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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
“MULHERES DE ONTEM E DE HOJE” – ENEIDA PARA MULHERES, SOBRE
MULHERES
Carla Figueiredo Marinho 1
Maria Angelica Motta-Maués 2
Resumo: A escritora e jornalista paraense Eneida de Moraes (1903-1971), que durante a ditadura
Vargas, foi ‘vizinha’ na prisão de (entre outros) Graciliano Ramos e Olga Benário, atuou na
imprensa carioca como titular da coluna feminina “Mulheres de Ontem e de Hoje”, do jornal Diário
de Notícias. Seus artigos nessa coluna apresentavam mulheres de diferentes perfis (nacionalidades,
classes, gerações) que tinham em comum o afrontamento daquilo que se esperava como papéis
atribuídos a uma mulher, para entrarem e atuarem em espaços marcadamente masculinos. Neste
trabalho pretendemos identificar, através da linguagem utilizada nos textos jornalísticos, como
Eneida ‘diz’ a mulher, e nesse ‘dizer’ registrar as formas, configurações e contornos de uma
imagem feminina produzida na coluna, interpretada e analisada numa perspectiva sócio
antropológica. O recorte de gênero se faz necessário, logo que as edições de jornais eram (são, em
muito, ainda) espaços majoritariamente “masculinos”, quer na sua percepção ou atualização.
Eneida, assim como outras escritoras e jornalistas de sua época, para solidificar-se em sua carreira
jornalística, enfrentou e afrontou os padrões instituídos para aquilo que seria o desempenho
“feminino” de sua época, pessoalmente e profissionalmente. Nos seus escritos, assim, as
construções sociais acerca do “feminino” e do “masculino” e sua discussão são introduzidas
continuamente, evidenciando às mulheres a atualização constante das injunções de gênero na vida
social.
Palavras-chave: Eneida, Mulheres, Gênero, Militância.
O presente trabalho é um recorte de minha dissertação intitulada: “ENEIDA para mulheres,
sobre mulheres, A Mulher ‘Dita’: contornos da Imagem do Feminino em Eneida, “a escritora que
veio do Pará.” Mas especificamente do quarto capítulo que intitulei: “ENEIDA, a colunista de
Mulheres de Ontem e de Hoje”, no qual retorno para o cenário dos séculos XVI, XVII e XIX,
juntamente com Eneida, por meio da leitura e análise da coluna “Mulheres de Ontem e de Hoje”.
Os textos são de relatos biográficos de mulheres de classes, nacionalidades e épocas diferentes,
porém todas essas mulheres driblaram as regras vigentes, ao que esperava de uma mulher, para
vivenciarem seus ideais, sendo estes de interesse individual ou da coletividade.
A primeira incursão em campo, de algum modo, me possibilitou perceber que meu ‘objeto’
estava interligando à representação feminina, inserida em um contexto histórico-social de vivência
1 Cientista Social e Mestre em Antropologia. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
(PPGSA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), (PPGSA/UFPA) e-mail: [email protected] 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Pará
(UFPA), (PPGSA/UFPA) – Pesquisadora (CNPq), e-mail: [email protected]
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da escritora – Eneida – e a construção e publicação das suas matérias; para tanto foi necessário
estabelecer uma relação entre literatura e concepções das identidades de gênero.
Constância Lima Duarte & Kelen Benfenatti Paiva (2009) destacam a importância da inserção da
mulher no século XIX nas edições de jornais, espaço até então retratado e vivido mesmo como
majoritariamente masculino3, uma vez que essa “ascensão”, termo usado pelas autoras, do espaço
privado – espaço doméstico – para o público – edições de jornais, no caso – possibilitou que as
mulheres do campo das letras, comprometidas e influenciadas pelo movimento feminista
utilizassem a imprensa como órgão agregador e organizador das mulheres. Mediante o
desenvolvimento deste estudo foi possível apresentar a militância de Eneida agregando sua atuação
como jornalista, escritora e membro do Partido Comunista.
Neste estudo, a linguagem, mais especificamente a escrita é um instrumento eficaz na construção
de uma realidade social, conforme Bourdieu (2003) destaca na entrevista intitulada: “Du bon usage
de l’ethnologie”. James Clifford (2011) no ensaio “A arte como sistema cultural”, também pontua
que as palavras às vezes parecem existir em um mundo próprio. Neste estudo busquei identificar
através, da linguagem, como Eneida ‘diz’ a mulher, e nesse ‘dizer’ identificar as formas,
configurações e contornos de uma imagem feminina produzida na coluna “Mulheres de Ontem e de
Hoje” (1953-1957), do jornal carioca Diário de Notícias4 que foram classificadas, analisadas e
interpretadas numa perspectiva sócio antropológica.
No conteúdo desses artigos temos a escritora e jornalista paraense Eneida de Villas Boas Costa
de Moraes5 escrevendo em um espaço “destinado” às mulheres, que são as colunas femininas, as
quais, segundo Dulcília Buitoni (2009) correspondem a um espaço em que, à primeira vista nada
3 Segundo o jornalista José Hamilton Ribeiro, em seu livro intitulado “Jornalistas 1937-1997”, menciona que os
prédios onde funcionavam as empresas jornalísticas eram pensadas e construídas somente para homens, não dispunham
de banheiro feminino, as mulheres trabalhavam como telefonista, somente durante o dia, ou realizado a faxina e o café,
ou seja, a área de serviço. (RIBEIRO, 1998, p.31)
4 Foi no cenário político da Revolução de 30 que surgiu em 12 de junho do mesmo ano o Diário de Notícias, fundado
por Orlando Dantas. Ficou conhecido como “o Jornal da Revolução”, com tiragem inicial de seis mil exemplares, que,
em poucos meses passou para 168 mil exemplares. O Diário se mantém na oposição até a década de 70 quando deixa de
circular. (MENDES & SOUZA, 2006, p. 14)
5 Respeitando a decisão tomada pela autora, ao longo do texto, farei referência a ela utilizando somente seu primeiro
nome “Eneida”, visto que no ano de 1926, esta decidiu subtrair de seus escritos, o Costa e o Moraes, que assinava antes,
porque, segundo ela, não gostaria que seu pai e marido fossem responsabilizados pelos delitos que cometesse. Embora,
bem mais tarde ainda fosse referida como Eneida de Moraes. (SANTOS, 2009) É importante destacar que esta foi uma
prática utilizada na imprensa feminista francesa, segundo Perrot (2012) Michèle Riot-Sarcey analisou a emergência das
primeiras jornalistas e observou que as feministas tinham consciência do papel da imprensa na opinião pública e com
profissionalismo e muito idealismo recusam-se a adotar o sobrenome dos maridos, e apresentam somente o primeiro
nome, como: Marie-Jeanne, Désirée, Eugénie, Claire e outras. (PERROT, 2012, p. 34)
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transparece dando a falsa impressão de tratar-se de um conteúdo banal6, mas, se levado em
consideração o contexto social e político observa-se que o tom dado prenuncia a construção de uma
imagem feminina. Diante do meu objeto e a partir das considerações de Buitoni (2009), formulei as
seguintes questões: “O que havia de peculiar nessas personagens apresentadas por Eneida?”;
“Havia elementos da estrutura social que eram criticados por elas?”; “Se havia, qual ou quais
seriam?”– questões norteadoras, que orientaram meu percurso em campo.
Para isto, utilizei enquanto método o “fazer etnográfico” que tem possibilitado a vivência da
teoria, numa proposição em que a teoria e a prática não estão dissociadas, tal qual Mariza Peirano
(2008) pontua, o que possibilitou um “olhar devidamente sensibilizado pela teoria”, como destaca,
por sua vez, Roberto Cardoso de Oliveira (1998). No fazer etnográfico, a teoria está em ação, o
olhar é moldado e disciplinado por ela permitindo ou possibilitando que os fatos observados sejam
postos em “ordem”, sendo assim traduzidos por uma teoria interpretativa. (URIARTE, 2012, p.171)
Logo, entendo que o método etnográfico possibilitou a aproximação necessária para o levantamento
das informações, que após o exercício reflexivo foram transformadas em dados de pesquisa,
permitindo assim o estudo e compreensão do meu “objeto”. (GUBER, 2001)
Seguindo os padrões da academia os dados foram sistematizando, a partir dos referenciais
teóricos elencados ao longo da investigação, buscando levar o leitor a compreender, não somente as
experiências vivenciadas no campo, mas a forma como essa experiência está relacionada com a
teoria antropológica. Ainda que seja uma produção paradigmática, pois ao mesmo tempo que tenho
autoridade para contar e fazer afirmações e negações é frágil, porque com o tempo, diante de novas
investigações haverá, ou poderá haver novos problemas e refutações. Como afirma Da Matta
(1992), eis a relação entre uma boa etnografia e o romance, que pode ser revisitado, relido e
referido, mas não refutado.
Eneida, a colunista de “Mulheres de Ontem e de Hoje”
6 Michelle Perrot, em seu livro “Minha história das mulheres” mostra que o “Journal des demoiselles”, estudado por
Christine Léger era publicado mensalmente, escrito e financiado parcialmente por mulheres. Com estilo eclético, os
artigos iam da moda às receitas de cozinha, das narrativas de viagens, ilustradas com gravuras imaginativas, às
biografias de mulheres “ilustres”. Mas, por trás da fachada de assuntos tidos como supérfluos há uma vontade de
emancipação das mulheres pela educação e pelo trabalho. (PERROT, 2012, p.33)
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O percurso para a construção deste trabalho permitiu uma viagem ‘tão longe’, temporal e
espacialmente, para ouvir/ler o relato de “mulheres de ontem” para as “mulheres de hoje”, que
foram apresentadas por Eneida na série “Mulheres de Ontem e de Hoje”.
A série seguia uma periodicidade semanal, sendo publicada aos domingos no jornal Diário de
Notícias durante os anos de 1953 a 1957. No material disponibilizado pelo GEPEM, e aqui me
refiro mais especificamente à pessoa da professora Eunice dos Santos, há 167 imagens digitalizadas
que correspondem aos recortes da série e que foram organizadas em ordem alfabética. E envolta as
impressões deixadas ao longo da (re) leitura de todo o material recordei do seguinte trecho do
antropólogo estadunidense Clifford Geertz:
Para um etnógrafo, tudo é uma questão de uma coisa levar a outra, essa a uma terceira, e
essa última a uma outra que mal se sabe o que é. [...] O resultado inevitavelmente, é
insatisfatório, desajeitado, instável e mal configurado: uma grande geringonça. O
antropólogo, ou no mínimo alguém que deseja tornar complexas as suas geringongas,
jamais dando por encerrado o seu trabalho, é um concertador maníaco que não consegue
direcionar seus talentos. (GEERTZ, 2012, p.24)
Pois a cada (re) leitura um leque de temáticas se abria diante dos meus olhos, que permaneciam
atentos buscando perceber: “O que havia de peculiar nessas personagens apresentadas por
Eneida?”; “Havia elementos da estrutura social que eram criticados por ela?”; Se havia, qual ou
quais seriam?”7; Mas conhecendo cada trajetória apresentada por Eneida, me sentia como na
citação acima: um pensamento me levava a outro, e percebi que um capítulo não seria suficiente
para dar conta do universo existente no material coletado. Então estabeleci um recorte temporal,
decidi analisar as mulheres que viveram nos século XIX e os anteriores como o XVIII e XVI –
sendo estes em menor número – porém, permaneço com a sensação de que o trabalho jamais será
encerrado, pois mesmo com o recorte ainda contabilizei 35 mulheres que muito têm a ‘contar’ sobre
suas trajetórias em diferentes cenários sociais. Após contabilizar, percebi que as mesmas poderiam
ser organizadas em grupos, de acordo com as atividades que desenvolveram. Diante dos dados
elaborei o gráfico abaixo para melhor visualizar a distribuição nos 12 grupos que organizei, dentre
os quais selecionei 4 – militares, atrizes, escritoras e jornalista – para o capítulo, mas pare este
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trabalho irei me deter somente nas jornalistas, em especial a primeira jornalista da história brasileira
– Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e Velasco.
Eneida, na construção do texto da coluna8 “Mulheres de Ontem e de Hoje”, fez uso de livros
biográficos como o “Ensaio Biográfico: Mulheres Brasileiras”, editado pelo Ministério da Guerra
e lançado em 1938, ao qual faz referência em diferentes momentos. É importante destacar que o
texto de Eneida é de cunho biográfico e ilustrado com retratos desenhados, de cada uma das
mulheres que tiveram episódios de sua vida apresentados semanalmente no Diário de Notícia, como
mostro abaixo.
8 Eneida refere-se às publicações de “Mulheres de Ontem e de Hoje”, como série, porém nas séries jornalísticas é
necessário que haja vozes, que haja a reportagem, o que não ocorre em nenhuma publicação, mesmo com as mulheres
que são contemporâneas à repórter como: Bibi Ferreira, Rachel de Queiroz e Tonia Carrero dentre outras. Ao longo do
estudo farei uso da categoria coluna quando me referir à publicação de “Mulheres de Ontem e de Hoje”.
23%
17%
8%8%
8%
6%
6%
6%3% 3%
9% 3%
Mulheres de Ontem e de Hoje Escritoras
Militares
Atrizes
ProfessorasCientistas
Mães
Filosofas
Nobres
Negra
Jornalista
Artistas
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Fonte: MORAES, 1953-1957.
A estrutura textual trás elementos ‘básicos’ de um texto biográfico, porém a colunista trazia
episódios da vida de cada uma das mulheres, destacando a atuação em seus respectivos contextos
sociais.
O percurso etnográfico trilhado possibilitou perceber reflexos e imagens a partir do olhar
“ancorado numa perspectiva que procurasse entender os valores de masculinidade e de
feminilidade”, respeitando o contexto social em que cada uma delas estava inserida. (KOFES, 2001,
pág.15) E neste exercício de deslocamento temporal, minha admiração por estas mulheres, na sua
maioria completamente desconhecidas para mim, só crescia, e em alguns momentos me questionava
que sentimento era despertado nas leitoras da década de 1950 da coluna “Mulheres de Ontem e de
hoje”. Infelizmente eis uma pergunta que permanecerá em aberto, mas não abandonada.
Como mencionei anteriormente, Eneida apresentou aos seus leitores mulheres que, assim como
ela enfrentaram e afrontaram os padrões instituídos para aquilo que seria – deveria ser, neste sentido
– o papel feminino da época, pois as mesmas passaram a transitar por espaços majoritariamente
“masculinos”, no que se referia à sua consideração social como o eram (em certa medida, ainda são,
em que pesem as substanciais mudanças nesse contexto).
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Dentre estas mulheres destaco Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e Velasco, a primeira
jornalista da história brasileira, seu nome ficou registrado na história da imprensa brasileira, mulher
de espírito combativo e enérgico. Baiana, nascida em 01 de dezembro de 1817, cercada de carinho e
conforto teve a orientação de um preceptora que “cedo lhe incutiu no cérebro a ideia de conhecer
os idiomas, francês, inglês e italiano”. Segundo historiadores literários9 Violante aprendera música,
escrevia poesias e realizava traduções principalmente de peças teatrais. Quando sua família fixou
residência no Rio de Janeiro, ela que já lia e escrevia bastante intensificou suas atividades
intelectuais.
Imaginemos hoje a luta que ela teve que enfrentar: viveu ela no século XIX, quando os
direitos da mulher brasileira não existiam. Mas nada fazia esmorecer o ânimo de nossa
primeira jornalista, inclusive porque ela procurava abafar sua desventura amorosa no
trabalho intenso. Repudiou casamento, fugiu do amor até que encontrou João Antônio
Boaventura Velasco, oficial da marinha, e com êle casou. (ENEIDA, MULHERES DE
ONTEM E DE HOJE, 1953-1957)
Foi conhecendo o círculo de amigos do seu esposo e suas respectivas esposas que fez amizade
com Joana Paula Manso de Noronha – uma senhora argentina, casada com um brasileiro – feminista
que lutava pela emancipação das mulheres. A aproximação entre as duas fortaleceu em Violante o
desejo de lutar por direitos as mulheres, a forma encontrada de difundir suas ideias foi através do
jornal, unindo forças em 1852 “uma folha é redigida por mulheres” e recebe o título de “O Jornal
das Senhoras”. De acordo com a pesquisa realizada por Buitoni (2009) sobre a representação da
mulher pela imprensa feminina brasileira, no levantamento realizado há contradições10 quanto à
redatora responsável pelo jornal, porém ele é o primeiro a ser redigido por mulheres e com o passar
de suas publicações foi ganhando seções de moda, literatura, belas-artes, teatros e críticas, o mesmo
já contava com ilustrações.
Mas em sua biográfica sua vida confunde-se com a do jornal, pois sua vida passou a ser marcada
por sucessivas lutas, inclusive econômica para manter a circulação do jornal.
9 Sacramento Blake, Inocêncio Macêdo, Afonso Costa, Hélio Viana e Barros Vidal.
10 Segundo Godin da Fonseca o jornal era redigido por D. Cândida do Carmo Souza Menezes, porém, Nelson Werneck
Sodré afirma que o mesmo foi lançado por Violante Ataliba Ximenes de Bivar Nolasco, nos Anais da Biblioteca
Nacional é citado o nome de Joana Paula Manso de Noronha como redatora. (BUITONI, 2009, p.40)
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Para manter “O Jornal das Senhoras”, Violante teve que lutar contra tôda uma série de
obstáculos de ordem moral e financeira. Se, por um lado, houvesse quem o aplaudisse e
mesmo senhoras da Côrte para êle mandassem, sob pseudônimo, artigos, versos e contos,
por outro lado havia os que atacavam aquela arrojada empreitada feminina. Para que o
jornal vivesse, Violante lançava mão de seus próprios recursos que, com a contribuição dos
assinantes, garantia a impressão. [...] Seu ardor combativo não esmorecia. (ENEIDA,
MULHERES DE ONTEM E DE HOJE, 1953-1957)
As dificuldades financeiras aumentaram e Violante não teve mais condição de mantê-lo, o jornal
circulou durante o período de um de ano. Mesmo com o fim do jornal sua produção não parou, no
ano de 1859, publica o livro “Algumas Traduções”, em 1873 lança o jornal “O Domingo”, suas
seções traziam textos literários como: sonetos, cartas de amor e recreativos, além de dicas de moda.
O mesmo “obteve grande sucesso literário e nenhum sucesso financeiro”, ainda sobre ela nas
palavras de Eneida:
O que caracterizou a vida da primeira jornalista brasileira foi sua enorme capacidade de
trabalho, sua energia e sua coragem, sua dedicação à causa feminina e sua persistência em
manter, para a mulher, um jornal feito por mulheres. (ENEIDA, MULHERES DE ONTEM
E DE HOJE, 1953-1957)
Lendo sobre Violante, me questionei se não seria uma característica comum as jornalistas de
jornais femininos, pois sua energia e coragem lembra o esforço empregado pela equipe do jornal
“Momento Feminino”, pertencente ao Partido Comunista, o qual era editado e mantido pelas
militantes. Mas como mencionei anteriormente no texto, Eneida ‘diz’ a história de mulheres que
afrontaram os padrões dos papéis instituídos para as mulheres nos séculos XIX, XVIII e XVI. A
construção textual trás o uso constante de adjetivos, que reforçam a imagem construída de cada uma
delas, o que muito reflete as dificuldades encontradas para se estabelecerem enquanto sujeito.
Pensar sobre cada uma delas me fez lembrar o trecho da carta testamento de Eneida, que diz assim:
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“Não houve nenhuma grandeza no que fiz na vida: adquiri uma ideologia, tracei friamente meu
caminho e fui por êle, certa de estar certa.” (ENEIDA apud SANTOS, 2009, p.99)
E porque não pensar que cada uma delas também adquiriu sua ideologia e certa de estarem
certas, traçaram e seguiram friamente seus caminhos? Mas por trás de cada uma das ideologias
penso que a maior delas era a busca por direitos e liberdade, ainda que estas estivessem atreladas ao
bem estar da família, como Ana Dostoievsky que buscando melhores condições financeiras para a
família toma para si a responsabilidade de editora da produção do esposo, tornando-se a primeira
editora na Rússia. Ou Hortência de Castro, Maria Quitéria e George Sand que assumiram a
identidade masculina, trajando-se como homem para usufruírem de direitos que cabiam somente
aos homens de sua época. Outras como Charlotte Brontë e George Elliot não se transvertiram, mas
se ‘esconderam’ por trás de um nome masculino, para que sua produção fosse editada e circulasse
pela Inglaterra. Se fizeram indigentes como Adriaenne Lecouvrer que atuou para grandes plateias,
mas lhe fora negado um enterro digno, ou se esconderam para não ‘ofuscar’ a fama de seus
parceiros como Marceline Valmore, que diante da dor floresceu como poetiza. Não perderam a
oportunidade de estabelecer novos padrões como Sarah Bernhardt no teatro e Tereza Margarida da
Silva Orta na literatura brasileira influenciando toda uma geração de poetas. Viveram grandes
paixões como Anita Garibaldi que morreu lutando ao lado de seu marido, e Clara Camarão que
organizou um exército de mulheres para lutar ao lado de seu esposo Antônio Camarão.
Por alguns momentos, envolta em tantas histórias me senti distante de Eneida, então cai em si de
que quem estava contato os relatos era ela, por meio da coluna que trazia a suas leitoras – dentre as
quais me incluo – perfis de mulheres de diferentes épocas e lugares, e aqui tomando emprestado de
Eneida um pouco de seu lirismo, e aporto em seu reino de Aruanda para pensarmos um pouco mais
sobre essas mulheres, mas por que Aruanda?
Aruanda é o país que sempre trazemos dentro de nós, país de liberdade e de paz sem
desigualdades nem ódios, sem injustiças ou crueldades, do amor sonhado por todos os
homens. Aquele que carregamos como uma arma ou uma jóia tão brilhante, pois foi por nós
construído, vivido, criado e é por nós defendido. [...] Quando foi mesmo que ela chegou
pela primeira vez a meus ouvidos, não sei. Era apenas uma palavra, mas trazia um cheiro
violento de terra e de liberdade, gosto de fruta madura, uma palavra apenas, porém usando
paladar e olfato. [...] É o que quero fazer com este meu livro: abrir a minha Aruanda, meu
passado e meu presente, para que ela deixe de ser apenas minha e se torne de todos, pois
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que para mim, nada existe de meu: a própria vida é um bem coletivo. (ENEIDA, 1989, p.5-
6)
Penso que em “Mulheres de Ontem e de Hoje”, Eneida tentou também trazer para suas leitoras a
vida de cada uma das personagens apresentadas transformando o individual em bem coletivo, que
possibilitaria pensar o passado e o presente seja numa perspectiva individual ou coletiva. E por que
não arriscar e dizer que traziam também Aruanda dentro de si?
REFERÊNCIAS
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GUBER, Rosana. La etnografia. Método, campo y reflexividad. 1ª Ed. Bogotá, Grupo Editorial
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KOFES, Suely. Uma trajetória em narrativas. Campinas: Mercado de Letras, 2001.
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PEIRANO, Mariza. Etnografia, ou a teoria vivida. Porto Urbe, São Paulo: NAU/USP, 2008.
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RIBEIRO, José Hamilton. Jornalistas1937 a 1997 – História da Imprensa de São Paulo. 1ª Ed.
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Referências dos Jornais Diário de Notícias
MORAES, Eneida de. Mulheres de Ontem e de Hoje. In: Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
07/11/1953-57. In: Eneida de Moraes: memória ícono-bibliográfica (1920-1971)/ (CD-ROM)/
Eneida de Moraes: organização e compilação de Eunice Ferreira dos santos, Belém, 2004. 7 discos
lasers:son., II. V.3 e 4.
“Women of the Yesterday and Today” – Eneida for women, about Women.
Abstract: The writer and journalist, Eneida de Moraes (1903-1971), who during the Vargas
dictatorship was a 'neighbor' in the prison of (among others) Graciliano Ramos and Olga Benário,
appeared in the Rio press as headline of the women's column "Women of Yesterday And of Today,
"of the newspaper Diário de Notícias. Her articles in this column featured women of different
backgrounds (nationalities, classes, generations) who had in common the confrontation of what was
expected as roles assigned to a woman, to enter and act in markedly masculine spaces. In this paper
we intend to identify, through the language used in the journalistic texts, how Eneida 'tells' the
woman, and in that 'say' to record the forms, configurations and contours of a feminine image
produced in the column, interpreted and analyzed in an anthropological partner perspective. Gender
cutting becomes necessary as newspaper editions were (largely still) spaces that are mostly
"masculine," either in their perception or updating. Like other writers and journalists of her day, to
solidify herself in her journalistic career, Eneida faced and confronted the standards instituted for
what would be the "feminine" performance of her time, both personally and professionally. In her
writings, thus, the social constructions about the "feminine" and the "masculine" and their