ISSN 2176-1396
DESAFIOS E PERSPECTIVAS NO PROCESSO DE ENSINO E
APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS MULTISSERIADAS NA AMAZÔNIA
PARAENSE
Natalina dos Santos Medeiros1 - UEPA
Maria Claudene da Silva Cruz2 - UEPA
Rafael Silva Patrício3 - UEPA
Eixo – Educação Indígena, Quilombola e do Campo.
Agencia financiadora- não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho, intitulado “Desafios e perspectivas no processo de ensino e aprendizagem nas
escolas multisseriadas na Amazônia Paraense”, buscou investigar os desafios e as perspectivas
enfrentadas pelos professores e alunos inseridos nas escolas localizadas na zona rural do
Município de Igarapé-Açu, no Nordeste Paraense. Metodologicamente a pesquisa envolveu
uma investigação bibliográfica com base em autores que pesquisam e publicam sobre essa
temática e, em seguida, uma observação e uma pesquisa de campo, realizada em duas escolas
multisseriadas. O instrumento de coleta de dados utilizado para o estudo foram questionários
com perguntas abertas e fechadas e previamente elaborado pelas pesquisadoras. Como sujeitos,
contamos com a participação dos professores e alunos com o intuito de conhecer quais os
desafios e as perspectivas que estes vivenciam no seu dia a dia para efetivar o processo de
ensino e aprendizagem. Como resultado da pesquisa, evidenciamos que as escolas
multisseriadas apresentam-se em grande maioria nesse Município e enfrentam, no seu dia a dia,
inúmeras dificuldades para se efetivarem, por questões estruturais e pedagógicas. Embora
possamos ressaltar que as dificuldades de professores e alunos com esta forma de organização
de ensino ultrapassam suas vontades quando almejam uma educação de qualidade, as condições
1 Pós-Graduanda em Educação Especial e Inclusiva pelo CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
(UNIASSELVI). Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia (2012), pela Universidade do Estado do Pará
(UEPA). Integrante do Grupo de Pesquisa: Práticas Pedagógicas e Formação Docente: um enfoque interdisciplinar
e do Projeto de Extensão: Memória, Identidade e Educação Patrimonial no Nordeste Paraense. E-mail:
[email protected] 2 Pós-Graduada em Políticas de Igualdade Racial na Escola e Coordenação Pedagogia e Planejamento/COTEMAR.
Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia (2012), pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Membro
do Grupo de Pesquisa (GPEFORP) e do Projeto de Extensão: memória, Identidade e Educação Patrimonial no
Nordeste Paraense. E-mail: [email protected] 3 Possui graduação em Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade do Estado do Pará (2002) e Mestrado
em Educação em Ciências e Matemáticas pela Universidade Federal do Pará (2010). Atualmente é Professor
efetivo da Universidade do Estado do Pará e professor convidado da Fibra - Faculdade Integrada Brasil Amazônia,
no curso de Pós-graduação (Especialização) em Matemática no Ensino Básico. E-mail: [email protected]
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existenciais impedem um avanço mais significativo, uma vez que a precária formação dos
professores, o espaço reduzido de sala de aula, a falta de materiais pedagógicos, entre outros,
configuram-se como grandes desafios a serem ultrapassados no interior da escola, para que o
processo de ensino e aprendizagem dos alunos realmente aconteça de forma crítica,
contextualizada e considerando a realidade por eles vivenciadas.
Palavras-chave: Ensino e aprendizagem. Escola multisseriada. Desafios e perspectivas
Introdução
A educação, de maneira geral, tem passado, em nosso país, por grandes transformações
que são necessárias serem pensadas a partir de uma contextualização, para que dessa forma seja
compreendida de maneira mais eficaz. Assim, pensar a educação nos remete a refletir sobre os
diversos tipos existentes e seus lugares, pois como nos esclarece Brandão (2007), a educação
é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre
tantas outras invenções de sua cultura em sua sociedade, percebendo, assim, que a mesma pensa
o sujeito como autor de seu próprio conhecimento.
No que diz respeito à educação no campo, percebe-se que historicamente a mesma tem
sido encarada mais como caráter político e econômico do que educativo, haja vista que seu
maior interesse era manter o povo no campo, para a produção econômica apenas. Numa
perspectiva educacional, o campo precisa ser concebido como um espaço diferenciado e que
merece ações pedagógicas de acordo com as características que lhe são peculiares.
Nesse sentido, busca-se aqui uma educação que valorize a cultura local, a fim de criar
uma identidade do campo com práticas facilitadoras, mostrando que esse sujeito não precisaria
se retirar do campo para crescer socialmente, mas fazer uso do mesmo em prol dele e da
comunidade em geral. Ao falarmos de educação no campo se faz necessário pensarmos quem
são os sujeitos participantes, uma vez que essa realidade é configurada principalmente pelas
escolas multisseriadas que se caracteriza por atender alunos de diferentes idades e séries em
uma única sala.
As Escolas multisseriadas são espaços marcados predominantemente pela
heterogeneidade ao reunir grupos com diferenças de séries, de sexo, de idade, de
interesses, de domínio de conhecimentos, de níveis de aproveitamento etc. Essa
heterogeneidade inerente ao processo educativo da multissérie, articulada a
particularidades indenitárias relacionadas a fatores geográficos, ambientais,
produtivos, culturais etc.; são elementos imprescindíveis na composição das políticas
e práticas educativas a serem elaboradas para a região Norte e para o país. (HAGE,
2005, p. 57).
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Nessa perspectiva, apresentamos o Município de Igarapé-Açu, local deste estudo, onde
existe um grande número de escolas multisseriadas, pois de acordo com os dados fornecidos
pela Secretaria de Educação (SEMED), funcionam 53 escolas no município, sendo que destas,
11 são seriadas e localizam-se na zona urbana e 42 escolas aproximadamente estão situadas na
zona rural e funcionam como multisséries. A partir dessa informação, pode-se perceber que o
número das escolas multisseriadas funcionando neste local é muito maior que as seriadas,
configurando-se numa diferença discrepante entre o contexto urbano e rural, o que requer
políticas públicas mais efetivas voltadas para a realidade do campo.
É importante ressaltar que um número significativo de escolas que estão localizadas na
zona rural apresenta muitos problemas e desafios. Entre eles podemos destacar: aspectos
estruturais em condições precárias e de difícil acesso, dificuldades nas questões pedagógicas
que refletem no desenvolvimento cognitivo e no processo de ensino aprendizagem dos
discentes que estão inseridos nesta realidade, formação precária dos professores, salas
superlotadas, currículo escolar distante da realidade da multissérie, entre outros. Reforçando a
importância da formação qualificada do profissional que atua nesse espaço, podemos dizer:
É necessário repensarmos a educação do campo nos múltiplos contextos na ela se
apresenta na sociedade vigente. Se muito está se fazendo em termos de políticas
públicas para a Educação do Campo, faz-se necessário buscar alternativas que
contemple as condições de trabalho do docente. Estas condições dizem respeito, a
uma política de valorização do magistério que contemple salários e formação inicial
e continuada, estruturas físicas adequadas ao trabalho, com escolas que possuam os
espaços necessários ao desenvolvimento de práticas pedagógicas que possa ser bem
sucedidas. (REIS, 2010, p. 13).
De acordo com esse ponto de vista, pode-se perceber a urgente necessidade de se investir
em profissionais qualificados e empenhados com o trabalho que desenvolve, buscando sempre
novas metodologias para atuação no contexto educacional, principalmente na realidade das
salas multisseriadas.
Nessa perspectiva, apresentamos, a seguir, as duas escolas que foram lócus de nosso
estudo, assim como os dados e análises da pesquisa de campo. As escolas “Aprígio de Moraes”
e Escola “Vicente Rodrigues da Silva” estão localizadas na zona rural do Município de
Igarapé-Açu e atendem a uma forma de organização multisseriada. Essas escolas apresentam
aspectos de uma realidade comum e as dificuldades enfrentadas por alunos e professores que
vivenciam o cotidiano e enfrentam condições básicas e mínimas para o atendimento das
demandas das multissérie.
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Escola Municipal de Ensino Fundamental “Aprígio de Moraes”
A Escola Municipal de Ensino Fundamental “Aprígio de Moraes” está localizada na
Vila do Segundo Caripi e fica a 10 km do centro da cidade.
Figura 1 - Escola "Aprígio de Moraes"
Fonte: As autoras.
A já referida escola funciona no período matutino e vespertino. Pela manhã, funcionam
duas salas de aula, sendo que uma atende somente os alunos da Educação Infantil, e a outra
atende os alunos do Ensino Fundamental de 1º ao 3º ano; e pela tarde atende somente alunos
do 4º ano.
Escola Municipal de Ensino Fundamental “Vicente Rodrigues da Silva”
A Escola Municipal de Ensino Fundamental “Vicente Rodrigues da Silva” fica
localizada na Travessa do 32 e fica a 13 km do centro da cidade. Ela recebeu esse nome em
homenagem a um antigo morador da vila, que doou sua casa para a prefeitura e a partir de então
ela passou a funcionar como escola.
A escola atende crianças da educação infantil ao 4º ano.
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Figura 2 - Escola “Vicente Rodrigues da Silva”
Fonte: As autoras.
Atualmente a escola está desativada por motivos de infraestrutura. Por isso, as
atividades educacionais são desenvolvidas no salão paroquial que fica próximo da escola.
Figura 3 - Salão paroquial
Fonte: As autoras.
Nesse ambiente não há um espaço apropriado para as refeições das crianças e a merenda
escolar é armazenada na casa de um morador que fica próximo à escola. Por motivo de
infraestrutura, a professora auxilia a servente na preparação da merenda, quando esta precisa ir
à cacimba buscar água para o consumo diário de todos.
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Análise dos dados coletados
Análise da categoria relacionada às escolas multisseriadas e os sujeitos do campo
Durante a pesquisa, constatamos que as dificuldades escolares enfrentadas pelos alunos
não estão relacionadas somente à educação escolar, mas também à educação familiar, pois isso
ocorre devido ao fato de que para garantir o sustento familiar os pais passam o dia trabalhando
na lavoura, principalmente no período de colheita da pimenta, do maracujá, do feijão, da
mandioca entre outros, e por este motivo acabam deixando, em muitos casos, a educação dos
filhos sobre a responsabilidade da escola. Segundo Caldart (2004, p. 152):
Os sujeitos da educação do campo são aquelas pessoas que sentem na própria pele os
desafios desta realidade perversa, mas que não se conformam com ela. São os sujeitos
da resistência no e do campo: sujeitos que lutam para continuar sendo agricultores
apesar do modelo de agricultura cada vez mais excludente; sujeitos da luta pela terra
e pela Reforma Agrária; sujeitos da luta por melhores condições de trabalho no
campo; sujeitos da resistência na terra dos quilombos e pela identidade própria desta
herança; sujeitos da luta pelo direito de continuar a se indígena e brasileiro, em terras
demarcadas e em identidades e direitos sociais respeitados; e sujeitos de tantas outras
resistências culturais, políticas e pedagógicas.
Essa é a realidade enfrentada pelos pais e alunos que estão inseridos no contexto do
campo, são características próprias, mas que encaram uma realidade bastante dificultosa e
preocupante, pois a educação desses sujeitos já é prejudicada pela falta de políticas educacionais
que sejam voltadas para o campo. Com isso:
É preciso considerar que o problema da educação no Brasil não se apresenta somente
no meio rural. É senso comum e constatação do caos geral. Mas também é verdade
que ali a situação se torna mais crítica, à medida que sistematicamente o campo vem
sendo desqualificado como espaço de prioridade para políticas públicas.
(BÖNMANN, 2015, p. 23).
As condições existenciais de muitos sujeitos que vivem no campo são precárias, não
somente no que se refere à educação, mas também na questão de saúde, alimentação e moradia.
Os moradores da comunidade quando precisam de atendimento hospitalar se dirigem até o
centro do Município e em muitos casos à moradia imprópria, pois muitos deles residem em casa
de taipas em condições degradantes.
Todas essas problemáticas que envolvem esses sujeitos comprometem a educação, que
precisa ser motivadora e apresentar estratégias que encantem os alunos para aprender e
permanecer na escola. Nesse sentido, faz-se necessário que os professores estejam devidamente
qualificados para enfrentar a situação a que seus alunos estão sujeitos. Com isso, o educador
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também precisa de recursos e investimentos em sua área de atuação para, assim, poder atuar
com a mínima condição em sala de aula.
Isso se evidenciou durante a entrevista, onde foram relatadas, pelos professores que
atuam nas escolas pesquisadas, as dificuldades que eles enfrentam para chegarem às escolas,
como, por exemplo, as longas distâncias e os riscos de assaltos durante o percurso da cidade até
as agrovilas em que trabalham.
E sobre a importância dessas escolas, identificamos, durante a pesquisa, aspectos
positivos e negativos no depoimento dos professores entrevistados.
É complicado, porque têm muitas turmas juntas e os alunos têm pouco
aproveitamento, mas é importante porque os alunos têm a oportunidade de estudar e
também porque os pais não têm como mandar seus filhos para a cidade (Prof. A).
Não vejo a multissérie como multissérie e sim como um supletivo, pois os alunos das
séries menores vão aprendendo assuntos das séries maiores. E isso é importante
porque quando os alunos não aprendem os assuntos das suas séries acabam
aprendendo no ano seguinte (Profª. B).
Nem sempre a multissérie é algo bom, pois o melhor seria se cada aluno estudasse em
sua série, dessa forma a educação seria mais completa (Profª. C).
Aspectos positivos, relacionados à existência das escolas multisseriadas, podem ser
evidenciados no depoimento do professor A, pois ele considera importante o fato de os
estudantes terem acesso à escolarização na comunidade em que vivem. Para esse educador, as
longas distâncias existentes entre a comunidade e a cidade causam grandes preocupações e
transtornos aos pais. Além disso, a multissérie, segundo a professora B, oportuniza aos alunos
um apoio mútuo na aprendizagem compartilhada, isso se dá a partir da convivência existente
entre os estudantes de várias séries em uma mesma sala de aula.
Por outro lado, fica evidente a insatisfação com relação a essas escolas, pois os
professores as consideram um problema, por causa das dificuldades que há para desenvolver o
processo de ensino e aprendizagem. Em alguns casos os sujeitos se referem à multissérie como
algo problemático. Isso está perceptível no depoimento da professora C, que deixa em evidência
sua insatisfação e expectativa de que seria melhor que as escolas multisseriadas se
transformassem em seriadas.
Percebemos nas falas dos professores entrevistados que, mesmo a multissérie sendo
importante e os alunos aprendendo assuntos de outras séries, ainda seria importante a criação
de classes seriadas nas comunidades do município, pois a educação se tornaria mais “completa”
e também não seria mais um problema a divisão dos horários para tentar amenizar e melhorar
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a educação desses sujeitos, não haveria mais problemas de adaptação dos assuntos e também
da distorção existente entre as séries e idades diferentes. Diante dessa realidade:
Muitos sujeitos que ensinam, estudam, investigam ou demandam a educação no
campo e na cidade se referem às escolas multisseriadas como um “mal necessário”
[...]. Em certa medida, eles consideram essas escolas como um “grande problema”
[...]. E isso tudo exatamente porque, no entendimento dos sujeitos, essas escolas
reúnem em uma mesma turma, concomitantemente, estudantes de várias séries, sob a
docência de um único professor ou professora, diferentemente do que ocorre na
grande maioria das escolas urbanas, onde estudantes são enturmados por série, e cada
série possui o seu próprio professor. (MORAES et al., 2010, p. 400).
Após a entrevista com os professores sobre as classes multisseriadas, perguntamos aos
alunos sobre o que eles acham de sua turma multisseriada, os mesmos responderam:
Legal, mas seria melhor se os alunos estudassem em sala “normal” (A. Silva, 7anos-
1ª ano).
Eu não gosto da escola porque acho muito ruim aprender as coisas na minha turma,
ela é muito bagunçada, tem gente pequena estudando com gente grande (G. Monteiro,
10 anos- 3ª série).
Acho legal, mas não gosto quando os alunos maiores terminam o dever e fazem
barulho (J. Nascimento, 11 anos- 4ª série).
Acho normal, porque sempre estudei com alunos de série diferente (L. Cardoso, 8
anos- 2ª série).
Os alunos deixam claro, em seus depoimentos, que estudar em uma turma multisseriada
não os agrada muito, pois eles gostariam de estudar em uma turma que tivesse o sistema seriado,
mas houve aluno que disse que a multissérie é algo normal já que ela sempre esteve presente
em sua vida escolar.
Como podemos ver na fala dos entrevistados, somente um dos alunos que vivencia a
realidade da educação multisseriada disse ser normal estudar nessa classe, é a realidade que
vivencia desde o início de sua vida escolar. Já os demais, mesmo enfrentando a mesma
realidade, possuem visões diferenciadas a respeito da multissérie e por isso acham que seria
melhor cada série em sua sala de aula, ou seja, estudar em um modelo seriado de ensino.
Com as respostas dadas durante a pesquisa, observamos a vontade que os alunos têm
em estudar em uma classe seriada, mas essa vontade está além de sua realidade, pois a
quantidade de alunos matriculados nas escolas rurais não é suficiente para formar uma turma
seriada, o que seria primordial para a formação educacional dos sujeitos do campo.
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Diante das respostas obtidas com os alunos, consideramos que essa organização de
ensino no campo, ao mesmo tempo em que beneficia a população da comunidade, também
dificulta na aprendizagem dos alunos devido à aglomeração de saberes, idades e séries
existentes nas salas. Esse fato, conforme analisamos nas respostas dos entrevistados, incomoda
muitos deles, por isso alguns alunos acabam vendo a educação multisseriada como “bagunçada”
e consequentemente reflete no processo de ensino e aprendizagem.
Análise da categoria relacionada ao processo de ensino e aprendizagem
A partir da opinião dos sujeitos entrevistados, observamos que falar do processo de
ensino e aprendizagem não está apenas relacionado à prática docente, mas sim a outros fatores,
como, por exemplo: a precariedade das escolas do campo, a importância da merenda nesse
processo e a falta de acompanhamento dos pais na educação escolar dos filhos.
Um dos fatores que analisamos durante a pesquisa que comprometem o processo de
ensino e aprendizagem nas escolas multisseriadas está relacionado à precariedade
infraestrutural da maioria dessas escolas, pois os prédios necessitam de reformas, os espaços
são inadequados ao trabalho docente, na maioria das vezes elas funcionam em um único espaço
físico, como salões paroquiais e são desprovidas de áreas para cozinhar, guardar a merenda,
lazer, banheiros etc.
Nesse sentido, o sujeito envolvido na pesquisa, quanto a sua escola, assim se manifesta:
Não gosto de estudar nessa escola, porque como a escola estava caindo, agora temos que estudar
no barracão da igreja. Quando o sol está quente pegamos sol e quando chove ficamos molhado
da chuva (Alunos J. Gomes, 6 anos - 1º ano).
Nesse caso, percebemos a insatisfação do aluno quando fala sobre sua escola e mostra-
se insatisfeito em relação ao espaço onde estuda. Com isso, constatamos que as questões
infraestruturais é um fator que influencia no processo de ensino e aprendizagem, pois se os
alunos não possuem um espaço apropriado se sentirão desmotivados para estudar, é o caso desse
aluno que, pela falta de uma escola, fica sujeito a ficar molhado no inverno e ficar exposto ao
sol durante o verão.
Em outras situações ainda relacionadas à mesma pergunta, alguns alunos disseram que
gostam de suas escolas porque a professora é legal e porque também tem merenda. Vejamos
isso na fala dos entrevistados:
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A escola não é bonita, mas gosto de estudar nela porque a professora passa dever e
tem merenda (A. Ferreira, idade, 10 anos- 2ª série).
Sim, porque tem merenda e a escola é bonita (J. Costa, 8 anos- 2ª série).
Sim, porque é legal e tem merenda (N. Neves, 6 anos- 1º ano).
Gosto, porque tenho muitos amigos e a professora é legal (F. Soares, 9 anos- 3ª série).
Nas falas desses alunos, percebemos que, apesar deles gostarem de ir para escola porque
tem amigos e porque a professora passa dever e é legal, não podemos deixar de mencionar a
importância da merenda escolar no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, pois, como
vimos, todos eles responderam que vão à escola porque nela há merenda.
Com relação à merenda escolar, sabemos da sua importância para as crianças, isso pode
ser evidenciado durante a pesquisa, pois ao perguntarmos aos alunos entrevistados o porquê de
eles gostarem da escola, muitos responderam que gostavam porque nela tem merenda. Isso se
dá devido ao fato de que ela, na maioria das vezes, será a única refeição que eles farão no dia.
Além disso, temos ciência de que toda criança e adolescente tem o direito de consumir uma
alimentação escolar fornecida gratuitamente pelas escolas, por meio do Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE).
De acordo com os professores, quando há merenda, os alunos ficam alegres, não faltam
e apresentam um rendimento satisfatório na aprendizagem; na falta, o rendimento cai devido à
escassez de predisposição e vontade dos alunos, que não se concentram, ficam tristes, irritados,
mais agitados e difíceis de controlar. Nesse sentido, Pereira (2005) afirma que quando não
existe merenda os alunos não conseguem ficar o tempo todo da aula e pedem para ir embora
porque estão com fome. Conforme analisamos, quando a criança está bem alimentada, sente-se
mais motivada em querer aprender, tornando-se mais ativa e participativa nas aulas.
Outro fator observado que interfere no processo de ensino e aprendizagem que foi
relatado pelos professores é a ausência dos pais na educação escolar de seus filhos.
Um dos maiores desafios que encontro nas classes multisseriadas é a falta de
acompanhamento dos pais na educação dos filhos, eles não olham se os filhos têm
dever, mas até entendo porque muitos pais trabalham o dia todo e só chegam à noite
em suas casas. (Prof. A)
Um dos desafios que encontro é que os pais depositam em mim toda a
responsabilidade da educação dos filhos, achando que é só na escola que a criança
aprende, mas esse é um pensamento errôneo, pois a primeira educação da criança se
dá no âmbito familiar. (Prof. B)
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Diante desses relatos, verificamos que nesse espaço outra dificuldade encontrada pelo
professor/professora é a ausência da participação dos pais na vida escolar dos filhos. Para eles,
a participação efetiva dos pais seria muito importante, mas infelizmente esse vínculo não ocorre
na vida e na escola dessas crianças, uma vez que muitos pais acreditam que a responsabilidade
da educação escolar compete apenas ao professor.
A legislação estabelece que a família deve desempenhar seu papel educacional e não
responsabilizar apenas a escola a esta função. O artigo 205 da Constituição Federal afirma que:
A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(BRASIL, 1988).
Sendo assim, podemos afirmar que a família é fundamental na formação sócio- cultural
de qualquer indivíduo. Por isso, que a boa relação entre escola e família deve estar presente em
qualquer trabalho educativo que tenha como objetivo primordial a formação do aluno. Os
benefícios de uma boa integração entre a família e a escola relacionam-se a possíveis
transformações evolutivas nos níveis cognitivos, afetivos, sociais e de personalidade dos
alunos. (POLONIA; DESSEN, 2005, p. 305).
Dessa forma, a relação entre escola e família deve exercer uma função de reciprocidade
na educação dos alunos para que estes tenham um bom desempenho escolar.
Além dos fatores mencionados acima a respeito do processo de ensino e aprendizagem,
os professores foram enfáticos ao responderem que um dos grandes desafios enfrentados por
eles nesse processo é a dificuldade em alfabetizar os alunos. Isso se dá devido haver, nas turmas,
alunos com idades, séries, pensamentos e culturas diferentes.
O posicionamento dos alunos no que se refere às dificuldades por eles enfrentadas na
sala de aula durante o processo de ensino aprendizagem foram os seguintes:
Minha dificuldade é porque o professor passa o dever dos alunos grandes e dos alunos
pequenos “tudo junto” e como eu não sei ler direito, às vezes copio o dever enganado
(G. Monteiro, 10 anos- 3ª série).
A minha dificuldade é quando a professora “parte o quadro” (divide o quadro ao meio)
para passar o dever (N. Neves, 6 anos- 1ª série).
A dificuldade é porque tem muito aluno de série diferente e por isso a professora tem
que dividir o quadro e às vezes a gente escreve coisa que não é nosso dever (J.
Nascimento, 11 anos- 4ª série).
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A dificuldade é de estudar com muitos colegas de séries diferentes, porque a
professora passa o dever no quadro e a gente tem que ficar esperando uns colegas
terminarem para ela passar o nosso (F. Soares, 9 anos- 3ª série).
Como percebemos, as classes multisseriadas oportunizam aos alunos o estudo, mas, por
outro lado, dificulta o ensino, pois conforme analisamos, alguns alunos sentem-se incomodados
com a diferença de idade existente em suas classes, visto que os estudantes com mais idade
atrapalham a aula porque terminam suas atividades primeiro que os menores. Em outros casos,
os alunos reclamam porque devido haver muitas séries a professora divide o quadro e por isso
alguns alunos se confundem e copiam o dever das outras séries.
Com isso, percebemos que, na grande maioria, as dúvidas e a preferência por classe
seriada estão ligadas à desvalorização do profissional, pois se estes tivessem condições mínimas
de trabalho, as respostas dadas pelos professores poderiam ser mais positivas e não cheias de
dúvidas.
Durante uma conversa informal percebemos que, durante a lotação, as manifestações
feitas por alguns professores em querer ministrar em uma turma seriada não são aceitas e por
isso, como ainda existem muitos professores temporários, acabam por aceitar as condições que
lhes são impostas.
Diante desta pesquisa, entendemos que as problemáticas existentes no contexto
multisseriado é marcada pelo descaso e em muitas situações as escolas são tratadas como se
não existissem, pois os benefícios não chegam até elas. Enquanto isso, professores e alunos
continuam às margens de uma realidade precária e pouco beneficiada.
Desse modo, o retrato da realidade dessas escolas nos mostra a carência de
investimentos e mesmo que algumas escolas estejam sendo reformadas, compreendemos que a
falta de investimentos continua sendo o fator que interfere na qualidade da educação das escolas
multisseriadas.
Considerações finais
Diante do exposto, a primeira grande constatação a partir da pesquisa sobre as escolas
multisseriadas no município de Igarapé-Açu nos permitiu evidenciar que as dificuldades de
professores e alunos com essa forma de organização de ensino ultrapassam suas vontades
quando almejam uma educação de qualidade, pois nesse contexto as condições existenciais
impedem o avanço nessas escolas multisseriadas. No entanto, desmistificar os pressupostos que
caracterizam a Educação do Campo e as escolas multisseriadas enquanto lugar de atraso é um
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grande desafio, pois estas vão sempre se apresentar como um fator negativo que negligenciam
a possibilidade de um futuro melhor para esses cidadãos.
Devemos considerar que essa problemática faz parte da realidade educacional brasileira,
porém os órgãos competentes não podem ser omissos diante de tal realidade. E sabemos que,
para acontecer um avanço significativo na escola multisseriada, os investimentos são
fundamentais, e quando se fala em investimento devemos levar em consideração o aumento
salarial dos professores, mais formação continuada e investimentos nas questões estruturais e
pedagógicas, para que, assim, os alunos possam aprender com mais dignidade. Diante de tudo
que ficou revelado nesta pesquisa, verificamos que, apesar do município ter uma demanda
grande de escolas multisseriadas, o mesmo não disponibiliza de uma secretaria de educação do
campo para tratar de políticas públicas voltadas para os sujeitos do campo.
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