em curso de
transformaes sociais. Essas transformaes, ocorridas nos ltimos anos foram
propiciadas por diversos fatores entre os quais destaco em ordem cronolgica: a
abertura da rodovia Rio-Santos (trecho da BR-101) na dcada de 1970; a criao da
1 A prpria categoria morador um termo local de distino entre pessoas do Aventureiro e a s pessoas defora. A anlise em torno das categorias ser desenvolvida no segundo e terceiro captulos.
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Reserva Biolgica Estadual da Praia do Sul, em 1981; a desativao do Instituto Penal
Cndido Mendes na praia de Dois Rios, na Ilha Grande, em 1994; a exploso do
turismo na Ilha Grande, ps-desativao do presdio, que transformou a ilha Grande em
uma fronteira aberta ao mercado imobilirio e turstico; abandono progressivo da pesca
e da roa de subsistncia por parte dos moradores que passaram a administrar campings
em seus terrenos.
Neste processo necessrio analisar o processo de luta pela permanncia na terra
por parte da populao do Aventureiro, em um contexto mais amplo de expropriao
das populaes litorneas daquela regio pelos investimentos do grande capital
imobilirio e turstico, especialmente aps os anos 60 e 70, quando foram abertas
estradas que conectaram o litoral norte paulista e sul fluminense s suas grande capitais,
assim como pelos efeitos da legislao ambiental, que restringiu e proibiu antigas prticas de subsistncia. Estes fatos causaram at mesmo a mudana de muitos
moradores para as zonas urbanas, como veremos atravs da comparao com outros
casos ocorridos em regies prximas, entre o litoral norte do Paran, passando pelo
estado de So Paulo e pelo litoral sul fluminense (ver Cardoso, 1996; Diegues, 1996;
Prado, 2000; Nunes, 2003; Cunha, 2004 e Garrote, 2004). Como iremos perceber ao
longo da tese, as negociaes jurdicas tendem a ocorrer nos termos dos detentores do
capital simblico oficial, que produzem um discurso tcnico-cientfico (rgos
ambientais, prefeitura e Ministrio Pblico Estadual) e que aprendido e utilizado pelos
moradores. Neste sentido, o meio ambiente se torna o argumento e o vocabulrio
comuns em que as questes jurdicas so negociadas, como veremos mais
detalhadamente no segundo captulo. Algumas experincias recentes tambm
contriburam muito para a incorporao deste capital simblico urbano: a convivncia
de mais de dez anos com os turistas (que por sua vez compartilharam suas experincias
de vida distintas com as pessoas do local), a compra de barcos pelas famlias que
passaram a se deslocar para Angra dos Reis com muito mais freqncia e as compras de
aparelhos de televiso, com o aporte financeiro da atividade turstica, que permite a
disseminao de geradores de energia eltrica movidos a leo diesel. Entre os anos de
2000 e 2006 houve um acirramento da disputa jurdica pela propriedade e direito de uso
da praia do Aventureiro, na qual os moradores negociaram, com relativo sucesso, sua
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permanncia na praia do Aventureiro, alm da legalizao dos campingsjunto
prefeitura de Angra dos Reis e FEEMA (rgo ambiental do estado do Rio de
Janeiro). O auge da coero do poder pblico ocorreu no carnaval de 2006, em uma
grande operao policial e do corpo de bombeiros que retirou os turistas dos campings,
considerados como ilegais em todas as praias da Ilha Grande. Os moradores do
Aventureiro foram os que mais sentiram o impacto, economicamente falando, dessa
proibio total e imediata da atividade turstica. As negociaes, a partir da, tornaram-
se explcitas e passaram totalmente para o campo jurdico, j que na praia do
Aventureiro, os moradores acataram a deciso judicial que proibia os campings, sob
intensa vigilncia dos rgos estatais. Este processo, como veremos no segundo
captulo, nos mostra ainda de que forma so utilizadas categorias identitrias, que
passaram a determinar em grande parte a legitimidade ou no da permanncia dosmoradores no Aventureiro e que foram amplamente utilizadas tanto como fator de
acusao, quanto de defesa, - tais como caiara, populao tradicional, entre outras
- e de que maneira a sobrevivncia do povoado do Aventureiro depende da apreenso e
interpretao deste novo capital simblico, que vem sendo apropriado localmente em
um processo histrico de interao e de circulao de diferentes tradies de
conhecimento entre os vrios agentes sociais, tornando possvel o estabelecimento de
um dilogo entre as partes, mediado pelo Ministrio Pblico e pela ao personalizada
de cada um dos procuradores, dos funcionrios pblicos e dos moradores, entre outros.
Neste sentido utilizo a premissa de Barth de que os grupos sociais no constituem
unidades fechadas, e autocontidas, cujo contato com outras unidades pode representar
uma ameaa para suas identidades. Ao contrrio justamente o fluxo de pessoas
atravs das fronteiras culturais, o responsvel por essas diferenas e essas identidades.
Assim ao invs de detectar e descrever os contedos que compem as identidades dos
membros de um dado grupo, no caso dos moradores do Aventureiro, busquei
acompanhar, empiricamente, os esforos dos atores sociais que se dedicam a criar e
preservar a identidade de seus grupos ao implementar diversas aes identitrias
(ver Barth, 1969; Gurios, 2007). Como veremos ao longo do trabalho, uma das formas
privilegiadas de produo dessas identidades ocorre justamente na criao e
manuteno de uma memria coletiva, que utilizada como suporte para as
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reivindicaes de carter identitrio, como vemos no processo de negociao jurdica,
como o que ocorre no caso do Aventureiro. Destaco, entretanto, que o conceito de
identidade, como afirma Gurios (GURIOS, 2007: 22), no o mais adequado para
tratar dos diferentes fenmenos sociais referenciados sob esta rubrica. Alm disso o
conceito de identidade seria impreciso e vago, pois se por um lado homogeneza e
totaliza os grupos e indivduos, por outro lado, esse processo constante de construo e
mudana de identidade impe dvidas quanto a utilizao de uma nomenclatura que
remete a um objeto substantivo e concreto (Idem). Seguindo o pensamento deste autor,
no pretendo neste trabalho utilizar os conceitos de memria ou de identidade como
ferramentas analticas, mas tratar dos fenmenos empricos usualmente estudados sob
essas duas rubricas.
O meio ambiente e as categorias identitrias citadas acima se tornam umvocabulrio que utilizado pelas partes na soluo dos conflitos de terra. A entrada na
justia por parte dos moradores configura o que podemos chamar de uma regulao das
relaes sociais atravs do direito e neste momento em que o conflito se torna
explcito, como afirma Sigaud (1994, pp. 165), revelando a fora do direito e que nos
permite perceber algumas das implicaes da passagem das obrigaes garantidas por
entendimento s obrigaes garantidas por um aparelho de coero.
Para que possamos compreender quais eram essas obrigaes garantidas por
entendimento, necessrio descrever o surgimento do posto da FEEMA na praia do
Aventureiro com a criao da Reserva Biolgica e a interao que ocorre entre os
moradores e os funcionrios que ali residem. Este assunto ser tratado no segundo
captulo, mas adiantamos algumas informaes para o melhor entendimento dos
processos nesta introduo. Na praia trabalham trs funcionrios da FEEMA, dois
moradores e um externo. importante destacar que um funcionrio permaneceu neste
posto por treze anos seguidos, o que implica ainda uma relao altamente personalizada
e em que essas obrigaes pessoais regem grande parte da gesto da Reserva Biolgica.
Em 2006, porm, uma moradora, que conheceu o Aventureiro como turista e se casou
com um morador (ento presidente da Associao de moradores) substituiu esse
funcionrio. Este fato tem implicaes muito significativas no processo de luta pelos
direitos de permanncia na terra e de compreenso dos processos de mudana que
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levam os moradores a produzirem sua prpria modernidade e que afirmam a auto-gesto
dos rumos do povoado do Aventureiro, independente do controle de rgos ambientais e
de agentes do governo ou de setores ambientalistas e grupos sociais investidores do
setor turstico, alm de proprietrios de terras na Ilha Grande. Existem mltiplos
aspectos dessa interao entre os funcionrios da FEEMA e a populao, que ocorre em
um territrio tutelado e que pretendo descrever e analisar, tais como as representaes e
condutas de cada um dos atores, bem como o mtuo controle das expectativas e
impresses de cada um (ver OLIVEIRA, 1994, pp.82). nesse contexto tambm que
podemos compreender o exerccio de poder dos moradores, que se manifestou em
inmeras ocasies como uma insubmisso ou desobedincia e que em muitos momentos
fizeram valer sua vontade, coletiva ou individualmente e que sob constante presso de
expropriao, se mantm at hoje morando na praia do Aventureiro e gerindo seusprprios negcios. O acordo firmado no final do ano de 2006 ilustra esse processo de
instaurao de uma ordem jurdica para regular os conflitos e tambm, como demonstra
a Sigaud (idem), para que o direito possa exercer toda a sua fora necessrio todo um
trabalho de mediao, como observamos na atuao de funcionrios do Ministrio
Pblico, da prpria FEEMA e de membros de ONGs e de pesquisadores de
universidades, que em propores diferentes contriburam para o acordo firmado entre
as partes para o desfecho temporariamente favorvel aos moradores.
Neste cenrio de rpida mudana social, analiso a partir de uma perspectiva
histrica, o processo de construo da autoridade local e de transformao das relaes
de poder no Aventureiro, ocorridas com a criao da Reserva Biolgica e com a
posterior entrada do turismo. Como poderemos observar um tipo de autoridade racional
e legal, nos termos de Max Weber, passou a conviver (e a se impor em muitos
momentos) com a autoridade de tipo tradicional (representada principalmente pelos
donos de barco e pelos mais idosos do Aventureiro), a partir da criao da Reserva
Biolgica em 1981. Na medida em que o povoado ficou inserido dentro dos limites da
Reserva Biolgica e passou a conviver sob a tutela do rgo ambiental, o peso da
autoridade estatal e da dominao legal-racional, sob critrios legais e cientficos
ganhou um peso muito maior na vida cotidiana, tornando-se inclusive a linguagem
oficial em que os conflitos jurdicos sobre a posse da terra so negociados e resolvidos.
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Este processo se deu, historicamente, a partir de intervenes do Estado que
transformaram por completo a vida das pessoas, sobretudo das que viviam em povoados
mais isolados nas ilhas e enseadas da baa da Ilha Grande.
Com a desativao da penitenciria, e a chegada dos primeiros turistas
mochileiros, em um perodo de crise do setor pesqueiro, os moradores do Aventureiro
passaram a viver do turismo, abandonando algumas prticas como as roas de
subsistncia, e principalmente, por parte dos homens, o trabalho na pesca embarcada
assalariada. O maior fluxo de dinheiro, como veremos mais detalhadamente no quarto
captulo, alm da nova atividade econmica, que lida diretamente com os clientes, que
so os turistas, trouxeram transformaes e entre elas podemos citar que houve maior
diferenciao econmica entre as famlias e uma acumulao de capital sem precedentes
na histria do povoado. Alm disso, com a melhoria da condio financeira dasfamlias, foi possvel a compra de um nmero maior de barcos. Como veremos no
terceiro captulo, a posse do barco libera uma famlia da obrigao em torno da dvida
que adquire ao pegar caronas com o dono de algum barco e, portanto, existe uma
relao direta entre a posse do barco e a autoridade local sendo que a compra de mais
barcos descentraliza o poder local, que dividido em torno dos novos proprietrios de
embarcaes. Este fato acaba liberando, ao mesmo tempo, os moradores de dever
obrigaes a donos de barco com os quais no tem boa relao, podendo, ento, recorrer
a algum amigo ou parente mais prximo para ir e vir do Aventureiro. Observei, a partir
desse fato, que houve a participao de praticamente todas as famlias na disputa
jurdica, e um dosmotivos dessa mobilizao foi a compra de mais barcos entre um
maior nmero de famlias, que se sentiram com fora suficiente e autonomia, alm do
interesse econmico imediato no negcio do turismo, para fazer parte do processo de
deciso e negociao com o poder pblico.
Com o turismo as famlias tiveram uma convivncia e interao com um nmero
muito maior e mais diverso de pessoas a que os moradores do local estavam
acostumados no passado, em um processo contnuo de diminuio do isolamento e de
aproximao com os centros urbanos e com sua tradio prpria de conhecimento;
houve a convivncia dos moradores com pessoas de estilos de vida muito diferentes dos
seus prprios e entre si e houve o aprendizado e uma significao local dos novos
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signos e smbolos urbanos e metropolitanos, ou seja, de um novo capital simblico e de
novos habitus. A partir da maior independncia das famlias na administrao dos
campings e do fim dos trabalhos comunitrios, como o mutiro, a pesca coletiva de
arrasto da tainha, (assuntos tratados no primeiro captulo) por exemplo, houve uma
maior impessoalidade nas relaes pessoais no local causada especialmente pela entrada
de um maior aporte de dinheiro para cada famlia, pois o dinheiro libera o indivduo de
um tipo de rede de obrigaes pessoais, que se transformam em prestaes monetrias
entre eles (ver SIMMEL, 1977). O principal exemplo desse processo est na construo
das casas, que antes era feita de estuque (pau-a-pique), atravs do trabalho comunitrio
do mutiro e que hoje realizado por moradores que so pedreiros, que recebem pela
tarefa e com material de construo comprado em lojas de Angra dos Reis.
O caso do Aventureiro tambm demonstra que se por um lado ocorre o processode individualizao, ao mesmo tempo o povoado do Aventureiro demonstra grande
coeso e capacidade de organizao no processo de disputa pela permanncia na terra e
com o direito de viver do turismo, ou seja com o direito de transformar seu modo de
vida. Ao apresentar e reconstruir o passado recente dos moradores no primeiro captulo,
atravs das histrias de vida e de suas lembranas e dos relatos, alm de minha
observao e participao neste processo, eu procuro demonstrar quais fatores
contriburam para esta coeso dos moradores na negociao jurdica, atravs de sua
Associao de Moradores e da fora e capital dos donos de barco. Entre os principais
fatores destaco: a srie de obrigaes e dvidas morais, entre as pessoas e famlias, em
um povoado de pouco mais de 100 habitantes, que mantm aspessoas comprometidas
umas com as outras. Estes laos explicam, em grande parte, a atuao dos moradores
em associao e um certo grau de unio nas tomadas de deciso a respeito dos
problemas fundirios existentes no Aventureiro. Estes laos de obrigao entre os
moradores remontam tambm s formas antigas de trabalho comunitrio que criaram
um elo entre os moradores, baseado em uma srie de obrigaes mtuas, como o
mutiro para construo de casas, a abertura dos terrenos para roas, o arrasto de praia
da tainha e o compartilhamento das casas de farinha. Alm disso, as constantes fugas de
presos no perodo em que havia a penitenciria na Ilha Grande, especialmente desde as
dcadas 1970 e 1980, quando houve um aumento da violncia urbana, que passou
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tambmpara dentro das penitencirias, os moradores do Aventureiro tinham que passar
a noite na praia armados, vigiando a passagem de fugitivos na praia, enquanto as
mulheres dormiam com seus filhos uma nas casas das outras, enquanto seus maridos
estavam trabalhando na pesca embarcada durante o ms. Por ltimo o antagonismo com
a FEEMA, que vem desde a instaurao da Reserva Biolgica em 1981, tambm
favoreceu o posicionamento e a resistncia e a capacidade de organizao dos
moradores, apesar das rivalidades locais, frente ao adversrio externo.
A praia do Aventureiro, com suas encostas ngremes e os costes rochosos no mar
uma terra em constante processo de conquista por parte de seus habitantes, que foram
obrigados a vencer as adversidades naturais e adaptarem -se a elas, alm das
adversidades polticas impostas pela especulao imobiliria e pela legislao
ambiental. Os moradores, que conviveram ali com uma situao de relativo isolamento,com suas dificuldades inerentes, inventaram e adaptaram-se a tcnicas de lavoura e
pesca, conviveram com o perodo de constante fuga de presos do presdio e,
posteriormente, com sua permanncia tornada ilegal, pela instaurao da Reserva
Biolgica, passaram a se sentir ameaados pela possibilidade constante de remoo ou
perda de suas casas, uma possibilidade nunca totalmente afastada, desde o projeto
inicial da Reserva que previa a remoo do povoado. Em funo, principalmente da
penitenciria e da Reserva Biolgica, percebemos, em muitas ocasies que a presena e
atuao do Estado estigmatizada pela populao. Essas duas grandes intervenes
estatais, a construo do Instituto Penal Cndido Mendes e a instaurao da Reserva
Biolgica representaram uma ameaa permanncia dos moradores em seu local de
nascimento, sendo que essa ameaa, em muitos sentidos, como vimos, aumentou a
coeso do grupo e conferiu um carter de resistncia em um sentido mais amplo do que
a de vencer os obstculos e desafios naturais.
Embora tenha percebido durante a pesquisa que existe muita competio e
concorrncia entre as pessoas e famlias, essa organizao social local impe limites de
convivncia e respeito a uma ordem construda localmente, impondo uma conduta
sempre vigiada e julgada por todos e da qual depende o prestgio do morador. Um bom
exemplo dessa organizao pode ser percebido no caso das cabines de barco, - (assunto
que ser tratado mais a fundo no terceiro captulo) - inveno dos prprios moradores.
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A AMAV (Associao de moradores do Aventureiro) foi criada sob a presso de um
inqurito civil pblico instaurado no ano de 1999, que pedia inclusive a remoo do
povoado dos limites da Reserva Biolgica. A criao da cabine de barcos foi uma
medida tomada pelos moradores para ordenar o conflito de autoridades, entre os donos
de barco na disputa pelos lucrativos fretes de turistas. Se por um lado a cabine visa
controlar a entrada e sada de turistas e proteger os donos de barco do Aventureiro da
concorrncia com os donos de barco de outras praias e de Angra dos Reis, pois s
permitido ao turista chegar na praia em um barco de fora e nunca sair (a no ser que
todos os barcos do Aventureiro estejam lotados), por outro tambm unifica o preo de
passagens e ordena a sada de turistas, com as passagens compradas para cada barco,
que obedecem uma fila e assim impede a competio entre donos de barco rivais da
prpria praia do Aventureiro.Esses fatores de mudana, como perceberemos ao longo do trabalho, criaram a
seguinte situao: os moradores do Aventureiro, enquanto produtores independentes,
isto , enquanto gestores do turismo local passaram a ser concorrentes diretos de
grandes empresrios do setor turstico. A praia do Aventureiro passou a integrar o
circuito turstico nacional e at internacional. Como a situao jurdica da praia mal
resolvida, pelo fato da Reserva Biolgica ter sido instaurada em 1981, sobre a
populao que ali habita a mais de dois sculos, o turismo desenvolvido no Aventureiro
no pde sertotalmente legalizado e assim tambm no so cobrados os impostos pela
prefeitura de Angra dos Reis. Alm disso o tipo de turismo realizado na praia do
Aventureiro muito peculiar no cenrio da Ilha Grande, pois constitudo inteiramente
pelo camping, j que ali no existem pousadas. Este tipo de turismo praticado
principalmente por jovens de classe mdia urbana, especialmente os surfistas, de faixa
etria entre os 15 e os 25 anos e, assim, no um turismo to caro, fator importante de
atrao das grandes multides de jovens que freqentam o Aventureiro nos feriados. Os
grandes proprietrios de terrenos e casas de outras praias da Ilha Grande so contrrios
a esse tipo de turismo realizado no Aventureiro, especialmente pela atrao de um
nmero elevado de pessoas e pelo preo acessvel dos campings e da estadia dessas
pessoas. Esses turistas receberam a alcunha de duristas, por alguns setores sociais
(vrias reportagens saram nos grandes jornais cariocas considerando esse tipo de
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turismo como predatrio) e so vistos como um turista indesejado na Ilha Grande,
principalmente por esses grupos econmicos que exploram o turismo de classe alta e de
luxo. importante destacar que esta viso, no compartilhada pelos moradores do
Aventureiro, pois como demonstra Wunder(2006), o turismo de camping no
Aventureiro um grande negcio e que movimenta importante soma de dinheiropara a
melhoria das condies econmicas das famlias, como veremos no quarto captulo.
Neste debate a respeito de qual turismo deve ser realizado na Ilha Grande, algumas
propostas como a cobrana de taxa para visitantes, alm do limite de pessoas na Ilha
Grande esto em circulao, assim como a desativao da barca entre Mangaratiba, no
continente e o Abrao. Essa barca custava, na poca da pesquisa R$ 3,00 e vista por
grandes empresrios como uma das causas da superlotao da Ilha Grande.
No ano de 2006, durante o Carnaval, a prefeitura de Angra dos Reis, promoveu,junto com a FEEMA e a Polcia Militar, a operao Angra Legal, que retirou todos os
turistas que estavam em acampados em campings considerados ilegais. Na verdade o
principal alvo da operao foi a praia do Aventureiro, reforando assim a condio de
ilegalidade do povoado e representando o fim do acordo tcito entre moradores e a
FEEMA, forjado aos poucos na vida cotidiana, desde o ano de criao da REBIO, em
1981 (como veremos com mais ateno no segundo captulo). A Reserva Biolgica,
enquanto Unidade de Conservao mais restritiva nos termos da lei e que probe a
presena humana em seus limites, ao se sobrepor territorialmente a um povoado que j
existia no local h pelo menos dois sculos criou uma situao particular de panoptismo
quase total, ou seja, de vigilncia ininterrupta dos comportamentos uns dos outros, no
s por parte dos funcionrios da FEEMA, mas por parte dos prprios moradores. Como
veremos no segundo captulo, critrios locais de justia e de conduta surgiram nesta
vigilncia de todos por todos, criando um direito local entre as partes (moradores e
funcionrios) de que quem casa, faz casa, ou seja, um morador no pode em hiptese
alguma alterar sua moradia e seu terreno e muito menos construir uma casa nova, se no
houver o casamento de um filho, pois se um morador o fizer, o outro tambm se sentiria
no direito de fazer e, nesse momento em que so feitas as denncias das
irregularidades aos fiscais da FEEMA. Alm disso, neste momento que o funcionrio
da FEEMA se coloca na posio de doador ao conceder o direito construo de uma
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casa para um morador. As multas aplicadas pela prefeitura de Angra dos Reis no ano de
2002, tambm tiveram grande impacto simblico nesse contexto de vigilncia que
existe na praia do Aventureiro. Esta situao particular propiciada em funo das
ambigidades jurdicas em torno da presena do povoado nos limites da Reserva
Biolgica.
A eficcia da remoo dos turistas e a ameaa de multas e punies pelo poder
pblico, alm de reforar a crena no poder do Estado, tornaram explcito o conflito de
terras no Aventureiro e trouxeram de volta a possibilidade, nunca afastada desde a
criao da ReBio, de remoo da populao, seja por meios legais ou pela asfixia
econmica, pois sem o turismo a populao ficou sem sua nica atividade econmica
significativa do presente, no ano de 2006. A partir desse evento teve incio um processo
de negociao nos termos da lei em vrias reunies com a prefeitura e a FEEMA e coma entrada do Ministrio Pblico Estadual a favor da permanncia dos moradores na
praia do Aventureiro. Se, por um lado pude perceber e acompanhar a negociao
institucional e burocrtica, por outro observei as novas estratgias de sobrevivncia que
se estabeleceram no local, em funo do desemprego generalizado causado pela
operao Angra Legal. Alguns moradores criaram espao no interior de suas casas para
receberos turistas, enquanto houve tambm a intensificao da pesca nos barcos locais.
Outro fato importante foi a mudana de algumas famlias para Angra dos Reis, em
busca de trabalho.No final do ano de 2006, entretanto, um acordo foi firmado entre as
partes, sob presso do Ministrio Pblico Estadual, em que o camping foi
temporariamente legalizado, desde que cumprindo uma capacidade de carga (nmero de
visitantes) e sob a condio de que o povoado do Aventureiro fosse retirado, em um
prazo estabelecido, dos limites da Reserva Biolgica e recategorizado como outra
Unidade de conservao compatvel com a presena humana e com a atividade
econmica ali realizada, dentro dos termos do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de
Conservao). O papel do Ministrio Pblico tambm merece ateno neste trabalho,
pois se em 1999, um funcionrio deste rgo levou adiante acusaes de ambientalistas,
pedindo a remoo dos moradores, no ano de 2006, outro funcionrio do mesmo rgo
exigiu a permanncia da populao em suas terras ancestrais, sendo que em ambos os
casos, a preservao do meio ambiente foi um argumento comum, tornando-se uma
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linguagem em que se negociam as questes e se resolvem os conflitos, considerando os
moradores em um primeiro momento como degradadores e, em um segundo momento
como os responsveis pela preservao da natureza na praia do Aventureiro. Nesse
contexto alm de pesquisador, participei como ator legitimado entre as partes, junto
com outros pesquisadores de universidades, em defesa da permanncia dos moradores
na praia do Aventureiro.
Metodologia
Ao longo do trabalho pretendo seguir uma premissa de Webere compreender
interpretativamente a ao social, a fim de poderapresentar e interpretar as mudanas
sociais ocorridas na praia do Aventureiro ao longo dos ltimos anos. Retomo, portantoalgumas definies bsicas desse autor que define ao como comportamento humano
em que o agente ou os agentes o relacionem com um sentido subjetivo (WEBER,
2000, p.3). Neste sentido, as entrevistas e a longa convivncia com os moradores do
Aventureiro permitem uma insero mais profunda nos domnios da subjetividade
dessas pessoas, o que nos permite, por sua vez, uma compreenso mais profunda e
complexa da ao social2.
Os tipos ideais de ao social fornecem um instrumental valioso para o
pesquisador compreender a vida social e poder estabelecer as conexes de sentido
compreensveis para uma explicao do curso efetivo da ao (WEBER, 2000, p.6). A
partir das entrevistas e da observao do cotidiano das pessoas no Aventureiro, e para
isso as trajetrias de vida tm um papel fundamental, ser possvel compreender, na
tica e com o sentimento das pessoas envolvidas, o que representam essas mudanas e
2A ao social, por sua vez definida da seguinte maneira: ao que, quanto a seu sentido visado
pelo agente ou os agentes se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso(WEBER, Idem). A ao social alm disso pode ser determinada por Weber das seguintes formas: de
modo racional referente a fins: por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e
de outras pessoas condies ou meios para alcanar fins prprios; de modo racional referente a valores:
pela crena consciente no valor tico, esttico, religioso; de modo afetivo (emocional) e de modo
tradicionalpor costume arraigado.
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para isso estaro em jogo aes racionais, decises, estratgias, afetos, valores morais e
religiosos, a tradio, os conhecimentos empricos e em ltima instncia a busca de uma
realizao e um sentido para a vida das pessoas. Ao fazer a pesquisa fiz verdadeiros
laos de amizade no Aventureiro. Esta convivncia me fez presenciar grandes e
pequenos dramas, dores, alegrias, mortes, nascimentos, acontecimentos banais, entre a
infinidade de eventos que ocorrem entre as pessoas em suas vidas. Esses
acontecimentos que, em grande medida, acabam povoando as mentes dos indivduos,
movimentando a vida social e, o mais importante que muitos desses eventos,
aparentemente banais do cotidiano so questes primordiais para compreender o
convvio humano, verdadeiro magma em que se formam as relaes sociais mais
complexas.
Em primeiro lugar me considero um pesquisador privilegiado por ter tido a
oportunidade de realizar uma pesquisa de longa durao com os moradores do
Aventureiro e ter observado, e at, em certa medida, participado o processo de
transformaes sociais ocorrido neste povoado. Para realizar este trabalho me apoiei em
observao do cotidiano do povoado do Aventureiro em diferentes momentos, seja nos
feriados, seja na baixa temporada. Alm disso visitei o lugar pela primeira vez em 1995,
apenas seis meses depois da desativao do presdio e assim, utilizo minhas prprias
lembranas, em conjunto com os marcos histricos lembrados e citados pelos
moradores. Alm das visitas prvias, como turista, Ilha Grande, acontecidas em julho
de 1995, janeiro de 1996 e julho de 1999, visitei, como pesquisador, a Praia do
Aventureiro e do Provet entre os dias 11/07 e 15/07 de 2002 e entre os dias 15 de
agosto e o dia 10 de setembro de 2003, durante minha pesquisa realizada para a
dissertao de mestrado. Em pesquisa para a redao da tese de Doutorado, visitei o
Aventureiro, entre os dias 5 e 20 do ms de dezembro de 2004, entre os dias 30 de abril
e 18 de maio, entre os dias 2 de agosto e o dia 20 de setembro e entre os dias 10 e 17 de
outubro de 2005. Em 2006, visitei o Aventureiro entre os dias 10 e 22 de maio e entre
os dias 8 e 30 do ms de outubro, alm do ms de janeiro de 2007 (entre os dias 5 e 25).
Em Angra dos Reis acompanhei os moradores do Aventureiro em suas idas s reunies
convocadas pelo Ministrio Pblico Estadual nos dias 5 de julho e 23 de novembro de
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2006, embora no tenha obtido autorizao para participar da reunio, entreguei o
documento pr-Aventureiro assinado por diversos pesquisadores contrrios proibio
dos campings e possvel expulso dos moradores da praia do Aventureiro.
Para realizar este es tudo foi necessrio, tambm, recuperar parte da histria
recente do povoado do Aventureiro na Ilha Grande-RJ, que conta com pouca
bibliografia disponvel e assim, pretende tornar mais claras questes como as dinmicas
de poder local, e a mudana no estilo de vida e nos prprios sentimentos das pessoas
que vivem no Aventureiro.
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