Notas sobre o ritual batismal nas comunidades paulinas de Corinto e
feso.
Juliana B. Cavalcanti1 Mestranda (PPGHC/UFRJ)
http://lattes.cnpq.br/6770181406770057
Resumo: O presente artigo visa apresentar alguns dados iniciais da pesquisa em
curso a respeito da importncia do batismo nas comunidades paulinas de Corinto e
feso do sculo I EC. Batismo este que ser interpretado de formas distintas em
cada uma destas comunidades. A interpretao dada ao rito implicar num maior
ou menor dilogo com a proposta de Reino de Deus de Jesus, bem como, com uma
maior ou menor aproximao com o modelo imperial. Para esta reflexo mister o
conceito de patronagem (Wallace-Hadrill); conceito este que possibilita pensar as
relaes de poder traadas por intermdio do eixo fomentador: o batismo.
Palavras-chave: Batismo, patronagem, comunidade paulinas, crculos paulinos,
Reino de Deus.
Abstract: This article presents some initial data from ongoing research on the
importance of baptism in Pauline communities of Corinth and Ephesus in the first
century CE. Baptism that this will be interpreted in different ways in each of these
communities. The interpretation of the rite will involve a greater or lesser dialogue
with the proposal of the Kingdom of God Jesus as well, with a greater or lesser
proximity to the imperial model. For this discussion it is necessary the concept of
patronage (Wallace-Hadrill); concept that allows considering the relations of power
drawn through the axis developers: baptism.
Keywords: Baptism, patronage, Pauline community, Pauline circles, the Kingdom
of God.
1 Graduada em Histria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestranda pelo Programa de Ps-Graduao em Histria Comparada pela mesma universidade onde obteve o ttulo de bacharel. Orientada pelos professores Andr Leonardo Chevitarese e Norma Musco Mendes. Desenvolvendo o projeto: Os
crculos paulinos: um estudo comparativo entre a comunidade corntia e a comunidade de feso. Bolsista da Capes.
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I Introduo:
Jesus, um judeu campons de lngua aramaica e analfabeto2 instaura ainda
na primeira metade do sculo I EC um movimento pautado em: comensalidade,
justia e igualdade. Um projeto que dialogava com o ambiente deste indivduo. Isto
, um ambiente em que o ritmo de empobrecimento se ampliava por conta de
perda de terra dos pequenos e mdios camponeses para os grandes proprietrios e
dos altos tributos devidos s elites locais e ao Imprio Romano. Alm de ser uma
sociedade extremamente hierarquizada. Assim, o projeto de Reino de Deus
proposto por Jesus tinha uma leitura marcadamente contrria aos moldes do
Imprio Romano, Jesus propunha um modelo alternativo ao vigente.
Jesus por ser mais um dentre os outros indivduos que se opuseram as
normas imperais ao se lanar num projeto messinico3, acabou por ter uma morte
de cruz. E seu projeto, por sua vez, acabou por morrer com ele. Entretanto como
nos assevera Faria (2011:36) alguns indivduos que acreditaram nos ensinamentos
e palavras de Jesus buscaram dar seguimento ao seu movimento buscando por
tcnicas de memorizao transmitir e memorizar os conhecimentos de e sobre
Jesus. Estes conhecimentos de e sobre Jesus acabaram por gerar um descompasso
que girava em torno do fato daqueles que lembravam e aqueles que estavam
autorizados a lembrar. Em outras palavras, os cristianismos originais iniciaram um
processo de ecloso do movimento originrio de Jesus.
Os escritos mais antigos que se encontram no cnon cristo4 so as cartas
paulinas e nos do bons indcios do incio da ecloso do movimento instaurado por
Jesus, ecloso esta que estar promovendo hierarquias que dialogam com a ideia j
exposta: daqueles que lembravam e aqueles que estavam autorizados a lembrar.
Em outras palavras, o que se passou a processar aps a morte de Jesus so
distintos projetos ou leituras de Reino de Deus, mas leituras que j iro implicar
2 Koester (2005:80) afirma que Jesus era letrado. No entanto, este no nos apresenta justificativas contundentes para tal. Neste sentido, tendemos a concordar com Crossan (2004:274) que diz que quase
que por definio os camponeses so analfabetos. E por isto mesmo ele afirma Jesus era um campons
de um povoado campons. Portanto, para mim, Jesus era analfabeto at que o contrrio seja provado. Alm disso, Hosley (1995:127) nos fala que no sculo I EC grande parte da populao era analfabeta e a
escrita tinha pouca importncia mesmo entre os letrados, sua finalidade na maioria dos casos se restringia a certas funes da elite. Faria (2011) ao longo de seu livro abordando sobre questes de
memria e oralidade acaba por corroborar com as assertivas de Crossan e Hosley, ponderando que o movimento originariamente se processou por via oral at mesmo por conta da questo o iletramento. 3 A esfera poltico-econmica na Palestina, como foi muito brevemente elucidado aqui, favoreceu a diversos movimentos contrrios ao Imprio Romano. Estes movimentos vinham acompanhados de uma
questo religiosa, onde muitos revindicavam o ttulo de messias provindo da casa de Davi. Por isso ao falar da proposta de Jesus falamos em um projeto messinico. O que facilmente perceptvel quando
nos voltamos para textos intracannicos e percebemos que em seus discursos Jesus ponderava a questo da observncia da lei. Alertamos ainda ao leitor que poltica e religio no sculo I EC no eram
elementos independentes. A poltica augustana um bom exemplo disso. A separao entre poltica e religio se processa com o advento iluminista. Para maiores detalhes sobre a questo na Palestina ver
Hosley (1995) e sobre a distino entre religio e poltica ver Hill (2003). 4 Ainda que no consideremos o termo excelente. Optamos por usar esta nomenclatura diferenciando
assim da chamada Bblia Hebraica ou cnon hebraico, ao invs da diviso: Novo e Antigo Testamento, que acaba por ser por vezes dogmtica demais.
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distines do projeto originrio por abarcarem uma crescente institucionalizao
que tendia a rotular uma vertente como oficial e as demais sendo colocadas como
memrias subterrneas.
Na primeira epstola aos corntios, uma carta autntica de Paulo, podemos
observar mais claramente o seu projeto de Reino de Deus que ainda anti-
imperialista, todavia, j com uma postura hierarquizada; ainda que seja bastante
fluida em termos comparativos com o Imprio Romano. Por isto mesmo, proponho
em meu trabalho monogrfico5 uma anlise do projeto paulino em duas dimenses:
o ideolgico e o prtico. Onde no campo da ideologia no haveria distino entre
judeus e gregos ou livres e escravos. Ou ainda entre homens e mulheres. Um
projeto de reino de iguais e que tambm est pautado na comensalidade e na
justia, em outras palavras, um projeto de reino ideologicamente falando
marcadamente anti-imperialista tal como o de Jesus.
Todavia, em nveis prticos ou organizacionais h outra lgica sendo
processada, muito por conta da ideia de quem estaria autorizado a lembrar de e
sobre Jesus. Lgica esta que dialoga com as prticas de gesto do Imprio
Romano. Em nvel prtico o que se constata j em Paulo o incio do processo de
institucionalizao. Tal como aparece em 1 Cor 12:27-30:
27. Ora, vs sois o corpo de Cristo e sois os seus membros, cada um por sua parte. 28. E aqueles que Deus estabeleceu na igreja so, em primeiro lugar, apstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, doutores... Vm, a seguir, o dons dos milagres, das curas, da assistncia, do governo e o de falar diversas lnguas. 29. Porventura, so todos apstolos? Todos profetas? Todos doutores? Todos realizam milagres? 30. Todos tm o dom de curar? Todos falam lnguas? Todos as interpretam?
Por intermdio desta percope o que se pode perceber que de um lado
Paulo se vale da ideia membros do corpo de Cristo para afirmar que todos so
iguais. Por outro, esta mesma alegoria corpo de Cristo empregada para se
legitimar distines no interior da comunidade. Ao afirmar que nem todos podem
ser curandeiros, apstolos, profetas e doutores. E que numa hierarquia
estabelecida, segundo Paulo, por Deus os primeiros seriam os apstolos, depois os
profetas e assim por diante. A hierarquia estabelecida e validada por um discurso
de autoridade estava ligada a transmisso dos conhecimentos de e sobre Jesus. Por
isto mesmo que fica a pergunta: que elemento norteador seria dentro das
5 Cavalcanti, Juliana. Cristo estaria assim dividido?: as disputas e formas de poder na comunidade paulina (Corinto, sculo I EC). Orientador: Andr Leonardo Chevitarese. Rio de
Janeiro:UFRJ/IFCS/Departamento de Histria; FAPERJ, 2013. Monografia (Bacharelado em Histria). Trabalho tambm esta questo sobre a leitura do projeto paulino em meu artigo publicado neste mesma
revista: Cavalcanti, Juliana. H, portanto, muitos membros, mas um s corpo: uma breve anlise sobre o programa paulino de Reino de Deus. Revista Jesus Histrico, 2013: 80-85.
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comunidades paulinas que estariam possibilitando a obteno e a transmisso dos
conhecimentos sobre e de Jesus? Se hierarquias se fazem necessrias
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