UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
O 4º e o 3º milénios a.n.e. no sítio da Ota (Alenquer)
Perscrutando por entre colecções antigas e projectos
recentes
Volume I
André Texugo Lopes
Dissertação de Mestrado em Arqueologia
2016
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
O 4º e o 3º milénios a.n.e. no sítio da Ota (Alenquer)
Perscrutando por entre colecções antigas e projectos
recentes
André Texugo Lopes
Dissertação de Mestrado em Arqueologia
Tese orientada pela Professora Doutora Ana Catarina Sousa
2016
AGRADECIMENTOS
A realização desta dissertação de mestrado só foi possível graças à colaboração e ao
contributo, de forma directa e indirecta, de várias pessoas e instituições, para as quais gostaria de
exprimir algumas palavras de agradecimento, admiração e reconhecimento:
Aos meus pais e irmão, por serem o núcleo duro do que eu sou, por me formarem em
todas as valências da palavra, por terem lutado, acreditado e reconhecido o meu futuro. Obrigado
por me terem proporcionado este momento e por termos sido uma família, em todos os momentos
deste percurso, face a tantas e tão duras adversidades.
Ao Diogo Lourenço, Nelson Mota e Ricardo Pereira, agradeço a amizade, ajuda em
diversos pontos desta dissertação, nomeadamente, nos desenhos técnicos, mas, sobretudo, a
presença, a confraternização, o empenho na elevação da moral e a resistência ao meu fatigante
estado de alma.
Ao António Carlos Valera, que de forma directa, ainda que sem se aperceber (creio eu!),
funcionou como exemplo de boas práticas e caminhos necessários na investigação, incutindo
sempre um grande grau de exigência, que se reflecte em muitas das ideias apresentadas na
dissertação. Também a forma como acarinhou a minha paixão pela Arqueologia, fazendo-me,
desde o primeiro momento, saber qual seria a meta a atingir.
À Câmara Municipal de Alenquer, por pôr em marcha uma mudança em Alenquer, de
forma sustentada, em que o Património Cultural tem lugar no discurso, caminhando-se para uma
recuperação, valorização e divulgação de uma herança cultural que é de todos, e é, sem dúvida,
um dos pontos mais destacados desta Vila. Ainda neste ponto, quero particularizar as pessoas de
Rui Costa (Vice-Presidente da Câmara Municipal de Alenquer) e Paulo Franco (Vereador) que
acederam sempre aos meus pedidos, correspondendo, com muito interesse, e tornando possível
esta dissertação, nos moldes aqui apresentados.
Ao Filipe Rogeiro, uma enorme palavra de gratidão por ter me proporcionado, com
extrema paciência, o acesso à colecção e os meus “caprichos” científicos.
Ao José Carlos Morais, por me ter confiado, em primeira instância, a coordenação dos
trabalhos de arqueologia do Canhão Cársico de Ota e ter reconhecido em mim a capacidade e o
engenho para os levar a cabo. Obrigado, também, pelo apoio na cartografia e nas questões
climáticas, faunísticas e botânicas.
À restante equipa do Canhão Cársico de Ota agradeço-lhes a aprendizagem, o entusiasmo
e qualidade dos trabalhos produzidos, que irão reconhecer, devidamente, a excepcionalidade da
paisagem cársica de Ota.
Às instituições de Ota, nomeadamente, a Junta de Freguesia de Ota e Centro Social
Recreativo e Desportivo da Ota, representada pelos seus presidentes Diogo Carvalho e Alexandre
Azevedo, respectivamente, que acederam afirmativamente a todos os meus pedidos e se
demonstraram confiantes no sucesso dos trabalhos produzidos.
A toda à população de Ota, por me terem criado no vosso seio, por me terem ensinado a
viver em segurança e em sociedade (para comigo e com os “outros”), por me terem apoiado, por
um lado, e suportado, por outro, e me terem incutido um patriotismo desmedido, por esta terra.
Ao Miguel Cipriano Costa pelo apoio na bibliografia, nos trabalhos de campo e pela
síntese que realizou nos seus trabalhos, que em muito serviram nesta dissertação.
Aos doutorandos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, especialmente, ao
Marco, César e Henrique, pela prospecção e a ajuda no que concerne às geologias locais e aos
locais de aprovisionamento.
Aos meus colegas de curso, particularmente, ao Gonçalo Sá-Nogueira, Álvaro Pereira,
Richard Peace, Luís Constantino Rendeiro, Cátia Delicado, Ana Olaio, Patrícia Castanheira,
Pedro Abade e Filipa Santos, uma enorme gratidão por terem feito parte do meu percurso
académico, e de inúmeras histórias, discussões e sonhos, sempre tendo como pano de fundo uma
Arqueologia melhor.
Ao João Pedro Cunha-Ribeiro, por ter acolhido os meus desafios e propostas, sempre com
um entusiasmo contagiante.
À Ana Catarina Sousa, minha orientadora, que na verdade foi sempre mais do que isso,
orientadora nos trilhos da Arqueologia, incansável, presente e, consistentemente, dedicada aos
alunos, trabalhos, Arqueologia e ao 4º e 3º milénio a.n.e. Neste caso, partilhou o “brilhozinho nos
olhos” pela estremadura portuguesa e persuadiu-me (não foi difícil) a trabalhar a minha “casa”,
num percurso semelhante, com as devidas diferenças, ao seu.
À Ana Catarina Basílio por ter sido tudo desde o primeiro momento, pela paciência (e a
falta dela), pela genialidade que lhe é característica e que me obrigou a crescer, por ter partilhado
este caminho comigo, estando sempre pronta ajudar-me com textos, opiniões, discussões e
grafismos. Agradeço-lhe tudo neste meu percurso, sendo muito mais do que qualquer linha que
pudesse redigir. Obrigado pelo carácter, amizade, carinho, genialidade e coerência.
O 4º e 3 milénio a.n.e. no sítio da Ota (Alenquer): perscrutando por entre colecções antigas
e projectos recente.
A Ota tem sido, recorrentemente, integrada em mapas, em discursos e dados empíricos
sobre as mais diversas temáticas, em muito devido à sua larga diacronia de ocupação - Neolítico
Final ao Período Islâmico – essencialmente baseada no espólio do “Castro” de Ota, em depósito
no Museu Hipólito Cabaço (Alenquer). Este foi integralmente apresentado em 1956, por Ernani
Barbosa num artigo expositivo, funcionando, ainda nos dias de hoje, como base ilustrativa do
espólio existente.
O estudo presente nesta dissertação conjuga as duas realidades disponíveis até à data, a
coleção do Museu e o resultado do projecto COTA – Canhão Cársico de Ota – procurando o seu
enquadramento sociocultural e cronológico. O vazio de conhecimento existente sobre as
estruturas e espaços do sítio, em toda a diacronia, tornou de extrema utilidade esta abordagem,
procurando compreender, e relacionar, a paisagem antrópica dos períodos Neolítico/Calcolítico,
com a “Macro” Região da Estremadura Portuguesa e com a região imediata perfilada pela bacia
hidrográfica dos rios de Alenquer, Grande da Pipa e Ota, que partilham a mesma base geológica
– Jurássico “Lusitaniano”.
Apesar da fragilidade resultante da ausência de contextos, a procura de paralelos com os
sítios mais reconhecidos, em áreas limítrofes, permitiu o estabelecimento de uma caracterização
cronológica relativa e genérica dos materiais arqueológicos. A sua análise seguiu muitas das
propostas de outros autores, ainda que se tenha procurado desenvolver alguns aspectos em
particular, gerando interpretações e justificações preparadas para lidar, em alguns casos, com
possíveis adaptações locais.
O arqueossítio da Ota terá sido, acreditamos nós, em finais do IV milénio e nos séculos
seguintes do III, vivenciado mais intensamente por um conjunto de comunidades, cuja tipologia
de ocupação do espaço, ainda se encontra por determinar, em especial porque pode ganhar ritmos
diferenciados consoante a cronologia. Ainda que, segundo os dados disponíveis, as actividades
agrícolas e florestais se encontrem, minimamente, fundamentadas, em associação ao elevado
número de elementos de tear que poderão, também, suportar uma possível ocupação enquanto
povoado, do local em estudo.
Simultaneamente, as comunidades revelam a manutenção de contactos inter-regionais,
lidos através de algumas matérias-primas encontradas, quer seja devido a um intenso grau de
mobilidade ou relacionado com redes de troca. Esta influência encontra-se registada em materiais
como o anfibolito, os metais, o xisto e algumas tipologias cerâmicas. É certo que esta abordagem
careça de um estudo futuro de proveniências, a fim de alargar o conhecimento acerca das matérias-
primas em questão, ainda assim parecem-nos bons pontos de partida. A Ota representa assim,
mais do que um regresso a um sítio clássico, um regresso à Estremadura Portuguesa, que carece
de novas visões, dados, abordagens e preconceitos.
The 4th and 3rd millennium a.n.e. at the site of Ota (Alenquer): Peering through old
collections and recent projects.
Ota has been recurrently integrated into maps, speeches and empirical data on the most
diverse themes, much due to its wide diachronic occupation - Late Neolithic to the Islamic period
- essentially based on the collection of the "Castro de Ota” in deposit at the Museum Hipólito
Cabaço (Alenquer). The collection was fully published in 1956 by Ernani Barbosa in an exhibition
article, running, still today, as the illustrative basis of the existing artifacts.
The study presented in this dissertation combines the two realities available to date, the
collection of the Museum and the result of the project COTA – Canhão Cársico de Ota - looking
for its socio-cultural and chronological framework. The emptiness existing regarding the
knowledge about the structures and spaces of the site, across the diachronic, has turned this
approach extremely useful, once is seeking to understand and relate the anthropic landscape of
Neolithic / Chalcolithic periods, with the "macro" region of Extremadura Portuguese and with the
immediate region shaped by the river basin of the rivers of Alenquer, Grande da Pipa and Ota,
who share the same geological base - Jurassic "Lusitaniano".
Despite the fragility of the study, resulting from the absence of contexts, the demand for
parallel with the most recognized sites in neighboring areas allowed the establishment of a relative
chronological and generic characterization of the archeological materials. Its analysis followed
many of the proposals already defined by other authors, although it has sought to develop some
aspects in particular, generating interpretations and justifications prepared to deal with, in some
cases, possible local adaptations.
The “arqueossítio” of Ota have been, we believe, at the end of the fourth millennium and
in the fallowing centuries of the 3rd, experienced more intensely by a number of communities
whose occupation typology of space is still to be determined, especially because it can acquire
differentiated rhythms, according to the chronology. Although, according to available data, the
agricultural and forestry activities are minimally founded, in association with the high number of
loom elements, the occupation of the site as a settlement, remains as the principal hypothesis.
At the same time, communities reveal the maintenance of inter-regional contacts, read
through some raw materials found, whether due to an intense degree of mobility or related with
exchange networks. This influence is recorded in materials such as amphibolite, metals, shale and
some ceramic types. It is true that this approach lacks a future study of sources, in order to extend
the knowledge of the raw materials in question – even though it still seem, to us, a good starting
points. Ota is thus, more than a return to a classic site, a return to Portuguese Estremadura, which
lacks new insights, data, approaches and preconceptions.
Índice
AGRADECIMENTOSRESUMO/ABSTRACT1. INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 92. ENQUADRAMENTOS............................................................................................................... 11
2.1 - História das investigações: O “Castro de Ota” ................................................................ 112.2 - Ponto de Viragem?.......................................................................................................... 15
3. MÉTODOS E PRÁTICAS............................................................................................................ 213.1 – Posicionamento teórico.................................................................................................. 213.2 – Prospecção ..................................................................................................................... 24
a. Condicionalismos............................................................................................................. 24b. Metodologia.................................................................................................................... 25c. Áreas naturais definidas .................................................................................................. 26
4. SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE OTA .............................................................................................. 284.1 – Enquadramentos ............................................................................................................ 28
a. Enquadramento geográfico............................................................................................. 28b. Enquadramento geomorfológico.................................................................................... 28c. Enquadramento geológico .............................................................................................. 29d. Paleoambiental ............................................................................................................... 32
4.2 – Contextos........................................................................................................................ 365. COMPONENTE ARTEFACTUAL ................................................................................................ 41
5.1 – O conjunto...................................................................................................................... 41a. Pedra lascada .................................................................................................................. 43
1. O conjunto.................................................................................................................. 432. Núcleos ....................................................................................................................... 453. Produtos de preparação e reavivamento................................................................... 474. Debitagem .................................................................................................................. 475. Lascas.......................................................................................................................... 476. Material residual ........................................................................................................ 487. Produtos alongados.................................................................................................... 498. Utensilagem................................................................................................................ 539. Utensílios diversos...................................................................................................... 54
9.1. Foliáceos.......................................................................................................... 559.1.1. Foliáceos ovóides..................................................................................... 55
9.2. Pontas de seta ................................................................................................. 58b. Pedra polida .................................................................................................................... 62
1. Caracterização tipológica ........................................................................................... 642. Matérias-primas ......................................................................................................... 68
c. Pedra afeiçoada............................................................................................................... 691. Elementos de moagem............................................................................................... 702. Polidores/Afiadores.................................................................................................... 713. Esferóides ................................................................................................................... 72
d. Recipientes cerâmicos..................................................................................................... 731. Caracterização do conjunto........................................................................................ 732. Número mínimo de exemplares................................................................................. 753. Repertório formal....................................................................................................... 754. As decorações............................................................................................................. 80
4.1. Grupo 1 – Os bordos denteados ..................................................................... 814.2. Grupo 2 – Grupo Taças Caneladas .................................................................. 824.3. Grupo 3 – Grupo Folha de Acácia.................................................................... 84
4.3.1. Caneluras. ................................................................................................ 864.3.2. Folha de Acácia........................................................................................ 87
4.4. Grupo 4 – Motivos Geométricos ..................................................................... 914.5. Grupo 5 – Motivos Campaniformes ................................................................ 93
e. Elementos de tear ........................................................................................................... 96f. Os artefactos de osso polido ........................................................................................... 99g. Os artefactos metálicos................................................................................................. 103
6. A OTA E O SEU ENTORNO: CONTRIBUTO PARA UMA LEITURA REGIONAL ........................ 1077. APONTAMENTOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 116REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 125
ÍNDICE DO VOLUME 2............................................................................................................... 140
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INTRODUÇÃO
Proceder ao estudo de um sítio fortificado estremenho é relembrar uma parte essencial na
história da Arqueologia Portuguesa, sendo uma actividade pontilhada de dados materiais,
existindo uma vincada falta a nível contextual e estratigráfico. Esta realidade obriga os estudos
recentes a apoiarem-se numa base totalmente artefactualista, sem conseguirem, de forma segura,
aceder a dados contextuais e, acima de tudo, sociais, que permitiriam aceder a informações mais
úteis e antropológicas. Ainda assim é necessário sublinhar que o processo de estudo e contacto
com a componente material dos sítios, neste caso da Ota, apresenta-se como uma tarefa necessária
e de extrema utilidade, necessária ao processo de investigação sobre as sociedades humanas
antigas.
Tendo este conhecimento e pressupostos de base, partimos para o estudo do sítio da Ota,
com o principal objectivo de compreender, clarificar e confirmar, caso assim se verificasse, os
verdadeiros ritmos, fases e funcionalidades presente no sítio da Ota, essencialmente durante o
final do 4º milénio e o 3º a.n.e., sem descurar uma visão geral da região, totalmente necessária
para compreender a Ota numa possível rede, bem como de forma individual, tentando
fundamentar algumas das nossas considerações com recurso aos trabalhos de prospecção –
resultado do projecto de Caracterização e Plano de Ação do Canhão Cársico de Ota, votado e
escolhido pela população afecta a este Património. As questões cronológicas mantêm-se como
um dos principais problemas a ultrapassar, sendo necessário proceder a intervenções com
pressupostos e técnicas contemporâneas, resultando num conjunto de informações crono-
estratigráficas.
O presente trabalho encontra-se então dividido em quatro partes distintas, tentando dar
uma visão ampla do sítio da Ota, do seu tempo e espaço, bem como do projecto, das prospecções
realizadas e do posicionamento do autor, uma realidade básica necessária para compreender as
escolhas e desenvolvimento do presente trabalho.
A primeira parte é dedicada aos enquadramentos gerais da presente dissertação, passando
pela ideia e concretização do projecto do Canhão Cársico de Ota, bem como os antecedentes
arqueológicos do projecto que influenciam a agenda e os condicionalismos existentes para a área
da Ota. É uma parte relativamente curta, que serve essencialmente como justificação para o
presente trabalho, representando uma necessidade científica, é igualmente como ponto de
apresentação de um caminho a seguir no futuro da Arqueologia, aproximando-a da população,
tornando a Arqueologia uma ciência totalmente participada ao serviço da comunidade.
A segunda parte versa sobre a componente metodológica, clarificando a corrente teórica
pela qual o autor é influenciado, e a sua agenda científica, associando-se também a apresentação
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das questões práticas (condicionalismos e metodologia de terreno) utilizada aquando dos
trabalhos de prospecção. Acima de tudo o principal objectivo desta parte é o de esclarecer os
leitores sobre os conceitos norteadores a aplicar na dissertação, sendo que o próprio autor
reconhece os seus condicionalismos e potencialidades a nível teórico.
Na terceira parte serão realizados os clássicos enquadramentos geográficos,
geomorfológicos, geológicos, paleoambientais e contextuais, tentando compreender todos os
factores influenciadores do espaço de implantação da Ota e da sua região, e como esses factores
influenciariam, certamente, as populações. Pretende-se então passar uma imagem completa do
sítio e da sua envolvência.
A quarta parte é, sem dúvida, a parte mais extensa do trabalho, sendo aqui apresentada a
componente material de forma individual, procedendo-se igualmente a uma leitura geral e
agrupadora do conjunto. Todos os materiais são apresentados e comparados com sítios
semelhantes, a nível regional e a nível de tipologia de implantação/arquitectura, pretendendo-se
identificar pontos em comum, mas, essencialmente, particularidades que possam ser típicas do
sítio da Ota, permitindo-nos aceder mais facilmente ao agente e à vontade e variabilidade humana.
A análise aqui realizada é, como referido anteriormente, artefactualista, tendo-se em conta
questões de aprovisionamento, gestos e técnicas na produção dos artefactos, bem como possíveis
utilizações dos mesmos, tentando enriquecer-se ao máximo esta componente.
Por fim, no nosso entender uma das principais partes deste trabalho, o enquadramento
efectivo da Ota no seu espaço e tempo, procedendo-se ao debate de conceitos operativos
estruturantes do pensamento em torno dos sítios fortificados, realizando-se o exercício de
pensamento crítico em relação à manutenção e aplicabilidade de alguns destes conceitos, tendo
com base empírica e teórica o sítio da Ota.
O trabalho será apoiado com um conjunto de referências bibliográficas e anexos, quer
sejam eles cartográficos, referentes aos critérios descritivos aplicados ou ainda contendo estampas
ilustrativas dos materiais tratados e analisados. As diversas bases de dados seguem em anexos
digitais, especialmente pela sua ampla dimensão, não sendo útil nem funcional a sua impressão.
Em suma, a presente dissertação serve como meio de realização pessoal e profissional,
dando a conhecer uma realidade pouco tida em conta no panorama científico, pelo menos até ao
momento, tendo-se revelado um sítio riquíssimo, possibilitando o seu contacto, valorização e
divulgação por entre a população, facilitando e viabilizando as tentativas de aceder ao verdadeiro
objecto da disciplina arqueológica – as comunidades do Passado.
Referimos ainda que não foi utilizado o novo acordo ortográfico, sendo que nos opomos
totalmente à sua utilização e aplicação.
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2. ENQUADRAMENTOS
2.1 História das investigações: O “Castro de Ota”
“(…) el científico, hijo de su tiempo, refleja las ideas preconcebidas de tipo ideológico u
outro que son propias de su entorno e experiencias, así como inquietudes históricas o
socialmente específicas” (Hobsbawn, E. 1998, p. 138)
O “Castro de Ota”, nome pelo qual é conhecido, ou o “sítio da Ota”, foi exposto à
comunidade científica no ano de 1956, por intermédio do arqueólogo Ernani Barbosa. É de referir,
contudo, que a sua descoberta e investigação se deve ao arqueólogo alenquerense Hipólito
Cabaço, em 1932. No entanto, assumindo que um sítio arqueológico resulta de um processo
somatório de realidades, entre as quais a história das suas investigações, retrocedamos até à
génese das investigações do sítio arqueológico da Ota.
A história das investigações deste sítio centra-se, directamente, nos arqueólogos
mencionados anteriormente: Hipólito Cabaço e Ernani Barbosa. No entanto, se recuarmos a uma
das primeiras figuras da Arqueologia portuguesa, General Carlos Ribeiro, vemos, desde logo que
este, embora não o tenha mencionado nos seus trabalhos, reconhece a importância do sítio
arqueológico aqui em estudo. É ainda de sublinhar que Carlos Ribeiro procede à identificação de
diversas áreas de aprovisionamento de sílex, num dos locais onde se detectam, em níveis
superficiais, vestígios da larga diacronia de ocupação da Ota. A não referencia à identificação de
uma ocupação mais recente é rapidamente justificada, se tivermos em conta a corrente teórica
dominante à época (Ribeiro, 1871), bem latente num dos seus principais trabalhos: ALGUNS
SILEX E QUARTZITES LASCADOS encontrados nas camadas dos terrenos terciário e
quaternário das bacias do Tejo e do Sado. No entanto, Carlos Ribeiro é, ainda assim, um dos
nomes que está na génese das investigações deste sítio arqueológico – não directamente ao
“Castro de Ota” em si, mas do seu entorno, com a questão do Homem Terciário da Ota, bem como
do próprio desenvolvimento e nascentes do Rio de Ota, tendo visitado toda a sua extensão
(Ribeiro, 1867, p.72). Não podemos deixar de referir que o IX Congrès International
d´Anthropologie et d´Archéologie Préhistoriques (CIAAP) teve o mérito de colocar a região de
Alenquer, nomeadamente, Ota, no mapa da Pré-História internacional. (Branco, 2007, p. 12). A
problemática dos trabalhos de Carlos Ribeiro permanece em aberto até ao ano de 1942, ano em
que é encerrada, de forma definitiva, por H. Breuil e G. Zbyszewski, este último membro da
mesma instituição a que pertencera também Carlos Ribeiro – os Serviços Geológicos.
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Carlos Ribeiro não só influenciou toda uma geração arqueológica que lhe sucedeu, como
todo um concelho, sentindo-se, ainda hoje, algumas dessas influências - Hipólito Cabaço é o
melhor exemplo, sendo fruto e descendente de uma “geração de ouro” que, embora tenha herdado
desta o reconhecimento pela classe arqueológica e a magia da “descoberta”, não recebeu o legado
dos hábitos de registo e recolha sistemática ou de publicação internacional, dificultando a
reconstrução dos antigos processos de escavação, não se tendo acesso a proveniências
aproximadas que, nos dias de hoje, permitiriam definir funcionalidades e zonas específicas dentro
dos sítios arqueológicos.
“A derradeira sequela da impressionante polémica desencadeada em Portugal há
precisamente 120 anos sobre o Homem Terciário teve por palco, exactamente, os mesmos
terrenos pisados por Carlos Ribeiro e seus pares, tendo por protagonistas os membros
de uma equipa dirigi da por Mendes Corrêa. Admitindo a existência humana no
Terciário, foi com grande expectativa, como declara, que este Professor de Antropologia
se deslocou em 1926 à Quinta do Vale das Lapas, junto à estrada de Alenquer a Ota,
onde Hipólito Cabaço havia recolhido ossos humanos em terrenos miocénicos. A
confirmar-se a idade de tais restos, estava encontrada a prova que, em vão,
insistentemente se procurou nas décadas anteriores. A escavação que, de imediato, ali se
realizou, viria a revelar, porém, uma sepultura neolítica em covacho aberto no substrato
miocénico (Corrêa, 1926).” (Cardoso, 1999/2000, p.49).
Hipólito Cabaço, o arqueólogo alenquerense - definido em 1970, ano do seu óbito, por
Maria Amélia Horta Pereira como um pioneiro heróico e gigantesco - torna-se, a partir da
descoberta do sítio Paleolítico na Quinta do Espírito Santo, o grande precursor da Arqueologia na
região de Alenquer, a partir de 1903, sendo também responsável pela mais extensa e coerente
obra de prospecção e exploração dentro dos domínios da Pré-história, realizada na primeira
metade do século XX, sobretudo nesse sector ingrato, difícil e controverso que é o paleolítico.
(Pereira, 1970, p.7).
Hipólito Cabaço nasce em 1885, numa freguesia do Concelho de Alenquer. Provém de
uma família burguesa abastada, proprietária de inúmeros terrenos no concelho que via, no seu
primeiro filho, o herdeiro natural dessas mesmas propriedades. É com o objectivo de manter o
negócio familiar no activo que, em 1901, Hipólito se fixa na região de Bordéus, sob a protecção
do seu padrinho. Contudo, segundo as suas próprias declarações, posteriormente descritas pela
autora incumbida de realizar a devida homenagem: passava mais tempo nos museus do que nas
adegas (Pereira, 1970). Foi nos museus que encontrou a sua verdadeira vocação: a Arqueologia.
Não nos esqueçamos também que Hipólito Cabaço é influenciado por todo um crescimento
apoteótico da arqueologia francesa, encabeçada por Boucher de Perthes (1788-1868), Édouard
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Lartet (1801-1871) ou mesmo o Gabriel de Mortillet (1821-1898). É, nesse paradigma, que dois
anos depois chega a Portugal e se lança na sua jornada de prospecções arqueológicas descobrindo,
com apenas 18 anos, uma jazida paleolítica que viria a ser estudada por Henri Breuil e Georges
Zbyszewski, em 1943. A esta descoberta sucedeu-se a localização de quase uma centena de
estações de todos os períodos cronológicos, desde o Paleolítico Superior até ao período Medieval
Cristão, ao longo de uma extensão territorial que percorre os concelhos de Alenquer, Salvaterra,
Azambuja, Peniche, Caldas da Rainha, Santarém, Abrantes, Elvas, Cadaval, entre outros. No
intervalo de 1920 e 1922, o arqueólogo alenquerense dedica-se às jazidas da Ota, onde explora a
Caverna da Moura e, em 1925, descobre, no Vale das Lajes, uma jazida paleolítica e uma
sepultura, classificada com cronologia Neolítica pelo professor de antropologia Mendes Corrêa.
A chegada ao povoado da Ota dá-se pela aproximação do topónimo “Casal da Moura” à realidade
aí existente, levando-o a identificar este sitio arqueológico no ano de 1932, onde realizou a sua
exploração arqueológica, por meio de sondagens, dois anos depois.
Em situação semelhante encontra-se a estação arqueológica de Pedra d’Ouro, identificada
em 1934, bem como Vila Nova de São Pedro, em 1936. Este conjunto de identificações são o
resultado de uma observação por parte de Hipólito Cabaço que mostra ter reconhecido as
características particulares e partilhadas por este tipo de sítios, que se localizam, tendencialmente,
em altura onde o controlo visual de uma ampla paisagem é quase “obrigatório”, assim como as
boas ligações a afluentes do Tejo. Tal como referido anteriormente, este arqueólogo não publica,
tendo sido dadas a conhecer, as suas descobertas, por investigadores posteriores, entre os quais
Afonso do Paço, Padre Jalhay e, no caso concreto da Ota, Ernani Barbosa.
Ernani Barbosa é outro dos nomes principais que se cruza na história das investigações
do “Castro de Ota”, sendo que também se intersecta com o nome de Hipólito Cabaço. Porque se
o explorador do arqueossítio recolhe os louros pela sua descoberta em 1932, deve-o ao arqueólogo
Ernani Barbosa que, em contexto de realização da sua tese de licenciatura, publicada em 1955,
expõe muitos dos sítios descobertos por Hipólito Cabaço, correspondentes aos períodos
cronológicos situados entre o Paleolítico e a Idade do Bronze – Alenquer nas épocas Pré e Proto-
históricas – apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sendo bolseiro do
Instituto da Alta Cultura. Entre os sítios arqueológicos publicados encontram-se o “Castro de Ota”
e o “Castro da Pedra d’Ouro” que irão ter uma preocupação maior por parte do autor, que se vê
reflectida na publicação, no ano seguinte (1956), na revista O Arqueólogo Português, de textos
individualizados para ambas as jazidas, em detrimento das restantes estações trabalhadas na tese
de licenciatura.
A publicação de 1956 é, sem sombra de dúvidas, o ponto de viragem para o sítio da Ota,
Ernâni Barbosa leva a cabo um estudo tipológico e formal dos materiais, tentando ainda
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compreender as dinâmicas de vivência do sítio, como se encontra explanado no capítulo A vida
dos habitantes do Castro. A vida de Ernani Barbosa na Arqueologia portuguesa fica
intrinsecamente ligada a esta publicação do “Castro de Ota” e ao seu congénere na revista do
Arqueólogo Português, contudo a primeira ganhou maior destaque já que é a única, e mais extensa
publicação, sobre o povoado. Este trabalho, apesar de não atingir a perfeição desejada por uma
arqueologia actual, é a separata de eleição para identificar paralelos com as realidades presentes
no Castro de Ota.
A biografia de Ernani Barbosa, ou mesmo os contornos mais básicos da sua vida, são
desconhecidos nos dias de hoje, estando a sua “vida” arqueológica explanada na bibliografia que
produz – podemos utilizar o ano da sua última publicação como referência, 1970 (ano da morte
de Hipólito Cabaço), em que publica novamente materiais da colecção de Cabaço, desta vez sob
o tema: Notícia de alguns achados romanos no Concelho de Alenquer., ficando claro que o autor
está no activo e mantém a sua ligação à colecção nesta altura. Ernani Barbosa é assim um
arqueólogo em toda a sua amplitude, denotando as suas raízes metodológicas, próprias da “escola”
em que se licenciou.
A história das investigações do sítio arqueológico da Ota centra-se, essencialmente,
nestas duas personagens: Hipólito Cabaço e Ernani Barbosa, mas outros arqueólogos podem ser
associados à Ota, ainda que de forma fugaz, como o caso do Prof. Mendes Correia que é levado
por Hipólito Cabaço e efectua recolhas no sítio arqueológico, sem qualquer publicação desses
materiais; outro dos investigadores é Victor S. Gonçalves, que numa visita ao Castro de Ota
encontrar uma das três moedas da 2ª guerra púnica em solo português, realizando, paralelamente
a esta visita, a escavação do “Castro” congénere – Pedra d’Ouro (informação pessoal que se
agradece).
Esta última intervenção explana a situação em que se encontra, até ao momento, a atenção
do meio arqueológico face ao povoamento entre o 4º e 3º milénio a.n.e. no concelho de Alenquer,
com uma divisão e interesse desigual. A especificidade da Ota, nomeadamente, o amplo leque
cronológico – do Calcolítico ao Período Medieval Islâmico, revelado pelos materiais do local –
torna qualquer leitura, baseada nas análises de superfície, mais prudente. É interessante verificar
que, apesar do potencial deste sítio, os estudos a ele dedicado pouco avançam para além da longa
lista de materiais sem grandes considerações teóricas (Barbosa, 1955 e 1956). A partir da década
de oitenta as referências à área em estudo tornam-se pontos num mapa, menções pontuais em
obras de carácter mais abrangente, como sejam os efectuados por João José F. Gomes (1978,
1987, 1994), que se resume a listagens de materiais depositados no museu Hipólito Cabaço.
Passando pela tese de mestrado de Maria Miguel Lucas (1994), em que inclui a Ota no inventário
dedicado às regiões de “Torres” e “Alenquer”, às referências de Kalb (1980) a propósito do
15
Bronze Atlântico onde incluí alguns materiais da Ota. Ainda na sequência se pode destacar Rollán
(1996), que menciona os pesos de tear (placas) do sítio na sua vasta publicação sobre esta temática
especifica, contudo, tal como os anteriores, vai beber à publicação de Ernani Barbosa e coloca a
Ota como não tendo qualquer peso de tear decorado – o que não corresponde à realidade. As
leituras ou investigações que se desenvolvem são feitas, na sua grande maioria, tendo por base
um catálogo elaborado na década de sessenta - as revisões do conjunto são escassas e poderão ter
sido iniciadas com o trabalho de Miguel Costa (2006). Apesar de este autor não ter feito um
trabalho especificamente sobre o sítio em estudo ou sobre as temáticas do 4º e 3º milénio a.n.e.,
estudou o conjunto e visitou o sítio a fim de fazer a sua própria leitura espacial.
A Ota surge assim com um dos sítios arqueológicos com um maior potencial, e
necessidade de estudo, já que até ao momento não é encarado como um ponto seguro no mapa do
povoamento fortificado estremenho, no 4º e 3º milénio a.n.e.
2.2 Ponto de viragem?
O futuro, ou o presente, da Ota, surge ligado ao aparecimento de um fenómeno recente
na sociedade portuguesa – os orçamentos participativos. É neste âmbito que esta dissertação se
encontra, enquadrando-se no projecto denominado Caracterização e plano de ação do Canhão
Cársico de Ota, tendo sido este vencedor do Orçamento Participativo do Município de Alenquer
de 2014. O trabalho de investigação e desenvolvimento para a área do Canhão Cársico de Ota
incide na caracterização da mesma área (mapa 1 e 3 – anexos), do ponto de vista da Biologia,
Geologia e Arqueologia, através do trabalho de uma equipa multidisciplinar de técnicos e
investigadores, todos eles ligados ao concelho de Alenquer. A implementação do projecto prevê
também uma componente de divulgação e um plano de acção com identificação de valores,
ameaças e recomendações de gestão a concluir até ao final de 2016. A coordenação da
componente de Arqueologia ficou a cargo do autor da presente dissertação e tem, como principal
objectivo, a identificação, localização, caracterização e valorização do património arqueológico.
A componente de Arqueologia está delimitada aos limites do geossítio – Canhão Cársico
de Ota – exceptuando a área do “Castro de Ota” que se estendeu para além dos limites, impostos
pela unidade paisagística do Canhão, tendo como objectivo maior compreender as dinâmicas da
ocupação humana no espaço em estudo. Trabalhar a Arqueologia na área do Canhão Cársico de
Ota é entrar numa viagem no tempo, remetendo para um período da História da Arqueologia em
que os métodos e os pressupostos científicos refletiam as mentalidades da época. O principal sítio
identificado, já referenciado nos anos 30, é o Castro de Ota (Barbosa, 1956). Este sítio tem, desde
as primeiras publicações, uma cronologia de ocupação que remonta ao Neolítico/Calcolítico e se
estende até ao Período Romano, sendo que atinge o seu auge no período Calcolítico/Idade do
16
Bronze – realidade observável pelos seus materiais. Juntamente a este sítio, já clássico da História
da região foram identificados mais três (Outeiro do Seio I, CNS: 22073; Outeiro do Seio II, CNS:
22074; Via Romana/Moderna), no ano de 2005 (fichas de sítio – anexos), aquando do Estudo de
Impacte Ambiental para a expansão da Pedreira do Outeiro do Seio (Monteiro e Caninas, 2005).
Estas eram as informações de que dispúnhamos no início deste projecto, sendo que
careciam de confirmação e de adição de novos dados. E foi mesmo esta carência, que se
encontrava disseminada pelas áreas de trabalho, que motivaram, numa primeira fase, o grupo de
investigadores a que pertenço a intervir junto da comunidade. A criação de plataformas nas redes
sociais facilitou o processo de divulgação de vídeos explicativos, de textos informativo sobre as
mais diversas áreas e de explicações adicionais fundadas na curiosidade dos utilizadores. Toda
esta dinâmica em torno de um espaço distinto no concelho de Alenquer, que mesmo assim era
desconhecido por uma maioria esmagadora dos munícipes, aliada a um surpreendente
«patriotismo local» dos habitantes da Ota, tornaram e possibilitaram que o projecto vencesse e
conquistasse o financiamento exigido pelo grupo de trabalho.
A soberania cedida pelos organismos de representação, a nível municipal, aos cidadãos
integra-os, desde da sua génese, aos projectos e promove a sua vinculação quanto ao
desenvolvimento dos mesmos. O Orçamento Participativo implica a reintrodução de elementos
de participação a nível local, tais como as assembleias locais e de grupos a nível municipal,
representando, portanto, uma combinação dos métodos da tradição de democracia participativa.
Em segundo lugar, é caracterizado por ser uma tentativa de reversão das prioridades de
distribuição de recursos públicos a nível local, sendo estes deliberados pelos próprios munícipes
(Santos e Avritzer, 2002). É, portanto, uma das respostas para os défices democráticos que têm
sido vinculadas através de práticas de orçamento participativo, numa abordagem que visa
colmatar as falhas dos sistemas democráticos, através do incentivo à participação e envolvimento
dos cidadãos nos processos decisórios. Ainda que não tenha sido possível medir os impactos do
1º Orçamento Participativo de Alenquer, a sua continuidade foi assumida pela administração
local e houve, no 2º Orçamento Participativo de Alenquer um incremento em cerca de 35% de
participação, em relação ao anterior - faz-se notar um crescente interesse por estas prácticas de
inclusão. O caso da Ota foi também ele representativo dessa evolução e de desenvolvimento
alargado do anterior projecto, uma vez que, ainda que o projecto Caracterização e plano de ação
do Canhão Cársico de Ota esteja a decorrer, foi submetido paralelamente a concurso o projecto
de Requalificação dos Olhos de Água (Ota), que pretenderia melhorar a primeira imagem do
Canhão Cársico de Ota. Essa mobilização fez-se notar num crescimento de 41% de votos face ao
primeiro projecto vencedor da Ota, ainda que não tenha conquistado financiamento. Mesmo
estando a concretização do projecto numa fase intermédia, a repercussão é já evidente e pode ser
17
visualizada e contabilizada em meios díspares, como é o das redes sociais ou mesmo da crescente
procura das visitas guiadas e percursos pedestres à área em estudo.
O faseamento da execução da componente de Arqueologia do Canhão Cársico da Ota
esteve, num primeiro momento, dependente de aprovação por parte da Direcção Geral do
Património Cultural de um projecto de prospecções sistemáticas, numa área de 70 ha, denominado
COTA – “Canhão Cársico da Ota” (2015/1 (174)). Viria a ser aprovado e iniciado no dia 4 de
Agosto de 2015. A par do trabalho de campo foi desenvolvida a recolha bibliográfica em conjunto
com o “estudo de materiais I”, numa primeira fase, apenas sobre a colecção Hipólito Cabaço e,
posteriormente, incidindo nos materiais resultantes das prospecções. Esta segunda fase, estudo de
materiais II, distingue-se do estudo de materiais I, uma vez que, logo na sua descoberta em campo,
os materiais foram inventariados in situ com a devida georreferenciação e o registo fotográfico.
Nestas prospecções apenas foram recolhidos elementos classificáveis e passiveis de estudo,
fazendo-se assim uma recolha selectiva e mais cuidada com os contextos arqueológicos e os
materiais. Já em laboratório foram devidamente lavados, tratados e marcados podendo assim,
como estava estabelecido no Pedido de Autorização de Trabalhos Arqueológicos, aprovado pela
tutela, ser devidamente acondicionados e preparados para integrar uma proposta de depósito no
Museu Hipólito Cabaço. A última fase prevista, tanto no projecto do Caracterização e plano de
ação do Canhão Cársico de Ota como no COTA, remete para a difusão dos resultados obtidos e
destina-se a dois públicos distintos: um estritamente científico e um não especializado/ local.
Independentemente das fases de concretização do projecto é mantido, desde do início, a
plataforma na rede social – Facebook – que traz a todos os seguidores e interessados, as noticias
semanais e actualizações relativas às diferentes componentes do projecto.
Os resultados preliminares decorrentes do estudo de materiais I, das prospecções
arqueológicas e do estudo de materiais II são reveladores da dimensão arqueográfica, patente na
área em estudo, e evidenciam a larga diacronia que já era referida por Ernani Barbosa, trazendo
o elemento de campo que ficou perdido na memória do falecido Hipólito Cabaço. Em relação aos
três sítios arqueológicos que já se encontravam registados aquando do início destes trabalhos,
pode referir-se que o Castro de Ota se mantém como o mais rico a nível arqueológico, não só
pelos seus contextos e estruturas, como pelo espólio em depósito no Museu.
Este último apresenta uma grande quantidade de materiais classificáveis estando, entre
esses, fósseis directores que permitem confirmar que este local terá tido diversos momentos
distintos de ocupação (conceito): entre o 4º e o 3º milénio; Bronze Final; Romano Republicano;
Romano Imperial; Medieval. Estas várias fases e ritmos estavam implícitos nas arquitecturas que
Ernani Barbosa transcreveu, a partir das descrições do descobridor do local (Barbosa, 1956). Estas
estruturas que na sua maioria remetem para a Pré-História Recente, eram, até à data deste projecto,
18
desconhecidas e desapareceram por entre a vegetação intensa de carrascos e pinheiros bravos -
como será apresentado no capítulo 4.2, muitas delas foram relocalizadas, não na sua totalidade,
tendo sido também descritas e alvo de uma tentativa preliminar de interpretação.
O sítio do Outeiro do Seio 1 (CNS: 22073) é referenciado na bibliografia como um
possível povoado fortificado Pré-Histórico (Monteiro e Caninas, 2005) - os resultados das
prospeções efetuadas pela equipa de trabalho não confirmam estas informações. Os alinhamentos
e estruturas descritas por aqueles autores no Relatório sobre a Avaliação do Descritor de
Património Arqueológico, Arquitectónico e Etnológico do Estudo de Impacto Ambiental do
Projeto de Execução da Ampliação da Pedreira Outeiro do Seio n.º 2 (Alenquer), resumem-se a
blocos de grandes dimensões que se desprenderam dos afloramentos por via da erosão, ou mesmo
afloramentos naturais típicos desta região, aos quais não foi possível associar qualquer vestígio
da presença Humana. Como tal este sítio, Outeiro do Seio 1, em função das observações efetuadas,
não pode ser considerado como um sítio arqueológico. A recomendação que será enviada à
Direcção Geral do Património Cultural vai no sentido de rectificar este local na base de dados
Portal do Arqueológo/Endovélico.
Outra das informações, proveniente dos trabalhos de campo efectuados no Estudo de
Impacte Ambiental, referido anteriormente, é a caracterização do sítio do Outeiro do Seio 2 (CNS:
22074) (Monteiro e Caninas, 2005) enquanto abrigo com presença Pré-Histórica. Este carso é
comparável a muitos outros “abrigos” /cavidades presentes nas vertentes calcárias que se
encontram a descoberto no Canhão Cársico de Ota. No que concerne às gravuras filiformes - duas
formas lineares que se cruzam formando dois V - a cronologia Pré-Histórica parece-nos pouco
fundamentada já que, nas fotografias apresentadas aquando do já referido Estudo de Impacto
Ambiental, as gravuras filiformes aparentam ter uma aparência bastante “viva” que apontaria para
uma fabricação moderna ou contemporânea – as paredes calcárias presentes em todo o Canhão
Cársico de Ota impossibilitam, salvo em raras excepções, devido à sua rápida erosão e constante
transformação, a durabilidade de gravuras, ou pinturas, de períodos muito recuados. Estas
gravuras não devem deixar de constar na lista de “sítios arqueológicos”, mas a sua cronologia
deve sim ser revista e ponderada, já que pelas suas condições naturais envolventes a probabilidade
de ter uma origem Pré-Histórica é remota.
As prospecções trouxeram também a identificação de uma Via Romana secundária que
se encontrava sumariamente referenciada nos trabalhos de Miguel Costa (2010), tendo sido agora
confirmada. Será objecto de inventariação junto da Direcção Geral do Património Cultural. Esta
via é um potencial reaproveitamento de um caminho.
19
No âmbito do estudo dos materiais arqueológicos é de destacar as cerca de 160 peças que
foram recolhidas no decorrer das prospecções na área do Castro de Ota. Estes materiais
possibilitaram ensaiar e identificar manchas de ocupação, como adiante veremos, permitindo
também uma análise territorial, bem como um rascunho do espaço e tempo no sítio da Ota. Foi
também possível aceder ao conjunto de materiais que se encontram depositados no Museu
Hipólito Cabaço, em Alenquer, o que permitiu assim testar modelos de associação entre os
materiais georreferenciados decorrentes da prospecção e os materiais do Museu resultando, numa
primeira instância, nas áreas de maior incidência de cada período histórico. Foi através do estudo
de materiais que se aumentou o balizamento cronológico da ocupação no Castro de Ota e colocar
um ponto no mapa a respeito a uma presença Islâmica, ainda que não se tenha averiguado a sua
expressividade no território – foi possível identificar um fragmento de asa vidrada e uma peça
estampilhada, decoração característica deste período, no decorrer dos séculos XII e XIII (Viegas
e Arruda, 1999, p. 164; Bugalhão, Gomes e Sousa, 2007).
A segunda e última parte do projecto, financiado pelo Orçamento Participativo de
Alenquer, corresponde à identificação e criação de um plano de acção para fazer face às ameaças
encontradas. Até ao momento, foi possível apontar algumas das principais ameaças e efectuar
algumas propostas para minorar os efeitos negativos, no diz respeito à preservação e conservação
do património cultural. As ameaças identificadas para o geossítio da Ota correspondem às
actividades de extracção de inertes, nas pedreiras “Serra da Atouguia” e “Outeiro do Seio”; à
visitação e desportos de natureza e à destruição directa do património arqueológico.
As actividades de extracção de inertes, situadas a Norte da área afecta ao projecto
Caracterização e plano de ação do Canhão Cársico de Ota, deverão ser fiscalizadas quanto ao
cumprimento dos planos de lavra aprovados, ao respectivo faseamento e devido acompanhamento
desses procedimentos. As visitas guiadas ou desportos de natureza necessitarão de uma
regulamentação, em sede de plano de ordenamento e gestão de áreas, a criação de um centro de
interpretação com funções de divulgação, sensibilização, apoio à visitação e, também, de
fiscalização das medidas impostas. A marcação e delimitação de trilhos e estações de visitação
do Canhão Cársico de Ota farão também parte de um plano de explicação e de sensibilização para
o património natural e cultural, que culminará na elaboração de uma carta de boas práticas onde
conste também o desporto de natureza. A destruição do património arqueológico que tem sido
levada a cabo, até aos dias de hoje, tanto pelos “caçadores” de tesouros como pela falta de
sensibilidade dos responsáveis florestais, já resultou no aparecimento de três “sondagens”, na
zona do “Castro de Ota”, numa área estimada de afectação de 20m². Ainda assim, o maior atentado
ao património cultural na Ota deu-se nos inícios dos anos 2000, com a abertura de um caminho
florestal que invadiu o sítio arqueológico desde de a sua base até ao topo. Numa extensão 100
20
metros e numa área afectada próxima dos 685 m², todo este espaço foi arrasado por uma
retroescavadora, ainda que haja esperança que não tenha atingido a base da ocupação humana do
arqueossítio.
21
3. MÉTODOS E PRÁTICAS
3.1 - Posicionamento Teórico
We are concerned to emphasise that the person of the archaeologist is essential in coming
to understand the past. The past is not simply under the ground waiting to be discovered.
It will not simply appear, of course, but requires work. Consider discovery. Discovery is
invention. The archaeologist uncovers or discovers something, coming upon it. An
inventor may be conceived to have come upon a discovery (Shanks e Hodder, 1995, p.11).
A provocação que segue na citação de Shanks e Hodder remete-nos para uma das
principais dificuldades com que o arqueólogo se depara, a “invenção”. Esta resulta de uma
dinâmica de diversos factores, como o geológico e o ambiental, por parte do meio, e social e
cultural, por parte do arqueólogo que, sobre o sítio/contexto, actua (na escavação e/ou
interpretação). Por este motivo, considero que a apresentação desta dissertação deve ser
resguardada, ao máximo, pelo registo arqueológico, uma vez que esta sociedade, ainda que
presente até aos dias de hoje, certamente não é a mesma que a do passado (Shanks e Hodder,
1995, p.12).
A pretensão deste trabalho resulta, invariavelmente, do posicionamento teórico e das
motivações para a concretização do mesmo. A reflexão da minha posição teórica vai de encontro
à definição e conceito proposto por Gandara (2008, p.74), e é tendo em conta os pressupostos
valorativos, ontológicos, epistemológicos e metodológicos que se procurará explicar o
questionário arqueológico empregue, e a minha relação com objecto de estudo, o Homem.
Na área valorativa, os supostos estão relacionados com as questões “para quê? E para
quem?” se está a desenvolver a actividade científica, que assenta em quatro pilares estruturais. Os
pilares éticos e políticos são os que permitem selecionar que problemas são relevantes – que
sentido faz a investigação? E quem beneficia com a sua solução?. Que tipo de conhecimento é
necessário produzir? é um marco a atingir com o chamado “objectivo cognitivo”, que elenca uma
combinação entre a descrição, explicação causal, interpretação e compreensão e a glosa (em
tradução livre, iluminar). Por fim, o pilar estético, que pretende definir as teorias a produzir,
devendo ser formalmente simples, elegantes ou complexas, consoante o objectivo atingir.
A reflexão acerca desta dissertação perfila dois tipos de objectivos centrais tendo,
naturalmente, dois tipos de grupos-alvo distintos – comunidade científica e comunidade local – o
que discorre da natureza dos objectivos (éticos) e do sentido deste estudo. Em primeiro lugar, é o
primeiro estudo dedicado, em exclusivo, ao conjunto de materiais da Ota, sendo, porventura, um
dos sítios arqueológicos, na estremadura do 3º milénio a.n.e., com menos atenção por parte da
22
comunidade arqueológica, resultando na escassez de informações acerca do mesmo – podem
resumir-se à tese, para a zona de Alenquer, e ao artigo de 10 páginas escritas por Ernani Barbosa,
no Arqueólogo Português. A investigação levada a cabo torna-se, assim, essencial para o estudo
da Pré-História recente em Portugal, uma vez que, além da Ota se encontrar desconhecida, a
dicotomia entre a Estremadura e a região do Alentejo é avassaladora, pondo em contraste uma
área que teve um alto impacto na Arqueologia - derivado das obras públicas que nessa região se
implantaram - e uma outra que permanece “adormecida”, desde o frenesim das décadas de 40 a
80 – com uma carência clara de contextos, intervencionados segundo os paradigmas teórico-
práticos contemporâneos. Do mesmo modo que se apresenta vital colocar a Ota no mapa da
comunidade arqueológica, este trabalho pretende, também, corresponder e colmatar uma
necessidade de conhecimento, acerca do sítio arqueológico de Ota, por parte da comunidade local,
que tem demonstrado uma carência efectiva, que se demonstra através das suas pretensões: a
enorme afluência a exposições, comunicações e, também, a sufrágios públicos (leia-se aqui, por
exemplo, Eleições autárquicas e Orçamentos participativos), quando se encontra algum vinculo
com o sítio.
Quanto ao “objectivo cognitivo”, que assenta nos quatro pilares anteriormente
enunciados, estes irão ter graus de envolvimento e profundidade distintos, o que acaba por ser
“normal”, segundo Gandara (2008, p.82), revelando que, no geral, a Antropologia e as Ciências
Sociais só podem “navegar” num dos elementos estruturais, ao contrário das ciências exactas, ou
mesmo das naturais. Contudo, o presente trabalho prevê ser mais do que somente uma descrição,
ainda que se assuma que é uma das suas principais valências. As minhas ambições, quanto à
presente investigação e às futuras intervenções neste local, são de ter a dimensão da descrição
estabelecida e proceder a um desenvolvimento da “interpretação compreensiva” (Gandara, 2008,
p. 86), que corresponde à tentativa de entender as populações do passado, através de um
questionário sobre as acções, os objectos e os agentes. Ainda que reconheça as minhas
fragilidades, provenientes das poucas leituras bibliográficas, ao nível da Filosofia, Antropologia,
Psicologia e Sociologia.
A área Ontológica, no entender de Gandara (2008, p.93), é onde se localizam os
pressupostos que correspondem ao questionário relacionado com as características das realidades.
A ideia, segundo o autor, é simples: contestar a la pregunta de qué está hecha la realidad –en
nuestro caso, la realidad social, la realidad arqueológica?; cuáles son las unidades relevantes
de estúdio?; qué propiedades tienen? Os supostos ontológicos são metafísicos, precisamente,
porque as disputas entorno à “estrutura arqueológica” não refletiam o total dos elementos de uma
cultura, incluindo o nível social e ideológico, que, normalmente, não se resolvem mediante
investigações empíricas. Fugindo, por falta de recursos, aos temas centrais da Ontologia, que não
23
se reduzem apenas aos problemas de que são feitas e onde reside a cultura, mas procurando
corresponder às propriedades presentes.
A incapacidade de reconhecer a causalidade, a “nomologicidade” (Hair et al, 1998) e as
hierarquias, discorrem dos objectivos desta dissertação e da proveniência do objecto de estudo
que se suporta numa base empírica, sem contextos seguros, e recolhidos sobre normas, métodos
e práticas não desejáveis em Arqueologia. Ainda que, reconheça uma visão sobre o objecto de
estudo como proveniente de um Realismo Social de Durkheim (1894), e somando uma visão da
cultura como mecanismo extrasomático de adaptação humana de White (1959). Em contra-senso,
não na totalidade, está a minha posição na propriedade ontológica da agência face à estrutura, em
que assumo a importância de um discurso assumido por Giddens (1989), no entanto, opto pela
variante introduzida por Marcus e Flannery (1996) que, através da chamada teoria da acção,
reconhece tanto a contribuição da estrutura, como a do agente, sendo que os poderes de decisão
de ambos devem ser tidos em conta e os mesmos podem ser capazes de criar situações que
promovem mudanças.
A área da epistemologia é um campo fértil na Arqueologia, sendo parte da constituição
da mesma, de modo informal. Isto porque, a Arqueologia não tem acesso directo à realidade social
que estuda, logo implica que o nosso acesso seja mediado, dependente do material arqueológico
- com esse facto registou-se um aumento generalizado de cepticismo. A área da epistemologia,
como Gandara a caracterizou, corresponde aos pressupostos relacionados com as questões até
onde e como é que podemos conhecer o passado através do registo arqueológico. Sendo que se
tratam, muitas das vezes, de conceitos profundamente integrados na prática quotidiana e que
tendem a ser pouco aprofundados e examinados criticamente no seu uso. Na prática, esta realidade
está enraizada na Arqueologia portuguesa, com um incontável uso de termos abusivos
relacionados com funcionalidades, percepções e entendimentos da realidade arqueológica muito
influenciados e condicionados pelo contexto em que se pensa sobre eles.
A análise do conhecimento é um dos principais propósitos da epistemologia, sendo
expressa por António Valera (2008, p.4) como O ser humano quando conhece, conhece o quê?.
Este é então um dos propósitos que a Epistemologia serve, estando sustentada numa tradição
grega de análise clássica do conhecimento, que propõe cumprir três condições: crença,
justificação e verdade. Para que algo conte como conhecimento, a crença deverá unir-se de razões
e argumentos (justificação), e o seu resultado deverá reflectir a verdade. A apresentação de uma
crença como uma verdade irrefutável, sem expor qualquer justificação, é conhecida como o
dogmatismo. Esta dissertação conjectura, também ela, uma crença do autor que, neste caso, expõe
uma propensão para a verdade sobre a presença Neolítica no local; o valor da Ota no panorama
cientifico actual, principalmente nas questões do 3º milénio a.n.e.; a mais valia dos estudos de
24
coleções antigas em associações a trabalhos recentes e ainda à abordagem do Realismo Social
com uma visão de Cultura como mecanismo extra-somático. A justificação das minhas crenças
deverá ser tida em conta com o decorrer do trabalho, tanto na parte de descrição do conjunto como
na abordagem à “integração” cultural, às conclusões acerca do conjunto, como na exposição e
interpretação das estruturas encontradas na Ota. A verdade, em relação estreita com as teorias por
detrás da justificação, é assente no coerentismo (Gandara, 2008, p.128; Oliva, 2002, p.62), que
presume que a verdade de uma teoria não pode ser avaliada por uma comparação com uma
realidade independente, dado que a dita realidade independente não existe. O máximo que
poderemos atingir, ou aspirar, é a criação de um discurso coerente, sendo que é também assumida
a possibilidade de haver mais do que um discurso coerente, respeitável e “verdadeiro”, ou
complementar.
3.2 - Prospecção
a. Condicionalismos
Os principais condicionalismos com que nos deparámos na área do projecto do Canhão
Cársico de Ota prendem-se com questões topográficas, tendo em conta que o terreno é bastante
irregular, atingindo os 170 metros de altura, pontilhado de declives acentuados e zonas de
escarpas, que dificultam o processo de prospecção. A este problema podemos adicionar a
densidade da vegetação que, por inerência, diminui drasticamente a visibilidade do solo
dificultando novamente a identificação de materiais e estruturas, bem como a própria circulação
(Sousa, 2010).
Estas realidades surgem associadas ao fenómeno geológico do Canhão Cársico, que
forma, por acção do rio, encostas muito acentuadas onde a vegetação, essencialmente herbácea e
arbustiva é extremamente densa, pontilhada com alguns exemplares arbóreos – estas condições,
como mencionado anteriormente, tornam a visibilidade para o solo, e por vezes para a própria
paisagem, reduzida ou, em certos casos, nula. Ainda assim, com recursos às devidas medidas de
segurança, foi-nos possível prospectar toda a área em estudo, onde se incluem também as
cavidades naturais.
A nível de acessibilidades, a presença de caminhos florestais para combate a incêndios
torna o acesso á zona do Canhão Cársico relativamente fácil. Quando estas não estão presentes
utilizam-se os caminhos estabelecidos pelas explorações de inertes (pedreiras).
25
b. Metodologia
A metodologia de prospecção arqueológica a aplicar prende-se, essencialmente, com o
objectivo e com a agenda científica por detrás dos trabalhos, estando, necessariamente,
incompleto. Assim sendo, em primeiro plano, o principal objectivo está na identificação de
realidades arqueológicas dentro da área do projecto do Canhão Cársico, tendo em vista a sua
protecção, valorização, estudo e divulgação. Para tal é necessário compreender a dispersão dos
achados e dos respectivos sítios arqueológicos, apreendendo, exaustivamente, a dinâmica das
várias ocupações no Canhão Cársico da Ota. A prospecção pode, tendo a ideia anterior como
norteadora, identificar artefactos, estruturas e solos antrópicos (leia-se aqui cortes) que, no caso
da Ota não são possíveis de identificar uma vez que não estão presentes.
A prospecção sistemática e intensiva – tendo como objectivo identificar o maior número
possível de sítios arqueológicos - foi realizada tendo em conta uma divisão artificial feita na área
em estudo, tornando-a mais fácil de registar, já que a criação de áreas seguiu o declive natural das
zonas – procedeu-se então à definição de áreas de prospecção naturais com imposição
institucional (Bicho, 2011, p. 100), referente à zona do Canhão Cársico.
Foram feitas diversas campanhas de prospecção, percorrendo-se, várias vezes, as
mesmas áreas, ainda que, com questões e intenções diferentes sobre os mesmos locais – procedeu-
se a prospecções nas diversas estações do ano, sendo que no Inverno, depois de períodos de
chuvas, novos materiais surgiam e peças, como o sílex, eram mais fáceis de identificar. As
campanhas de prospecção foram realizadas, sistematicamente, pelo autor e por Ana Catarina
Basílio, aos quais se associaram equipas de alunos, que fizeram incursões esporádicas ao território
em estudo. Nestas prospecções colaboraram ainda os investigadores: Michael Kunst, Linda
Batouille, Dirk Brandherm, Thomas Tews, Ana Catarina Sousa, João Pedro Cunha-Ribeiro,
Marco Andrade, Henrique Matias, César Neves e António Valera, em ocasiões diferenciadas e
com propósitos/objectivos distintos.
Algumas das prospecções, consoantes as áreas e as equipas, foram direccionadas para as
diversas dinâmicas de cada período cronológico, bem como as ocupações que podem assumir,
tentando proceder-se a um trabalho mais rentável e objectivo – reconhecemos também que o
treino e formação académica pessoal, de forma consciente e inconsciente, a uma valorização de
determinado período cronológico em detrimento de outro, tentando combater-se essa realidade
com a diversificação das equipas em campo (Bicho, 2011, p. 101).
Assim sendo, a Pré-História Antiga teve em conta as realidades do período Paleolítico e
Mesolítico onde, muitas das vezes, a acção humana se perde por entre a acção natural – neste
caso, geológica. A acção sobre a Pré-História Recente tem como desafio principal as modalidades
26
de ocupação em altura, como o próprio Castro da Ota, tentando compreender a dimensão e
dispersão de possíveis sítios arqueológicos. E, por fim, a Idade do Ferro ao período Islâmico,
procurando evidências da sua passagem, ou ocupação, nas margens e no Vale do Canhão Cársico
de Ota.
A nível da recolha dos materiais optou-se por se recolher os “fósseis-directores”, já que
ilustram as cronologias em que se inserem, aos quais associámos a recolha de materiais associados
a estruturas e de materiais que surjam em zonas onde a sua densidade é baixa. Cada material
recolhido tem uma ficha individual, com referência à sua georreferenciação feita com recurso a
GPS, com coordenadas geográficas, fazendo-se acompanhar de um inventário geral com todas as
peças inventariadas e indicação da zona de proveniência, associadas a desenho de alguns dos
exemplares recolhidos. A este registo associa-se a ficha de prospecção onde se (fichas de sítio –
anexo) encontram todas as informações referentes às áreas prospectadas e, quando se justifique,
fichas de estruturas simplificadas, também elas georreferenciadas e, quando possível, associadas
a representação gráfica das mesmas estruturas.
Procedemos ainda ao levantamento das zonas de aprovisionamento de matérias-primas
pétreas alargando-o a um raio de 30 Km em relação à área em estudo, considerando-se “exógeno”
à área acima desse raio.
c. Áreas naturais definidas
Para facilitar as intervenções de campo procedeu-se ao estabelecimento de áreas naturais
que, após compreensão da topografia do terreno, deram origem a um total de 5 parcelas de terreno.
Cada uma foi individualizada com uma letra, de A a E, para facilitar a leitura dos materiais em
relação às proveniências (mapa 7 – anexos).
A zona A corresponde à área do Castro de Ota, onde consta o principal sítio arqueológico
do Canhão Cársico, o Castro de Ota. Para este caso específico foi incluída toda a zona da elevação,
bem como os vales e cascalheiras de grande dimensão a ela associada. Corresponde, na sua
maioria, a uma área que não apresenta um declive muito acentuado, contando também com
algumas zonas de escarpa calcária, sendo a sua prospecção dificultada, essencialmente, por uma
densidade elevada de arbustos cerrados.
Quanto à zona B, esta corresponde ao Outeiro do Seio, onde está implantada a zona da
pedreira, também ela com a mesma designação/toponímia. Aqui estariam implantados os sítios
do Outeiro do Seio I e II, correspondendo a um possível povoado fortificado e a uma gravura
27
filiforme, que foram, após o processo de prospecção desconsiderados. O declive é extremamente
acentuado, dificultando a prospecção integral deste espaço, contudo é de sublinhar que nas
escarpas orientadas para o interior do vale cársico foi possível explorar um conjunto de cavidades
naturais, onde a Gruta do Texugo apresenta potencial a nível sedimentar e possivelmente
arqueológico.
A área designada por C corresponde a uma vertente localizada nas proximidades do
Castro de Ota, sendo conhecida como Cabeço do Pardal. Esta é a área mais reduzida, localizada
já no limite da área de estudo. Aqui podemos encontrar um coberto vegetal pontilhado por
arbustos de média/grande dimensão, associado a árvores dispersas, encontrando-se difundidas por
entre cascalheiras de média dimensão.
A letra D é associável à Margem Esquerda do Canhão Cársico de Ota, sendo a maior área,
em extensão, definida. Foi assumida como uma unidade, correspondendo a zonas de planalto,
seguidas de áreas com declive muito abrupto, culminando num conjunto grande de escarpas
calcárias, onde é possível, na sua base, distinguir algumas cascalheiras de média/grande
dimensão. Esta área sofreu acções de prospecção extensivas, uma vez que algumas das suas zonas
correspondem a área de extensão aprovada da pedreira localizada nas imediações.
Por fim, a zona E, a Margem Direita do Canhão – Bairro, foi definida por corresponder a
uma área extensa de vale (vale da Ciência Viva e vale das Zelhas). Esta área é de difícil acesso,
correspondendo a uma das zonas onde a fauna e a flora se encontram melhor preservadas. Neste
caso as cascalheiras ali presentes são de pequena/média dimensão, o que vai novamente dificultar
o processo de prospecção. Outros dos condicionalismos identificados nestes vales foi a
insegurança inerente à proximidade com a pedreira, uma vez que são feitos despejos ilegais para
a zona do vale, tornando-se perigoso a sua visitação.
Foi então esta a divisão operativa que fizemos, tendo sido aplicada desde o inicio ao fim
do projecto, funcionando como uma divisão que facilita a prospecção a pente como uma distância
lateral regular entre os diversos elementos, quando o terreno e a vegetação assim o permitem, de
forma a abranger a maior área de superfície possível.
28
4. SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE OTA
4.1 – Enquadramentos
a. Enquadramento geográfico
O assentamento do 4º e 3º milénio a.n.e. em estudo na presente dissertação, o “Castro de
Ota”, situa-se a cerca de 1km a noroeste do centro da localidade de Ota (freguesia de Ota,
concelho de Alenquer, distrito de Lisboa) (mapa 1 – anexos). As coordenadas geográficas (Datum
WGS84) centrais do local são as seguintes: 39º06’54.2” N e -9º00’00.9”W ou UTM:
29SMD970210, sendo que se encontra implantado a uma altimetria média a rondar os 150 m. O
“Castro” de Ota situa-se na margem direita do complexo geológico do Canhão Cársico de Ota,
onde se encaixa o rio Ota, subsidiário do rio Tejo. Este rio tem a sua nascente na Serra do
Montejunto, o que vai reafirmar ainda mais a importância não só da Serra, mas do próprio rio
enquanto estruturador do Povoamento. O Castro de Ota é um dos reflexos dessa realidade,
contudo esta associação povoado-rio será explorada mais adiante.
Imagem 1 – Implantação, na paisagem, do sítio da Ota, a partir da Margem Esquerda do Rio de Ota.
b. Enquadramento geomorfológico
A área em estudo encontra-se inserida nos denominados afloramentos “Calcário de Ota,
Alenquer e Silveira” (Jurássico Lusitaniano), estes estão na origem dos mais imediatos relevos da
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região a sul do Montejunto: a serra da Atouguia, a serra de Ota, o afloramento calcário de Monte
Redondo e os afloramentos calcários do vale da Ribeira de Alenquer. Estes são calcários, por
vezes margosos, dispostos em bancadas compactas com níveis de desagregação, dando passagem
a grés micáceo. A geomorfologia do território da área em estudo constitui um relevo de forma
tabular cujo eixo maior tem orientação S-N. Este relevo representa uma mesa com cerca de 220
m de comprimento máximo, 126 m de largura máxima e uma altitude entre os 133-169m, como
referido anteriormente. O topo do relevo, no essencial, é aplanado, compondo uma pequena área
com cerca de 9 800 m², este planalto está associado a um declive ligeiro para Sudoeste, do topo à
base, tendo este uma área útil e passível de utilização a rondar os 57 600 m². As vertentes Norte,
Este e Sul são assimétricas e íngremes, sendo constituídas por escarpas que atingem os 50 m de
altura em qualquer um destes sectores, tendo sido talhadas por acção fluvial nas rochas
carbonatadas.
A elevação em que se localiza o arqueossítio encontra-se enquadrada no conjunto de
relevos calcários que compõem o Canhão Cársico da Ota, ainda que se encontre individualizada
dos restantes por vales talhados na mesma formação geológica. No sector a Este desenvolve-se
um vale de orientação N-S, o principal vale do complexo geológico e onde está encaixado o rio
Ota. A Sul do “Castro” de Ota encontra-se o vale em que se encaixa a ribeira soalheira, esta
apresenta uma orientação O-E e por último, a Norte, o vale da “Ciência Viva” que tem uma
orientação oblíqua, desenvolvendo-se de Sudoeste para Nordeste. No horizonte, a partir do local
com maior visibilidade no arqueossítio, salientam-se os relevos calcários do Montejunto (a Norte)
e o Monte Redondo (a Este), sendo estruturantes marcos na paisagem.
c. Enquadramento geológico
Circunscrevendo-nos à actual zona político-administrativa – neste caso o concelho de
Alenquer – tentamos proceder a uma compreensão do entorno geográfico e geológico, focado
mais concretamente no povoado da Ota e na sua envolvência imediata e inata. Este espaço integra-
se na Estremadura, dominada pela grande diversidade geológica que, segundo Orlando Ribeiro
(1998, p.154), “os arredores de Lisboa, por exemplo, os barros basálticos dão campos limpos e
abertos destinados a cultura do cereal; os calcários secundários, charnecas abandonadas ao
mato e pasto; os calcários terciários cobrem-se de olivedo; as baixas argilosas, de hortas
regadas; o pinhal reveste as colinas de arenito improdutivo” Tal como apresenta Ribeiro, a área
em estudo encontra-se na charneira entre a Estremadura, em sentido estrito (Península de Lisboa)
e o Ribatejo, no ponto de contacto entre a Orla Mesocenozoica (Maciço calcário estremenho) e a
Bacia Terciária do Tejo e Sado, em sentido lato, relativas às zonas de baixios e de aluvião - esta
área integra-se assim numa área de influência mediterrânica (1998, p. 152).
30
A geologia do território é composta por formações do Jurássico que, segundo a Carta
Geológica de Portugal (Noticia Explicativa da Folha 30-D – ALENQUER), correspondem a cerca
de 60% da área alvo desta dissertação. As formações jurássicas, ou seja, as rochas mais antigas,
são as “Camadas de Montejunto e de Cabaços”, complexo que possui na sua consistência as
margas com intercalações de xistos. Neste complexo, aparentemente, estão relatadas ocorrências
de formações siliciosas que de acordo com Choffat (1884): “corte de Cabanas de Torres e do Vale
dos Cortes (Flanco Sul da Serra de Montejunto) foram detectadas lentilhas achatadas de sílex
branco ou cinzento inserido nas bancadas delgadas de calcário margoso”. Estes materiais silícios
foram caracterizados por Aubry (2009), resultado das amostras recolhidas, como sendo
silicificações heterogéneas e de fraca aptidão para o talhe. Contudo, segundo a descrição de um
corte, realizado pelos Serviços Geológicos, que está presente na Notícia Explicativa 30-D, no
flanco W da serra de Montejunto nas proximidades da cota 546, a 900 m do barranco do
Convento de S. João, foi encontrado sílex abundante inserido nas bancadas delgadas de calcário
– a existência deste corte ainda está por atestar, visto que as diversas visitas feitas ao local foram
inconclusivas, no entanto, o objectivo de verificar a qualidade o sílex presente nesse local está
por concluir.
Outros factores comuns que veremos mais adiante, além da geologia partilhada pelo
“Vale da Ribeira de Alenquer” e pela “serra da Atouguia e serra de Ota” (ou, Canhão Cársico de
Ota), é o facto de ambos terem sido braços de água da ria flandriana e, pela idêntica estratégia de
ocupação, utilizada pelas populações calcolíticas.
O território circundante ao povoado da Ota corresponde também aos seus povoados
contemporâneos – Pedra d’ Ouro (Barbosa, 1956 e Branco, 2007) e Castro do Amaral (Barbosa,
1955; Paço, 1966; Andrade, 1973; Branco, 2001) – e é essencialmente repleto de acidentes
orográficos a Oeste, com efectiva relação à “espinha dorsal” do Maciço Calcário Estremenho, já
a Este as planícies dominam cerca de dez por cento do total da área territorial. Este é então um
espaço de charneira entre o maciço calcário estremenho e as planícies de aluvião do Tejo –
realidade já frisada anteriormente.
A área de estudo é constituída, como já foi reconhecido, por formações do Lusitaniano
(Jurássico) na sua maioria, ainda que, num raio de 10 km se possa verificar uma diversidade
significativa como o complexo Pteroceriano (Jurássico), sem grande expressão. É na zona de
contacto entre o complexo Lusitaniano e os complexos detríticos de Ota (Miocênico) que surge o
complexo detríticos de Cheganças e de Runa (Paleogénico). Nota ainda para duas formações
geológicas de Basalto muito circunscritas, a Oeste e Sudoeste do arqueossítio, e o grés de Torres
Vedras (Cretácico) a Oeste. Esta geologia possibilita e oferece uma enorme riqueza de recursos
fiáveis, com a possibilidade de produções de artefactos siliciosos em larga escala e, no caso do
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substracto de base do sítio, a produção de contentores ou recipientes cerâmicos de qualidade que,
derivado à proximidade do grés e das argilas das camadas detríticas, permitem a execução de
materiais de excelência.
Imagem 2 – Enquadramento regional geológico e cultural. 1 – Ota; 2 – Alto do Pedregal; 3 – Alenquer (Castelo/Porta da Conceição); 4 – Refugidos; 5 – Amaral; 6 – Pedra de Ouro. (Escala 1:50 000)
Por fim, a sua aptidão agrícola deve ser considerada, uma vez que, a Mata de Otta, sendo
um antigo couto real, é descrito nas Memórias Paroquiais (Cura, 1758, p.337) como um uma
fragoza matta (…) cujos arebaldes se não podem cultivar por serem muyto ásperos, e de muyta
pedra, e só serve para pastos de gados, graço, e miúdo. Actualmente, este território, na sua
totalidade, é gerido pela Associação de Baldios de Ota e mantém-se, na sua maioria, tal como é
descrito pelo Padre Cura, em 1758, excepto no que toca à densidade de vegetação que se crê que,
nos de dias de hoje, seja mais densa. Isto porque não existe, actualmente, nenhuma prática de
pastoreio, ao contrário do panorama que se vivia até às décadas de 70, onde a realidade passava
pela presença constante de rebanhos, provenientes das freguesias limítrofes, nos pastos da zona
da Serra de Ota. Esta situação é também verificada para o concelho de Alenquer, nomeadamente,
para as freguesias localizadas no limite Norte do concelho – Abrigada, Cabanas de Torres, Vila
Verde dos Francos e Labrugeira – onde a presença de um rebanho comunitário, de grandes
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dimensões, que se alimentava do coberto vegetal da paisagem calcária, era tratada como a “nuvem
do Montejunto”. Posto isto, os terrenos imediatos do arqueossítio de Ota – calcários vermelhos
(Atlas do Ambiente, 2002) - apresentam uma classe D com limitações severas ao nível da sua
exploração, devido ao risco de erosão elevado, sendo não susceptível de utilização agrícola, salvo
casos muitos especiais - ainda que possam ter utilidade como zona de pastagem, exploração de
matos ou aproveitamento florestal. Esta situação, descrita acima, é entendida pelos seus
horizontes do solo, com camadas incapazes de lavra, dada a proximidade com o substrato
geológico. Segundo o Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, o terreno onde se
implanta o sítio arqueológico de Ota, e os seus terrenos imediatos (cerca de 100ha), representam
um solo calcário, vermelho, semi-húmido e semi-árido, que encontraria aptidões na sua
exploração enquanto barreiros.
A agricultura, contudo, seria uma tarefa, acreditamos nós, principal nas sociedades que
habitaram, vivenciaram, ou permaneceram na Ota, no 3º milénio a.n.e., apesar de estar pouco
atestada, pela falta de sinais evidentes de produção. Ainda assim, poderia ser uma tarefa
economicamente viável, que seria possibilitada pela sua proximidade e fácil acessibilidade com
os terrenos a SE – terrenos miocénicos, que perfazem o solo onde se implanta actual freguesia de
Ota, que, em certas áreas, podem ser caracterizados como solos de classe A, constituindo a actual
Reserva Nacional Agrícola (Atlas do Ambiente, 2002) – sem limitações, sem riscos de erosão e
susceptível de utilização agrícola intensiva.
d. Paleoambiente
A reconstituição paleoambiental, na nossa perspectiva, é um dos grandes objectivos da
Arqueologia, enquanto domínio científico, onde ocorreram nos sistemas socioculturais em que se
integraram as populações do passado e das diversificadas adaptações e transformações. O estudo
do sistema paleoambiental abarca a investigação das variáveis físicas, biológicas e climáticas que
se relacionam com o Homem, influenciando o seu modo de vida e operando como factor de
mudança dos sistemas socioculturais.
Esta tentativa de reconstituição é de âmbito limitado, ainda que se socorra das outras duas
áreas que suportam o projecto vencedor Canhão Cársico da Ota – sendo elas a Biologia e
Geologia. Esta abordagem é um estudo preliminar que se apoia, essencialmente, no cruzamento
da informação facultada por estudos geoarqueológicos, arqueobotânicos e botânicos,
zooarqueológicos e paleoclimatológicos em confrontação com os resultados preliminares para a
área do Canhão Cársico de Ota.
O paleoclima correspondente ao âmbito cronológico em estudo encontra-se entre os
períodos climáticos Atlântico, entre 5000 – 3000 a.n.e., e o Sub-boreal, entre 3000 - 500 a.n.e.
33
(Lage, Salsón, 2006, p.96). Este último terá como principal indicador e identificador, em termos
globais, um clima sub-húmido, favorecendo a expansão da vegetação esclerófila da quecetalia
ilicis (Mateus e Queiroz, 1993, p.125). Segundo Lage e Salsón (2006, p.96), a Terra, de modo
geral, tem tido uma variabilidade entre glaciações, nas quais o gelo chega a revestir latitudes
baixas nas zonas actualmente temperadas, e períodos interglaciares, os quais distam em termos
de cronologias e geologias. O período que concerne a esta dissertação sucede à última glaciação,
designada como Würm - tal como as restantes glaciações apresenta limites indefinidos,
arrastando-se, as suas fases de transição, por períodos longos no tempo. Neste âmbito,
compreendendo as cronologias em estudo, constatou-se que os registos que documentam
detalhadamente, em termos espaciais e temporais, as alterações ocorridas, integram esta
cronologia no período interglacial corrente, o Holocénico (desde 11.500 a.n.e.) – este é distinto
especialmente quando se refere o fortalecimento dos processos antrópicos e mudanças
sequenciais de ambiente local, como os usos dos solos, e até mesmo o ambiente global, no que
respeita à composição atmosférica. O 4º e 3º milénio a.n.e. seriam, segundo as descrições dos
registos (Lage, Salsón, 2006), num sentido mais amplo, caracterizados por um clima quente
compatível com as temperaturas actuais que, numa segunda fase, teriam apresentado uma
variabilidade/instabilidade entre períodos frios e quentes.
A costa, que era bastante recortada, tornar-se-ia, a partir do momento em que a
transgressão flandriana atingiu o seu máximo, mais estável - entre 6000 e 3000 a.n.e. (Dias, 1997)
ter-se-á iniciado o processo da sua rectificação, ainda que de um modo bastante suave, até aos
dias de hoje. Esta situação correspondeu a uma invasão marinha, nas partes baixas do litoral, o
que acentuou a respectiva sinuosidade da costa, assim como terá sido registado um avançar dos
rios principais nos seus subsidiários. Como foi verificado para a planície aluvionar do Sizandro,
a transição do Neolítico para o Calcolítico está associada a uma manutenção e estabilização do
paleoambiente (Dambeck et al, 2011, p.394).
A bacia hidrográfica do rio Ota é indissociável dos dois rios homólogos “vizinhos”, sendo
eles o rio Alenquer e o rio Grande da Pipa, com uma área conjunta de aproximadamente 400 Km2.
O rio Ota nasce no sopé da serra do Montejunto, o seu curso é de Norte para Sul, tendo uma
extensão de aproximadamente 8 km, até atravessar a freguesia do mesmo nome, entrando no Tejo
perto da freguesia Vila Nova da Rainha, com um total de 20 km de extensão. Em situação
semelhante encontra-se o rio Alenquer, que nasce na orla da serra Alta, corre na direcção Oeste –
Este, atravessa a sede de concelho e, actualmente, lado a lado com o rio Ota, desagua no Tejo, no
mesmo local que o anterior. O rio Grande da Pipa é o mais “independente” dos três, corre no
mesmo sentido que o rio de Alenquer, contudo passa junto à povoação dos Cadafais e desagua no
Tejo, perto da estação do Carregado, a cerca de 15Km dos rios mencionados. Tal como Suzanne
Daveau, no seu artigo Espaço e Tempo (1980) alerta, a ligação entre a ocupação e abandono dos
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sítios, como Vila Nova de São Pedro, pode estar relacionada com a evolução dos cursos de água
adjacentes.
Os rios, supracitados, no máximo da transgressão flandriana, foram um braço expressivo
do Tejo, no entanto, a ausência de dados paleogeográficos, não permite fundamentar esta questão
a outros níveis, e apreender os efeitos que as oscilações dos níveis da água do mar (variações
eustáticas) tiveram na evolução sedimentar nesta região. Assim sendo, podemos presumir que
acompanha o processo geral de assoreamento das zonas estuarinas, apesar de o mar se encontrar,
no período do 4º e 3º milénio a.n.e, estabilizado na altitude 0 m, a ria ramificada do Tejo e
afluentes (Daveau, 1980, p.24). Como foi referido no capítulo referente ao enquadramento
geológico, as zonas de aluvião, cerca de 80% da actual freguesia de Ota, são responsáveis pela
grande fertilidade que apresentam os solos da região, e pelo fenómeno da acumulação aluvial,
que colmatou o profundo estuário do rio Tejo, resultante da “transgressão flandriana” (Daveau,
1980).
Contudo, verifica-se que na bacia do Tejo e do Sado se protagoniza um declínio dos
pinhais, nomeadamente da espécie Pinus pinaster, associado ao incremento substantivo dos urzais
altos, em simultâneo com a Quercus coccifera. Temos, em síntese, uma paisagem muito diferente
da actual, onde predominam os pinheiros mansos, cedros, eucaliptos e, os raros, sobreiros. Já a
paisagem dos antigos estuários fica demarcada pelos grandes cultivos cerealíferos, pelos
famigerados eucaliptos, que dominam a paisagem, e pelas culturas diversas de pouca expressão.
A Ota possui uma singularidade na sua implantação face aos seus congéneres, situa-se num dos
topos mais proeminente do Canhão Cársico de Ota, o que lhe confere uma paisagem mais
diversificada, devido aos diversos microclimas que ai existem. São estes microclimas que
espelham, em primeira instância, a flora presente. Acrescente-se a vegetação casmofítica, própria
das paredes rochosas do canhão, os bosques e carrascais com rocha calcária aflorante, os juncais,
os caniçais e as comunidades eutróficas, os bosques densos de sobreiros e, por fim,
presumivelmente, podemos admitir que junto das linhas de água florescia “o crescimento do
freixo, do choupo e do medronheiro” (Sousa, 1998). Tal como ficou demonstrado para o caso do
Zambujal, por Mateus (1992), a influência humana no balanço ecológico local começa a ser
visível por volta de 6400. BP, tendo as recentes análises polínicas corroborado as primeiras
alterações por influência antrópica por volta de 5400 cal. BC, em associação ao aparecimento do
cultivo de cereais, entre eles o trigo domesticado (Dambeck, et al, 2011, p.395). Os autores do
anterior estudo reforçam que, num espaço próximo à Ota (vale do Sizandro), a escassez de dados
provenientes do Neolítico, em conjunto com os numerosos indícios da existência de uma diversa
fauna, essencialmente de grandes animais, durante o início do Calcolítico, não pode constituir
uma argumentação válida para a tese de que a influência humana sobre a paisagem, até ao 3º
35
Milénio BC, teria sido marginal, realidade expressa nos resultados da investigação em Coutada e
Benfica.
Em suma, os recursos nos terrenos do Jurássico são férteis e encontram-se, hoje,
praticamente todos ocupados pela cultura vinícola, salvo excepção para algumas áreas de
eucaliptos que, felizmente, não predominam nestas áreas. Para além destes cultivos surgem
também, a cultura do olival, figueiral e das árvores de fruto. Podemos referir que em determinadas
manchas, mais ou menos dispersas, as espécies vegetais de pequeno porte, nomeadamente
herbáceas e pequenos arbustos, são dominantes.
A fauna será um exercício mais difícil de realizar, sendo que dependemos, em muito, das
observações empíricas do espaço actual e do conhecimento local, ainda que os nichos florestados
se tenham mantido nos microclimas, com poucas perturbações e longe da acção humana. Porém,
as espécies que habitavam nesses locais foram sucessivamente desviadas, quer pela poluição no
leito do rio, quer mesmo pelas actividades cinegéticas, que descuraram da variedade faunística e
conservaram apenas as espécies de maior rentabilidade. Presume-se, com todas as inseguranças
devidas, que seria habitado por espécies de bosques e que ainda restam, embora em pouco número
– raposa, texugo, manguço, esquilo vermelho, gineta, javali – assumindo-se que, também o veado
e o cavalo, possam ter pertencido a este nicho ecológico. Esta ideia encontra sustentação nas
Memórias Paroquiais (1958), retratadas pelo pároco local, que descreve uma fauna própria destes
ambientes calcários, com várias aves, entre as quais se destacam os corvos ou gralhas e os bufos.
Nas raízes destes penhascos (Cura, 1758, p.337) encontram-se muitos lobos, raposas e texugos
que, segundo o inquirido, fazião muyta perda estes lugares circumvezinhos assim nos gados como
nos frutos; e esta foy a razão de se lhe queymarem os mattos. Esta última explicação pode ter
feito parte do leque de factores favoráveis à alteração do coberto vegetal e, por consequente, a
uma modificação, ou desvio, da fauna presente. A realidade faunística estimada para a Ota é,
também, suportada pelos estudos dos povoados contemporâneos, como é o caso do Penedo do
Lexim (Garcia e Sousa, 2015), que, para além, das espécies selvagens, mostram uma evidência
significativa, e atestada, para a presença de animais domésticos, como é o caso das ovelhas (Ovis
aries), cabra (Capra hircus), gado bovino (Bos sp.), de suídeos (Sus sp.) e de Coelho (Oryctolagus
cuniculus).
Os recursos minerais são igualmente diversificados no actual concelho de Alenquer, onde
estão representados: argilas, margas, areias, saibros, grés, calcários, rochas eruptivas e minérios
de ferro. (Carta geológica 30D- Alenquer). Segundo G. Zbyszewski e Guilherme Henriques
(Costa, 2011, p. 17) existe cobre no concelho, mas o primeiro não especifica a localização e o
segundo remete para os autores antigos que falam nas minas de azeviche (minério de cobre?) que
havia em Monte Junto, mas não nos consta que as haja actualmente. A sua existência parece ser
36
inconclusiva e nem mesmo a carta mineira assume qualquer presença. Outra das referências a
frisar é a existência, na Ota, de uma zona com vestígios de uma cascalheira do Miocénico, não
registada na carta geológica, onde constam sílex que podem ter sido utilizados como matéria-
prima na produção de artefactos. A abundância do sílex nos terraços Miocênicos da Ota, e no
Jurássico Lusitaniano que, em combinação compõem, maioritariamente, a actual zona
administrativa de Alenquer, são as mais prováveis zonas de aprovisionamento de matéria-prima
das populações calcolíticas que vivenciaram este espaço. Ainda por atestar, está a expressão
qualitativa destes materiais, sendo certa a presença de sílex em bancada na Serra do Montejunto
(Zbyszewski, 1965, p. 30), e de sílex em posição secundária, possivelmente decorrente da acção
aluvionar. Este tipo de disponibilidade e constituição de solo vai influenciar, de forma clara e
estruturante, o tipo de vegetação e de animais que vão surgir e desenvolver-se.
4.2 – Contextos
Os resultados da prospecção realizada no âmbito do projecto de Caracterização e Plano
de Acção do Canhão Cársico de Ota foram, sem dúvida, muito ricos e diversificados. Permitiram-
nos confirmar que as dinâmicas de ocupação humana do Castro de Ota são muito mais densas e
intensas do que se reconhecia até então, permitindo ainda atestar uma presença/passagem humana
que se pode estender até ao Período Islâmico. A estes dados podemos ainda adicionar a
identificação de um total de oito estruturas arqueológicas que, ainda que não tenham fornecido
informações cronológicas, apontam para um grande potencial científico do sítio, aliado a um grau
de conservação relativamente bom.
Esta realidade prende-se, essencialmente, com a existência de um conjunto de
características que captam a atenção das antigas populações, tais como a localização numa zona
relativamente elevada sobranceira a um rio, atribuindo ao sítio potenciais a nível de protecção
natural, bem como um grande raio de visibilidade, aliado á exposição solar, sendo o Castro o sítio
com mais luz natural durante o dia. Esta realidade já tinha sido identificada e sublinhada por
Hipólito Cabaço que, desde cedo, identificou a ocupação da Ota, compreendendo um padrão de
ocupação do espaço por parte do Homem pré-histórico e que como vimos, anteriormente, permitiu
localizar Alto do Pedregal, Amaral, Pedra d’Ouro, Vila Nova de São Pedro e no nosso caso, a
Ota.
Para o sítio da Ota o principal objectivo prendia-se com a identificação dos limites do
sítio arqueológico, procurando aferir os vários ritmos de ocupação, bem como identificar e
delimitar as estruturas existentes. As condições do sítio permitiram-nos criar zonas de maior
concentração de materiais a nível de cronologia, podendo frisar-se que a ocupação
37
Neolítica/Calcolítica tem pouca visibilidade no topo da elevação, encontrando maior destaque a
meia encosta – esta realidade seria facilmente explicável se assumíssemos o processo de
escorrência natural, mas aquando da identificação de um total de cinco estruturas com planta e
desenvolvimento semelhante a cabanas, assumimos que o povoamento da Pré-História recente
(Neolítico/Calcolítico/Idade do Bronze) parece centrado a meia encosta. Esta realidade parece ir
de encontro com uma possível cronologia mais tardia da muralha, podendo as estruturas circulares
estar associadas a uma fase prévia à sua construção. Ainda assim sublinhamos que os dados aqui
apresentados são muito frágeis, baseando-se em observações de materiais de prospecção, sem
fundamento estratigráfico/cronológico. Já a ocupação do Período Romano parece ter como núcleo
central a área do topo da elevação, onde a densidade de materiais é muito grande, parecendo
associar-se a uma área mais limpa de vegetação que, segundo fontes locais, representaria uma
estrutura de planta rectângular, os materiais de construção de época romana, parecem suportar
relativamente estas informações. A ocupação Romana aqui aparenta ter uma justificação forte
aquando do período das conquistas, já que a Ota é o último reduto até à chegada do Montejunto,
mas quando pensamos a ocupação em época Imperial, altura de “paz” em que os sítios em altura
são abandonados em detrimento de uma ocupação na planície, podemos conjecturar que tipo de
realidade, função e contexto ali existiria.
Em suma, podemos referir que o Castro de Ota terá tido três ocupações efectivas
principais, uma delas referente ao Neolítico/Calcolítico (extensão diacrónica que, todavia, não
está atestada), seguido de um período de menor visibilidade, até ao Período Romano Republicano
e que iria culminar no Período Romano Imperial – podemos ainda destacar a presença de um
conjunto significativo de peças metálicas com tipologias associadas à Idade do Bronze, o que
pode indicar uma presença menor ou até um possível “depósito”.
Outra das realidades identificadas é a ausência de materiais enquadráveis no período
Paleolítico, bem como na Idade do Ferro ou Medieval Islâmico/Cristão, podendo sugerir hiatos
na ocupação do sítio.
As oito estruturas detectadas representam o mais significativo achado identificado no
decorrer dos trabalhos de prospecção. Estas podem ilustrar que tipo de ocupação e utilização teria
este sítio, sendo mais um ponto a acrescentar ao estudo deste espaço que, até ao momento, tinha
referenciado, por Ernani Barbosa (1956), a existência de duas linhas de muralha, várias estruturas
circulares, uma rectangular e uma estrutura associada à muralha (possível entrada), sem qualquer
referência à localização ou planta.
A linha de muralha (estrutura 1, no desenho 3 e 4) encontra-se implantada no sítio onde
não se verifica uma grande defensabilidade natural, realidade semelhante aos povoados
38
fortificados da Estremadura Portuguesa (Sousa, 2010; Cardoso, 2010; Gonçalves et al, 2013),
apresentando um total de 150 metros de comprimento, com cerca de 3,27 m de largura – esta
última medida é necessariamente aproximada, já que o paramento externo é difícil de definir pelo
extenso derrube. A nível construtivo aparenta uma afinidade grande com as tipologias
construtivas das muralhas dos povoados estremenho (Gonçalves, Sousa, Costeira, 2013). Ainda
assim, esta estrutura, independentemente das questões cronológicas, encontra-se associada a uma
outra estrutura circular com cerca de 3 metros de diâmetro, que é assumida enquanto torre
(Barbosa, 1956; Gonçalves, et al, 2013), marcando uma interrupção na muralha que pode ser
considerada como a entrada de acesso ao sítio arqueológico. Este tipo de estruturas é também
comum nos sítios Neolítico/Calcolíticos em altura (Gonçalves, Sousa, Costeira, 2013).
Imagem 3 – Posicionamento das estruturas identificadas no âmbito do projecto de prospecção COTA – 1 – Muralha; 2 - Estrutura circular adossada à muralha; 3 – Estrutura circular negativa; 4, 5, 6, 7 e 8 – Estruturas circulares, de tipo cabana. Imagem de ESRI (2016) a uma altitude de 580m.
A estrutura 3, que representa uma estrutura negativa com tendência circular, mostrou ser
uma das mais interessantes (nº 3 na imagem 3). Esta encontra-se totalmente escavada, com um
formato circular, com diâmetro 3,50 m, e com uma profundidade a rondar o 1 m, apresentando
um conjunto diversificado de artefactos no seu entorno, tais como cerâmica lisa, fragmentos
osteológicos e algumas peças líticas, mostrando que existiu uma escolha na recolha dos materiais,
podendo remeter-se para as intervenções de Hipólito Cabaço, ainda que este não a refira. Este
tipo de realidades aparenta ter relações com contextos funerários, podendo ser esta a origem para
o fragmento de mandibula humana, oito dentes humanos isolados, ou de uma figura zoomórfica
(coelho - lagomorfo) presente no Museu Hipólito Cabaço em Alenquer – novamente os dados
39
contextuais são frágeis. Podemos mencionar que é comum a identificação de vestígios humanos
em sítios arqueológicos congéneres aos de Ota, como o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 142),
ainda que estes não estejam associados a nenhuma realidade construída, e como no Zambujal e
Leceia (Kunst et al, 2014) onde os vestígios ósseos surgem associada às estruturas de tipo
muralha. Em Vila Nova de São Pedro foi identificado um conjunto de fossas que, ainda que não
sejam estruturadas, podem ser idênticas com a estrutura da Ota.
Já na Pedra de Ouro, em Alenquer, foi identificado um possível monumento funerário,
que é referido por Ernani Barbosa como um tholos com entrada virada a nascente, situado dentro
da fortificação, no canto SW, e de uma estrutura circular, talvez uma torre de observação, no lado
oposto – NW (Barbosa, 1955, p. 117-118). A opinião de Afonso do Paço entra em contradição
com a anterior, que coloca no limite NW da zona escavada, os supostos restos do monumento,
bem definido no que toca o seu desenvolvimento, ainda que muito arruinado a nível estrutural
(Paço, 1966, 148). Esta contradição é expressa num artigo de J.L.Cardoso (2004, p.74), que
dúvida da interpretação de ambos, baseado na confusão demonstrada, bem como da atribuição
funcional desta estrutura como um monumento funerário que, segundo este, é uma estrutura
defensiva adossada à estrutura amuralhada. Apesar da dúbia interpretação da estrutura, estas são
apresentadas por Schubart e Leisner (1966) e por Schubart (1969), sendo desmistificadas e
enquadradas na teoria interpretativa, em voga na década de 60, de Beatrice Blance, que define
este tipo de estruturas, agregadas às muralhas, nestas cronologias, como torreões. Por fim, é
importante salientar a interpretação desta estrutura como monumento funerário, baseado,
simplesmente, no seu desenvolvimento arquitectónico, o que, na realidade, nos parece ser bastante
redutor para fundamentar a sua funcionalidade. Esta interpretação original pode revelar um
processo de reconhecimento empírico, por parte dos escavadores, que tiveram acesso a uma
dimensão contextual no decorrer do processo de escavação, que pode suportar a sua interpretação
primária enquanto estrutura funerária – sublinhamos que nenhuma das prespectivas pode ser
excluída ou descurada, sendo certo que, a sua interpretação, ainda está pouco fundamentada, para
ambos os casos. Outra questão que se põe no caso da Pedra de Ouro, está relacionada com as
estruturas negativas retratadas nas plantas, estas pouco discutidas no discurso científico, podendo
ter sido parte da construção da teoria do Tholos da Pedra de Ouro, sendo que, uma delas, se
encontra dentro de uma possível estrutura de tipo torre oca, chegando a atingir os 0,50 m de
profundidade.
A estrutura 3 encontra-se dentro do perímetro muralhado, sendo necessária uma aferição
cronológica, de ambas as estruturas, para poder compreender a sua relação temporal e funcional.
Em suma, esta estrutura traz uma diversidade de questões que só podem ser respondidas com um
40
conjunto de intervenções arqueológicas em várias áreas do sítio, em relação directa a datações
por radiocarbono, que clarifiquem, essencialmente, as problemáticas cronológicas.
As estruturas 4, 5, 6, 7 e 8 podem ser tratadas enquanto conjunto, uma vez que se
apresentam com arquitecturas semelhantes e partilham uma proximidade espacial muito grande.
Estas estruturas foram caracterizadas enquanto possíveis cabanas, já que apresentam uma planta
tendencialmente circular, associadas a um derrube que seguem o pendor do declive. No caso da
estrutura 4, foi identificado um paramento de aproximadamente 30 centímetros, enquanto que nas
restantes esta realidade não foi identificada. A densa vegetação dificulta a sua leitura integral,
bem como a relação entre estas estruturas, partindo-se do principio que estariam relacionadas,
formando uma possível área de povoamento concentrado. A presença de barro de
cabana/cerâmica de construção, nas estruturas 4 e 5, aponta para um desenvolvimento em altura
destas estruturas, sendo compatível com a sua utilização enquanto habitação. É-nos impossível
avançar com uma cronologia, uma vez que a visibilidade para o solo é reduzida – a arquitectura
da estrutura parece apontar para uma cronologia mais recuada, recorrendo-se a blocos de
média/grande dimensão, podendo encontrar paralelos desde Leceia (Cardoso, 2010) a São Pedro
(Mataloto, 2010). As suas dimensões variam entre os 2,13 metros (estrutura 4), 4,30 metros
(estrutura 5), 3,60 metros (estrutura 6), 3,10 metros (estrutura 7) e 2,80 metros (estrutura 8), sendo
a estrutura 2 muito reduzida quando comparado com as restantes, em oposição à estrutura 5, a
maior do conjunto, que parece ter várias fases construtivas.
De forma resumida, os trabalhos efectuados na área correspondente ao Castro de Ota,
designado por nós como sítio da Ota, vêm trazer um conjunto de informações que acentuam a
riqueza deste sítio arqueológico praticamente inexplorado. As várias dinâmicas, ritmos e
utilizações identificados neste sítio, apontam para a necessidade de trabalhos que envolvam
intervenções arqueológicas localizadas, já que as questões que surgiram, com a detectação das
estruturas acima apresentadas, são diversificadas, e de interesse marcado, para a comunidade
científica.
41
5. COMPONENTE ARTEFACTUAL
5.1 – O conjunto
O conjunto em estudo, proveniente da Ota, é apenas composto por materiais que podem
remontar ao 4º e 3º milénio a.n.e., com uma maior preponderância no 3º milénio a.n.e., como
veremos mais adiante, decorrente tanto das recolhas da década de 40, por parte de Hipólito
Cabaço, como dos recentes trabalhos de prospecção, na base desta dissertação. Este projecto
procura colmatar as deficiências contextuais existentes, aportando um maior conhecimento das
áreas de maior concentração de materiais/estruturas, bem como conhecer, de forma individual e
integrada, os diferentes tipos de artefactos existentes (Quadro 1). O objectivo foi a obtenção de
uma visão de conjunto do remanescente das comunidades que habitaram o sítio da Ota, sendo que
a aquisição de uma visão global do conjunto, poderá revelar, ou descobrir, as várias actividades,
influências e vivências da sociedade calcolítica que ocupou o espaço da área em estudo. Por outro
lado, perante um volume considerável de materiais arqueológicos, desprovidos de contextos,
procurou-se a combinação de duas perspectivas - a exclusivamente tipológica e as leituras obtidas
em âmbito de prospecção – a fim de atingir a percepção das realidades presentes na área do sítio
da Ota.
Quantificação de tipo de material
Colecção Museu HC % Prospecção CCO % Total
Pedra Lascada 764 95,3 38 4,7 802
Pedra Polida 36 78,3 10 22 46
Pedra Afeiçoada 9 81,8 2 18 11
Osso Polido 55 100 0 0 55
Cerâmica 82 78,1 23 22 105
Pesos de Tear 18 95 1 5 19
Metalurgia 4 100 0 0 4
Total 968 92,9 74 7,1 1042
Quadro 1 – Quantificação de tipo de material por origem de recolha.
A densidade artefactual, de materiais enquadráveis no 4º e 3º milénio, da Ota é razoável,
tendo em conta as escassas intervenções e trabalhos arqueológicos efectuados no local. A
prospecção do Canhão Cársico de Ota permitiu vislumbrar que a área de “ocupação” é bastante
maior do que se previa à partida, e que se encontrava relatada.
42
Gráfico 1 – Presença percentual dos tipos de artefactos na Ota (Colecção Museu Hipólito Cabaço e Prospecões CCO).
Na generalidade, a pedra lascada é o elemento mais representado no conjunto, com uns
esmagadores 76,97%, o número aqui indicado poderá revelar dois tipos de explicações – uma, de
acordo com a proveniência, aptidão e “gosto” do colector da Ota, outra com a disponibilidade de
matéria-prima, realidade que poderá ter originado uma especialização dentro do habitat da Ota,
na Pré-História Recente.
O segundo tipo mais numeroso é o dos recipientes cerâmicos, com uma percentagem e
presença compreensível, reflexo dos métodos de recolha deste conjunto. Ainda assim, os
trabalhos de prospecção levados a cabo pela equipa do Canhão Cársico de Ota, resultaram nuns
significativos 22 fragmentos classificáveis, na sua maioria fragmentos decorados - 14 exemplares
– seguidos por oito bordos, sem qualquer vestígio de decoração – esta última realidade, a cerâmica
lisa, é efectivamente pouca expressiva no conjunto.
O osso polido apresenta-se como o terceiro tipo mais abundante, reflectindo a
disponibilidade de acesso à matéria-prima, sem se poder desassociar do elevado grau de
conservação da matéria orgânica neste sítio arqueológico.
Em situação quase paralela, em percentagem, encontra-se a pedra polida, com uma
representação significativa, sendo que na sua esmagadora maioria é referente a anfibolitos –
matéria-prima exógena, que não estaria disponível nesta região – demonstrando que havia, ainda
assim, um acesso directo às fontes de matéria-prima, ou às redes que as “trocariam”, e que estaria
relacionado com tarefas quotidianas “pesadas”.
O número de pesos de tear presentes no sítio, 19 exemplares, é considerável e representa
também um dos costumes praticados no quotidiano da população da Ota – a tecelagem.
Com um número reduzido de artefactos, encontra-se a pedra afeiçoada, 11 exemplares,
conjunto que é dominado pelos esferóides, contando apenas com dois moventes.
76,97
4,41 1,06 5,28 10,081,82 0,38
0
20
40
60
80
100
Pedra lascada Pedra polida Pedra
afeiçoada
Osso polido Recipientes
cerâmicos
Pesos de tear Metalurgia
Tipos de artefactos
Presença (%)
43
Por fim, o conjunto mais problemático da Ota é a metalurgia, pela sua difícil atribuição
cronológica. Do vasto conjunto de metais pertencentes ao sítio arqueológico, foram seleccionados
quatro machados e uma ponta de seta, que foram considerados neste estudo, uma vez que, a sua
possível cronologia, pode ir de encontro com as trabalhadas na presente dissertação.
a. Pedra lascada
Proceder ao estudo da indústria lítica mostrou ser um grande desafio pela, já referida,
escassez de estudos que permitam proceder a comparações e a estabelecimento de paralelos,
sendo a única excepção o caso das pontas de seta, onde os estudos e tipologias são relativamente
comuns e consensuais. É ainda de frisar a falta de apresentação dos valores em “bruto” (Sousa,
2010, p. 153), realidade que facilitaria uma reconstituição de técnicas de talhe. Este tipo de estudo
tem como objectivo principal proceder a um ensaio inicial de padrões económicos e a
identificação de especificidades na ocupação e exploração do espaço em estudo.
A aferição de uma economia de debitagem depende ainda, desde da génese, da adopção
dos princípios da cadeia operatória (Julien, 1992), no sentido de concretizar uma “remontagem
mental” (Sousa, 2010. p.155) dos procedimentos aplicados, desde o bloco em bruto até ao
utensílio. Na abordagem ao conjunto em estudo definiu-se, genericamente, a prossecução dos
critérios técnicos de análise de João Zilhão (1995), adaptado por António Faustino Carvalho
(1996) e Mariana Diniz (2007), no que respeita à utensilagem – refere-se a excepção para a
classificação tipológica dos elementos foliáceos que seguiram as propostas, resultantes de um
estudo intensivo, de Forenbaher (1999). Quer o faseamento, quer a interpretação de diferenças ao
nível dos espaços ocupado, foram e serão omissas neste estudo, devido à falta de contexto
derivado das campanhas de Hipólito Cabaço, que desenharam um quadro de dados inconclusivo,
que não conseguiu ser suplantado pelos dados que resultaram da prospecção arqueológica.
A nível terminológico optou-se por incluir a categoria de “Utensílios”, algo recorrente
nos trabalhos referentes a pedra lascada. Esta opção terminológica é consciente, ainda que tenham
sido reflectidas as implicações do seu uso nos trabalhos de Patrícia Jordão (2010), tendo como
justificação a falta de trabalhos traceológicos que nos indiquem, de forma inequívoca, a utilização
das peças e a sua categorização enquanto “utensílios”. Esta escolha foi feita em consonância com
os trabalhos de referência para a área em estudo e para este tipo de materiais, seguindo a linha da
harmonização conceptual.
1 - O conjunto
No caso concreto da Ota foi possível identificar um universo de 802 registos, onde se
reconheceram 40 núcleos; 324 materiais de debitagem, dos quais 131 lascas, 123 lâminas e 70
44
lamelas; 14 exemplares de material de preparação, onde apenas foram identificados flancos de
núcleo; 168 elementos residuais, onde se integram restos de talhe, esquírolas e fragmentos
inclassificáveis; e 328 peças retocadas (neste valor foram adicionadas as lâminas e lamelas
retocadas), passiveis de serem classificadas como artefactos, com maior probabilidade de terem
sido utensílios.
Gráfico 2 – Grau de conservação do conjunto
O conjunto apresenta-se consideravelmente fragmentado (81%), não tendo sido
consideradas as esquírolas e restos de talhe, dificultando, por vezes, uma classificação técnico-
tipológica precisa, principalmente no que concerne às peças retocadas (gráfico 2).
Gráfico 3 – Categorias tecnológicas
Este quadro de materiais destaca a debitagem de lascas e de produtos alongados
(maioritariamente lâminas), reconhecendo-se cadeias operatórias com vista à produção de lascas,
lascas retocadas e, possivelmente pontas de seta. A Ota, à semelhança do Penedo do Lexim
(Sousa, 2010), Leceia (Cardoso e Martins, 2013), Zambujal (Uerpmann e Uerpmann, 2003) e S.
Mamede (Jordão, 2010), revela uma reduzida quantidade de núcleos, de material de preparação e
reavivamento de peças com córtex, contrastando com o elevado número de material de debitagem
de fase plena e de peças no seu estado final, como utensílio. Provavelmente, parte das sequências
de talhe seriam, como avançado por Sousa (2010) e Jordão (2010), efectuadas noutros locais do
81%
19%
Fragmentado Inteiro
5%
2%
40%
21%
32%
Núcleos
Material de Reavivamento
Material de Debitagem
Material Residual
Peças Retocadas
45
povoado ou em locais possivelmente “especializados”, a partir dos quais os produtos debitados
seriam transportados. Em Ota a situação parece ser semelhante, destacando-se a proximidade com
as principais zonas de aprovisionamento de matéria-prima, o Montejunto e as zonas de aluvião
miocênicas da Ota, podendo ser vinculadas as primeiras sequências de talhe a estes locais.
A leitura geral das matérias-primas indica o sílex como a matéria dominante (96,93%),
seguida, com grande discrepância, pela calcite (1,75%), rocha de base do arqueossítio; quartzo-
hialino (0,66%); xisto (0,22%) e indeterminadas (0,44%).
Material de preparação/reavivamento Nº %
Flanco de núcleo 14 2
Tablette 0 0
Material de debitagem
Lamela bruta 59 8
Lâmina bruta 60 8
Lasca bruta 131 18
Núcleos
Núcleo 40 6
Material residual
Resto de talhe/Esquírola 146 20
Utensilagem
Furador 7 1
Ponta de seta 103 15
Lamela com retoque marginal 11 2
Lâmina com retoque marginal 63 9
Lasca com retoque marginal 39 6
Peça esquirolada 0 0
Raspadeira 34 5
TOTAL 707 100%
Quadro 2 – Quantificação e economia da debitagem
2 - Núcleos
Os núcleos estão representados por 40 exemplares, 38 pertencentes à colecção Hipólito
Cabaço e dois às prospecções arqueológicas, dos quais apenas três se encontram fragmentados.
A maior parte evidencia uma tendência de exploração preferencial de planos de percussão, como
é possível verificar (gráfico 4) na quantidade abissal de núcleos do tipo prismático, face aos de
tipo poliédrico. A tendência para os núcleos de tipo prismático resulta, como já tinha sido
verificado nos trabalhos de Patrícia Jordão (2010, p.41), numa evidência da exploração para
obtenção de lamelas. Contudo, a reduzida expressão de núcleos com extracção de lâminas pode
ser rapidamente justificada se tivermos em conta o grau de utilização/estado em que se encontram
– do total de 31 exemplares de tipo prismático piramidal, 25 encontram-se num grau exausto,
cinco deles apresentam um abandono simples e apenas um representa um possível esboço.
46
Gráfico 4 – Produtos debitados por tipo de núcleo (nº de peças)
Na análise da debitagem, foram considerados apenas os tipos de núcleo expressos no
gráfico 4, dos 40 núcleos apenas três se encontram fragmentados, como referido anteriormente, o
que resultou numa indeterminação quanto à sua classificação formal e aos produtos debitados. A
matéria-prima dos núcleos segue a tendência referida na descrição breve do conjunto, o sílex
apresenta-se como maioritário (95%), registando-se ainda dois tipos de matéria-prima – Quartzo-
hialino (2,5%) e Calcite (2,5%) – com grande possibilidade da sua proveniência ser local. Tal
como se verificou no caso do Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p.162), a Ota regista também um
uso intensivo do sílex que fica patente no estado exausto (23 em 38) ou abandonado face à
existência de defeito (15 em 38) dos núcleos em estudo – esta situação vai contra a relativa
proximidade que a Ota apresenta em relação às zonas de aprovisionamento, contudo não nos
surpreende se tivermos em conta o esforço económico empreendido na obtenção e tratamento de
nódulos de sílex.
O conjunto de núcleos apresenta um elevado número de exemplares sem vestígios de
córtex - 27 núcleos (68%), o que poderia significar um tratamento inicial dos nódulos de matéria-
prima num local exterior ao sítio arqueológico (Sousa, 2010, p.162). Quando observamos a
realidade dos produtos debitados, nomeadamente as lascas, estas apresentam uma tendência
contrária, sendo que, de um total de 170 lascas, 60% (102 exemplares) são referente a lascas
corticais – este domínio parece indicar que existiria um tratamento in loco dos núcleos. Esta
questão permanecerá em aberto, pela já amplamente frisada falta de contextos, até à obtenção de
novos dados, que nos façam vislumbrar uma maior percentagem do povoado, ou a existência de
locais especializados, clarificando a possível presença de áreas funcionais no espaço da Ota.
O tratamento térmico presente nos materiais da Ota apontou, desde o primeiro momento,
um domínio da técnica de preparação prévia à debitagem (Carvalho, 2012, p. 93) que ganha outra
expressão se tivermos em conta que não se registam exemplares com presença de potlid ou
crazing. A percentagem de 78%, que representa o tratamento térmico em todo o conjunto de
núcleos, explana a presença efectiva deste modus operandi na população que habitou e vivenciou
o sítio em estudo.
0
5
10
15
20
25
30
Nódulo Discóide Poliédrico Prismático Fragmentado
Lâminas
Lamelas
Lascas
Ind.
47
3 - Produtos de preparação e reavivamento
A escassez de produtos de preparação e reavivamento, é representativa da incapacidade
de discriminar o tipo de debitagem efectuada na Ota. No âmbito de produtos de preparação e
reavivamento considerou-se a obtenção primária de produtos alongados (Sousa 2010, p.163) –
Lascas de reavivamento parcial do plano de percussão, lascas de reavivamento total do plano de
percussão (tablettes) e flancos de núcleo. A representatividade de 2% no conjunto lítico
corresponde na sua totalidade (14 exemplares) a flancos de núcleo, que registam os indícios das
tarefas de manutenção dos núcleos. Os flancos de núcleo, como verificado no Penedo do Lexim,
contém um número considerável de peças com tratamento térmico, e o mesmo sucede entre os
núcleos.
4 - Debitagem
O material de debitagem em bruto corresponde a 40% do conjunto de pedra lascada
(quadro 2). A produção parece estar tendencialmente orientada para a obtenção de lascas, 56%
dos produtos de debitagem, com um contraste notório face às lâminas (28%), ou mesmo, às
minoritárias lamelas (16%). Estas proporções são incomuns quando comparadas com o quadro
do 4º e 3º milénios a.n.e. na Estremadura, na medida em que a ocorrência de produtos alongados
supera a de lascas, tendo sido proposto por Ana Catarina Sousa (2010, p.166) que a proporção de
suportes alongados vs lascas seja determinada por questões de aprovisionamento de matéria-
prima.
É importante para nós voltar à génese da recolha dos materiais por Hipólito Cabaço, da
qual não dispomos de qualquer informação dos seus métodos, que podem ter uma tendência por
uma recolha preferencial, diferenciada ou, em suma, deficitária. Ainda assim, independentemente
dos métodos e técnicas aplicadas na intervenção na Ota, é de destacar que os resultados parecem
corroborar a tese anteriormente citada. No entanto, em situação em tudo semelhante à de Ota,
encontra-se o Outeiro de São Mamede (Bombarral), que apresenta proporções, também elas,
pouco consentâneas com a realidade proposta para o período cronológico aqui em estudo –
realidade esta que obtém neste sítio arqueológico, uma maior expressão, ilustrada pelas lascas que
atingem os 77% dos produtos debitados, em claro contraste com a obtenção de lamelas com 18%,
ou das ainda mais escassas lâminas,5% (Jordão, 2010, p.42).
5 - Lascas
O produto talhado mais representativo da Ota, neste caso entenda-se lascas, domina o
conjunto dos produtos debitados, contendo um elevado número de lascas em bruto. Quando
colocamos este conjunto em confronto com as lâminas, podemos identificar que a obtenção de
lascas funciona como objectivo intermediário numa cadeia operatória como a dos foliáceos
(Sousa, 2010, p.174). Considerando o número significativo de lascas corticais (60%), é
48
concebível que a cadeia operatória das lascas se encontre completa, ainda que não tenha sido
realizado nenhum estudo de remontagem.
Entre as matérias-primas, o domínio absoluto do sílex verificado para as realidades
anteriores mantém-se (95%), havendo um número residual de lascas de calcite (4%) e um ainda
menos expressivo de quartzito (1%), configurando uma quase inexistente macro-indústria
presente no conjunto em estudo, tal como é assumido nos casos homólogos que foram estudados,
com a assunção de que «as tarefas “pesadas”» estão insuficientemente representadas nos
povoados calcolíticos estremenhos. (Sousa, 2010, p.175).
O retoque também foi tido em conta, mesmo tratando-se de um produto que é tido como
uma fase intermédia de uma cadeia operatória alargada - a elevada percentagem de produtos
inteiros indicia que este tipo de materiais não seriam “compreendidos” como utensilagem. No
entanto, como é possível verificar no gráfico 5, as lascas apresentam um significativo retoque
(23%), não sendo identificável uma diferença significativa entre as lascas com presença de córtex
e ausência, podendo revelar a utilização expedita para tarefas “pesadas” do quotidiano das
sociedades do 4º e 3º milénios a.n.e. na Ota.
Gráfico 5 – Distribuição do retoque (nº de peças)
Por último, a anteriormente referida tendência para a utilização de tratamento térmico,
fica expressa também no conjunto das lascas, revelando-se uma técnica clara de melhoria das
aptidões de talhe nestas rochas (Crabtree e Butler, 1964), permitindo, entre outros aspectos, a
extração de lascas mais longas e delgadas, requisito fundamental para o fabrico de foliáceos ou a
obtenção de gumes mais aguçados (Carvalho, 2012, p.93; Bordes, 1969).
6 - Material residual
Os restos de talhe, que representam 21% do conjunto lítico da Ota, quantificam 146
ocorrências, exibindo, porventura, as primeiras fases de preparação e debitagem de produtos não
alongados. Para responder a esta questão de incidência nas fases de produção, procurou-se
identificar a presença de córtex – foi possível detectar, em 30% dos elementos recuperados, a
existência de vestígios corticais, denotando a tendência já demonstrada nas lascas. Já quanto ao
0
20
40
60
80
100
Retocadas Sem retoque
Lascas Cortícais
Lascas sem córtex
49
tratamento térmico, os 410 gramas de restos de talhe, evidenciaram a propensão para ausência
(8%) de um tratamento prévio à debitagem. Quanto à matéria-prima corroboram-se os dados até
agora esmiuçados, em que o sílex é predominante, com 94%, com registos vestigiais quanto às
restantes matérias-primas presentes – quartzo, quartzito, quartzo-hialino, calcíte e xisto.
7 - Produtos alongados
A expressão de 44% (193 peças) de produtos alongados, retocados e não retocados, do
conjunto de pedra lascada remete-nos, em primeira instância, para a questão da divisão artificial,
ao nível da largura, que define a delimitação entre lâminas e lamelas. Neste caso, optou-se por se
utilizar o método mais recorrente, com o valor pré-definido de 12 mm (Inizan, 1995), tendo em
vista a normalização de resultados e a facilitação de estudos comparativos.
Gráfico 7 – Largura dos produtos alongados (intervalos em mm)
A análise das larguras dos produtos em suportes alongados (193 exemplares) em
categorias de 2 mm, como proposto para o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p.167), parece indicar
uma dispersão por todas as categorias, demonstrando, provavelmente, uma grande
disponibilidade de matéria-prima, como já verificado anteriormente para os núcleos, ou ainda
0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14% 16% 18%
>8
8-10
10-12
12-14
14-16
16-18
18-20
20<
70
123242
Lamelas Lâminas Lascas
Gráfico 6 – Produtos brutos debitados
50
diferentes funcionalidades. As categorias (>8; 8-10;10-12) que dizem respeito aos produtos de
pequena dimensão (lamelas), 70 peças, apresentam uma tendência equitativa, destacando-se a
terceira categoria, com 32 exemplares, na fronteira com as lâminas.
As lâminas, com 64% (123 exemplares) dos produtos em suportes alongados, apresentam
duas categorias mais salientes – larguras entre 12-14 e 20< – intervalos quase equivalentes,
separados por três peças, que representam propensões distintas. A primeira, no limiar com as
lamelas, parece traduzir uma uniformização da produção, em conjunto com a categoria anterior
(10-12), enquanto que a segunda aponta a uma produção de produtos de grandes dimensões (29
peças) acima dos 20 mm. Ainda que possa ser assumido que a proveniência contextual dos
materiais é um factor relevante e que, embora se apresente inalcançável, deve ser tido em conta –
como já sublinhado, a possibilidade da existência/intervenção de um contexto funerário na Ota,
por Hipólito Cabaço. A factualidade atingível através dos materiais, denota a predominância da
debitagem de lâminas face às lamelas, num conjunto significativo, entrando em oposição com os
recentes estudos para o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p.169) e Outeiro São Mamede (Jordão,
2010, p.44), ainda que em sintonia com a realidade observável no Zambujal (Uerpmann e
Uerpmann, 2003, p.29) – 75% lâminas e 25 % lamelas. Esta ultima realidade descrita, similar à
Ota, trata-se de um dos sítios mais estudado nas imediações, reforçando o carácter expressivo
destas quantificações que, quando vistas como um todo, parecem traduzir uma expressão regional
que deve ser, futuramente, transposta numa alargada linha de investigação.
A par desta opção metodológicas outras são aplicadas em contextos homólogos, sendo o
exercício de comparação, entre os dados, viável, chegando inclusive a gerar novas interpretações
e conclusões distintas. Segundo os pressupostos teórico-metodológicos propostos por António
Valera para a área de Fornos de Algodres (2007, p.92), a fronteira entre lamelas e lâminas situar-
se-ia ao nível dos 14 mm, em vez dos já referidos 12 mm (Inizan, 1995) - a expressão desta opção
materializar-se-ia numa diferença significativa nos dados obtidos anteriormente, com uma
supremacia da produção lamelar (53%, 102 exemplares) em relação à laminar (47%, 91
exemplares), tendo o intervalo de 12 a 14 mm (17%) um manifesto impacto no resultado.
A fim de avaliar a produção normalizada de lâminas e lamelas teve-se em conta mais uma
variável, para além da já mencionada variação entre as larguras (gráfico 7), o cruzamento entre
os resultados das formas dos bordos e a orientação das nervuras. A conclusão segue na mesma
orientação que a já retirada para o gráfico 7, em que se verifica que 59% da produção aponta uma
tendência de estabilização das técnicas extractivas, mostrando uma certa consonância com a tese
previamente desenhada, em que se parecem destacar dois grupos estabilizados – grandes lâminas
(20<) e peças com dimensão variável entre 10-14 mm – e um grupo de dimensões não
padronizadas. O estabelecimento destes grupos está, intrinsecamente, relacionado com as
51
dimensões das peças e não com a criação de limites artificiais nos 12 mm (Inizan, 1995) ou nos
14 mm (Valera, 2007). Outra das realidades a ser tida em conta, como observado por Rui
Boaventura (2009, p.225), é a necessária adaptação das metodologias às perguntas e aos contextos
em estudo, sendo referido que outra das hipóteses de análise métrica pode passar pela definição
de intervalos mais finos, diferenciando os produtos mais delgados (>9 mm), de um grupo
intermédio (10-15 mm) e, por fim de um conjunto mais robusto (>16), cujas funcionalidades,
certamente, variavam.
Gráfico 8 – Produtos alongados retocados e não retocados (nº de peças)
Quanto ao retoque nos produtos alongados, destaca-se a tendência conferida noutros
estudos homólogos para Estremadura portuguesa (Sousa, 2010; Jordão, 2010), em que se realça
o predomínio das lamelas em bruto, realidade que não pode ser verificada no caso das lâminas,
que se encontram quase equitativamente distribuídas (gráfico 8). O tipo de retoque dos produtos
alongados é, na sua esmagadora maioria, marginal, estando entre rasante e semi-abrupto.
Gráfico 9 – Forma das secções transversais das lamelas e lâminas (nº de peças)
O estudo das secções transversais possibilitou verificar a presença de produtos alongados
de fase plena de debitagem e de fases iniciais (gráfico 9), numa proporção similar entre lâminas
e lamelas, denotando uma certa coerência no conjunto apresentado. Assim sendo, a fase inicial de
debitagem, correspondendo a secções triangulares, exibe 33 lamelas (47% do conjunto das
0 10 20 30 40 50 60 70
Lâminas
Lamelas
Não retocadas
Retocadas
0 10 20 30 40 50 60
Indiferenciada
Biconvexa
Plano-convexa
Losangular
Trapezoidal
Triangular
Lamelas
Lâminas
52
lamelas), registo similar ao das lâminas com 47 exemplares (38% do conjunto das lâminas). A
fase plena de debitagem, secções trapezoidal, revela um decréscimo nas lamelas (40% do conjunto
das lamelas), em contraste com o aumento no caso das lâminas (41% do conjunto das lâminas),
embora seja um aumento pouco significativo e expressivo.
Gráfico 10 – Presença de tratamento térmico (nº de peças)
O universo dos produtos alongados da Ota é extenso para um conjunto desta natureza
contextual, denotando as evidentes fragilidades nos discursos e nos dados, no entanto expressa
uma certa conformidade com resultados obtidos para os casos homólogos na estremadura
portuguesa, verificando-se o enquadramento dos mesmos. Os estudos aqui efectuados revelam
não só uma evidente produção de produtos alongados, como também uma regularização dos
gestos técnicos que pressupõe uma partilha comum do saber, atestável através dos dados
fornecidos anteriormente.
À realidade apresentada até aqui, pode ainda somar-se as alterações térmicas que se
exibem, curiosamente, em desigualdade de circunstâncias, isto é, as lâminas apresentam um
tratamento diferenciado (gráfico 10), em relação às lamelas, com uma expressa motivação para a
ausência de qualquer tratamento (58% das lâminas), situação semelhante à observada nos dois
únicos núcleos de lâminas (1 com tratamento térmico e outro com ausência de tratamento),
contrariamente às lamelas que tendem a ter uma menos expressão na ausência de tratamento
térmico (35% das lamelas). Quanto aos núcleos de lamelas, estes apresentam uma tendência
semelhante à verificada nas lamelas, em que somente três dos 32 núcleos de lamelas evidenciam
a ausência de tratamento térmico.
Por fim, e numa última consideração sobre os produtos alongados, procedeu-se a uma
análise macroscópica com o objectivo de interpretar qualquer marca de uso ou expressão pós-
deposicional, a busca pelo “brilho de cereal” revelou sete peças no conjunto dos produtos em
suporte alongado, com destaque para as lâminas que contém seis dos sete exemplares
identificados. O esquírolamento, que tende em ser interpretado como uso expedito, pouco
intensivo ou resultado de fenómenos pós-deposicionais, tem alguma expressão no conjunto em
estudo com uma presença em 59 peças de 193, sendo que a distribuição é equitativa entre lâminas
e lamelas. As restantes 127 lâminas e lamelas não obtiveram qualquer presença de marcas de uso,
0 20 40 60 80
Tratamento térmico
Potlid
Ausente
Lamelas
Lâminas
53
ainda assim deve ser sublinhado o carácter falível da técnica implementada para aferição deste
tipo de marcas.
O estado de conservação dos produtos alongados do sítio da Ota é muito variado,
principalmente quando comparamos a categoria das lâminas, em relação com as lamelas. No
primeiro caso reflectem o conjunto mais fragmentado, existindo somente sete casos em que se
encontram intactas – dominam os fragmentos mesiais com 43 em 67 exemplares, facilmente
compreensível quando aceitamos o tamanho que estas peças poderiam atingir, seguido dos
fragmentos proximais, com 46 em 72 e, por fim, os fragmentos mesiais, 43 em 67. Já a situação
das lamelas é inversa, indiciando que estes objectos seriam utilizados ainda completos, em muito
pela sua reduzida largura e dimensão, existindo nove lamelas completas, 26 fragmentos
proximais, 11 distais e 24 mesiais.
A nível da fragmentação, a reduzida expressão de peças completas pode indicar que,
principalmente, as lâminas seriam fragmentadas para se tornarem mais funcionais no
desenvolvimento das suas funções – realidade observável no elevado número de fragmentos
mesiais, bem como fracturas por flexão, tendo sido também identificadas peças com retoques em
áreas fracturadas, acentuando a utilização destes elementos depois de fracturados. Como acontece
para o Penedo de Lexim, também é possível falar em fragmentação intencional, directamente
relacionada com a funcionalidade destes objectos em contextos domésticos (Sousa, 2010, p. 173)
8 - Utensilagem
Os utensílios da Ota correspondem a 32% do total da pedra lascada, isto é, a 328
exemplares (quadro 3). Este é o segundo conjunto mais representativo da pedra lascada na Ota,
em que se destacam equitativamente os utensílios diversos, onde está incluída a panóplia
correspondente a uma diacronia entre o 4º e 3º milénio a.n.e. – utensílios de retoque marginal,
entalhes, raspadeiras e furadores – e as peças foliáceas, com destaque para as pontas de seta, 103
em 175, e foliáceos ovóides com 72 ocorrências (Forenbaher,1999).
Gráfico 11 – Presença de peças retocadas
Peças foliáceas
53%
Utensílios diversos
47%
54
9 - Utensílios diversos
Os produtos de debitagem com retoque marginal (111), as raspadeiras (34), os furadores
(7) e o entalhe (1) constituem o grupo minoritário das peças retocadas (utensílios diversos).
Destacando-se, uma vez mais, as lâminas com retoque abrupto ou semi-abrupto, em proporções
semelhantes, com alternância de inclinação de retoques similares. Supostamente, as peças
denticuladas, ausentes no conjunto, estão associadas aos conjuntos Campaniformes e escassas nas
fases mais antigas do Calcolítico (Sousa, 2010, p.184). A Ota não apresenta qualquer expressão
de peças denticuladas e contém apenas um entalhe na sua colecção de pedra lascada, ainda assim,
o conjunto não nos deixa de expressar um âmbito cronológico alargado.
Quanto à dimensão funcional das lâminas mesiais (Gutierrez Saez, 1998), não se
conseguiu confirmar a sua utilização como utensílio, apesar das lâminas mesiais representarem
35% do conjunto laminar, apenas numa ocorrência se detectaram marcas de uso, nomeadamente
o característico “brilho de cereal”.
Gráfico 12 – Utensílios diversos
Já nas lascas retocadas, estas também apresentam retoque marginal, com um ângulo
diferenciado - tipo de retoque semi-abrupto e o mais expressivo, rasante. Também, como
verificado para o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p.178), o número de lascas com retoque
descontínuo é elevado e, como proposto para o sítio homólogo, evidencia provavelmente um uso
expedito. Contudo não foi detectada, na análise macroscópica, qualquer evidência de marcas de
uso.
O entalhe (2009/89) pertencente à colecção de pedra lascada da Ota é do tipo espesso,
sobre lasca, encontrando-se inteiro e com o bordo activo demarcado por um retoque semi-abrupto
contínuo, no entanto, não foi possível detectar qualquer tipo de marca de uso.
Dos sete furadores que constituem o grupo de utensílios diversos, todos se apresentam
sobre suporte de lasca, e encontram-se inteiros, conservando a parte distal que ainda se exibe
aguçada. Este é um grupo restrito, tal como o entalhe, considerando que a sua reduzida expressão
0 10 20 30 40 50 60 70
Entalhes
Lascas retoque marginal
Lâminas retoque marginal
Lamelas retoque marginal
Furadores
Raspadeiras
Utensílios diversos
55
possa ser explicada pela funcionalidade que lhe é atribuída – “furador” –, podendo sobrepor-se a
outro tipo de utensílios – osso ou em metal – o primeiro com uma expressão significativa no
conjunto da Ota e o segundo ainda sem qualquer ocorrência detectada. Outro dado a ser tido em
conta na análise deste conjunto de reduzida expressão, é a sua amplitude cronológica e, tratando-
se estes de proveniência contextual desconhecida, a sua leitura pode espelhar diferentes
funcionalidades, cronologias distintas e, por inerência, diferentes maneiras de ocupar o espaço.
As raspadeiras, tal como os furadores, correspondem a um utensílio com uma longa
diacronia e o número elevado de ocorrências, face a sítios congéneres como o Zambujal, Penedo
do Lexim ou Outeiro de São Mamede, o que pode demonstrar que o conjunto de raspadeiras da
Ota condiz com a larga ocupação cronológica da área em estudo. O conjunto é composto por 23
exemplares inteiros e 11 fragmentados, ao nível dos suportes existe uma clara opção pelas lascas
(82%), seguido pelo grupo de indeterminados (15%) e, ainda menos expressivo, sobre lâminas
(3%). A preponderância das lascas parece ganhar uma nova dimensão quando se observa que, de
um total de 82% de lascas, 38% correspondem a lascas corticais, podendo revelar um
aproveitamento das primeiras fases de debitagem de um nódulo de matéria-prima, para o
aproveitamento funcional desse tipo de material – no conjunto em estudo, a única matéria-prima
detectada é o sílex. Contudo, este facto não é determinante numa cadeia operatória de raspadeiras,
podendo apenas configurar um momento no espaço que, todavia, não está aferido.
Quanto à morfologia, o conjunto apresenta uma grande heterogeneidade, o tipo de bordo
funcional demonstra que não existe uma absoluta predominância evidente – Oval (6); Bilateral
(8); Unilateral (12); Discóide (3); Circular (2); Disco-lateral (2); Alterno (1) – destacando-se a
presença de retoque em ambos os bordos (bilateral) ou apenas num dos bordos (unilateral). O
mesmo já não pode ser aferido para o tipo de retoque, em que se manifesta a presença maioritária
de retoque abrupto ou semi-abrupto. Para a extensão do retoque que é, também, dominado pelo
retoque marginal, 26 peças, em oposição ao cobridor, apenas uma ocorrência, ou ao invasor com
7 exemplares. Quanto à presença de tratamento térmico, confirma-se em 14 peças demonstrando
uma tendência correspondente ao material de debitagem e aos núcleos estudados. As marcas de
uso apenas foram confirmadas em 9 exemplares, 8 desses com o evidente “lustre de cereal” e um
com uma marca de uso indeterminada.
9.1 - Foliáceos
9.1.1. Foliáceos ovóides
A questão em torno aos foliáceos ovóides é enorme e está expressa nos inúmeros termos
que estes artefactos transportam, como lâminas ovóides, facas ovóides, foicinhas ou lâminas de
foice. Tal como Forenbaher (1999, p.81), optou-se por utilizar o termo neutral de foliáceo ovoide,
que não indicia uma suposta função, já que está não está, de todo, determinada ou estabelecida.
56
O conjunto de foliáceos de Ota, como quase toda a colecção de líticos, é proveniente de
escavações antigas e, uma vez mais, a sua leitura será por isso limitada às características inatas
dos materiais. A Ota, com as suas 72 peças, parece apresentar um grande potencial, ainda que não
apresente os números do Zambujal (266 foliáceos ovóides) ou Leceia (288) supera o Penedo do
Lexim (60) e, largamente, o Outeiro de São Mamede (5). Apesar de não ser conhecida a área de
escavação de Hipólito Cabaço, a verdade é que a representatividade do conjunto de foliáceos
ovóides, na pedra da lascada da Ota, é significativa face aos casos anteriormente mencionados e
exemplo disso é o destaque que Forenbaher (1999) lhe atribui, sublinhando-se as abundantes pré-
formas deste sítio arqueológico. Não foram identificadas grandes pontas bifaciais no universo da
Ota.
O estudo levado a cabo na presente dissertação não confirmou a existência “An
unspecified number of large, bifacially worked pieces” (Forenbaher, 1999, p.62), ainda que
tenham sido identificadas quatro pré-formas – três inteiras e uma parcialmente fragmentada. O
número oficial de foliáceos ovóides também aumentou de 18 para 68, remetendo unicamente para
o estádio 6: fase final (Forenbaher, 1999), sendo esse o número mínimo de exemplares, uma vez
que o conjunto se apresenta muito fragmentado – proximal (17), mesial (37), distal (10) e
parcialmente fragmentado (4) – procedeu-se à tentativa de remontagem com base no estado, na
matéria-prima (colorações e defeitos), nas técnicas de retoque tendo sido apenas possível
encontrar correspondência em dois fragmentos. A altíssima fragmentação, 100% dos foliáceos
ovoides neste conjunto, excluindo as pré-formas, é, por enquanto, inexplicável, ainda que seja
reconhecido que a fractura dominante, em 99% dos casos, é por flexão e, apenas num caso, 1%,
é por retoque.
A fragmentação deste conjunto suscita diversos entendimentos imediatos, em primeiro
lugar, surge de uma colecção que resultou de uma escavação com técnicas e métodos rudimentares
na Arqueologia actual, com um modo de recolha não cientifico, ainda que estejamos perante um
conjunto lítico coerente com o panorama dos sítios contemporâneos a este. Os fenómenos de
natureza pós-deposicional podem explicar a perfeitamente casual agência da natureza sobre os
estratos históricos e pré-históricos, podendo estes, através de fenómenos de bioturbação, gerar
uma deformação ao nível sedimentar que provoque uma distorção no registo arqueológico. Ainda
assim, a mera casualidade parece não explicar o número mínimo de exemplares que não permite
qualquer remontagem, a fragmentação de 100% dos foliáceos ovóides, excepção relativa às pré-
formas, e a diversidade de “tipos” de sílex. A próxima explicação que nos surge é motivada por
Forenbaher (1999, p.63) “These were interpreted as blanks, indicating the existence of a
workshop” que tem ser equacionada, mesmo que não exista a representatividade de pré-formas
que o autor supracitado conjectura e, desta feita, a explicação para a fragmentação tem de passar
57
pela escavação de uma zona de talhe por parte de Hipólito Cabaço na década de 30. Ou seja, os
fragmentos de foliáceos ovóides tratar-se-iam de produtos com defeito, enganos de oficina, erros
de talhe ou de reciclagem de foliáceos ovóides.
Por fim, a explicação pela “Arqueologia da fragmentação”, cujos estudos tem estado em
voga na última década, é uma “estratégia social ao serviço da comunicação e da gestão de
relações” (Valera, 2010, p.31), ou seja, podendo-se levantar a questão, para este caso concreto,
de que um fragmento, uma metade, pode assumir-se como representativa de um todo.
Contrariamente à tese anterior, que se apoia na noção do objecto (fragmento/lixo) e que este tenha
sido deliberadamente abandonado ou deitado ao “lixo” pelas comunidades do passado (Thomas,
1999, p.62). Chapman (2009, p.131) responde a este facto, explicando a quase completa
inexistência de construções criativas baseadas no fragmento. As interpretações acerca da
fragmentação começaram por se centrar no grupo de fragmentos mais comum do registo
arqueológico – cerâmica – com Schiffer (1987, p.271) a sublinhar um conjunto de características
dos artefactos, que poderiam revelar informações acerca da formação dos depósitos, em que esses
mesmo artefactos se encontrariam inseridos. O autor ainda adiciona a noção de “fragmento órfão”,
que corresponde a fragmentos que não colam com outros. E foi esta adição que, para Chapman
(2007, p.100), representa o conceito mais importante que Schiffer introduziu nos estudos de
fragmentação, já que Chapman considera que a grande maioria dos “fragmentos órfãos” nos sítios
arqueológicos pré-históricos não se ficam a dever tanto aos processos tafonómicos, mas a práticas
sociais que envolvem a fragmentação intencional e a sua posterior manipulação. Esta questão
nunca poderá ser respondida para o caso da Ota, pela já amplamente referida falta de inserção
contextual de todo o conjunto artefactual.
A fase de processamento das peças é também atestada pelos seus perfis (Sousa, 2010, p.
187), conferindo a presença de peças de perfil simétrico nas etapas finais. O conjunto de foliáceos
ovóides demonstra uma maioria absoluta das secções biconvexas (72%), seguido pelas menos
expressivas trapezoidais (15%), pelas indeterminadas (9%) e, as minoritárias, plano-convexas
(4%). Este resultado expõe a presença maioritária das fases finais de produção.
Outra das características da produção foliácea é a presença de tratamento térmico,
contudo o conjunto “apenas” regista a presença de tratamento térmico em 50% das peças. Quanto
à classificação formal das peças, utilizou-se o mesmo critério utilizado para o Penedo do Lexim
(Sousa,2010, p.190), em que foram efectuadas de acordo com a geometria dos bordos e
extremidades - tal como no Penedo do Lexim, a forma dos bordos mais comum são os
convergentes que equivalem às convencionadas “lâminas ovóides”, constituindo a maioria (82%)
das peças classificáveis. Foram também identificados bordos paralelos (15%) que identificam
formas trapezoidais e, por fim, as menos expressivas, de bordos sinuosos (3%). A constituição de
58
um “catálogo de formas” foi, para nós, impossível, uma vez que o conjunto da Ota não dispõe de
qualquer peça completa.
9.2 - Pontas de seta
Entre os materiais retocados, as pontas de seta correspondem ao tipo mais representativos
do conjunto de materiais arqueológicos em estudo, tal como acontece com as “colecções antigas”,
preferencialmente recolhidas nos contextos calcolíticos na Estremadura. O caso da Ota não é
excepção, todos os exemplares são provenientes da intervenção de Hipólito Cabaço e, a avaliar
pelo número de exemplares (103), parece coincidir com o panorama detectado para o Penedo do
Lexim (149), Zambujal (cerca de 900) e Outeiro de São Mamede (418). O conjunto integra 103
pontas de seta, das quais 79 se encontram completas, correspondendo a 77% do conjunto. Estes
valores estão desenquadrados de outros contextos similares na Estremadura, exceptuando o caso
do Outeiro de São Mamede (87%), podendo a causa deste fenómeno ser associada a uma “recolha
direcionada apenas para peças inteiras” (Sousa, 2010, p.191). A categoria de “parcialmente
fragmentado” foi incluída no grupo de peças inteiras, no qual as peças que, apesar de permitirem
todas as mensurações, estão fragmentadas nas extremidades.
Face ao conjunto, optou-se por se adoptar o modelo de Forenbaher (1999), que tem sido
amplamente utilizado na região em que a área em estudo se situa, privilegiando a normalização
das designações e a regularidade dos dados.
A sistematização de Forenbaher (1999, p.77-79) que cruza a forma dos bordos das pontas
de seta e a forma das suas bases, permitem configurar cinco tipos de pontas de seta, excepção
para as pontas mitriformes. De acordo com esta proposta (Forenbaher, 1999,p.77-79) e
sistematizadas por Ana Catarina Sousa (2010, p.193), os tipos configuram grupos amplos:
• Tipo 1: pontas de base convexa (base arredondada, base triangular, pedúnculo);
• Tipo 2: ponta de base côncava ou plana;
• Tipo 3: pontas mitriformes (único caso em que o tipo de bordos e a extremidade
da peça determina a classificação morfológica);
• Tipo 4: ponta de seta tipo Eiffel: base e bordos muito concâvos;
• Tipo 5: pontas de seta alcalarenses (base muito concava e aletas pronunciadas);
• Tipo 6: pontas ovais foliáceas;
• Tipo 7: pontas modificadas.
Tal como se verifica na lista sistematizada, para além das evidentes particularizações, os
tipos 1 e 2 integram uma grande diversidade de formas que seriam, tradicionalmente,
individualizadas e, que no caso específico da Ota serão, mais à frente, aprofundadas por
transportarem características morfológicas que lhe conferem atributos de “fóssil director”, como
elementos de datação relativa.
59
Gráfico 13 – Estádios de produção das pontas de seta
No seguimento da proposta metodológica de análise de contextos de fabrico,
sistematizada em Forenbaher (1999) e em Carvalho (1998), foi possível identificar o primeiro
conjunto de produção de pontas de seta no actual território português (Sousa, 2010, p.194) - a
abordagem ao conjunto em estudo teve em conta os diferentes estádios de produção, tendo sido
essa a base através da qual se determinaram as 16 pré-formas - onde se incluíram cinco peças em
estádio inicial – 85 pontas de seta em estádio final e duas que foram alvo de reparação.
Quanto aos tipos de suporte, muitas das vezes são de difícil identificação, devido ao facto
de as superfícies se encontrarem largamente modificadas pelo retoque. Foi assim possível
confirmar a utilização de lascas como suporte de 22 “projécteis”, sendo que 10 destes
correspondem às fases iniciais da produção de pontas de seta, quanto aos restantes (81), o seu
suporte foi entendido como indeterminado.
Quadro 3 – Tipos de Ponta de Seta representadas na Ota, quadro tipo Lexim (Sousa, 2010)
O segundo tipo de ponta de seta (base côncava/
plana) corresponde ao grupo maioritário, ascendendo a
55% do total do conjunto, domínio que aparenta
confirmar-se genericamente em todos os povoados e em
necrópoles (Forenbaher, 1999, p.101). Os restantes tipos
de ponta de seta apresentam uma expressão residual no
conjunto, destacando-se ligeiramente as de tipo
convexa/triangular, neste caso unicamente de base
triangulares, as de tipo modificas e a exclusiva de tipo
torre Eiffel. Não foi detectada a presença de pontas de
seta “alcalarense”, ou de qualquer outro tipo que seja
indicador das redes de troca transregionais (Sousa, 2010,
p. 197). No entanto, pode-se especular a proveniência de
um exemplar (1685/8) do tipo 2 (base concava/plana), inteiro sem qualquer fractura, no seu
12%
87%
1%
Pré-forma
Final
Reparadas
TIPO Nº %
1-Base convexa/
triangular 3 3%
2-Base côncava/
plana 57 55%
3-Mitriforme 0 0%
4-Eiffel 1 1%
5-Alcalarense 0 0%
6-Foliáceas 0 0%
7-Modificadas 2 2%
8-Indeterminadas 24 23%
9-Pré-forma 16 16%
TOTAL 103 100%
60
estádio final de produção, cuja matéria-prima sobre a qual foi talhado se reporta a um material
xistoide, vulgo xisto jaspoide, sendo esta a única presença de outro tipo de matéria-prima,
assinalando-se como o único exemplar com uma possível proveniência exógena – ainda que
permaneça por descodificar se foi a peça a viajar ou um bloco de matéria-prima, se chegou pelas
teorizadas “redes de troca transregionais” (idem, ibidem, p.197) ou se reflecte um acto de
mobilidade populacional (Oelze, 2012, p.15).
A análise das características morfológicas - alongamento, espessamento, perfil, secção,
retoque, tratamentos de superfície e geometria dos bordos – seguiram os critérios descritivos
propostos por Carvalho, 1998 e Valera, 2006, sendo que, quanto aos índices alongamento e
espessamento, optou-se por se seguir a relação proposta por Valera (2006, p. 768). O gráfico 14
permite identificar a relação alongamento/espessura das pontas de seta da Ota, sendo visível que
as 59 peças analisadas apresentam uma tendência para um espessamento entre os 12 e os 16 e
com um índice de alongamento médio a rondar os 70.
Gráfico 14 – Dispersão das pontas de seta
A matéria-prima não é um factor que possa ser destrinçado ou funcione como factor
determinante, como aconteceu para o caso da Malhada (Valera, 2006, p.768), ainda assim é
possível constatar, através da relevância dada pelo preenchimento a vermelho no gráfico 14, que
a peça - 1685/8 – de xisto jaspoide, ainda que isolada, denota um tratamento similar ao
identificável no conjunto de pontas de seta em estudo, ou seja com uma menor robustez (mais
alongadas e menos espessas). O conjunto é, na sua grande maioria, pouco robusto, em que os
quatro tipos de pontas de seta não se destacam, para além destes existem 10 exemplares – nove
do tipo côncavo ou plano e um do tipo triangular – que apresentam um alongamento médio a
elevado e uma espessura bastante significativa, acima dos 20. O gráfico de dispersão parece
configurar um modo de fazer tendencialmente regular, com algumas excepções mencionadas
anteriormente.
0
20
40
60
80
100
120
140
0 5 10 15 20 25 30
ÍND
ICE
DE
ALO
NG
AM
ENTO
ÍNDICE DE ESPESSAMENTO
Concavas/planas Convexas/triangulares Torre Eiffel Modificadas
61
Em relação ao perfil, existe claramente uma dominância das peças de perfil
simétrico/recto que perfazem na totalidade as peças no estádio final, as pré-formas (16) são
distribuídas pelos perfis rectos (56%), rectos com a extremidade distal arqueada (25%) e sinuosos
(19%). Não foi detectado qualquer perfil convexo que, segundo Ana Catarina Sousa (2010,
p.199), poderia configurar um estádio inicial de produção, desta feita a relação não se encontra
corroborada para o caso da Ota. No que se refere à secção, a predominância recai sobre as plano-
convexas (47%) seguidas pelas biconvexas (25%), este destaque sobre estes dois tipos de secção
também foi verificado para o Penedo do Lexim, mas em situação inversa, com o domínio das
biconvexas (50%) a que se seguem as plano-convexas (42%). Contudo, no nosso caso, as secções
triangulares e trapezoidais reflectem uma maior expressividade no conjunto, com 18%, podendo
estar relacionadas com aproveitamento dos produtos alongados enquanto suporte.
Gráfico 15 – Extensão do retoque das pontas de seta
A totalidade do conjunto de pontas de seta apresenta retoque bifacial, ainda que a extensão
do retoque não seja uniforme em abas as faces. O grupo maioritário das peças foi retocado em
ambos os bordos (45%), sendo a extensão do retoque mais comum, a referente ao verso das pontas
de seta. A superfície total é o segundo grupo com mais representatividade, com 35% do conjunto,
tendo sido a extensão de retoque na face, a mais característica.
Num conjunto considerável de peças, a análise do tipo de retoque revelou a frequência
preponderante do tipo rasante, que abrange 71% do conjunto, aparecendo ainda um grupo de
peças com um tipo de retoque semi-abrupto (19%) e um número reduzido com retoque abrupto
(10%). A serrilha também foi detectada em 16% do conjunto, registando-se uma clara tendência
para a ausência deste tipo de acabamento. A explicação para a sua pouca expressividade é
teorizada por Forenbaher (1999, p.76) como sendo um meio para o sangramento das presas, o que
lhes atribui uma funcionalidade específica e por consequência uma menor expressão no registo
arqueológico. Outra explicação, admitida pelo autor anteriormente referido, é a que assume que
a presença de serrilhas possa indicar um tipo de “adorno” de natureza não funcional.
0 10 20 30 40 50 60
Indeterminado
Superficie total
Ambos os bordos
Apenas um dos bordos
Ambos os bordos e base
Verso
Face
62
A questão da fracturação ou fragmentação destes artefactos leva-nos a proceder, em
primeira instância, à associação entre a funcionalidade e a produção. Ainda que seja muito difícil
identificar os tipos de fractura presentes nas ocorrências de pontas de seta, estes tipos podem ser
reconhecidos pela dispersão de energia expressa nas morfologias das fracturas, exercício
facilitado pela matéria-prima em questão (sílex). Se, por um lado, os constituintes do conjunto
que apresentam fracturas, são representados, maioritariamente, pelas fracturas por flexão (57%)
– associadas à sua funcionalidade que envolve a existência de um impacto (Sousa, 2010,p.210)
registado através de um padrão comum de fractura: extremidade distal e extremidade da base –
por outro lado, verifica-se no conjunto a presença de um grupo de peças que apresentam uma
fractura acidental (26%), embora estivessem no seu estádio final, podendo estar atribuído a
fenómenos pós-deposicionais. Ainda num grupo mais restrito (10%), foram identificados dois
tipos de fractura – acidental e por flexão – que ocorrem na mesma peça, constituindo um desafio
à interpretação das suas possíveis causas. Por fim, e quanto às ainda menos expressivas fracturas
por retoque (6%), podem corresponder a múltiplas interpretações das quais destacamos a
reparação, acidentes em fases finais de talhe e/ou por reconversão.
Num balanço final do conjunto, a questão cronológica parece ser a que tem maior
preponderância e relevância. É nesse sentido que o extenso conjunto da Ota pode alcançar um
enquadramento crono-tipológico baseado nas morfologias analisadas. A questão tipológica é
sobrevalorizada neste capítulo devido à escassez de proveniência contextual, assim sendo, e a par
dos estudos no Outeiro de São Mamede, Zambujal e Penedo do Lexim, a Ota parece adequar-se
às cronologias contextuais do Zambujal e do Penedo do Lexim, com um conjunto na sua grande
maioria (tipos côncavos, Torre Eiffel, Modificadas) enquadrável no 3º milénio a.n.e., excepção
para as reduzidas (3) evidências (tipo triangular) enquadráveis nos finais do 4º milénio a.n.e.,
como verificado nos contextos arqueológicos nos sítios homólogos à Ota.
b. Pedra Polida
Quando falamos da pedra polida, na Estremadura portuguesa e, mais concretamente, no
período entre o 4º e 3º milénio a.n.e., mencionamos um tipo de matéria-prima que possibilita uma
leitura ampla sobre variadas temáticas, entre as quais podemos destacar as redes de troca e
aprovisionamento a longa distância, as tecnologias de fabrico e as práticas desenvolvidas no
quotidiano destas populações.
Foram contabilizadas um total de 46 peças entre utensílios, possíveis esboços e
fragmentos de pedra polida, perfazendo um total de 9,216 Kg – um número relativamente
reduzido quando comparado com outros contextos similares na mesma área geográfica (Sousa,
63
2010, p. 217) mas que ganha grande expressão se tivermos em conta a escavação antiga e, mesmo
assim, reduzida levada a cabo por Hipólito Cabaço.
Dentro do conjunto em estudo foi possível identificar alguma diversidade de matérias-
primas, sendo elas o anfiboloxisto que corresponde a um total de 42 exemplares e 8,609 kg – é
interessante verificar que esta matéria-prima, dominante no conjunto, tem uma proveniência
mínima de 80 km em linha recta (Abrantes) – o calcário, a matéria-prima local com 2 exemplares,
correspondendo a 338 gr e duas peças cuja matéria-prima é indeterminada. Assim sendo, o
estabelecimento de comparações com os trabalhos recentes, levados a cabo em sítios
arqueológicos como Leceia (Cardoso, 1999/2000), Penedo do Lexim (Sousa, 2010. P. 216) e
Pedra d’Ouro (Branco, 2007. P.87) é difícil, cingindo-se a uma comparação mais tipológico-
formal e quantitativa do que contextual.
A nível do estado do conjunto é interessante constatar que o mesmo apresenta uma grande
diversidade no tipo de conservação. Há um domínio das peças fragmentadas, representando um
total de 26 fragmentos – esta leitura foi altamente dificultada pelas diversas reconstituições que o
Museu Hipólito Cabaço levara a cabo em muitos destes fragmentos de machado, contudo a sua
análise foi possível, sendo só de referenciar que as medidas retiradas podem sofrer ligeiras
alterações. Deste total de 26 fragmentos foi possível criar 3 subcategorias que ilustram em que
secção o fragmento se pode inserir: quatro exemplares de área mesial, que nos permitiu identificar
tipos de polimento e matérias-primas, seis peças correspondentes á área proximal, ou talão, que
foram analisados tendo como principal objectivo a procura de marcas de um uso complementar
e, principalmente, marcas de encabamento, por último 16 peças que correspondem à área distal,
mais comummente denominada de gume, que facilitaram as leituras referente a usos, simetrias e
funcionalidades. Por último é de referir um total de 20 exemplares (44%) que se encontram
completos e acabam por ser a categoria dominante no conjunto, realidade que é bastante rara em
contextos homólogos na Estremadura Portuguesa, que apresentam um grau de fragmentação
bastante elevado (Sousa, 2010, p.217) - no Penedo do Lexim, tendo em conta um conjunto de 48
peças, somente 16 se encontram completas, correspondendo a 33% (Sousa, 2010, p. 216), já no
caso do “povoado vizinho” da Pedra de Ouro onde se verificam 97 peças, somente 24 (25%)
correspondem a artefactos inteiros (Branco, 2007, p. 87). A realidade anteriormente referida muda
a nível numérico quando analisamos os contextos de Leceia que, num total de 184 peças,
aproximadamente 130 (71%) correspondem a materiais inteiros (Cardoso, 1999/2000, p. 241) -
neste caso específico é de destacar que a área intervencionada é superior a 10 000 m², o que pode
justificar o número avultado de peças completas. Para o contexto do Castro do Zambujal foi
possível constatar que não existem dados compilados, o que vai impossibilitar as comparações.
Novamente é de relembrar que o conjunto em estudo na presente dissertação resulta, na sua
64
maioria, de uma escavação “arqueológica” antiga que pode, entre outras realidades, ter
intervencionado contextos não só de ocupação.
1. Caracterização tipológica
No que toca aos “nomes das coisas”, neste caso à nomenclatura a atribuir a cada tipologia
de materiais, foram utilizados termos como “machados”, “enxós” e “martelos” que tem uma
conotação claramente funcional. Contudo, tendo em vista uma uniformização dos estudos e a
possibilidade de estabelecer comparações que nos permitam leituras superiores, esta terminologia
foi aqui também ela replicada.
Uma vez que o conjunto do “Castro” de Ota não se encontra significativamente
fragmentado, foi possível ensaiar uma caracterização e inserção tipológico-funcional de 38 dos
exemplares. Esta realidade só não foi possível de efectuar em oito casos, dois deles referentes a
áreas mesiais, quatro de área proximal e dois da área distal – nestes oito fragmentos não foi
possível entender o desenvolvimento da peça, tendo sido tomada a decisão de não os incluir em
nenhuma categoria tipológica. Em oposição a esta realidade, conseguiu-se chegar á caracterização
e inserção tipológica de 10 machados e oito enxós que, mesmo não se encontrando completos,
permitiram ensaiar um desenvolvimento intrinsecamente ligado com o tipo de bisel do gume, com
a secção longitudinal e evolução dos bordos do fragmento – estas opções metodológicas
encontram-se em conformidade com as descrições metodológicas de Gertrudes Branco (2007, p.
88), António Fandos (1973, p. 203-208) e António Valera (2010, p. 763) que, neste caso, foram
adaptadas para fragmentos e não somente para exemplares completos.
Tendo estes pressupostos como base metodológica, foram identificados então três tipos
de categorias de materiais já referidas – machados, enxós e martelos.
No primeiro caso, os machados perfazem um total de 20 exemplares, dos quais 10 se
encontram completos. A caracterização dos materiais completos foi feita a partir dos dados
obtidos através do cálculo do índice de alongamento (largura/comprimento*100) – que varia entre
os 35 e os 61 – e o índice de robustez (espessura/comprimento*100) - entre os 26 e 46 – em
associação ao desenvolvimento formal da peça. A estes parâmetros foi adicionada a análise de
secções, onde dominam, em 55% do conjunto, as secções rectangulares, seguidas pelas secções
circulares com 20%, a análise do gume, onde se verifica uma grande homogeneidade no conjunto
entre os gumes simples convexos (45%) e os simples planos (40%) e, por último, a análise do
talão, no caso dos dez exemplares completos, que varia entre os talões truncados (40%),
arredondados (30%) e pontiagudos (30%). Referimos que, nos valores de intervalo anteriormente
referenciados, não foram incluídos três exemplares, tendo em conta o seu peso significativo,
estando inclusive um deles fragmentado no talão, que claramente não se enquadram com os
65
valores médios do restante conjunto – realidade mais acentuada quando apresentados os pesos
das referidas peças – o artefacto nº 1696 com um total de 1,200 kg, o nº1323 com 2,210 kg (com
um índice de alongamento de 19 e de robustez de 17) e o nº1311 com 1,400 kg, todos eles de
anfibolito. Estas três peças representam 52% do peso total do grupo de pedra polida em estudo, o
que lhes atribui um grande valor influenciador nas análises deste conjunto artefactual.
A compreensão e leitura destas três peças é, de forma clara, bastante difícil de ensaiar,
em especial pela falta de proveniências contextuais. Duas destas peças podem ser assumidas como
similares a nível formal, tecnológico e do tamanho – peças nº1269 e 1311 – sendo que ambas
apresentam marcas de uso nos gumes, podendo ser conjecturada uma funcionalidade mais
“efectiva” no quotidiano destas comunidades, ainda que apresentem, como referido
anteriormente, valores que extravasam as médias do conjunto. No terceiro exemplar não foi
detectada qualquer marca de uso, podendo ser assumido como um machado votivo – votivo no
sentido de não apresentar uma funcionalidade aparente. Este espécime apresenta características
morfológicas semelhantes às peças das áreas de Benavila e Ervedal, Redondo, Mafra, Alpiarça,
Várzea do Lírio, Vila Velha do Rodão e Castelo Branco que, curiosamente, apresentam uma
dimensão média de 35 cm com corpo “afuselado” com matérias-primas similares (Andrade, 2014,
p. 100-101; Gonçalves, 1982-83).
As justificações funcionais e cronológicas destes machados são diversificadas e pouco
claras, tendo de estar necessariamente relacionas com a existência de vestígios de uso e o contexto
da sua descoberta. No caso específico da Ota, como sublinhado várias vezes ao longo do presente
trabalho, não nos é possível aceder ao contexto original da recolha deste machado de grandes
dimensões, contudo, tendo em conta a já referida inexistência de marcas de uso, podemo-nos
inclinar para uma funcionalidade/significado mais relacionado com um âmbito votivo, na senda
do que Victor S. Gonçalves avança em 1983/1984 (p. 198). O carácter votivo, neste contexto, não
pode ser desassociado do seu poder representativo de uma possível relha de arado (Andrade, 2014,
p. 101), que ganharia um peso extra a nível cultural e simbólico, num período em que surgem
novos métodos e paradigmas associados a uma “revolução” dos produtos secundários (Sherratt,
1995, p. 61-76).
Passando já ao caso específico das enxós, de um total de 17 exemplares identificados,
nove encontram-se completos. Novamente foram usados os índices de alongamento, para os
exemplares completos – onde se verificaram intervalos entre 30 e os 48 mostrando assim o seu
diminuto alongamento – e ainda o índice de robustez – com valores entre os 10 e os 31, indicando
uma robustez média. Foram também aqui analisadas as secções, dando-se destaque às secções
rectângulares (65%), procedidas pelas de tipo quadrangular (24%), em associação a uma análise
das tipologias do gume, onde domina o gume simples plano (82%). Quando olhámos para os tipos
66
de talão, foi-nos possível constatar que há uma tendência similar á já verificada para os Machados
– talões truncados (33%), arredondados (22%) e pontiagudos (22%), sendo que o único dado a
adicionar é o aparecimento de dois talões planos (22%). No caso desta categoria tipológica foi
detectado um exemplar que extravasa a tendência geral do conjunto – uma peça de pequenas
dimensões, cuja matéria-prima é indeterminada, tendo sido integrada neste conjunto sabendo-se,
à partida, que não entroncava com as cronologias em estudo. Mais adiantamos que esta peça teria
uma cronologia que pende entre dois períodos cronológicos distintos - o Neolítico Antigo, onde
é possível identificar paralelos como o sítio dos Cortiçóis (Cardoso et al, 2013, p. 44), o Neolítico
médio, com 1 registo similar no Algar do Bom Santo (Carvalho, 2015, p. 8) e o Bronze Final,
onde se detecta uma enxó, também ela de pequenas dimensões, em Basalto, no sítio da Quinta
Nova de Santo António (Neto et al, 2013, p. 38). O caracter votivo que os artefactos referidos
assumem nos contextos apresentados, podem reforçar, uma vez mais, a mescla de contextos
associados às intervenções de Hipólito Cabaço na década de 30. O seu simbolismo parece também
estar patente na sua matéria-prima sendo esta, nos casos apresentados, sempre minoritária
(Cardoso et al, 2013, p.59), algo que, no caso da Ota, também se verifica, permanecendo por
identificar a matéria.
No caso concreto do único exemplar de martelo presente no conjunto em estudo, só foi
possível proceder à sua identificação por este se encontrar completo. Uma peça de
desenvolvimento circular, pouco alongada (44) mas com uma robustez considerável (também de
44) dado ao facto da sua suposta funcionalidade/utilização. Neste artefacto o “gume” apresenta-
se martelado com intensos sinais de uso, realidade que também se verifica no seu talão, dando a
entender que ambas as extremidades se encontrariam activas e em uso (martelo/pilão).
Avançamos a hipótese de uma segunda funcionalidade enquanto pilão devido ao estado
arredondado e esmagado do talão, realidade que também vai ser identificada na Pedra de Ouro
(Branco, 2007, p. 88).
O domínio absoluto dos machados face às enxós, realidade comum na Estremadura
portuguesa (Sousa, 2010, p. 218), não se verifica no contexto da Ota, onde se confirma uma certa
homogeneidade dentro do conjunto – 20 machados (43%) para 17 enxós (37%). Esta realidade
também não encontra paralelos nos contextos das Beiras, onde se verifica uma presença mais
acentuada para as enxós do que para os machados (Valera, 2007, p. 384). Quando procuramos
paralelos a uma escala mais reduzida, local/regional, mais especificamente na Pedra de Ouro,
detecta-se uma situação similar – os machados representam 29% do conjunto, enquanto que as
enxós espelham 17%. Para outros contextos que partilham algumas semelhanças com a Ota, o
Penedo do Lexim e Leceia, os machados são os mais representativos com 33% dos conjuntos em
ambos os casos (Sousa, 2010, p. 218; Cardoso, 1999/2000, p. 257). No nosso entender a
justificação para esta realidade que, aparentemente é “local”, passa pela falta de contextos
67
concretos na Ota, aliado a uma recolha selectiva que favorece determinadas peças em detrimento
de outras, e, no caso da Pedra de Ouro, a análise centrada nos artefactos completos (Branco, 2007,
p. 87) pode distorcer os dados reais.
Tentámos suplantar algumas das falhas contextuais com recurso à prospecção
arqueológica e respectiva georreferenciação dos achados, contudo os resultados apresentam-se
em sintonia com o conjunto e com as elações previamente descritas – num total de sete peças
recolhidas, uma amostra mesmo assim pouco significativa, três correspondem a machados (43%),
uma enxó (14%) e três peças indeterminadas (43%).
Dentro destas categorias tipológicas foi ainda feita uma análise transversal que se debruça
sobre a técnica de produção destes artefactos – mais concretamente o polimento. Este tipo de
observações pode dar indicações sobre os tipos de técnicas de polimento e o seu respectivo
domínio e ainda sobre maneiras de proceder aos encabamentos e utilizações das peças (Sousa,
2010, p. 223). No caso concreto da Ota foi possível compreender uma tendência generalizada
para o polimento total (80%), o que acaba por dificultar e impossibilitar ensaios sobre tipologias
de encabamento. A esta realidade segue-se o polimento exclusivo em uma das faces (13%),
surgindo quer em enxós quer em machados, sendo ainda de realçar dois exemplares com recurso
à técnica do picotado – este tipo de tratamento é muitas vezes associado a marcas de encabamento
(Orozco, 1999) contudo, no nosso entender, mostram efectivamente uma técnica diferenciada que
pode ilustrar um tipo de trabalho prévio a um polimento total. No caso da Ota o machado nº1696,
onde o picotado está presente na totalidade da peça, podemos assumi-lo como um material em
processo de conclusão (1º processo de definição da morfologia da peça com recurso á técnica da
picotagem e 2º polimento que “apague” as marcas desse mesmo processo), é interessante verificar
que mesmo assim apresenta marcas de uso em ambas as extremidades – mesmo podendo ser uma
peça por finalizar não perde a sua funcionalidade e utilidade. Estas teorias e ideias necessitam de
uma comprovação que passa, necessariamente, por um estudo mais aprofundado das técnicas de
criação e polimento de utensílios em pedra polida.
Quanto às marcas de uso foram identificados 30 exemplares com diversos tipos de marcas
– partido/lascado (2), boleado (3), intensos sinais de uso (12), ligeiros sinais de uso (12) e
percussão (5). O grupo mais significativo, com 29 peças, é referente às marcas presentes no gume.
Quando falamos dos sinais de uso alusivos ao talão, estes descem para 5, existindo uma
sobreposição entre marcas no gume e talão em 4 peças – só um fragmento, que corresponde à área
proximal, tem, exclusivamente, sinais de percussão no talão. Ensaiar justificações para os graus
de utilização é difícil neste sítio arqueológico, muito pela já referida falta de contextos mas
também pela falta de recursos laboratoriais, que permitam afinar as conclusões traceológicas, e
pela falta de estudos no âmbito da Arqueologia experimental. O que podemos avançar é que o
68
domínio das marcas de uso no gume mostra a utilização “típica” deste tipo de artefacto, á qual
podemos associar utilizações de ambas as extremidades, fazendo-se uso de todas as características
destes materiais.
2. Matérias-primas
Como referido anteriormente, o conjunto em estudo apresenta alguma diversidade no que
toca a matérias-primas. Verifica-se um domínio total de anfiboloxisto (42 exemplares que
correspondem a 8,609 kg), estando também presentes o calcário, a rocha local com duas peças
com 338 gr no total, por último, duas peças cuja matéria-prima não foi possível identificar.
Estes números permitem-nos constatar que a rocha local, mais acessível a estas
comunidades, não seria a matéria predilecta para a fabricação deste tipo de utensílios e artefactos.
Esta situação tem paralelos em locais como a Pedra de Ouro (Branco, 2007, p. 87) e Leceia
(Cardoso, 1999/2000, p. 266) onde toda a matéria-prima é exógena, não sendo encontrado
nenhum artefacto de pedra polida de calcário. Conseguimos compreender a não utilização de tal
matéria, ainda mais se relacionarmos a teórica funcionalidade deste tipo de utensílio, com a
questão da durabilidade e resistência deste tipo de rocha. Ao longo da prospecção arqueológica
desenvolvida no âmbito do projecto de Caracterização e Plano de ação do Canhão Cársico de
Ota foi-nos possível identificar uma realidade para a qual, de outro modo, não estaríamos
sensibilizados – o surgimento de um machado de calcário, com intensos sinais de uso, que passaria
despercebido por entre os diversos fragmentos da rocha de base, presentes á superfície. Esta pode
ser uma das justificações para a diminuta presença destas matérias-primas em utensílios de pedra
polida e de pedra lascada, uma invisibilidade e desconhecimento que pode ter influenciado as
recolhas antigas, bem como as recentes. Salientamos ainda que um destes machados de calcário,
o nº2034, foi “esculpido” num bloco de matéria-prima proveniente de uma camada geológica
exposta a menos de 1km do sítio arqueológico – actual pedreira do Outeiro do Seio (informações
orais do geólogo José Ferreira) – sendo a sua identificação possível pela presença de oncóides e
pisóides, fósseis característicos das camadas de Calcários Corálicos do Amaral. É um artefacto
não só interessante pela sua proveniência, mas também pelo seu valor estético-simbólico, patente
na sua exímia manufacturação que lhe atribui uma elevada componente estética, materializada na
sua simetria, mesmo que este não se apresente como um artefacto funcional – pela matéria-prima
porosa, incapaz de resistir a choques muito violento, e a não presença de qualquer marca de uso.
O grande grupo de matéria anfiboloxistos, também eles dominantes nos sítios
arqueológicos homólogos à Ota (Sousa, 2010, p. 221), não apresenta uma categoria tipológica
dominante, sendo transversal a todo o conjunto. Neste grupo podemos inserir vários tipos de
anfiboloxistos que podem revelar diferentes fontes, potenciais, de aprovisionamento. Podemos
destacar a presença de anfiboloxistos da série negra que podem ser provenientes de Abrantes
69
(Cardoso, 1999/2000, p. 266), área que se encontra a aproximadamente 80 km da zona de estudo.
Os anfiboloxistos que apresentam uma tonalidade mais “esverdeada” podem pertencer aos
denominados “xistos verdes” nas imediações de Montemor-o-Novo (87 km) ou a Sul de Grândola
a 111 km (Cardoso, 1999/2000, p. 266).
No caso da Ota não foram registados quaisquer vestígios de transformação de matéria-
prima, sejam eles blocos em bruto, lascas ou esboços, realidade que pode igualmente ser
observada no Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 222). Esta situação, previamente referida por
Valera (1997, p. 116-117), remete assim para um tratamento prévio dos lingotes no local original
da sua extracção, sendo invisível no registo arqueológico dos locais em que estes materiais seriam
utilizados. Estas ideias partem de um pressuposto teórico que assume a existência de redes de
troca estabelecidas, derivadas de uma intensificação económica (Cardoso, 1999/2000, p. 263),
que poderiam entrar num esquema semelhante ao da exploração e circulação do sílex da
Estremadura Portuguesa (Forenbaher, 1998), onde existiria uma produção
especializada/centralizada que posteriormente procederia a trocas de média e longa distância
(Branco, 2007, p. 89), podendo socorrer-se dos rios como vias de comunicação. Posto isto,
devemos ter sempre em conta a cada vez mais atestada mobilidade das comunidades em estudo
entre o Neolítico médio (Carvalho, 2015) e o Calcolítico (Valera, 2003), podendo ser
reconsiderado o impacto efectivo das distâncias e os termos “local” e “sedentário”.
O conjunto de pedra polida da Ota mostra uma grande compatibilidade dos dados obtidos
face aos dados obtidos no povoado congénere da Pedra de Ouro (Branco, 2007, p. 88), podendo
ser conjecturada uma homogeneidade tecnológica de âmbito local/regional. Quando ampliamos a
área de análise, verificamos que se mantem uma certa coerência com sítios como o Penedo do
Lexim (Sousa, 2010, p. 216-225) e Leceia (Cardoso, 1999/2000), esta situação está certamente
relacionada com as características das implantações, a reunião de condições para adquirir
matérias-primas e com o período cronológico das ocupações. A Ota é assim, no que toca à pedra
polida, um local com especificidades interessantes mesmo não tendo tido o mesmo volume de
trabalhos e intervenções que os diversos locais supracitados.
c. Pedra Afeiçoada
Os materiais afeiçoados que surgem nos sítios arqueológicos são, normalmente,
agrupados consoante a sua suposta funcionalidade, os exemplos mais comuns passam pelos
percutores, bigornas ou os elementos de moagem, sendo estes os utensílios que podem levantar
mais questões. O reduzido conjunto que o sítio da Ota ofereceu, com nove elementos provenientes
da colecção do Museu e dois exemplares das prospecções arqueológicas, não nos permitem tecer
grandes conclusões sobre as actividades e funções que estes objectos teriam desempenhado. Esta
ausência é relativamente comum nos sítios arqueológicos com uma recuada história de
70
intervenções, em especial nos sítios da estremadura portuguesa (Sousa, 2010, p.211), explicada
pelo desconhecimento e não reconhecimento deste tipo específico de artefactos – no caso do
explorador da Ota, Hipólito Cabaço, mostra já um conhecimento mais aprofundado destas
realidades, explanado na recolha de quartzitos com marcas de uso, na Pedra de Ouro (Branco,
2007, p. 90), e ainda percutores e elementos de moagem, tanto no sítio anteriormente referido,
como na Ota.
No conjunto dos procedimentos de recolha actuais podemos ver uma valorização
crescente dos artefactos de pedra afeiçoada a partir dos trabalhos de Victor S. Gonçalves, em
1989, no Alto Algarve Oriental. Estes vestígios mostram assim um reconhecimento das
comunidades do 4º e 3º milénio enquanto comunidades produtoras e transformadoras.
1. Elementos de moagem
Os artefactos da Ota que podem ser enquadrados na categoria “elementos de moagem”
são muito reduzidos, ideia já salientada anteriormente, correspondendo a três moventes e um
dormente (um movente e um dormente do Museu Hipólito Cabaço e dois moventes resultantes de
prospecção). Esta denominação, inicialmente teorizada por Victor Gonçalves em 1989, é aqui
aplicada tendo em vista uma homogeneização terminológica que facilite e fomente as
comparações entre variados contextos.
A nível dos dormentes, como referido antes, só foi possível registar uma peça que,
curiosamente, apresenta uma gravação na sua superfície activa. Tendo em conta que esta peça se
encontra fracturada de forma natural, a sua descrição tipológico-morfológica foi impossível de
efectuar, sabendo-se, contudo, que tem 10,5cm de comprimento por 6cm de altura, enquadrando-
se assim com os exemplares de pequenas dimensões recolhidos no Penedo do Lexim, onde a
altura mínima corresponde a 5cm (Sousa, 2010, p.213). A nível da utilização esta peça apresenta
algumas marcas de desgaste, situação que se detecta em alguns exemplares a Sul, estado a sua
superfície activa ligeiramente côncava, com um polimento vivo, efectivando assim um uso
moderado desta peça. A matéria-prima é claramente uma rocha granitóide, cuja proveniência é
externa em relação à área em estudo, surgindo a uma distância mínima de 10/15km, conhecido
por “grés de Torres Vedras” (Zbyszewski e Assunção, 1965). Não está relatado, no caso dos
moventes, o aproveitamento de matérias locais. Em suma, este único exemplar mostra a reduzida
presença destas peças no espólio resultante das intervenções de Hipólito Cabaço no sítio da Ota,
podendo não ter sido escavada nenhuma área produtiva ou de actividade específica.
Os moventes representam um conjunto mais elevado, com um proveniente da colecção
do Museu e dois resultantes de prospecção, podendo ainda ter sido maior se tivermos em conta
que podiam ter existido moventes em materiais perecíveis, como a madeira (Menansanch et al,
2002), que não se preservem no registo arqueológico estremenho. Os exemplares melhor
71
conservados são os provenientes de prospecção, estando um deles completo e outro parcialmente
fragmentado, com uma espessura que ronda os 3,5cm e um comprimento entre os 6cm e 10cm,
um deles ovalado e outra circular. A matéria-prima destes exemplares condiciona em muito os
seus polimentos e picotados, enquanto que uma das peças, cuja matéria prima é basalto, se
apresenta com um picotado vivo e polimento visível, na outra não é possível identificar qualquer
marca de picotado mas vê-se um polimento vivo, numa peça conglomerada. Ambas as matérias-
primas podem ser consideradas rochas de proveniência local, com captação num raio máximo de
5/6km, contrariando a realidade que se verifica para o dormente. A peça do Museu também se
enquadra nestas características, mas apresenta um grau de fragmentação maior, não acrescentando
muitos dados às conclusões retiradas a partir dos exemplares de prospecção. Esta peça é também
ela de basalto.
Este conjunto reflecte uma tendência generalizada que se sente nos contextos da
Estremadura Portuguesa, onde os vestígios de elementos de moagem são uma realidade pouco
expressiva, podendo esta fraca presença ser justificada por uma prática produtiva/consumista que
não requeresse este tipo de utensílios, mais centrada em “hortícolas” (Cardoso, 1989, p. 107) – o
caso da fava, presente no registo antracológico de Vila Nova de São Pedro (Jalhay e Paço, 1945,
p. 85) – ou uma “técnica” de transformação que não deixasse marcas claras no registo
arqueológico, contrária ao que se detecta no registo alentejano (Gonçalves e Sousa, 2010). Estas
questões só podem aspirar a respostas mais concretas quando os estudos antracológicos e
paleobotânicos se tornarem uma realidade mais generalizada na Península de Lisboa, podendo
clarificar sobre os tipos de espécies vegetais consumidas e, por sua vez, transformadas (Sousa,
2010, p. 212).
2. Polidores/Afiadores
Outra categoria de objectos em pedra afeiçoada que foi identificada na Ota é a
correspondente aos polidores/afiadores. Uma única peça, cuja cronologia é impossível de
alcançar, que pode ser enquadrada tipologicamente nos polidores/afiadores com uma ampla
superfície de utilização (Diniz e Vieira, 2007, p.86), teria uma utilização em superfícies maiores
e, possivelmente, mais duras. O polidor/afiador de arenito da Ota tem um total de 7,5cm de
comprimento, encontrando-se parcialmente fracturado, e com uma espessura de 2,5cm,
relativamente reduzida quando comparada com o exemplar de Leceia (Cardoso, 1986, p. 107),
também ele de arenito, que apresenta cerca de 7cm. Apresenta uma concavidade relativamente
demarcada, o que pode indicar um uso intensivo desta peça, funcionando como um “polidor” ou
“afiador” de artefactos de pedra (Cardoso, 1986, p.107), osso ou ainda outros materiais perecíveis.
72
3. Esferóides
Os artefactos afeiçoados com uma forma esferoidal apresentam-se como um grande
desafio a nível tipológico, morfológico e, acima de tudo funcional. São relativamente comuns em
contextos de necrópole, surgindo pontualmente em contextos de habitat (Cardoso, 2001/2002, p.
81; Sousa, 2010, p. 215). Na Ota foi possível identificar, na colecção do Museu Hipólito Cabaço,
um total de seis esferóides todos eles de granito, contrariamente aos exemplares de Leceia todos
eles de calcário/calcarenito brando (Cardoso, 2001/2002, p. 77-78). Dois exemplares encaixam
na categoria de média dimensão (45mm a 75mm) definida por João Luís Cardoso (2001/2002,
p.77), enquanto que os restantes quatro, se podem enquadrar na grande dimensão (>75mm).
Apresentam todos um afeiçoamento por picotagem, mas só dois foram alvo de polimento
posterior, sendo ainda de frisar uma peça com ligeiras marcas de percussão.
Se tivermos em conta a distribuição estratigráfica e cronologias propostas por João Luís
Cardoso para o caso de Leceia, este tipo de conjunto surge entre o Neolítico final e o Calcolítico
pleno (Cardoso, 2001/2002, p.79; Gonçalves, 2009, p.433) – como já referido anteriormente, a
falta de contextos arqueológicos da Ota impossibilita este tipo de leituras, podendo estes materiais
ser enquadrados em qualquer período cronológico. Para além da cronologia, este conjunto parece
entroncar na já referida tese de estarmos perante uma intervenção antiga que possivelmente
sondou não só contextos do suposto “povoado” como também realidades de cariz funerário,
visível na presença de um lagomorfo, no machado “votivo” de grandes dimensões e agora na
presença de esferas.
As peças esferoides representam um verdadeiro desafio a nível da sua funcionalidade,
levando a conjecturas que podem variar entre a corrente funcional, como balas de funda ou mós
para cosméticos/corantes (Cardoso, 2001/2002, p. 79), e a votiva. O nosso pensamento estrutura-
se, para este caso específico, em torno das interpretações que assumem este tipo de objectos como
multifuncionais, atendendo às suas características morfológicas, contudo, quando observamos
mais atentamente os contextos onde estas ocorrem com maior incidência – sendo eles a Anta de
São Gens, Anta 1 de Sobreira, Anta de Entreáguas 1, São Martinho, Praia das Maçãs, Casa da
Moura, Cova da Moura e Poço Velho (Cardoso, 2001/2002; Sousa, 2010, p.215) -chegamos à
conclusão que apresentam uma forte ligação com o âmbito funerário e, por sua vez, “ganhando”
um caracter representativo e simbólico. Novamente o número relativamente baixo de ocorrência
destes objectos em intervenções com pressupostos e técnicas recentes, impossibilita os estudos
mais aprofundados sobre as questões cronológicas e funcionais.
O conjunto de pedra afeiçoado da Ota foi integralmente analisado, tendo sido
apresentados nos parágrafos anteriores. É curioso que, mesmo tendo a Ota uma longa diacronia
de ocupação, o conjunto mostra uma compatibilidade e homogeneidade de técnicas, matérias-
73
primas e influências que nos permitem avançar com uma inserção cronológica, de todas as peças,
dentro do 3º milénio a.n.e. e de um quadro mental compatível com a macrorregião da Estremadura
Portuguesa.
d. Recipientes cerâmicos
O conjunto cerâmico, do 4º e 3º milénio a.n.e., da Ota padece das mesmas problemáticas
da grande maioria dos conjuntos cerâmicos provenientes de sítios arqueológicos contemporâneos,
em especial na actual Estremadura Portuguesa. Essencialmente compostos por recolhas antigas,
com um acesso muito dificultado aos contextos em que estes estariam integrados, dificultando a
tentativa de reconstituição ou, acima de tudo, de compreensão de possíveis sequências
cronológicas que facilitariam o estabelecimento de considerações sobre “continuidades”,
“rupturas”, “avanços” e “recuos”.
Aliado à realidade arqueológica exposta, podemos associar a falta de trabalhos
monográficos e aprofundados, que tenham em conta a vertente contextual, dificultando as
comparações e as leituras que tenham, como objectivo central, as visões descentralizadas e menos
artefactualistas dos conjuntos e das redes de relações. Estes pressupostos “modernos”, só podem
ser observados num número limitado de obras na região da área em estudo, sendo esses os
trabalhos escolhidos para base metodológica da presente dissertação. A estes foram ainda
adicionados sítios que facilitem e permitam o estabelecimento de paralelos crono-tipológicos –
são desta realidade exemplo os casos de Leceia (Cardoso, 2006), Penedo do Lexim (Sousa, 2010),
Pedra de Ouro (Branco, 2007) e, onde existem estudos sistemáticos das cerâmicas decoradas que
se detectam na Ota, o Castro do Zambujal (Kunst, 1987).
1. Caracterização do conjunto
No caso específico da Ota, o total de fragmentos enquadráveis dentro da categoria dos
exemplares cerâmicos, corresponde a 105 exemplares (representando 10% das 1042 peças em
análise) – apenas um exemplar dispõe de perfil completo, acentuando-se o estado fragmentado
do conjunto. Foi possível individualizar 38 bordos, sendo que dois deles correspondem a bordos
de tipo denteado e outros sete categorizados como indeterminados, não se conseguindo
informação a nível formal. A estes exemplares podemos adicionar uma peça, isolada, onde se
identificou uma carena acentuada, directamente associada a decoração enquadrável no universo
Campaniforme. A grande fragmentação do conjunto, já sublinhada nas linhas anteriores,
apresenta-se como uma realidade compatível com a atestada para os contextos homólogos da
Estremadura, tal como foi verificado por Ana Catarina Sousa (2010, p. 237) - mesmo não
existindo conjuntos publicados sistematicamente, é patente o reduzido número de recipientes de
perfil completo. As remobilizações sucessivas dos solos, através da longa diacronia da ocupação
74
do espaço, podem, eventualmente, ser a explicação lógica para o resultado encontrado. Ainda
assim, esta situação parece traduzir mais do que uma mera coincidência, apontando sim para a
evidência de um conjunto de práticas que ainda não foram reconhecidas no nosso registo
arqueológico, que nos escapam por entre métodos e enquadramentos teóricos pouco sensíveis a
esta realidade. No estudo dos materiais cerâmicos da Ota, só numa situação foi possível proceder
à correspondência entre fragmentos, mais especificamente no caso de dois fragmentos com
decoração do tipo Losangos preenchidos, ambos provenientes de prospecção, mostrando assim a
amplamente citada recolha selectiva de peças por Hipólito Cabaço, a possível diversidade e
extensão das áreas por si intervencionadas, podendo ainda espelhar fenómenos tafonómicos e/ou
deposicionais diversos. Os parâmetros descritivos, usados para a classificação das formas dos
recipientes, resultam de uma combinação entre a metodologia usada por Victor Gonçalves (1989,
p. 147-151), Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares (1976-77, p. 181-184), em especial porque
estas foram também utilizada nos estudos de Leceia (Cardoso, Soares e Silva, 1985, p. 54-64;
Cardoso, Soares e Silva, 1996, p. 47 - 91). A combinação destas metodologias procura evitar a
multiplicação de critérios e designações, ou seja, uma tentativa de homogeneização a nível
“linguístico”.
Outra questão, também ela saliente quando se trabalha nestes domínios, é a predominância
da cerâmica decorada em detrimento dos exemplares lisos, não nos sendo possível atestar e aceder
ao real significado percentual das decorações. No caso dos vários fragmentos em estudo, a
cerâmica decorada apresenta-se com um domínio bastante acentuado – 91 peças em 105 – sendo
as restantes correspondentes a cerâmica lisa, de prospecção, com associação indirecta à estrutura
2 e um recipiente de tipo copo, facilmente compatível com um contexto “votivo” ou funerário.
Os grupos decorativos possíveis de identificar são correspondentes aos “tipicamente” associados
a contextos das cronologias em estudo: Folhas de Acácia, motivos geométricos, Campaniforme e
ainda bordos denteados. Quanto à metodologia usada para o estudo da decoração, tendo em conta
a importância que a cerâmica decorada assume no conjunto e no discurso arqueológico do 4º e 3º
milénio a.n.e. na Estremadura. Na maior parte dos casos, optou-se pelas designações fixadas na
terminologia arqueológica, com expressões como “bordos denteados”, “losangos preenchidos”,
“folha de acácia”, “copo”, entre outras, sendo estas expressões incontornáveis e padronizadas,
ainda que discutíveis. No caso do conceito “folha de acácia”, por exemplo, este apresenta-se como
um termo amplamente reconhecido e assumido pela comunidade arqueológica nacional e, nesta
presente dissertação, será empregue para designar, no nosso entender, o motivo espinhado. Ainda
assim, assumimos que o “nome das coisas”, neste caso específico, é bastante discutível, sendo
certo que representa uma linguagem intangível até ao momento, por essa mesma razão, este
motivo decorativo é apresentado, neste trabalho, de forma acrítica.
75
2. Número mínimo de exemplares
Uma das realidades analisadas para os períodos cronológicos mais recentes, encontrando-se
já estabelecidas e com processos metodológicos concretos, é o ensaio de número mínimo de
exemplares, permitindo o investigador ter uma ideia geral da real expressão do conjunto e qual o
seu significado a nível material.
Para tal, a quantificação tem de assentar no cruzamento de variantes como a análise do estado
dos fragmentos (formas e número de bordos em relação com os fundos), identificação das
especificidades referentes às pastas (componentes não plásticos, tratamentos de superfície) em
intrínseca relação com o estudo das decorações.
Assim sendo, para o conjunto cerâmico da Ota, foi possível estimar um número mínimo de
24 recipientes cerâmicos que se podem resumir, a nível formal, a dois recipientes do tipo pote
simples, dois correspondentes a formas dotadas de paredes rectas, oito globulares de bordo
reentrante, nove taças em calote e três campaniformes. Se a esta realidade adicionarmos os dados
relativos à decoração, podemos destacar um claro domínio dos recipientes com um
desenvolvimento decorativo do tipo “Folha de Acácia” – realidade a ser clarificada mais adiante
no trabalho – com um total de sete globulares e cinco taças, seguido dos motivos geométricos
(dois recipientes de paredes rectas, três taças e um globular), uma taça com bordo denteado, três
exemplares de cerâmica campaniforme e dois potes lisos.
Neste tipo de estudos, ainda em fase embrionária e com pouca expressão em trabalhos
similares, as conclusões a que se chega são, necessariamente, curtas com necessidade de
confirmação posterior. Não deixam, ainda assim, de funcionar como linhas de orientação para
possíveis ensaios semelhantes que tenham, como objectivo, demonstrar a expressão física dos
conjuntos cerâmicos.
3. Reportório formal
Um dos objectivos principais de um estudo artefactualista, sobre a componente cerâmica, é
estabelecer um catálogo de formas que se mostra essencial para a sistematização dos tipos de
recipientes presentes – tendo em vista os estudos comparativos, com os sítios congéneres, e o
enquadramento da realidade, presente na Ota, com contextos que dispõem de relações
estratigráficas, tentando aceder-se a actividades produtivas, rituais e sociais (Sousa, 2010, p.320).
Outra das áreas de estudo facilitada pela sistematização formal do conjunto, está intrinsecamente
relacionada com a identificação de espécimes cerâmicos atípicos, que apoiem considerações de
proveniências ou ainda, numa análise mais aprofundada, elacções que tentem sistematizar e
encontrar pontos de simbiose, contacto ou influência inter-regional, ou numa escala mais
76
“europeia”. Nenhuma das questões anteriormente levantadas pode ser respondida se a análise
arqueológica, e o próprio investigador, não tiver ciente a grande necessidade de conhecer um sítio,
bem como as suas especificidades, antes de avançar para leituras suprarregionais, sendo que são
estes particularismos que nos indicam, acima de tudo, questões, paradigmas, influências e quadros
culturais/sociais diferentes.
Estas tabelas formais, no caso concreto da Pré-História, têm de apresentar um certo grau de
flexibilidade, aceitando a diversidade inerente à produção de recipientes por via manual – não nos
podemos esquecer que estas tabelas resultam de um processo de reconstituição por parte do
investigador, sendo necessário ter em conta que a maneira como procedemos à reconstrução das
peças pode não corresponder ao seu desenvolvimento original. Os “subtipos”, quando existentes,
devem ser alvo de um processo de ponderação, sendo que temos de tentar compreender se as
Imagem 4 – Tabela de formas criada para o sítio da Ota
77
diferenças são alvo da intenção do agente produtor, ou reflectem actos involuntários singulares
(Sousa, 2010, p.239). No nosso caso concreto, a existência de variantes, prende-se com alterações
intencionais que modificam as morfologias gerais dos recipientes – formas abertas, fechadas,
espessamentos de bordos e a presença, num único exemplar, de um ombro/carena acentuada - foi
possível individualizar um total de cinco formas tipológicas, com oito subcategorias
correspondentes.
A nível dos bordos, a componente material utilizada na elaboração desta tabela, foram
trabalhados e analisados 37 exemplares, correspondendo a 35% do total das 105 peças cerâmicas
do 4º e 3º milénio a.n.e.- tendo sido aqui incluídos os dois exemplares de bordos denteados. A
homogeneidade destes bordos, a nível da regularidade da espessura e da superfície, permitiu
considerar que as técnicas produtivas, bem como os gestos técnicos por detrás da produção
cerâmica, encontravam-se aperfeiçoados e padronizados, existindo, ainda assim, espaço para a
variabilidade decorrente da acção manual, que, no nosso caso concreto, se encontra atestada na
presença de três bordos irregulares, na sua espessura e superfície, levando à impossibilidade da
reconstituição da sua forma final.
Um dos pontos de coesão do conjunto de bordos é o predomínio dos perfis de tipo
arredondado, com 19 exemplares, e tipo plano, com 14 ocorrências – este tipo de perfis é
compatível com os dados obtidos para sítios congéneres, especialmente se tivermos em conta as
tabelas formais existentes (sousa, 2010, p. 240). Podemos ainda sublinhar a existência de duas
peças com terminação em bisel simples, bem como dois exemplares enquadráveis na categoria
dos “bordos denteados” – ambos os perfis de bordo levantam problemas a nível cronológico, já
que nenhuma destas realidades é específica de um período temporal/cultural concreto.
O predomínio das formas abertas, 22 exemplares no conjunto em estudo, pode estar
intimamente relacionada com o grande número de peças cuja forma é indeterminada – seis
fragmentos. Estes dados não vão de encontro com o tipo de orientação de bordo predominante no
conjunto – o bordo recto, com 17 fragmentos – sendo que muitas das peças estudadas, ainda que
apresentassem bordos com orientação tendencialmente recta, foram assumidas como
desenvolvendo formas abertas – podemos ainda referir a existência de sete peças com bordos
extrovertidos, realidade que apoia as conclusões anteriores, assim como nove peças com bordos
introvertidos e quatro impossíveis de orientar. O conjunto da Ota não levanta grandes problemas
a nível forma, já que as formas vão de encontro com as tipologias homólogas, contudo é
necessário ter em conta que as formas a que chegamos reflectem a análise de uma pequena porção
da realidade, sendo que o todo não pode deixar de ser uma projecção do que cremos ter existido.
A nível das designações atribuídas às formas cerâmicas, como referido anteriormente, muitas
delas seguem padrões e normativas já estabelecidas para a Estremadura Portuguesa (Sousa, 2010,
p. 238) – fracturar as análises ao criar nomenclaturas distintas, vai dificultar o processo
comparativo, evitando o estabelecimento de paralelos e a detecção de influências/padrões. Assim
78
sendo, optou-se por se proceder a uma distinção primária entre as formas, passando-se das formas
mais simples e comuns, como o caso dos copos, taças e potes, para as menos presentes no registo
arqueológico, como as paredes rectas ou a cerâmica Campaniforme. As variantes resultam, como
sublinhado anteriormente, de pequenas variações relacionadas com o tipo de desenvolvimento
dos recipientes – as formas 2.1. representam taças com tendência para desenvolver um recipiente
aberto e a 2.2., contrariamente, com tendência para recipientes fechados, ambas as variantes sem
espessamentos do bordo, sendo que a forma 2.3. representa taças onde foi identificado um
espessamento interno. A forma 3.3., dentro da categoria dos potes, reflecte um tipo de forma –
recipientes globulares de bordo reentrante - muito característica, a nível cronológico e regional.
Os acampanados foram divididos, por sua vez, em dois subgrupos, que reflectem, um, a existência
de uma carena/ombro num dos exemplares e, dois, a indeterminação em torno da forma dos
restantes fragmentos.
Na primeira das categorias, as taças e potes, correspondentes às formas 1 e 2, não
apresentaram grandes informações a nível de contactos ou influências, já que são o tipo de
recipientes mais comuns nos contextos em estudo (Sousa, 2010, p. 239). Dentro das várias
subcategorias criadas, reflectindo alterações ligeiras a nível formal, foram individualizadas as
formas correspondentes a Taças caneladas (com dois exemplares), bem como a forma dos
recipientes globulares com bordo reentrante, representando dois fragmentos dos bordos
reconstituíveis. Este tipo de recipiente surge, tendencialmente, associado a decorações do tipo
Folha de Acácia (Sousa, 2010, p. 329), assumindo-se como o resultado da resposta a uma
necessidade concreta, no Calcolítico pleno, gerada por uma “intensificação económica” – a
armazenagem (Cardoso, 2006, p. 36). No nosso entender, este tipo de conclusões necessita não
só de leituras estratigráficas sólidas, que sustentem as considerações cronológicas – mesmo
estando estas relativamente restritas ao Calcolítico Pleno (Sousa, 2010, p. 239; Gonçalves e
Sousa, 2006, p. 239) - bem como de análises específicas, que nos permitam aceder, ainda que de
forma incompleta, a possíveis conteúdos e, por inerência, funções.
Os acampanados surgem, representados pela categoria formal 3, corresponde a vasos
acampanados onde só foi possível inserir uma peça – um fragmento onde uma carena/ombro foi
identificada. A nível formal, o seu principal paralelo encontra-se no Tholos da Tituaria, onde foi
possível reconhecer um recipiente de perfil quase completo que conta, também, com uma carena
acentuada na parte inferior do vaso (Cardos, 2014, p.314; Cardoso, 2014b, p.285). Esta similitude
formal vai ser apoiada por uma forte semelhança a nível decorativo, a ser explorada mais à frente
no trabalho. Conta referir que, do sítio da Ota ao Tholos da Tituaria, estaríamos a falar de
aproximadamente 26/27 km, em linha recta, não sendo considerável uma distância elevada, tendo
em conta a grande mobilidade humana, já atestada no Neolítico (Carvalho, 2015).
79
Os recipientes com paredes rectas apresentam-se como um verdadeiro desafio, a nível das
reconstituições formais e ensaios sobre possíveis utilizações, já que os exemplares onde o perfil
da peça se encontre completo, são raros (Sousa, 2010, p. 604). Certo é que este tipo de formas é,
muitas vezes, assumido como um “substituto”, a nível funcional, dos copos (Cardoso, 2006),
mesmo que alguns dos exemplares apresentem grandes diâmetros. Tal como os recipientes
globulares, anteriormente referidos, as reais utilizações e funções, só serão acedidas com estudos
mais completos – ainda assim, este tipo de exemplares tem de corresponder a uma categoria
formal diferenciada, já que apresentam especificidades formais, em associação a características
de fabrico e decorativas muito próprias.
Por último, a categoria formal 5 os copos, só nos foi possível identificar um exemplar. As
suas dimensões são reduzidas, correspondendo a uma peça parcialmente fragmentada, que
apresenta um tipo de constituição e fabrico característico, com pastas pouco cuidadas, aparentado
uma cozedura redutora, com alisamento interno e externo, não tendo sido identificado qualquer
tipo de decoração nas suas superfícies. A forma que desenvolve justifica, claramente, a sua
inserção na categoria isolada dos recipientes de tipo copo, mas a sua cronologia, pela amplamente
sublinhada falta de informações contextuais, apresenta-se dúbia e difícil de conjecturar. Este tipo
concreto de morfologia dos recipientes pode ser assumido como sendo um representante da
“família” dos copos que surgem, nos contextos portugueses, no início do Calcolítico, podendo,
inclusive, representar um tipo de realidade artefactual que permite teorizações e pensamentos
sobre as suas origens, que se inserem nas discussões relacionadas com as origens da metalurgia –
os copos, sendo completamente novos no registo arqueológico das cronologias em estudo,
apresentam-se como bons marcadores cronológicos, tendo uma morfologia dispare em relação a
um reportório estremenho tendencialmente repetitivo e monótono (Sousa, 2010, p. 240). No caso
específico do exemplar da Ota, o seu perfil e a sua técnica de fabrico apresentam características
diferentes às sistematizadas para os recipientes de tipo Copo que surgem em sítios arqueológicos
homólogos – quer sejam eles o Penedo do Lexim (Sousa, 2010) ou Leceia (Cardoso, 2006) –
podendo sugerir uma produção mais tardia, não enquadrável no ambiente cultural do Calcolítico
Inicial. Outra das questões que esta forma levanta, acima de tudo pelo seu estado de conservação
único, quando comparado com todo o restante conjunto em estudo, é a sua proveniência
contextual, podendo pensar-se que provem de um contexto com menos perturbações/ocupações
– aqui relembramos a ideia anteriormente levantada, da existência de um contexto funerário no
sítio da Ota, ou imediações, onde o conjunto artefactual se apresenta, tendencialmente, mais
completo e menos fracturado.
Em suma, estamos perante um conjunto que se apresenta como homogéneo, não deixando de
incluir especificidades formais que, quando se associarem outros dados referentes a decorações e
80
pastas, se vão intensificar e permitir um conjunto de conclusões enquadráveis num “horizonte”
formal característico da Estremadura Portuguesa.
4. As decorações
O estudo, e sistematização, das decorações permite aceder a um conjunto de informações, que
possibilitam o estabelecimento de considerações sobre influências, contactos, partilhas e ainda
significados e funções. No caso concreto do conjunto em estudo, a sua heterogeneidade gera um
tipo de análise fracturada, que pretende analisar as “famílias” decorativas em conjunto,
permitindo leituras gerais sobre realidades com um pendor mais regional – as identidades
locais/regionais começam, dentro das cronologias em estudo, a acentuar-se (Sousa, 2010, p. 241;
Gonçalves e Sousa, 2006, p. 238). Temos consciência que a análise individual das questões
decorativas reflecte uma maneira de fazer histórico-culturalista, ainda assim, tendo como base os
estudos homólogos, é um exercício que não pode deixar de ser feito, reflectindo a combinação de
técnicas e gestos decorativos, motivos e padrões (Sousa, 2010, p. 244). Esta -separação por grupo
decorativo vai ainda perpetuar a existência de “fósseis directores”, um termo inicialmente
aplicado para a Geologia, que ainda hoje servem como indicadores cronológicos relativos – este
tipo de análise tem, necessariamente, de ser complementado com leituras gerais e de conjunto,
não só no sítio em estudo, bem como nas áreas envolventes.
Falando especificamente do caso da Ota, foi possível analisar um total de 92 fragmentos
dotados de decoração (88% do conjunto cerâmico) – apenas num deles a decoração se localizava
na superfície interna. Os números obtidos reflectem, como falado em capítulos anteriores, um
processo de selecção por parte do descobridor do Castro de Ota – Hipólito Cabaço – sendo essa
a principal justificação para o domínio, praticamente absoluto, da cerâmica decorada, em
detrimento dos exemplares liso – os 12% do conjunto que corresponde á cerâmica não decorada
(13 peças), são provenientes dos trabalhos de prospecção levados a cabo no sítio da Ota. A nível
decorativo foram individualizados quatro grupos decorativos, sendo que o correspondente ao
grupo Folha de Acácia engloba não só os motivos que lhe dão nome, mas também motivos
geométricos que lhe surgem, a nível contextual ou decorativo, associados. Assim sendo os grupos
identificados correspondem a 1) Bordos denteados, 2) Taças Caneladas, 3) Grupo Folha de
Acácia, 4) Decoração Interna e 5) Campaniforme – conceitos e nomes amplamente utilizados e
explorados na bibliografia referentes a este tipo de ocupações e sítios arqueológicos, ilustrado na
tabela decorativa, elaborada para o sítio da Ota (tabela 1,2 e 3 – anexos).
81
4.1 Grupo 1 – Os bordos denteados
Os bordos denteados são, no caso concreto da Ota e como referido anteriormente, um
grupo cerâmico praticamente inexistente no espólio cerâmico, correspondendo a duas peças (2%)
de um total de 105. A falta de contextos arqueológicos, quer sejam eles referentes a estratigrafia
horizontal ou vertical, dificulta as leituras cronológicos e de significados, que nos iriam permitir
atestar se, efectivamente, podemos assumir uma ocupação de finais do 4º milénio a.n.e. ao sítio
da Ota. Certo é que esta aferição cronológica, a partir dos materiais, é impossível, tendo em conta
que este tipo de peças surge, igualmente, em contextos de transição do Calcolítico para a Idade
do Bronze, também eles atestados no sítio em estudo – podem surgir associados a cerâmicas com
asas, pegas e carenadas (Sousa, 1998, p. 99), estando estas ausentes na Ota.
As principais variantes nesta categoria “decorativa” passam pelo posicionamento – topo
do bordo, ou uma das faces - e desenvolvimento da técnica que cria o “bordo denteado” – entalhe,
incisão, impressão ou aplicação de um cordão (Sousa, 1998, p. 108; Sousa, 2010, p. 252). Esta
característica é, normalmente, identificada em taças de pequenas dimensões, como acontece em
Leceia (Cardoso, 1989), Vale de Lobos (Valente, 2006) e vasos de bordo em aba, como verificado
também em Leceia (Cardoso et al, 1982-83, p. 61) e Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 253). No
caso dos bordos denteados da Ota, um deles corresponde a uma taça de pequenas dimensões
(18cm de diâmetro), encontrado no âmbito dos trabalhos de prospecção, com um tipo de
“denteado” com desenvolvimento no topo do bordo, gerando uma “decoração” entalhada. A
segunda peça, identificada no depósito do Museu Hipólito Cabaço, em Alenquer, representa um
tipo de bordo denteado com desenvolvimento sobre um recipiente com bordo em aba, com 14cm
de diâmetro.
Novamente referimos que, pela falta de estratigrafias claras, o ensaio cronológico deste
tipo de expressões teria de assentar num reconhecimento completo das morfologias e tipologias
dos bordos denteados (Sousa, 2010, p. 254), permitindo compreender evoluções e alterações nos
métodos e técnicas, que nos facilitassem o exercício de reconhecimento das cronologias relativas
das peças – principalmente a um nível mais amplo, relacionado com a inscrição no final do
Neolítico, ou já na transição do Calcolítico/Idade do Bronze.
A nível técnico, foi possível compreender que, para a criação de ambas as peças, se
utilizou a técnica da impressão, ainda que tenham recorrido a materiais diferenciados – enquanto
a peça nº10, proveniente de prospecção, apresenta uma impressão com matriz rectilínea de
pequenas dimensões, o exemplar nº1865/17 foi realizado através de uma matriz ovalada mais
robusta e larga, criando espaços vazios mais acentuados. A matéria-prima utilizada para este tipo
82
de impressões mais largas, segundo as ideias de João Luís Cardoso, pode passar pelo recurso a
uma “haste de madeira ou de osso” (2006, p. 21), materiais que podem não se preservar, ou ser
identificados, no registo arqueológico. Este pendor maior para a realização do “denteado”
recorrendo à técnica da impressão, está patente em diversos sítios arqueológicos, entre os quais o
Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 254) e Leceia (Cardoso, 2006, p. 21), os principais sítios, na
Península de Lisboa, com monografias e estudos intensivos.
A nível técnico, as peças em estudo apresentam uma grande homogeneidade, ainda que
não o mostrem a nível “decorativo”. Ambas apresentam pastas compactas, com inclusões de
Calcite, Quartzo e Micas, podendo ensaiar-se uma proveniência comum, corroborada pelo tipo de
tratamentos, com alisamentos intensos, seguidos de aguadas de tonalidade mais esbranquiçada
em ambas as faces – estas parecenças técnicas podem fornecer alguma base à ideia de uma
coexistência cronológica de ambas as peças, ainda mais acentuada quando analisamos as
cerâmicas lisas do conjunto, que apresentam as mesmas características a nível do tratamento das
superfícies e constituição das pastas, a nível mineralógico, com diferenças na compacidade das
pastas.
Este tipo cerâmico só pode ser alvo de mais conclusões e considerações quando a
sucessão cronológica e a estratigrafia do sítio da Ota estiverem clarificadas e atestadas, sendo
possível, na altura, responder à existência, ou não de uma fase de transição Neolítico/Calcolítico,
onde constem os bordos denteados.
4.2 Grupo 2 – Grupo Taças Caneladas
Este grupo encontra-se representado por duas peças, ambas dotadas de bordo. Surgem,
muitas vezes, associados a contextos onde os copos canelados estão presentes (Sousa, 2010, p.
271), apoiando as teorias da dualidade de produtores, sendo os copos associados a uma produção
externa/exógena (Cardoso, 2006; Sousa, 2010, p. 271) e as taças a uma adaptação local. Esta
realidade não é verificável no caso da Ota, muito pela ausência de informações estratigráficas,
ainda agravadas pela não identificação de copos enquadráveis nas categorias de “canelados”. Este
tipo de técnica decorativa – caneluras - vai dar nome a este grupo cerâmico, apresentando-se como
um dos motivos que perdura e é mais identificado em cerâmicas decoradas ao longo das
cronologias em estudo (Sousa, 2010 p. 272).
A nível decorativo, as taças identificadas apresentam a técnica das caneluras, neste caso,
paralelas ao bordo, inserindo-se num motivo de desenvolvimento linear simples, apresentando,
ainda assim, especificidades na gramática decorativa interessantes – em ambos os exemplares é
possível verificar que a horizontalidade não é totalmente conseguida, realidade à qual podemos
acrescentar a falta de homogeneidade na espessura, chegando a existir sinais de descontinuidade
83
e ligeiros erros na produção das caneluras. Não nos e possível tecer considerações acerca da
dimensão da banda de caneluras, já que ambas as peças se apresentam fracturadas, preservando-
se, num dos exemplares, um total de cinco “linhas” (1644/58), e no outro (4989/9), nove. As
caneluras da Ota apresentam uma execução derivada da utilização de um objecto com ponta
romba, não aguçada, como verificado para Leceia (Cardoso, 2006, p.27), gerando caneluras pouco
profundas e finas, com uma dimensão de 0,21cm na peça 1644/58 e de 0,15cm no exemplar
4989/9, com uma distância de 0,08cm a 0,15cm entre si.
A nível formal, ambas as peças, como o nome indicado na tipologia decorativa, são
enquadráveis dentro da forma 2) Taças, subcategoria 2.2) Taças Caneladas, apresentando
diâmetros enquadráveis nas taças de dimensão média – 15cm (1644/58) e 13cm (4989/9), não nos
sendo possível, pela reduzida amostragem, compreender possíveis funcionalidades para este tipo
de recipientes. É curioso verificar que, quando comparamos os nossos resultados com os obtidos
para o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 273, as dimensões obtidas para as taças da Ota,
correspondem ao intervalo de tamanhos encontrados para os copos canelados, contudo é sempre
necessária cautela ao se comparar conjuntos cerâmicos que dispõem de informações contextuais
e de um maior número de exemplares. A espessura dos exemplares é diferenciada, já que um deles
(4989/9) apresenta uma largura muito estreita, sendo dos exemplares menos espessos do conjunto
cerâmico da Ota, enquanto o outro reflecte uma espessura de 7mm, enquadrando-se nos valores
de espessura médios do conjunto.
As pastas apresentam-se como um ponto que une as peças, especialmente se tivermos em
conta o tipo de elementos não plásticos identificados, atribuindo uma maior compacidade às
pastas – micas, quartzos e calcites – e um alisamento em ambas as superfícies, dado um aspecto
cuidado aos exemplares, mas que, ao mesmo tempo, nos mostra que dentro do mesmo “quadro”
técnico, mental e cultura podemos ter realidades divergentes resultantes de processos
involuntários, ou voluntários – neste caso concreto o tipo de cozedura, redutora num dos
artefactos e oxidante noutro, é apresentando para enfatizar o facto de a coloração da superfície
estar intimamente relacionada com o processo e modo de cozedura, existindo pouco controlo
efectivo, já que estas se encontram dependentes do contacto com matéria orgânica, acesso a maior
ou menor oxigénio, estar mais próximo do epicentro de calor, ou mais afastado, um conjunto de
realidades que, no nosso entender, deve ser referida mas pouco determinante.
De forma resumida, podemos caracterizar este “grupo” das taças caneladas com uma
realidade homogénea, que apresenta ligeiras diferenças técnicas que não devem ser lidas como
fracturantes. Uma decoração transversal, a nível regional e cronológico, que pode servir como um
indicador da existência de uma “ocupação” /passagem no Calcolítico inicial (Sousa, 2010, p. 314)
mas que, no caso da Ota, não pode passar de um indicador, por falta de aferições estratigráficas.
84
4.3 Grupo 3 – Grupo Folha de Acácia
O estudo da cerâmica com decoração do tipo Folha de Acácia é uma realidade que
podemos encontrar em vários estudos, mais ou menos sucintos, sobre realidades semelhantes ao
que podemos encontrar na Ota.
Representou, desde cedo, um ponto de interesse para investigadores como Carlos Ribeiro
que publica, sobre os contextos encontrados em Leceia no ano de 1879, uma pequena nota sobre
exemplares que caracteriza como tendo “ornatos mais bem-feitos do que os demais restos
cerâmicos encontrados…” (1879, p.45). A este, seguem-se as intervenções realizadas em
Chibanes, onde se procederam a trabalhos de reconstituição (Costa, 1908), tendo em conta o
conjunto e métodos disponíveis, que levaram, mais tarde, a uma teorização cronológica, por parte
de Savory, que remetia estas cerâmicas para períodos cronológicos da Idade do Bronze,
posteriores à cerâmica Campaniforme (Savory, 1968, p. 206). É aquando da intervenção no sítio
de Vila Nova de São Pedro, numa fase já tardia (Sousa, 2010, p. 282), que vemos os primeiros
enquadramentos cronológicos a surgir, seguindo os preceitos estratigráficos, inserindo esta
decoração cerâmica entre os Copos e o Campaniforme – no Calcolítico da Estremadura
Portuguesa (Ferreira e Silva, 1970; Gonçalves, 1971; Sousa, 2010, p. 282). Actualmente, esta
tripartição do Calcolítico estremenho é ainda seguida, de forma acrítica, sendo que para nós essa
divisão é o reflexo de um processo de compartimentação, a cargo do Homem, na tentativa de se
facilitar as leituras de partes, integrantes num todo e numa realidade maior. As cerâmicas com
decoração de tipo Folha de Acácia surgem associadas a copos, a nível estratigráfico, bem como à
cerâmica Campaniforme (Kunst e Lutz, 2008), mostrando que não há uma tripartição efectiva,
mas sim uma divisão, em que a cerâmica de tipo Folha de Acácia é transversal, e está presente,
desde o início do Calcolítico, até ao seu final, como pensado para a realidade do Castro do
Zambujal.
Outro dos pontos fracturantes na análise deste tipo de decoração e peças prende-se com a
nomenclatura e terminologia utilizada para as descrever e caracterizar. Enquanto que no início
estas apareciam descritas consoante as suas características formais, como é caso de ornatos
gravados (Ribeiro, 1879, p. 45), rapidamente são associadas a um sítio arqueológico, passando a
ser conhecidas como “cerâmica de tipo Chibanes” (Sousa, 2010, p. 282). Mais recentemente,
quando a sistematização e a dispersão começa a ser pensada e atestada, surgem conceitos como
“folhas compostas” (Sousa, 2010, p. 282; Zbyszewski e Ferreira, 1958, p. 51), tendo sido
substituído por um termo amplamente reconhecido na comunidade científica, resultado dos
trabalho realizados para a Península de Setúbal (Sousa, 2010, p. 282), a designação “Folha de
Acácia” (Ferreira e Silva, 1970; Gonçalves, 1971).
85
É interessante explorar mais a fundo o conceito de “Folha de Acácia”, já que este
representa um processo, única e exclusivamente, estético, de aproximação e semelhança, sem
grande fundamento científico ou empírico por trás. É curioso compreender que as folhas de
acácia, no sentido natural e original, só se encontram presentes no nosso território a partir dos
inícios do séc. XVII, representando uma espécie endémica, não detectável, em estado natural, no
nosso território em períodos pré-históricos. Como tal, tendo em conta estes dados, o termo parece-
nos pouco correcto, tendo de se difundir a necessidade de pensar criticamente sobre os conceitos
que utilizamos, praticamente, de forma acrítica e pré-determinada. No nosso entender, o conceito
actualmente difundido, contribui para uma homogeneização a nível de vocabulário, facilitando a
compreensão dos trabalhos de vários investigadores, é esta a principal razão pela qual mantemos
estas terminações e nomenclaturas, contudo, parece-nos que os termos “espinhado” e
“cruciforme”, reflectindo unicamente considerações sobre o desenvolvimento decorativo, se
apresentam como mais neutrais e objectivos. Ainda assim, parece-nos interessante o desafio da
ponderação e revisão conceptual, tendo em vista análises e trabalhos mais distanciados das nossas
crenças e tendências, mas mais próximo da verdadeira expressão e significado destas peças e desta
linguagem decorativa. Contudo, é importante ter em conta que “A questão de terminologias não
é contudo a chave para a descodificação do significado destas cerâmicas…” (Sousa, 2010,
p.288).
Em suma, e seguindo os preceitos pré-estabelecidos, o termo Folha de Acácia representa
um conjunto de gramáticas decorativas em associação a formas de recipientes concretas – a
existência de caneluras profundas parece ser um dos pontos em comum dentro deste grupo tão
diverso a nível decorativo (Sousa, 2010, p. 283), bem como os recipientes de dimensões médias
a elevadas, produzidos sobre pastas que, quando comparadas com a utilizada em copos e
Campaniformes, não apresentam um cuidado tão grande. A nível decorativo, já tendo em vista os
dados da Ota, foi possível individualizar três subgrupos que reflectem, acima de tudo, padrões e
gramáticas decorativas diferenciadas – 1) Impressão de Folhas de Acácia; 2) Motivos
Geométricos e 3) Motivos mistos. O último grupo, correspondente a motivos mistos, reflecte uma
necessidade descritiva que surgiu no conjunto da Ota, onde surgem, ainda que de forma
minoritária, peças com Folhas de Acácia, em associação, por exemplo, a losangos preenchidos.
A caracterização da gramática decorativa, apresentada em cima, foi criticamente pensada e
utilizada segundo a proposta de sistematização de Michael Kunst (1996) e a revisão/adição levada
a cabo por Ana Catarina Sousa (2010), sendo que esta autora veio simplificar o trabalho de
Michael Kunst, chegando a incluir-lhe um quarto motivo, preenchendo uma lacuna da proposta
de Kunst. Uma proposta que, desta forma, encontra-se com possibilidades de abarcar diversas
realidades, como é verificada, através do abrangimento de contextos diferentes como Leceia
(Cardoso, 2006), Zambujal (Kunst, 2005) ou Penedo do Lexim (Sousa, 2010).
86
Um dos principais pontos a discutir passa pelas questões de significados e
funcionalidades. É certo que este tipo de decoração cerâmica não surge em contextos funerários
(Sousa, 2010, p. 288), sendo claro que o seu significado está relacionado com uma funcionalidade
associada a contextos “domésticos”, muitas vezes assumidos como reflexos de uma actividade de
armazenagem. No nosso entender, a decoração cerâmica funciona, em toda a sua multiplicidade
e variedade, com uma linguagem que faz, neste caso, sentido para um conjunto de comunidades
que partilham o mesmo espaço cultural. Esta linguagem é, claramente, impossível de aceder
totalmente nos dias de hoje, contudo podemos avançar com teorias, mais ou menos
fundamentadas. Para nós, a cerâmica com decoração de tipo Folha de Acácia, e se assumirmos a
ligação entre este tipo de decoração e alguns recipientes de armazenagem, pode reflectir ou conter
imagens que sejam ilustrativas da sua função ou conteúdo – não podemos deixar de referir que as
semelhanças entre a decoração dita Folha de Acácia e a organização em espiga de cereais, por
exemplo de trigo, ou mesmo, quando analisada individualmente, com o grão dos cereais, é muito
grande e tem, necessariamente de ser tida em conta nas análises de significados e funcionalidades
– como já foi sublinhado para as cerâmicas com decoração “falsa Folha de Acácia” (Nukushina,
2015, p.420; Simões, 1999, p. 98). Os motivos decorados representam, por si só, um tipo de
linguagem que denota um código, até ao momento, não compreendido.
Assim sendo, o conjunto em estudo é composto por um total de 82 fragmentos, sendo que
a amostra se encontra muito fragmentada, integrando apenas 21 bordos, dos quais 18 permitiram
reconstituição formal – oito globulares de bordo reentrante, sete taças, três recipientes de paredes
rectas. Em termos gerais, a fragmentação é uma característica deste tipo de cerâmicas,
especialmente as que provêm de sítios com longas diacronias de ocupação, escasseando as formas
completas, ainda assim o grau de preservação pode ser considerado bom, quando falamos das
decorações, permitindo-nos ainda proceder a uma correcta classificação.
4.3.1 Caneluras
Um dos grupos formais/decorativos mais importante é aquele referente aos potes de bordo
reentrante, onde surgem caneluras profundas paralelas ao bordo. Estas organizações em banda
são relativamente comuns nos motivos Folha de Acácia (Sousa, 2010, p. 284), contudo a ausência
de peças de perfil completo impede-nos de compreender o desenvolvimento total destes motivos
decorativos. No caso da Ota não nos foi possível identificar nenhum exemplar com esta decoração
e posição, em exclusivo, levando-nos a não proceder a uma análise individual deste motivo
decorativo, sendo que se optou por o incluir nas descrições das Folhas de Acácia em si, contudo
temos consciência que este motivo surge em locais congéneres, como Leceia (Cardoso, 2006),
Chibanes (Carreira, 1996) e Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 284), podendo os fragmentos da
Ota reflectir uma não recolha/identificação e não uma inexistência deste motivo decorativo. Ainda
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assim, é possível identificar uma diversidade de associações ao motivo decorativo das caneluras,
sendo disso exemplo a combinação entre Folha de Acácia + caneluras, ou motivos geométricos +
caneluras, apresentando uma tendência para o desenvolvimento de bandas delimitadoras,
funcionando quase como um “acessório” ao motivo decorativo central – novamente esta tendência
verifica-se para Leceia (Cardoso, 2006) e Zambujal (Kunst, 1987), não apresentando muita
expressão no caso do Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 286).
O número de caneluras por banda varia de duas a sete, recorrendo-se a uma matriz
tendencialmente romba, tornando as caneluras vivas e marcadas no perfil da peça, apresentando
um intervalo de dimensões entre os 2 mm e os 10 mm, enfatizando a sua diversidade tecnológica.
Até ao momento, as principais formas onde estas caneluras profundas surgem são compatíveis
com os recipientes fechados, quer sejam eles potes ou globulares de bordo reentrante, indo de
encontra com os dados para o sítio arqueológico mais próximo (Branco, 2007, p.56).
4.3.2 Folha de Acácia
O conjunto de Folhas de Acácia da Ota é, sem dúvidas, o mais rico de todo o conjunto
cerâmico, permitindo observar um leque de organizações decorativas e motivos amplos e
diversificados, mostrando que o significado real desta linguagem decorativa suporta vários tipos
de expressão e reinterpretações. A Folha de Acácia, por si, permite estabelecer considerações
cronológicas relativas, sendo, ainda hoje, considerada um dos “fósseis directores” para uma
ocupação concreta em altura e fortificada (Sousa, 2010, p. 287), contudo é necessário um trabalho
de análise de caso, que possibilite considerações mais concretas e “contextuais” que nos permitam
entender os tipos de ocupação dos locais onde surge. Certo é, segundo os conhecimentos actuais,
que este grupo decorativo não surge em ambiente funerário, indicando uma relação intima com
as actividades dos “vivos”.
Como referido anteriormente, o ponto de partida metodológico baseia-se nas
considerações e conclusões sistematizadas para os motivos e variáveis no Castro do Zambujal
(Kunst, 1996; Kunst, 1987), recorrendo-se e incorporando as adaptações feitas por Ana Catarina
Sousa (2010) que, no nosso entender, têm um factor de complementaridade grande, tendo em
vista uma facilitação das leituras com o objectivo central de proceder a uma sistematização, com
uma maior abrangência a nível do território estremenho. As três principais famílias, que agrupam
e sistematizam os desenvolvimentos dos motivos decorativos em grupos iniciados com a letra K
(Kerblattvertzierte Keramic), são o grupo K1, correspondente a Folhas de Acácia com uma
organização espacial horizontal, o K2 associável a Folhas de Acácia verticais e ainda o K3, o
grupo mais distinto, que se resume a uma organização decorativa em crucífera, não deixando de
ser enquadrável nas técnicas e gestos associados à Folha de Acácia, bem como o grupo K4 que
88
reflecte a existência de motivos oblíquos. Ana Catarina Sousa acrescenta o grupo KC, reflexo das
necessidades que encontra ao estudar as cerâmicas do Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 288),
que assume a existência de motivos compósitos, que combinam os grupos anteriormente
mencionados. Optámos por não aplicar as variáveis sistematizadas por Michael Kunst (1987) por
considerarmos que, para o caso da Ota, as grandes famílias seriam suficientes para enquadrar as
cerâmicas em estudo – ainda assim frisamos que a maneira de expressar as variáveis do método,
por exemplo K212 (Folha de Acácia vertical, com distância curtas), podem levar a erros que
podem alterar totalmente os dados. Outras maneiras, mais simples, seriam essenciais para tornar
estes métodos descritivos efectivamente “universais”.
As grandes famílias estão bem representadas, existindo uma predominância para a Folha
de Acácia horizontal (K1) que conta com um total de 32 fragmentos no seu conjunto dominando,
correspondendo a 53% do conjunto deste tipo decorativo. Este resultado vai de encontro com a
preponderância deste motivo, face às outras grandes famílias, verificando-se em alguns dos sítios
mais importantes da Península de Lisboa como o Penedo do Lexim - 60% (Sousa, 2010) -
Zambujal - 65% (Kunst, 1996) - Leceia - 75% (Cardoso, 2006). Já os motivos K2 (Folhas de
Acácia verticais), detêm oito exemplares e os K3 (crucíferas) com dez correspondências – estes
números vão de encontro com a ideia de que o motivo mais difundido e compreendido seria o que
mostra a aplicação e desenho de Folhas de Acácia na sua forma horizontal. Por sua vez, o grupo
KC permite proceder a uma subdivisão derivada do estabelecimento de combinações entre os
grupos previamente sistematizados e, quando aplicável, outros – o KC1 correspondente a Folha
de Acácia horizontal (K1) + Crucífera (K3) com cinco exemplares na Ota; KC2 representa a
combinação entre Folha de Acácia horizontal (K1) e vertical (K2), não tendo sido identificado
nenhuma peça enquadrável nesta categoria; KC3 a união entre a Folha de Acácia vertical (K2) e
crucífera (K3), com uma peça; o KC4, correspondendo à soma de todos os grupos (K1+K2+K3),
também com um exemplar e, por fim, o KC5, que une a Folha de Acácia vertical (K2) e os motivos
encontrados e sistematizados para as decorações geométricas, tendo sido encontradas duas peça.
Estes grupos, aquando de estudos estratigráficos mais finos e objectivos, podem ainda permitir
desenhar evoluções ou adaptações cronológicas que podem vir a servir como marcadores
cronológicos relativos, mais concretos. Como é sabido, a influência do grau de fragmentação
poderá condicionar todo o processo de classificação, uma vez que a caracterização poderá ser
determinada pela incapacidade de leitura do todo, a partir de uma das partes.
As pastas destes exemplares mostram uma grande diversidade, em especial no tipo de
compacidade e elementos não plásticos, indiciando proveniências, a nível de barreiros, diferentes.
Estas questões podem aumentar o grau de fractura das cerâmicas (Sousa, 2010, p. 288-290), ainda
89
assim parece-nos que os fenómenos pós-deposicionais, tendo igualmente em conta os tipos de
contextos, podem ajudar na explicação da fracturação e da dispersão dos fragmentos pelo terreno.
Outra das questões que prendeu a nossa atenção foi o estudo das “folhas” da decoração
Folha de Acácia. O principal intuito deste processo descritivo passa, em primeira instância, pela
identificação de técnicas de “desenho”, quer sejam elas a impressão ou incisão. Por outro lado,
permite-nos fornecer dados e considerações sobre técnicas de produção das decorações, à
comunidade científica, não deixando de ser um processo interessante para compreender
intencionalidades do Homem, nos processos decorativos. A tipologia das “folhas” vai,
novamente, socorrer-se de estudos já realizados, (Sousa, 2010, p.293), tendo sido consideradas
quatro variantes, para as Folhas de Acácia impressas, de dois grandes grupos: as folhas de
tendência oval (F1 e F2) e as folhas de tendência linear (F3 e F4), também representadas no
povoado de Ota – em suma, a F1 está associada à forma oval, a F2 à forma oval alongada, F3 à
linear rectilínea e a F4 à forma linear côncava.
Os tipos de “folha” com maior expressão no conjunto são as folhas de tendência oval
(F1), representando um total de 57% do conjunto (34 exemplares), centrando-se maioritariamente
em motivos de Folha de Acácia horizontal (15 peças), seguido dos motivos cruciformes, onde
foram registados oito fragmentos, e das Folhas de Acácia verticais, com sete registos. A forma
F2, tendência oval alongada, apresenta-se em 11 exemplares, na sua maioria relacionados com o
motivo decorativo K1 (Folha de Acácia horizontal), realidade semelhante à identificada antes,
rapidamente explicada com a hegemonia deste motivo decorativo, estando também presente em
motivos enquadráveis na categoria dos motivos compósitos. Este tipo de dados é também
observável para as 13 peças onde foi identificada a forma F3 (linear rectilínea). O último tipo de
“folha” é o associável à forma linear côncava (F4), sendo o grupo constituído por dois fragmentos
cerâmicos, nos quais não foi possível identificar um motivo decorativo, pela sua reduzida
dimensão. Estes dados vão de encontro com os obtidos, essencialmente, para o Penedo do Lexim
(Sousa, 2010, p. 294) e para Leceia (Cardoso, 2006, p. 36), realidade que vai ajudar na inscrição
e identificação da Ota como um possível sítio congénere a estes.
A existência de exemplares incisos tem pouca expressão no conjunto da Ota, representado
11 peças, estando estes, na sua totalidade, empregues em decoração de tipo Folha de Acácia
horizontal. Esta realidade, sempre diminuta em contextos semelhantes (Sousa, 2010; Cardoso,
2006) pode levantar questões teóricas relacionadas com a sua cronologia, sendo estes espécimes
incisos muitas vezes associados à “falsa” Folha de Acácia que surge em contextos Neolíticos.
Ainda assim, não crendo que o conceito “falsa” seja o mais correcto e pela amplamente
mencionada falta de referências contextuais e cronológicas, as nossas menções, em relação a estas
peças são, necessariamente, diminutas e pouco concretas.
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A já referida pluralidade de formas nos motivos revela, consequentemente, diversas
técnicas que estão, certamente, relacionadas com o modo de execução das mesmas, podendo ter
sido desenvolvidas através de “haste de madeira polida, pequeno seixo alongado ou mesmo, um
bordo regularizado de concha” (Cardoso, 2006, p 36), no entanto, parece mais provável que se
utilizasse matizes tendo em conta um objectivo final, que considerasse não só o tipo de “folha” a
desenvolver, mas também a forma e a pasta – estas decorações são transversais a nível formal,
aparecendo quer em taças quer em potes, mostrando que o seu significado e verdadeira expressão
é adaptável consoante as necessidades dos indivíduos. Novamente, estas considerações são
extrapoláveis para sítios como o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 296-296), Zambujal (Kunst,
1987), Leceia (Cardoso, 2006) e Castro da Rotura (Gonçalves, 1971). Neste último caso, na
Rotura, foi identificado um vaso de paredes rectas, onde tendencialmente surge decoração Folha
de Acácia vertical (Sousa, 2010, p. 295) associada a motivos geométricos, realidade também
identificada para a Ota. Este tipo de recipientes vem sendo assumido como um recipiente tipo
copo, que marca a transição entre os copos canelados e as formas posteriores (Cardoso, 2006),
uma perspectiva mais moderada, face às ideias de sucessão directa entre os copos e o
Campaniforme, teorizadas para o Zambujal, por Michael Kunst (1996). Ainda assim inscrevemo-
nos numa linha mais cuidadosa (Sousa, 2010, p. 295), que não assume nenhum tipo de forma ou
funcionalidade para estes recipientes, já que, até ao momento, não foi recuperada nenhuma peça
com perfil completo.
Avançando já para as questões relacionadas com os aspectos técnicos de preparação dos
recipientes para a aplicação da linguagem decorativa, como referido anteriormente taças e
globulares, podemos sublinhar uma grande homogeneidade em relação aos tratamentos de
superfície. Na Ota, as cerâmicas decoradas com Folha de Acácia apresentam, tendencialmente,
uma correspondência entre os tratamentos de ambas as superfícies, demonstrando, apenas, uma
discrepância quanto ao tratamento recorrendo às aguadas vermelhas e negras, que evidenciam dez
casos (17%) na superfície externa, face à inexistência de exemplares em que se verifica este tipo
de tratamentos internamente. Este dado da Ota é corroborado com os dados recolhidos por
Michael Kunst (1996), Ana Catarina Sousa (2010, p.296) e João Luís Cardoso (2006), que
reconheceram, e registaram, o reduzido investimento nos acabamentos, sobretudo nas superfícies
internas. Ainda assim, na Ota, assiste-se a uma uniformização dos gestos e das técnicas, que se
traduzem na correspondência dos tipos de tratamento em ambas as superfícies. Em primeiro lugar,
não foi detectada qualquer face rugosa e o alisamento tosco, apesar de estar presente, está reduzido
a seis fragmentos (10% do conjunto). A grande maioria dos exemplares cerâmicos (75%), com
este tipo de decoração, denota um alisamento interno e externo. Face à existência de cerâmicas
com decoração Folha de Acácia que apresentam superfícies alisadas ou com aguadas, é proposto,
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para o Zambujal (Kunst, 1996), um tratamento posterior à decoração. Contudo, esta análise não
foi, até ao momento, apurada para o conjunto da Ota.
Os recipientes cerâmicos que apresentam este tipo de decoração denotam características
técnicas díspares. A compacidade das pastas demonstra-o, com uma distribuição desigual entre
pastas compactas (20%), semi-compactas (68%) e pouco compactas (12%), tendo os
componentes não plásticos sido assumidos como “o verdadeiro elemento diferenciador” (Sousa,
2010, p.296). O conjunto ostenta uma abundância considerável (73%) de elementos não plásticos
com uma granulometria, maioritariamente, marcada por componentes médios (70%). Estas
proporções enquadram-se com o panorama do 3º milénio a.n.e. na estremadura portuguesa, ainda
que, no nosso caso, o domínio seja da associação de componentes não plásticos de granulometria
variada (finos, médios e grandes).
Em suma, podemos concluir que, no que toca às cerâmicas com decoração específica com
o motivo Folha de Acácia, estas são enquadráveis dentro das principais características detectáveis
para os sítios arqueológicos congéneres. As diferenças, especialmente relacionadas com as
técnicas de fabrico e gestos de produção, não tornam o conjunto da Ota diferenciado, sendo
assumidas, essas especificidades, como resultantes de um papel claro do individuo por de trás do
recipiente e de uma variação associada às produções de recipientes de forma manual.
4.4 Grupo 4 – Motivos Geométricos
O estudo integral das cerâmicas decoradas possibilitou a identificação de um total de 22
peças com decoração enquadrável dentro dos motivos geométricos. Dentro destes, procedeu-se a
uma individualização de quatro motivos, sendo eles os a) Triângulos preenchidos com linhas
obliquas, onde constam dez peças, b) Banda com linhas intercruzadas, um fragmento, c) Losangos
preenchidos, identificados quatro exemplares e d) Bandas cruciformes, onde se inscrevem quatro
espécimes. O grupo referente ao motivo indeterminado conta com duas peças.
Neste caso específico é contemplada a única peça em que se associa a Folha de Acácia
ao motivo geométrico, sendo que, no nosso entender, ainda que representem outro tipo de
linguagem, expressa através de um motivo decorativo diferente, podem ser associadas e fazer
sentido dentro do mesmo recipiente. Ainda assim não discutimos aqui questões cronológicas e de
contemporaneidade, já que estas cerâmicas aparentam surgir em associação aos motivos Folha de
Acácia.
A nível formal, ainda que já tenhamos referenciado este aspecto, os seis bordos em que
foi possível identificar decoração geométrica, apontam um domínio para as formas de paredes
rectas (quatro peças), também elas sublinhadas anteriormente. Esta forma apresenta, em três dos
fragmentos, decoração exclusiva de tipo Losango Preenchido, correspondendo, o último
92
fragmento, a um exemplar compósito, onde se associam os Losangos Preenchidos e os motivos
Folha de Acácia vertical, uma associação que é recorrente em recipientes homólogos (Sousa,
2010, p.303), sendo disso exemplo o recipiente proveniente do Castro da Rotura (1971). As
restantes formas, dois globulares de bordo reentrante e uma taça sem espessamento do bordo,
encontram-se todas associadas a decoração de Triângulos preenchidos com linhas oblíquas,
apresentando uma grande similitude, a nível de técnica e desenvolvimento, às cerâmicas, formas
e pastas com motivos Folha de Acácia, embora com uma diversidade menos acentuada. Frisamos
aqui a ausência, assim como verificado para o Penedo do Lexim, de recipientes de pequenas
dimensões, identificados por João Luís Cardoso em Leceia, sendo este assumidos como
“antepassados dos potes decorados com folha de acácia” (Cardoso, 2006, p. 36).
De forma geral os motivos geométricos dominantes na Ota são equiparáveis aos locais
congéneres, onde se apresenta uma tendência para a dominância dos Triângulos, como detectável
para Leceia e Penedo do Lexim, realidade também presente no sítio aqui em estudo – não
podemos deixar de sublinhar que as 22 peças da Ota são claramente reduzidas para proceder a
constatações relacionadas com domínios e tendências, sendo que os dados que aqui apresentamos,
provenientes de prospecção e de recolhas antigas, são, necessariamente, fugazes. Acrescentamos
ainda que os motivos são integralmente mono-temáticos, exceptuando o caso da associação entre
geométrico/Folha de Acácia, fazendo novamente a integração e associação da Ota aos sítios
congéneres estudados – leia-se aqui Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 298), Leceia (Cardoso,
2006), Pedra de Ouro (2003) e Columbeira (Marques Gonçalves, 1994).
No que toca aos motivos com Triângulos preenchidos, como o próprio nome indica,
somente foi possível identificar peças onde os triângulos são dotados de um preenchimento com
linhas oblíquas. Estes surgem associados a caneluras que, no nosso caso específico, não foram
possíveis de contabilizar devido ao estado fragmentado da amostra, realidade que não ajuda na
compreensão total do desenvolvimento da expressão decorativa.
As linhas intercruzadas, ou linhas horizontais oblíquas intecruzadas, vão de encontro com
os restantes motivos geométricos, recorrendo-se à técnica de incisão para a sua produção, como
identificado para o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 302), Olelas (Marques Gonçalves, 1997) e
Leceia (Cardoso, 2006). Neste caso concreto as matrizes de produção assumem-se ligeiramente
diferenciadas, consoante o tipo de realidade decorativa a desenvolver – as matrizes aplicadas na
produção das linhas delimitadoras de bandas apresentam-se como mais largas, sendo que as
utilizadas nas produções das linhas intercruzadas apresentam uma incisão mais fina e que, em
muitas das vezes, extravasa as linhas delimitadoras de banda. Contrariamente à realidade do
Penedo do Lexim, não foi identificado nenhum fragmento onde se mantivessem vestígios de uso
de pasta branca (Sousa, 2010, p. 302), o que não aponta para uma inexistência desta realidade
que, por motivos de conservação, podem já não ser identificáveis.
93
Já os losangos preenchidos, realizados recorrendo à técnica de incisão, essencialmente
fina, ainda que tenham sido identificados um total de XX fragmentos, a sua constituição a nível
de pastas, forma e decoração, parece apontar para um único recipiente dotado de uma perfuração
– única no contexto da Ota. Estas peças encontram-se ainda em sítios como a Penha Verde, onde
é abundante, chegando a servir como nome deste motivo (Ferreira e Silva, 1970, p. 216).
Acrescentamos ainda, como referido anteriormente, que este recipiente apresenta claros paralelos
com o recipiente do Castro da Rotura, sendo estas decorações normalmente associadas a períodos
mais tardios (Sousa, 2010, p. 301) – realidade para a qual não dispomos de dados elucidativos e
explicativos.
Por fim, o motivo que nos levantou mais problemas, o que denominámos como bandas
cruciformes. Ainda que reconheçamos que esta terminologia não seja a mais correcta e objectiva,
surgiu-nos como a mais ilustrativa da realidade a tratar e, devido às reservas do registo, optou-se
por não se incluir no grupo Folha de Acácia, como realizado para o sítio da Penha Verde, para o
único fragmento com um motivo decorativo similar ao aqui apresentado (Cardoso, 2010/2011,
p.513). Estas peças apresentam motivos geométricos agrupados em bandas, cuja realização de
triângulos preenchidos forma, no somatório dos seus vértices, losangos não preenchidos. Estes
fragmentos não se separam das restantes cerâmicas a nível técnico, podendo representar motivos
locais ou ainda uma realidade com pouca expressão no registo arqueológico. No que toca à técnica
de produção dos motivos, a incisão, mostra uma intenção clara na demarcação dos triângulos e,
por sua vez, dos losangos, sendo as linhas de preenchimento, com uma tendência ligeiramente
oblíqua, realizadas através de uma incisão mais fina e menos marcada. Este motivo pode ser
enquadrado nos Triângulos preenchidos, ainda que os motivos apresentem tendências e
associações decorativas diferenciadas.
A nível de paralelos estilísticos, sublinhamos a existência deste tipo de decoração num
fragmento proveniente de Leceia (Cardoso, 2006, p.221), assim como o já referido pertencente
ao espólio de Penha Verde (Cardoso, 2010/2011, p.536), uma realidade que vai de encontro com
a hipótese de um estilo decorativo com pouca expressão no registo arqueológico. Neste último
caso, o fragmento de Penha Verde, foi possível proceder ao estabelecimento formal, apontando
para um recipiente de paredes rectas que, pela sua forma, e como foi problematizado
anteriormente, não nos permite tecer considerações cronológicas ou contextuais – mais frisamos
que os fragmentos da Ota são integralmente referentes a bojos, não nos sendo possível estabelecer
relação directa com o fragmento de paredes rectas de Penha Verde (Cardoso, 2010/2012, p.513).
4.5 Grupo 5 – Motivos Campaniformes
O estudo da cerâmica Campaniforme é uma componente com grande potencial
informativo, a nível de técnicas, mobilidade e contactos. No caso do Castro de Ota, a cerâmica de
94
tipo Campaniforme não tem grande expressão no conjunto cerâmico, tendo mesmo passado
despercebido aquando da publicação de Ernâni Barbosa – este descreve um dos fragmentos
Campaniforme como “linhas horizontais formadas por pequenos traços (a carretilha?) de que há
variados exemplares na Pedra de Ouro” (Barbosa, 1956, p.122). Contudo, com o presente
trabalho, foi possível encontrar, nos depósitos cerâmicos recolhidos por Hipólito Cabaço, um total
de dois fragmentos enquadráveis nas tipologias e decorações das cerâmicas Campaniformes.
Estas peças correspondem, na totalidade, a bojos com decoração externa, sendo que um
deles representa um fragmento com um ombro/carena marcado. Novamente, como em todo o
conjunto de peças provenientes dos depósitos do Museu Hipólito Cabaço, não nos é possível tecer
conclusões contextuais, mas a existência de peças como a cerâmica Campaniforme permitem-nos
retirar, do sítio da Ota, um conjunto de informações que se prendem com questões cronológicas,
faseamento, de utilização e significados baseados em análises integralmente artefactualistas.
Como referido por Ana Catarina Sousa (2010, p. 306), para o caso concreto do Penedo do Lexim,
onde o número de fragmentos é igualmente reduzido, a fraca presença deste tipo de peças pode
indicar o abandono do sítio arqueológico, no período cronológico de vigência destas cerâmicas.
Neste caso específico, o abandono do sítio é, como sublinhado antes, difícil de atestar, contudo,
se tivermos em conta toda a diversidade material estudada, podemos assumir um possível
“abrandamento” da ocupação no final do Calcolítico seguido por uma presença mais destacada
na Idade do Bronze (pleno?).
Todos os fragmentos apresentam pastas compactas, onde os elementos não plásticos são
raros e, quando visíveis, de reduzidas dimensões – esta característica é muitas vezes usada como
ilustradora de uma maior relevância destas cerâmicas para a comunidade que a produzia, podendo,
no nosso entender, reflectir sim um processo de selecção e intenção relacionadas com o
conhecimento e desenvolvimento de novas técnicas produtivas. As cozeduras são, nos dois
fragmentos com decoração linear, oxidantes, onde foi possível identificar a existência de um
alisamento seguido de uma aguada, com uma tonalidade esbranquiçada – mostrando aqui que
estes fragmentos apresentam um cuidado e um processo de execução apurado, indiciando uma
finalidade específica, quando comparado com os restantes fragmentos e motivo decorativos, cuja
funcionalidade não necessitaria de recipientes tão cuidados e finos. As considerações que se
prendem com as tipologias formais destas peças são escassas, ainda que seja possível
compreender, pelo perfil de um dos fragmentos (com decoração linear pontilhada) que pertenceria
possivelmente a um recipiente acampanado, já que este apresenta-se ligeiramente concavo,
correspondendo a uma das partes inferiores destes recipientes. A peça dotada de ombro não
permitiu uma reconstituição de diâmetro a partir do lado interno da carena, mais ainda assim pode
ser enquadrado nas tipologias das taças, tendo como paralelo mais directo a forma identificada no
Tholos da Tituaria (Cardoso et al, 1996, p.187), ainda que pouco mais se possa adiantar
95
relativamente a este fragmento. Assim sendo, ficam excluídas quaisquer considerações ou
conclusões relativamente a afinidades formais que foram ultrapassadas ao se olhar mais
atentamente para as técnicas, motivos e padrões decorativos.
Os dois fragmentos de que dispomos ilustram as diversas variantes e técnicas associáveis
aos recipientes Campaniformes – a técnica incisa, larga, está presente num dos fragmentos, nas
suas variantes lineares, assim como a técnica do pontilhado, como referido acima, onde se
identifica o motivo linear pontilhado, muitas vezes associado e enquadrado no “pacote”
internacional. A existência da técnica do pente não é exclusiva das realidades Campaniformes,
encontrando-se já presente no registo arqueológico antes da chegada destas influências (Cardoso
e Martins, 2009, p. 277) – referimos, no seguimento desta ideia, que não foram identificadas na
Ota cerâmicas com decoração “penteada”, que produziriam, tendencialmente, motivos
ziguezagueantes, constando com uma ausência que pode encontrar paralelos nos povoados
congéneres, mais especificamente a Sul da linha do Montejunto, onde a sua presença é também
ela diminuta (Gonçalves, 1991, p. 216).
Os motivos são relativamente simples, já que a tendência do conjunto é a produção de
motivos lineares: o fragmento com motivo linear pontilhado apresenta afinidades culturais com
os fragmentos semelhantes identificados para o sítio da Penha Verde (Cardoso, 2010-2011, p.
505) ou Leceia (Cardoso, 1997-1998, p.311), onde este motivo está presente em recipientes
acampanados, compatíveis com o motivo e possível forma identificados para o fragmento em
questão. Já o motivo linear inciso, uma adaptação da realidade anteriormente expressa, encontra
paralelos formais, assim como de motivo, na Tituaria, ainda que a decoração deste seja pontilhado
– ambos os motivos, quer incisos, quer pontilhados, apresentam uma afinidade grande com as
maneiras de fazer associáveis ao estilo internacional, ainda que o fragmento inciso possa indicar
uma “imitação” ou réplica dos motivos lineares originais.
Outra das características muito associável às decorações Campaniformes é a incrustação
de pasta branca nas incisões ou impressões (Harrison, 1977, p. 44-45). A composição e
constituição dos componentes utilizados para a produção desta pasta têm vindo a ser estudados
quer em contextos peninsulares como internacionais, podendo estes reflectir a utilização de Cálcio
carbonatado (Salanova, 2000) ou ainda de uma mistura de ossos reduzidos a pó, associados a água
ou a um agente gorduroso (Odriozola e Hurtado Pérez, 2007, p.1). Na Ota só um dos fragmentos,
referente ao ombro, conservava vestígios de utilização de pasta branca, podendo indicar
fenómenos tafonómicos diferenciados em relação aos restantes exemplares, ou ser o reflexo da
utilização de diferentes técnicas de fabrico de pasta branca – o significado desta aplicação é muito
diversificado, podendo ser interpretado quer a nível mágico-simbólico (Harrison, 1977, p. 44-45),
em que se relacione o facto de se incluir uma componente óssea (animal ou humana) em peças
96
com decoração Campaniforme, ou ainda lido com um olhar mais decorativo e “funcional”,
tentando evitar-se um esbatimento decorativo que reduziria as decorações e o seu significado
(Odriozola e Hurtado Pérez, 2007, p. 9).
Em suma, o Campaniforme do Castro de Ota apresenta, ainda que reduzido, uma
diversidade interessante a nível decorativo, mostrando que um estudo artefactualista pode, no
caso específico das cerâmicas Campaniformes, ajudar no estabelecimento de paralelos e contactos
que mostram, neste caso, que a Ota estaria inserida numa rede maior de relações e influências que
originaram estes dois fragmentos. Mais adicionamos que os poucos exemplares em estudo,
realidade semelhante a outros sítios arqueológicos congéneres (Sousa, 2010, p. 306), mostram
uma diversidade de técnicas e motivos que implicam um necessário conhecimento das práticas e
maneiras de fazer que são apuradas com a chegada dos paradigmas Campaniformes – não
podemos conjecturar uma ocupação para a Ota desta cronologia, mas ainda assim não existe um
vazio temporal na ocupação, mas sim um possível abrandamento que se coaduna com as
revisitações das populações onde o Campaniforme existiria, a sítios que outrora teriam significado
outro estilo de vida.
e. Elementos de Tear
A presença de artefactos que, segundo as teorias actuais, reflectem actividades
relacionadas com a exploração secundária dos recursos animais ou com a agricultura do linho
(Greenfield, H. J., 2010), está bastante bem documentada em diversos sítios arqueológicos do 3º
milénio, em especial na Estremadura Portuguesa (Sousa, 2010, p. 341). É interessante
compreender que há uma generalização deste tipo de artefactos nas publicações arqueológicas,
em especial se observarmos o trabalho de sistematização dos elementos de tear em placa no
Calcolítico Peninsular, desenvolvidos por Rollán em 1996, onde se constatar que “…son muy
(…) pocos, también, los hallazgos de elementos de telar…” (Rollán, 1996, p. 125). Esta realidade
pode ser rapidamente justificada pelo método de “sistematização” utilizado pelo autor
supracitado, que recorre a publicações que não reflectem integralmente os espólios dos sítios.
Este tipo de utensílios é um dos que mais facilmente nos mostra diferenças culturais e
tendências regionais de produção, desde logo, pela forma maioritariamente quadrangular e
rectangular, onde se registam tendencialmente quatro perfurações, na região da Estremadura
Portuguesa e a Norte do país, e pela dualidade placa/crescente bem patente nos contextos
Alentejanos (Costeira, 2012, p. 650). As já referidas variações culturais podem expressar-se assim
em modos diferentes de fazer e entender o acto de tecelagem, podendo estar patentes em teares
verticais (Diniz, 1993, p. 241), teares horizontais (Boaventura, 2001) ou ainda integrados em
estruturas tipo “prancheta” destinadas á tecelagem (Cardoso, Carreira, 2003, p. 141) – não
excluímos nenhum deste tipo de estruturas de produção, ainda mais quando não dispomos de
97
nenhum tipo de contexto arqueológico, sendo certo que a finalidade seria a criação de um produto
específico em cada uma destas realidades. A identificação de áreas funcionais ou de
concentrações, como as identificadas em Santa Justa (Gonçalves, 1989, p.250) ou recentemente
no Cabeço do Pé-da-Erra (informações obtidas na conferência – Gonçalves, V. S. e Sousa, A.C.,
Cabeço do Pé da Erra: uma quinta calcolítica com 4500 anos), não foi possível de concretizar
para o caso da Ota pela já largamente mencionada falta de informações contextuais.
No caso concreto da Ota foram detectados 19 elementos de tear, sendo 18
correspondentes a recolhas antigas com depósito no Museu Hipólito Cabaço e uma outra
proveniente de prospecção arqueológica. Deste universo, sete (37%) elementos encontram-se
completos e 3 (16%) parcialmente completos, correspondendo assim à maioria do conjunto em
estudo (53%). As restantes peças (21%) encontram-se fragmentadas nas zonas dos orifícios, algo
que se explica de forma relativamente fácil já que são estes os principais diferenciadores destes
artefactos. Como já detectado para os artefactos em pedra polida, o Museu procedeu ao restauro
de cinco elementos de tear (26%), sendo impossibilitada a análise dos vários fragmentos que
compunham os restauros. A existência tendencial de placas quadrangulares e rectângulares na
Estremadura Portuguesa (Sousa, 2010, p. 341) é corroborada quando se analisam os dados da Ota,
onde os 19 elementos de tear se subdividem em cinco placas de forma rectângular (26%), 10
placas quadrangulares (53%) e quatro de desenvolvimento impossível de conjecturar (21%), por
corresponderem a fragmentos das zonas perfuradas. É de referir a existência de uma placa de
pequenas dimensões decorada, que apresenta um tipo de cozedura diferenciada das restantes
placas, com uma superfície mais negra – no conjunto dominam as placas de tonalidades
avermelhadas. Estas pequenas placas foram também detectadas por Ana Catarina Sousa, no
Penedo do Lexim (2010, p. 342), não tendo grande expressividade no registo arqueológico
estremenho.
Podemos ainda referir a peça nº1872 que, pelas suas características morfológicas (14 cm
de comprimento, 10 cm de largura e uma espessura de 2,6 cm) aparenta ter algum tipo de afinidade
cultural com as realidades que surgem nas Beiras, com pouca expressão na Estremadura (Valera,
2007) – uma ocorrência paralela à da Ota, é o elemento de tecelagem do Monte da Quinta 2
(Valera et al, 2006, p. 304). Esta ocorrência, com uma constituição de argila similar aos restantes
elementos de tear, mostra que há uma socialização e uma troca de técnicas e maneiras de fazer,
que se pode prender com a movimentação de matérias-primas e redes de trocas. Pode ainda
reflectir uma necessidade específica e fugaz, que não deixou grandes marcas nos materiais
recolhidos, até ao momento.
Todos os elementos de tear apresentam um número de perfurações cilíndricas que varia
entre uma, nas peças fragmentadas, e quatro, não tendo sido encontrado nenhum exemplar que
98
apresentasse mais do que quatro perfurações em simultâneo. A localização das perfurações é
relativamente constante, estando todas elas próximas dos cantos das placas. A nível das arestas e
dos cantos, o conjunto apresenta-se integralmente arredondado, quer em placas quadrangulares
quer em rectangulares, realidade que contrapõe aos dados obtidos para a Pedra de Ouro, onde há
uma tendência geral para os cantos e arestas vincados (Branco, 2007, p. 69).
A decoração das placas é um processo relativamente comum na Estremadura Portuguesa,
contrapondo novamente com a situação que se sente no Sul do país, onde a decoração é pouco
expressiva (Costeira, 2010, p. 73; Sousa, 2010, p.241). Um conjunto de seis elementos de tear
(32%) apresentam decorações na face, sendo que todas elas ilustram a técnica da incisão –
motivos decorativos criados através do desenho, por arrasto de estiletes ou pontas rombas, na
pasta fresca ou em início de processo de secagem (Costeira, 2010, p. 74). Os motivos decorativos
são integralmente geométricos, podem desenvolver-se de forma simples – linhas – ou de forma
mais complexa – com motivos intercruzados/axadrezados ou, surgindo no exemplar nº1855/2b,
criando um motivo que pode ser encarado como vegetalista, com paralelos em pesos de tear
decorados de Vila Nova de São Pedro (Paço, 1940, p.241 e 243; Arnaud, 2013, p. 449), ou
zoomórfico, desenhando o que aparenta ser um pequeno peixe. A grande densidade de decorações
nas placas de locais como Vila Nova de São Pedro e Pedra de Ouro, levou Afonso do Paço a
conjecturar uma hipotética natureza votiva para este tipo de artefactos (Paço, 1940, p.241 e 243;
Sousa, 2010, p. 342).
Para o caso concreto da Ota o carácter votivo poderia ser um dos significados destas
peças, já que só dois dos exemplares decorados apresentam marcas de uso, mas quando olhamos
para a realidade mais próxima, novamente para o sítio da Pedra de Ouro, a funcionalidade está
atestada (Branco, 2007, p. 70) e intrinsecamente relacionada com a linguagem representativa do
imaginário destas comunidades. Aceder ao “verdadeiro” significado das decorações apresenta-se
como um objectivo difícil de alcançar, contudo a imagética que surge expressa nas placas aparenta
uma associação directa entre cenas e fenómenos do quotidiano – chuva, animais, motivos
vegetalistas, entre outros - representados em artefactos que também eles se inscrevem nessa
rotina. Esta ideia surge como uma resposta alternativa às leituras feitas até ao momento, em que
se assume que, por um lado, estas representações estariam ligados a mecanismos supersticiosos
usados para evitar o enleio das fibras ou a quebra da teia (Valera, 1997; Diniz, 1994) ou, por
outro, assumindo-se que as figuras estariam conotadas com o ciclo produtivo e múltiplas
actividades necessárias ao fabrico dos tecidos (Cardoso, 1981).
99
f. Os artefactos de osso polido
Os artefactos em osso polido da Ota mostram que a preservação de matéria orgânica neste
sítio arqueológico é bastante boa e, pela quantidade de peças, enfatiza que este tipo de utensílios
teria um grau importância nas comunidades que habitavam e vivenciavam a Ota – quer seja nas
tarefas do dia a dia, ou em realidades mais enquadráveis nos contextos do simbólico.
A falta de estudos monográficos, realidade também frisada para os contextos dos sítios
fortificados estremenhos, dificultam o estabelecimento de paralelos e comparações que
facilitariam a identificação de tipologias, funcionalidades e cronologias deste tipo de materiais.
As principais obras a salientar são os estudos realizados para Leceia, que abrangem desde os
utensílios mais comuns a outro tipo de artefactos ósseos (Salvada e Cardoso, 2001/2002; Cardoso,
2003), assim como um estudo mais generalista, que inclui um conjunto de contextos funerários e
de povoados abertos da Estremadura Portuguesa (como Outeiro da Assenta, Outeiro de São
Mamede e Pragança, no caso dos povoados, e Serra das Éguas, Moinhos da Serra e Monsanto III,
como contexto funerários), realizado por Clara Salvado (2004). Devido às escassas tipologias
criadas para estes materiais, decidiu-se seguir as já existentes, procedendo a uma adaptação ao
contexto da Ota.
O conjunto de osso polido da Ota é proveniente, de forma integral, do espólio em depósito
no Museu Hipólito Cabaço, não tendo sido identificado nenhum exemplar em âmbito de
prospecção. Foi possível identificar um total de 56 fragmentos de objectos em osso polido, tendo
sido todos estudados e tratados de forma individual, ainda que existam problemas na definição
cronológica dos mesmos – por precaução foram todos incluídos, sendo que só recorrendo a
datação directa, e destrutiva, se poderia reconhecer a cronologia a que pertencem efectivamente
estas peças. É um conjunto de pequenas dimensões, em especial quando comparado com outros
que apresentam mais de 300 peças, como o Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p.), Zambujal
(Uerpmann e Uerpmann, 2003) e Leceia (Cardoso, 2003, p. 33). As peças aqui apresentadas foram
alvo de um estudo preliminar, na tentativa de compreender quais os animais utilizados para
obtenção das matérias primas, não tendo produzido qualquer resultado, tendo em conta o grau de
transformação dos materiais.
A nível da fragmentação destas peças é bastante grande, encontrando-se somente cinco
fragmentos completos – dois deles correspondendo a furadores, um a uma agulha/sovela, outro
fragmento referente a um brunidor e por fim uma peça com dupla funcionalidade. O estado
dominante é referente à área distal, com 25 peças enquadráveis nesta categoria, seguido das peças
mesiais, cujo potencial de informação é ligeiramente menor. Por fim foram identificadas cinco
peças proximais, que nos poderiam dar indicações de técnicas produtivas e cadeias operatórias
que, para esta tipologia de materiais, são de difícil acesso (Sousa, 2010, p.226). Outra das questões
100
que se apresenta difícil, em muito pela falta de contextos concretos onde os materiais surjam em
âmbito de “uso”, é a nomenclatura que lhes é atribuída, estando em muito contaminada pelas
funcionalidades e utilizações modernas de objectos com formas similares – assim sendo, tentando
proceder a um estudo integrável e comparável com as realidades já existentes, optámos por seguir
as terminologias já estabelecidas por Clara Salvado (2004) e João Luís Cardoso (2003), ainda que
se tenha, em alguns caso, procedido a uma análise e aplicação crítica das mesmas. Optámos por
não proceder a uma divisão entre utensilagem de uso comum e objectos de osso, como realizado
por Ana Catarina Sousa (2010, p. 228), devido à reduzida amostragem em estudo que, em certa
medida, não nos permite tecer considerações fiáveis e extrapoláveis para uma realidade
arqueológica maior.
Em primeiro lugar falamos de furadores, que podem adquirir um diverso leque de
funcionalidades relacionadas com o tratamento e/ou cosedura de peles, onde se enquadram todos
os objectos com uma extremidade pontiaguda, com excepção dos alfinetes que decidimos
individualizar. Novamente, como referido antes, seguimos as divisões criadas por João Luís
Cardoso (2003, p. 27), diferenciando-se os furadores obtidos por seccionamento longitudinal
sobre esquirolas de diáfise de ossos longos – encontrando-se dois dos quatro exemplares inteiros
– dos restantes quatro fragmentos, cuja tipologia não foi possível identificar. Quanto aos alfinetes,
foi possível identificar um total de cinco peças que se enquadram nas tipologias definidas por
Clara Salvado (2004, p. 81), tratando-se estes de exemplares fragmentados, de pequenas
dimensões, aparentemente totalmente produzidos em osso – aqui poderíamos ainda incluir os
alfinetes de cabelo que, como efectuado por Ana Catarina Sousa (2010, p. 230), aparentam indicar
uma outra realidade ou função, onde consta uma extremidade lisa ou com uma decoração/trabalho
elaborado. Na Ota foram identificados sete exemplares enquadráveis dentro desta categoria
classificativa, não se encontrando nenhum completo – são realidades fáceis de identificar, em
especial porque todos os fragmentos em estudo são referentes às “cabeças” que, neste caso, não
são amovíveis. O conjunto em estudo é bastante significativos quando tomamos consciência da
densidade da sua presença em sítios semelhantes à Ota – no caso do Penedo do Lexim constam
um total de três peças (Sousa, 2010, p. 230), enquanto que no Zambujal foram identificados 18
(Jimenez Gomez, 1995, p. 163), número que dão algum destaque ao conjunto da Ota.
Foi possível individualizar cinco fragmentos distais de espátulas, cuja funcionalidade
poderia passar, como o próprio nome sugere, por um instrumento para mexer e misturar ou, no
nosso entender, ter servido como instrumento de produção de recipientes cerâmicos e,
possivelmente, respectiva decoração – estas realidades só são confirmáveis com estudos
traceológicos, que esclareceriam muitas duvidas funcionais e, por consequência, terminológicas.
Identificaram-se igualmente quatro peças enquadráveis na categoria dos brunidores que, pela sua
superfície rugosa e tendencialmente desgastada, apontam para processos relacionados com
101
tratamento e acabamento de peles ou cerâmicas, num acto de abrasão. Não foram identificados
fragmentos semelhantes a escopros ou formões.
Referindo-nos já à categoria das agulhas, optámos por seguir as indicações de Clara
Salvado, que assume que a terminologia “agulhas” só deve ser aplicada a peças com sinais
evidentes de preensão de fio (Salvado, 1999, p. 79). Por sua vez, João Luís Cardoso, assume,
como característica essencial, a capacidade de perfuração destes objectos, não sendo obrigatória
a existência de perfurações, chegando ainda a associar as agulhas às sovelas (Cardoso, 2003, p.
26). Tendo estes pressupostos morfológicos em mente, foi possível identificar um total de seis
agulhas, onde se incluí um exemplar cuja perfuração se encontra inacabada. O conjunto da Ota é,
ainda que reduzido, expressivo, quando comparado com Penedo do Lexim, onde somente se
registou um exemplar (Sousa, 2010, p. 229, ou ainda o sítio da Pedra de Ouro, com três
exemplares “pontiagudos” (Branco, 2007, p. 91).
Às agulhas poderíamos associar, como referido antes, as sovelas que, ainda hoje, se
apresentam como o grupo tipológico-formal mais discutido e difícil de gerar consenso (Sousa,
2010, p. 231). Esta designação, inicialmente aplicada para os contextos do Castro da Rotura por
Victor Gonçalves (1971), significa, a nível literal, uma ferramenta que serve para perfurar couro,
contendo uma ponta afilada e uma base que se destaca na peça (Sousa, 2010, p. 231). João Luís
Cardoso denomina estes objectos como “pontas de seta”, descrevendo-as como objecto robustos,
dotados de corpo cónico com uma parte inferior dotada de um espigão mais estreito (Cardoso,
2003, p. 30), salientando a sua ausência nos espólios funerários. Já Clara Salvado procede à sua
descrição enquanto alfinetes (2003, p.31), realidade que nos parece pouco justificável, a nível
empírico, devido à falta de estudos traceológicos, optando-se, no presente trabalho, por assumir
estes artefactos, profundamente afeiçoados, enquanto sovelas - os exemplares da Ota já tinham
sido referenciados por Spindler em 1981, associando-os a objectos bélicos, mas optou-se por
renomeá-los e reenquadra-los na categoria das sovelas. Foram identificados três exemplares
destas peças, um número relativamente reduzido que, ainda assim, vai de encontro com os
identificados para sítios com as mesmas cronologias de ocupação, como o Penedo do Lexim
(Sousa, 2010, p. 231), Leceia (Cardoso, 2003, p. 30), Rotura, Vila Nova de São Pedro e Zambujal
(Spindler, 1981).
Identificou-se igualmente uma peça com dupla funcionalidade, única no contexto em
estudo, que apresenta uma extremidade pontiaguda, indicando uma utilização enquanto agulha,
enquanto que na extremidade oposta se apresenta em forma de espátula. Sublinhamos ainda a
existência de 15 fragmentos indeterminados que, em muito devido ao seu estado de conservação
– 15 peças referentes aos fragmentos mesiais e três a fragmentos distais – não nos possibilitaram
102
uma inserção tipológica/morfológica específica e, essencialmente, segura, preferindo-se integrá-
los na categoria de indeterminados.
Falamos ainda, enquanto categoria tipológica final, de um objecto muito concreto,
considerado como recipiente, por Ana Catarina Sousa (2010, p.231), ou ainda como caixa, por
Clara Salvado (2004). O fragmento da Ota apresenta uma decoração incisa muito fina numa das
extremidades do objecto, tendo sido ainda identificada uma perfuração regular, também ela de
pequenas dimensões – estas peças apresentam-se tendencialmente decoradas (Sousa, 2010, p.
231) através de processo de incisão (Salvado, 2004, p. 60), não sendo possível reconstituir a sua
forma com um fragmento de diminutas dimensões. Ainda assim é de salientar que a perfuração
pode ser associada à aplicação de rebites, possivelmente em materiais que não se conservam, ou
ainda enquanto pontos de suspensão (Salvado, 2004, p. 59), sendo esta uma das principais causas
da sua nomenclatura enquanto caixas, ainda que permaneça discutível. A nível funcional estes
objecto apresentam-se de difícil interpretação e pensamento, já que as teorias pendem entre uma
utilização enquanto recipientes para guardar “fármacos ou unguentos, incluindo psicotrópicos”
(Cardoso, 2003, p. 30) ou uma funcionalidade mais genérica que se prende com a suspensão
destes recipientes/caixas (Salvado, 2004, p. 60) – todas estas hipóteses se apresentam plausíveis,
sendo necessário justifica-las dentro do seu contexto concreto, não deixando de frisar que
tendencialmente surgem associados a contextos funerários (Salvado, 2004, p. 60), apresentando-
se aqui em contexto de habitat. Estes objectos são bons indicadores cronológicos, uma vez que os
estudos realizados sobre eles permitem apontar para o período de transição entre o Neolítico
Final/Calcolítico inicial (Sousa, 2010, p. 231), reforçando a ideia, que tem vindo a ser confirmada
por alguns dos dados apresentado, que a ocupação na Ota pode recuar até ao Neolítico, ainda que
final.
Por último fazemos referência à existência de uma figura zoomórfica de reduzidas
dimensões, 2,4 cm por 1,3 cm, enquadrável dentro das figuras caracterizadas como tipo coelho.
Um dos sítios onde foi possível identificar uma datação, ainda que indirecta, foi no sítio da Pedra
Furada, uma gruta natural a cerca de 15 km do sítio arqueológico em estudo, onde a datação de
um perónio de um dos inumados, resulta no intervalo, a dois sigma cal BC, 3095-2900 (Silva, et
al, 2014, p. 176), ainda que se possa levantar problemas ao nível da relação contextual. Se
tivermos em conta a proximidade geográfica, bem como a cronologia disponível, a presença deste
fragmento pode ser assumida como um dos melhores indicadores para a presença humana no sítio
da Ota durante o Neolítico final, transição para o Calcolítico.
É também curioso compreender que estas peças são, na sua grande maioria, associadas a
contextos funerários, na diversidade construtiva que estes podem estes assumir (Valera et al,
2014, p. 20) – sendo que o exemplar da Ota é o único, até ao momento, proveniente de um
103
contexto habitacional. Esta realidade vem alimentar, e fundamentar, a ideia já amplamente
referida, ao longo do presente trabalho, da possível existência de uma estrutura
funerária/enterramento no sítio arqueológico da Ota, sendo assim explicada a proveniência do
“coelho”. A própria inscrição deste zoomórfico na categoria dos coelhos levanta alguns problemas
que, devido à falta de paralelos, não podem ser mais clarificados - assim sendo, o facto do
exemplar da Ota conter um “focinho” mais alongado do que a maioria dos coelhos existentes,
onde existe uma relativa homogeneidade representativa e de dimensões (Valera et al, 2014, p.
31) levanta dúvidas sobre se representaria, efectivamente um lagomorfo, ainda que
esquematizado, ou se poderia desenhar um outro tipo de espécie animal, como se verifica para os
suídeos e aves (Valera, et al, 2007), ou inclusive para raposas (Valera, et al, 2014, p. 21;
Gonçalves, 2009). Estas representações mostram o caracter mais natural do Homem, efectivando
assim, uma relação com o meio e com a fauna envolvente, reconhecendo-se não só a sua beleza
a nível estético, como também o seu poder enquanto símbolo, que permite exteriorizar um quadro
conceptual que pode reflectir, exclusivamente, a relação Homem-animal, ou um posicionamento
social partilhado por diversas regiões – este tipo de artefactos acentua ainda a ideia de que os
objectos, em todas as suas vertentes, têm um papel social activo, funcionando como meio de
comunicação, mas também como estimulante de novos pensamentos e acções por parte dos
agentes (Valera, et al, 2014, p. 36-37)
Como nota final referimos o tipo de tratamento geral do conjunto, onde a grande maioria,
leia-se aqui 53 peças, apresentam um processo de polimento total, tendo as restantes três um
polimento parcial – aqui podemos compreender o processo de transformação da matéria-prima,
que teria de ser profundamente trabalhada para se obterem este tipo de materiais.
g. Artefactos metálicos
Estudar os artefactos metálicos e a inerente produção metalúrgica apresentou-se difícil
para o contexto específico da Ota. Certo é que este tipo de povoados – com uma implantação de
altura e, possivelmente amuralhados - foram, até há pouco tempo, caracterizados como os
principais focos produtivos e exploradores das realidades cupríferas do período Calcolítico na
Península Ibérica (Sousa, 2010, p. 347). Com estudos mais aprofundados e cuidados, chegou-se
à conclusão que este tipo de povoados apresenta uma distância relativa das áreas de
aprovisionamento das matérias-primas e a densidade produtiva e correspondente transformação e
produção, não seria muito significativa (Sousa, 2010, p. 349; Branco, 2007, p. 97; Soares et al,
1994).
Outra das questões prende-se com a cronologia tardia destas produções, estando a sua
introdução centrada no Calcolítico Pleno em Leceia (Muller e Cardoso, 2008), no Penedo do
104
Lexim (Sousa, 2010, p. 347), também em Vila Nova de São Pedro (Savory, 1982/93, p.26; Pereira,
2011) e no Zambujal (Kunst, 2001, p. 87; Muller, 2007.) – os materiais que surgem nas camadas
do Calcolítico Inicial são residuais (Muller e Cardoso, 2008, p.66; Sousa, 2010, p. 348)., Para a
Ota esta realidade é impossível de constatar, em muito pela já referida falta de contextos, a que
se alia a falta de materiais que indiquem, mesmo que remotamente, a transformação e produção
de artefactos metálicos.
O conjunto da Ota abarca um total de 54 artefactos metálicos de diversas cronologias. A
sua maioria permanece por identificar a nível de tipologias e cronologias (33) por corresponderem
a materiais informes ou cujas cronologias são incertas, podendo inserir-se em qualquer período
pré-histórico, necessitando de análise para determinação. Do conjunto de 20 materiais cuja
tipologia é identificável, quatro machados planos e uma ponta de seta apresentam características
tipológicas que podem inserir-se na segunda metade do 3ºmilénio ou ainda nos primórdios da
Idade do Bronze – é necessário referir que um dos machados que surge referenciado e desenhado
nos trabalhos de Maria Amélia Horta Pereira (1970) não se encontra no depósito do Museu
Hipólito Cabaço, mais adiantamos que na publicação de Philine Kalb, de 1980, o mesmo já não
surge analisado, tendo “desaparecido” num espaço de 10 anos do depósito do Museu, contudo
será analisado tendo como base os dados da 1ª publicação referida. Como referido anteriormente,
no conjunto da Ota não se identificaram materiais que indiquem o trabalho do metal, quer nos
trabalhos mais antigos de Hipólito Cabaço quer nos trabalhos de prospecção, sendo eles os
cadinhos, pingos de fundição, escórias ou fragmentos informes, realidade antagónica à Pedra de
Ouro (Branco, 2007, p. 95). A invisibilidade deste tipo de materiais justifica-se quando tomamos
em conta os critérios de recolha das intervenções de Hipólito Cabaço, a área intervencionada que
pode não reflectir uma “área” de produção (Sousa, 2010, p. 350; Kunst, 1995) ou ainda a efectiva
não presença dos mesmos na Ota, indicando a que não se produzia neste local. Um dos factores
que nos leva a considerar a existência de mais artefactos metálicos é a constante presença de
“marcas” de detectoristas, que continuam a “profanar” os contextos da Ota. Contudo só
poderemos ter a certeza se a Ota é um mero local com “artefactos metálicos”, um sítio de
“metalurgistas” ou um espaço de “mineradores” (Gonçalves, 1989, p. 156), com recurso a uma
escavação arqueológica com pressupostos e técnicas modernas.
Os quatros machados que foram alvo de estudos tipológicos e morfológicos (tendo sido
já ressaltada a questão do desaparecimento de uma das peças) foram enquadrados em duas
categorias consoante a tipologias definidas por Luís Monteagudo (1977), estes representam, no
nosso entender, duas fases de desenvolvimento destes artefactos. A primeira, onde se inscrevem
3 exemplares, corresponde a machados planos, dos tipos 3, 5 e 8 de Monteagudo, que foram
integrados pelo seu desenvolvimento e dimensões, que variam entre 10 e 12 cm, mostrando uma
certa unidade morfométrica (estampa 10 – anexos). O exemplar cujo paradeiro é desconhecido
105
representa uma diferença ligeira em relação ao restante grupo, uma espessura 1,5 cm que
contrapõe com os 0,7 cm das outras peças, realidade também observável no peso, atingindo os
450gr, enquanto que os restantes não atingem as 200gr. O segundo grupo, que pode ser a imagem
de um segundo estádio de desenvolvimento no que toca às morfologias e tipologias dos machados,
é representado por uma única peça – esta é a menor peça do conjunto, tendo 6cm de comprimento,
0,6 cm de espessura e 60gr. Este corresponde a um machado que pode inserir-se no tipo “Bujões”
(Senna-Martinez et al, 2013, p.599) ou tipo 14 argárico de Monteagudo (1977), podendo fazer
avançar as cronologias desta peça para o Bronze Pleno (Senna-Martinez et al, 2013, p.595). Os
paralelos para este tipo de peça, de dimensões relativamente reduzidas, encontram-se quando
olhamos para a região NO da Serra do Montejunto mais precisamente para a Gruta da Columbeira,
Reguengo Grande, na Lourinhã (Senna-Martinez et al, 2013, p.594) e, a SE na Pedra de Ouro
(Branco, 2007, p. 96), relativamente perto da Ota. Não nos podemos esquecer que a Serra do
Montejunto funciona como uma barreira cultural, sendo que este tipo de machados não é muito
comum nos contextos a SE.
A nível da constituição mineralógica, as peças da Ota foram alvo de um estudo
radiográfico realizado, em 1970, pelo Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa que, embora obsoleto, nos deu algumas luzes sobre a
constituição das peças – neste caso Cu (Cobre) com alguns vestígios de Zn (Zinco), uma realidade
que não surge muito na bibliografia temática. As peças da Columbeira e Reguengo Grande
apresentam uma constituição mineralógica compatível com o cobre arsenical (Senna-Martinez et
al, 2013, p.595). Não nos é possível tecer mais considerações sobre as constituições das peças,
em especial porque o estudo radiográfico de 1970 carece de confirmações e novos olhares que
permitam, finalmente, afinar os enquadramentos cronológicos destas peças – podem então pender
entre o Calcolítico e a Idade do Bronze.
A funcionalidade dos machados está intrinsecamente ligada com a sua cronologia, não
alcançável para já na Ota, podendo passar por utensílios realmente funcionais com marcas de uso
nos gumes ou, no caso dos machados planos, podendo servir como lingotes (Soares et al, 1994;
Branco, 2007, p. 97). O carácter votivo também pode ser levantado pela raridade deste tipo de
artefactos, que acabam por não ter grande expressão no registo arqueológico.
Já no que toca à ponta de seta, esta representou o verdadeiro desafio a nível de
classificação morfológica e de cronologia. Com um total de 9,5 cm de comprimento, esta peça
contém um pedúnculo com cerca de 6 cm, culminando num conjunto de pequenas aletas/ombros
pouco marcados. Foram utilizados os critérios descritivos de José Kaiser (2003), que permitem
relacionar e articular as diversas pontas de seta metálicas existentes na Península Ibérica, tendo
como base três parâmetros descritivos – o tipo genérico das peças (Palmela, Foliáceas,
106
Triângulares…), a variedade das aletas/ombros (podendo estes ser desenvolvidos ou incipientes)
e, por fim, a presença e o desenvolvimento do pedúnculo (largo, subtriangular, pequeno…). Em
relação à peça específica da Ota, esta, como expresso anteriormente, é dotada de um pedúnculo
comprido, associado a ombros pouco marcados, assumindo-se como uma ponta de seta de tipo
“triangular” – este tipo morfológico apresenta uma dispersão espacial, na Idade do Bronze Inicial
(Kaiser, 2003, p. 78), condizente com a actual área da Andaluzia espanhola, não tendo sido
identificados vestígios deste tipo de materiais no actual território nacional - ou de tipo “foliáceo”
– que, tal como as anteriores, não apresentam exemplares em Portugal. Desta forma, tendo em
conta os dados apresentado por Kaiser, qualquer um dos tipos associados a esta peça, seria um
exemplar demonstrativos de possíveis trocas e contactos com as áreas mais orientais da Península
Ibérica, acentuando a ideia já tecida para o sítio da Ota, como recebendo objectos que implicam,
necessariamente, mobilidade.
Por outro lado, este tipo de materiais apresenta algumas proximidades formais com outro
tipo de pontas metálicas presentes em território português, nos finais do 3º milénio/inícios do 2º
milénio a.n.e. (Mataloto, Martins e Soares, 2013, p. 327) – peças como os punções losânguicos
“Alénes” de influências mediterrânicas (Gonçalves, 1988/1989, p. 53), bem representados em
sítios próximos à Ota (Carreira, 1994), como Vila Nova de São Pedro, Alto das Bocas, ou as
cavidades Casa da Moura, Abrigo Grande das Bocas, podem apoiar e, em certa medida, justificar
a presença desta peça, bem como as suas divergência morfológicas, podendo resultar de um
processo adaptativo local, com o desenvolvimento de um pedúnculo mais largo e comprido. Esta
é, sem dúvida, a hipótese menos fundamentada, essencialmente pelas diferenças formais, contudo,
é necessário sublinhar, e ter em conta, a presença bastante acentuada, na região, deste tipo de
utensílio.
Uma das categorias morfológicas que surge é a associação entre este material e as pontas
de tipo “jabalinas”, identificadas no Tholos de La Pastora (Almagro, 1962), La Pijotilla (Ortiz, et
al. 2012), Outeiro de São Bernardo (Cardoso, et al. 2002). Este tipo de artefacto é composto por
um pedúnculo de grandes dimensões, muito superior ao existente na peça proveniente da Ota, o
que, por si só afasta estas peças. Outra das características é a presença de uma nervura central,
ainda que incipiente, também não registada na peça em estudo.
A hipótese mais provável, ainda que pouco sustentada, é da associação da peça da Ota às
peças de tipo Palmela que, se apresenta difundidas por toda a Península Ibérica. Estas peças,
dotadas de um pedúnculo de médias dimensões, com uma tendência de crescimento desde o início
do pedúnculo, até à sua terminação, com ombros ligeiramente marcados na peça, aparentam ser
dotados das características encontradas na peça em questão – ainda assim são necessários estudos
complementares, que permitam confirma se a peça da Ota é, ou não, referente a cobre ou bronze
107
arsenical, ainda que, de qualquer das formas, a sua cronologia e “normal” associação contextual,
apontem para os períodos de transição do 3º/2º milénio a.n.e (Delibes de Castro e Fernández-
Miranda, 1981, p. 157; Sousa, 1998, p.141), em muitas das vezes associado ao “pacote”
Campaniforme, que começa a constituir-se também no sítio da Ota (cerâmica Campaniforme +
Ponta Palmela). O exemplar de Ponta Palmela mais semelhantes, a nível formal, com a peça
identificada para a Ota, é proveniente do Alto das Bocas (Caldas da Rainha).
Os dados ténues de que dispomos não nos permite clarificar várias das questões com que
começámos este estudo. Não conseguimos entender se há transformação metalúrgica no sítio da
Ota, não existindo nenhum tipo de evidência que aponte para tal realidade, exceptuando o trabalho
do metal no sítio congénere da Pedra de Ouro (Branco, 2007, p. 96) e Vila Nova de São Pedro
(Pereira, 2011, p. 36). A possibilidade da existência de redes de troca está patente na circulação
de matérias-primas, mas nada nos indica se os artefactos circulariam já transformados. O
problema da cronologia continua em aberto, havendo uma necessidade imediata de clarificar esta
questão permitindo leituras mais globais e, essencialmente, integradas, do sítio como um todo
com todas as suas componentes.
6. A OTA E O SEU ENTORNO: CONTRIBUTO PARA UMA LEITURA REGIONAL
Proceder a uma leitura geral e integrada é, sem dúvida, uma das componentes mais
importantes no desenvolvimento de uma dissertação, sendo que só assim podemos compreender
o sítio como um todo, bem como interliga-lo com as realidades regionais. Estas interligações estão
sempre dependentes dos ritmos de investigação associados à área em estudo, neste caso a
Estremadura portuguesa que, desde cedo, viu identificada a “Cultura de Vila Nova de São Pedro”,
utilizada como base para estudos nacionais e internacionais, ainda nos dias de hoje. Esta noção
de uma cultura estremenha é ainda hoje difundida, encontrando-se melhor fundamentada em
muito pelos contextos identificados e intervencionados até ao momento, que suportam este
conceito supraestrutural organizativo do pensamento mais materialista - o tipo de implantação
dos locais, os artefactos associados e as mentalidades/ideais conjecturados para estes sítios
arqueológicos suportam, de forma empírica, a existência de uma realidade cultura superior
agrupadora. Ainda assim é necessário compreender que cada sítio arqueológico representa um
conjunto de pessoas diferenciados, agentes e identidades distintas, bem como ritmos e vivências
condicionadas pelo espaço que experienciam, tendo de se ter em conta que é necessário conhecer
profundamente um sítio antes de proceder a leituras gerais e integradoras que vão, certamente,
negligenciar as especificidades internas do local em estudo – esta foi a realidade seguida no
108
decorrer deste trabalho, estando agora, depois da análise completa das suas realidades territoriais,
materiais e contextuais, mais aptos e prontos para posicionar o sítio da Ota numa corrente cultural
e identitária regional, ou numa rede de contactos maior.
Uma das principais condicionantes na estruturação, e posterior identificação de
territórios, é o próprio espaço em si, já que funcionaria enquanto realidade natural com pouco
espaço para alteração antrópica. Outra das esferas onde o Meio vai actuar é a esfera social e
mental, afectando assim o povoamento em todas as suas possíveis justificações – com os métodos
e preceitos processualistas o destaque encontrava-se mais relacionado com as questões práticas e
económicas do espaço, o tempo de obtenção de matérias, as horas de marcha associadas a cada
tipologia de povoamento e as questões de visibilidade, contudo, com o surgimento e consolidação
da corrente pós-processualista, mais especialmente nos modelos pós-antropocêntricos pensados
por Gavin Lucas (2012), começam a surgir as questões mais sociais e culturais em relação ao
espaço, recorrendo-se à Antropologia do Espaço, pensando mais como o Homem se entendia e se
influenciava, a nível de pensamento e de materialização, pelo Ambiente.
O primeiro e principal conceito que surge, estruturando marcadamente a leitura que temos
do sítio da Ota ou dos sítios congéneres, é a noção de sítio/povoado fortificado, assumindo-se que
os sítios com estas características funcionam como sítios centrais de um território (teoria do lugar
central), promovendo uma leitura directa da área envolvente aos espaços (Kunst, 1995) seguindo
um modelo de observação linear (e redutor), esperando aceder-se, bem como determinar, qual a
zona de influência e domínio da comunidade presente no recinto fortificado. A estes locais é ainda
associada a prática da agricultura que, funcionando como riqueza (Gonçalves, 1989), vai gerar
modelos territoriais mais rígidos, relacionados com o controlo das terras e gestão dos recursos
produtivos (Sousa, 2010, p. 581).
Neste pacote conceitual é então inserido o sítio da Ota, que apresenta um conjunto de
fragilidades que, essencialmente, se relacionam com o facto de este sítio não dispor de datações
radiocarbónicas, ou de intervenções arqueológicas, que facilitariam, através da existência de um
perfil estratigráfico e contextos, considerações de sucessões de ocupações, bem como ritmos e
funcionalidades do espaço. Assim sendo torna-se difícil enquadrar temporalmente a estrutura
defensiva existente na Ota, ainda que esta apresente paralelos com as técnicas construtivas das
estruturas construídas no final do 4º/ inícios do 3º milénio, como o caso de Olelas (M. Gonçalves,
1997; Sousa, 2010), Moita da Ladra (Cardoso, 2010). A sua implantação, e desenvolvimento,
bem como o tipo de materiais identificados inscrevem a Ota nesta linha dos povoados fortificados,
com paralelos em sítios como Pedra de Ouro (Branco, 2007), Vila Nova de São Pedro (Paço e
Jalhay, 1945), Leceia (Cardoso, 2006), Penedo do Lexim (Sousa, 2010), entre outros. Ainda
assim, no que toca às questões de definição do posicionamento e funcionalidade do sítio, numa
109
teórica rede de povoamento especializado/hierárquico, não conseguimos estabelecer grandes
considerações, podendo sim referir que, pela única linha de muralha identificada no terreno, a
área do sítio da Ota, intramuros seria de 6653 m2, podendo ser considerado de pequenas
dimensões (Sousa, 2010, p.585), quando comparado com sítios como o Zambujal (Kunst, 1987;
2005), Vila Nova de São Pedro (Paço e Jalhay, 1945) ou Leceia (Cardoso, 2006). Os sítios
anteriormente referidos, apresentam uma complexidade arquitectónica muito grande, aliada a uma
distribuição equilibrada no espaço estremenho (Sousa, 2010, p. 585) à construção de diversas
linhas de muralha, podendo representar ritmos de ocupação e estruturação maiores enquanto
“sítios centrais” de uma área de influência. Neste caso concreto, tanto Ota como Pedra de Ouro,
o sítio congénere mais próximo, também ele de pequenas dimensões, se poderiam inserir dentro
da esfera de influência do sítio de Vila Nova de São Pedro, partilhando, essencialmente,
afinidades geográficas e culturais. Sublinhamos ainda que, tal como verificado para o Penedo do
Lexim (Sousa, 2010, p.585), não é possível identificar a área total ocupada, já que assumimos que
os sítios têm, certamente, uma vida externa ao perímetro muralhado, como tal, e relembrando a
existência de cinco estruturas circulares de tipo cabana na parte mais baixa do vale, bem como a
existência de uma segunda linha de muralha identificada por Hipólito Cabaço, essa área é sempre
fictícia e reflexo das realidades identificadas – se tivermos em conta o limite definido pelas
estruturas e pela dispersão de materiais, é-nos possível chegar a um segundo valor, para lá da área
do recinto muralhado, de 58131 m2, duplicando o recinto definido pela linha de muralha visível
no terreno.
A visão hierárquica do espaço local tem vindo a ser questionada (Hurtado, 2003; Valera,
2006), sendo sim necessário compreender o sítio numa rede maior de interligações, totalmente
dependente dos ritmos de investigação e publicação (Sousa, 2010, p.583), não se podendo olhar
para o espaço exclusivamente de forma económica, sem ter em conta a realidade social - não
definimos claramente redes de povoamento afectas a Ota, contudo reconhecemos que com um
estudo mais aprofundado do espaço, tal realidade se pode tornar possível, como é teorizado para
Porto Torrão e Porto das Carretas (Soares, 2013).
Associar locais arqueológicos entre si, em especial este tipo de sítios fortificados, parte,
essencialmente, de bases arqueográficas e empíricas pouco sólidas, em muito justificadas pelos
trabalhos antigos que muitos destes sítios sofreram, não tendo sido documentadas as suas
sequências estratigráficas ou ritmos/fases de ocupação. A Ota sofreu do mesmo problema, ainda
que aparente ter áreas que permaneceram por escavar, identificadas no âmbito dos trabalhos de
prospecção, que possibilitarão, no futuro, conhecer a sequência estratigráfica do “Castro” – as
cronologias para aqui desenhadas baseiam-se, assim, em meras correspondências tipológico-
formais com sítios com cronologias fundamentadas. Tendencialmente estes sítios, tanto os
considerados de grandes dimensões, como os mais reduzidos, apresentam ocupações que
110
remontam ao Neolítico final (Sousa, 2010, p. 586) - indicando que os ritmos de desenvolvimento
dos sítios podem não ser de crescimento, mas sim de retrocesso, como claramente identificado
para o sítio do Zambujal (Kunst, 1987; 2005) – tendo uma maior expressão, sempre inflaccionada
pela maior visibilidade das últimas fases de ocupação, ou pelas fases cujos “fósseis-directores”
são mais abundantes e reconhecíveis. O Neolítico final da Ota assenta, em termos gerais e de
forma relativa, nas propostas cronológicas estabelecidas para Leceia
O Calcolítico Inicial, já identificado para sítios como Leceia, Vila Nova de São Pedro,
Olelas, Pragança, Castelo e Penedo do Lexim (Sousa, 2010, p. 586), não foi identificado,
claramente, para o sítio da Ota, pela ausência de copos canelados – esta realidade pode ser
justificada com um efectivo abrandamento da ocupação entre 2870-2400 a.n.e. (Cardoso e Soares,
1996), ou com uma invisibilidade relacionada com a pressão da ocupação posterior na Ota. As
restantes peças, como as taças caneladas, foram detectadas, não sendo a sua cronologia totalmente
clara.
Não há dúvida que as fases mais visíveis e mais comuns neste tipo de sítios, são as
referentes ao Calcolítico Pleno, onde as cerâmicas de tipo Folha de Acácia, extremamente
abundantes neste tipo de contextos domésticos, servem enquanto elementos datantes, bem como
elementos funcionais determinantes das actividades praticadas nos sítios onde surgem – entenda-
se aqui actividades relacionadas com a produção e armazenamentos de alimentos, realidade que
seria praticável nos terrenos próximos ao Castro – sem deixar de, nas fases finais, se sentir um
abrandamento e transformação nas dinâmicas presentes (Sousa, 2010, p. 587), surgindo, em sítios
como o Penedo do Lexim, Zambujal e Leceia, utilizações de cariz funerário, indiciando já o fim
da correspondência mental entre estas estruturas e uma realidade exclusiva dos “vivos”.
Quanto ao surgimento da cerâmica Campaniforme neste tipo de contextos, esta parece ter
uma distribuição irregular, a nível temporal e espacial, dependendo essencialmente das
implantações no terreno, ainda que surja em praticamente todos os sítios fortificados estremenhos.
A principal diferença encontra-se na expressão e na cronologia de introdução destas influências,
já que existem locais onde os conjuntos Campaniformes são amplos e ricos a nível decorativo,
como o caso do Zambujal e Vila Nova de São Pedro, podendo ser associados a introduções
precoces, novamente no Zambujal e em Leceia (Sousa, 2010, p. 588; Kunst, 1987; Cardoso,
2004). Na Ota, ainda que os fragmentos sejam de reduzidas dimensões, podemos aceitar que
existe uma revisitação neste período cronológico – entre o final do 3º milénio e o 1º quartel do 2º
milénio a.n.e. – que, tendo em conta as realidades estruturais identificadas, mais propriamente a
estrutura 3, se pode assumir como uma possível presença associada a um contexto funerário ou,
como acontece noutros sítios, um período de colapso/abrandamento do sítio. Na área de Ota,
definida por uma mesma base geológica, encontramos o sítio da Porta da
111
Conceição/Alenquer/Castelo que apresenta um conjunto de 29 fragmentos com decoração
campaniforme (Gomes, 1978, p. 61), sem se conhecer o tipo de utilização do espaço ou se
reconhecer a existência de uma muralha – esta realidade permite, de acordo com os dados
disponíveis, enquadrar este sítio dentro das tendências que se registam noutras áreas regionais,
como a Ribeira dos Cheleiros (Sousa, 2010, p. 588), onde se verifica o surgimento de sítios
abertos com grandes concentrações de cerâmica Campaniforme.
Estas dinâmicas temporais não podem ser desassociadas das questões espaciais que
permitiram entender o destaque de determinadas ocupações, em alturas que outros locais sofrem
um abrandamento, contudo, para a área da Ota, a inexistência de datações e de contextos
minimamente seguros dificulta este processo de leitura mais ampla. Estes ritmos diferenciados e
mais, ou menos, complexos podiam ser justificados como sendo um reflexo de um processo de
especialização, como pensado por Francisco Nocete (2001), mas quando observada a componente
material compreendemos que as evidências primárias lidas através dos materiais nos mostram
uma realidade relativamente homogénea, sem sinais de concentração dos sítios em torno de uma
função concreta. A especialização compreende-se, de forma mais clara, quando analisamos a
presença da cadeia de produção da metalurgia (não identificada na Ota) e da produção de
artefactos em Pedra Lascada, esta última bem representada – não podemos deixar de referir que
na área do Canhão Cársico de Ota foi identificada uma zona com nódulos de sílex abundantes,
enquanto que para outros sítios esta realidade não se verifica, tendo sido possível encontrar toda
a cadeia operatória referente ao trabalho do sílex, onde contam núcleos não exaustos, pré-formas
de diversos materiais, bem como um conjunto bastante grande de resto de talhe, mostrando que
os materiais seriam talhados e trabalhos no espaço do sítio arqueológico, contrariando a ideia de
que, na Estremadura, a mobilidade passa por peças já transformadas, e não pelas matérias-primas
em bruto (Sousa, 2010, p.590, Aubry, Llach e Matias, 2014). A presença total dos processos de
debitagem no sítio da Ota surge como uma realidade diferenciada da identificada para os sítios
semelhantes, que não apresentam este tipo de registo (Sousa, 2010, p. 590), sendo mais
compatível com cronologias mais recuadas (Diniz, 2003; Carvalho, 2007). A nível de
representatividade e de evolução da presença das peças líticas, esta realidade é-nos impossível de
alcançar pela inexistência de contextos e de sequências, ainda assim é certo que os materiais como
as pontas de seta (103), as lâminas (123) e lamelas (70) têm uma grande representatividade no
conjunto, sendo curioso que único paralelo para o domínio das Lâminas face às Lamelas é no sítio
do Zambujal (Uerpmann e Uerpmann, 2003, p.29).
Outra das realidades que aproxima alguns dos povoados fortificados identificados para a
área da Estremadura portuguesa, é o tipo de arquitecturas existentes, quer nos sítios arqueológicos
em si, como nas imediações. A questão já debatida para a presença de fossas/estruturas funerárias
no interior dos sítios parece começar a constituir-se como uma realidade recorrente, podendo
112
demonstrar que estes sítios, claramente marcados na paisagem e na sua envolvência, permanecem
na memória das comunidades, sendo integrados, ainda que com outro sentido e noutra esfera do
mundo social, nas práticas e vivências das populações posteriores, funcionando como mecanismo
de legitimidade espacial através da associação aos antepassados, ainda visíveis no espaço. Estes
dados necessitam de maior fundamentação teórico-prática, já que os dados da Ota e da Pedra de
Ouro são baseados em realidades já intervencionadas e descritas há algumas décadas.
As questões identitárias não são exclusivas das fases seguintes ao abrandamento da
ocupação dos sítios arqueológicos, estando igualmente expressas em realidades decorativas e
tecnológicas, essencialmente identificadas na cerâmica e nos líticos, sendo estes o reflexo de um
enquadramento conceptual mais amplo, quase normativo, em muito influenciado pela transmissão
social dos preceitos e técnicas de produção (Sackett, 1977), que suporta, ao mesmo tempo que
reflecte, a visão e a interpretação do Agente. Assumimos, claramente, que as afinidades
morfológicas, bem como a diversidade formal, podem ser o reflexo de uma resposta eficaz a
necessidades semelhantes, a práticas e ritos diferentes, ainda assim é necessário compreender que
os elementos estilísticos são, necessariamente, diferentes dentro dos próprios sítios, tendo em
conta que a interacção social é a verdadeira influenciadora da partilha de semelhanças culturais
e, por inerência, sociais (Sackett, 1977, p. 376).
Dentro desta realidade teórica podemos igualmente inserir as questões decorativas, que,
na área em estudo, ganham um ênfase maior quando compreendemos a importância que a
cerâmica decorada têm nos conjuntos – uma análise deste tipo é sempre difícil para o caso da Ota,
ainda assim a expressão decorativa é muito maior quando tidos em conta os números do Sul do
país (Silva e Soares, 1987, p. 75; Gonçalves, 1989; Sousa, 2010, p.601) encontrando paralelos no
Norte de Portugal (Valera, 2007, p. 606; Jorge, 1986). Na Ota a existência de cinco grupos
decorativos vêm sustentar as considerações feitas acima, sendo que o 78% do conjunto vem dar
destaque à ocupação do Calcolítico Pleno, essencialmente representa pelos motivos Folha de
Acácia. Estas aparecem numa grande diversidade de formas, não sendo exclusivas, como se
verifica, por exemplo para as taças caneladas presentes na Ota, agrupando um conjunto de
motivos dentro de uma única “família” decorativa, que partilha uma técnica decorativa comum
(Sousa, 2010, p. 605). A quase exclusividade do motivo decorativo Folha de Acácia em contextos
domésticos, permite um pensamento mais concreto sobre o seu possível significado e
funcionalidade, ainda que seja sempre uma análise hipotética, permitindo uma rápida associação
com as noções de armazenagem e produção agrícola, sendo associada a uma produção menos
cuidada de uso “diário”, não conotada com possíveis elites (Sousa, 2010, p. 607). A nível regional
o sítio da Ota é de difícil integração, em especial porque os números integrais dos conjuntos dos
principais sítios no seu entorno não se encontram publicados ou disponíveis. Para outras áreas,
foi identificada uma diversidade de motivos dominantes consoante o sítio que se analisava,
113
ilustrando diferentes tipos de recolhas ou, efectivamente, ritmos, preferências e correspondências
identitárias maiores com determinados motivos decorativos – esta questão é detectada quando
observamos o caso da Pedra de Ouro, onde a cerâmica Folha de Acácia, dominante em Ota, tem
pouca expressão (38 fragmentos em 238), podendo desenhar-se dinâmicas diferenciadas para
estes dois sítios arqueológicos, que partilham uma mesma base geológica, mas aparentam ter
identidades dominantes diferentes.
Novamente, a questão das identidades levanta problemas a nível do estabelecimento de
limites identitários regionais que, para a Estremadura, parecem refectir ritmos de investigação,
estabelecendo-se áreas de influência e de partilhas à medida que se vão conhecendo melhor as
realidades arqueológicas. Os graus de mobilidade destas sociedades reflectem um modelo
organizativo urbano (Ver conceito de Rémy e Voyé, 1994), onde existe uma necessidade de se
movimentar para suprimir uma necessidade, podendo ela ser de caracter económico, produtivo,
social ou cultural, funcionando o espaço como uma realidade móvel influenciadora da esfera
mental do Homem que, pelo grau de mobilidade, se vai relacionar e deparar com outras realidades
que podem, de certa forma, ser absorvidas e replicadas – é neste sentido que se podem então
explicar as especificidades quase locais, dentro de uma área, a Estremadura, com semelhanças
culturais e sociais claras.
É também a mobilidade que justifica os modelos economicistas muitas vezes aplicados
na aquisição, troca e “comércio” de determinadas matérias primas e objectos, ainda que a noção
de comércio actual não possa ser transferida, directamente, para os contextos mais antigos. A
existência de trocas, num sentido mais genérico e neutral, esta atestada pelo menos desde o
Neolítico, onde se verifica um gosto especial pela pedra verde, extraída em várias minas na
Península Ibérica (Edo et al, 1997; Sousa, 2010, p 613; Odriozola et al, 2013). Outra das matérias
que implica também um grande grau de mobilidade é o anfibolito, podendo ser considerado uma
matéria-prima relativamente rara (Sousa, 2010, p. 614), mas que contribuiria e seria, certamente,
usada enquanto ferramenta diária – a esta realidade podemos adicionar, na Ota, a presença de
materiais metálicos cuja base de transformação, os minérios, também não se encontrariam na zona
estremenha, sendo estes utensílios reduzidos no conjunto.
O anfibolito tem um grande destaque no conjunto da Ota, sendo que os 31 fragmentos
caracterizados como anfibolitos, representam um peso de 7904 gramas de peso total, enfatizando-
se ainda que a existência de utensílios de morfologia semelhante foi igualmente detectada em
matérias calcárias locais, podendo ser utilizada como recurso mais substituível, não sendo
possível aceder a distribuições cronológicas, ou espaciais. Certo é que a maioria das peças da Ota
apresentam sinais de uso, acentuando, claramente, a utilização destes objectos enquanto
ferramentas. Alguns dos machados identificados na Ota, sem marcas de uso, aparecem associados
114
a contextos funerários, pela sua dimensão, peso e polimento cuidado – esta realidade vai dar
fundamento à ideia da existência de uma estrutura funerária/enterramento na área da Ota. Certo é
que a proveniência desta matéria seria externa à Estremadura, sendo genericamente associada a
filões no Alentejo (Cardoso, 1999/2000, p. 267), não se devendo deixar de referir que poderia,
igualmente, ser proveniente do Norte de Portugal, da área das Beiras (Cardoso, 1999),
intensificando e criando uma imagem mais ampla das possíveis redes de troca inter-regionais.
Não foram identificadas peças inacabadas, ou blocos de matéria-prima, dando-nos a imagem de
que estes materiais chegariam já transformados ao sítio da Ota, podendo existir uma rede de
relações a uma micro-escala, já que na Pedra de Ouro foram identificados materiais inacabados
(Branco, 2007), bem como em Vila Nova de São Pedro (Paço e Jalhay, 1945, p. 199), acentuando
a eficácia que estes materiais teriam, na realização das suas funções, sendo as matérias primas
locais preteridas em relação a este material “exógeno”.
No que toca à metalurgia, esta é sempre difícil de trabalhar quando não se encontra
associada a contextos estratigráficos bem definidos. Ainda assim, de forma geral, representam
sempre conjuntos minoritários, realidade também observável para o sítio da Ota, ainda que, se os
machados planos e a ponta confirmarem, após estudos arqueométricos, terem sido desenvolvidos
com uma liga de cobre, este seja um dos conjuntos metálicos melhor conservados. As cincos peças
metálicas cujas tipologias parecem apontar para as cronologias aqui em estudo, pesam um total
de 1153 gramas, número que ultrapassa o peso para as 130 peças identificadas para Leceia (Muller
e Cardoso, 2008), mostrando que as peças da Ota saem do paradigma observado para contextos
semelhantes, tendo estes dados, certamente, implicações cronológicas, até ao momento,
inacessíveis. Estas quantificações têm, necessariamente, de ser lidas em conjunto com as
possíveis áreas de aprovisionamento – possivelmente a Faixa piritosa - que permitirão ter outra
noção das influências culturais e sociais, sentidas nos sítios da Estremadura, bem como
compreender o verdadeiro significado da metalurgia para estas comunidades, passando pela esfera
do social e da partilha de técnicas, não estando necessariamente associados a especialização e a
materiais de “excepção” (Cardoso e Guerra, 1997/1998, p. 76). Para a Ota é-nos possível verificar
a existência de uma relação com o Sul do país, tendo em conta que as relações com a zona das
Beiras não se encontram totalmente atestadas. Esta circulação e movimentação de gentes e bens
reflecte o modelo territorial e social vivido por estas comunidades que, com os ritmos de
investigação dos últimos tempos, se têm mostrado, e generalizado, como comunidades
complexas, ainda que relativamente simples a nível da estruturação e posicionamento social, com
necessidades identitárias, territoriais e individuais grandes, expressas numa ideia precoce de
“Cultura Material” – na origem real do termo, de uma produção em massa justificada por uma
intensa procura (Lucas, 2012) – inerente à sua grande mobilidade e urbanização (Rémy e Voyé,
1994).
115
A estratégia de subsistência destas comunidades estaria relacionada não só com as trocas
e redes de contactos, como com uma produção agrícola, mais ou menos intensiva, associada à
presença de animais de consumo domésticos, explorando os seus produtos secundários (Sherratt,
2006). Para o sítio em estudo, as evidências directas desta realidade não foram possíveis de
identificar, já que não foram encontrados vestígios de sementes, sendo os elementos indirectos
igualmente diminutos - os elementos de moagem são claramente minoritários, bem como as peças
de sílex utilizados como elementos de foice, com vestígios de utilização em cereais. Assim sendo
não nos é possível estabelecer paralelos com sítios como Vila Nova de São Pedro (Paço, 1952)
onde parecem ter sido detectados silos de armazenagem, associados aos primeiros níveis de
ocupação do sítio (Arnaud e Gonçalves, 1995, p.24), o que apoiaria a ideia da hierarquização
social assente no controlo dos excedentes (Nocete, 2001) – estas diferenças só vêm acentuar a
necessidade de um estudo completo e aprofundado dos sítios arqueológicos, em todas as suas
vertentes, sendo que só assim as comparações e a identificação de casos/funções/especializações
se podem aceder, trabalhando com dados minimamente equivalentes a nível de dimensão.
Em suma, a Ota apresenta-se como um sítio arqueológico que, na sua generalidade, se
enquadra bem dentro da região onde se implanta, não tendo diferenças significativas a nível
material, de área ou de implantação. Ainda assim apresenta especificidades próprias que parecem
apontar para dinâmicas e ritmos sociais, de contactos e possivelmente produtivos, mais complexos
do que os que lhe eram associados e reconhecidos até ao momento, sendo que as comunidades
que ali habitariam seriam muito móveis, tendo ritmos de ocupação diferenciados ao longo do
tempo – podendo inclusive ter sido palco de um processo de associação identitária, em fases
posteriores, mostrando que o espaço era reconhecido pelos diversos Homens na sua envolvência.
Não podemos deixar de sublinhar que a Ota se relaciona claramente com a região de Alenquer,
quer seja com sítios como Pedra d’ Ouro (Paço, 1940; Leisner e Schubart, 1966; Branco, 2007),
Alto do Pedregal (Paulo, 1940; Lucas, 1994; Branco, 2001), Castro do Amaral (Barbosa, 1955;
Paço, 1966; Andrade, 1973; Branco, 2001), Porta da Conceição/Castelo (Gomes, 1978; Lucas,
1994; Branco, 2001) e com a Gruta dos Refugidos (Athayde, 1933; Spindler, 1981; Lucas, 1994;
Branco, 2001) sem deixar de ser influenciado e determinado a nível espacial e cultural, pelas
influências marcadas e ditadas pela Serra do Montejunto, cujo papel catalisador e estruturador de
influências culturais se encontra já atestado (Basílio, 2016). Urge, para o caso da Ota e de outros
sítios fortificados na região, compreender as suas sequências temporais e construtivas, sendo que
muitas das questões pendentes e levantadas com o presente trabalho seriam prontamente
respondidas com a combinação dos dados de uma área que, mesmo com uma diversidade local
muito grande, partilha influências estruturantes e organizativas mais amplas.
116
7. APONTAMENTOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A apresentação de conclusões depende, essencialmente, do acumular de experiências,
vivências, visões e opiniões do autor, sendo que, ao longo do trabalho, também essa componente
humana tem um forte papel influenciador. Ainda assim, é necessário um processo de resumo e
apresentação das principais ideias explanadas no texto, facilitando o acesso às novas informações
trazidas por este trabalho.
Uma das primeiras componentes a ser tida em conta é, essencialmente, a reflexão feita
em torno do posicionamento teórico do autor, bem como a verdadeira motivação, e agenda, por
detrás do desenvolvimento desta dissertação. As motivações da investigação que discorrem deste
trabalho estão, intrinsecamente, ligadas ao “Eu”, enquanto Ser Humano, de onde emerge uma
espécie de força interna que regula e sustenta todas as acções mais importantes. Contudo, é
importante entender que a motivação é uma experiência interna que não pode ser estudada
directamente. Ainda assim, no exercício apontado – Capítulo 3 (3.1), posicionamento teórico –
foi possível apreender a resposta à pergunta: “Porque é que se fez?”, uma introspeção que ajuda
a entender as influências da activação, força e direção dos comportamentos tidos, desde o
momento inicial desta dissertação (orientação e plano de estudos), até a este momento conclusivo
- uma etapa fundamental deste processo.
Neste conjunto de factores mentais incluem-se, necessariamente, o posicionamento
contextual do autor, numa comunidade, a Ota, estreitamente relacionada com a paisagem onde se
insere, e vinculada com a sua herança cultural. O objecto de estudo desta dissertação – as
comunidades neolíticas e calcolíticas – também se constituem parte dos factores a ter em conta,
na medida em que o começo do estudo e a compreensão da Ota podia, também, ter sido em sentido
cronológico descendente, e não ascendente, na sua larga diacronia, tendo sido a escolha da
temática e técnica de abordagem à Ota, nada arbitrária. No entanto, a avaliação desta escolha é
inconclusiva, e o exercício do seu entendimento terá de ser reforçado com um aumento qualitativo
no estudo, não sendo suficiente, uma resposta relacionada com o gosto ou desafio, mas sim uma
resposta que tenha em conta um entendimento da relação entre este período cronológico e o autor.
Posto isto, o ponto de partida para a escolha, o plano e a orientação da dissertação, teve
como ponto central a Ota, de onde se erguem as perguntas máximas e orientadoras – “O que é a
Ota no 4º e 3º Milénio a.n.e.?”, “Quais seriam as realidades, práticas e vivências desta
comunidade?” e “Como alcançar o “génio”, o pensamento, no fundo, a realidade destas
comunidades, através da materialidade que chegou até aos dias de hoje?”. Esta dissertação
afigura-se, assim, como, simbolicamente, a primeira pedra de um processo continuo em torno da
Ota.
117
No seguimento destes objectivos, surge então a necessidade de nos inserirmos/criarmos
um modelo teórico interpretativo, que nos permita pensar e compreender as sociedades do final
do 4º milénio e do 3º milénio a.n.e., tendo em conta o principal objectivo expresso, a inserção e
compreensão do sitio da Ota numa realidade maior. Este foi, sem dúvida, um verdadeiro desafio,
em muito devido à situação “científica” da Estremadura Portuguesa, onde, apesar da diversidade
e abundância de estudos e revisões, a falta de visões gerais e abordagens contemporâneas
dificulta, em muito, o exercício de sistematização regional. A polaridade e centralização de
estudos mais recentes – Leceia, Zambujal e Penedo do Lexim - dificulta igualmente a tarefa,
secundarizando-se sítios de menores dimensões, não se abrangendo nem reconhecendo
especificidades locais, o que não permite a compreensão efectiva do espaço, enquanto uma
realidade una e indissociável. Reconhecemos que estudos monográficos dos sítios levam o seu
tempo, em especial na maturação das ideias e das interpretações, ainda assim seria útil a existência
destas monografias, tendo em conta que, em muitos destes sítios arqueológicos, a história das
suas investigações pode remontar ao século XIX ou XX – como o caso do sítio da Ota.
Ainda que o âmbito deste trabalho não permita uma grande extensão a nível de páginas é
importante sublinhar que o sítio da Ota permitiu ler um conjunto de realidades outrora
desconhecidas para este sítio, que permitiram chegar perto do Homem (leia-se aqui comunidade)
do tempo aqui em estudo.
A nível arquitectónico e espacial, ainda que não tenham sido realizados trabalhos de
escavação, foi possível identificar um conjunto de realidades que, independentemente do âmbito
temporal, se apresentam como complexas, a nível de desenvolvimento e posicionamento no
espaço. A implantação do sítio da Ota, numa elevação com destaque natural, mas, em simultâneo,
uma extrema protecção fornecida pela formação geológica do Canhão Cársico, atribui-lhe um
conjunto de características semelhantes a outros locais, ainda que o diferencie, em simultâneo,
gerando, necessariamente, particularidades. A presença de uma estrutura de tipo muralha, à qual
podemos associar uma possível torre é também uma das realidades que agrupa o sítio da Ota a
sítio congéneres – Zambujal, Leceia, Vila Nova de São Pedro, Penedo do Lexim, Pedra de Ouro
- nos quais estruturas semelhantes assumem o papel de defensivas, tendo em conta a sua
localização e implantação. Ainda assim parece-nos arriscado assumir, claramente, um papel
exclusivamente residencial para a Ota, pela inexistência de contextos, claramente, habitacionais,
dentro do recinto amuralhado, não podendo ser excluídas outras realidades funcionais – a falta de
informações cronológicas vai originar bases frágeis a nível empírico para estas conclusões,
contudo é necessário não assumir nenhuma realidade de forma taxativa, sendo que informamos e
frisamos estas fragilidades. Se adicionarmos algumas das informações materiais analisadas, a
ideia de uma ocupação habitacional parece mais sustentada, ainda que tenham sido identificados
ritmos e tendências específicas – indicando a presença de contactos com outras regionais
118
nacionais, mas evidenciando uma certa independência a nível de matérias primas. Uma das
principais realidades que nos leva a ter um discurso mais cuidadoso prende-se com a existência
de espólio tipicamente funerário, como o caso do zoomórfico, em âmbito de “povoado”, bem
como a presença de uma estrutura negativa, não adoçada à muralha, implantando-se no interior
do recinto murado, sugerindo a sua utilização enquanto possível estrutura funerária – novamente
as questões cronológicas não permitem compreender se esta realidade representa uma
reconversão do significado social do sítio e uma “refuncionalização” do espaço posterior, ou se
os ritmos e praticas seriam diferenciadas na Ota, em especial no decorrer do 3º milénio a.n.e.
A existência de especificidades locais/regionais é uma questão já atestada quando
aumentamos a nossa escala de análise, opondo a região da Estremadura Portuguesa e o Sul
Peninsular – enquanto que o povoamento da Estremadura não permite discernir redes de relações
regionais, polos centrais catalisadores e sítios mais reduzidos especializados, no Sul da Península
Ibérica estas realidades e a complexidade inerente encontra-se matizada e reconhecida de forma
transversal, com a presença de grandes sítios de fossos funcionando enquanto agregadores. A
presença de fossos na Estremadura, até há pouco desconhecida, aponta para uma complexidade
arquitectónica maior na Estremadura, tendo sido já identificado um possível troço em Leceia, no
sítio da Travessa das Dores, em Santa Sofia (Pimenta et al, 2013, p.182) e em Gonçalvinhos
(Sousa, 2010) e, ainda que não se encontre totalmente confirmado, Vila Nova de São Pedro, o
que vem chamar a atenção para a métodos de intervenção mais finos – para a Ota não foi, até ao
momento, identificado nenhum troço de fosso, o que pode reflectir um desconhecimento deste
tipo de realidades arquitectónicas ou de uma realidade arquitectónica pouco viável face ao
substracto geológico .
Ainda que exista a possibilidade de um povoamento organizado em rede, a nível material,
onde incluímos também elementos menos representados ou de “excepção”, parece existir uma
certa homogeneidade, com pequenas variações internas, que permitem enquadrar e comparar
todos os sítios semelhantes, indicando que as diferenças existentes não são muito expressivas,
tendo de ser procuradas noutros âmbitos.
A questão crono-estratigráfica é, como já mencionado, um dos principais problemas da
Ota e, essencialmente, de muitos dos sítios estremenhos, impossibilitando comparações e
confrontações, sendo um dos principais pontos a ser trabalhado em investigações futuras – ainda
que existam 87 datas disponíveis para sítios fortificados estremenhos (Sousa, 2010, p. 661) estas
apresentam-se claramente insuficientes para compreender as dinâmicas e ritmos internos dos
sítios, e da região. Para o caso da Ota, as cronologias avançadas baseiam-se numa abordagem
materialista sustentada por comparações e correspondências, sendo minimamente fundamentadas.
119
A existência de dados cronológicos e de faseamento irão, essencialmente, responder a
questões específicas do sítio em estudo, do mesmo modo que contribuiriam para entender o
“fenómeno” dos sítios fortificados na Estremadura – a presença de uma ocupação posterior, o
âmbito temporal em que foram construídas as muralhas, relacionando a cronologia com as
possíveis necessidades existentes, do mesmo modo que permitiriam entender a dinâmicas finais
dos sítios, e o processo de desapego das comunidades com o espaço.
A presença de uma fase do Neolítico final (finais do 4ºmilénio a.n.e.) encontra-se
explanada na identificação de três pontas de seta de base triangular, dois fragmentos de bordos
denteados, bem como da presença do zoomórfico já referenciado anteriormente, que, mesmo
sendo reduzidos e pouco expressivos, parecem apontar uma presença enquadrável no Neolítico
final/Calcolítico inicial, ficando por esclarecer o tipo de ocupação e a intensidade da presença –
estas ocupações estão pouco visíveis, à superfície, podendo representar uma inexistência ou,
ainda, uma invisibilidade perante a ampla visibilidade e expressividade Calcolítica e Romana.
Asseguradas encontram-se as ocupações do Calcolítico pleno e final, mesmo que o seu cariz e
duração não se encontre totalmente compreendido. Esta reduzida expressão, e clareza, de uma
ocupação Neolítica na Ota foi já identificada para outros locais, entre os quais o Penedo do Lexim
que, mesmo com intensas escavações e estudos, ainda não possibilitou a clarificação quanto às
suas cronologias mais recuadas.
O surgimento e presença das estruturas defensivas assume-se, de forma genérica, para
sítios como Penha Verde, Rotura, Leceia, Penedo do Lexim, Pragança, entre outros, por volta de
2890-2800 a.n.e. (Sousa, 2010, p. 662), sendo de destacar que no sítio de Pragança aparenta
igualmente existir uma ocupação prévia, necessitando, este sítio arqueológico, de clarificação
sobre a sua tipologia de ocupação. No caso específico da Ota a estrutura apresenta uma similitude
construtiva com as existentes nos sítios supracitadas, referindo-se que, com a identificação de
estruturas circulares, de tipo cabana, em áreas externas ao perímetro muralhado, a
correspondência cronológica se apresente mais difícil – voltamos a sublinhar que, segundo os
trabalhos de Hipólito Cabaço, se pode aceitar a existência de uma segunda linha de muralha, não
identificada nos trabalhos de prospecção, que pode conter estas estruturas.
A existência de uma fase de abrandamento da ocupação, possivelmente associada à
presença de cerâmicas Campaniformes e metais é também difícil de identificar, em especial pela
invisibilidade de uma presença do Bronze inicial, que se encontraria expresso em fragmentos
lisos, bastante reduzidos no conjunto em estudo – a presença de reduzidos fragmentos
Campaniformes indica um desigual acesso a estas cerâmicas/preceitos, contraposto pela ampla
presença de machados de Cobre/Cobre Arsenical, o que, caso as cronologias destes materiais
sejam confirmadas, podia indicar uma acesso privilegiado e diferenciado da Ota a matérias
120
primas/materiais já transformados. Estes locais poderiam ter vários impactos nas comunidades
posteriores, podendo reocupa-los, ou manter a sua ocupação, como sítios de habitação, revisita-
los num óptica de legitimação da ocupação da paisagem ou, ainda, como sítio funerário, nunca
com uma expressão intensiva, mas como sítios de aproximação, contacto e apropriação dos
antepassados. Para a Ota, com os dados existentes, é-nos difícil avançar com uma hipótese
taxativa, sendo necessários estudos mais profundos sobre as realidades “seguintes” a nível
cronológico.
Sem dúvida que a componente material da Ota foi a principal fonte de informações, em
especial permitindo conhecer marcas, gestos, tendências e identidades por trás do conjunto
artefactual que, em alguns casos, permitiu a inserção em quadros identitários mais amplos. A
leitura geral do conjunto, como uma realidade única, permite aceder a pormenores, em relação ao
sítio, únicos, inacessíveis com análises exclusivas das componentes materiais isoladas. Foram
amplamente utilizados os “Fósseis-directores” como indicadores de cronologia e de contactos,
necessariamente directos, originando uma uniformidade estilística muito acentuada,
essencialmente no Calcolítico Pleno, um dos melhores representados no sítio da Ota.
A cerâmica decorada é ainda hoje tratada como indicador cronológico, mesmo que se
assuma a permeabilidade de camadas e a coexistência de vários estilos e técnicas como, por
exemplo, se regista no Zambujal. Como não conseguimos aceder a informações contextuais
seguimos igualmente estes pressupostos, ainda que as leituras realizadas sejam totalmente
influenciadas por um domínio e presença esmagadora de cerâmica decorada – estas realidades
foram aqui tratadas mais na óptica explicativa, tentando-se encontrar explicações e significados
para estes motivos, estando estes, certamente, relacionados com componentes do mundo real
importantes e expressivos para as comunidades em estudo, assumindo-se uma forte
representatividade, ainda que esquemática, de motivos relacionados com práticas agrícolas.
Salientamos também que os motivos e formas estremenhos aparentam e resultam,
necessariamente, de um processo cumulativo, em muito fomentados por contactos, não existindo
quebras de população ou pensamento, sendo sim verificada uma absorção de outras influências
em realidades diárias – não conseguimos compreender totalmente a evolução cronológica dos
motivos e subgrupos da cerâmica com decoração Folha de Acácia, contudo esse não foi o
objectivo com que começamos o nosso trabalho, chegando a ser redutor pensar estas realidades
sem ter em conta o Homem e as realidades humanas, a sua variabilidade e vontade totalmente
expressas na produção e decoração cerâmica.
A cerâmica Campaniforme, muito reduzida na Ota, representa igualmente uma realidade
tendencialmente analisada através do seu “pacote”, sem se tentar compreender e atestar o papel
social nos grupos humanos, bem como a sua variabilidade totalmente regional/local, sugerindo
121
uma fragmentação de uma relativa unidade anterior, existindo agora diferentes correspondências
socias/culturais. O Campaniforme identificado na Ota não permite conclusões relativamente a
estas questões, tendo a sua análise passado pela inserção numa rede maior, na qual a Ota se pode
inserir – a presença de Campaniforme na área é bastante numerosa, quer seja na Serra do
Montejunto, bastante próximo do sitio da Ota, bem como em sítios como Pedra de Ouro e Porta
da Conceição, a aproximadamente 11km da Ota, onde este motivo decorativo e formal está
bastante bem representado.
Compreender um sítio arqueológico de forma isolada é um exercício necessário para
compreender as dinâmicas internas do seu contexto, contudo é necessário compreende-lo num
espaço mais alargado, tendo em conta que as comunidades apresentavam grandes graus de
mobilidade e contactos, expressos nas afinidades construtivas, tipológicas, decorativas e
organizativas. A Ota foi lida, essencialmente, tendo em conta as áreas estabelecidas pela bacia
hidrográfica, os únicos afluentes do Tejo no Concelho de Alenquer, do Rio de Ota, Grande da
Pipa e Alenquer, sendo esta uma região relativamente homogénea a nível geográfico, geológico
e Humano – os dados existentes permitem compreender que a Ota partilha algumas características
com os sítios presentes na região, ainda que estes se encontrem relativamente desconhecidos, com
poucas referências publicadas, à excepção do sítio da Pedra de Ouro, onde foi também possível
identificar uma estrutura negativa de dimensões semelhantes à existente na Ota, para lá das
semelhanças a nível material e de implantação espacial. Quando comparada com a região
podemos identificar uma realidade que se encontra mais destacada na Ota, a presença de grandes
quantidades de peças em metal, podendo ainda referir-se que foi identificada toda a cadeira
operatória do trabalho do sílex – estas presenças podem indiciar uma possível especialização do
sítio da Ota, ainda que esta hipótese não nos pareça corresponder às reais dinâmicas do sítio,
sendo sim um resultado de disponibilidades locais, no caso do sílex.
O estudo desta área geográfica é então uma ferramenta que permite compreender a
expressão cronológica a nível espacial, tendo mais visibilidade os sítios Calcolítico em altura,
existindo, genericamente, uma invisibilidade de manifestações Neolíticas na zona, o que pode
indicar uma continuidade de ocupação entre o Neolítico/Calcolítico, bem como uma necessidade
de investigação latente. Ainda assim, com poucos dados empíricos sustentáveis, parece-nos mais
cuidadoso indicar uma possível continuidade, ainda que os indícios sejam relativamente fracos,
do que assumir directamente processos de ruptura, mais difíceis de assimilar e expressar a nível
cultural e social, que necessitariam de agentes externos (como “colonos”). Esta invisibilidade e
concentração dos/nos sítios em altura parece indicar uma construção e organização social de
maiores dimensões, reflectindo um possível aumento populacional calcolítico ou, no nosso
entender, o resultado de um processo adaptativo voluntário, mais útil e funcional, para todos os
indivíduos da comunidade – o sítio da Ota, dentro do recinto muralhado, apresenta um total de
122
6653m2 de área, enquanto que, se tivermos em conta a área das estruturas, a sua área duplica,
podendo conter e agregar o dobro dos indivíduos, apresentando uma grande capacidade
polarizadora.
As dinâmicas sociais calcolíticas, na Estremadura Portuguesa, começam assim a
apresentar-se mais complexas do que pensado até ao momento, em diferente escala do que o que
existiria no Sul peninsular, sendo um reflexo de uma menor desarticulação e afastamento dos
grupos humanos que, para se manterem relativamente “unidos” com características semelhantes,
necessitariam claramente de processos de gestão semelhantes aos realizados a Sul, onde não
existiria marcadamente um poder pré-definido hereditário, mas possivelmente um
poder/hierarquia temporária e dissolúvel, inerente e necessária a uma organização grupal humana.
Estas diferenças sociais são igualmente expressas nos dados materiais e culturais que, na
própria Estremadura, deixam extravasar influências regionais relacionadas com o posicionamento
no terreno, dos sítios – uma maior proximidade com o Tejo e as suas influências a Sul/Sudeste do
Montejunto, contrapondo as influências e tendências oceânicas a Norte/Noroeste que, numa
leitura mais ampla se esbatem, enfatizando a oposição entre a realidade estremenha, o Norte e Sul
do país. É certo que a existência de vincados contrastes sociais/culturais, em associação à
produção agrícola e à presença e estabelecimento de rotas de trocas e de contactos gera,
possivelmente, tensões intergrupais que se encontram expressas, para muitos autores, na
existência de uma fortificação, de material “bélico” (ponta de seta e metais) – certo é que, até ao
momento, as evidências não são totalmente sólidas sendo necessário criar visões alternativas para
estes recintos murados que podem reflectir a separação de espaços, criando a noção intramuros e
extramuros, bem como servir como delimitadores e condicionadores da maneira como o Homem
circula e, por consequência vê a paisagem, sendo que não excluímos a sua funcionalidade
enquanto muralha, tentando somente dar novas visões e hipóteses para este fenómeno.
O futuro para o sítio da Ota passa, essencialmente, pelo planeamento e realização de um
conjunto de intervenções estratégicas, que tenham como objectivo clarificar um conjunto de
questões levantadas com o presente trabalho. Em primeira instância será necessário compreender
as dinâmicas, cronologias e ritmos do conjunto de estruturas identificadas no âmbito dos trabalhos
de prospecção: a estrutura 3 terá de ser alvo de um intenso processo de limpeza, tendo em vista
compreender o tipo de arquitectura e técnica construtiva, bem como tentar identificar possíveis
vestígios materiais ainda in situ, que nos permitiriam conhecer o tipo de utilização e cronologia
desta estrutura. Nesta mesma linha poderíamos inserir uma possível intervenção numa das
estruturas circulares, possivelmente a nº 5 (?) que, pela sua dimensão e pela presença de cerâmica
de construção, apresenta mais potencial – também nesta estrutura o objectivo se prenderia com a
identificação da sua funcionalidade e cronologia, permitindo compreender não só a estrutura em
123
questão, como possivelmente responder à funcionalidade das restantes estruturas. A clarificação
da cronologia de construção da estrutura de tipo muralha, através de uma sondagem, em zona
afectada por uma abertura de um “guarda-fogo”, de dimensão reduzida, tendo como objectivo a
obtenção de um perfil estratigráfico e construtivo desta estrutura, que permitira agrupar, ou
separar, a Ota do grupo dos sítios fortificados Calcolíticos – a par desta intervenção seria realizado
um levantamento fotogramétrico da estrutura, permitindo um posicionamento territorial exacto e
preciso. A par destas intervenções será necessário proceder a uma limpeza geral do topo da
elevação onde se implanta o sítio da Ota, tendo em vista a facilitação de leituras de possíveis
estruturas e solos antrópicos, invisíveis com a densidade do coberto vegetal. Esta última
intervenção permitiria também entender, através de uma sondagem, a crono-estratigrafia da Ota,
no local, aparentemente, com a maior dinâmica humana, além de que, segundo a publicação de
1956 de Ernani Barbosa, o local fotografado presente na publicação, seria o local das únicas
sondagens de Hipólito Cabaço. Contudo, como podemos aferir com alguma certeza, a estrutura 3
também deverá ter sido alvo de uma incursão intensa.
A divulgação e participação da comunidade fará sempre parte de todos os projectos
pensados para Ota, encontrando-se já submetida, ao Orçamento participativo de Alenquer, uma
outra ideia de valorização e divulgação do Património arqueológico e arquitectónico, com uma
fonte de financiamento alternativa, mas que, em simultâneo, espelha o empenhamento e interesse
da população na valorização e divulgação do seu património. Uma proposta que segue os modelos
de community archaeology, de Yvonne Marshall (2002), distinguindo-se, no âmbito da disciplina,
enquanto um conjunto de práticas, pela gestão partilhada do poder decisório, e dos processos dos
projectos arqueológicos, com a sociedade civil. A realização de conferências, palestras e
actividades que envolvam a população, numa óptica de Arqueologia Participada, a par de um
processo de divulgação científica, tendo em vista uma possível publicação monográfica do sítio
da Ota.
A Ota deverá ser, nos próximos anos, insistimos nós, o local ideal do florescimento de
uma realidade em que o “conhecimento” deverá assumir uma forma, e uma postura, mais activa
no quotidiano desta comunidade, devendo ambos formar parte de uma espécie de organismo vivo,
cuja produção deverá, necessariamente, orientar-se para o colectivo. Este deverá ser o desígnio
social relevante da Arqueologia na Ota.
Em suma, a Ota apresentou-se mais complexa do que inicialmente esperado, permitindo
ler um conjunto de informações sociais, culturais e de implantação que nos permitem enquadrá-
la e associa-la aos restantes sítios fortificados, sem perder uma identidade própria, cultivada pelas
populações que por ali passaram/habitavam, nos finais do 4º milénio/ inicio do 3º milénio a.n.e.
Ainda assim deixamos, como nota final, a necessidade de estudos e revisões de colecções e sítios
124
com pressupostos teórico-metodológicos contemporâneos, tendo em vista uma valorização do
agente social, em paralelo com uma análise da componente material e espacial.
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Índice Volume II
Introdução ............................................................................................................................. 6
Parte 1 – Cartografia ......................................................................................................... 7
Mapa 1- Localização do sítio e da área do projecto ......................................................... 8
Mapa 2 – Localização do sítio da Ota .................................................................................. 8
Mapa 3 – Distribuição da área do projecto ........................................................................ 9
Mapa 4 – Sítios nas bacias dos rios Ota, Alenquer e Grande da Pipa ........................... 10
Mapa 5 – Carta de ocupação do Solo ............................................................................... 10
Mapa 6 – Carta geomorfológica ........................................................................................ 11
Mapa 7 – Áreas e sítios arqueológicos identificados nos trabalhos de prospecção ... 11
Mapa 8 – Ocorrências arqueológicas identificadas ......................................................... 12
Mapa 9 – Ocorrências arqueológicas inventariadas ....................................................... 12
Imagem 1 – Planta do sítio ................................................................................................. 13
Imagem 2 – Planta das estruturas na cartografia do sítio ............................................. 13
Imagem 3 – Modelação 3D do território ........................................................................... 14
Imagem 4 – Perfil altimétrico 3D ........................................................................................ 15
Imagem 5 – Mapa de visibilidade ....................................................................................... 16
Parte 2 – Imagens e fotografias de campo ............................................................ 17
Fotografia 1 – Vista de Este para Oeste; .............................................................................. 18
Fotografia 2 – Vista de Oeste para Este (vertente Oeste) 1; ............................................. 18
Fotografia 3 – Vista de Oeste para Este (vertente Oeste) 2; ............................................. 19
Fotografia 4 – Fotografia de Ernâni Barbosa 1; ................................................................... 19
Fotografia 5 - Fotografia de Ernâni Barbosa 2; .................................................................... 20
Fotografia 6 - Estrutura 1; ...................................................................................................... 20
Fotografia 7 - Estrutura 1; ...................................................................................................... 21
Fotografia 8 - Estrutura 2; ...................................................................................................... 21
Fotografia 9 - Estrutura 3; ...................................................................................................... 22
Fotografia 10 - Estrutura 3; .................................................................................................... 22
Fotografia 11 - Estrutura 3; .................................................................................................... 23
Fotografia 12 - Estrutura 3; .................................................................................................... 23
141
Fotografia 13 - Estrutura 4; .................................................................................................... 24
Fotografia 14 - Estrutura 5; .................................................................................................... 24
Fotografia 15 - Estrutura 5; .................................................................................................... 25
Fotografia 16 - Estrutura 7; .................................................................................................... 25
Fotografia 17 - Estrutura 8; .................................................................................................... 26
Fotografia 18 – Machado in situ; ........................................................................................... 26
Fotografia 19 - Gruta do Texugo; .......................................................................................... 27
Fotografia 20 – Gruta do Texugo; .......................................................................................... 27
Fotografia 21 - Prospecção na Margem Esquerda do Canhão Cársico; ........................... 28
Fotografia 22 - Gravura filiforme. ........................................................................................... 28
Parte 3 – Desenhos de Campo ..................................................................................... 29
Desenho 1 - Planta da estrutura 3 ..................................................................................... 30
Desenho 2 – Perfil da estrutura 3 ..................................................................................... 31
Desenho 3 - Perfil da estrutura 1 (muralha) .................................................................... 32
Desenho 4 – Alçado da estrutura 1 (muralha) ................................................................ 33
Parte 4 – Estampas .......................................................................................................... 34
Pedra Lascada ..........................................................................................................................
Estampa 1 - Núcleos ....................................................................................................... 35
Estampa 2 – Lascas retocadas ....................................................................................... 36
Estampa 3 – Produtos alongados (completos) ........................................................... 37
Estampa 3.1 – Produtos alongados (fragmentos) .................................................. 38
Estampa 4 - Foliáceos ..................................................................................................... 39
Estampa 5 – Pontas de seta ........................................................................................... 40
Pedra Polida .............................................................................................................................
Estampa 6 – Pedra Polida ............................................................................................... 41
Estampa 6.1 – Pedra Polida ....................................................................................... 42
Estampa 6.2 – Pedra Polida ....................................................................................... 43
Estampa 6.3 – Pedra Polida ....................................................................................... 44
Pedra Afeiçoada ......................................................................................................................
Estampa 7 – Pedra Afeiçoada (moventes) ................................................................... 45
Estampa 7.1 – Pedra Afeiçoada (polidor) ................................................................ 46
Estampa 7.2 – Pedra Afeiçoada (esferoides) .......................................................... 47
142
Cerâmica ...................................................................................................................................
Estampa 8 – Recipiente cerâmico (copo) ................................................................ 48
Estampa 8.1 – Recipientes cerâmicos (Bordos denteados) .................................. 49
Estampa 8.2 – Recipientes cerâmicos (taças caneladas) ...................................... 50
Estampa 8.3 – Recipientes cerâmicos (Folha de Acácia) ....................................... 51
Estampa 8.4 – Recipientes cerâmicos (Folha de Acácia) ....................................... 52
Estampa 8.5 – Fragmentos cerâmico (Folha de Acácia) ........................................ 53
Estampa 8.6 – Fragmentos cerâmicos (Folha de Acácia) ...................................... 54
Estampa 8.7 – Fragmentos cerâmicos (Folha de Acácia) ...................................... 55
Estampa 8.8 – Fragmentos cerâmicos (Folha de Acácia) ...................................... 56
Estampa 8.9 – Recipientes cerâmicos (Geométricos) ........................................... 57
Estampa 8.10 – Fragmentos cerâmicos (Geométricos e decoração interna) .... 58
Estampa 8.11 – Recipientes cerâmicos (Campaniforme) ...................................... 59
Estampa 8.12 – Recipientes cerâmicos lisos da Estrutura 3 .................................. 60
Estampa 8.13 – Elementos de tear simples ............................................................. 61
Estampa 8.14 – Elementos de tear decorados ........................................................ 62
Artefactos Osso polido ...........................................................................................................
Estampa 9 – Brunidores, espátulas, alfinetes, furador e “caixa” ......................... 63
Estampa 9.1 – Dupla funcionalidade; agulhas ou sovelas ..................................... 64
Estampa 9.2 – Representação zoomórfica ............................................................... 65
Artefactos metálicos ...............................................................................................................
Estampa 10 – Artefactos metálicos (Machados planos e ponta de seta) ............ 66
Parte 5 – Critérios descritivos ...................................................................................... 67
Pedra Lascada ...................................................................................................................... 68
Pedra Polida ......................................................................................................................... 71
Pedra Afeiçoada .................................................................................................................. 72
Cerâmica ............................................................................................................................... 72
Artefactos Osso Polido ....................................................................................................... 74
Artefactos metálicos ........................................................................................................... 74
Parte 6 – Tabela decorativa .......................................................................................... 75
Tabela 1 - Grupo 2 (Taças caneladas); Grupo 3 (Folha de Acácia) ....................... 76
Tabela 2 - Grupo 3 (Folha de Acácia); Grupo 4 (Motivos geométricos) .............. 77
Tabela 3 – Grupo 5 (Cerâmica Campaniforme) ...................................................... 78
Parte 7 – Dados adicionais ............................................................................................ 79
Pedra Lascada
Núcleos
Gráfico 1 – Produtos extraídos; ................................................................................ 80
143
Gráfico 2 – Grau de utilização; .................................................................................. 80
Gráfico 3 – Alterações térmicas; .............................................................................. 81
Gráfico 4 – Planos de debitagem; ............................................................................. 81
Lascas ............................................................................................................................ 81
Quadro 1 – Descrição geral do conjunto; ................................................................ 81
Lâminas e Lamelas
Quadro 2 – Estado de conservação; ........................................................................ 82
Quadro 3 – Matéria-prima; ....................................................................................... 82
Quadro 4 – Presença de retoque; ............................................................................ 82
Quadro 5 – Forma dos bordos; ................................................................................. 82
Quadro 6 – Alterações térmicas; .............................................................................. 82
Quadro 7 – Marcas de uso; ....................................................................................... 83
Foliáceos – Lâminas ovóides ...................................................................................... 83
Quadro 8 – Estado de conservação; ........................................................................ 83
Quadro 9 – Secção; ..................................................................................................... 83
Quadro 10 – Suporte; ................................................................................................. 83
Quadro 11 – Fractura; ................................................................................................ 83
Quadro 12 – Alterações térmicas; ............................................................................ 84
Quadro 13 – Marcas de uso; ..................................................................................... 84
Pontas de seta
Quadro 14 – Estado de conservação; ...................................................................... 84
Quadro 15 – Formato da base; ................................................................................. 84
Quadro 16 – Geometria dos bordos; ....................................................................... 84
Quadro 17 – Secção; .................................................................................................. 85
Quadro 18 – Localização do retoque; ...................................................................... 85
Quadro 19 – Extensão do retoque; .......................................................................... 85
Quadro 20 – Fractura; ................................................................................................ 85
Quadro 21 – Aletas; .................................................................................................... 85
Quadro 22 – Estado de produção; ........................................................................... 86
Quadro 23 – Matéria prima; ..................................................................................... 86
Restos de talhe
Quadro 24 – Matéria prima; ..................................................................................... 86
Quadro 25 – Córtex; ................................................................................................... 86
Quadro 26 – Alterações térmicas; ............................................................................ 86
Cerâmica
Quadro 27 – Tipo fragmento; ................................................................................... 86
Quadro 28 – Técnicas decorativas; .......................................................................... 87
Quadro 29 – Espessamento dos bordos; ................................................................. 87
Quadro 30 – Forma dos bordos; ............................................................................... 87
Quadro 31 – Direcção dos bordos; ........................................................................... 87
Quadro 32 – Forma dos recipientes; ....................................................................... 87
Quadro 33 – Morfologia dos recipientes; ............................................................... 88
Gráfico 5 – Relação bordo e motivo decorativo. .................................................... 88
144
Parte 8 – Fichas de sítio .................................................................................................. 89
Ficha 1- Atouguia das Cabras ..................................................................................... 90
Ficha 2- Bairro ............................................................................................................. 90
Ficha 3- Castro de Ota ................................................................................................ 90
Ficha 4- Mata de Ota .................................................................................................. 90
Ficha 5- Grutas na Atouguia ....................................................................................... 91
Ficha 6- Grutas na Ota ................................................................................................ 91
Ficha 7- Outeiro do Seio I ........................................................................................... 91
Ficha 8- Outeiro do Seio II .......................................................................................... 92
Ficha 9- Caminho do Outeiro do Seio ....................................................................... 92
Ficha 10- Via secundária Romana do Cabeço do Pardal ........................................ 92
Ficha 11- Terraço Paleolítico na margem esquerda do Canhão Cársico .............. 93
Ficha 1a- Ota ................................................................................................................ 94
Ficha 2a- Alto do Pedregal .......................................................................................... 94
Ficha 3a- Alenquer -Porta da Conceição .................................................................. 94
Ficha 4a- Refugidos ..................................................................................................... 94
Ficha 5a- Castro das Curvaceiras/Amaral ................................................................. 95
Ficha 6a- Pedra de Ouro ............................................................................................. 95
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