1
O autor HELIO ESPERIDIÃO DA CRUZ
Nascido em 11/01/1941, na cidade de Diamantina, Minas Gerais.
Seus pseudônimos são: Acorienim, Miache Confuso, Achei e MC.
2
DEPRESSÃO
Agradecimento
A Deus, meu criador, por me dar a capacidade de ressurgir das cinzas.
3
DEPRESSÃO
Dedicação
Ao meu querido e amado filho André Luiz Ferreira da Cruz, pela fantástica e
indescritível experiência, que estamos passando com o evento ocorrido em vinte e dois de
Outubro de 1990, em Volta Redonda, que nos faz sofrer após tantos anos.
4
DEPRESSÃO
Apresentação
- Não se preocupe, ele esta bem! Ele ficara bom dentro em breve.
- O trabalho que terão será só em dar banho nele por alguns dias.
Com estas noticia dos amigos, alegria volta, a tensão desaparece, a descontração
retorna nos deixando muito alegre.
Por volta das vinte e duas horas, peguei o Comanche, meu pastor belga manto
negro, para dar uma volta no bairro. Este pastor foi um presente de grego que ganhei em
um aniversário, que me foi dado por minha esposa. Retornei por volta das vinte duas e
vinte e cinco minutos, o telefone começou a tocar, a Toínha atendeu:
- Hélio, é para você.
Entreguei o Comanche para a Heliane e atendi a ligação.
- Sr Hélio, lamento muito informar que, o seu filho André faleceu às vinte e duas
horas e vinte e dois minutos, deste dia vinte e dois de Outubro de mil novecentos e
noventa.
Faleceu... Faleceu... Era como se eu quisesse descobrir o significado desta palavra.
Meu filho não Deus! Porque ele e não eu? Minha filha desmaiou, minha esposa gritava
desesperadamente:
- André! André! André! Uma força estranha e desconhecida começou a tomar
conta de todo o meu ser. Era como se eu estivesse em frente a um túnel escuro procurando,
não sei se queria ver o André ou eu mesmo.
O falecimento de um filho, no inicio de seu amadurecimento, transpassados todos
os seus problemas, com toda força e vigor dos vinte e quatro anos. Esta inversão da lógica
nos leva a navegar em direção a um lugar desconhecido. Descemos para um buraco sem
fim, onde nos sentimos bem, por estarmos a sofrer por aquela irreparável perda, imposta
5
a nos seres vivos por nossa desobediência. Só com muita fé e ajuda esforço e dedicação,
podemos estabelecer uma saída honrosa para confortamos.
Após depositar o corpo do meu filho André em sua ultima morada, iniciei a
descida para aquele buraco negro, frio e desconhecido. Ali me sentia bem, quanto mais
chorava e sofria, mais me fazia bem. Deste jeito, permaneci neste lugar, por quatro longos
anos. Cheguei ao ponto de fazer uma casa no local que estava destinado para ele, ao lado
da nossa no Vidigal. Pensava se fizer a casa dele e tocar o seu pandeiro dentro dela, irei vê-
lo. Estava obstinado em ver fisicamente como era.
Ser ajudado pela família e pelos amigos é fundamentalmente importantíssimo.
Graças dou por ter acontecido comigo, meus amigos me ajudaram a tocar a obra de
minha casa que havia iniciado no Vidigal, o pensamento sempre o mesmo a cena de tudo
vivido a partir daquele dia não me abandonava, minha cabeça fervilhava misturando
todos os pensamentos. Poucos dias após o acontecido meus amigos e companheiros de
serviço faziam de tudo para me ajudar.
Meu afilhado de casamento o Clovis ficava do meu lado, após todos irem embora,
me confortava tocando vários assuntos comigo sem tocar no ocorrido. Certo dia me
entregou uma folha onde continha o seguinte texto; a morte prematura, é um grande
benefício que Deus concede aquele que se vai, que se encontra assim preservado das
misérias da vida, ou das seduções que o teriam podido arrastá-lo a perdição. Aquele que
morre na flor da idade, não é vitima da fatalidade, mas Deus julga que lhe é útil não
permanecer por mais tempo na terra. Não sei de onde ele retirou estas palavras, que me
ajudaram muito aceitar e compreender os fatos ocorridos. O Emilson me deu o livro
Capitães de Areia, o sofrimento daqueles meninos me levou a refletir sobre minha
situação. Mesmo permanecendo neste buraco, do qual iniciaria a saída após um novo
impacto que sofreria tempos depois.
6
DEPRESSÃO
Ela vem bem devagarzinho, exatamente para que você não perceba a sua
chegada, durante cada dia nosso neste planeta, ela vai somando pequenos pedacinhos das
parcelas que só a ela interessa, e por fim, soma uma parcela de impacto a qual finalmente
faz a caixa transbordar. Assim ela procedeu comigo, foi somando as parcelas dos
acontecimentos durante o passar dos anos, os quais eu transpassava e os superava. No dia
14 de Outubro de 1990, por volta das 18h subindo do Rio, para Volta Redonda, seguíamos
na Dutra, próximo de Queimados, quando a Toínha deu um tremendo grito:
- Meu Deus!
- O que foi Toínha?
- Acabei de escutar uma voz me dizendo que já tive o meu filho por muito tempo.
- Que loucura é esta Toínha!
7
- Foi isto mesmo Hélio que acabei de escutar.
Estava no carro eu, Toínha, Heliane e Nilva. Neste fim de semana o André tinha
ficado em Volta Redonda. Este foi o último aviso que tivemos que ele iria embora ao dia
seguinte. Tivemos vários outros avisos, contudo nunca os relacionávamos com a sua ida,
não passava por nossa cabeça uma perda tão fantástica para nós.
Exatamente em 22/10/1990, às 22h22min min, foi o momento exato em que ela
aproveitou-se do evento para transbordar minha caixa. No dia 22 de Outubro de 1990 as
13 h, foi quando saí da usina em minha moto para almoçar. Passei pelo bairro São Luiz,
comprei carne e batata inglesa no mercado Três Irmãos, ao atravessar a ponte sobre o rio
Paraíba, observei que o mesmo parecia estar chorando, não entendi bem aquela visão
segui em direção a minha casa, no bairro Brasilândia, na Rua 7 nº 80.
- Toínha, que cama é esta aqui na copa?
- Fui eu que coloquei, me deu vontade de descansar um pouco aí por estar bem
fresquinho.
Mas na realidade foi o André que passou a sua última noite, junto a sua
verdadeira família, pois ele não estava bem com a esposa. Escutando o barulho da minha
moto chegando, Toínha fez o André levantar e correr para o banheiro, não dando tempo
de desmanchar a cama na copa onde ele passou a noite, sem o nosso carinho e bem
próximo de quem ele tanto amava. Como sempre eu já cheguei dando minhas broncas.
Ás 13h30min h aconteceu o acidente, às 22h25min h a noticia que eu não queria
receber. O telefone toca do outro lado:
- Quem fala?
- É o Hélio.
- Sr Hélio, lamentamos informar que o seu filho André Luiz, veio a falecer às
22h22min min.
Faleceu... Faleceu... Faleceu... Heliane desmaiou, Toínha entrou em desespero
começando a gritar e a chorar, o Carlos, a Neusa, a Diná, o Luiz e a Alba vieram em
socorro às duas. Saí em direção a praça próxima de nossa casa, ficando por lá um bom
tempo. Voltei para casa, Toínha e Heliane já tinham caído na realidade, liguei minha
Belina, fomos nos três em direção ao hospital da CSN, não sei como dirigi na BR 393,
conhecida como rodovia da morte, principalmente no trecho de Volta Redonda, onde
acontece muitos acidentes sempre com mortes. Estávamos todos vazios por dentro, ao
chegar ao hospital, outro sofrimento, não conseguimos ver o nosso filho, o corpo dele
estava numa sala de porta branca leitosa trancada, retornamos para casa.
Guardei o carro e me dirigi para a praça, sentei num banco próximo de uma
mangueira, o pensamento era só, faleceu... Faleceu... Faleceu...
8
... Meditava sobre o indescritível evento pelo qual estávamos começando a vivenciar.
Queria descobrir o significado desta palavra faleceu, falecer. Assim eu vi a madrugada de
23 de outubro de 1990 passar. Os passarinhos começaram a cantar com o clarear do dia.
Foi quando o meu amigo e cunhado Adriano bateu em meu ombro dizendo:
- Oi Helio! Precisamos tomar as providências devido ao ocorrido.
Levantei, fomos em direção a minha casa, tomei um café puro, acendi um cigarro e
saímos para tomarmos as providências necessárias, era como se eu estivesse flutuando.
Às 17h do dia 23/10/1990, depositamos nosso amado filho André em sua última morada.
Com uma multidão de pessoas acompanhando na despedida de seu último dia presente
fisicamente neste planeta.
Retornando do cemitério, no início da rodovia Tancredo Neves, orientei nossos
parentes como retornarem para o Rio de Janeiro, outros parentes foram para nossa casa,
que neste momento ficou com muitas pessoas nos confortando. A Lia minha sogra tentava
distrair a Toínha, enquanto ela preparava o jantar para as pessoas. Aina e Aila tentavam
me animar, falando de outros assuntos para distrair minha mente do acontecido. Minha
irmã mais idosa estava na casa de sua filha em Palmas no Tocantins, na semana seguinte
ela me enviou uma carta. Adriano e o Nélson falavam de outros assuntos, com o objetivo
de me distrair. Deste jeito ficamos até altas horas da noite conversando, tentando afastar
os pensamentos de todo o acontecido.
9
Minha mente parecia um formigueiro, não me concentrava em nada, cada um
falava de uma maneira:
“Ele foi só porque chegou a hora dele”; Ele foi muito feliz durante este pouco tempo de
vida; “Foi Deus quem levou ele!”. Tudo o que falavam me deixava cada vez mais
descalculado a ponto de não saber quem eu era, meu corpo vez por outra dava uns
tremores incontroláveis, era como se nada do que me falavam tinha sentido, só ficava a
pensar: Porque ele e não eu? Porque senhor em plena juventude, eu já com quase 50
permaneci, gostaria de trocar, me leva e deixe-o meu Deus, nesta confusão total e todos já
bem cansados fomos dormir.
Dia 24 de Outubro de 1990, a ficha começa a cair, após acordar o primeiro
pensamento foi, André meu filho, era como se ele de repente estaria entrando porta
adentro, como o tempo passava e ele não chegava, iniciei uma caminhada em direção a um
lugar desconhecido, aconchegante e bom de ficar.
Comecei a me sentir muito bem naquele lugar, ali quanto mais sofria e chorava,
mais eu gostava de estar naquele lugar desconhecido para mim. Assim fui descendo para
aquele buraco escuro e frio, contudo estava me sentindo muito bem, a cada segundo eu
descia mais um pouco, nada mais me importava, só queria chegar ao fundo daquele poço
10
para me esconder de tudo e de todos os meus problemas.
Sentia-me, um robô, perdi todas as minhas vontades, minha visão ficou cinzenta,
tudo o que eu enxergava era um cinza escuro, sentia um frio constante que me causava
tremores em todo o meu ser. Meus amigos e colegas de trabalho tentavam me animar de
todas as formas possíveis, estava nas nuvens não absorvia nada. Quando entrava no
portão da usina, pegando a passarela em direção a minha sala de trabalho, lá estava no
alto o cemitério da colina, passava a ver as catacumbas pintadas de branco, assim era
todos os momentos em que eu usava a passarela ou abria a minha porta, dava de frente
para aqueles caixotes brancos, onde em um deles estava o meu filho.
Era uma verdadeira obsessão ficar olhando para aquele lugar, chorava muito e
me sentia bem por estar sofrendo. Quando todos os técnicos iam embora, abria a porta da
sala deixando ela escorada, ficava olhando para aquele lugar e me perguntando: Porque
Deus ele! O único filho homem que tínhamos! Quanto mais sofria, mais gostava e descia
para aquele estranho lugar. Quem se mais penalizou com minha situação, foi o meu
afilhado Clóvis, eu e a Heliane fomos padrinho do seu casamento com a Lucirene, a
Toínha não pode ser por estar com a perna esquerda engessada. O Clóvis ficava na sala
comigo após sua jornada de trabalho, me confortando e conversando sobre outros
assuntos para me animar a sair daquela situação, esta mensagem ele me entregou numa
tarde em nossa sala de trabalho. “A morte prematura, frequentemente, é um grande
beneficio que Deus concede aquele que se vai, e que se encontra assim preservado das
misérias da vida ou das seduções que o teriam podido arrasta-lo a perdição. Aquele que
morre na flor da idade, não é vítima da fatalidade, mas Deus julga que-lhe é útil não
permanecer por mais tempo na terra” sempre que a leio me traz um pouco de alivio.
Ficávamos conversando até quando ele me convencia a ir embora, quando saiamos juntos
do interior da usina.
Você passa a fazer qualquer coisa para rever aquela pessoa amada. Três dias após
o seu enterro, resolvi colocar uma lápide de identificação em seu túmulo, com os seguintes
dizeres; aqui jaz o nosso filho André Luiz Ferreira da Cruz, retornando a sua origem.
Nascido em 21 de Maio de 1996, falecido em 22 de Outubro de 1990, permanecendo entre
nós por 24 anos, cinco meses e dois dias. Chegou o dia de colocar a lápide, ao chegar à
frente do seu tumulo, que era o primeiro na parte inferior. Ajoelhei-me, rezei o pai nosso,
os salmos 91, 121 e 23 e rezei novamente o pai nosso. Neste momento, senti um vazio tão
grande, era como se estivesse diante do infinito, não enxergava nem escutava nada, fiquei
totalmente desorientado. Neste exato momento, foi como se eu entrasse numa maquina do
tempo, retornando ao meu passado.
11
Vi-me exatamente no momento em que eu começava a gravar em minha
memória, minhas opções de vida. Passei a navegar no período de Janeiro de 1941 a
Outubro de 1990. Vi-me celebrando missa embaixo do pé de laranja lima, tocando o sino
na minha enxadinha, para chamar os fieis, estive na Rua Vitória 156 no bairro Santo
André, andando a pé passando pela pedreira Prado Lopes, pela Rua Itapecerica até ao
largo da Lagoinha, com minha cestinha presa pelo pescoço vendendo pastel de carne, de
queijo e tareco, que era uma massa dobrada sem recheio e doce, me vi no cine São
Geraldo, assistindo zorro e Tarzan a tarde inteira. Vi-me guiando o cego da estação
ferroviária e por todas as ruas do centro de Belo Horizonte. Estive na Afonso Pena com
um martelo desmanchando os caixotes para colocar na carroça todas as tábuas, com
aquele lindo cavalo nos levando do centro para a fábrica de malas do Sr João, em Santo
André, com o entusiasmo de uma tarefa concluída, vira todos nos trabalhando na fabrica
de malas do Sr João e dona Olímpia.
Estive na alfaiataria na Rua Rio de Janeiro em Belo Horizonte, onde trabalhei
começando a chulear calças, fui ate a lavanderia onde entregava roupas num triciclo, me
vi em Três Rios pescando bagres no Rio Paraíba e carregando malas na rodoviária dos
passageiros que chegavam. Cheguei ao Rio de Janeiro, me vi em Taubaté e em São José
dos Campos, retornei ao Rio, me vi em Março de 1964 no comício da central do Brasil
onde o Presidente João Goulart discursava, cheguei ao momento em que conheci a Toínha,
vi o nosso casamento na Igreja de Nossa Senhora da Conceição no inicio da Marques de
São Vicente, cheguei no dia que encontrei com a Nelsina na central do Brasil, para esperar
a chegada de tia Neném e o seu filho Wilson que estavam vindos de Minas Novas,
chegando à Gávea a boa noticia de Maria, vá ao Hospital Fernando Figueira ver o seu
filho que nasceu, tem o saco roxo é homem que alegria indescritível.
Vi-me entrando com ele nos meus braços no barracão de mãe na favela do Alto
Solar, localizada atrás do edifício 429 da Marques de São Vicente. Vi quando subíamos o
final da Marques depois da padaria após um passeio, com ele sapateando e pedindo colo
pai... Colo pai... Colo pai... Quando chegava à curva da casa com o muro de pedra eu o
colocava nos ombros e começava a brincar de aviãozinho caindo, aí ele caia em
gargalhadas, desaparecendo a pirraça e o choro. Estive com ele no hospital em Cascadura,
inerte pela anestesia tomada para a retirada de um caroço de feijão que ele havia enfiado
no ouvido.
Vi-me em Volta Redonda, comprando a sua primeira moto CG 125, que nos deu
muito trabalho e teve que ser devolvida, entrei no consórcio de uma DT 180, sorteado
12
fomos à cidade de Resende buscar, na estrada vi o largo sorriso dele trazendo a moto, vi
ele com aquele latão azul na garupa da moto vendendo leite pelas ruas de Volta Redonda.
Vi-me levando na caretinha ele e os três porquinhos que ele tinha comprado, ele foi
dormindo junto com os porquinhos para acalmá-los. Estive na variante verde com ele
catando lavagem para seus porquinhos. Vi-me junto com todos eles nas cachoeiras dos
acampamentos que fazíamos em Angra dos Reis, o vi jogando água nas crianças da Rua 7,
com os quais ele adorava brincar, vi ele retornando na Rua Barata Ribeiro, para o Vidigal
após uma bronca minha por chegar todo molhado no Aparte Hotel que Maristela morava,
após ter carregado 2000 tijolos para a casa do Vidigal. Vi-me em seu casamento, me vi no
seu apartamento dando uma de ladrilheiro, me vi... No dia em que ele se foi...
Voltei à realidade, quando um senhor uniformizado tocou em meu ombro , me
avisando:
- Sr, o cemitério irá fechar daqui a trinta minutos.
Creio ter ficado no passado por quase uma hora, fiquei por mais uns dez minutos,
peguei minha variante amarela me dirigindo para casa. Um vazio enorme tomou conta de
todo o meu ser, tudo o que enxergava era o cinza escuro, não queria ver o dia, o sol, só
gostava da noite, desprezei minha esposa, minhas duas filhas e meus outros parentes.
Perdi o apetite, tomava muito café e fumava desesperadamente um cigarro atrás do outro,
perdi a vontade de viver, o objetivo principal era deixar de fazer parte o mais breve
possível deste planeta. Fiquei tão magro que mais parecia um bambu, meu cabelo chegou
a crescer até o meu joelho. De 24 de Outubro de 1990 a 27 de Maio de 1994, permaneci
dentro deste buraco, onde me sentia muito bem.
Em Dezembro de mil novecentos e noventa, fomos passar o natal na casa da Lia
minha sogra, o Manoel meu sogro fazia de tudo para nos confortar. O reveion resolvemos
passar no Vidigal com minhas irmãs, Aina e Ayla, a Nelsina estava na casa da Patrícia em
Palmas. Tomei a decisão de não mais construir a casa, que já estava com toda a laje do
piso pronta. Todos me incentivaram em continuar a construção, como tinha três casas e a
minha laje para rompermos o ano de noventa e um, resolvemos fazer um sorteio em qual
delas ficaríamos. Colocamos os nomes nos papeis, dobramos, e quem ficou responsável
para sortear foi a Yasmim, minha laje foi a sorteada, pensei: Se eu tocar o pandeiro dele
na virada do ano iria vê-lo conforme quero tanto. Não aconteceu o que eu tanto almejava.
Em Janeiro, Heliane foi morar na Gávea, com seus avos, iria trabalhar na Globo,
contratada por três meses.
Não estava suportando aquele martírio, no inicio da segunda semana de
13
Dezembro, dei entrada no escritório central, na papelada para me aposentar. No dia dois
de Janeiro de mil novecentos e noventa e um me aposentei. A mente permanecia a mesma.
Em 11 de Janeiro de 91 completei os meus 50 anos, que não foi comemorado com alegria,
tudo estava cinzento, triste e frio em minha mente. Próximo do fim do mês de Janeiro, o
Nélson me convidou e Toínha para morar na casa dele, o que me facilitaria continuar a
levantar minha casa no Vidigal. Aceitamos o convite, deixando Volta Redonda, só
aparecendo por lá nas horas de resolver algum problema. Iniciei a retomada dos serviços
da casa com ajuda dos sobrinhos e amigos, que me ajudavam como se a casa fosse deles,
todos me dispensavam muita atenção, o que me ajudou muito.
No desfile das escolas de samba, no carnaval de mil novecentos e noventa e um,
fomos no sambódromo a convite de minha cunhada Maristela, que desfilaria na Beija flor,
ela nos deu quatro convites. Fomos ver os desfiles no sábado, eu, Toínha, Ayla e a Nilva. No
desfile da Beija Flor, o ultimo carro alegórico, no qual a Xuxa desfilava pegou fogo já
estando na dispersão foi uma situação bastante tensa. Foi a primeira vez que participei e
vi esta maravilha que acontece todos os anos. Minha cunhada fez um belo desfile na Beija
Flor, qualquer pessoa que nunca sambou, samba quando a bateria passa em nossa frente.
Eu chorava muito durante a passagem das escolas, principalmente quando a escola
Viradouro entrou na Avenida. O enredo, era sobre o povo Nômade e homenageava os
ciganos, foi um desfile impecável, com todo aquele colorido, vermelho, preto e branco.
Chorei como uma criança, lembrando-me do meu filho. Estava maravilhado com tudo o
que via.
Para aliviar o nosso sofrimento, nossa filha Adriana nos levou numa excursão no
Paraguai. A guia turística e responsável pelo passeio era a Dalila uma afra descendente
muita extrovertida, que fez de tudo para distrair as pessoas ao longo da viajem, com jogos
de bingo, baralhos e outros, sorteando vários brindes. A viagem foi desgastante, devido
nossa situação. Fizemos muitas compras no Paraguai, visitamos a Argentina, observei uma
grande diferença de cultura entre esses dois países. Minha depressão a cada momento me
direcionava cada vez mais para o fundo do poço. Na visita a usina de Itaipu, ao ver
tamanha grandeza criada e executada pelo homem, chorei muito para o meu interior, a
ponto de algumas lágrimas rolarem em minha face, após esta visita, retornamos ao Rio de
Janeiro.
O João e a Adriana nos convidaram para trabalhar nas lojas deles, com objetivos
de nos distrair do problema que estávamos vivenciando. Acertamos que iríamos trabalhar
amortizando nossas passagens, para irmos passear e conhecer os parentes do João na
Paraíba. Trabalhando nas lojas na venda de confecções prontas, nos distraia enquanto por
14
lá estávamos, na condução na volta para casa, à tristeza e as recordações dos eventos
ocorridos, da janela tudo que se passava do lado de fora não se fixava nada, só nossos
pensamentos estava ativo, levando-nos ao sofrimento. No trabalho, conversei com pessoas
que o drama vivido por elas, era bem maior do que o meu, o que me trazia um pouco mais
de conformação e aceitação.
Em janeiro de 1992, consegui vender nossa casa, da Rua sete nº 80 no Bairro
Brasilândia, onde vivenciamos a experiência mais fantástica que um ser possa suportar.
Vendi por dezessete milhões de cruzeiros, já havia retirado bastantes objetos que
compunham a casa, para serem colocados na casa do Vidigal. No mês de Março, comprei
nossa casa na Gávea, por vinte e cinco milhões de cruzeiros, os quais foram pagos com a
venda do telefone 424359 e completados com a venda da casa, sou apaixonado por
construções, fazer brotar da terra minhas ideias, trabalhava no termino da casa do Vidigal
e na reforma da casa da Gávea, contudo a mente sintonizava primordialmente aos eventos
ocorridos em Volta Redonda.
No mês de Maio de 1992, minha filha mais nova viajou com o Jorginho, o qual
estava namorando para Manaus, retornando em 27 de julho de 1992, indo morar conosco
na casa do Vidigal que se encontrava em fase final de acabamento. Ali jogamos quase
todos os dias partidas de buraco para distraímos até às 22h, quando o Jorginho saia e nós
íamos dormir, sempre com os pensamentos voltados para o André.
Em julho de 1992, fizemos a viagem a passeio na Paraíba. Quando o avião
ultrapassou as nuvens, meu pensamento voltou-se para o meu criador e para o meu filho,
chorei ao pensar que estava questionando aquela fantástica visão, comparado com a ida
do meu filho, estando eu ali registrando tamanha grandeza. Encantei-me por estar em
Macambira, na divisa da Paraíba com Pernambuco. Vi um idoso acariciar uma grama que
brotava em suas terras, que normalmente é seca, dificultando a vida de tudo e de todos.
Apaixonei pela Cidade de Princesa Isabel, por sua simplicidade e sua historia, aonde
chegou a hospedar um presidente do Brasil, num evento ocorrido em um determinado
período da história brasileira. Meu estado depressivo continuava em crescimento.
Retornamos ao Rio de Janeiro, trabalhamos por mais algum tempo, depois saímos, não
havia nada que fizesse melhorar meu estado mental.
Minha mente estava branca como neve, meu objetivo era deixar este planeta. Não
existia nada que me interessaria fazer, trabalhei dia e noite sem parar na casa do Vidigal,
com o meu objetivo. Conclui que trabalho não mata, contudo continuava a me martirizar
descendo para o buraco, que passou a ser meu refugio predileto, quanto mais sofria e
15
chorava, me sentia bem, desprezei meus entes queridos com o meu egoísmo.
Existe este conjunto de palavras que é uma verdadeira dádiva para todos nos. “DEUS
ESCREVE CERTO POR LINHAS TORTAS”. Em pouco tempo sofreria um novo
impacto, para dar uma sacudida e reviravolta em minha depressão.
Depois de ter dois carros roubados, optei por comprar carro mais idoso. Foi
assim que comprei uma Variant ano 1971, do meu sobrinho Luizinho, amarelinha e toda
reformada. Foi com ela que no inicio de Março de 1994, resolvi retornar em Milho Verde.
Na arrumação do carro para a viagem, a Toínha só dizia que não queria ir nesta viagem.
Tinha sonhado com um acidente violento na estrada, minhas filhas perguntaram se tinha
vitimas, ela informou que não. Depois de muita relutância ela resolveu viajar, saímos por
volta das 04h30min da manhã da primeira quarta feira do mês de março de 1994. Fiquei
sem ir a Milho Verde por três anos e cinco meses, chegamos por volta das 20h, desfizemos
as bagagens e fomos dormir. Fui a Milho Verde, para vender a casa que estava por
terminar. Minha prima Santinha, dona Maria do carvalho e outros amigos, me pediam
para não vender, era o único filho de José Esperidião que voltava as suas raízes, me
incentivando a continuar a construção de minha casa.
Tomei a decisão de continuar em Milho Verde, tocando meus objetivos,
transformei a garagem em um chalé, cujos serviços de telhado foram executados por meu
primo Neném. Coloquei o meu primo Fio para rebocar minha casa, o Neném faria o
telhado, o Fio se encantou com minha Variant, querendo comprá-la. Com muito custo
concordei vender a ele, informei que viria no Rio com ela, depois voltaria para fazer
negocio com ele, acertamos que o valor seria dezoito milhões de cruzeiros.
No dia 26 de março de 1994, comecei arrumar a Variant para voltamos ao Rio. Às
07h00min do dia seguinte, com o carro já pronto para a viagem. Por volta das 07h15min
chegaram alguns parentes e amigos para se despedirem e nos desejarem uma boa viagem,
estava a Fia, o Fio, o Neném, a Laudi, a Santinha, o Nadinho, Elizabete e finalmente
chegou a dona Maria de Tino, com muitas flores e mudas de uma variedade de flores
para-nos. Como só viajaria eu e a Toínha, deitei o banco traseiro do carro para acomodar
mais volumes para a viagem. Já tinha arrumado minhas ferramentas, três filtros de barro
São João, os quais tinham no Rio, Toínha, quis comprar no Serro para trazer, dois
garrafões de 4,5 lts de pinga do alambique do Juca de Donana, dez kg de Arroz Galo,
quatro lts de mel, 1 kg de colorau, quatro dúzias de ovos de galinha caipira, mudas de
banana caturra, as mudas de flores e as flores. Ao olhar o interior do carro por traz tive
um pensamento estranho, esta parecendo um caixão.
As 08h00min, saímos em direção ao Rio. Falei para a Toínha, vamos viajar só
16
durante o dia, não estou achando nada bom dirigir a noite, mais ou menos uns 10 km após
a cidade de Curvelo, próximo de pegar a BR 040, Rio Brasília, a variante começou a
engasgar assim que entrei na BR vi uma placa escrita mecânico, foi para onde me dirigi.
Ao ser atendido informei ao mecânico o problema apresentado, que após verificar disse
isto não é nada e só trocar o condensador e o platinado, e assim foi feito, paguei pelo
serviço Cr$ 20 cruzeiros e seguimos viagem, o carro ficou uma beleza funcionando muito
bem. Viajava numa velocidade moderada, curtindo a viagem anotando as cidades e o
percurso entre cada uma.
Ás 17h00min chegamos à cidade de Paraopeba, Toínha vamos parar aqui por
hoje, amanhã seguiremos nossa viagem. Assim fizemos ficamos no hotel presidente na
beira da estrada, tomamos banho e fomos jantar numa churrascaria, o hotel não servia
refeições, demos umas voltas pela cidade e retornamos ao hotel, fomos dormir, acordamos
ás 05h30min h, tomamos o café e seguimos viagem. Deixamos para traz Belo Horizonte,
Congonhas. Ao entrar no perímetro urbano de Conselheiro Lafaiete a variante começou a
perder força, quanto mais eu acelerava menos ela andava, fazias reduções nas marchas e
nada resolvia o meu problema, no meu nervoso disse para a Toínha, chegando ao Rio vou
parar este carro na Avenida Niemeyer e empurrar para dentro do mar, que é isto Hélio ate
carro novo dá defeito procure ficar calmo. Olhei a direita e vi a placa mecânico e foi pra lá
que virei o carro.
Da oficina saiu um homem de todo o tamanho, pensei se for o mecânico não
conseguira entrar no carro. Explique o problema, ele entrou no carro nem sei como, ligou
o carro tentou colocar uma marcha, desligou o carro e saiu me informando lamento o seu
carro perdeu totalmente a embreagem, e para piorar são 14h30min e as concessionárias
fecharam as 14h00min, só voltam abrir na segunda feira. Nossa preciso chegar ao Rio
ainda hoje, tenho um compromisso inadiável amanhã. Disse o mecânico, vou olhar na
minha sucata quem sabe por sorte vou encontrar um disco que de para o Sr seguir viagem.
Pouco tempo depois ele voltou com um disco na mão dizendo acho que este disco levara o
Sr ate o Rio, ele esta com muita lona e da para aproveitar no seu carro chegando em seu
destino o Sr troca por outro novo.
Rapidamente ele colocou um macaco hidráulico do tipo chamado jacaré, retirou
o motor e em menos de meia hora executou o serviço, pelo qual cobrou Cr$ 150 Cruzeiros,
valor que paguei com um cheque, agradeci e por volta das 15h30min, seguimos nossa
viagem. O carro parecia uma mocinha querendo andar como se tivesse saído da fábrica
naquele instante. Toínha comentava sobre nossa viagem de Volta Redonda para o Rio,
falando do André que vinha ao meu lado com sua moto quando estávamos retornando
17
para casa, na ânsia em me ajudar, chegando por algumas vezes me atrapalhar.
Com fumo, sempre que pedia um café a Toínha que retirava o cinto para pegar a
garrafa. Estava atrás de um caminhão baú pequeno, toda vez que tentava ultrapassar, ele
não deixava, falei Toínha este caminhão esta nos atrapalhando de passar. Logo a seguir
apareceu uma placa, POLICIA RODOVIARIA A 2 km, Toínha disse estou sem o cinto de
segurança, logo recolocando o seu cinto, este caminhão não esta atrapalhando, ele esta é
nos ajudando para não sermos multados. Minha esposa passou a comentar, interessante
Hélio parece que estou vendo o André ai do seu lado é como se ele quisesse nos proteger,
igual como ele fazia quando voltávamos do Rio para Volta Redonda, você se lembra, que
loucura Toínha você ter esses pensamentos logo aqui.
Logo a seguir passamos na policia rodoviária, observei que tinha um policial com
sua moto parada, enquanto ele ajudava a empurrar um Chevette cinza que parecia estar
com defeito. Passamos pela policia, eu sempre olhando para o caminhão baú a minha
frente, a partir da policia a BR já tinha duas pistas de rolamento nos dois sentidos
inclusive com acostamento. Após andar dois km, só escutei o grito da minha esposa, meu
Deus, foi quando vi aquele elefante branco vindo em nosso encontro. Era um enorme
caminhão 1113 da Mercedes, cujo caminhoneiro dormiu ao volante, estávamos numa
curva longa, ele veio reto ao nosso encontro.
Joguei o meu carro para a direita, segurei firme no volante, fechei os olhos e
esperei o impacto da batida. Não vi mais nada, na primeira pancada, o caminhoneiro
acordou, acertou o caminhão na pista e foi embora, o estrago já estava feito. Capotamos
por varias vezes, andamos uns trinta metros com as quatros roda para cima e paramos de
lado na beira de um precipício. Eu já estava fora do carro, não sei explicar como fui
jogado para fora, minha esposa gritava me tira daqui, vai pegar fogo. Retire ela pelo vidro
da porta, nos abraçamos, começamos a tremer sem controle, neste momento, era como se
Deus estivesse me falando, levei o seu filho por ter chegado a hora dele, senão levaria vocês
dois agora. A partir daquele momento, enxerguei uma luz, lá encima do túnel do buraco,
em que eu me encontrava.
Nem prejuízo material tive neste acidente, fiquei com dor no ombro e minha
esposa com dor no pescoço, que após três dias sumiram. Meu carro virou uma sucata, que
foi vendido por quatro milhões de cruzeiros, o caminhoneiro pagou meu prejuízo, no valor
de quatorze milhões de cruzeiros. Totalizando dezoito milhões de cruzeiros, valor que
tinha combinado vender para o meu primo. Meu sobrinho Nélson, foi nos buscar no posto
da policia rodoviária de Juiz de Fora, onde ocorreu o acidente. Pouco tempo depois
retornei em Milho verde, retomando a execução dos serviços das minhas construções.
A partir deste acidente, iniciei minha saída daquele buraco negro e frio, onde
havia me refugiado. Passei a viajar para Milho Verde, de dois em dois meses ficando por lá
por até trinta dias. Numa destas viagens levei minhas irmãs Aina, Ayla e meus sobrinhos
18
Juninho e Daniel. Minha irmã Ayla, sugeriu, porque você não faz aqui alguns quartos
para alugar, aqui dentro em breve aparecera muitos turista. Foi então que me surgiu a
ideia de construir uma pousada. Ainda com a presença de minhas irmãs, fiz uma garagem
com ajuda dos sobrinhos, para guardar um fusca branco 1977, que havia comprado do Sr
João, morador na Gávea no Rio de Janeiro.
No inicio de Agosto de 1997, mudamos definitivamente para Milho Verde,
comecei a trabalhar sem parar, o pior é que aumentei o meu consumo de cigarro, quanto
mais trabalhava, mais fumava. Trabalhava até altas horas, mais uma vez, comprovei que
trabalho não mata ninguém. Com o passar dos anos construí dois chalés, dividi a casa
maior que estava fazendo em quatro quitinetes, fiz oito quartos na parte superior do
terreno. Coloquei o nome do local de Recanto André Luiz, prestando uma homenagem ao
meu filho, com objetivo de homenagear a todo o André Luiz, que existiram que existem e
que existirão.
Mudei o nome para Pousada André Luiz, devido a Recanto, o pessoal que
passava sempre perguntava que horas iria abrir, pensando que Recanto fosse um centro
espírita, relacionando ao espírita André Luiz. Enquanto estava alinhando e nivelando um
tijolo no seu assentamento, me desligava dos pensamentos na morte do meu filho. Com os
trabalhos que executava conseguia deixar minha depressão no segundo plano. Conclui que
o trabalho é a melhor terapia para se afastar da depressão, principalmente quando
estamos no fundão do poço. Durante onze anos, me dediquei ao trabalho de construções de
casa, ficava horas criando projetos, nos quais sentia muito prazer ao faze-los brotarem da
terra.
Fiz contatos com a energia da terra, fazendo hortas, observando a germinação
das pequeninas sementes semeadas, emergirem da terra, transformando em belíssimas e
deliciosas hortaliças e suculentos legumes. A natureza em todas as suas formas é bela e nos
traz inúmeros benefícios e variados conhecimentos. Por longas horas observava minha
criação de galinhas, anotando todos os tipos de piados emitidos por elas e cada ação
resultante de cada um. Cujas observações me levaram a escrever, Memorias de uma
Galinha, voltado para referencia de meninos e meninas. Esta observância com a natureza
me tornou um ser mais sensível e observador, sensibilizado com o sofrimento dos animais,
abandonados nas ruas por seus donos, me levou a escrever Cão de Rua, com o objetivo de
sensibilizar as pessoas em não abandonarem seus animais de estimação. Escrever é uma
ótima ferramenta para contornarmos a nossa depressão. Quanto mais convivia e
observava a natureza, mais sensível ficava, onde muitas ações detonadoras da natureza,
executadas pelos seres que se dizem humanos, me deixam entristecido com suas ações
devastadoras.
No estado depressivo, é imprescindível, buscar saída por nossos próprios meios a
fim de suportar e conviver com o seu problema individual. Ajuda da família e dos amigos
19
é fundamental, análise alguns pensamentos, muito deles nos ajudam a suportar a dor.
Procure fazer algo que lhe agrade, escreva contando sobre seu estado e suas buscas para
encontrar uma saída. Faça parcerias com a natureza, faça contato com a terra, converse,
acaricie as arvores, as hortaliças, faça horta, plante arvores, ame a natureza em todas suas
formas e espécies. Peça em suas orações e meditações para seres mais humilde e menos
egoísta e sentirás bem melhor.
Penso e tenho convicção, que todos os seres vivos, têm duas personalidades. Uma
é aquela a qual demonstra ser, a outra é aquela que realmente é. Se posicione diante de um
espelho e veras a sua segunda personalidade, neste instante estarás diante de sua
realidade, esta é perigosa poderá levar você a cometer ações, muitas das vezes
inconcebíveis. Procure conversar e questionar o seu verdadeiro eu, analise as suas ações
praticadas e se surpreenda com suas atitudes, muita das vezes realizadas sem uma
reflexão. Procure manter um controle racional sobre esta personalidade é difícil, mas não
é impossível.
Com o passar dos anos, me tornei um ser depressivo, tenho uma família já na
terceira geração, mas me sinto só e a solidão é terrível. Contudo, consigo dominar e
controlar o meu estado depressivo. Não fui assistido por nenhum médico ou psicólogo.
Adquiri este controle, escutando pessoas, analisando pensamentos, trabalhando muito,
amando a natureza em todas as suas formas, fortalecendo minha fé em minhas orações
diárias. Gostaria de ser extrovertido, brincar, pular, sambar e conviver em harmonia. No
entanto os momentos de alegria muita das vezes me entristecem, me levando a extrapolar
o meu cotidiano, aflorando minha segunda personalidade, por estar preso aos traumas de
um passado atormentador.
Fui ao casamento de uma sobrinha, em Duque de Caxias. Deparei com um
valente determinado e moralista, já desprovido de suas forças, bem surdo, pensativo e
lamentoso, foi como estar diante de uma vela se apagando. Observava pessoas simples, de
pouco recursos, alegres se divertindo, descontraídas sem preconceito. Senti-me só,
entristeci com o pensamento por tudo o que eu tenho passado. Gostaria de soltar a franga,
ser alegre e feliz como eles. Sinto me aprisionado ao meu retraimento e em outros eventos
do passado. Vi meninos e meninas brincando e brigando se perdoando, unidos pela
amizade e a união de todos pela chama da voz do sangue, circulando nas veias de cada um,
unidos pelo conceito da família constituída.
No domingo na parada de ônibus, aguardando a condução, observei uma égua e
sua cria tentando a sobrevivência no asfalto. Achou um canteiro na calçada, com um
pouco de grama, começou a pastar. Foi enxotada a vassouradas, seguiu em frente ate onde
havia três latões abarrotados de lixo, nos quais começou a retirar os sacos, rasgando e
rebuscando alimentos, o qual oferecia a sua cria, que por sorte recusava tal alimentação,
preferindo o leite materno. Ela saciava sua fome e sobrevivência com os restos de
alimentos encontrados. Pensei qual será o futuro desta égua e de sua cria, se utilizando
desta alimentação deteriorada tão impropria para sua espécie. Entristeci-me
20
profundamente, com aquele ato do teatro da vida, com uma mudança extrema de
comportamento para preservar a sua espécie. Embarquei navegando em meus
pensamentos, imaginando como a vida pode ser assim tão igual e diferenciada para cada
ser vivo. O que ela quer nos ensinar e o porquê de tudo isto, com qual objetivo.
Dia três de janeiro de 2012, ocorreu o falecimento de minha irmã Ayla. Da família
direta com treze integrantes, só restam dois, eu e meu irmão antecessor, quando estávamos
juntos eu sempre dizia, estamos na fila vamos ver quem o caixa chamara primeiro.
- Minha irmã comentava eu quero ser a última.
- Meu irmão retrucava o último serei eu.
Quem somos para desejarmos tamanha incógnita, as expectativas da chegada da
nossa hora é simplesmente fantástica. Não pude comparecer ao sepultamento, estava em
Minas Gerais, não chegaria a tempo. Liguei para o cemitério enviando as condolências,
finalizei a ligação conversando com meu irmão, com a mesma brincadeira nano agora só
resta nos dois, quem o caixa atendera primeiro, ele riu e disse espero que não seja eu,
respondi neste mistério só o nosso criador tem a resposta.
Após desligar o telefone, uma força estranha começou a invadir o meu ser. Senti
medo do que não sei explicar, sentia pânico e tremores intermitentes. Pensei vou embora
amanhã, iniciei as providencias na arrumação para fechar a casa. Na quarta feira retornei
ao Rio de Janeiro. No dia nove de Janeiro, tomei a decisão em parar de fumar, no dia dez
iniciei com a minha decisão, tendo em vista que no dia onze, faria 71 anos num ano par do
qual não tenho boas lembranças, queria estar livre do cigarro que só em pensar entro em
depressão, com tantos problemas consegui parar.
Não deu outra, a depressão veio de mansinho se acomodando ao meu lado, se
apoderando de todo o meu pensamento. De doze de Janeiro a dezenove de Maio, fui
comandado por ela, só comia e dormia, na maioria das vezes ficava a olhar para o teto,
procurando mais sofrimento, rememorando eventos do passado. No dia vinte de Maio,
minha filha me indicou para tomar um comprimido, que continha varia vitaminas, após
ingerir três comprimidos, voltei a minha realidade. Fiz exame de vista, providenciei a
confecção do meu óculo e renovei minha carteira de habilitação, infelizmente voltei a
fumar, 63 anos nesta infeliz droga liberada. Por sorte consegui ficar quatro meses sem
fumar, Voltei a tocar o meu barco, nestas águas turbulentas desta minha vida.
Em vinte seis de Janeiro, minha cunhada me convidou para registrar com fotos e
vídeos, alguns eventos que faria com suas colegas de faculdade, participar de tais eventos
renderiam notas presencias, ela queria me ajudar a sair do estado em que estava. O
primeiro evento foi no Mercadão de Madureira e na inauguração da reforma da quadra
da escola de samba Império Serrano. Observando toda aquela multidão, demonstrando
muita agitação como cada um executava o seu objetivo. Senti-me só, pensei quantos seres,
cada um com seus ideais, ilusões e problemas, imaginei cada um registrando sua historia.
Na viagem da Central ate Madureira, passamos por algumas cracolandia, o que me
entristeceu muito, sensibilizado em ver todos aqueles seres subjugados pela droga do vicio
21
de cada um, vistos com receio por estarem envolvidos nesta situação tão desumana. Na
maioria das vezes agressivas em defesa de sua submissão. Registrava tudo, nunca imaginei
que aos 71 anos, entraria numa quadra de uma escola de samba. Observei Salomão
sambando, embalado por uma deliciosa feijoada. Sentia-me bem diante de tamanha
agitação, animação e alegria de tantos seres.
A segunda visita foi num acampamento do MST em Pirai, estado do Rio de
Janeiro. Nesta visita, adquiri conhecimentos diversos, não esperava encontrar neste tipo
de movimento seres tão evoluídos em sua primeira personalidade. Uma delas de Volta
Redonda, moradora do bairro Caieiras. Em uma de suas palestras declarou suas origens,
suas dificuldades e os motivos que a levou para o movimento. Foi importante observar
aquele ser tão simples, mas líder nato, esclarecendo a todos os motivos e objetivos deste
movimento que acontece em vários pontos do nosso pais. Conheci pessoas do movimento
formadas em teologia, geografia, historia, fiquei admirado com tamanho conhecimento
participativo no MST. Vi pessoas simples com muita terra sem ter como se agregar a ela,
por falta de recursos, projetos e orientações adequadas. Vi seres em moradias sem as
mínimas condições de sobrevivência com dignidade da qual um ser vivo necessita. Tudo o
que vi me trouxe conhecimento, alegria e tristeza.
Sou deste jeito, um depressivo controlado. Muito tempo após o ocorrido, consegui
este controle. Vivo tentando sair disfarçadamente desta vida, fumando desesperadamente,
nadando na água que passarinho não bebe no alambique, quando posso, comendo todo
tipo de gordura, de costela de boi, de alcatra, de frango assado, de linguiça de porco e
nada acontece. Navego na purinha, pela zonzeira que ela me causa me levando ao mundo
das ilusões e me inspira nos meus escritos pretenciosos a se tornarem um dia livros ou um
filme. Neste exato momento, pensei vou embora, sair por ai andando sem destino, ser um
andarilho moderno com CPF, RG e cartão do BB, quando estiver cansado parar, comer
quando a fome chegar, dormir quando o sono chegar ao próximo hotel ou motel, com
telefone na mesinha de cabeceira para que eu possa pedir a recepção, costelinha de porco
com canjiquinha, palmitos de broto de bambu, acompanhados de uma caipiríssima,
usando meu cartão. Que graça teria, seria eu um andarilho, claro que não. Ser andarilho
foi uma meta que tracei com um sobrinho, quando nos dois estávamos no auge da
depressão.
Cadê a coragem de executar tal atitude, andarilhos passam fome, come carne de
burro, morto na estrada por mais de três dias, conversa que tive com um verdadeiro
andarilho, num certo dia no bairro Brasilândia em Volta Redonda. Dormem nos bancos
das praças, procuram os postos de saúde das cidades e enfrenta a espera do SUS. Há
momentos que gostaria de ser eternamente feliz, quanta pretensão, felicidade existe por
pequenos segundos, sinto estes instantes, quando me dirijo para a escuridão da noite no
silencio da madrugada, para curtir a solidão, que é fria e terrível, contudo me faz bem.
Fascina-me, estar a ver a neblina, chegando em Milho Verde e no Vidigal, envolvendo e se
apoderando de tudo e de todos em suas imaginações.
22
Observando uma vitrine com livros expostos para venda em 13/09/2012, numa loja na
rodoviária de Belo Horizonte, enquanto aguardava minha partida para o Rio de Janeiro,
cada um mais vistoso que o outro, de vasta espessura e com suas capas coloridas com
variadas estampas. Pensei quem sou eu para que meus escritos se tornem um destes, foi
neste momento que me senti pequenininho diante de tantas ideias famosas. Neste instante
chego à conclusão que tudo foi culpa das ilusões, sou totalmente um ser acovardado para
viver o presente, estou amarrado em minhas origens, humilde, conservador e vivendo
ainda nas sombras do meu passado, e temeroso por meu futuro, estou deste jeito.
Há momentos que penso estar ficando louco, hora penso em sair, hora penso em
ficar por longo tempo para ver tudo o que ira acontecer com a evolução da ciência e da
tecnologia adquirida por estes seres que se tornaram alma. Não é conselho, este não
deveria ser dado e sim vendido por um preço bem alto para ser absolvido. Lapide a sua
segunda personalidade como se fosse um diamante de valor incalculável. Ela é a
responsável por tudo o que você imagina sua depressão, por sua coragem, por sua
covardia e por suas atitudes. Não de trégua para ela, não permita que ela tome o controle
de tudo, corte as arestas pontiagudas que estão a crescer, molde-a como se molda um
diamante, controlando sua luz e força em suas arestas lizas, não permita que elas escapem
de seus limites, o que fara você, se tornar um ser interiormente medíocre. Vou finalizar
este com três pensamentos.
- Creio que Deus é como o vento, ele existe é tão generoso que se compartilhou;
Com toda a sua criação para que se tornassem seres vivos, podemos senti-lo.
Não podemos vê-lo e nem tão pouco pegar nele.
- Há como seria bom se?
- Saudade, presença ausente de alguém, nascemos, crescemos e morremos. Nos
Intervalos, vamos deixando nossas marcas, para sermos lembrados por alguém.
Não somos vida nem somos morte, somos apenas duas forças, num incansável
combate de existência e inexistência.
MIACHE CONFUSO
23
22/10/2012
Top Related