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NOVAS TECNOLOGIAS NA COMUNICAO ORGANIZACIONAL DA INDSTRIA: TENDNCIAS E IMPASSES

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NOVAS TECNOLOGIAS NA COMUNICAO ORGANIZACIONAL DA INDSTRIA: TENDNCIAS E IMPASSES

Dra. Cida Golin

Ms. Olivar Maximino Mattia

Ms. Silvana Padilha Flores

Professores-pesquisadores do Departamento de Comunicao da Universidade de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil

RESUMO

Esta pesquisa sistematizou a influncia e a recepo da tecnologia contempornea no sistema comunicacional do principal segmento da indstria de Caxias do Sul (RS), segundo plo metal-mecnico brasileiro, verificando modelos convencionais de interlocuo, bem como novas tendncias decorrentes da otimizao dos novos recursos de trabalho propiciados pelo uso da informtica. Realizao do Departamento de Comunicao da Universidade de Caxias do Sul, com recursos da UCS e FAPERGS.

Palavras-chave: comunicao organizacional indstria novas tecnologias de comunicao

NOVAS TECNOLOGIAS NA COMUNICAO ORGANIZACIONAL DA INDSTRIA: TENDNCIAS E IMPASSES

Panormica

O chamado fenmeno da globalizao, entendido como uma etapa de aprofundamento da internacionalizao das relaes econmicas, pela interconexo dos mercados e pela interpenetrao patrimonial entre as grandes burguesias industriais e financeiras das principais economias capitalistas, realou, nos ltimos 30 anos, as caractersticas inerentes ao sistema capitalista: a internacionalizao e a mundializao. Segundo Octvio Ianni, o capitalismo expandiu-se como um modo de produo global, presente em todas as naes e nacionalidades. A economia do perodo, em linhas gerais, foi marcada pelo deslocamento do capital para as finanas, pela maior concentrao de capitais atravs de fuses, pela falncia do Estado do bem-estar social, pelo esgotamento do padro de acumulao taylorista/fordista de produo. Como reao crise, houve um processo de reorganizao do capital e de seus sistemas ideolgico e poltico. O advento do neoliberalismo, com seu receiturio de privatizao, desmontagem do setor estatal e desregulamentao dos direitos trabalhistas, reestruturou a produo e o trabalho, provocando, sem sombra de dvida, abalos nos quadros, sociais e mentais, de referncia dos indivduos.

Manuel Castells, em A sociedade em rede, defende que o final do sculo XX foi um dos raros intervalos em que a cultura material transformada por um novo paradigma tecnolgico, desta vez organizado em torno da tecnologia da informao, apontando o expressivo desenvolvimento do complexo eletrnico. Segundo o autor, so tecnologias para agir sobre a informao. Seus efeitos tm forte penetrabilidade na existncia cotidiana dos sujeitos e da coletividade, sua lgica est baseada num sistema de relaes em rede. Trata-se de um paradigma baseado na flexibilidade, em que organizaes e instituies podem ser modificadas e at mesmo alteradas pela reorganizao de seus componentes. Verifica-se, ento, uma difuso de novas formas organizacionais para lidar com as incertezas e as mudanas velozes no ambiente econmico e empresarial, aumentando a flexibilidade na produo, gerenciamento, comunicao e marketing.

O binmio taylorismo-fordismo, que marcou a indstria de produo em massa de mercadorias, durante a maior parte do sculo XX, cedeu espao para o chamado modelo toyotista. De procedncia japonesa, tal experincia foi a base para novos paradigmas de promoo do processo produtivo, de eliminao dos tempos mortos do trabalho, de reduo de custos e de controle obsessivo da qualidade e da eficincia do produto final, exigindo um trabalhador de instruo ampla e polivalente. Introduziu-se o modelo da produo enxuta ao economizar mo-de-obra com a automao, eliminao de tarefas e enxugamento administrativo.

Tais experincias foram seguidas pelo discurso contemporneo sobre o trabalho polivalente, multifuncional e qualificado, demandando o envolvimento participativo dos funcionrios atravs de equipes, clulas de produo, times de trabalho, grupos semi-autnomos numa suposta estrutura empresarial mais horizontalizada e integrada. Os sistemas integrados e flexveis de gesto, a partir de redes de microcomputadores, so projetados para tornar obsoletos diversos nveis gerenciais intermedirios, tendendo ao declnio das pirmides burocrticas das empresas . Segundo Luciano Coutinho, o elevado nvel de capacitao do trabalho, mesmo no rs da fbrica, e o grau de auto-organizao exigido pelos processos de automao avanada, tendem a atenuar significativamente o absolutismo autoritrio inerente aos sistemas fabris.

Armand Mattelart, em Comunicao mundo: histrias das idias e das estratgias, tambm previa o fim da rigidez das hierarquias no interior da empresa e o declnio das formas de autoridade piramidal. Em contraponto, aparece o modelo de gesto em rede. Atravs dessa rede de informao e comunicao, o pessoal sente-se implicado e responsvel pela criao e realizao de objetivos, e a crtica positiva procura a harmonia das redes de interao, captando a inovao, informal e espontnea, e a criatividade dos empregados: a apropriao de um saber e um saber-fazer e seu reinvestimento contnuo na organizao.

A pesquisa: o trabalho de campo

Dentro desse contexto macroeconmico, que envolve profundas transformaes no cotidiano e, logicamente, nos processos de gesto empresarial e de comunicao no trabalho, o Departamento de Comunicao da Universidade de Caxias do Sul realizou uma pesquisa exploratria de campo para verificar, sob o ponto de vista da comunicao organizacional, o impacto das novas tecnologias de informao nos processos comunicativos de grandes indstrias locais do setor metal-mecnico e eltrico. A proposta foi verificar o impacto da chegada do computador, uma mquina j to trivial no dia-a-dia, mas que foi capaz de alterar radicalmente, em apenas dez anos, perspectivas de tempo, espao e de interlocuo.

Caxias do Sul, segundo plo metal-mecnico do Brasil, uma cidade situada no alto da serra gacha, a 125 quilmetros de Porto Alegre (RS) e foi fundada por imigrantes italianos do final do sculo XIX. Apesar da localizao geogrfica de difcil acesso, a integrao ferroviria e a inaugurao da BR-116 (1942), via de conexo com grandes centros fornecedores e de consumo, consolidou o perfil industrial do municpio. Possui hoje 360.223 habitantes, a renda per capita ultrapassa o dobro da mdia estadual com 15 mil estabelecimentos industriais e 96 mil trabalhadores empregados na economia formal . As empresas escolhidas para o trabalho de campo desta pesquisa fazem parte do segmento metal-mecnico e eltrico, responsvel por 80% do movimento da indstria local. Em conjunto, a previso de faturamento das seis organizaes, em 2001, era de dois bilhes e 125 milhes de reais.

As organizaes pesquisadas, que, no total, empregam 10.997 trabalhadores, foram a Invensys, nica multinacional do conjunto, e indstrias com forte influncia econmica e cultural na cidade como a Eberle-Mundial, Intral, Marcopolo, Randon e Fras-le. Em linhas gerais, as entrevistas realizadas, a partir de um roteiro semi-estruturado, discutiram as novas tecnologias de comunicao (computador, internet, intranet, etc), seu histrico na empresa, utilizao desse aparato, dificuldades e resultados, alm da viso empresarial sobre a comunicao, a cultura de informao da empresa, o gerenciamento da comunicao e a administrao da informao estratgica. Foram entrevistados 35 profissionais das reas de Recursos Humanos, Informtica, Comunicao e Marketing, Administrao Geral (Direo e Gerncias). Os dados coletados resultaram em 42 horas de gravaes e 849 pginas transcritas.

A verso oficial das empresas a cultura de comunicao

Na medida em que a investigao deteve-se na escuta e no questionamento de sujeitos decisivos e estratgicos na hierarquia de cada organizao, o discurso obtido para anlise faz parte da viso oficial de cada empresa sobre si-prpria. Trata-se da verso permitida para difuso pblica alm de seu territrio. Mesmo que cada indstria revele uma cultura prpria, construda em casa e forjada no dia-a-dia, refletindo as especificidades da regio e de cada entidade em estudo, possvel perceber, no conjunto, uma sintonia com o iderio da chamada empresa horizontal. Trata-se, segundo Manuel Castells, de um modelo corporativo experimentado nos anos 90 a partir de estratgias como a hierarquia horizontal, a organizao em torno do processo e no da tarefa, o gerenciamento em equipe, a medida de desempenho pela satisfao do cliente, recompensa pelo desempenho do grupo, maximizao dos contatos com fornecedores e clientes, informao e treinamento dos funcionrios em todos os nveis.

A comunicao um termo recorrente e possui uma grande nfase nos discursos recolhidos; faz parte de toda a cadeia produtiva e entendido num contexto bastante amplo. Passa a ser uma palavra-chave na vida produtiva de uma empresa. Seguindo as estratgias contemporneas de gesto, as fontes indicam que as organizaes mais eficazes na comunicao com os funcionrios e com o mercado so as que tm mais chance de sucesso. Entendida como um acmulo e simplicao do acesso informao para os usurios, a comunicao um processo estrutural no cotidiano produtivo. Sua velocidade e competncia so fatores competitivos, fazem com que uma determinada empresa chegue antes ou mais rapidamente do que seu concorrente no mercado.

As novas mdias para processar a comunicao, decorrentes da juno da informtica e das telecomunicaes, tm tido larga utilizao e se constitudo num diferencial qualitativo e de sobrevivncia no segmento pesquisado. A classificao proposta por Slvia Mattos, em instrumentos geradores de informao, de apresentao de informao, de intercmbio de informao e a Internet, abrangem as principais possibilidades de uso das novas tecnologias nas organizaes. Para Pierre Fayard, muitos desses novos recursos tm como caracterstica fundamental a interatividade. Em relao s mdias convencionais, distribuem com mais competncia as atribuies entre emissor e receptor, so mais flexveis em seus usos e possuem conexes entre dois ou mais sistemas (interconectividade). Suas fronteiras so os limites da rede telefnica. O acesso a somas considerveis de dados possibilita um comportamento mais ativo diante da tecnologia, alm de uma distribuio de informaes mais horizontalizada. Embora a tecnologia da informao facilite a criao de redes e a partilha da informao entre administradores e empregados, fundamental observar a forma como as pessoas utilizam esses dados. O fato de existir estaes de trabalho, redes de recursos multimdia disposio dos administradores e empregados no aumenta automaticamente o uso inteligente de informao de uma organizao.

No contexto das empresas de grande porte pesquisadas, verifica-se o uso de praticamente todos os meios disponveis a fim de dar curso comunicao interna. Nesse processo de convivncia de antigos e novos instrumentos, visvel a disparidade do acesso tecnologia entre os trabalhadores. Para atingir o cho de fbrica, que constitui mais de 50% dos empregados do ramo, ainda fundamental recorrer ao tradicional mural, s caixas de sugestes, quadros de motivao e produo, ao apelo das fotografias coloridas no jornal mensal e nos boletins. Algumas empresas instalam quiosques computadorizados no cho de fbrica para familiarizar, aos poucos, o funcionrio, que nem sempre tem o segundo grau completo, com os recursos de uma Intranet. Nas tentativas realizadas para a aproximao da alta direo com os funcionrios de diversas instncias, resultado de opes administrativas que buscam, pelo menos em tese, uma maior horizontalizao, os recursos digitais no foram os mais utilizados e, sim, procedimentos convencionais como reunies dirigidas e sistemticas, ou o intercmbio de perguntas e respostas afixadas, posteriormente, num mural transformado em jornal interativo.

A cultura do correio eletrnico

Dentre os vrios usos das novas ferramentas, vale centrar o foco, no breve espao deste relato, sobre o correio eletrnico, um instrumental decisivo na rotina produtiva e de comunicao empresarial atravs de sua linguagem lacunar e sinttica, refletindo novas realidades comunicativas no ambiente profissional. Trata-se de um mecanismo introduzido, na maioria dos casos, na ltima dcada do sculo XX, mas que j est incorporado ao cotidiano como um recurso de trabalho antigo e indispensvel. Uma das fontes define: o sujeito no existe sem o e-mail. Tal constatao referenda um dos imperativos categricos do ciberespao segundo Pierre Levy, a interconexo, em que cada computador do planeta, cada aparelho, cada mquina, do automvel torradeira, deve possuir um endereo na Internet. Para o autor, a interconexo constitui a humanidade em um contnuo sem fronteiras, cava um meio informacional ocenico, mergulha os seres e as coisas no mesmo banho de comunicao interativa.

No caso do correio, o computador promoveu uma interveno radical numa prtica milenar, conforme a breve exposio histrica de Levy. O correio, atravs de cavalos e postos de troca, era conhecido tanto na China como no Imprio Romano. Foi abandonado no Ocidente durante a alta Idade Mdia e retomado, a partir do sculo XV, em alguns Estados europeus. O servio destinava-se ao uso governamental, como forma de integrao e despacho de ordens, alm de troca de mensagens comerciais. Somente no sculo XVII, com a distribuio ponto a ponto, que a tcnica postal interferiu no contato e na relao entre os indivduos, estimulando a literatura epistolar, as correspondncias econmicas e administrativas, as cartas de amor. Para Levy, o correio, como sistema social de comunicao, est intimamente ligado ascenso das idias e das prticas que valorizam a liberdade de expresso e a noo de livre contrato entre os indivduos.

Para vrios depoentes, o correio eletrnico foi o que a Internet trouxe de melhor. Interfere diretamente na prtica de gesto empresarial, facilitando o contato entre fbricas situadas em pontos geogrficos distintos - ou como diz o gerente de Recursos Humanos da Eberle, sem o e-mail seria invivel a figura do gerente corporativo concretizando a sensao de ubiqidade proporcionada pela Internet. Cada pessoa, ligada a uma rede de computadores, pode ter uma caixa postal eletrnica com um endereo, receber e enviar mensagens em qualquer lugar onde haja possibilidade de conexo. As imagens so recebidas em formato digital e podem ser modificadas e arquivadas no computador, sem passar pelo suporte do papel. Ao questionar o que haveria de especfico na linguagem da CMC (comunicao mediada por computadores), Manuel Castells cita autores que vem no correio eletrnico um retorno mente tipogrfica e recuperao do discurso racional construdo, em que os domnios dos mecanismos de leitura e escrita so indispensveis. Alm do pensamento moldado especialmente escrita, o correio ainda apresenta as propriedades da velocidade e da assincronia, ou seja, a mensagem fica disposio do usurio independente da sua presena.

No segmento investigado (indstrias de produo), menos de 50% dos funcionrios tm acesso a esse recurso. O cho de fbrica, que constitui a maior parte dos trabalhadores, est fora desta realidade de comunicao. Para o restante que est em rede (cerca de 30 a 40%), a pesquisa realizada aponta que o e-mail tomou o lugar do memorando, do fax, do telefone, de muitas conversas formais e informais e at de contatos pessoais. Em ambientes profissionais de vidro (onde o olho de todos d a medida do controle sobre o trabalho de cada um), muitos funcionrios chegam ao extremo de usar o correio eletrnico para comunicar-se com o colega ao lado. Teoricamente, o uso do e-mail, nas empresas, facilitaria a difuso de mensagens, incrementando a fidelidade da transmisso. Como define uma das fontes, o e-mail formaliza, padroniza, divide informaes. Independentemente do horrio, todos compartilham as mesmas referncias. No entanto, a maioria dos depoentes reclama da excessiva impessoalidade advinda desse recurso. Isso exige lanar mo das ferramentas tradicionais da comunicao organizacional, o velho corpo-a-corpo para garantir respostas positivas.

Ainda que todos os empresrios assegurem que a informao confidencial e estratgica no circula pelo correio eletrnico, o suporte j significa documento em transaes. Ela vale como uma tomada de deciso, mas pode acelerar ou at esfriar negcios. A reside as peculiaridades de sua linguagem, na grande maioria composta por textos escritos. Mensagens lacunares ou mal redigidas, os silncios e a demora entre uma correspondncia e outra, textos incompletos, pouco objetivos, ou excessivamente longos, demandam, muitas vezes, o encontro pessoal ou a voz, dimenso afetiva e fsica, ao telefone. Para os depoentes, os rudos criados pela palavra escrita so maiores. Nesse caso, preciso lembrar que a leitura um processo particular, em que cada leitor l a si-mesmo nos textos, interpretando, atravs do seu imaginrio, as frases, lacunas, entrelinhas e ambigidades possveis. H casos citados de brigas entre colegas, por e-mail, circulando em cpias eletrnicas para a apreciao de outros leitores.

Um outro problema, destacado na maioria das entrevistas realizadas, o uso racional da ferramenta que, teoricamente, serve para fins profissionais dentro de cada organizao. Na prtica, no bem assim: dezenas de mensagens-correntes, piadas e assuntos pessoais enchem a caixa de entrada e, conseqentemente, a lixeira. No tempo da obsesso pela velocidade e mobilidade, o tempo gasto com esse recurso eletrnico sublinhado na lentido. A quantidade de mensagens que chega, e o tempo dispendido na leitura, ou na excluso, revelam as diversas temporalidades (agilidade e demora) do recurso. Segundo um gerente comercial, das 300 mensagens recebidas diariamente, 150 podem ser deletadas de imediato em funo de sua inutilidade. Para evitar a disperso, a necessidade de filtragem decisiva no gerenciamento das caixas eletrnicas. Isso exige de cada receptor que dirija a informao recebida para cada departamento especfico da organizao. Ou seja, nesse hbito cotidiano, encontra-se outra tendncia predominante no discurso dos executivos: a euforia pela grande quantidade de informao mas, tambm, uma grande angstia pelo excesso e pela desorganizao dos dados.O grande desafio separar o que relevante do que no , ou seja, a informao numa organizao tem sempre um destino certo: produzir resultados.

O espao hbrido entre o pblico e o privadoO correio eletrnico e o uso da Internet, por sua vez, exigem uma nova tica e autocontrole dos usurios. Ao mesmo tempo, sinaliza a mistura entre o pblico e o privado, entre dentro e fora, caracterstica da contemporaneidade, lanando o desafio de redefinir os parmetros da privacidade no sculo XXI. Num breve percurso pela origem do termo privado, Georges Duby, ao apresentar o programa de pesquisas da Histria da vida privada, define essa zona como propcia ao recolhimento, familiaridade, ao relaxamento. Duby parte da oposio vigente no senso comum entre pblico (relativo coletividade e autoridade de seus magistrados) e privado (domnio individual, familiar). Ao rastrear a trajetria desses dois conceitos, o autor encontra uma equivalncia semntica desde a Roma clssica at o pensamento oitocentista. A noo de privacy, no entanto, forma-se ao longo do sculo XIX, sobretudo na sociedade anglo-sax, dentro do processo de elaborao da cultura burguesa. Nesse perodo, em que o Estado moderno consolida-se como sinnimo de espao pblico, a famlia se fecha no recinto particular. Nas ltimas dcadas do final do sculo XX, no entanto, os ideais da casa privada, da domesticidade e da privacidade em relao ao pblico, com uma separao radical entre os mundos do trabalho e da existncia pessoal, alteraram-se drasticamente. Atravs dos aparatos tecnolgicos, o trabalho passa a ser, cada vez mais, introduzido no ambiente domstico, provocando um fluxo contnuo e ininterrupto de atividades at ento segregadas em espaos e tempos distintos.

Por outro lado, no cenrio da privacidade controlada pela tecnologia, as empresas entendem que os documentos e textos produzidos nos equipamentos e no horrio de trabalho so de sua propriedade. Uma pesquisa da American Management Association aponta o grau de censura exercido pelos administradores atravs das novas tecnologias de comunicao: 63% das empresas americanas monitoram as pginas visitadas na Internet; 47% lem o contedo dos e-mails; 36% verificam os arquivos na memria da computador; 15% instalam cmaras para vigiar a performance; 12% ouvem conversas telefnicas; 8% conferem as mensagens da secretria eletrnica.

Nas organizaes pesquisadas, os responsveis pela rede, geralmente o setor de informtica, controlam o acesso correspondncia e aos sites. possvel rastrear todas as mensagens enviadas e recebidas, as pginas abertas na rede, inclusive das chefias. No so poucos os casos de trabalhadores advertidos pelo uso indevido da Internet, visita a stios pornogrficos, entre outros. O fcil acesso ao correio pessoal durante o horrio de trabalho indica a existncia de um espao hbrido, um convite disperso, em que o profissional (pblico) mistura-se com momentos de privacidade no local de trabalho. A mesma tela que exibe documentos serve como espao para a construo de textos pessoais, afetivos, de interesse individual do funcionrio. A prtica demonstra que nem sempre possvel separar rigidamente os estmulos oferecidos pela tecnologia. Por outro lado, a possibilidade de um superior ler os e-mails pessoais de seus subordinados revela a assimetria e a invaso absoluta da privacidade dos sujeitos, algo institucionalizado na pretensa cumplicidade trazida pelo compartilhamento do veculo eletrnico.

Intranet incipiente

A Intranet, ao contrrio, ainda um instrumental incipiente no segmento pesquisado. O prprio correio eletrnico, na perspectiva das fontes consultadas, causa rudo na relao com o sistema interno de comunicao. Os funcionrios j esto acostumados a receber ou demandar informaes por e-mail, dados que, na maioria das vezes, j esto disponveis na Intranet, mas que precisam da interao do usurio (busca nos links e nas pginas) para serem resgatados. Teoricamente, a rede um meio para centralizar todos os documentos internos e prover acesso a todos os funcionrios autorizados para tal. O sistema surge com o propsito de corrigir problemas que comprometem o fluxo informativo dentro das corporaes como, por exemplo, o excesso de impresso de documentos em papel, a dificuldade de acesso aos dados, pouca participao cooperativa entre os grupos de trabalho e a grande quantidade de referncias duplicadas em diferentes sistemas, alm do rpido obsoletismo dos mesmos. Trata-se de um centro para enderear todas as informaes da empresa, em que seus membros no so apenas consumidores-receptores, mas tambm provedores.

De um modo geral, observou-se que o sistema de Intranet implementado nas organizaes investigadas auto-centrado em torno da empresa (histrico, produtos fabricados, curiosidades, planejamento estratgico), servios (classificados dos funcionrios, reservas, cardpios, ramais telefnicos), avisos (calendrio da empresa, mudanas de horrios, informaes, eventos) e notcias (jornais, revistas, canais de notcias e biblioteca da empresa), alm de dados de carter privado (folha de pagamento, situao funcional) protegidos por senha individual . Por ser a pioneira do conjunto a utilizar tal sistema, a Randon pretende instalar, em 2002, mais quatro quiosques no cho de fbrica, e j fez experincias para aproximar seus funcionrios dos novos recursos comunicativos. O quiosque uma espcie de praa, com banca, jornal, tv e vdeo, mquinas de touch screen e de atendimento bancrio.

Em linhas gerais, a alimentao dos sistemas ocorre atravs do trabalho de funcionrios autorizados, de informaes recolhidas nos diversos setores, refletindo o movimento de coleta tpico dos recursos convencionais como murais, rdio interna, boletins impressos e jornais peridicos. Nesse ponto, a pesquisa sinalizou um ponto inquietante. Apesar da comunicao ser um componente decisivo de gesto, so poucas as empresas que efetivamente mantm um setor especializado com profissionais da rea. Geralmente, o assunto da competncia do setor de Recursos Humanos (comunicao interna), Informtica (sistemas e redes, internet, intranet) e Marketing (comunicao externa). Essa questo, evidentemente, no to simples para ser equacionada facilmente. So organizaes muito bem sucedidas, e se h equvocos, deve-se reconhecer que eles no so to desastrosos assim.

Consideraes finais

Na medida em que realimenta e traz subsdios para o ensino da sala de aula, a presente investigao provoca uma indagao crucial: em que medida o profissional egresso de uma escola de comunicao preparado para conduzir estrategicamente sistemas comunicacionais de uma organizao, assunto cada vez mais da competncia de administradores e engenheiros? Nesse sentido, um gerente de Recursos Humanos de uma das empresas investigadas lanou algumas questes, tentando refletir sobre o porqu dos cargos de maior hierarquia no estarem sendo comandados por especialistas em comunicao. Para ele, qual seria a expectativa dos alunos quando optam por um curso na rea comunicacional? A busca de uma funo de chefia est dentro do seu projeto profissional? Sua formao no muito especialstica? A grade curricular desses cursos propicia reflexo para pessoas que buscam cargos de liderana e gesto?

Percebe-se, na prtica vivenciada, a necessidade de um perfil diferenciado para o profissional da comunicao organizacional, um sujeito estrategista, criador de redes e no um simples transmissor de informaes. Para tanto, exige-se uma maior formao em administrao, um centramento maior na compreenso do fenmeno organizacional e na direo da comunicao. Atualmente, nas grades curriculares, falta uma perspectiva de gesto, de poltica empresarial que permita a consolidao do comunicador como um ator de deciso. Na articulao de saberes, decisivo um maior domnio de linguagens e tcnicas, alm de um conhecimento profundo sobre o contexto econmico e poltico. Nesse sentido, importante salientar que as novas diretrizes curriculares da rea da Comunicao Social e suas habilitaes, que j foram homologadas pelo Ministrio da Educao atravs do Parecer n CNE/CES 492/01, de 3.04.2001, prevem novos formatos de cursos mais adequados s realidades do mercado.

Ao levantar esses pontos, a pesquisa trouxe uma contribuio indita ao sistematizar, dentro de limites circunstanciais e cronolgicos, o contexto da comunicao organizacional do segundo plo metal- mecnico do Brasil. Numa via de mo dupla, oxigenou o ambiente acadmico pelo contato prximo com os impasses cotidianos de uma indstria com fortes vnculos na cultura e na identidade da regio em foco. Deixou, tambm, em cada empresa, questionamentos e reflexo sobre sua capacidade de reciclagem e gerenciamento comunicacional, j que a velocidade surpreendente de criao de mais suportes tecnolgicos, incrementando a espiral de informao de um mundo em rede, no significa, necessariamente, uma eficcia no desempenho e nos resultados da comunicao empresarial.

Se, como escreve Dominique Wolton, o uso generalizado do teclado constitui uma forma de cultura que atravessa os pases, as lnguas e as classes sociais, o percurso realizado revela especificidades e sintomas que contradizem o discurso apologtico sobre a expanso e benefcios das novas tecnologias eletrnicas. O que percebe-se, no segmento escolhido, um esforo muito grande para multiplicar mdias e recursos de comunicao a partir das novas ofertas do mercado tecnolgico. No entanto, os depoentes so unnimes em afirmar que os bons resultados dependem muito menos dos meios do que das pessoas envolvidas no processo de comunicao. Ou seja, e retomando Wolton, no suficiente que os homens troquem muitas informaes para que se compreendam melhor. Para ele, so os planos culturais e sociais de interpretao das informaes que contam, no o volume ou a diversidade delas. O tempo ganho no acesso informao pode ser novamente perdido na dificuldade de interpretar essa informao.

Refletindo um contexto econmico que, nos ltimos 30 anos, viveu radicais mudanas na produo e no trabalho, as empresas apostam, pelo menos no plano discursivo, no efetivo envolvimento e no dilogo com seus trabalhadores. Nesse caso, a comunicao interna torna-se um setor decisivo, e os novos recursos tecnolgicos, uma sada para ampliar o nmero de receptores, acelerar a velocidade de difuso de mensagens, melhorar a fidelidade de transmisso, o feed-back e a interlocuo. No recorte realizado, possvel vislumbrar que tal projeto emancipador ainda est muito longe da prtica cotidiana. A comunicao, no setor analisado, ainda carrega fortes marcas hierrquicas (dos superiores para os subordinados) reproduzindo, mesmo atravs de novas orientaes administrativas, a assimetria radical que sempre marcou o cotidiano dos processos fabris. Em relao s novas tecnologias, a verticalidade fica tambm explcita pelo controle e pela vigilncia (exemplo do uso do correio eletrnico) e pela parcialidade do acesso aos recursos informatizados de comunicao interna. Como foi sublinhado anteriormente, e refletindo as especificidades do seu contexto produtivo, mais de 50% dos funcionrios ainda est pouco contemplado com os novos recursos propiciados pelo uso do computador dentro das estratgias de comunicao organizacional. Esse dado remete prpria realidade da Internet que, segundo Wolton, segregadora: H somente de 300 a 500 milhes de internautas no mundo, dos quais mais de 80% nos pases do Norte, o que suficiente para relativizar a idia de revoluo para todos. Enfim, os pontos elencados nessa breve exposio, a partir de uma convivncia parcial com os impasses cotidianos das empresas, so instigantes. Merecem desdobramentos tericos e novas investidas em pesquisa de campo, resgatando, por exemplo, a viso do trabalhador sobre como ele se comunica dentro do local de trabalho, onde deixa o melhor do seu tempo e de sua potencialidade criativa.

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Mattelart, Armand. 1994, p. 251-252.

Segundo estudos da PUCRS, foi de U$10.028,56 em 1998.

IBGE, 2000.

A Invensys (1962) produz sistemas de controle de temperatura (termostatos de geladeira e ar condicionado), painis computadorizados para mquinas de lavar e faz estudos sobre a chamada casa inteligente (totalmente computadorizada). A Intral, em atividade desde 1950, tornou-se a maior fbrica latino-americana de reatores de lmpadas fluorescentes em 2000. A Marcopolo (1949) a tradicional marca de nibus rodovirios; a Randon (1953) responde por implementos e sistemas automativos e incorpora, no mesmo grupo empresarial, a Fras-le (1954), produtora de pastilhas e lonas de freio. A Eberle-Mundial, por sua vez, confunde-se com a identidade e a histria de Caxias do Sul ao longo do sculo XX. Ela foi adquirida por uma empresa concorrente de Porto Alegre, a Zivi-Hrcules, e mantm no seu catlogo uma lista diversificada de produtos como motores eltricos, componentes de fixao, botes de presso, cutelaria, baixelas, entre outros.

Castells, Manuel. 2000, p.184-185.

Cf. Mattos, Silvia, 1995, p.39-76: Instrumentos geradores de informao (banco de dados, diretrio eletrnico de assinantes, editores de texto, telemarketing, agncia eletrnica, caneta eletrnica); Instrumentos de apresentao de informao (multimdia, computao grfica, editorao eletrnica, apresentao eletrnica, datashow); Instrumentos de intercmbio de informao (sistemas de telefonia, teleconferncia, tv executiva, bulletin board system BBS, correio eletrnico, computao remota, fax, rede de informaes, workgroups, jornal eletrnico); Internet.

Fayard, Pierre. 2000, p.112-115.

Marchand, Donald. 1999, p.346.

Ressalva-se aqui que os dados disposio dos pesquisadores foram obtidos no contexto especfico do recorte temporal dos anos de 2000 e 2001.

Veja-se, como exemplo, o caso da Eberle-Mundial.

Intral, depoimento de Edson DArrigo.

Pierre Levy. 1999, p. 127.

Pierre Levy. 1999, p. 124-125.

Eberle-Mundial, depoimento de Mrgan dos Santos.

Castells, Manuel. 2000, p. 384 386.

Franco, Marcelo Arajo. 1997, p. 42-43.

Mattos, Slvia. 1995, p. 63-64.

Marcopolo, depoimento de Patrcia Liebesny.

Depoimentos de Maria Tereza Casagrande, Randon; e Carlos Zignani, Marcopolo.

Fras-le, Miguel Santos.

Ferraz, Maria Cristina Franco. 2001.

Duby, George. 1990, p.10, v.1.

Duby, George. 1990, p. 20, v.2.

DUBY, George.1990, p. 9, v.2.

FERRAZ, Maria Cristina Franco. 2001; Antunes, Ricardo. 1999, p. 114.

VIEIRA, Eduardo. 2001, p. 117.

A Randon implementou o sistema h quatro anos; a Eberle e Fras-le nos ltimos dois anos; a Intral e Marcopolo estavam em fase de instalao, enquanto a Invensys possui uma Intranet em ingls reunindo toda a sua rede multinacional de 400 empresas distribudas em 80 pases (no Brasil, s 90 pessoas tem acesso; dessas, 40 em Caxias) e pretende implementar uma rede local, em portugus, integrando as informaes sobre os produtos e as diferentes reas da empresa.

Galeote, Sidney. 1997, p.3-6; BREMMER, Lynn. 1998, p. 40.

Os funcionrios de cho de fbrica, segundo o relato de Rossani Rossaneli (Randon), recebem uma semana de treinamento para operar as mquinas, que tambm so autoinformativas, alm de um manual de bolso.

Marcopolo, Paulo Ricardo Schmidt.

Wolton, Dominique. 2001.

Wolton, Dominique. 2001.

Bordenave, apud Slvia Mattos, 1995, p.

Para desdobramento dessa questo e do carter autoritrio da comunicao nos processos fabris, confira ponderaes de Bolao, Csar. 2000, p. 41-51; Coutinho, Luciano. 1999, p.125; Antunes, Ricardo, 1999, p.49-52.

Wolton, Dominique. 2001.