XIII Reunião de Antropologia do Mercosul
GT 45 - Entidades religiosas: agenciamentos, materialidades, fluxos e
diásporas
No rastro dos Orixás: agenciamentos, materialidades e formas
de existência nas práticas rituais umbandistas realizadas na
natureza
Lucía Copelotti
Universidad Católica del Uruguay (UCU)
22 a 25 de Julho de 2019
Porto Alegre (RS)
Introdução
A possibilidade de direcionar os esforços à produção da simetria entre
diferentes regimes de conhecimento e entre humanos e não humanos tem
emergido com força nos últimos anos, caracterizando um debate que ganha
cada vez mais concretude na disciplina antropológica. A partir do que tem se
enunciado como uma virada ontológica1, mediante a proposição de esquemas
teóricos que acentuam a necessidade de ir além de abordagens consagradas
na tradição intelectual do Ocidente Moderno que operam através de “grandes
divisores”, tais proposições apontam para o fato de que a visão dualista do
universo, que atua pela afirmação de oposições binárias – como
natureza/cultura, mente/corpo, sujeito/objeto, indivíduo/sociedade – não deve
ser projetada como um paradigma ontológico sobre outras culturas. Tal visão,
longe de ser universal, não corresponde aos modos como os diferentes grupos
e povos não ocidentais concebem e organizam o(s) cosmo(s).
Trata-se não apenas de romper com a universalização das categorias,
avançando na superação do etnocentrismo, como abandonar uma ontologia
antropocêntrica (DE LANDA, 2003), na qual o real e o não real são definidos a
partir do que nós humanos somos capazes de observar e perceber. A proposta
é investir na efetivação de uma ontologia simétrica que busca não “apenas
reconhecer a diversidade cultural e levar em conta o ponto de vista do "outro"
humano, mas de considerar o ponto de vista das coisas e dos organismos não
humanos que habitam o mundo” (STEIL & CARVALHO, 2014:166).
Concebendo o conhecimento não como um saber sobre o mundo e os seres
que o habitam, mas como o resultado da relação com e no mundo que a
multiplicidade de seres, entidades, coisas, estabelecem entre si. Em outros
termos, para se conhecer o mundo é fundamental o engajamento, atendendo
ao “fluxo generativo dessas relações de mútua afecção”, de forma que sejamos
capazes de reconhecer aquilo que “torna possível aos organismos humanos e
1 De acordo com Taddei e Gamboggi (2016), “A expressão “virada ontológica” refere-se a uma transformação em parte importante da produção acadêmica contemporânea, onde preocupações mais propriamente epistemológicas cedem espaço à reflexão sobre a dimensão ontológica da existência; em outras palavras, onde o estatuto de verdade dos enunciados, e mesmo a reflexão a respeito das dimensões discursivas de enunciação, dão lugar à preocupação com o estatuto dos existentes enquanto tais”.
não humanos existirem, conviverem e constituírem a si mesmos e ao mundo
em contínua relação” (CARVALHO, 2014: 79).
Partindo desses pressupostos, o exercício que me proponho nesta
comunicação está orientado pelo interesse de indagar a respeito das
associações entre humanos e não humanos na produção e reprodução da
Umbanda, tomando como foco de interesse empírico as práticas religiosas
realizadas em paisagens naturais. Os dados apresentados ao longo do
trabalho são produto da etnografia desenvolvida no meu mestrado em
Antropologia, no qual busquei compreender a concepção de natureza presente
na cosmologia umbandista a partir da centralidade concedida aos rituais
realizados nos espaços naturais, mais precisamente nos “pontos de força”. Em
um primeiro momento, procuro privilegiar uma descrição detalhada e extensa
dos rituais atendendo para o agenciamento das coisas e dos corpos implicados
em tais situações, de forma a evidenciar a malha de relações entre a
diversidade de seres que conformam o cosmos umbandista e explorar os
processos por meio dos quais as entidades espirituais adquirem forma e
eficácia nos contextos etnografados. Em um segundo momento, busco tecer
algumas reflexões (provisórias) sobre a possibilidade de considerar a
relevância da minha interlocução com as entidades espirituais na produção do
conhecimento antropológico sobre o contexto investigado, reconhecendo a
singularidade das perspectivas dos diversos seres no seu habitar o mundo
(INGOLD, 2012).
1. O ritual de Obrigação da Cachoeira
Ao longo da minha pesquisa de campo acompanhando as atividades da
Tenda Espírita Vovó Nazareth e Povo Baiano, localizada no município de
Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro, pude perceber que nas ocasiões em
que fazia-se necessário realizar algum ritual fora do espaço do terreiro, fosse
este uma obrigação, uma oferenda, um ebó, um despacho, ou mesmo nas
ocasiões em que Mãe Neide reivindicava o direito de acesso e uso das áreas
naturais, raramente essa necessidade era expressa aludindo à necessidade
de “ir à natureza”. Na maioria das vezes, falava-se da exigência de visitar os
“pontos de força”, de modo a cumprir com a realização do ritual ou concluir
alguma das etapas do trabalho mágico-religioso em curso.
Na cosmologia umbandista, os diferentes “pontos de força” apresentam-
se enquanto locais que concentram as energias e frequências vibracionais dos
Orixás. Esses espaços, habitados por uma multiplicidade de entidades
espirituais e constituídos mediante a identificação e correspondência das
divindades aos elementos e fenômenos naturais – como rios, campinas,
florestas, raio, trovão, vento, etc. – são primordiais na produção e reprodução
da Umbanda. Nesses ambientes encontram-se a energia e a força dos Orixás e
dos guias espirituais; ambientes onde os praticantes podem sintonizar-se a
essa energia fundamental através da interação e da comunicação que se
estabelece com esses seres mediante a execução dos pontos cantados, a
realização de preces, de danças, do desenvolvimento de práticas mágico-
religiosas e da oferta de presentes, sobretudo, dádivas alimentares.
Nessa direção, a significação dos diferentes espaços naturais enquanto
“pontos de forças” não podem ser dissociados dos sentidos atribuídos às
práticas ali desenvolvidas. Ir aos pontos de força é, dessa forma, restabelecer o
equilíbrio do médium por meio do contato com as divindades e entidades que lá
habitam. Dentre as práticas realizadas nos “pontos de força” com a finalidade
de renovação da vitalidade e do reequilíbrio energético do médium, os rituais
denominados como obrigações apresentam-se como fundamentais para esse
objetivo. Nesse contexto, o ritual de Obrigação da Cachoeira configura-se,
dessa forma, como um dos ritos coletivos anuais que devem ser realizados
pelos médiuns visando a limpeza espiritual e fortalecimento da “coroa
mediúnica”2, protegendo e possibilitando o bom desempenho das pessoas
envolvidas com o trabalho mediúnico da casa.
O ritual realizado simboliza o trabalho nas “águas puras e límpidas de
Oxalá”3. Pede-se a purificação de todas as “águas sujas”, isto é, de tudo de
ruim que se passou na vida do filho de santo, afastando todas as negatividades 2 A “coroa mediúnica”, conforme explicou Vovó Mariquita em uma das sessões de trabalho de desenvolvimento, é composta da seguinte forma: no centro, no topo da cabeça, temos o “Ori”, ocupado por Oxalá, divindade suprema do cosmos umbandista; a região da testa é ocupada pelo o Orixá principal da pessoa, chamado de pai ou mãe de cabeça; nas laterais esquerda e direita, tanto na parte frontal quanto na parte traseira da cabeça, assentam-se mais quatro Orixás, os quais conformam o chamado “pedestal”, essencial na sustentação da coroa mediúnica. 3 Essa explicação me foi dada por Vovó Nazareth no dia seguinte ao ritual.
que possam estar interferindo no seu bem estar e no seu equilíbrio, com a
intenção de assim possibilitar a sua renovação energética e o refortalecimento
da vitalidade do médium.
Assim, por ocasião da Obrigação da Cachoeira, o primeiro ato da mãe
de santo ao ingressar no espaço no qual foi realizado o ritual foi pedir licença
aos seres que lá habitam para adentrar o local. Os filhos foram caminhando na
frente de Mãe Neide enquanto esta acendia uma vela que foi deixada no início
de uma das trilhas que leva até a margem do rio. Sacudindo o adjá4, ela foi se
perdendo na mata enquanto pedia licença e gritava “Salve! Salve o povo das
matas!”.
Já na beira do rio Mãe Neide chamou uma vez mais a atenção dos
médiuns para a importância de saudar as entidades espirituais, pois todo
espaço sagrado – seja o terreiro, ou os pontos de força – tem os seus
guardiões. Com certa impaciência, a mãe de santo falou para aqueles filhos
que estavam preocupados em deixar tudo arrumado para o momento da
cerimônia que ela já havia mandado “todo mundo ficar virado de frente para o
rio”, afirmando que ela não começa a “trabalhar sem pedir licença”. Saudaram-
se assim as sete linhas da Umbanda5, evocando cada Orixá e sua saudação
correspondente, e encerrou-se esse momento dizendo “com a proteção de
Ogum, a força de Oxalá, o sol a me esquentar, a lua a me clarear, são as
águas abençoadas do meu Pai Oxalá. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Em nome de todo santo, na força dos Orixás”.
Para escolher o local adequado para a realização do ritual, a mãe de
santo, de pé sobre uma pedra, olhou atentamente o rio, analisando o fluxo das
águas. Depois de observar o local, retrocedeu um pouco, contornou outra
pedra e entrou na água posicionando-se no ponto exato onde ficaria até
finalizar a sequência ritual correspondente à “lavação da coroa”. Era o ponto de
maior fluxo d’água, onde se produz a queda e o rio precipita-se para em
seguida confluir e formar uma pequena piscina natural. Esse é o ponto exato
onde as águas correm com maior intensidade, possibilitando, nesse sentido,
4 O adjá é uma espécie de sineta usada pelo sacerdote para sinalização ou ativação de alguma linha espiritual de trabalho, apresentando-se como um instrumento essencial na comunicação entre os devotos e seus guias. 5 A linha refere-se à uma faixa vibracional ou energética específica dentro da corrente vibratória
espiritual, a partir da qual se efetua a organização dos espíritos. A Umbanda seria, assim, constituída por sete linhas principais e cada uma delas está sob a direção de um Orixá.
que os fluídos negativos sejam carregados pela correnteza e a renovação das
energias do filho de santo se concretize.
Os aspectos ligados à escolha do local dentro do rio para execução da
prática ritual é fundamental para a compreensão dos diversos simbolismos
associados à “Obrigação da Cachoeira”. Tal dimensão é relevante não apenas
para o entendimento da função que as águas cumprem no processo de
renovação energética dos médiuns, mas também pela associação que se
estabelece entre os elementos naturais e as divindades que, tendo o domínio
sobre esses elementos, agem sobre os filhos de santo. Nesse âmbito, ora os
elementos e fenômenos naturais apresentam-se como objetos que propiciam a
comunicação entre as deidades e seus devotos; ora as deidades apresentam-
se como donas desses elementos, confundindo-se, assim, com os próprios
elementos.
Chegado o momento de dar início à etapa correspondente à “lavação da
coroa”, Mãe Neide me pediu que não registrasse com a câmera fotográfica o
instante em que a pessoa é mergulhada e disse que depois que ela lavasse a
cabeça de cada filho e a cobrisse com o pano branco, eu poderia voltar a
fotografar. Em respeito ao pedido da mãe de santo, não realizei nenhum
registro dessa sequência ritual, voltando a utilizar a câmera fotográfica após
receber a autorização de Vovó Nazareth. Assim, sentada sobre uma grande
pedra, de frente para Mãe Neide, observei mais uma etapa do ritual de
Obrigação da Cachoeira.
A etapa realizada dentro do rio é antecedida pelo agraciamento de
“mamãe Oxum” e o “povo das águas” mediante oferecimento de um melão,
com o qual se faz uma espécie de vasilha e é preenchido com mingau de
creme de arroz regado com um pouco de mel, e de uma vela, acesa ao lado da
oferenda. Ao entregar o melão, deve-se agradecer por todas as bênçãos
recebidas e também pedir a estes seres que lhes concedam “força e firmeza” e
que suas energias sejam renovadas. Desse modo, à medida que os filhos
concluíam a “oferenda de firmeza”6 foram sendo chamados por Mãe Neide
6 Na Umbanda, “firmar” significa assentar ou estabelecer um ponto de força espiritual. Acontece
quando acionamos o plano espiritual pela ação de nossa vontade e nosso pensamento. Assim, uma firmeza para Oxalá pode ser, por exemplo, uma vela acesa junto a uma prece feita à imagem de Jesus Cristo.
para, então, passarem pelo processo de “fortalecimento e confirmação da
coroa”.
A fórmula ritual executada nessa etapa é constituída por uma série de
gestos, repetidos sequencialmente, que consistem em mergulhar a cabeça do
filho de santo por três vezes sucessivas na água; em seguida, a mãe de santo
pede que lhe seja entregue a primeira bebida a ser utilizada para a “lavar a
coroa”. Derrama-se então, vagarosamente, o líquido na moleira do filho,
esfregando-o em sentido circular, salvando a linha ou entidade que está sendo
evocada. Em outras palavras, a ação consiste em ir lavando a “coroa” e
“gritando em cima do Orixá”, isto é, pedindo para que as divindades concedam
a renovação da força da “coroa” e sua firmeza, e, através da manifestação no
corpo do filho de santo – em um estágio preliminar de incorporação –
confirmem a “obrigação”.
Os médiuns que não estavam de obrigação encarregavam-se de auxiliar
Mãe Neide, alcançando os elementos necessários para a “lavagem da coroa” e
mantendo a “firmeza” do ritual pela evocação constante dos pontos cantados
em homenagem a Oxum. Usa-se nesse ritual as bebidas correspondentes a
cada Orixá ou à linha, no caso dos guias espirituais. Na ocasião, os filhos
receberam na “coroa” a cerveja branca (pilsen) de Ogum; cerveja preta de
Xangô; o espumante Chuva de Prata para as iabás, Orixás femininos
correspondentes a Oxum, Iansã, Iemanjá e Nanã; vinho tinto de Oxóssi;
guaraná e soda limonada para os Ibejis, entidades infantis; vinho moscatel do
povo da Bahia; e, finalmente, a água mineral de Oxalá.
Cada bebida aciona a entidade à qual se associa, coagindo os guias
espirituais a se fazerem presentes e, com isso, propiciarem a renovação das
forças da “coroa”. Essas bebidas são utilizadas na cabeça de todos os filhos,
contudo, a ordem varia segundo a intuição de Mãe Neide. À medida que o ritual
vai se desenvolvendo, ela vai gritando a ordem das bebidas para os filhos que
a auxiliam, segundo o conhecimento das características da coroa do médium.
Ou seja, se trata-se de um filho de Xangô, a primeira bebida utilizada pela mãe
de santo para lavar a cabeça será a cerveja preta, pois é a bebida
correspondente a esse Orixá.
Concluída essa sequência, a mãe de santo amarra um pano branco na
cabeça do médium, garantindo a proteção de sua coroa. Nesse momento lhe
são entregues seis palmas7, sendo três brancas e três vermelhas, simbolizando
o lado direito e o lado esquerdo que constituem a Umbanda8. Com as palmas
em mãos, a mãe de santo passa o ramalhete na testa, em um ombro, no outro,
nas costas e na frente do filho, sem encostar no corpo. Feito isto, o médium,
em um ato de oferecimento, entrega as flores para as águas.
Findado o processo de “confirmação da coroa” propriamente dito, Mãe
Neide incorporou Vovó Nazareth para dar seguimento à etapa final do ritual.
Apoiando-se no seu bastão, a preta velha caminhou até a beira do rio, e
acomodando-se em uma pedra, pediu que lhe alcançassem uma vela, seu
fumo e seu cachimbo. Em seguida, ordenou que aqueles filhos que estavam de
obrigação entrassem no rio, formassem um círculo e, a seguir, ficassem de
costas uns para os outros. Enquanto aguardava os filhos se organizarem, Vovó
permaneceu ali sentada, calada por alguns segundos, apenas fumando. Após
esse instante de silêncio, trocamos algumas palavras, ela mencionou que
agora eu poderia fazer registros fotográficos novamente e que esse ritual trazia
“o ensinamento de não colocar louças que tão lá reclamando”, referindo-se ao
uso do melão para ofertar o mingau ao “povo das águas” em substituição das
“panelas”9.
Com os filhos perfilados segundo suas orientações, Vovó os instruiu
acerca de como deveriam saudar as entidades espirituais e nesse ato ir
pedindo a “força e a firmeza”. Deste modo, a saudação ao “povo dos astros” foi
feita com as mãos direcionadas ao céu e os braços bem estendidos, batendo
palmas em seguida; para saudar Oxum, os médiuns posicionaram as mãos na
altura do tronco, como se estivessem transmitindo alguma bênção, e assim
bateram palmas; finalmente, para a saudação ao “povo das águas” os médiuns
posicionaram os braços ao lado do corpo e bateram suavemente na superfície
da água por alguns segundos.
7 As palmas, palma-de-santa-rita ou gladíolo são flores de formato campanulado reunidas duas
a duas em uma espiga longa e ereta na ponta de um talo cilíndrico e firme. 8 De acordo com o que foi explicado certa vez por Mãe Neide a Umbanda constitui-se pela
divisão em duas linhas ou lados complementares: lado direito e lado esquerdo. Basicamente, o lado direito é composto por entidades como Caboclos, Pretos-Velhos, Erês. Já, o lado esquerdo, corresponde à linha espiritual na qual trabalham os Exus e Pomba-giras. 9 Também conhecidas como alguidares, as panelas são potes de barro utilizados para
depositar a comida que é ofertada aos Orixás e aos guias espirituais. A frase proferida pela Vovó fazia referência às discussões desenvolvidas no âmbito do Grupo de Trabalho Florestas Sagradas, criado no âmbito do Parque Estadual dos Três Picos, sobre os “impactos” da realização de oferendas no interior da Unidade de Conservação e suas possíveis soluções.
Enquanto os filhos faziam suas saudações Vovó Nazareth chamou um
dos médiuns que auxiliava no ritual, e pediu a ele que entrasse na água e
distribuísse três palmas brancas para cada um. Depois que todos estavam com
as flores em mãos Vovó os orientou para que abrissem as palmas em forma de
leque, com o cabo em direção ao corpo, e mantendo-as assim, fizessem suas
súplicas ao “povo das águas”, pedindo também que esses lhes concedessem
“vitória, luz, força, firmeza e prosperidade”. Em seguida, seguindo as instruções
da Vovó, eles soltaram o leque, empurrando-o para frente. À ação de “entrega”
das flores em leque, seguiu-se uma salva de palmas, entusiasmada pela preta
velha, que gritando “salve o povo das águas, na sua luz, na sua força, na sua
firmeza” e com o braço levantado, como abençoando aquele instante,
cumprimentou os seres que habitam as águas do rio.
O momento da “soltura do leque” demandou toda a atenção e
concentração dos filhos de santo, uma vez que é fundamental observar o
trajeto das flores no instante em que estas são entregues. É através do
percurso do leque no rio que o “povo das águas” confirma a aceitação do ritual
realizado. Na ocasião, nenhuma palma cruzou, confirmando o êxito da
obrigação e a aceitação daquilo que havia sido ofertado. Caso as palmas
tivessem assumido outra disposição, seria preciso esperar alguns meses para
saber o desejo do “povo das águas” e, então, executar novamente o ritual,
seguindo as especificidades apontadas pelas entidades espirituais.
Além dessa dimensão relativa à eficácia do ritual, o ato de soltar as
palmas em leque indica que se está ofertando e agraciando o povo das águas
e também o povo dos astros10. Trata-se, como apontou Mãe Neide, de
agradecer pela licença que lhes foi concedida pelos seres que habitam naquele
“ponto de força” para que pudessem não apenas ingressar no espaço físico,
mas, fundamentalmente, “pelo momento que permitiu que pudéssemos ter
chegado até ali”, realizando com tranquilidade os trabalhos.
10
De acordo com o que me explicou Mãe Neide no dia que a entrevistei, o “povo dos astros é um lado espiritual também, mas é dos astros. Normalmente eles não incorporam, é justamente ai onde entra a agua; visão. Então aquele médium que tem a mediunidade dele, mas ele não incorpora, ele consegue ver naquele copo de água. [...] Tem aqueles médiuns que curam, que interpretam algo pra você, eles vem isso através da agua”. Normalmente, essa visão ocorre pela visualização de uma imagem que pode formar-se no copo ou mesmo na mente do médium. A menção nas orações e pontos cantados ao “sol que esquenta, a lua que ilumina e as estrelas que brilham” refere-se, dessa forma, à força dos astros.
A dimensão do encontro, ressaltada na fala de Mãe Neide, apresenta-se
como um aspecto de extrema relevância na reflexão acerca da concepção de
“natureza” que emerge no cosmos umbandista. Nada se faz sem que haja o
encontro; sem a interação entre os humanos e os seres sencientes que
habitam e reverberam no mundo.
Como é possível depreender pela análise do ritual de Obrigação da
Cachoeira, há diferentes formas de entrar em contato com o sagrado. A
sequência ritual executada nessa ocasião aponta para as interações
estabelecidas, na qual as flores, a água do rio, o mingau ofertado, constituem-
se como canais de mediação importantes na comunicação entre os humanos e
os não humanos, entre o plano visível e invisível – físico e metafisico – desse
mundo. As entidades e guias espirituais manifestam sua agência a través de
ordens distintas de materialização. No contexto investigado, esses seres são
entendidos como presenças fugazes que infundem objetos, plantas, alimentos,
substâncias, mobilizadas ritualmente, ou que causam sensações e
transformações corporais, como no caso das bebidas utilizadas no ritual que
instavam as entidades a trabalhar. Desse modo, as manipulações de materiais
e as intervenções rituais são condições necessárias para as interações e
materializações espirituais.
2. Da calunga pequena à calunga grande: a entrega do barco para
Iemanjá
No fundo do mar tem areia
No fundo do mar tem gongá
Tem tanta gente jogando flor pra mamãe sereia
Tem tanta preta velha fazendo cantiga na beira da areia
(Ponto cantado por Vovó Catarina ao iniciar os trabalhos do
ritual de entrega do barco para Iemanjá)
Na cosmologia religiosa umbandista, reconhece-se na praia e no mar,
isto é, na calunga grande um espaço de devoção habitado por uma infinidade
de seres, desde grandes Orixás como Iemanjá e Ogum, entidades como as
sereias, caboclas das águas, exus, pomba-giras, marinheiros, assim como de
almas esquecidas e espíritos sofredores a espera de redenção. Espaço de
muitos mistérios e grandes segredos, o seu governo é atribuído
fundamentalmente a Iemanjá, entretanto, como sinalizou Vovó Nazareth em
uma das nossas conversas, embora seja dela o poder maior sobre as águas
salgadas, ela não governa sozinha. Junto com ela também estão Ogum e
Iansã, e esses outros tantos seres que habitam a beira da praia e as
profundezas do mar.
A existência dessas outras entidades é reafirmada pelo ponto cantado
por Vovó Catarina ao iniciar os trabalhos do ritual de entrega do barco de
Iemanjá que ao aludir à presença dessa variedade de seres menciona que “no
fundo do mar tem gongá”, tem um altar. Ao chamar minha atenção para esse
fato, Vovó Nazareth fez questão de apontar que “a religião é uma coisa
maravilhosa, mas ela é cheia de segredos”. Por esse motivo, segundo Vovó
Nazareth, a entrega de barcos e presentes para Iemanjá nos dias festivos e em
outras ocasiões não deve ser feita de qualquer maneira, nem tampouco a
qualquer tempo, justamente por esses outros seres que habitam a calunga
grande e que muitas vezes são esquecidos por aqueles que vão fazer suas
oferendas e seus pedidos. O que ilustra tal assertiva, de acordo com a entidade
espiritual, é a quantidade de barcos que ficam na beira da praia após serem
entregues no mar nos dias dos festejos para a Mamãe Sereia.
Para além dos contornos que assumem as representações em torno à
crença em Iemanjá no imaginário nacional, na cosmologia umbandista a
devoção à “rainha do mar” pode adquirir, em suas diferentes modalidades, um
estatuto primordial na vida de um “zelador de santo”. Tal é o caso da Obrigação
de Entrega do Barco de Iemanjá realizada pelo pai ou mãe de santo a cada
sete anos. A soltura do barco para Iemanjá é um momento fundamental na
trajetória espiritual de um “zelador”. Como me foi explicado por Mãe Neide, isto
se deve ao fato de que o percurso do barco no mar indica quanto tempo de
missão o pai ou mãe de santo ainda tem pela frente. Assim, quanto mais longo
o trajeto que o barco percorrer no mar e mais tempo ele permanecer sem virar
ou afundar maior a certeza de que se têm muitos anos mais de sacerdócio pela
frente.
Mãe Neide escolheu a praia da Barra de Maricá para realizar o ritual de
entrega do barco no dia 02 de fevereiro de 201611. Quando cheguei à praia, a
mãe de santo, junto dos filhos escolhidos para acompanharem a cerimônia –
acabara de dar início aos trabalhos. Na beira da água, posicionados de frente
para o mar, salvavam os habitantes da “calunga grande”, pedindo força,
firmeza e proteção na execução dos trabalhos. Quando terminou a “salva”, Mãe
Neide incorporou, recebendo Vovó Catarina, Guia espiritual que comandou o
ritual. A preta velha, após cumprimentar a todos, começou a cantar e, enquanto
se dirigia ao seu banquinho, posicionado baixo a sombra do guarda sol,
orientou os filhos a “firmar o ponto”12 para abrir os trabalhos.
Poucos minutos da chegada de Vovó Catarina à “terra fria”, outro
médium também incorporou seu preto velho, Pai José de Angola, que
acomodou-se ao lado da vovó. Fumando o seu cachimbo, a Preta Velha
“puxou” outro ponto, o qual fazia referências diretas ao ritual de entrega13,
pedindo para que Iemanjá, “rainha do mar”, recebesse o barquinho que lhe
seria ofertado naquela manhã.
Por se tratar de um ritual de extrema centralidade para a vida do zelador
é indispensável o cuidado na preparação do barco que será entregue a
Iemanjá. A preocupação diz respeito tanto à apresentação do barco, aos
presentes que serão entregues para a “rainha do mar”, quanto à intenção e ao
modo como são realizados os pedidos direcionados à divindade e depositados
no interior do barco.
Vovó Catarina, ao iniciar a preparação do barco, pegou cada um dos
pedidos - escritos a lápis e em papel de seda -, abriu um a um, lendo-os
atentamente. À medida que foi lendo os pedidos, a preta velha foi depositando-
os novamente no barco, desta vez abertos, e também emitindo alguns
11
Conforme me explicou Mãe Neide, em seu terreiro, a “soltura” do barco costuma ser realizada, normalmente, nos dias 31 de dezembro. Este ano, devido a uma série de imprevistos e impedimentos de ordem material, como o fato da mãe de santo ter que trabalhar no dia, o barco teve que ser entregue no dia 02 de fevereiro. 12
A expressão “firmar o ponto” refere-se à busca pela concentração coletiva, que se alcança cantando um ponto “puxado” pelo Guia responsável pelos trabalhos. O “ponto firmado” pode ser tanto cantado como também riscado ou a combinação de ambos. Ainda, a expressão remete também às situações em que o Guia “dá” o seu ponto cantado e/ou riscado como prova de sua identidade. 13
O ponto cantado foi o seguinte: “Nas ondas do mar tem uma rainha que é Iemanjá/ Mamãe, mamãe, o lhes ajude, lhes ajude eles precisam trabalhar/ Com a tua força, tua firmeza, tua ajuda/O seu barquinho, o seu barquinho eles querem entregar/Mamãe, mamãe, oh lhes ajude, lhes ajude eles querem trabalhar/Odociaba!”.
comentários sobre alguns deles como: “Esses filhos não sabem nem pedir, ta
escutando?”, ou observações que ressaltavam a beleza e humildade de outros
pedidos, os quais, por mobilizarem energias positivas por meio dos bons
desejos emitidos14, contribuiriam para tornar o barco mais “formoso”.
Outro cuidado que se deve ter com relação aos pedidos é que esses não
podem, de forma alguma, ser assinados ou conter nomes, nem mesmo quando
o nome que aparece no texto não é o do autor do pedido, mas o nome da
pessoa para quem se pede algum tipo de bênção. Esse preceito, segundo me
disse Vovó Catarina na ocasião, assenta-se no princípio de que são as
entidades espirituais que devem nos identificar, e não o contrário; “não tem que
se identificar para o santo, o santo que identifica você”. Para exemplificar a
situação, Vovó deu como exemplo os casos de atendimento espiritual no
terreiro nos quais uma pessoa vai pedir intercessão por outra, nessas
circunstâncias, deve-se falar o nome da pessoa, não escrever, e o guia que
está dando a consulta confirma ou não se a “criança”15 mencionada é a que
ele está vendo, pois a identificação dá-se pelo reconhecimento da energia.
Assim, dos pedidos com nomes, somente aqueles nos quais foi possível
suprimi-los cortando parte do papel, puderam ser entregues.
Do mesmo modo que os pedidos foram ganhando seu lugar específico
dentro do barco, os pentes, de cor branca, e os pequenos espelhos
arredondados, de cor azul celeste - ambos de plástico-, foram acomodados nas
laterais da embarcação de aproximadamente 50 centímetros de comprimento.
Os pequenos frascos de perfume, saquinhos com talco e sabonetes, que
estavam em caixinhas estampadas com a imagem de Iemanjá, foram retirados
das embalagens e espalhados no fundo do barco. Além desses objetos de
perfumaria presenteados à “rainha do mar”, que evocam a feminilidade e
beleza desse Orixá, cinco barquinhos feitos de papel de seda de diferentes
cores – os fuxicos16 de Mãe Neide – compunham também a oferenda.
14 De acordo com o que expressou Vovó Catarina na ocasião, os pedidos mais “formosos”, mais bonitos, são aqueles que priorizam os agradecimentos, ao invés dos pedidos. 15 Na linguagem dos pretos-velhos, o termo “criança” pode ser entendido como um sinônimo de pessoa, uma vez que mesmo indivíduos em idade adulta são também referidas como “crianças”. 16
Segundo me explicou Mãe Neide, os fuxicos são pedidos de firmeza realizados pelo médium aos guias que conformam os pilares de sua coroa. Os fuxicos são permeados pelo segredo, não podendo ser revelados a ninguém.
As flores ofertadas, sete palmas brancas, foram acomodadas por Vovó
Catarina em toda a extensão do barco. Na popa, fixaram-se quatro velas
brancas acesas. Por fim, Vovó pediu que uma das filhas de santo fosse até a
água, submergisse a garrafa do espumante Chuva de Prata, o abrisse e,
jogando um gole da bebida no mar, “salvasse” as “águas”. Quando Liana
retornou, a entidade, com a garrafa em mãos, saudou as iabás ao grito
continuo de “Eparrei, Odoiá, Ora ieieo” e ofertou a bebida banhando com ela a
embarcação.
Enquanto arrumava o barco, Vovó conversava com os filhos. Explicava
algum preceito ao indicar como se deve pedir; o que deve ou não ser entregue
no barco; e esclarecia como seria feita a entrega (“Eu vejo que não precisa
entrar, só ficar na beira d’água, contar as sete ondas e entregar”). Esse último
aspecto é especialmente relevante para compreender os contornos do
processo de comunicação que se estabelece entre os devotos e suas
deidades. E explicando alguns dos significados atribuídos aos percursos do
barco no mar, complementou:
Se tivermos o tempo pela frente, ele vai, ta escutando? É assim. Se o tempo ta na metade ele vai até ali e vai virar. Se o tempo não é pra ir, ele vai e vai voltar. É assim, cabe a firmeza de vocês e a busca de vocês. Por isso, quando um zelador vai soltar um barco, não se carrega muita gente e tem que ver os pedidos que bota no barco, que acaba virando tudo de cabeça pra baixo. (Vovó Catarina, Ritual de Entrega do Barco de Iemanjá, 02 de fevereiro de 2016)
Nessa direção, além da qualidade dos pedidos, como já foi apontado
anteriormente, o pensamento e a energia desprendida por aqueles que
acompanham tal ritual é também um aspecto primordial para o sucesso da
obrigação. A centralidade dessa dimensão diz respeito ao princípio da
cosmologia umbandista que afirma a importância da qualidade e da força do
pensamento, bem como da intenção emanada em qualquer entrega ou
“trabalho” que deva ser realizado.
As preces e os pontos cantados são fundamentais para a mobilização
das energias com as quais se procura trabalhar. Nesse âmbito, o jogo de
palavras acionado nos pontos cantados mobiliza diferentes temporalidades e
espaços, explicitando por meio das palavras o contato entre mundos. Conforme
cantou Vovó Catarina:
Oh minha mãe, minha mãe Odociaba Oh minha mãe, minha mãe Iemanjá E olha o tempo, olha o tempo que passou por lá (x2) Oh mamãe Iemanjá Tu es força e poder, tu es luz e alegria Com a força e firmeza do nosso pai Oxalá Oh minha mãe, minha mãe Iemanjá Oh minha mãe, minha mãe Odociaba vem ca Está nas tuas mãos o mamãe Iemanjá, o barquinho para velejar Oh minha mãe, minha mãe, seu fuxico é no fundo do mar Oh minha mãe, minha mãe, mas tu sabe bem se afirmar Oh minha mãe, minha mãe, minha mãe Iemanjá Minha mãe Odociaba Receba o seu barco e veleje ele lá Mas dê força e firmeza pra esses filhos de cá Sabedoria precisa, equilíbrio também Mamãe tu mais do que ninguém sabe se equilibrar Oh mamãe, oh mamãe, oh mamãe Iemanjá(x2) Tua força vem me dar Odociaba!
O ponto cantado por Vovó Catarina faz uma súplica para que “mamãe
Iemanjá” atenda a seu chamado e receba o barco que lhe está sendo ofertado.
Ao longo do canto se estabelece uma relação de contraponto entre dimensões
de tempo e espaço distintas pelo jogo que é feito ao mencionar o lá e o cá.
Exaltam-se as qualidades de “mamãe Iemanjá”, atribuindo a ela o poder sobre
a direção do barco e, consequentemente, sobre o destino de Mãe Neide e seus
filhos de santo.
Nesse contexto, a salva, não é apenas objeto de intenção, mas de ação.
Associando palavras e gestos se mobilizam e ativam as forças e energias. Na
comunicação entre a dimensão visível e a invisível do cosmos umbandista, a
palavra, seja em forma de oração, de “salva” ou de ponto cantado17, adquire
uma função primordial, pois a mobilização de determinados termos,
sintonizados e ampliados pelos gestos e pela força do pensamento,
constituem-se como elementos centrais na produção do ritual. É mediante
essas invocações que se estabelece o contato com as entidades espirituais
com as quais se busca trabalhar; com as quais se pretende entrar em interação
e cooperação. As “salvas” e pontos cantados ganham, desse modo, condição
de preces. As palavras pronunciadas, associadas aos gestos executados, bem
17
As cantigas ou pontos, geralmente, são compostos de pequenas estrofes que se repetem ao menos duas vezes consecutivas. O ponto cantado desempenha a função fundamental de estabelecer a conexão com as entidades espirituais; é uma saudação direcionada aos guias e Orixás, a fim de que estes se manifestem; um chamado à comunicação entre os seres humanos e não-humanos do cosmos.
como à mobilização de certos artefatos rituais, como o “adjá”, são
fundamentais para a produção da eficácia do ritual, dando materialidade à
cosmovisão do contexto religioso umbandista. Nessa direção, como sugere
Santos (1986:18), “as palavras tem um poder de ação. Ignorar aquilo que é
pronunciado no decorrer de um rito é o mesmo que amputar um de seus
elementos constitutivos mais importantes e provavelmente mais revelador”.
Ainda, deve-se atender também aos componentes não verbais, centrais
na execução dos ritos. Nesse contexto, o conjunto de gestos e a entonação
constituem-se enquanto informações adicionais, que complementam o sentido
daquilo que se fala, uma vez que a “transmissão oral é uma técnica a serviço
de um sistema dinâmico. A linguagem oral está indissoluvelmente ligada à dos
gestos, expressões e distância corporal. Proferir uma palavra, uma fórmula é
acompanhá-la no decorrer de uma atividade ritual dada” (SANTOS, 1986:47).
O agenciamento das energias e bons fluidos, mediante a manipulação
das palavras evocadas, e os atos mágico-religiosos desenvolvidos pelo guia
espiritual no comando do ritual, são fundamentais na preparação do barco.
Assim, ao ponto cantado, seguiu-se uma prece evocatória. Com a mão direita
no ar, abençoando a embarcação, Vovó Catarina suplicou:
A tua força, a tua firmeza, minha mãe Iemanjá. É o barco que ta em tuas mãos, é você que tem o remo e é você que sabe velejar, é você que sabe ajudar e é você que sabe afirmar. Assim como você sabe descarregar e limpar; limpar todos esses negativos, limpar todas essas perturbações, todas essas quizilas, essas demandas, essas feitiçarias que se encontra em cima da terra fria. Por isso, veleja seu barco, sacoleja suas ondas e ajude a trabalhar. Proteja a coroa desse burro, dá a luz e a sabedoria pra ela; pra ela dar sua continuação, com força, com firmeza e com sabedoria. Não se entregando nas mãos daqueles inimigos, daqueles que querem ver suas fraqueza, daqueles que querem ver ela botar o pé pra trás. E firme o pé dela para que saiba seguir em frente. Caminhando, acendendo suas luzes e firmando a coroa dela. Dando paz, dando saúde, alegria e satisfação como sempre teve, em tudo o que faz, em tudo que fez. Para que ela tenha sabedoria, não de olhar aquilo que ta errado só, aquilo que ta ruim, mas de olhar o bom, o que ficou pra trás e de todas as luz que ela já soube acender e já soube firmar. Salve minha mãe Iemanjá, salve Janaína, salve todas as caboclas do mar, salve todo o povo do fundo do mar, salve a calunga grande, salve o dia de hoje e salve as horas que são! É na tua força e na tua firmeza. Ta entregue, minha mãe!
Imantado pelas energias e palavras emitidas por Vovó Catarina, o barco
destinado à “rainha do mar” estava pronto para ser lançado às águas. No
momento em que concluiu suas preces Vovó Catarina se dirigiu ao Pai José de
Angola avisando: “ta entregue, malungo18!”. Desse modo, o preto velho, que
estava na “terra fria” para ajudar a Vovó a firmar os “trabalhos”, desincorporou
e Flávio juntou-se aos seus irmãos para levar o barco até a beira d’água.
Orientados por Vovó Catarina, antes de entregarem o barco, os médiuns
caminharam até o montinho de areia que havia sido levantado poucos minutos
atrás por uma das filhas de santo e que serviu, nesse momento, para apoiar a
embarcação. O morro tinha de cada lado uma canaleta, nas quais ofereceram-
se as velas que haviam sido depositadas no barco junto com os pedidos, no dia
em que este foi arriado no terreiro por ocasião da gira de encerramento.
Ajoelhados na areia e com o olhar firme em direção ao mar os quatro
permaneceram em silêncio por alguns minutos, mentalizando e firmando o
pensamento.
Em seguida, o médium encarregado da soltura, tomou o barco, o apoiou
no topo de sua cabeça e todos caminharam em direção à água. Enquanto duas
filhas de santo e Vovó Catarina pararam na beira d’água, os dois médiuns
homens que acompanhavam o ritual adentraram no mar e seguindo as
orientações transmitidas por Vovó Catarina alguns minutos antes, no quebrar
da sétima onda, soltaram o barco. Da areia, os cinco observavam com um
semblante apreensivo o sacolejar das ondas. A embarcação passou a primeira
onda, passou a segunda, na terceira, a proa deu uma pequena levantada,
ameaçando virar e produzindo alguns segundos de tensão naqueles que
acompanhavam a cena.
Na beira d’água, Vovó Catarina gritava, clamava para que a Mamãe
Sereia levasse o barco, determinasse seu rumo no mar, aceitando a oferenda
que lhe estava sendo entregue; “Leva o seu barco! Leva o seu barco! Com luz,
firmeza e proteção. Confirma essa coroa”. Apoiada em seu bastão, a Vovó se
manteve firme na beira do mar. Com a feição séria ela acompanhava o rumo
da embarcação. Mais uma vez Vovó advertiu em seu pedido que “não se pode
virar o barco”, pedindo que Iemanjá o levasse; pedindo aos Orixás e entidades
– Ogum, Xangô, Oxóssi, Oxum, Iansã, os Ibejis e à Pomba Gira – para que
ajudassem Iemanjá, que ela levasse o que lhe pertencia e não o devolvesse.
18
O termo malungo ou malunga significa companheiro, camarada, parente. Nos tempos da escravidão o termo também era usado por um escravo para se referir a outro que tivesse vindo da mesma região do que a sua na África.
Vendo o barco distanciar-se, Vovó assentiu diante da mensagem dada
por Iemanjá: “Esse, minha mãe! Ainda tem muito tempo de fucumba
[macumba] na terra!”. O percurso do barco não se desenhou em direção
retilínea ao alto mar; foi navegando paralelo à faixa de areia. Como nos
explicou Vovó Catarina em seguida, “O barco vai de acordo com as
correntezas no mar, não trabalha contra a correnteza. Você entregou, agora ela
[Iemanjá] faz o caminho dele, ta escutando? Ou ela leva ou ela devolve. Ele ta
indo de acordo com o caminho que ela traçou”.
Vovó havia cumprido assim a sua incumbência. O barco foi entregue e a
confirmação foi dada por Iemanjá que definiu o seu percurso no mar,
desvelando, desse modo, o futuro da vida espiritual de Mãe Neide e,
consequentemente, de seus filhos de santo. Antes de partir Vovó Catarina
pediu para os filhos transmitirem à mãe de santo esse desígnio: “Fala pro burro
que o tempo espiritual ainda ta longo”. Assim, Mãe Neide desincorporou e
agradeceu à “rainha do mar” por toda a força, pela confirmação e “por todas as
horas e todos os dias de bênçãos e luz”.
Passadas algumas semanas da feitura do ritual tive a oportunidade de
conversar profundamente com a Vovó Nazareth acerca dos significados
atribuídos àquela prática19. Ela me explicou que a entrega do barco a cada sete
anos objetiva a “confirmação e firmeza”. A confirmação do tempo de missão
que a mãe ou o pai de santo tem pela frente, e o pedido para que ele tenha
“firmeza, força, luz e proteção” em sua caminhada. Assim, por se tratar de um
ritual tão fundamental e determinante na vida de um zelador é que deve ser
realizado com menos periodicidade.
Tal como me disse Vovó Nazareth existem quatro possibilidades quando
da entrega de um “barco de confirmação e firmeza”. Essas situações variam de
acordo com o destino traçado por Iemanjá para aquele médium, a partir de uma
espécie de avaliação realizada pela divindade, do modo como aquele pai ou
mãe de santo vem desenvolvendo sua “missão espiritual”.
Dessa forma, a primeira possibilidade refere-se àquelas situações nas
quais o barco vira totalmente e os objetos que compunham a oferenda vão
para o fundo do mar. Nesse caso, os desígnios de Iemanjá indicam que o
19 Refiro-me aqui à conversa ocorrida no dia 23 de fevereiro de 2016 na Tenda Espírita Vovó Nazareth e Povo Baiano.
“zelador” deve fechar o terreiro por tempo indeterminado. Se apesar do mau
presságio ele optar por manter a casa aberta é imprescindível que seja
consciente em relação ao fato de que precisará enfrentar muitos desafios, não
apenas para manter as portas do terreiro abertas, mas para manter-se forte e
equilibrado no cumprimento de sua missão.
A segunda possibilidade faz menção aos casos em que o barco
entregue volta para a beira da praia, sinalizando que pai ou mãe de santo deve
se recolher por um tempo, suspender momentaneamente os trabalhos no
terreiro e cuidar de si, fortalecer-se, observar seu caminho até então, a forma
como o trabalho espiritual é desenvolvido, de modo a reconfigurar e ajustar
situações que possibilitem a continuidade de sua caminhada espiritual. Neste
caso é fundamental que seja feita a entrega de outro barco sete meses após a
primeira para confirmar os desígnios de Iemanjá.
A terceira possibilidade refere-se às situações nos quais o balanço do
mar levanta o barco fazendo-o virar levemente e, em seguida, pelo próprio
movimento da onda, retorna-o para a superfície. Ao traçar assim o destino da
embarcação Iemanjá indica que haverá barreiras e desafios a vencer pela
frente, portanto, o zelador deverá fortalecer-se, manter-se firme e equilibrado,
para enfrentar os percalços que se apresentarem em seu caminho.
Por fim, a quarta possibilidade, e poderíamos dizer a mais tranquilizante
entre elas, é quando o barco percorre uma longa distância no mar, não
havendo dúvidas de que foi muito bem aceito por Iemanjá. Nessa situação, o
barco enquanto oráculo, enquanto objeto mediador da comunicação entre os
religiosos e as divindades, prenuncia uma trajetória longa e firme para o
zelador da casa, com muitos anos de missão pela frente, indicando, também,
que a forma como estão dirigindo-se os trabalhos espirituais é a correta.
Nessa direção, o barco oferecido a Iemanjá ou mesmo as ondas do mar
não são apenas objetos passivos no processo de interação entre os religiosos
e a divindade. As ondas do mar são expressão da “santa”, e são também
mediadoras no processo de comunicação que se estabelece entre a “Mãe
d’Água” e seus devotos, pois é através da onda e da função oracular
desempenhada pelo barco nesse contexto, que Iemanjá se expressa e
evidencia a aceitação do presente. Assim, os artefatos religiosos, como
sugerem Espirito Santo & Tassi (2013 apud MELLO, 2016), longe de serem
simples mediadores ou projeções dos vínculos e das relações entre os
humanos e as entidades espirituais, “transgridem o estatuto ontológico de
meros objetos, participando ativamente da criação de cosmologias”, uma vez
que se configuram como agentes ativos na interlocução e interação entre seres
de distintas ordens, e ganham existência, “traçam caminhos, forjam relações,
geram efeitos na vida das pessoas” (ibdem).
Entidades espirituais e a coprodução do conhecimento etnográfico
Ao longo do meu trabalho de campo acompanhando as sessões de
desenvolvimento mediúnico e os diversos rituais realizados nos espaços fora
do terreiro, tive a oportunidade de aprender não apenas junto com a mãe de
santo e os médiuns da casa, mas de receber o ensinamento dos guias e
entidades espirituais. Em mais de uma ocasião, percebendo meu olhar
interessado, se aproximavam e me esclareciam certos aspectos constituintes
da ritualística umbandista; questionavam qual a minha opinião acerca dos
rituais que tive a oportunidade de acompanhar ou então respondiam
gentilmente minhas dúvidas com relação a certos preceitos religiosos.
Certa vez, quando acompanhava o trabalho de desenvolvimento
mediúnico no terreiro, minha atenção aos ensinamentos dados por Vovó
Mariquita foi momentaneamente perturbada ao perceber a quantidade de
alimentos e bebidas que estavam arriados no quarto de Exu e Pomba Gira. Na
ocasião, os médiuns desenvolviam um trabalho com as entidades conhecidas
como mineiros e boiadeiros20. Entre um ponto e outro, as incorporações foram
acontecendo e as entidades dos filhos de santo foram chegando na “terra fria”.
Ao ver o meu olhar curioso em relação às oferendas o boiadeiro de um dos
filhos de santo aproximou-se e explicou-me que é “difícil as pessoas
entenderem”, mas que eles, entidades espirituais, tal como nós, também se
“alimentam”; alimentam-se com o cheiro e a energia contida nas comidas e
bebidas a eles oferecidas. Então, perguntei à entidade se eram “eles” que
pediam quando queriam comer, ao que o boiadeiro me respondeu
20
Mineiros e boiadeiros são entidades espirituais que trabalham na linha dos caboclos, representativas, fundamentalmente, do homem do campo e cujo principal ensinamento, conforme me disseram, é a importância da força de vontade e a simplicidade.
afirmativamente, complementando que às vezes essas entregas votivas
correspondiam a agradecimentos, a pedidos de força na realização de algum
“trabalho”, pedidos de equilíbrio para algum filho, ou ainda, feitas com a
intenção de “quebrar quizila”21.
Situação similar ocorreu em mais de uma oportunidade na qual Vovó
Nazareth indagou acerca da minha percepção sobre os rituais que havia
acompanhado. Lembro especialmente da ocasião na qual a Preta Velha me
perguntou o que havia achado do ritual de entrega do barco para Iemanjá e,
enquanto conversávamos, mencionou que a relação entre as duas “calungas” –
o cemitério e o mar – seria um aspecto importante para a compreensão dos
significados atribuídos ao ritual e aos contornos que a natureza assume no
cosmos umbandista. Ao estabelecer essa ponte entre a calunga grande e a
calunga pequena a entidade chamou minha atenção para a dimensão
concernente às qualidades das energias presentes em cada um desses
“pontos de força”.
As conversas com as entidades espirituais configuraram-se como
instâncias de diálogo fundamentais no desenvolvimento subsequente da
pesquisa e, sobretudo, na construção da própria dissertação, uma vez que
essas interações não se limitaram às instâncias de transmissão de
ensinamentos aos médiuns da casa ou de esclarecimento de dúvidas sobre os
rituais observados. As reflexões que me foram oferecidas por Vovó Nazareth
sugerem um fazer conjunto e colaborativo, pois não apenas esclareciam
diferentes aspectos da cosmovisão e das práticas rituais, como estavam
articuladas a certos interesses centrais de minha pesquisa referente à
compreensão da concepção de natureza na Umbanda.
Nesse sentido, parece que cada vez mais devemos assumir que os
nossos interlocutores, sejam estes religiosos ou entidades espirituais, não
estão somente para ser conhecidos ou para que possamos acessar
concepções de mundo diversas e múltiplas. Mais do que isso, são agentes
ativos e coprodutores, na medida em que influenciam tanto a tomada de
decisões em relação aos rumos da pesquisa quanto à própria formulação do
21
A expressão “quebrar quizila”, no contexto umbandista, corresponde ao ato de combater as energias consideradas desequilibradas e desequilibrantes e produtoras de malefícios àquele a quem são endereçadas.
conhecimento antropológico. Desse modo, na esteira das proposições que
apontam para a possibilidade de reformulação dos modos de saber apostando
em regimes de conhecimento simétricos, tanto em relação aos sujeitos da
pesquisa quanto ao tratamento concedido aos sistemas de pensamento
nativos, torna-se fundamental “alçar o status desses novos interlocutores de
campo à condição efetiva de coprodutores do conhecimento etnográfico e,
mais do que nunca, de dar-lhes crédito por essa atuação” (FONSECA & SÁ,
2011: 10).
Considerações provisórias
Como nos fala Isabelle Stengers em sua proposição cosmopolítica
(2014), o saber construído pelo pensamento ocidental é opressor, pois ao
impor-se sobre outros modos de pensamento impede a emergência do
inusitado. Trata-se de um convite à desaceleração, para tornar nosso
pensamento mais vagaroso, na medida em que incorporamos mais elementos
nesse pensar. É uma proposição, um programa para se pensar, mas não para
ser efetivado; uma proposição que busca romper com as certezas a partir das
quais observamos e falamos sobre diferentes acontecimentos. Constitui-se,
dessa forma, como um estímulo, uma utopia que nos leva a considerar outras
questões do mundo, e nos desafia a perturbar os modos dominantes de
pensar.
O idiota, personagem conceitual mobilizado pela autora (remetendo à
Deleuze e à Dostoievsky), é aquele que resiste à forma como as situações são
apresentadas, e à forma que as urgências mobilizam o pensamento e ação.
Lembra-nos, assim, que é preciso que “[...] não nos precipitemos, que não nos
sintamos autorizados a pensar que dispomos do significado do que sabemos
”(STENGERS, 2014: 19, tradução livre). O idiota e seu “murmúrio” nos alertam
de que é preciso, dessa forma, ir mais devagar, com o cuidado para não cair na
busca de uma chave universal que seja válida para tudo e para todos.
Nessa direção, refletir sobre as formas pelas quais seres intangíveis
como entidades espirituais ganham concretude e incidem na vida social parece
implicar a necessidade de “integrar a alteridade perceptiva e sensorial na
prática antropológica” (MELLO, 2016:223) para que sejamos capazes não
apenas de traçar os efeitos da ação e a própria condição de existência de uma
multiplicidade de seres e coisas no mundo, mas também para considerarmos a
sua contribuição na produção do(s) mundo(s) e do conhecimento etnográfico. A
suposição aqui é que as entidades podem existir e fazer-se presença tanto fora
quanto dentro deste domínio sensorial em virtude dos traços, sinais e efeitos
que elas geram social e materialmente.
Observando não só o que se diz sobre as coisas, mas também o que se
faz com elas (VOGEL, MELLO & PESSOA DE BARROS, 2012:31), ao longo
deste trabalho busquei privilegiar a descrição das relações, das interações, da
comunicação entre humanos e entidades. Minha intenção ao descrever
extensamente as sequências rituais, foi evitar definir a priori os contornos que
assumem as teias de interação e cooperação tecidas entre humanos e não
humanos a partir da mobilização de agências materiais e espirituais correntes
nesse contexto, permitindo que eles fossem emergindo a partir dos sentidos
atribuídos às práticas que se desenvolvem nos diferentes espaços e paisagens
naturais.
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