NÚCLEO ESTADUAL DE JOVENS E ADULTOS-
CULTURA POPULAR CONSTRUINDO UM NOVO MUNDO
APOSTILA DE LITERATURA – ENSINO MÉDIO
PROFESSORA: ELAINE MARIA EITELWEIN
MÓDULO 9
PRÉ-MODERNISMO (1902-1920)
CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL
Durante a chamada ―Republica Velha ( 1889-11930), as oligarquias rurais de
São Paulo e de Minas Gerais dominavam os cenários políticos e econômicos do país,
num esquema conhecido como a política do café-com-leite. Apesar do seu domínio,
essas oligarquias rurais caminhavam em descomposto comas grandes transformações
pelas quais passava a sociedade brasileira. Transformações essas que eram resultados do
acentuado processo de urbanização, da vinda de grandes contingentes de imigrantes e
do deslocamento ou da marginalização dos antigos escravos.
Nas duas primeiras décadas deste século ocorreram varias agitações sociais:
Revolta da Vacina, em 1904; a revolta da chibata, em 1910; os primeiros grandes
movimentos grevistas em são Paulo em 1917. Neste quadro de graves desequilíbrios
sociais, os escritores passaram a expor uma visão critica dos problemas brasileiros,
embora não tenham constituído um movimento literário especifico.
Principais autores do pré-modernismo
Euclides da Cunha: em sua obra mais importante, o sertão, expõe os problemas
do homem do sertão e a existência de vários brasis ainda não descobertos.
Graça Aranha: em Canaã, exprime sua visão pessimista do homem brasileiro,
abordando os problemas dos imigrantes europeus, especialmente dos alemães.
Lima Barreto: sua obra trata de temas como: a cidade do Rio de janeiro, e seus
operários, o mulato, os moradores do subúrbio, e das favelas, todos visto sob uma óptica
social, carregados de amarga critica, mas com uma tendência humorística.
Seu enredo é simples, o registro, porém, das sensações e reflexão de suas
personagens é profundo, levando-as muitas vezes a tirar conclusõesora satisfatórias, ora
revoltadas, ora pessimistas, como acontece, em recordações do escrivão Isaias Caminha
ou em triste fim de Policarpo Quaresma. Este romance aborda o sonho de um
patriota, exaltado ao mesmo tempo em que apresenta uma sátira impiedosa e bem-
humorada oficial.
Na obra Numa e Ninfa faz uma analise satírica da vida política, enquanto Clara
dos Anjos aborda o preconceito racial.
Monteiro Lobato: preocupado com o progresso do Brasil, faz reflexão sobre os
problemas brasileiros, como a saúde, a instrução, a situação do caboclo, etc. Escreveu
dentre muitas obras, cidades mortas Urupê, o escândalo do petróleo. Deixou-nos
também uma extensa obra infantil, de natureza moralista e nacionalista, cujosenredos se
passam no Sitio do Pica-pau Amarelo.
Outros autores de destaque desse período:
Raul De Leoni; Augusto Dos Anjos; Coelho Neto Afrânio Peixoto; João Simões
LopesNeto; Alcides Maia Afonso Arinos Valdomiro Silveira; Hugo De Carvalho
Ramos; Alberto;
EUCLIDES DA CUNHA: OS SERTÕES
Os Sertões têm como núcleo a campanha de Canudos, movida pelas forças da
República contra Antônio Conselheiro, fanático religioso, e seus seguidores, campanha
essa que veio a revelar as violências e erros cometidos pelo então recente governo
republicano.
A obra divide-se em três partes: a terra, o homem, a luta- e é nessa divisão que
o autor deixa claro suas idéias cientificas e filosóficas, tão estimuladas pelo
positivismo.
A terra- descrição minuciosa da Região Nordeste e de seus aspectos
geográficos, físicos e geológicos, como o relevo, o solo, o clima e a vegetação. Euclides
da Cunha registra aqui seu profundo conhecimento das Ciências Naturais.
O homem-estudo sofisticado dos tipos regionais brasileiros,frutos
damiscigenação entre brancos,índio e o negro que deu origem ao sertanejoeao jagunço.
Sua análise volta-se, sobretudo ao jagunço, que considera um produto fabricado pelo
meio em que vive: árido, seco, rústico, perigoso, cheio de misticismos e
superstições,com enfoque especial ao líder Antônio Conselheiro.
A luta-relato do conflito de Canudos, isto é,doscombates entre os jagunços e
asquatroexpedições do Exército. Ficam aqui desmascaradas a crueldade, a violência e a
desigualdade dessas duasforças e,conseqüentemente,a denunciado verdadeiro massacre
cometido pelos militares, que exterminaram Antônio Conselheiro e toda a sua
comunidade.
O cadáver do Conselheiro
Antes, no amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o
cadáver de Antônio Conselheiro.
Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação
de um prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um
lençol imundo, em que mãos piedosas haviadisparzido algumas flores murchas, e
repousando sobre uma esteira velha, de tábua, o corpo do "famigerado e bárbaro"
agitador. Estava hediondo. Envolto no velho hábito azul de brim americano, mãos
cruzadas ao peito, rosto tumefato, e esquálido, olhos fundos cheios de terra — mal o
reconheceram os que mais de perto o haviam tratado durante a vida.
Desenterraram-no cuidadosamente. Dádiva preciosa — único prêmio, únicos
despojosopimos de tal guerra! — , faziam-se mister os máximos resguardos para que
se não desarticulasse ou deformasse, reduzindo-se a uma massa angulhenta de tecidos
decompostos.
Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando a sua
identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava, afinal, extinto
aquele terribilíssimo antagonista.
Restituíram-no à cova. Pensaram, porém, depois, em guardar a sua cabeça tantas
vezes maldita — e, como fora mal-baratar o tempo exumando-o de novo, uma faca
jeitosamente brandida, naquela mesma atitude, cortou-lha; e a face horrenda, empastada
de escaras e de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores...
Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele
crânio. Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de
circunvoluções expressivas, as linhas essenciais do crime e da loucura...
Euclides da Cunha .Os Sertões. São Paulo:Círculo do Livro, 1975
MODERNISMONO BRASIL: 1922
O início do Modernismo no Brasil é assinalado pela Semana de Arte Moderna, em
São Paulo, em fevereiro de 1922. A Semana de 22,como também conhecida, foi o resultado
de uma série de eventos, que marcaram a vida cultural brasileira nas duas primeiras décadas
deste século. São eles:
1912: O retorno de Oswald de Andrade da Europa, imbuído do Futurismo do italiano
Marionetti. Futurismo é o movimento modernista que se baseia numa vida dinâmica, voltada
para o futuro, que combate o passado, as tradições, o sentimentalismo e que prega formas
novas e nítidas, numa linha positivista e materialista.
1913: A primeira exposição do lituano Lasar Segall no Brasil, com sua pintura
expressionista.
1915: A publicação em O Estado de São Paulo de dois artigos: ―Urupês‖ e ―Velha
praga‖, de Monteiro Lobato, em que ele condena o regionalismo sentimental e idealista.
1917: A Exposição de Anita Malfatti, em que ela apresenta o cubismo, desprezando a
perspectiva convencional e representando os objetos com formas geométricas. Monteiro
Lobato fez criticas virulentas a essa exposição, em seu artigo ―paranóia ou mistificação?‖, o
que levou artistas e intelectuais a se unirem em defesa da pintora. Esses artistas e intelectuais
são os mesmos que iriam organizar a Segunda semana de Arte Moderna em 1922.
1920: Apresentação da maquete do Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret.
1921: O retorno de Graça Aranha da Europa e a publicação de ―Estética da vida‖, em
que ele condena os padrões da época.
Todos esses fatos ocorriam, enquanto o país passava por um período histórico
conturbado, que resultaria no fim da República Velha (1889-1930). O ano de 1922 foi muito
especial nesse contexto. Justamente no centenário da Independência, em meio a crises no
cenário político e militar, intelectuais e artistas, influenciados pelas idéias da vanguarda
européia, organizaram, então, a Semana da Arte Moderna, com vários eventos: sessões,
conferências, manifestos, poemas, músicas, recitais, exposições de artes plásticas, quadros e
esculturas com a participação de: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Guilherme de
Almeida, Menotti Del Picchia, Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Guiomar Novais, Heitor
Villa-Lobos, Paulo Prado, etc. Iniciava-se o Modernismo no Brasil, renovando a
mentalidade nacional e colocando o país na atualidade do mundo.
Modernismo da 1ª fase: 1922-1930
É uma fase de definição de comportamentos e tendências, cheia de publicações de
revistas e manifestos. Também na política, o Brasil passa por momentos de transformações
(fim das oligarquias rurais e da política do ―café com leite‖), que vão culminar com a
Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas sobe ao poder.
É o período mais radical do Modernismo, caracterizado:
Pelo menosprezo e pela destruição de tudo o que havia sido feito anteriormente, isto
é, rompimento total com o passado;
Pelos ideais anárquicos;
Por um nacionalismo exagerado;
Pelo primitivismo, isto é, pela volta às origens.
Os principais autores da primeira fase são: Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Antônio de Alcântara Machado, Manuel Bandeira, Menotti Del Picchia, Guilherme de
Almeida, Cassiano Ricardo e Plínio Salgado.
Observe no poema Pronominais como Oswaldo de Andrade dá mais importância ao
linguajar coloquial (me dá um cigarro) do que à colocação exigida pela gramática (dê-me
um cigarro).
PRONOMINAIS
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas que bom negro e o bom
branco
Da nação brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Ma dá um cigarro
Oswaldo de Andrade, poesias reunidas.
Modernismo da 2ª fase: 1930-1945
Esta foi uma fase de construção, com idéias literárias inovadoras e de muita
produtividade – na prosa e na poesia. Politicamente, os acontecimentos eclodem, tanto fora
do país (depressão econômica, nazismo, Segunda Guerra Mundial) como aqui dentro
(ditadura de Getúlio Vargas e o Estado Novo).
Abrem essa fase: Mário de Andrade com a obra ―Macunaíma‖ e José Américo de
Almeida, com‖ A bagaceira‖.
As características dessa fase são:
Literatura construtiva e com consciência política, que não quer negar as
mudanças dessa época.
Reflexão e posterior amadurecimento das idéias da Semana de 22. A grande
maioria dos autores são os mesmos da primeira fase, além de:
Ficção regional: Érico Veríssimo, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do
Rego, Rachel de Queiroz;
Romance urbano e psicológico: Marques Rebelo, Lúcio Cardoso, Octávio de
Faria, José Geraldo Vieira, Cornélio Pena;
Poesia: Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Cecília Meireles,
Augusto Frederico Schmidt, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes, etc.
Leia, agora, alguns trechos extraídos de algumas obras mais famosas de: José Lins
do Rêgo, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e Erico Verissimo.
FOGO MORTO: JOSÉ LINS DO REGO
Fragmentos da obra:“Capitão Vitorino”
Vitorino Carneiro da Cunha mandava no que era seu, na sua vida. As feridas que lhe
abriam no corpo nada queriam dizer. Não havia força que pudesse com ele. Os parentes
se riam de seus rompantes, de suas franquezas. Eram todos uns pobres ignorantes,
verdadeiros bichos que não sabiam onde tinham as ventas. Quando parava no engenho,
quando conversava com um Manuel Gomes do Riachão, via que era melhor ser como
ele, homem sem um palmo de terra, mas sabendo que era capaz de viver conforme os
seus desejos. Todos tinham medo do governo, todos iam atrás de José Paulino e de
Quinca do Engenho Novo, como se fossem carneiros de rebanho. Não possuía nada
e se sentia como se fosse senhor do mundo. A sua velha Adriana quisera abandoná-lo
para correr atrás do filho. Desistiu para ficar ali como uma pobre. Podia ter ido. Ele,
Vitorino Carneiro da Cunha, não precisava de ninguém para viver. Se lhe tomassem a
casa onde morava, armaria a sua rede por debaixo dum pé de pau. Não temia a
desgraça, não queria a riqueza. Lá se foram os três homens que libertara, a quem dera
toda sua ajuda. O tenente se enfurecera com o seu poder. Nunca pensara que existisse
um homem que fosse capaz de enfrentá-lo como fizera. A sua letra, o papel que
assinara com o seu nome, dera com a força do miserável no chão. Era Vitorino
Carneiro da Cunha. Tudo podia fazer, e nada temia. Um dia tomaria conta do
município. E tudo faria para que aquele calcanhar-de-judas fosse mais alguma coisa.
Então Vitorino se via no dia do seu triunfo. Haveria muita festa, haveria tocata de
música, discurso do Dr. Samuel, e dança na casa da Câmara. Viriam todos os chaleiras
do Pilar falar com ele. Era o chefe, era o mais homem da terra. E não teria as besteiras
de José Paulino, aquela tolerância para com sujeitos safados, que só queriam comer no
cocho da municipalidade. Com Vitorino Carneiro da Cunha não haveria ladrões, fiscais
de feira roubando o povo. Tudo andaria na correta, na decência. ( José Lins do Rêgo. Fogo Morto. 17 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. P.284-5)
VIDAS SECAS : Graciliano Ramos
TRECHO EXTRAÍDO DA OBRA: VIDAS SECAS
"Fabiano ouviu os sonhos da mulher, deslumbrado, relaxou os músculos, e o saco da
comida escorregou-lhe no ombro. Aprumou-se, deu um puxão à carga. A conversa de
Sinhá Vitória servira muito: haviam caminhado léguas quase sem sentir. De repente
veio a fraqueza. Devia ser fome. Fabiano ergueu a cabeça, piscou os olhos por baixo
da aba negra e queimada do chapéu de couro. Meio dia, pouco mais ou menos. Baixou
os olhos encandeados, procurou descobrir na planície uma sombra ou sinal de água.
Estava realmente com um buraco no estômago. Endireitou o saco de novo e, para
conservá-lo em equilíbrio, andou pendido, um ombro alto, outro baixo. O otimismo
de Sinhá Vitória já não lhe fazia mossa. Ela ainda se agarrava a fantasias. Coitada.
Armar semelhantes planos, assim bamba, o peso do baú e da cabeça enterrando-lhe o
pescoço no corpo.
Foram descansar sob os garranchos de uma quixabeira, mastigaram punhados de
farinha e pedaços de carne, beberam na cuia uns goles de água. Na testa de Fabiano o
suor secava, misturando-se à poeira que enchia as rugas fundas, embebendo-se na
correia do chapéu. A tontura desaparecera, o estômago sossegara. Quando partissem,
a cabaça não envergaria o espinhaço de Sinhá Vitória. Instintivamente procurou no
descampado indício de fonte. Um friozinho agudo arrepiou-o. Mostrou os dentes
sujos num riso infantil. Como podia ter frio com semelhante calor? Ficou um instante
assim besta, olhando os filhos, olhando os filhos, a mulher e a bagagem pesada. O
menino mais velho esbrugava um osso com apetite. Fabiano lembrou-se da cachorra
Baleia, outro arrepio correu-lhe a espinha, o riso besta esmoreceu.
Se achassem água ali por perto, beberiam muito, sairiam cheios, arrastando os pés.
Fabiano comunicou isto a Sinhá Vitória e indicou uma depressão do terreno. Era um
bebedouro, não era? Sinhá Vitória estirou o beiço, indecisa, e Fabiano afirmou o que
havia perguntado. Então ele não conhecia aquelas paragens? Estava a falar
variedades? Se a mulher tivesse concordado, Fabiano arrefeceria, pois lhe faltava
convicção; como Sinhá Vitória tinha dúvidas, Fabiano exaltava-se, procurava incutir-
lhe coragem. Inventava o bebedouro, descrevia-o, mentia sem saber que estava
mentindo. E Sinhá Vitória excitava-se, transmitia-lhe esperanças. Andavam por
lugares conhecidos. Qual era o emprego de Fabiano? Tratar de bichos, explorar os
arredores, no lombo de um cavalo. E ele explorava tudo. Para lá dos montes afastados
havia outro mundo, um mundo temeroso; mas para cá, na planície, tinha de cor
plantas e animais, buracos e pedras.
E andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas
fortes Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois
velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que
iriam fazer? Retardaram-se temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e
civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O
sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e
os dois meninos."
(Graciliano Ramos - Vidas secas, pág. 130, 131,134)
O QUINZE: RACHEL DE QUEIROZ
“Eram duas da tarde.
Cordulina, que vinha quase cambaleando, sentou-se numa pedra e falou,
numa voz quebrada e penosa:
-Chico, eu não posso mais...Acho que vou morrer. Dá-me aquela zoeira na
cabeça!
Chico Bento olhou dolorosamente a mulher. Os cabelos em falripas sujas,
como que gasto, acabado, caía por cima do rosto, envesgando os olhos, roçando na
boca. A pele, empretecida como uma casca, pregueava nos braços e nos peitos, que
o casaco e a camisa rasgada descobriam.
(...)
No colo da mulher, o Duquinha, também só osso e pele, levava, com um
gemido abafado, a mãozinha imunda, de dedos ressequidos, aos pobres olhos
doentes.
E com a outra, tateava o peito da mãe, mas num movimento tão fraco e tão
triste que era mais uma tentativa do que um gesto.
Lentamente o vaqueiro voltou à toa, devagarinho, costeando a margem da
caatinga.
(...)
De repente, um bé!,agudo e longo, estridulou na calma.
E uma cabra ruiva, nambi, de focinho quase preto, estendeu a cabeça por
entre a orla de galhos secos do caminho, aguçando os rudimentos de orelha,
evidentemente procurando ouvir, naquela distensão de sentidos, uma longínqua
resposta a seu apelo.
Chico Bento, olhava-a, com as mãos trêmulas, a garganta áspera. Os olhos
afogueados.
O animal soltou novamente o seu clamor aflito.
Cauteloso, o vaqueiro avançou um passo.
E de súbito em três pancadas secas, rápidas, o seu cacete de jucá zuniu; a
cabra entonteceu,amunhecou, e caiu em cheio por terra.
Chico Bento tirou o cinto da faca, que de tão velha e tão gasta nunca achara
quem lhe desse um tostão por ela.‖
(Raquel de Queiroz. O Quinze. Rio de janeiro; Olympio, s.d. p. 72-5)
ÉRICO VERÍSSIMO: Um Certo Capitão Rodrigo
Carlos Drummond de Andrade
Erico Verissimo. Um certo Capitão Rodrigo. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. P. 130-1
POESIAS DA 2ª FASE DO MODERNISMO:Cecília Meireles, Vinícius de Moraes,
Murilo Mendes.
— Vou te tirar as tripas pra fora, corno!
Empregando toda a sua força, que o ódio aumentava, o capitão conseguiu prender a mão
direita do outro entre suas coxas; e depois, imobilizando com a sinistra o braço que Bento
Amaral tinha livre, com a destra segurou a adaga e aproximou-lhe a ponta da cara do
inimigo, que atirou a cabeça para trás, num pânico, e começou a bufar e a cuspir.
— Te prepara, porco! — gritou Rodrigo. — É agora.
E riscou-lhe verticalmente a face. O sangue brotou do talho. Bento gemia, sacudia a
cabeça e houve um momento em que seu sangue respingou o rosto de Rodrigo e uma
gota lhe entrou no olho direito, cegando-o por um breve segundo.
— Falta a volta do R!
E num golpe rápido fez uma pequena meia-lua, às cegas. Bento cuspiu-lhe no rosto,
frenético, e num repelão safou-se e tombou de costas, deixando cair a adaga.
Rodrigo imaginou que ele ia levantar-se, apanhar de novo a arma e voltar ao ataque. Mas
Bento, sentado no chão, com a mão no rosto, ficou a olhar atarantadamente para todos os
lados. Os sapos continuavam a coaxar. Vaga-lumes passavam entre os dois inimigos.
Uma ave noturna saiu de dentro do cemitério e sobrevoou a coxilha, num seco ruflar de
asas.
— Não vou te matar, miserável — disse Rodrigo. — Mas não costumo deixar serviço
incompleto. Quero terminar esse R. Falta só a perninha...
E caminhou para o adversário, devagarzinho, antegozando a operação, e lamentando que
não fosse noite de lua cheia para ele poder ver bem a cara odiosa de Bento Amaral.
Sinistra: a mão esquerda
Destra: a mão direita
Coxilha: campina de pequena elevação, arredondada, típica do estado gaúcho
Ruflar: agitar, tremular.
CANÇÕES
Quando meu rosto contemplo,
O espelho se despedaça: por ver como
passa o tempo
E o meu desgosto não passa.
Amargo campo da vida
Quem te semeou com dureza,
Que os que não se matam de ira
Morrem de pura tristeza?
Cecília Meireles
(Obra10)
3ª FASE 1945
Agosto 1964 Ferreira Gullar
Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques, viajo num ônibus Estrada
de Ferro - Leblon.
Viajo do trabalho, a noite em meio,fatigado de
mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógios de lilazes, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida eu a compro à vista aos donos do
mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito
policial-militar.
Digo adeus à ilusão.
Mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto, da punição injusta,
da humilhação, da tortura, do terror, retiramos
algo e com ele construímos um artefato, um
poema, uma bandeira.
No Brasil é, o período em que se
encerra a ditadura deGetulio a é, no
cenário mundial, o final da Segunda
Guerra Mundial.
Na literatura, os autores brasileiros
fogem dos excessos iniciais de geração
de 22 e já é possível vislumbrar, na
prosa, uma produção intimista e
introspectiva, sendo Clarice Lispector a
figura mais representativa desse
romance.Ou uma literatura regionalista,
cujo representante magistral foi
Guimarães Rosa, ao registrar a
psicologia, a fala e o mundo do jagunço
do centro do Brasil.
Na poesia, destacam-se: João Cabral
de Melo Nero, Ferreira Gullar, Ledo
Ivo, Mauro mota.
Toda poesia - 1950-1980", Civilização Brasileira, 1980, RJ
LITERATURA CONTEMPORÂNEA:a prosa dos anos 1940-1950
CLARICE LISPECTOR (1926-1977)
Clarice Lispector é um dos três principais nomes da geração de 45 e uma das
principais expressões de ficção brasileira de todos os tempos. Quando publicou
sua primeira obra: Perto do Coração selvagem (1944), a escritora provocou
espanto na crítica e no público. Ela, na verdade, introduzia em nossa literatura
novas técnicas de expressão, que obrigavam a uma revisão de critérios
avaliativos. Sua narrativa quebra a sequência ―começo, meio e fim‖, assim como
a ordem cronológica, e funde a prosa à poesia ao fazer uso constante de imagens,
metáforas, antíteses, paradoxos, símbolos, sonoridade, etrc.
Fragmentos de sua obra:
(...)
A mãe tirou o espelho da bolsa e examinou-se no seu chapéu novo, comprado no mesmo
chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um ar excessivamente severo onde não faltava
alguma admiração por si mesma. A filha observava divertida. Ninguém mais pode te amar
senão eu,pensou a mulher rindo pelos olhos: e o peso da responsabilidade deu-lhe à boca um
gosto de sangue. Como ase ―mãe e filha‖ fosse vida e repugnância. Não, não se podia dizer
que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso.
(O Mistério do Coelho Pensante. Clarice Lispector. São Paulo: Rocco.)
Guimarães Rosa: a linguagem reinventada:
Como escritor, Guimarães Rosa (1908-1967) é uma das principais expressões da literatura
brasileira. A genialidade de sua obra tem deslumbrado as várias tendências da crítica e do
público. A grande novidade linguística introduzida pelo regionalismo de Guimarães Rosa
foide recriarna literatura a fala do sertanejo tanto no plano do vocabulário como no da
sintaxe( a construção de frases) e no da melodia da frase. Dando voz ao homem do sertão
por meio de técnicas como foco narrativo na 1ª pessoa, o discurso direto e o discurso
indireto livre, a língua falada no sertão está presente em toda a obra.
Grande Sertão: Veredas: a obra- prima de Guimarães Rosa, é considerada o mais
importante romance do século XX e uma das melhores obras de ficção da literatura universal
de todos os tempos, Riobaldo, seu narrador-protagonista, um velho e pacato fazendeiro, faz
um relato de sua vida a um interlocutor, um ―doutor‖ que nunca aparece na histórria, mas
cuja fala é sugerida pelas respostas de Riobaldo.
Assim, apesar do diálogo sugerido, a narração é um longo monólogo em que Riobaldo traz à
tona suas lembranças em torno de lutas de lutas sangrentas de jagunços, perseguições e
emboscadas nos sertões de Minas, Goiás e sul da Bahia, bem como suas aventuras amorosas.
Ao mesmo tempo, Riobaldo vai relatando as preocupações metafísicas que sempre
marcaram sua vida. Entre elas, destaca-se a questão da existência ou não do diabo. Pelo que
se depreende da obra, ele provavelmente fizera um pacto com o demônio a fim de vencer
Hermógenes, chefe do bando inimigo. Portanto, desse fator depende a sua salvação, e daí
advêm as inquietações da personagem.
Riobaldo conhece e relata três amores na história: o envolvimento com Otacília, moça
recatada que conheceu numa fazenda; o amor sensual por Nhorinhá, uma prostituta; o amor
ambíguo e envolvente de Diadorim. Desses três, o último é o mais importante e, ao mesmo
tempo, o amor impossível.
Diadorim é o nome íntimo(que só Riobaldo conhece) de Reinaldo, jagunço valente e o
melhor amigo de Riobaldo. Ele entrara na guerra porque queria vingar a morte do pai, chefe
Joca Ramiro. A descoberta do amor por Diadorim surpreende Riobaldo, que nunca tivera
nenhum traço homossexual. Apesar disso, o amor crescia incontrolável:
Mas Diadorim, conforme diante de mim estava parado, reluzia no rosto, com uma beleza
ainda maior, fora do comum. Os olhos – vislumbre meu – que cresciam sem beira, dum
verde dos outros verdes, como o de nenhum pasto. (...) De que jeito eu podia amar um
homem, meu de natureza igual, macho em suas roupas e suas armas, espalhado rústico em
suas ações?! Me fazer. Ele tinha a culpa? Eu tinha culpa?
(João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. Lançamento,
1956.)
No término da obra, depois que Diadorim mata Hermógenes e é morto por ele no
encontro final, os corpos são recolhidos para serem lavados. Então é que se descobre:
Diadorim era mulher (Diadorina, seu verdadeiro nome), e se disfarça de homem apenas para
ser aceita no bando e vingar a morte do pai. A revelação leva Riobaldo ao desespero: ―Uivei,
Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do
rio Urucaia, como eu solucei meu desespero.‖
JOÃO CABRAL DE MELO NETO (1920-1999) é o mais importante poeta da geração
1940-50.
Morte e vida Severina (Auto de natal pernambucano) é a obra mais popular de João
Cabral. Nela, o poeta mantém a tradição dos autos medievais, fazendo uso da musicalidade,
do ritmo e das redondilhas, recursos que agradam o povo. Ela foi encenada pela primeira vez
em 1966 no Teatro da PUC em São Paulo, com música de Chico Buarque. Foi premiada no
Brasil e na França e, a partir daí, vem sendo encenada diversas vezes e até adaptada para a
televisão.
O poema narra à caminhada do retirante Severino, desde o sertão até sua chegada em Recife
e, além das denúncias de certos problemas sociais do Nordeste, constitui uma reflexão sobre
a condição humana.
João Cabral é considerado pelos críticos ―não apenas um dos maiores poetas sociais, mas um
renovador consistente, instigante e original da dicção poética antes, durante e depois dele‖.
MORTE E VIDA SERVERINA : JOÃO CABRAL DE MELO NETO
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
(MELO NETO, JOAO CABRAL DE;Editora: ALFAGUARA BRASIL; Assunto: Poesia; Edição: 1; Ano: 2007)
O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
(João Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severina. Editora Tuca, 1968)
A LITERATURA BRASILEIRA HOJE
As últimas produções literárias brasileiras, da década de 1970 até o final só
século XX, não receberam ainda um estudo mais aprofundado e sistematizado por parte
dos historiadores e críticos literários. Isso se deve a duas razões centrais: de um lado, a
falta de distanciamento histórico, que permita um enfoque mais abrangente e critico; de
outro, a duvida sobre a qualidade dessa produção, em virtude das condições históricas
de censura e repressão cultural em que parte dela foi concebida.
Após a declaração do AI-5, durante o governo Médici, verificou em todo país
um controle rígido sobre os principais meios de comunicação e informação. A censura
atuava diretamente nos jornais, TVs, nos teatros, e nos cinemas. Passou a ser proibida a
livre organização política e a liberdade de expressão torna-se um sonho.
Vários grupos de estudantes e operários que militavam politicamente na década
de 80 passaram á clandestinidade, e alguns deles optaram pela guerrilha rural e urbana
como forma de luta. Pairava no ar um clima de depressão. Com partida de Gil, Caetano,
Chico Buarque, Geraldo Vandré e outros, confirmam-se a frase de John Lennon a
respeito dos Beatles e do projeto geração: ―o sonho não acabou‖.
Conheça mais sobre autores contemporâneos e suas obras
João Ubaldo Ribeiro
Itaparica (BA) 1941
Obras: Setembro Não Tem Sentido, Sargento Getulio, Vida Real.
João Paulo Paes
Taquaritinga(OS) 1926-1998
Obras: O Aluno, Cúmplices, Os Poetas, Mistério De Casa, Poemas Reunidos,
Anatomia,
eia Palavra, Pavão, Parlenda, Paraíso.
Moacyr Scliar
Porto Alegre (RS) 1937
Obras: Histórias De Medico Em Formação, O Carnaval Dos Animais, A Guerra
Do Bom Fim, O Exercito De Um Homem Só, Os Deuses De Raquel, Os Mistérios De
Porto Alegre, A Balada Do Falso Messias, O Ciclo Das Águas, Mês De Cães Danados,
Doutor Miragem.
Osmar Lins
Vitoria de santo antão (PE) 1924-1978
Obras: O Visitante, Os Gestos, O Fiel E A Pedra, Guerra Sem Testemunho, A
Rainha Dos Cárceres Da Grécia, Problemas Inculturais Brasileiros.
Mario Quintana
Alegrete (RS) 1906-1988
Obras: A Rua dos Cata Ventos, Canções, Sapato Florido, O Aprendizde
Feiticeiro, Espelho Mágico, Antologia Poética, Caderno H, Apontamentos de História
Sobrenatural, Nariz De Vidro.
Ligia Fagundes Teles
São Paulo (SP) 1923
Obras: Praia Viva, O Cacto Vermelho, Ciranda de Pedra, Histórias do
Desencontro, Verão no Aquário, O Jardim Selvagem, As Meninas, O Seminário dos
Ratos, Filhos Prodígios.
DA FELICIDADE
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
Mário Quintana
POEMINHA DO CONTRA
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
Mário Quintana
BIBLIOGRAFIA:
Linguagens e Culturas: Linguagem e códigos: ensino médio: educação de jovens
e adultos/ Neide Aparecida de Almeida...(et al). 1 ed. São Paulo: Global, 2013.
Português Linguagens: volume 1 / Willian Roberto Cereja, Thereza Cochar
Magalhães- 7 ed. Reform. – São Paulo: Saraiva, 2010.
Português: literatura, gramática, produção de texto/ Leila Lauar Sarmento,
Douglas Tufano. – 1 ed. – São Paulo: Moderna,2010.
Língua e Literatura: vol. 03/ Carlos Emílio Faraco & Francisco Marto Moura. 19
ed.- São Paulo: Ática, 1998.
Nilson Souza. Jornal Zero Hora, 02 de novembro de 2013. Opinião. P. 23
.
LISPECTOR, Clarice. O Mistério do Coelho Pensante. São Paulo: Rocco.
NETO, João Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severina. Editora Tuca. 1968.
Poemas escolhidos de Gregório de Matos/ seleção de José Miguel Wisnik. São
Paulo: Companhia das Letras.2011.
ASSIS, machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova
Aguiar, 1994.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio.
1956.
QUEIROZ, Rachel. O Quinze. São Paulo: José Olympio. S. d.
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