B o l e t i m d o C e n t r o R e g i o n a l d e I n f o r m a ç ã o d a s N a ç õ e s U n i d a s p a ra a E u r o p a O c i d e n t a l
BRUXELAS, AGOSTO 2015, EDIÇÃO NR. 72
Conferência de Adis Abeba definiu instrumentos para financiar Agenda Pós-2015
Migração 2-3
Entrevista a Jeffrey D. Sachs 4-5
Cimeira sobre Desenvolvimento Sus-
tentável 6
Cimeira sobre Aterações
Climáticas 7
CINE ONU 8
Na Terceira Conferência Internacional das
Nações Unidas sobre Investimento para o
Desenvolvimento, realizada em Adis Abe-
ba, Etiópia, entre 13 e 16 de julho, ficou
definido o conjunto de políticas e ações
que irão gerar recursos para apoiar a im-
plementação da nova Agenda de Desenvol-
vimento Sustentável, também conhecida
por Agenda Pós-2015. Na reunião foi ado-
tada a Agenda de Ação de Adis Abeba, que
estabelece um quadro de orientação políti-
ca para mobilizar recursos financeiros.
“A Agenda de Ação de Adis Abeba é um
passo em frente para construir um mundo
de prosperidade e dignidade para todos.
Este acordo define o caminho a ser segui-
do por todas as partes envolvidas no que
se refere a investimentos, em várias esca-
las, para fazer face às necessidades das
pessoas e do planeta”, disse o Secretário-
Geral da Organização das Nações Unidas
(ONU), Ban Ki-moon.
Esta conferência em Adis Abeba foi o pri-
meiro de três marcos políticos agendados
para 2015, na media que será seguida da
Cimeira sobre Desenvolvimento Sustentá-
vel, em Nova Iorque (EUA), em setembro e
da Conferência sobre as Alterações Climá-
ticas, em Paris (França), em dezembro.
O quadro resultante da Agenda de Ação de
Adis Abeba inclui mais de 100 medidas
que visam direcionar recursos financeiros -
públicos e privados - para resolver um
conjunto de desafios. Em destaque estão a
proteção social, infraestruturas, tecnolo-
gia, assistência aos países mais pobres,
cooperação em assuntos fiscais e a neces-
sidade de travar os fluxos financeiros ilíci-
tos que retiram
recursos ao desenvolvimento.
É importante também realçar que os paí-
ses se comprometeram a promover a
igualdade de direitos e de oportunidades a
nível económico paras as mulheres e as
meninas.
Os resultados da Conferência sobre Inves-
timento para o Desenvolvimento foram
para além do previamente negociado. Seis
mesas redondas e quase 200 eventos à
margem da Conferência resultaram no
anúncio de novas iniciativas para imple-
mentar a nova agenda de desenvolvimento
sustentável.
Pincipais novidades:
Impostos: Foram lançadas três grandes
iniciativas, nomeadamente “Inspetores de
Impostos sem Fronteiras (PNUD e OCDE)”,
“Iniciativa de Impostos de Adis Abeba” (18
países desenvolvidos vão duplicar a ajuda
pública ao desenvolvimento para criar
mais capacidade de execução fiscal) e
uma iniciativa conjunta do Banco Mundial
e do FMI. Adicionalmente, com base no
sucesso dos casos de redes na América
Latina e África, uma rede regional de admi-
nistradores fiscais da Ásia será convocada
pela UNESCAP.
Bancos de Desenvolvimento: Os bancos
nacionais, regionais e multilaterais de de-
senvolvimento decidiram providenciar
centenas de milhares de milhões de dóla-
res em recursos nos próximos anos, parti-
cularmente para infraestruturas e financi-
amento de pequenas e médias empresas.
Há também compromissos por parte dos
países desenvolvidos e dos países em vias
de desenvolvimento para criar novos ban-
cos de desenvolvimento.
Necessidades Sociais: Novas parcerias de
investimento foram lançadas para abordar
as questões de saúde e nutrição, incluindo
um Mecanismo Global de Financiamento
para a Saúde das Mulheres e Infantil (12
mil milhões de dólares); um fundo de 2,5
mil milhões de dólares por parte da Funda-
ção Gates e do Banco de Desenvolvimento
Islâmico; e ainda a UNITLIFE, um mecanis-
mo financeiro inovador para canalizar uma
porção dos direitos de exploração de in-
dústrias extrativas para intervenções na
área da nutrição em África. Antes da Con-
ferência de Adis Abeba, o G-7 (países mais
industrializados do mundo) anunciou o seu
compromisso de retirar 500 milhões de
pessoas da situação de fome e subnutri-
ção até 2030.
Preocupações Ambientais: A iniciativa
“Energia Sustentável Para Todos” lançou
um relatório realizado pelo seu Comité de
Intensificação de Financiamento para In-
vestimentos de Energia Sustentável, que
identifica como catalisar 120 mil milhões
de dólares de investimento anual, para
explorar energias sustentáveis, até 2020.
Sessão da Confêrencia de Adis Abeba Foto FAO/Zacharias Abubeker
Pág. 2 BRUXELAS, AGOSTO 2015, EDIÇÃO NR. 72
M I G R A Ç Ã O
O último relatório do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR), relativo a 2014, refere que o
número combinado de pessoas refugia-
das noutros países diferentes do de ori-
gem e pessoas forçadas a deslocarem-se
no interior do seu país chegou aos 59,5
milhões, a nível mundial. É um valor
aproximadamente igual ao da população
da Itália ou do Reino Unido e o mais alto
desde o fim da Segunda Guerra Mundial,
em 1945. Só em 2014, o aumento foi de
11 milhões de pessoas face ao registado
até então.
“Estamos a testemunhar uma mudança
de paradigma na escala global de deslo-
camento forçado e a necessidade de
encontrar soluções para este problema é
agora muito maior do que alguma vez foi
no passado recente”, afirmou o Alto Co-
missário, da ONU para os Refugiados,
António Guterres, sobre o atual fluxo
migratório mundial e, em particular, so-
bre a procura de refúgio na Europa.
Na primeira metade de 2015, bateu-se
um recorde neste continente: a entrada
de 103 mil refugiados e migrantes eco-
nómicos, sobretudo via travessia do mar
Mediterrâneo (dos quais 54 mil na Itália
e 48 mil na Grécia).
Por detrás deste aumento estão o agrava-
mento de conflitos nas regiões do Médio
Oriente e de África, destacando-se países
como Síria, Iraque, Afeganistão, Eritreia,
Somália, Sudão do Sul, Iémen; mas tam-
bém a guerra civil na Ucrânia.
A nível mundial, uma em cada cinco pes-
soas deslocadas é de nacionalidade síria,
tendo este país destronado o Afeganistão
(que tinha esse recorde há 30 anos) co-
mo a principal origem de deslocados e
refugiados.
Face a este quadro, o Relator Especial
das Nações Unidas para os Direitos Hu-
manos dos Migrantes, François Crépeau,
defendeu uma nova abordagem da Uni-
ão Europeia (UE) ao fenómeno migrató-
rio, durante a apresentação do seu mais
recente relatório, numa conferência de
imprensa, em Bruxelas, a 18 de junho.
“Ninguém coloca os filhos em barcos, a
menos que a água seja mais segura do
que a terra”, disse François Crépeau, num
apelo a uma visão mais solidária e inte-
grada dos fluxos migratórios, patente no
relatório intitulado “Apostando na mobili-
dade ao longo de uma geração: atualiza-
ção do estudo regional sobre a gestão das
fronteiras externas da União Europeia e o
seu impacto sobre os direitos humanos
dos migrantes”.
UE precisa de melhores reformas migrató-
rias
O Relator Especial expressou frustração
com forma como a Comissão Europeia
tem respondido à crise migratória e consi-
dera que há muitas falhas na Agenda
Europeia sobre Migração. “As novas pro-
postas de reformas migratórias da UE são
boas em teoria, mas na prática são inade-
quadas face aos altos níveis de migra-
ção”, disse.
François Crépeau propõe à União Europeia uma visão solidária da migração
Relator Especial da ONU, François Crépeau Foto ONU/JC McIlwaine
Operação de salvamento de migrantes em Itália Foto IOM/ Francesco Malavolta
Pág. 3 BRUXELAS, AGOSTO 2015, EDIÇÃO NR. 72
D E S E NV O L V I M E N T O S U S T E N T ÁV E L M I G R A Ç Ã O
“Parece-me totalmente insuficiente face à
atual crise que um bloco regional como a
UE se disponibilize a acolher apenas 20
mil pessoas. Sabemos que, só em 2014,
200 mil migrantes em situação irregular - a
maioria dos quais eram requerentes de
asilo – chegaram à Europa por barco",
frisou François Crépeau.
Em vez do encerramento de fronteiras, o
especialista advoga a criação de mecanis-
mos que incentivem a migração regular e
que evitem o recurso às redes de tráfico e
de contrabando de pessoas. “Devemos
reconhecer que as fronteiras foram e sem-
pre serão porosas. Portando, fechar as
fronteiras não é apenas impossível, como
também é pouco efetivo no controle migra-
tório. No momento em que os fazemos,
aumentamos o mercado para os contra-
bandistas”, referiu.
Propostas de resposta à crise migratória
François Crépeau elencou no seu relatório
uma lista de recomendações que vão des-
de a questão da busca e regaste no mar
até a gestão coletiva dos fluxos de migra-
ção. Os pontos principais são:
Aceitar que é impossível fechar as frontei-
ras, reconhecer que há incentivos e para-
doxos perversos que foram criados pelo
sistema atual e que existem benefícios
em apoiar a mobilidade de pessoas.
Preparar-se para receber os migrantes e
refugiados que chegam por via marítima,
comprometendo-se a implementar plena-
mente as obrigações ditadas pela lei in-
ternacional sobre prestação de serviços
de busca e salvamento.
Analisar quais são os fatores que influen-
ciam negativamente a vontade dos navi-
os privados de ajudar os migrantes em
dificuldades no mar e criar compensação
pelas perdas comerciais.
Desenvolver protocolos de cooperação
com embarcações militares que não es-
tão afetas às operações de busca e salva-
mento de imigrantes sobre como respon-
der a incidentes de migrantes em dificul-
dades, por forma a complementar a ação
do Estado.
Continuar a desenvolver mecanismos de
solidariedade e de partilha de responsabi-
lidade entre países em relação às opera-
ções de busca e salvamento e processa-
mento de pedidos de proteção, através
da disponibilização de recursos técnicos,
financeiros e humanos.
Face à crise atual, aceitar que a UE tem
condições para acomodar pelo menos um
milhão de refugiados (0,2% da população
total da UE) pelo período de alguns anos.
Trabalhar com uma variedade de op-
ções para a migração legal, tais como
vistos humanitários, esquemas de pro-
tecção temporária, políticas de reagru-
pamento familiar, mobilidade de estu-
dantes, programas de evacuação médi-
ca; mas também mecanismos para
empregabilidade de trabalhadores com
diferentes níveis de competências, in-
cluindo os de baixa qualificação e os
que procuram trabalho sazonal.
Investir no desenvolvimento de uma
política de migração global, coerente e
ampla que seja um reflexo dos direitos
humanos dos migrantes tal como con-
sagrados no direito internacional e regi-
onal.
Criar um roteiro para a evolução desta
política através do desenvolvimento de
uma estratégia integral para 25 anos
que descreva intervenções curtas, mas
também de médio e longo prazo.
Investir na recolha de dados sobre reali-
dades tais como mercados de trabalho
clandestino, exploração do trabalho dos
imigrantes, fatores de incentivo e desin-
centivo à travessia por mar, etc. Além
disso, é necessário que se aumente a
harmonização e coordenação das fon-
tes de dados sobre migração para que
se crie um quadro sistemático e realista
sobre o tema.
Refletir sobre os preconceitos que sus-
tentam as políticas de segurança contra
produtivas e ineficazes, que criminali-
zam e estigmatizam os imigrantes, e
integrar essas análises na definição da
comunicação pública e dos currículos
escolares.
Usar a considerável influência global
que tem a região europeia, incluindo
dois assentos permanentes e um assen-
to não-permanente no Conselho de
Segurança da ONU, para pressionar no
sentido de encontrar soluções mais
eficazes para as crises humanitárias na
Síria, Ucrânia e noutros países.
Infografia ACNUR
Infografia ACNUR
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D E S E NV O L V I M E N T O S U S T E N T ÁV E L E N T R E V I ST A
Os oito Objetivos de Desenvolvimento do
Milénio (ODM) foram criados com o propósi-
to de transformar a vida de milhões de
pessoas, entre 2000 e 2015. Quase che-
gados ao fim da meta, os resultados dos
ODM evidenciam os sucessos alcançados e
estabelecem pistas para a Agenda Pós-
2015, a ser definida em setembro, numa
cimeira da Organização das Nações Unidas
(ONU). Os líderes vão estabelecer metas –
desta vez, 17 – a atingir em 2030, numa
ação global para acabar com a pobreza,
promover a prosperidade, proteger o ambi-
ente e combater as alterações climáticas.
"Este ano temos uma oportunidade única,
para a nossa geração, de definir metas e
caminhos claros para um mundo melhor,
mais próspero e mais seguro", disse o eco-
nomista Jeffrey Sachs, Conselheiro Especial
do Secretário-Geral das Nações Unidas
sobre os ODM, em entrevista ao Centro de
Notícias da ONU.
O especialista em desenvolvimento de re-
nome internacional explica porque é que o
mundo precisa urgentemente de envere-
dar por um caminho mais sustentável. Para
Sachs não se trata apenas de um desafio
económico, mas também moral.
Centro de Notícias da ONU: Para 2015 a
ONU criou o slogan “Tempo de agir pelas
pessoas e pelo planeta”. Porque é que este
ano é tão crucial?
Jeffrey Sachs: É um grande ano para o de-
senvolvimento sustentável devido ao facto
de várias etapas diplomáticas terem levado
a que tudo convergisse para 2015. Temos,
naturalmente, a adoção dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), em
setembro de 2015. Essa foi uma decisão
tomada em 2012, durante o 20º aniversá-
rio da Cimeira da Terra , no Rio de Janeiro
(Brasil). Com os ODM a terminarem este
ano, os ODS serão adotados em setembro.
Além disso, os contratempos das negocia-
ções sobre alterações climáticas, em Cope-
nhaga, em 2009, exigiram um novo crono-
grama para que se chegue a um acordo
sólido nesta área. Foi decidido que tal de-
veria ser feito em dezembro de 2015, em
Paris, onde decorre a 21ª Conferência das
Partes sobre Alterações Climáticas
(COP21). Então os líderes começaram a
perguntar como é que se iria financiar to-
dos estes planos, chegando à conclusão
que era preciso um quadro de financiamen-
to para o desenvolvimento sustentável. Por
isso foi convocada uma conferência sobre o
tema, no início de julho, em Adis Abeba
(Etiópia). Tudo isto nos dá uma oportunida-
de única para mudar a direção do mundo e
adotar o desenvolvimento sustentável co-
mo um verdadeiro princípio de funciona-
mento para o planeta. Precisamos de mu-
dar de direção urgentemente e este ano é
uma oportunidade única para a nossa gera-
ção definir metas e caminhos claros para
um mundo melhor, mais próspero e mais
seguro.
Centro de Notícias da ONU: Com tantas
questões importantes na agenda global,
qual deve ser o objetivo primordial a atingir
pelos governos em 2015?
Jeffrey Sachs: Os governos têm que chegar
a acordo sobre uma nova visão - a do de-
senvolvimento sustentável – e isso signifi-
ca juntar o desenvolvimento económico, a
inclusão social e a sustentabilidade ambi-
ental. Esse é o conceito que nos permitirá
viver em segurança, que permitirá ter um
mundo mais justo e mais próspero. Ao ado-
tar essa visão holística, colocando-a no
centro de todas as decisões – sejam ao
nível do financiamento ou do clima - pode-
mos ser mais bem sucedidos.
Centro de Notícias da ONU: Como é que
avalia o resultado dos ODM nos últimos 15
anos?
Jeffrey Sachs: Eu penso que os Objetivos de
Desenvolvimento do Milénio mostraram
que funciona estabelecer um sistema de
metas. Quando foram anunciadas, em se-
tembro de 2000, houve muito ceticismo.
Na verdade, tenho a certeza que alguns
líderes nem sequer perceberam que tinham
adotado os objetivos quando assinaram a
Declaração do Milénio. Mas hoje já não há
nenhuma razão para o cinismo. Os ODM
estão enraizados e ajudaram as Nações de
todo o mundo a perceberem que a nossa
maior prioridade deve ser ajudar as pesso-
as pobres – que enfrentam uma luta diária
entre a vida e a morte - não apenas a so-
breviverem, mas a saírem definitivamente
da pobreza extrema. Apesar de não terem
sido atingidas todas as metas como desejá-
vel, foi levado a cabo um enorme progresso
em várias áreas. Tanto assim é que, em
2012, quando os governos fizeram um
ponto da situação, disseram: 'Os tratados
existentes não estão a funcionar tão bem
quanto deveriam, mas quando olhamos
para estes Objetivos de Desenvolvimento
do Milénio, que nem sequer são tratados,
vemos que estão a ter um grande impacto
público”. Essa foi uma das motivações para
ter novas metas de desenvolvimento sus-
tentável. Claro que se pode também apon-
tar que ainda não foram cumpridas as pro-
messas, por exemplo, de adjudicar 0,7 por
cento do rendimento nacional bruto à ajuda
pública ao desenvolvimento, sobretudo por
parte dos países mais ricos. Mas, mesmo
com a crise financeira, devemos realçar o
progresso feito na luta contra o VIH/Sida,
na luta contra a malária e a tuberculose, no
acesso das crianças à educação, na redu-
ção das taxas de mortalidade materna e
infantil, no aumento do acesso a água potá-
vel. O triunfo mais significativo, a nível glo-
bal, é que nos países em vias de desenvol-
vimento, como um todo, a pobreza desceu
para menos de metade face ao registado
em 1990. Devemos continuar a ter fortes
objetivos de desenvolvimento sustentável,
dos quais o primeiro é terminar o trabalho
dos ODM.
Economista Jeffrey D. Sachs FOTO ONU/Rick Bajornas
Jeffrey Sachs: “Objetivos de Desenvolvimento do Milénio
mostraram o caminho para erradicar a pobreza extrema”
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D E S E NV O L V I M E N T O S U S T E N T ÁV E L E N T R E V I ST A
Centro de Notícias da ONU: Pensa que é
possível erradicar a pobreza nesta geração
e, se sim, o que é que será necessário para
isso?
Jeffrey Sachs: É claro que é possível erradi-
car a pobreza, especialmente quando se
percebe quão rico é o mundo em que vive-
mos. Por bem menos do que 1 por cento do
rendimento dos países ricos poderíamos
acabar com a pobreza extrema. O desafio é
em parte económico e tecnológico, mas é
fundamentalmente moral.
É uma questão de mobilizar a vontade e o
compromisso de fazer a expansão do aces-
so a sistemas de saúde e de educação; de
ajudar os pequenos agricultores a serem
mais produtivos; de fomentar competên-
cias e formação para jovens que vivem em
áreas urbanas de rápido crescimento nos
países em vias de desenvolvimento; de se
certificar de que há acesso à banda larga
em telecomunicações já que esta tem enor-
me potencial para criar novos empregos,
novas aplicações, novas indústrias, novos
sistemas de governação e de comunicação.
É claro que podemos fazê-lo e não custaria
muito. A única coisa necessária é a nossa
atenção - acho que é esse o verdadeiro
desafio - pois estamos distraídos. Facilmen-
te nos desviamos do rumo. Tentamos resol-
ver emergências que, por vezes, não são
verdadeiramente emergências e não vemos
o que se pode fazer para ter resultados a
médio prazo. Se voltarmos firmemente as
nossas atenções para 2030 e decidirmos
acabar com a pobreza extrema, isto pode
ser feito.
Centro de Notícias da ONU: Disse que o
desenvolvimento sustentável é "o maior e
mais complicado desafio que a humanida-
de já enfrentou". Pode explicar melhor?
Jeffrey Sachs: Todos, no fundo, enfrenta-
mos uma espécie de momento de rutura do
qual não estávamos à espera. E isso acon-
tece porque a economia mundial está a
crescer e de forma muito robusta, embora
não tão universalmente como gostaríamos.
Mas o planeta não está a crescer. Temos
uma população mundial em expansão, uma
economia mundial em expansão, mas vive-
mos num planeta finito, com recursos fini-
tos. Portanto, o que temos visto, e os cien-
tistas dizem-no todos os dias, é que esta-
mos a ultrapassar os limites do planeta.
Quer se trate das alterações climáticas
induzidas pelo homem, da acidificação do
oceano ou da escassez de água doce, da
mudança no ciclo do nitrogénio e da produ-
ção maciça de poluentes industriais, da
destruição do habitat e da perda de biodi-
versidade, estamos a falar de uma espécie
de rolo compressor que é a economia mun-
dial. Esta está a pressionar os limites fini-
tos do planeta de forma tão forte que põe
em risco milhões de espécies, incluindo a
humana.
E isso é algo que é novo, porque a humani-
dade e a economia mundial nunca foram
tão pujantes, tão exigentes na utilização
dos recursos, de uma forma que pode real-
mente ameaçar ou desencadear uma crise
ambiental global.
Mas o impulso da economia mundial é tão
forte, os interesses são tão fortes, a forma
como as empresas se comportam tão pode-
rosa que mudar o caminho e fazê-lo de
forma cooperativa - que permita que os
países em desenvolvimento continuem a
crescer rapidamente e encontrem o seu
espaço numa escala global –, respeitando
os limites do planeta, é algo novo para a
humanidade.
É possível e exige uma mudança de cur-
so; requer a adoção de novas tecnologias
sustentáveis, exige que os melhores inte-
lectos espalhados pelo mundo ajudem a
resolver problemas e a projetar novos
sistemas mais sustentáveis. É possível, é
o desígnio desta geração. É a razão prin-
cipal pela qual devemos adotar metas de
desenvolvimento sustentável.
Economista Jeffrey D. Sachs FOTO ONU/Rick Bajornas
Infografia ONU
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D E S E NV O L V I M E N T O S U S T E N T ÁV E L
Líderes mundiais debatem novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
C I M E I R A D E NO V A I O R Q U E
Em 2000, líderes de todo o mundo com-
prometeram-se a reduzir para metade a
pobreza extrema, até 2015, com um plano
global chamado Objetivos de Desenvolvi-
mento do Milénio (ODM). Graças aos esfor-
ços e empenho de milhões de pessoa,
muitos progressos foram alcançados nos
últimos 15 anos para concretizar esses
objetivos.
O número de pessoas a viver em condições
de pobreza extrema caiu para menos da
metade em comparação com o alto nível
de pobreza de 1990. Mais de dois mil mi-
lhões de pessoas passaram a ter acesso a
água potável e a quantidade de moradores
de bairros degradados nas cidades foi
reduzido, melhorando a qualidade de vida
de pelo menos 100 milhões de cidadãos.
Porém, apesar destas conquistas, ainda há
muitos desafios pela frente. Atualmente,
1400 milhões de pessoas vivem em condi-
ções de extrema pobreza, a cada quatro
segundos morre uma criança devido a
doenças que podem ser prevenidas e mais
de 900 milhões de pessoas sofrem de
fome crónica.
As alterações climáticas também amea-
çam a vida de milhões de cidadãos, a desi-
gualdade social continua a aumentar em
várias regiões e os direito humanos são
desrespeitados em muitos países, princi-
palmente nos que são marcados pela guer-
ra. Além disso, a população mundial deve-
rá aumentar para 9,5 mil milhões em
2050, colocando ainda mais pressão so-
bre o sistema alimentar.
2015 é o ano para moldar uma nova
agenda baseada nos Objetivos de Desen-
volvimento do Milénio (ODM), através da
definição dos novos Objetivos de Desenvol-
vimento Sustentável (ODS), a concretizar
até 2030.
A nova agenda está, atualmente, a ser
negociada na Assembleia-Geral da ONU,
entre os governos dos Estados-membros e
diversas entidades da sociedade civil, e
deverá ser aprovada na Cimeira de Desen-
volvimento Sustentável, de 25 a 27 de
setembro, na sede da ONU, em Nova Ior-
que (EUA).
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Com base de trabalho para esta nova vi-
são, no início do ano, o Secretário-Geral da
Organização das Nações Unidas (ONU),
Ban Ki-moon, apresentou aos Estados-
membros o seu relatório-síntese: “O Cami-
nho para a Dignidade até 2030: Acabar
com a pobreza, transformar todas as vidas
e proteger o planeta” .
"Temos que dar sentido à promessa da
ONU de "reafirmar a fé na dignidade e no
valor do ser humano" e de conduzir o mun-
do para um futuro sustentável (...). Temos
uma oportunidade histórica e o dever de
agir, de forma corajosa, vigorosa e expedi-
ta , para transformar em realidade o desíg-
nio de uma vida digna para todos, não
deixando ninguém para trás", disse Ban Ki-
moon por ocasião da apresentação deste
documento.
A ONU também tem desempenhado um
papel fundamental no processo de diálogo
e envolvimento dos cidadãos, ao promover
amplas consultas públicas - tais como o
questionário MyWorld, na qual o público
pôde votar naqueles que considerava se-
rem os principais problemas globais -, e
contribuindo com informação baseadas em
diversos tipos de estudos, análises críticas
e investigações no terreno, a cargo de es-
pecialistas independentes.
Apesar dos obstáculos conhecidos, pela
primeira vez na História, a Humanidade
tem os recursos necessários para acabar
com a pobreza e promover o desenvolvi-
mento global de forma sustentável. O per-
curso é longo e exige um trabalho conjunto
para que essas mudanças aconteçam,
pelo que terá que passar por uma atitude
proativa dos governos e o empenhamento
dos cidadãos de todo o mundo.
ONU/Milton Grant os novos 17 Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável 2015-
2030:
Proposta dos novos 17 Objetivos :
1. Erradicar a pobreza em todas as suas
formas e em todos os lugares
2. Erradicar a fome, alcançar a segurança
alimentar e nutrição adequada para todos,
e promover a agricultura sustentável
3. Garantir saúde para todos em todas as
idades
4. Fornecer educação equitativa, inclusiva
e de qualidade, e oportunidades de apren-
dizagem ao longo da vida para todos
5. Atingir a igualdade de género e a auto-
nomia para mulheres e meninas em todo o
mundo
6. Garantir acesso a água potável e sanea-
mento para todos
7. Garantir serviços de energia modernos,
fidedignos, sustentáveis e a preços acessí-
veis para todos
8. Promover o crescimento económico
forte, sustentável e inclusivo, e trabalho
digno para todos
9. Promover a industrialização sustentável
10. Reduzir as desigualdades dentro dos
países e entre eles
11. Construir cidades inclusivas, seguras e
sustentáveis
12. Promover padrões de produção e con-
sumo sustentáveis
13. Promover ações para combater as
alterações climáticas
14. Promover a conservação e o uso sus-
tentável dos recursos marinhos
15. Proteger e restaurar os ecossistemas
terrestres e interromper toda a perda de
biodiversidade
16. Promover sociedades pacíficas e inclu-
sivas, o primado do Estado de direito e
instituições eficazes
17. Fortalecer os meios de implementação
dos objetivos e a parceria global para o
desenvolvimento sustentável
Deslocados sudaneses em consulta médica Foto: ONU Flickr
A França será a anfitriã, em 2015, da 21ª
Sessão da Conferência das Partes da Con-
venção-Quadro das Nações Unidas sobre
Alterações Climáticas (COP21), também
conhecida como "Paris 2015", que se reali-
za de 30 novembro a 11 dezembro, reunin-
do cerca de 40 mil participantes, entre
delegados representantes de cada país,
observadores e membros da sociedade
civil. A referida Convenção-Quadro é um
tratado internacional resultante de uma
conferência da Organização das Nações
Unidas (ONU) conhecida como Cimeira da
Terra, que teve lugar no Rio de Janeiro
(Brasil), em 1992.
“Paris 2015” é uma reunião crucial, já que
nela deverá ser alcançado um acordo in-
ternacional sobre o clima, aplicável a todos
os países, com o objetivo de manter o
aquecimento global abaixo dos 2°C. Na
verdade, 2014 foi o ano mais quente já
registado e 14 dos 15 anos mais quentes
já registados ocorreram no século XXI. O
nível do mar continuar a subir, o gelo no
Ártico está a diminuir e há cada vez mais
fenómenos climáticos extremos, incluindo
secas prolongadas e inundações devasta-
doras.
Datas marcantes
Neste caminho da comunidade internacio-
nal para lidar com o problema das altera-
ções climáticas existem várias datas mar-
cantes: a entrada em vigor do Protocolo de
Quioto, em 2005 – com indicações sobre
limites desejáveis de emissões de gases
com efeitos de estufa -, a definição do
Plano de Ação de Bali, em 2007 - que fez
com que 180 países discutissem várias
soluções-chave para se chegar a um acor-
do mundial sobre o meio ambiente -, a
Conferência de Cancun, em 2010 - onde
foram criados mecanismos de implementa-
ção das decisões políticas tais como o
Fundo Verde Climático.
A Plataforma de Durban foi estabelecida,
em 2011, para reunir os esforços de todos
os países desenvolvidos e em vias de de-
senvolvimento na definição de um
"protocolo, instrumento legal ou um resul-
tado acordado com força legal", aplicável a
todas as partes, a ser aprovado em 2015 e
aplicado a partir de 2020 – este é o objeti-
vo de “Paris 2015”.
Contributos nacionais
Este é o maior evento diplomático levado a
cabo pela França e uma das maiores con-
ferências do clima já organizadas. Como
titular da presidência da Conferência, este
país terá de facilitar as discussões entre os
restantes membros e garantir que estas
sejam transparentes e inclusivas.
As expectativas são grandes e o objetivo é
conseguir, pela primeira vez, um acordo
universal e juridicamente vinculativo que
permita combater eficazmente as altera-
ções climáticas e impulsionar a transição
para sociedades e economias resilientes,
com baixa emissão de carbono.
Para que isto se concretize, o acordo deve
ter como foco os esforços para reduzir as
emissões de gases com efeito de estufa e
esses esforços devem levar em conta as
necessidades e capacidades de cada país.
Assim, cada país deve explicar claramente
qual é a sua contribuição, apresentando os
esforços feitos a nível nacional. Pouco
antes da COP21, o secretariado da Con-
venção-Quadro das Nações Unidas sobre
Alterações Climáticas publicará um resumo
dessas contribuições, para dar uma indica-
ção do impacto cumulativo de todos estes
esforços.
Fundo Verde Climático
Outro objectivo fundamental da conferên-
cia é estabelecer a mobilização, a partir de
2020, de 100 mil milhões de dólares por
ano, por parte dos países desenvolvidos (a
partir de fontes públicas e privadas) para
ajudar os países em vias de desenvolvi-
mento a combaterem as alterações climáti-
cas e a promoverem o desenvolvimento de
forma justa e sustentável.
Algumas destas verbas serão canalizadas
para o Fundo Verde Climático, que deverá
ter como capital inicial 10 mil milhões dó-
lares. Este Fundo vai orientar os agentes
económicos e financeiros no sentido de
redirecionarem os seus investimentos para
a transição para modelos de desenvolvi-
mento de baixo carbono.
"Também é importante garantir platafor-
mas eficazes para o desenvolvimento e
partilha de tecnologias e investigação ino-
vadoras. As “barreiras” à transferência de
tecnologias verdes, incluindo as questões
de proteção de propriedade intelectual,
precisam de ser abordadas com urgência”,
disse Sam Kutesa, presidente da Assem-
bleia-Geral das Nações Unidas, durante o
Evento de Alto Nível sobre as Alterações
Climáticas, realizada em Nova Iorque, no
passado dia 29 de junho.
Pág. 7 BRUXELAS, AGOSTO 2015, EDIÇÃO NR. 72
C I M E I R A D E P A R I S
COP21 – Novo acordo para lidar com as alterações climáticas
Emissão de gases num complexo industrial em Toronto, Canadá. Fot o ONU/ Kibae Park
C I C L O D E C I N E M A D I R E I T O S E D E S E N V O L V I M E N T O
Pág. 8 BRUXELAS, AGOSTO 2015, EDIÇÃO NR. 72
CINE ONU de regresso a Lisboa
O CINE ONU/Ciclo de Cinema sobre Direitos e Desenvolvimento – uma parceria
entre a secção de Portugal do Centro de Informação Regional das Nações Unidas
para a Europa Ocidental (designado em diante por UNRIC Portugal) e a Platafor-
ma Portuguesa da ONGD - regressou a Lisboa, no passado dia 4 de junho, com o
filme “Walls and The Tiger”, da realizadora indiana Sushma Kallam, exibido no
Cinema São Jorge, novo parceiro desta iniciativa.
“Walls and The Tiger” conta a história de agricultores indianos cujos meios de
subsistência são destruídos devido à criação de Zonas Económicas para a insta-
lação de multinacionais, analisando os impactos económicos, sociais, culturais e
ambientais nas comunidades locais.
No final da exibição do filme, o público discutiu estas temáticas e outras ques-
tões de desenvolvimento sustentável com a realizadora, Sushma Kallam, o pro-
dutor, Liam O’Connor, e o jornalista Luís Ribeiro, da revista Visão, num debate
moderado por Isabel Marques da Silva, representante do UNRIC Portugal.
Por ocasião do Dia Internacional da Democracia, a próxima sessão está marcada
para 28 de setembro, às 18h30, no Cinema São Jorge, com o filme “Cartunistas:
Soldados de Infantaria da Democracia”, da realizadora francesa Stéphanie
Valloatto, que foi selecionado para o prestigiado Festival de Cinema de Cannes,
em 2014.
São retratos de 12 formidáveis cartunistas de todo o mundo que defendem a
democracia e a liberdade de expressão, fazendo rir com uma só arma: um lápis,
correndo com cada desenho risco de vida. Mais uma vez haverá convidados de
alto nível para o debate. Não perca!
Em breve…
4-27 de setembro: Exposição
comemorativa “A ONU em
imagens — 70 anos de Histó-
ria”, na Galeria Torreão Nas-
cente da Cordoaria Nacional,
em Lisboa
17 de setembro: Dia Interna-
tional da Democracia
21 de setembro: Dia Interna-
tional da Paz
25-27 de setembro: Cimeira
sobre os Objetivos do Desenvol-
vimento Sustentável, em Nova
Iorque
28 de setembro: Sessão CINE
ONU com o filme “Cartunistas:
Soldados de Infantaria da De-
mocracia”, da realizadora fran-
cesa Stéphanie Valloatto, no
Cinema São Jorge, em Lisboa
13 de outubro: Conferência
sobre os resultados da Cimeira
de Nova Iorque, promovida pelo
Instituto Camões, em Lisboa
24 de outubro: Cerimónia so-
lene e sessão académica de
celebração do 70º aniversário
da ONU
Ficha técnica
Direcção: Afsane Bassir-Pour
Edição: Isabel Marques da Silva
Redação: Isabel Marques da Silva , Ricardo
Oliveira e Vanessa Van-Dunem
http://www.unric.org/pt/
https://www.facebook.com/UnricPortugal
Sushma Kallam (segunda à esq.) realizou o filme exibido Ricardo Oliveira/UNRIC
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