O ARTIGO 201 E O PAPEL DA VTIMA: A LEI 11.690/08
LUZ DA VITIMOLOGIA
Lvya Ramos Sales Mendes de Barros1
Patrcia Ferreira Saraiva2
(...) Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, nibus, rio de ao do trfego. Uma flor ainda desbotada
ilude a polcia, rompe o asfalto. Faam completo silncio, paralisem os negcios,
garanto que uma flor nasceu. Carlos Drummond de Andrade A flor e a nusea.
(...) As leis no bastam. Os lrios no nascem da lei.(...)
Carlos Drummond de Andrade Nosso tempo
1. INTRODUO
Antes da Lei 11.690/2008, a tentativa mais ousada que a legislao realizou no
que tange a preocupao com a vtima, foi o advento da Lei n 9.099/95. Nos 14 anos da
sua entrada em vigor, at os dias atuais, o ofendido teve grandes avanos rumo sada
do ostracismo o qual se encontrou por boa parte da histria. Embora a Lei dos
Juizados Especiais Criminais tenha sido voltada a alguns tipos de crimes em especifico,
constituiu um postulado que dava oportunidade vtima de aparecer no cenrio do
processo.
Com advento da nova Lei, foram modificados diversos dispositivos do Cdigo
de Processo Penal, alterando o captulo antes denominado Das perguntas ao ofendido
para chamar-se DO OFENDIDO. O artigo 201 e seus cinco pargrafos tratam a
1 A autora advogada formada pela Faculdade de Alagoas e ps graduanda pelo Centro de Estudos Superiores de Macei. J desenvolveu trabalhos de pesquisa voltada o estudo da vtima, as relaes de gnero e o sistema de justia no Centro de Apoio s Vtimas de Alagoas. 2 A autora advogada formada pelo Centro de Estudos Superiores de Macei e ps graduanda pelo Centro de Estudos Superiores de Macei. Foi advogada do Centro de Apoio s Vtimas de Alagoas e hoje realiza um trabalho no Projeto Mulheres da Paz pela Secretaria de Estado da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos.
pessoa da vtima com mais preocupao visando sua valorizao perante a persecuo
criminal.
As inovaes do art. 201 esto atreladas ao conceito mor de proteo
dignidade da pessoa humana, e dos direitos inerentes a personalidade, quais sejam
liberdade, integridade, imagem, honra, privacidade, desmembrando para outras
garantias fundamentais como uma vida digna, como o direito de ir e vir, de ter sua
intimidade preservada, de receber do Estado assistncia sociopsicojuridica, inaugurando
expressamente o que prega os estudos da Vitimologia moderna e buscando minimizar
sobremaneira os efeitos do fenmeno da chamada vitimizao secundria.
Mas ser que o que foi implantado em 1947, por Beijamin Mendelson constituiu
farol inspirador para nossos legisladores?
2. A VITIMOLOGIA E O PROCESSO VITIMIZANTE
No podemos discutir os processos que levam a vtima a fatores de revitimizao
com o conseqente estrangulamento de seu papel social diante do processo, sem
demonstrar quais os estudos que j falavam sobre essa insero da pessoa humana da
vtima como sujeito de direitos.
Atualmente a nova concepo da vtima, inserida no fenmeno delitivo, objeto
de estudo da Vitimologia que passa a se desenvolver como cincia, com objeto,
finalidade, mtodos e postulados prprios visando a, essencialmente, conforme aponta
Alline Jorge (2005, p. 01).
Ocorre que, mesmo frente chegada desses novos tempos para a vtima, o
direito penal continuou sem dar destaque a este personagem, sem lhe dar um enfoque
necessrio para a real compreenso do fenmeno do crime, sua reparao e preveno.
Ento importante ressaltar qual a importncia da vtima ao longo dos tempos, e
o que originou os estudos que hoje vemos e qual a funo dele frente a nossa sociedade.
2.1 Noes Gerais sobre Vitimologia
A Vitimologia no uma cincia nova. O termo vitimologia pode realmente
ser recente, mas seu objeto vem sendo, ao longo dos tempos estudado.
Estes primeiros estudos surgiram em 1947, quando o advogado Beijamim
Mendelsohn, numa conferncia pronunciada no hospital da cidade de Bucareste, usou
em pblico, pela primeira vez o termo Vitimologia, enquanto cincia biopsicosocial.
Segundo Mendelsohn devemos compreender que os limites da Vitimologia devem
estabelecer-se em relao ao interesse da sociedade nos problemas das vtimas. Nestes
termos, definia-se a Vitimologia como cincia sobre as vtimas e a
vitimizao.(PIEDADE JUNIOR, 1993).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, houve a difuso das idias e resultados
dos estudos desta cincia nova. O objetivo era prevenir os processos vitimizantes,
pesquisar a personalidade e comportamento da vtima e buscar alternativas que
assegurassem a reparao da agresso sofrida (PEDRA JORGE, 2005).
Foram trs as vezes da histria da Vitimologia ou do status da vtima do delito
(MOLINA & GOMES, 1997, p.65). A primeira, fase da vingana privada e da justia privada, momento do protagonismo da vtima. Este momento se equipara as duas primeiras fases da histria do direito penal. Na segunda fase, a de neutralizao, a vtima marginalizada, ficou em segundo plano. Podemos comparar este perodo ao momento do direito penal em que o crime uma transgresso ao Estado. E finalmente, o perodo atual, do redescobrimento, sculo que est assistindo vtima sair do ostracismo (Fernandes, 1995, p. 18), perodo este no destacado pelo direito penal. (PEDRA JORGE, 2005, p.2).
Para Ana Sofia Schimdt de Oliveira, so quatro as fases que a vtima percorreu at
os tempos atuais. 3
Alline Pedra Jorge, ensina que o estgio atual est inserido no perodo
humanitrio, uma vez, que segundo a autora, a legislao atual uma das mais humanas
que tivemos, embora no que diz respeito aplicao, h disparidades:
1 Para a autora, tivemos o perodo da vingana privada, que corre desde os primrdios at o fim da Alta Idade Mdia; da vingana pblica, com a crise do feudalismo e o surgimento da Inquisio, onde, no conflito, o Soberano substituiu a vtima; o perodo humanitrio, a partir do sculo XVIII; e o estgio atual, ao qual cada autor atribui um ttulo diferente. (OLIVEIRA, A. apud PEDRA JORGE, 2005, p.2-3).
(...) verificamos as distores, e o seu descumprimento por aqueles que ainda no compreendem que uma poltica criminal eficiente deve primar pelo respeito ao prximo e pela justia aplicada de forma racional e neutra, sem resqucios das emoes vingativas de outrora. (PEDRA JORGE, 2005, p.3).
A proposta sugerida pela Vitimologia atual e as bases que a fomentaram so a
semente para o que se tem hoje, vez que o principal intuito desta cincia dar a vtima o
posicionamento que ela merece na relao criminal.
2.1.1. Protagonismo da vtima
A vtima, nos primrdios da civilizao, teve o papel imprescindvel na punio
dos autores de crimes. Tambm chamada de Idade de ouro, esta fase se caracteriza
pela vingana ou justia privada, perodo que corresponde desde o incio da civilizao
at o fim da Alta Idade Mdia e incio na Baixa Idade Mdia (sculo XII), fase a qual a
punio dos autores dos crimes ficava por conta das prprias vtimas. (FERNANDES,
1995).
O crime era a violao de um tabu (lei dos deuses) (PEDRA JORGE, 2005).
Nesse perodo, acreditava-se que quando se cometia um crime, a ira dos deuses era
instigada e recaa de forma malfica sobre todos os membros da tribo. Temendo os
castigos das divindades em toda a tribo, a vtima buscava por si mesma, a punio do
agressor. S assim, a ira divina seria aplacada, evitando o castigo dos habitantes.
Outro tipo de castigo, considerado a pior das punies, era o banimento. O
ofensor ficava entregue a sua prpria sorte. Com isso, outras tribos rivais acabavam por
mat-lo. Para os danos mais leves, a punio era de menor intensidade. Mas ainda cabia
a vtima buscar a reparao ao mal causado.
Quando o infrator era estranho ao grupo, a resposta ao tabu era a imposio de
males fsicos, tomadas de seus bens materiais e at a morte. A punio tambm recaia
sobre a famlia e toda a tribo a qual pertencia o ofensor. Isso acontecia por no haver
nenhum tipo de instituio jurdica nem legislaes que previsse a reparao criminal.
Com o surgimento das organizaes sociais, nasce a figura do juiz imparcial.
Esta figura introduz uma nova percepo sobre a aplicao da pena. A admisso de
uma terceira pessoa na relao criminal instaurou a Ao Penal Privada.
(OLIVEIRA, 1999).
Nesse contexto, surge o primeiro cdigo romano escrito, a Lei das XII tbuas.
Essa lei Lei de Talio determinava que o mal causado deveria ser reparado de
maneira proporcional ao mal sofrido, equivalendo-se vtima e infrator.
A vtima nessa fase ocupava um papel de destaque. Acrescentamos, ainda
um tanto quanto brbara esta forma de punio, mas, se comparada ao momento em
que vivamos, representa um avano, e um embrio do princpio da
proporcionalidade. (PEDRA JORGE, 2005, p.5).
Portanto, o papel utilitrio da vtima, como mero repositrio de informaes
(OLIVEIRA, 1999), o ponto inicial da fase que chamamos de neutralizao da
vtima.
2.1.2. Neutralizao da vtima
O ponto culminante que levou a vtima a perder seu papel primordial na soluo dos
conflitos penais se deu, sobretudo, com a assuno do Estado e do Direito Penal como
instituio pblica, na aplicao do poder punitivo. (PEDRA JORGE, 2005).
Antes de o Estado Moderno tomar para si o poder e impedir a vingana privada,
Igreja, aos Senhores Feudais e aos Reis, cabia a punio do estado, incluindo castigos
severos, a condenao de ordem pecuniria e apropriao dos bens (PEDRA JORGE,
2005), os quais administravam os valores angariados repassando uma nfima parte para
as vtimas.
A vtima ento passa a ser desnecessria para a elucidao e efetiva represso dos
crimes, pois o delito passou a ser uma ofensa a toda sociedade e a toda a ordem, no
mais ao indivduo, tendo o Estado o dever de coibi-lo.
A vtima passa a exercer um papel secundrio, pois o direito penal surge como matria de ordem pblica, e o crime passa a ser ofensa boa ordem social, cabendo ao Estado reprimi-lo, e no mais prpria vtima. A vtima, ocupando ento uma posio perifrica, tem o exerccio de suas prprios razes, anteriormente legitimado, agora definido como crime. (PEDRA JORGE, 2005, p.7).
Com o nascimento do Processo Penal e do Estado assumindo controle do jus
puniendi, surge tambm um personagem, que at ento no existia: o procurador
(OLIVEIRA, 1999). No cometimento do crime, a figura do procurador teve a funo de
representar a vtima, fazendo seu papel.
O objetivo do Estado na interveno dos conflitos era o de afastar a rivalidade
entre o agressor e a pessoa ofendida, vez que o julgamento com a imparcialidade estatal,
afastaria a crueldade das vinganas aplicadas aos autores dois crimes.
Alline Pedra Jorge diz que foi essa fase que a vtima, mais do que nunca foi
considerada to somente sujeito passivo do crime, como se esta no fizesse parte da
trama. (PEDRA JORGE, 2005, p.8).
Nessa fase, o modelo usado para alcanar a verdade, era a Inquisio. Usado pelos
tribunais eclesisticos, foi o mtodo precursor que inspirou o inqurito policial que
temos at os dias de hoje. (PEDRA JORGE, 2005).
Segundo o procedimento de Inquisio, os fatos deveriam ser reconstrudos,
quando no havia o flagrante. Com isso, a vtima era retirada do papel principal do
cenrio criminal e foi relegada funo meramente informativa. Quando o Estado
assumiu o processo de investigao, a vtima no era mais necessria. Diferentemente
da Idade de ouro ela no mais escolhia a punio do seu algoz. (PEDRA JORGE,
2005).
Contrariando o objeto principal do nascimento do processo, que visava a
humanizao das penas aplicadas aos agressores, a legislao penal desse perodo foi
marcada pelas atrocidades cometidas nas execues das penas, passando esta a ter um
carter extremamente rigoroso e intimidativo.
Ento, a proposta vingativa ao mal causado tinha apenas mudado na esfera
aplicativa, vez que, ao invs da vtima aplicar os castigos, quem o fazia agora era o
Estado. A parcialidade e a inteno de vingana permaneciam, s que desta vez
exercida pelo legitimados publicamente para tal. A vingana deixa de ser privada para
ser pblica (PEDRA JORGE, 2005), e a severidade da punio tambm permanecia.
Tambm nessa poca, as medidas de carter pecunirio foram vastamente
ampliadas. Sendo o Estado responsvel pela punio do agressor, confiscava os bens
derivados das multas penais, tendo para a reparao do crime o carter lucrativo aos
cofres pblicos. (PEDRA JORGE, 2005).
Esta fase durou at a Revoluo Francesa e o Iluminismo, sendo este perodo
cenrio das idias humanitrias, inaugurando uma nova poca para as vtimas. (PEDRA
JORGE, 2005).
2.1.3. Redescobrimento da vtima
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, e o fim do Holocausto, as atenes para
as vtimas e o movimento em defesa dos direitos humanos intensificaram-se. Houve
toda uma preocupao, no respeito s infraes penais, o crime, o crescimento da
criminalidade e com isso, a criao de rgos que protegessem a ordem internacional,
que visassem s minorias, os desprotegidos, dando amparo aqueles que passassem por
processos vitimizantes. ( PIEDADE JUNIOR, 1993)
Nesse contexto nasceram os movimentos cujo objeto de preocupao era a
vtima. Aps a Segunda Guerra Mundial, comeou-se a debater o papel da vtima, que
passou a ser estudada como parte da dinmica do delito. (PEDRA JORGE, 2005). A
pessoa ofendida tem nesse contexto um tratamento humano e no mais mera pea
participante do processo criminal.
Sem entender por que as vtimas eram relegadas com tamanho desinteresse, em
1947, em Bucareste, o professor e advogado Benjamin Mendelsohn afirmou ser
impossvel se fazer justia esquecendo-se das vtimas (PEDRA JORGE, 2005). Em 1956,
Mendelsohn publica seu primeiro trabalho: A Vitimologia, afirmando se tratar de um
novo horizonte na cincia biopsicossocial.
Com isso, expandiram-se em grande parte do mundo obras tratando do tema, mas
s na dcada de 70 que o movimento vitimolgico ganha efetiva representao. A
Sociedade Mundial de Vitimologia criada em 1979 e no Brasil, como no poderia
deixar de se inserir nessa nova tendncia, foram sentidos os reflexos nesse novo
contexto que se manifestava em todo o mundo. (FERNANDES, 1995).
Todavia, apesar da vtima ter adquirido espao e institutos que se preocupassem
em estud-la, ganhando mais representao e vez no panorama processual, os estudos
desta fase refletiram tambm idias que deixavam muitas vezes a figura da vtima em
uma situao pior que a fase de neutralizao, onde a ela somente exercia um papel
informativo.
A ttulo de exemplo, citamos a tipologia da vtima, construda neste perodo
inicialmente por Mendelshon, e depois atualizada por Hans von Henting na dcada de
1940, bem como por outros pesquisadores4, que classificam a vtima no contexto do
crime de acordo com uma escala que vai da maior menor contribuio para a
consumao do delito, tudo isto de acordo com o seu comportamento. Desta forma, a
vtima deixa de ser sujeito passivo, para ser vista como sujeito integrante do contexto
criminal (PIEDADE JUNIOR, 1993).
Atualmente, a Vitimologia tem outras preocupaes diferentes daquelas que
deram origem aos seus estudos. A classificao da vtima em inocente, provocadora,
colaboradora utilizada meramente pela doutrina ou por advogados de defesa que
procuram na vtima uma justificativa para o consentimento dos atos brbaros dos seus
clientes.
Segundo Piedade Junior (1993), hoje, nos pases onde a Vitimologia teve
promissores avanos, cientficos, sociais e jurdicos, a tipologia da vtima ficou em um
plano secundrio.
A Vitimologia moderna tem o objetivo de estimular a criao de programa de
assistncia s vtimas de crimes, mudanas legislativas que valorizem e proteja a pessoa
da vtima, sua maior participao na justia criminal. Busca tambm meios que
orientem-na reparao necessria pelo dano sofrido.
Em termos de Brasil, no sculo que est assistindo a vtima sair os ostracismo
(FERNANDES, 1995, p.8), desde 1996 o nosso Estado tenta de algum modo,
compensar a vtima, e comea a procurar mecanismos para que os direitos das vtimas
sejam garantidos e protegidos.
Portanto, faz parte do rumo da prtica penal a tendncia a se preocupar com a
vtima, sua valorizao e a reparao pela ofensa que lhe ocorreu. Isto no quer dizer
que os acusados sero abandonados, ou que seus direitos adquiridos sero subtrados. O
que a Vitimologia moderna busca, trazer a vtima um patamar no s assistencial,
mas tambm de garantia aos seus anseios no processo criminal. No se quer com isso
garantir e retirar direitos, mas de colocar cada um com o que seu devidamente: ao
4 Alm de Mendelsohn, Heiting outros pesquisadores preocuparam-se com a classificao da vitima, como Ellenberger, no Canad, Graven na Sua, Schafer na Inglaterra, Israel Drapkin, em Israel, Jimnez de Asa, na Argentina, Margery Fry, tambm na Inglaterra.
ofendido, a punio pelo ato que cometeu, e a vtima uma resposta do sistema pelo dano
que lhe foi causado.
2.3 AS TIPOLOGIAS VITIMAIS
Quando se comeou a despertar o interesse pela problemtica do crime, a vtima
passou a ser estudada no mais como sujeito passivo na relao criminal, mas como
parte integrante e at mesmo, determinante na ocorrncia do crime.
Os estudo com a vtima aprofundavam-se cada vez mais em seus aspectos
biolgicos, antropolgicos, psicolgicos e jurdicos, numa reflexo multidisciplinar. Foi
assim que surgiu a tipologia da vtima. (PIEDADE JUNIOR, 1993).
Em linhas gerais, a Vitimologia classifica a vtima de acordo com uma escala que
vai da maior menor contribuio para a consumao do delito, de acordo com o seu
comportamento.
Dentre as classificaes, destacamos a de Mendelsohn que distribuiu as vtimas em cinco classes.A vtima inteiramente inocente; a de culpabilidade menor, que d um certo impulso involuntrio ao crime; a vtima to culpada quanto o infrator, que adere a sua conduta ou a sugere; a vtima mais culpada que o delinqente ou provocadora, que incita a prtica do crime com sua conduta, resultando como vtima da ao de algum que ela mesma provocou, como que obrigando o agente do delito a atuar contra sua pessoa; e a vtima inteiramente culpvel ou agressora, que inicia a conduta como agressora e termina sendo vtima. (PIEDADE JUNIOR, 1993, p. 100; PEDRA JORGE s.d)
Esse tipo de classificao explica apenas o nvel de interao entre autor e vtima
do crime, levando a crer que existem vtimas que provocaram sua prpria vitimizao
(OLIVEIRA, 1999). Desta forma, tipologias como essa, por vezes, so utilizadas para a
aplicao da pena, respaldando-se na anlise do comportamento da vtima e sua suposta
contribuio ou provocao para o ato criminoso.
Apesar das severas crticas que as tipologias receberam, os advogados de defesa,
sobretudo nos crimes sexuais, ainda lanam mo desse artifcio, no intuito de
responsabilizar a vitima pela agresso que ela sofreu. Todavia, isso nada mais do que
tentar justificar, mesmo que absurdamente, na pessoa ofendida uma suposta parcela de
culpa para o acontecimento de aes inaceitveis, e sobrecarreg-la como merecedora
das aes delituosas praticadas contra si mesma.
E por isso que apesar das tipologias terem sido muito utilizadas, hoje despertam
pouco interesse prtico. Piedade Junior, entende que a nica contribuio das tipologias
foi o de mostrar que a vtima no era uma figura de passiva, inocente e nem tinha o
papel da pessoa vencida, derrotada. Ao contrrio, a Vitimologia tornou evidente que a
vtima pode ter exercido uma cooperao relevante, acidental, negligente ou dolorosa na
conduta do agente.(PIEDADE JUNIOR, 1993, p.106).
Tentativas como essas de justificar uma suposta contribuio da vtima para
vir a achar que ela mereceu a violncia sofrida, alm de colaborar para o desrespeito e
a banalizao pessoa vitimizada, ainda faz com que ela seja submetida reiteradas
vezes a processos de vitimizao, alm de no buscar o combate efetivo dos atos
violentos e da discriminao dos que vivenciam situaes vitimizantes.
A Vitimologia moderna, ao contrrio, busca a proteo da pessoa agredida,
acompanhando a legislao no intuito de valorizar a vtima e garantir seus direitos,
bem como estudar os processos de vitimizao e garantir polticas assistenciais para
a proteo da pessoa ofendida, e no mais tentar mostrar uma co-participao da
vtima na agresso que ela mesma sofreu, atenuando a culpa do agressor, na
justificativa de que a pessoa agredida participou e/ou contribuiu para o
acontecimento do delito. (PEDRA JORGE, 2005).
2.4 O PROCESSO VITIMIZANTE
Para Heitor Piedade Jnior, vitimizao ou processo vitimizatrio a ao ou
efeito de um indivduo ou grupo de se vitimizar ou de ser vitimizado por terceiros. H
nesse sentido, segundo o autor, a clssica dupla vitimal, com a vtima de um lado e o
agressor de outro. Segundo Heiting a vtima, que por vezes, plasma o criminoso
(PIEDADE JUNIOR, 1993, p.107).
Ento, a vitimizao no um ato unilateral, onde h uma ao por parte da
prpria vtima ou de terceiro. Existem inmeros processos de vitimizao que as
pessoas sofrem de forma despercebida. Ou talvez at percebam a agresso e se sintam
prejudicadas, mas no procuram mecanismos legais para fazer parar seu sofrimento,
omitindo-se ou se reiterando do contexto que est provocando a vitimizao. (PEDRA
JORGE, 2005, p. 21).
No s pessoas, as vtimas desse processo vitimizatrio podem ser tambm,
grupos sociais, pases, instituies. Basta que estes passem por processos de
degradao, limitao e violncia. A vitimizao pode acontecer de diversas formas,
desde a agresso fsica e/ou psicolgica domstica, por exemplo, ou mesmo a privao
dos direitos bsicos e as garantias sociais que so destinadas aos cidados.
Os indivduos acometidos pela violncia (agresso) direta, na forma de leso ou
ameaa, ainda que interrompida a agresso, sofrem ainda com as conseqncias deste
ato criminoso, seja na forma da discriminao social ou da dificuldade ou
impossibilidade de acesso aos rgos pblicos, ou ao sistema penal.
Portanto, concordando com Alline Pedra Jorge, vitimizar nem sempre advm de
um crime, nem de um prejuzo, agresso ou ofensa, que deixe conseqncias como o
trauma. Aps o delito, a vtima pode ser levada a vrias etapas de vitimizao,
especialmente quando o sistema a trata com desrespeito e pouco interesse, fazendo com
que esta vtima seja violentada secundariamente.
3. O ARTIGO 201 CPP E A VITIMOLOGIA
O artigo 201 no novo Cdigo de Processo Penal estabeleceu de fato uma
verdadeira oxigenao no sistema de leis penais. As alteraes como esto postas, tem a
nosso ver o objetivo precpuo de valorizar a vtima e torn-la sujeito de direitos.
O que se notava at ento que a vtima, embora com novos estudos voltados
para ela, na prtica, ficava relegada meramente a funo de depositrio de informao, o
que gerava nesta uma perspectiva frustrante.
J estava na hora das vtimas serem ouvidas e compreendidas nos seus anseios,
para inclusive o se fazer valer o andamento concreto da justia. A maioria das pessoas
que j sofreram agresses, desejavam ser tratadas no mbito do processo como seres
humanos, que apesar de terem sido acometidos por aes violentas teriam a
oportunidade de se posicionar perante o processo que resolveram mover, sem portanto
constituir apenas dar notcia do que aconteceu no dia do crime.
"No sistema penal atual, os conflitos so decididos por pessoas estranhas e as partes originalmente envolvidas desaparecem. Aquela que representada pelo Estado a vtima s tem papel de desencadear o processo e prestar algumas informaes. A vtima uma perdedora diante do autor da infrao e diante do Estado; no recupera o que perdeu para o infrator, pois as penas no levam em conta seus interesses, e perde ainda a oportunidade de vivenciar de forma positiva o conflito, que no mais seu. A localizao das salas de julgamento nos tribunais das cidades grandes, a ritualizao dos atos, a linguagem peculiar uma verdadeira subcultura -, tudo afasta a vtima que, quando comparece em juzo, percebe que seu conflito propriedade dos advogados, dos promotores, dos juzes. A despersonalizao dos conflitos reflete o desempenho dos papis sociais; nas sociedades industrializadas, as pessoas se conhecem em fragmentos, de acordo com os papis que desempenham em cada cenrio da vida, e o sistema penal no oferece oportunidade para que as partes e os operadores atuem como seres humanos integrais". (OLIVEIRA, 1999.)5
"O abandono da vtima do delito um fato incontestvel que se manifesta em todos os mbitos: no Direito Penal (material e processual), na Poltica Criminal, na Poltica Social, nas prprias cincias criminolgicas. Desde o campo da Sociologia e da Psicologia social, diversos autores, tm denunciado esse abandono: O Direito Penal contemporneo advertem acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vtima a uma posio marginal, no mbito da previso social e do Direito civil material e processual".(GOMES, Luiz Flvio; MOLINA, 2000.)6
Isso se deu, pois apesar da Vitimologia e de uma poltica vitimolgica estarem
difundidas largamente atravs dos anos, poucos a conhecem e a aplicam.
comum professores, juzes, promotores e, sobretudo advogados no saberem
sequer do que se trata essa tal cincia, e os que tm uma vaga idia, usam-na
erroneamente, no intuito de reverter os papis entre vtimas e criminosos remontando a
tais tipologias vitimais, h tempos superadas.
O que nos parece ainda mais gritante, que o entendimento da vitimologia ajuda
necessariamente a melhor compreender o intercmbio existente entre a vtima e justia
penal, ou seja, o desconhecimento desses estudos invialibiza a interao entre os
sujeitos, desequilibrando assim, o processo criminal.
Depois de tanto se discutir essa temtica, j no se concebe a idia de ter o
ofendido como mero transmissor de informao, desatrelado do momento processual.
Este indivduo tem toda uma carga de sofrimentos, receios, interesses que devem ser
avaliados e mensurados. 5 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt. A Vtima e o Direito Penal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999 6 GOMES, Luiz Flvio; MOLINA, Antnio Garca-Pablos de. Criminologia. 3 ed. Trad. Luiz Flvio Gomes. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000
Ento, diante da legislao vigente, era indispensvel se fazer algo voltado para
a proteo da vtima e buscar consequentemente seu posicionamento como sujeito de
direitos.
Eis que surge uma nova Lei no nosso Cdigo de Processo Penal, Lei n
11.690/2008 com mudanas de ordem material e processual.
Avaliaram-se primeiramente as necessidades do ofendido para que se
minorassem as distncias que havia entre a garantia de seus direitos e do agressor.
Talvez por sofrer retaliao no sistema penitencirio, existia uma tendncia a se
observar a garantia dos direitos humanos do ofensor, enquanto a vtima ficava posta de
lado, como se no fizesse parte do processo.7
Ento, a nova lei e com captulo prprio cujo ttulo d ao ofendido importncia,
notoriedade e, sobretudo a exclusividade pioneira, valoriza a vtima, reconhece os
postulados cientficos da Vitimologia, alm de, desta forma, consider-la sujeito de
direitos, participando sempre da dinmica do feito como ensina o professor Heitor
Piedade Jnior.
4. O PAPEL DA VTIMA E A NOVA LEI
Alline Pedra Jorge, diz que a Vitimologia quer, principalmente colocar o
ofendido em um patamar de respeito e igualdade de direitos, pois (...) quem realmente
sofre a ao delitiva, e raras vezes consegue participar ao menos da persecuo
criminal, quem dir ser indenizada.
Como j previa Alline Pedra em seu artigo Mas o que essa tal Vitimologia?
(...) Os novos rumos da justia criminal esto apontando para uma maior valorizao
da vtima, e principalmente para o carter pblico da reparao do dano que lhe fora
causado.8
7 No queremos aqui fazer discusso de modo a extirpar os direitos do acusado, mas somente demonstrar a carncia de um tratamento eqitativo e respeitoso para o ofendido, levando-se em conta sua dignidade e privacidade; segurana; alm da comunicao sobre todo o andamento do processo, bem como sobre o agressor e sua condenao, sentena, priso e liberao. Isso alm de tentar dirimir a dicotomia que existem entre os personagens do crime uma questo, muitas vezes, de vida e liberdade das vtimas. 8 PEDRA Jorge, Alline. Mas o que esta tal Vitimologia? Coletnea de Direitos Humanos - Frum Permanente contra a Violncia (na editora), (s.d).
As conseqncias desse esquecimento, que perdurou at o advento da nova
legislao podem ter consequncias muito extensas. Quando a pessoa da vtima vai
buscar a reparao por danos sofridos, termina por ser lesionada mais uma vez, dar-se-
ensejo a toda uma cadeia de aes e reaes, quais sejam o prprio distanciamento do
ofendido do sistema de justia e at a impunidade.
Diante do exposto, ser que podemos dizer que nossos legisladores, aps a
anlise desses questionamentos e preocupados com a pessoa da vtima e todo o seu
processo de revitimizao buscaram na Vitimologia soluo para diminuir as
dissonncias entre vitima e agressor?
A nova lei parece que foi inspirada no que ensina a Vitimologia moderna, e sua
preocupao com polticas que tratam a vtima com a mesma importncia que se tem o
agressor ao longo do curso processual.
Nunca se teve uma preocupao to evidente com a vtima e seus interesses
legtimos, sua segurana e porque no falar de seu bem estar dentro durante o fluxo do
processo. Esse tratamento mais humanitrio perpassa a pessoa da vtima e trs somente
vantagens a elucidao de crimes e a reparao dos danos causados as pessoas que
sofreram aes violentas. Alm disso, d justia a funo primordial que tratar
dignamente e igualmente os sujeitos envolvidos e isso que a lei, inspirada pelos
ensinamentos da vitimologia quer.
5. O TRATAMENTO DISPENSADO A VTIMA NO PROCESSO PENAL
A reforma operada em especfico pela Lei 11.690, demonstrou uma preocupao
do legislador com a pessoa vtima no processo penal. Esta, antes vista como um
figurante na relao criminosa e processual advinda desta violao norma, como
mera fonte de prova, objeto material sobre o qual recai o ilcito, mereceu um maior
relevo na lei processual quando foram estabelecidos mecanismos de efetiva participao
e acompanhamento da vtima ao processo, bem como medidas para assegurar a
integridade fsica e o bem-estar da mesma. Tais alteraes, se cumpridas, possibilitaro
uma nova viso da vtima que deixar de ser mero sujeito passivo do crime, para ser
efetivamente parte inerente ao processo.
O ofendido que ao pleitear seu direito subjetivo de requerer a tutela jurisdicional,
seja pelo exerccio do Estado, no caso de ao pblica, seja pelo prprio particular
vitimado em se tratando da ao privada, busca uma resposta estatal ao mal que lhe foi
causado. Apesar de mostrar-se como parte intrinsecamente interessada no desenrolar do
processo, a vtima, pela sistemtica anterior no precisava, no caso de ao pblica, ser
intimada de qualquer ato processual praticado, somente quando esta era convocada a
prestar declaraes o que na prtica se mostrava em raras ocasies quando eram
arroladas pelo Ministrio Pblico, ou seja, com o interesse to somente na verso que
lhe cabe dos fatos, na perquirio de meios de prova, o que se demonstra de fato
importante para busca de uma condenao, mas no o fim em si mesmo de sua
participao.
Ora, este desamparo para com as vtimas abandonadas pela mquina estatal,
reflete-se em um desestmulo da mesma em acionar o poder judicirio, haja vista ficar
relegada prpria sorte dos acontecimentos que permeiam o processo criminal em que
est envolvida, caso no possua advogado particular ou membro do Ministrio Pblico
preocupado em lhe passar estas informaes. No saber o que se passa no processo, no
saber o deslinde do caso, se os procedimentos esto seguindo a estrita legalidade, no
receber um tratamento adequado, faz surgir o que se chama de vitimizao secundria
que se traduz em um dano adicional que causa a prpria mecnica da justia penal
formal em seu funcionamento. (1)
6. A NOVA SISTEMATICA DA 11.690/08
Atualmente, conforme leitura no art. 201, 2, h expressa previso de que o
ofendido, ainda que no habilitado como assistente de acusao, seja comunicado dos
atos processuais relativos ao ingresso e sada do acusado da priso (o que demonstra
preocupao tambm com a segurana da vtima), designao de data para audincia e
sentena e acrdo que a mantenham ou modifiquem.
Essas mudanas possibilitam que a vtima possa acompanhar de perto o
andamento da persecuo criminal, no s participando do momento da produo
probatria, mas tomando conhecimento dos atos relacionados ao acusado, da instruo
processual como um todo e da sentena proferida, ou seja, deixando de ser, numa
anlise maior, objeto de direito para ser sujeito de direitos, consubstanciado no exerccio
de sua cidadania.
Questiona-se, contudo quais as conseqncias advindas pela inobservncia deste
mandamento de comunicao ao ofendido. Haveria nulidade ou mera irregularidade?
H entendimento nos dois sentidos. Do ponto de vista de efetividade da lei, faz-se
necessrio haver algum tipo de sano processual em caso de descumprimento, para
evitar que se torne letra morta e a vtima continue a par das repercusses processuais.
7. PRESERVAO DO OFENDIDO
Ser vtima, ou na melhor concepo vitimolgica, estar vtima, uma tarefa
bastante rdua frente ao nosso sistema penal. Estar nessa condio implica em uma
violao infligida pelo crime cometido e secundariamente outras tantas praticadas pelo
prprio Estado, que se afigura na vitimizao secundria j referida.
A via crucis enfrentada pela vtima na busca de uma resposta ao mal sofrido faz
com que esta seja desestimulada a procurar a justia. J na primeira ao, quando vai
fazer a noticia criminis, depara-se com uma Delegacia de Polcia desestrutura e com
profissionais no qualificados para fazer seu acolhimento e lhe proporcionar um
ambiente seguro, sendo seu relato na maioria das vezes recebido de maneira fria e
perante diversas pessoas, sejam agentes policiais ou outras vtimas e agressores que
aguardam para serem atendidos.
J na fase processual, o desprestgio da vtima e a despreocupao com essa figura
so de toda ordem: encontro com o acusado nos corredores do Frum; Juzes insensveis
que no questionam se a presena do ru na sala de audincias quando das declaraes
da vtima a incomoda, possibilitando sua sada; julgamentos desarrazoados por parte
dos magistrados e mais acentuadamente da defesa, na inteno de desqualificar a vtima,
colocando-a na posio de provocadora do crime; Defensoria Pblica essencialmente
voltada para o ru; Ministrio Pblico preocupado em fazer o seu mister, ou seja, a
acusao, pouco importando-se com a vtima e sua satisfao.
Diante dos percalos sofridos pelo ofendido no cotidiano da prtica forense
frequente a sua desistncia do processo quando titular da ao ou sua falta de interesse
em se inteirar do andamento da ao pblica. Tal situao proporciona um descrdito na
polcia e no poder judicirio que no lugar de serem vistos como espaos de exerccio da
cidadania, acabam por violar anda mais os direitos de quem os procura, favorecendo,
em ltima anlise a impunidade.
8. ALTERAO LEGISLATIVA
A lei 11.690, mudando um pouco o panorama acima apresentado, promove uma
mudana na perspectiva da vtima durante a persecuo penal vendo-a como pessoa
que merece proteo e amparo do Estado, no s quanto s pretenses materiais e
resguardo individual, mas tambm para que no seja atingida pelos efeitos diretos e
indiretos do processo, como exposio mdia, traumas psicolgicos, risco a
integridade fsica, dentre outros.(2)
No 6, do art. 201, o legislador previu que o Juiz tomar providncias necessrias
preservao da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo ainda,
para coibir a exposio aos meios de comunicao, determinar o segredo de justia em
relao aos dados, depoimentos e outras informaes constantes dos autos. H ainda a
previso de um espao reservado para o ofendido antes da audincia e durante sua
realizao (4).
Aps anos de esquecimento, a vtima mereceu um certo destaque na legislao,
sendo um importante instrumento para coibir que haja maiores danos para esta figura,
especialmente nos crimes sexuais. Faz-se necessrio observar se esta previso est
sendo cumprida, se os magistrados esto mesmo aplicando providncias nesse sentido.
Ser que eles so sensveis o bastante para observar quando so necessrias? O que
fazer? Quais medidas tomar? Qual o interesse da vtima? So conhecedores do sistema
de proteo a vtimas e testemunhas ameaadas? Quais polticas pblicas poderiam ser
acessadas em socorro s necessidades das vtimas? H espaos no Frum para garantir
esse lugar reservado? Sua real aplicao significa resguardar a vtima de exposies,
garantindo sua proteo, possibilitando-lhe uma maior segurana para perseguir suas
pretenses.
9. ATENDIMENTO A VTIMA
Alterao das mais significativas, sem dvida, foi a que estabelece que o Juiz
possa encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar ainda s expensas do
ofensor ou do Estado (5). Andou mal o legislador quando no estabeleceu ser esta
providncia de cunho obrigatrio, pois deixar a critrio do Juiz, que se mantm afastado
da vtima, de suas angstias, necessidades, dvidas, aflies, esse encaminhamento
poder fazer com que no haja essa aplicao, continuando a vtima abandonada
prpria sorte.
Esse atendimento multidisciplinar de suma importncia, levando-se em
considerao que o crime traz consigo conseqncias de toda ordem, que no apenas
uma resoluo no judicirio consegue dirimir, necessitando da interveno de outras
reas como as citadas no corpo da lei, psicossocial e de sade para dar um suporte maior
vtima. Vale registrar que existem os Centros de Apoio s Vtimas, presente na
maioria dos Estados, que oferece assistncia jurdica, psicolgica e social gratuita e com
atendimento qualificado s vtimas de crimes.
10. CONCLUSO
Embora a mudana da lei e o papel das vtimas quando mudados constitua um
marco louvvel para os estudos vitimolgicos, o que nos preocupa enquanto
participantes desse processo se nossos aplicadores jurdicos cumpriro o que o Novo
Cdigo de Processo Penal determina.
No adianta ter a letra da lei isoladamente. preciso tambm uma mudana
radical nas mentes e valores de quem vive diariamente com o cenrio do crime. A lei
precisa se fazer valer na sua inteireza, sendo cobrada por todos que a aplicam. As
vtimas precisam ser orientadas de que elas possuem esses direitos e garantias.
Esse tipo de mudana causar no s maior segurana para dar continuidade ao
processo, que j um caminho demorado e doloroso, mas poder inclusive contribuir
para a diminuio da impunidade.
Portanto, inspirados pela vitimologia moderna ou no, essa lei busca a proteo
e a garantia da pessoa da vtima, mostrando que tambm h espao para ela durante a
persecuo processual.
O que no se pode esmorecer so as constantes fiscalizaes, se h o
cumprimento efetivo do artigo 201 e seus pargrafos por juzes, promotores, que ainda
que se preocupando com a ordem pblica, olhe para a pessoa do ofendido com
igualdade material na busca de seus direitos garantidos.
Os advogados das vtimas tero papel fundamental lutando por seus interesses
no efetivo cumprimento das mudanas, devendo ser verdadeiros conhecedores de todos
os mecanismos que tragam um tratamento mais digno, justo e igualitrio para o ser
humano vtima.
A nosso ver, o objetivo primordial para as transformaes realizadas pela nova
lei foi garantir ao ser humano vtima um tratamento mais justo e igualitrio e a
preservao de seus direitos e interesse pela justia penal.
Esperamos, todavia, que a Lei no constitua fato pontual no direito, mas que a
vitimologia seja uma das bases estruturais que formaro uma nova tendncia inspiradora
para as legislaes que viro.
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Notas
(1) CERVINI, Ral. Os Processos de Descriminalizao, traduzida por Eliana Grania et
alli, 2. ed. So Paulo: RT, 1995.
(2) ALENCAR, Rosnar; TVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3. ed.
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