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I
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE
CENTRO DE CIÊNCIAS DO HOMEMCIÊNCIAS SOCIAIS
OS DESAFIOS DA REFORMA: UMA ANÁLISE DE NOVAS E VELHAS PRÁTICAS DA
POLÍCIA JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
VÍVIAN FERREIRA PAES
CAMPOS DOS GOYTACAZES
FEVEREIRO DE 2004
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II
VÍVIAN FERREIRA PAES
OS DESAFIOS DA REFORMA: UMA ANÁLISE DE NOVAS E VELHAS PRÁTICAS DA
POLÍCIA JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Monografia desenvolvida sob orientação da Profª DrªLana Lage da Gama Lima e apresentada ao Centro deCiências do Homem da Universidade Estadual do NorteFluminense (CCH/UENF), como parte das exigências para obtenção de título de Bacharel em Ciências Sociais.
CAMPOS DOS GOYTACAZES
FEVEREIRO DE 2004
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III
VÍVIAN FERREIRA PAES
OS DESAFIOS DA REFORMA: UMA ANÁLISE DE NOVAS E VELHAS PRÁTICAS DA
POLÍCIA JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Monografia aprovada em 13 / 02 / 2004 como parte das exigências para obtenção detítulo de Bacharel no Curso de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadualdo Norte Fluminense, pela banca examinadora formada pelos professores:
_______________________________________________
Profª Drª Lana Lage da Gama Lima – UENF (Orientadora)
_______________________________________________
Prof. Dr. Arno Vogel – UENF (Examinador)
_______________________________________________
Prof. Dr. Sérgio de Azevedo – UENF (Examinador)
CAMPOS DOS GOYTACAZES
FEVEREIRO DE 2004
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IV
SUMÁRIO
Prólogo _____________________________________________________________________ 05
Introdução __________________________________________________________________ 07
1. Polícia em reforma __________________________________________________________ 12
1.1.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro ___________________________________________12
1.2.
A Reforma “Programa Delegacia Legal” _____________________________________16
2. Delegacias antigas e novas: Os cenários da Polícia Civil ____________________________ 22
2.1. A Delegacia Tradicional __________________________________________________ 22
2.2. A Nova Delegacia _______________________________________________________ 25
3. Velhas e novas burocracias: Os trâmites processuais da Polícia Civil __________________ 29
3.1. O trâmite tradicional _____________________________________________________ 29
3.2. O novo trâmite __________________________________________________________34
4. As hierarquias da Polícia Civil _________________________________________________45
4.1. A hierarquia tradicional ___________________________________________________ 45
4.2. A nova hierarquia ________________________________________________________48Conclusão ___________________________________________________________________52
Bibliografia __________________________________________________________________54
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PRÓLOGO
O presente trabalho teve sua gênese em junho de 2001, quando ainda no terceiro período
do curso de Graduação em Ciências Sociais fui convidada pela Profª Drª Laura Dorotea von
Mandach para fazer parte da pesquisa por ela presidida, que versava sobre questões relativas à
Segurança Pública e Justiça Criminal, perspectiva que logo ao primeiro contato despertou
sobremaneira meu interesse e na qual me encontro inserida até a conclusão do respectivo curso.
O primeiro enfoque do projeto, denominado inicialmente “Do Inquérito ao Júri – um
estudo sobre os fatores que determinam a resolução dos casos de homicídio”, partia da análise da
investigação policial e judicial no âmbito da cidade de Campos dos Goytacazes e tinha por
objetivo mapear os fatores e características dos casos de homicídio que resultam em sua
resolução ou não, bem como interpretar a forma como os agentes do Estado percebem o processo
de investigação.
Todavia, quando iniciamos o trabalho identificamos uma ruptura na forma como eram
produzidos os inquéritos policiais e identificamos dessa forma, a reforma da Polícia Civil. Como
a reforma caminhou em passos lentos, a forma tradicional de administração de conflitos naPolícia Civil convivia com a que estava sendo implementada. Ressalta-se que esta situação, o
funcionamento concomitante de novas delegacias e de delegacias tradicionais, cada qual com sua
forma de administração, permaneceu durante todo o período de nossa pesquisa. Diante do grande
impacto da reforma e devido à situação ideal que nos deparamos para dar início à comparação de
dois modelos de administração policial, decidimos mudar o foco de análise do projeto para as
novas delegacias, ao refletir sobre as mudanças a que as delegacias e as atividades da Polícia
Judiciária tinham sido submetidas. Dois alunos de graduação compunham a equipe de pesquisacoordenada pela Prof a Laura no âmbito do projeto que fora terminantemente intitulado “Mudança
e Resistência na Polícia Civil do Rio de Janeiro”: eu e Thiago Lima de Brum. Entretanto, com a
ida da referida professora à Suíça em março de 2003, a pesquisa seguiu seu curso, orientada pela
Profª Drª Lana Lage da Gama Lima.
Impossível seria, depois de três anos para a concretização deste trabalho, não reconhecer a
importância tanto das pessoas quanto das instituições que dele fizeram parte.
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6
Em primeiro lugar, gostaria de manifestar minha gratidão à equipe de pesquisa a qual
estava integrada. À Laura Dorotea von Mandach, agradeço enormemente pelas oportunidades queme foram concedidas, por ter me inserido no universo da pesquisa, por sua ponderação sempre
necessária, pela atenção sempre concedida e por ter me dosado com coragem: “O mais
importante nestes caminhos espinhosos é ignorar os espinhos e seguir em frente”. À Lana Lage
da Gama Lima, agradeço por ter acreditado em mim, por ter acolhido a monografia e pelo
cuidado e apoio dispensados. A distância ocasionada por sua presença no Arquivo Público do Rio
de Janeiro não foi uma boa companheira, mas sua superação foi realizada com muito entusiasmo,
dedicação e internet . A Thiago Lima de Brum, agradeço pelos ricos debates regados à capuccino,
pela confiança e amizade dedicada. Considero a Maria Helena Rangel de Azevedo ainda como
equipe de pesquisa, pois a dobradinha com o seu trabalho acerca da administração de conflitos
domésticos no Juizado Especial Criminal rendeu proveitosas discussões; sou grata também pelo
interesse que sempre demonstrou.
Reconheço em nome da equipe de pesquisa, a importância do acesso facilitado que nos foi
dado ao universo que pesquisamos, a Polícia Civil. Apesar de ter sido a minha primeira aventura
antropológica, sei que devemos ser gratos a esta instituição por não ter impedido e/ou dificultado
o trabalho. Aos policiais, agradeço por ter suportado nossa intrusão no cotidiano de seus própriostrabalhos, sei que nossa presença nem sempre foi bem vinda, todavia, foi acolhida.
Na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, em especial no
Centro de Ciências do Homem, se deu o locus de minha socialização acadêmica. Nesta
instituição, sou grata aos “verdadeiros mestres”, por ter me contaminado com suas vocações e por
ter feito também despertar a minha. Aos amigos da UENF e aos amigos de longa data, agradeço
pelo rico convívio diário e palavras de incentivo que chegaram em horas certas. Obrigada por
tanto carinho. Agradeço especialmente a Carlos Valpassos, Simone Vieira e Fábio Motta, poisacompanharam mais de perto o processo por vezes desesperador de quem começa a se lançar em
novos desafios. Estes agradecimentos também se estendem ao Frederico Alvim, sobretudo pela
tranqüilidade que provêm de sua companhia.
Peço desculpas à minha família por tê-los deixado preocupados a cada vez em que ia à
Delegacia, desculpe ainda pelas ausências e alterações de humor. Obrigada, porém, por ter sido
minha fortaleza em momentos nem sempre fáceis. Saber que conto sempre com o apoio de vocês
me incentiva a prosseguir.
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7
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objeto de estudo a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, com
atenção especial à reforma administrativa da Polícia Judiciária do Estado, iniciada em 1999, sob
o título de Programa Delegacia Legal.
A reforma pretende implementar uma atuação policial ética e eficiente, reeducando a
maneira de agir e pensar da Polícia Civil, através da informatização, da padronização da infra-
estrutura e da reestruturação dos processos de trabalho intradelegacia (Abreu e Freitas, 2000). Em
fins de 2002, mais da metade das 121 delegacias do Estado já tinham sido reformadas e
funcionavam como Delegacias Legais, as outras ainda estão sendo administradas da forma
tradicional1. É interessante observar que a implantação da Delegacia Legal abrange um conjunto
de medidas, que inclui a desativação de uma Delegacia Tradicional para que seja inaugurada no
mesmo local ou em local diverso, da Delegacia Legal correspondente (Garotinho & Silva et al,
2002). Explicita-se que o Governo Estadual ao pôr como condição a priori para a efetivação do
Programa Delegacia Legal a extinção da Delegacia Tradicional, adota o princípio de supressão
total do modelo vigente até então.Tomamos como base, portanto, que o Brasil organiza-se por um arranjo federativo que
outorga ao Poder Executivo estadual o desenho da organização do aparelho policial (Abrucio,
1998: 39). A partir deste problema, objetivamos realizar a análise de uma reforma que se propõe
a introduzir uma nova política de segurança pública baseada em uma lógica que rompe com a
cultura institucional da Polícia Civil fluminense.
Assim sendo, avaliamos que, numa época de crise de legitimidade da polícia em relação à
sociedade, analisar a tentativa de reformar a Polícia Civil ganhe suma relevância para se pensar aeficácia da ação policial com vistas ao controle social e a resposta institucional que o Estado do
Rio de Janeiro vem dando aos conflitos e demandas da população por uma maior segurança. A
pesquisa também pode contribuir para aprimorar o diálogo entre a Academia e a sociedade
mediante o fornecimento de subsídio à formulação de novas políticas públicas, estimulando o
desenvolvimento de novas pesquisas acerca da segurança e da polícia do Estado do Rio de
Janeiro, a partir da “reforma” que traz novos aspectos à questão.
1 Cerca de treze delegacias tiveram sua transformação anunciada até fim de 2003.
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Para que possamos avançar na análise, faz-se imperativa a enunciação de como o tema
escolhido, a Polícia Civil, é abordado no decorrer da literatura pesquisada. Tentaremos, a partirdestes estudos, montar um quadro de referência para que possamos compreender a atuação da
Polícia Civil.
Examinamos a performance da polícia na perspectiva histórica a partir dos estudos
realizados por Holloway e Bretas. O trabalho de Thomas Holloway (1997) trata das origens e da
evolução histórica da polícia do Rio de Janeiro no séc. XIX. Demonstra como, neste período, o
controle social deixou de ser exercido pelas hierarquias personalistas até ser assumido pela
autoridade impessoal das instituições estatais. Afirma, porém, que essa transição foi puramente
formal, pois a evolução do sistema policial explicita a complementação dessas lógicas. Ao
reprimir as transgressões de regras de comportamento que foram estabelecidas pela própria elite
política que criou e dirigia as ações da polícia, esta instituição supostamente regida por um
universalismo impessoal garantiu a continuidade das relações hierárquicas tradicionais.
Avançando um pouco mais no tempo, encontramos no trabalho de Bretas (1997) um relato acerca
de como o controle social era exercido pela Polícia Militar e pela Polícia Civil durante a
República Velha. Neste estudo, a formação da cultura policial é entendida através do trabalho
cotidiano da polícia. Ao partir da perspectiva de que a experiência ajuda a moldar valores, o autor busca compreender como, no início do séc. XX, a polícia direcionava seu poder de ação para
“enquadrar” como prováveis criminosos os provenientes das camadas inferiores da sociedade.
É, entretanto, no artigo de Paixão (1982) que encontramos a ênfase na abordagem
organizacional da Polícia Civil. O autor objetiva com este trabalho, analisar a estrutura formal e
as atividades práticas da Polícia Civil em Belo Horizonte. A partir desta abordagem, entende que
existe uma disjunção entre a formalização e atividade prática da polícia, ou seja, entre a atividade
política desta instituição, dominada por dimensões particularistas e personalizadas e a estruturaformal burocrática. Por fim, ele afirma que apesar do desenho racional permitir que a organização
policial se apresente como uma instituição na qual impera uma justiça igualitária, o que ocorre na
prática é que a dimensão particularista a perpassa, o que denota que essas lógicas se
interpenetram.
Os estudos de Kant de Lima, por sua vez, introduzem a abordagem etnográfica da
questão. No seu livro A Polícia da Cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos (1995), o
autor analisa o modelo tradicional da Polícia Judiciária e descreve todo o procedimento rotineiro
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deste, desde o registro da ocorrência até a materialização do fato em um inquérito levando em
conta todas as práticas não institucionalizadas que caracterizam este processo, tais como aarbitragem e punição. Mostra como a concepção legal e judicial da atividade policial é
insuficiente para justificar essas práticas policiais. Já nos seus artigos (1997 e 1999), ele parte
para a comparação entre os modelos de administração policial americano e brasileiro, e conclui
que a particularização do espaço público no Brasil é uma estratégia de controle social
diferenciado e serve para legitimar desigualdades existentes na população.
Considerando os argumentos levantados por estes autores, avaliamos que o denominador
comum destes trabalhos consiste na análise de que a atuação da instituição policial brasileira
difere de forma significativa da burocracia tratada por Weber (1978), pois sua atuação não condiz
com a predominância de um “espírito de impessoalidade formalista”. Ao contrário, a instituição
policial regula-se através do tratamento diferenciado que concede às ocorrências. Logo no início
da revisão da literatura, partimos da perspectiva de que, desde suas origens, a polícia esteve a
serviço da elite e que seu papel foi o do controle social seletivo, direcionado às camadas
populares. Consideramos, deste modo, que a atividade policial reproduz a hierarquia da estrutura
social brasileira, ou seja, a cultura patrimonialista, clientelista e personalista convive e
complementa a face burocrática da organização. Nossa orientação de pesquisa identifica estes traços culturais a partir de uma análise da
organização, das atividades e do discurso dos agentes da Polícia Civil fluminense, entre 2001 e
2003, momento no qual a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro estava sendo submetida a
reformas.
Dada a dimensão de um Programa que objetiva reformar todas as delegacias do Estado,
elaboramos uma análise comparativa deste modelo inovador (Programa Delegacia Legal) com o
modelo tradicional/cartorial de administração de conflitos na Polícia Civil.O primeiro objetivo de comparação a que este trabalho se propõe é, portanto, o do
englobamento do contrário, proposto por Louis Dumont em Homo Hierarquicus (1982).
Segundo este autor, esta categoria abrange os elementos que ao mesmo tempo em que compõem
uma unidade, nela se distinguem ou se opõem entre si. É, entretanto, na complementaridade e na
contradição existente entre esses modelos que se justifica a análise realizada a seguir. Longe de
atribuir qualquer julgamento de valor maniqueísta, a pesquisa é fruto de uma tentativa de
apreensão das semelhanças e diferenças das distintas realidades de uma mesma instituição, a
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Polícia Civil. Compreendemos com isso que os diferentes modelos de atuação desta, aqui
denominados de “Delegacia Legal” e “Delegacia Tradicional”, são distintos entre si ao mesmotempo em que fazem parte da mesma instituição. Partindo, portanto, da hipótese de que cada
modelo apresenta um estilo de atuação policial distinta, ancoramos na comparação dos dois
modelos, a análise das práticas decorrentes de cada modelo de atuação policial, incluindo a
justificação destas no discurso dos agentes.
A segunda comparação a que este trabalho se propõe a realizar parte da perspectiva de
Clifford Geertz (1997) sobre o ser e o dever ser . Conforme minha leitura, o autor formula, com
estes conceitos, uma análise das normas (dever ser) e uma análise das práticas (o ser). No que
concerne a este projeto, isto poderia significar a análise do discurso da reforma (o dever ser) e das
práticas identificadas nas delegacias (o ser), que compreendem as formas particularizadas de
administração de conflitos. Neste estudo, a hipótese alternativa sugere que a ética tradicional e as
regras costumeiras da Polícia Civil pautadas em uma cultura personalista, tendem a resistir à
reforma. É neste sentido, portanto, que pretendo desenvolver a argumentação.
Cumpre notar, que procuramos compreender a dimensão das propostas do Programa
Delegacia Legal através da análise de documentos da Polícia Civil (Secretaria, 2000 e 2001), dos
materiais de propaganda do site da Delegacia Legal e do Governo (Garotinho et al, 2002), dasApostilas do Curso de Formação dos Delegados (Abreu, 2000 e Rosenail, 2000), bem como
através do material do Luiz Eduardo Soares (2000).
Produto de pesquisa de campo realizada principalmente em Campos dos Goytacazes, -
cidade situada no norte fluminense, com 400.000 habitantes - este trabalho corresponde a uma
etnografia do trabalho policial, priorizando a abordagem comparativa das práticas estabelecidas
no âmbito dos dois tipos de delegacias. Nota-se, que em virtude da reforma não atingir
simultaneamente todas as delegacias do Estado, pudemos comparar no tempo presente o modelotradicional que estava preste a ser extinto e o “novo” que está sendo implementado. Por todos
estes aspectos, cumpre notar que em Campos, encontramos uma situação que nos pareceu ideal
para se iniciar a comparação dos diferentes modelos de administração da Polícia Civil do Estado,
visto que tínhamos duas delegacias numa mesma cidade atuando de forma diversa: uma já
reformada desde junho de 2000, que funciona no centro da cidade à margem direita do Rio
Paraíba do Sul e outra que até julho do ano passado funcionava conforme o modelo tradicional na
área de Guarus, situada à margem esquerda do rio, caracterizada pela má distribuição de serviços
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públicos e de infra-estrutura. Convêm ressaltar, que também realizamos pesquisa de campo nas
cidades de São Fidélis e Rio de Janeiro, para podermos complementar e relativizar as conclusõeslevantadas por nosso material coletado em Campos. Todavia, a argumentação a seguir baseia-se
sobretudo na pesquisa de campo desenvolvida nesta cidade.
A metodologia da pesquisa, cujo início de deu em junho de 2001, adota uma abordagem
qualitativa da questão. Incluímos o método de observação-participante nas respectivas delegacias,
entrevista semi-estruturada e conversas informais com os atores responsáveis pelo Sistema de
Justiça Criminal (Delegados, Inspetores, Representantes do Grupo Executivo do Programa
Delegacia Legal, Policiais Militares, Juizes, Promotores etc). A pesquisa de campo, na maior
parte do tempo, foi realizada em conjunto pela equipe que integrava o projeto Mudança e
Resistência na Polícia Civil do Rio de Janeiro, de forma que o caderno de campo de todos os
seus integrantes foi compartilhado afim de que se construísse uma fonte comum de dados. Por
um lado, foi através das reuniões da equipe de pesquisa que se deu a classificação e agrupamento
das categorias analíticas a serem utilizadas no projeto. Por outro, apresentamos em alguns
congressos, comunicações que davam conta do andamento de nossa pesquisa; a apropriação de
algumas discussões levantadas nesta fase teve suma importância na forma como iremos
apresentar os resultados finais.O primeiro capítulo buscará contextualizar a Polícia Civil no Sistema de Segurança
Pública e Justiça Criminal, o que nos fornecerá subsídio para inferirmos acerca da função por ela
desempenhada. Consideraremos nos capítulos subseqüentes as seguintes formas simbólicas da
Polícia Civil: os cenários nos quais ela atua, os produtos decorrentes de sua atuação e a interação
resultante de suas ações. Por fim, julgamos que a forma como este trabalho foi estruturado possa
nos ajudar a compreender como esta instituição se reproduz e traduz sua atuação para si mesma e
para os outros.
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2.
POLÍCIA EM REFORMA
Propõe-se, com este capítulo, descrever a atribuição formal e o padrão de atuação da
Polícia Judiciária mediante a identificação do papel que esta instituição ocupa no Sistema de
Segurança Pública e Justiça Criminal. Num segundo momento será apresentada a proposta do
Programa Delegacia Legal, bem como sua contextualização política a fim de que se possa
discernir acerca de como esta reforma está sendo levada a termo.
2.1.
A POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO
Tomaremos como referência para a compreensão do Sistema de Justiça Criminal
brasileiro, a perspectiva da corrida de revezamentos (Mandach, 2001b), que julga que os papéis
desempenhados pela Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público e Justiça, estão ao mesmo
tempo em disputa e em complementação2. Para tanto, partimos da concepção que estes diversos
corredores estão em plena concorrência pelo monopólio de dizer o direito (Bourdieu, 1998; e
Paes, 2002), dada à divisão do trabalho resultante das distintas formas de competência, ao mesmotempo antagonistas e complementares, que consistem na capacidade de interpretação dos fatos
com base em um corpus legal imbuído de uma ideologia positivista.
Esta ideologia, ao pressupor que a lei penal prevê os crimes, e que o crime é uma coisa
anterior e exterior à lei penal, constrange os fatos de uma maneira arbitrária a apenas uma forma
narrativa de dizer o que acontece, que só tem significação no próprio campo penal3. No que
concerne ao trabalho em questão, não procuraremos analisar a lei, ou seja, o instrumento sob o
qual os operadores jurídicos operam, mas sim a interpretação produzida por estes atores.Buscaremos mostrar também que a forma como a polícia “enquadra” no cotidiano de seus
trabalhos as versões plurais dos fatos tem uma influência significativa na forma como será
encaminhado todo o processo.
2 Papéis estes diferenciados pelo próprio código de processo penal, que outorga aos distintos atores estatais suasrespectivas atribuições quanto à investigação, à acusação e ao julgamento.3 Conforme apontou o Prof. Dr. Fernando Acosta (Université D’Ottawa/Canadá) em sua comunicação “A construção
da infração penal no processo judiciário canadense”, na XXIII ABA, Gramado/RS, 2002.
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O Sistema de Justiça Criminal já foi analisado por outros autores como um locus onde
impera um tipo de relação baseado na ausência de cooperação interinstitucional (Kant de Lima,1995; Mandach, 2001b; Nazareth Cerqueira, s.d.; Paes, 2002 e Paixão, 1982). Destacamos, dentre
estes estudos, a análise levantada por Roberto Kant de Lima, que concebe a cultura jurídica
brasileira baseada num sistema de produção de verdades que são complementares, hierarquizadas
e que se desqualificam mutuamente. Entendemos, portanto, que os atores do Sistema de Justiça
Criminal não atuam de forma coordenada, pois a produção da verdade neste sistema se dá na
forma de uma concorrência, o que leva estes atores a inserir-se em uma disputa sobre qual versão
será a mais legítima.
A partir deste primeiro enunciado sobre o padrão de atuação do Sistema de Justiça
Criminal, gostaríamos de direcionar a análise ao papel desempenhado pelas distintas instituições
que a compõem, tomando como foco a importância da Polícia Civil como corredor intermediário
deste sistema. Entendemos que, ao focalizar a análise do papel desempenhado pela Polícia Civil
em relação ao sistema de que faz parte, contribuímos ainda para justificar a importância do
estudo aqui realizado.
Visualizamos como primeiro corredor a Polícia Militar, cuja atribuição consiste em
comunicar à Polícia Civil as ocorrências policiais decorrentes de sua atuação de polícia ostensiva.De fato, verifica-se que o Policial Militar que traz o relato da ocorrência para a Delegacia se
submete à autoridade do Policial Civil. A versão do ocorrido, apresentada pelo Policial Militar na
delegacia, é provisória. No final do expediente a versão definitiva do caso relatado no Registro de
Ocorrência da Polícia Civil e no Talão de Registro de Ocorrência da Polícia Militar é a versão da
Polícia Civil. Não há cooperação entre estes dois atores sociais, a produção da verdade na
delegacia não é negociada, mas monopolizada pela Polícia Civil na medida em que é atribuída a
ela, a responsabilização do relato feito pela Polícia Militar. Na Delegacia, por sua vez, é dado prosseguimento à investigação e preparado o inquérito
policial para apreciação do Ministério Público. A denominação civil compreende a qualidade,
nela intrínseca, de ser uma instituição estatal que presta serviços aos cidadãos a fim de garantir a
segurança física e patrimonial da sociedade. Já a designação polícia judiciária, se dá devido à sua
função de atuar depois das infrações para investigar a verdade e, a respeito, oferecer informações
à justiça; o valor de prova judicial é o que assinala o ato judiciário da polícia (Almeida, 1973:
60). À Polícia Judiciária compete a execução da primeira etapa na procura hierarquizada da
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verdade dos fatos (Kant de Lima, 1995: 66) e por estar na entrada do sistema, acaba sendo a
maior responsável pelo conhecimento oficial dos crimes (Nazareth Cerqueira, s.d.: 3).O inquérito policial produzido pela Polícia Civil é uma peça burocrática construída sob
uma cultura inquisitorial de suspeição4 e a este produto sucede a denúncia, um procedimento
judiciário regido por uma cultura jurídica que prima pelo contraditório. Como o modelo de
processo penal brasileiro é representado com um modelo de dupla instrução no qual estão
estritamente apartadas as investigações policiais da ação penal, o inquérito policial consiste numa
instrução provisória sob a qual o promotor decidirá se vai efetuar ou não a denúncia.
O promotor, concebido como terceiro corredor desta etapa processual, é atribuído de
examinar o inquérito policial, de requisitar mais informações caso julgue que as das investigações
estejam insuficientes para esclarecer o fato e, com base nestas, de instaurar ou arquivar o
inquérito policial. Incumbe ao Ministério Público também o controle externo da atividade
policial. Percebemos, portanto, com base na literatura existente e na pesquisa de campo, que a
Polícia Civil atua com uma ampla autonomia burocrática. No capítulo três, ao descrevermos os
procedimentos desta instituição, serão identificadas as estratégias adotadas pela Polícia Civil para
escapar deste controle. O controle exercido pelos promotores nas investigações policiais se dá de
forma muito restrita, os promotores contentam-se com seu papel marginal na investigaçãoconcentrando-se em suas funções de acusadores diante do tribunal (Mandach, 2001b).
Caso seja instaurada a ação penal pelo Ministério Público, entra em cena o último
integrante desta corrida de revezamentos; é iniciada a interrogação do acusado pelo juiz. Dado o
modelo de dupla instrução, nas sessões judiciais presididas pelo juiz, são repetidos os
procedimentos realizados na esfera policial. Levando-se em conta a importância do inquérito
policial como valor de prova judicial; concordamos com o autor que considera que “no
procedimento criminal, a contrariedade é formal” (Almeida, 1973: 113). Acreditamos com istoque a primeira narrativa sobre o fato realizada no inquérito policial exerça suma importância
sobre a forma como o processo será conduzido. Embora as instituições judiciais possam repetir
todos os procedimentos, cremos que o distanciamento temporal desta instituição com os fatos
4 Como as práticas judiciárias brasileiras têm por sua origem o direito lusitano, faz-se necessário considerar naliteratura pesquisada como essa cultura inquisitorial de suspeição pode ser historicamente identificada. Encontramosno trabalho de Lana Lage da Gama Lima (1999), que nas práticas processuais do Tribunal do Santo Ofício daInquisição, o funcionamento do processo inquisitorial português era orientado para confirmar a veracidade de
algumas suspeitas iniciais, visto que se regia pela presunção da culpa.
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possa dificultar o acesso a algumas informações primordiais no processo. Neste sentido, julgamos
que as outras instituições são contaminadas pela cultura inquisitorial da Polícia Civil.Ao assistirmos uma audiência referente a um homicídio qualificado5, notamos que a
validade do inquérito policial estava sendo contestada tanto pelo promotor responsável como pelo
defensor público, apesar de ter sido o material sob o qual foi oferecida a denúncia. Logo no início
da audiência, o promotor fez um relato destacando que no processo em questão existiam várias
versões do crime, que o inquérito policial estava impregnado de mentiras e que o réu havia dado
duas versões diferentes, uma na delegacia e outra na justiça. Já o defensor quando se pronunciou
alegou que “nós somos escravos da má administração deste país e todos somos inocentes, até que
se prove o contrário”, também questionou a forma como foi conduzido o inquérito policial. No
seu discurso “a polícia do nosso país é intimadora, o delegado já condenou o acusado durante a
produção do inquérito, então qual a função do júri?”.
Poderíamos supor com este relato que o modelo de dupla instrução realmente é o ideal,
pois através dele pode-se relativizar as arbitrariedades cometidas pela Polícia Civil. Porém, ao
incorporar aos processos a investigação realizada no âmbito policial, há a contaminação de
elementos inquisitoriais em um sistema que idealmente é balizado por princípios contraditórios.
Isso pode ser comprovado pelo resultado da referida audiência, pois apesar do questionamentofeito acerca do inquérito policial e de nenhuma testemunha ter ido depor por não ter sido
encontrada, a sentença proferida pelo júri foi de seis anos e meio de prisão.
A ausência da cooperação interinstitucional respaldada pelo modelo processual, que prevê
a distância entre os operadores jurídicos tem um papel ambíguo, pois ao mesmo tempo em que
demonstra a crise de legitimidade da polícia quanto às outras instituições, também dá margem à
polícia para atuar de forma discricionária e lhe concede um poder de arbitragem ao exercer um
filtro social, devido à sua função de ser o elo intermediário deste sistema.É, entretanto, numa tentativa de resgate da autoridade legítima da Polícia Civil
fluminense, que o governo estadual propôs o programa Delegacia Legal que será descrito a
seguir.
5 Termo técnico que compreende o emprego de força física que impossibilita a defesa da vítima. Audiência assistida
no dia 20/06/2001.
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2.2.
A REFORMA “PROGRAMA DELEGACIA LEGAL”
Com efeito, o Programa Delegacia Legal caracteriza-se como uma das políticas estaduais
prioritárias na área de Segurança Pública. A reforma foi iniciada no Governo de Anthony
Garotinho em janeiro de 1998. Durante sua gestão o idealizador da Reforma, Luis Eduardo
Soares, membro da Secretaria de Segurança Pública, foi deposto. Depois de três anos de gestão,
Benedita da Silva assumiu o cargo de Governadora. Seu Governo responsabilizou-se, desta
forma, pela reforma durante nove meses. A partir de janeiro de 2003 a nova Governadora eleita,
“Rosinha”, esposa de Anthony Garotinho, tem dado continuidade ao Programa Delegacia Legal.
Embora a equipe idealizadora da reforma tenha saído da administração pública em 2000, o
Governo do Estado deu continuidade ao Programa Delegacia Legal, de forma que uma série de
delegacias ainda têm sido reformadas.
A Delegacia Legal, segundo seus idealizadores, visa melhorar a produtividade e a qualidade
dos serviços policiais a fim de aumentar a confiança popular na capacidade que esta instituição
tem de exercer seu papel e restabelecer a imagem da polícia para acabar com a desconfiança da
população em entrar numa delegacia. A percepção negativa a que a polícia está sujeita será
descrita a seguir:
“Por motivos históricos, em todo o Brasil a delegacia de polícia se estabeleceu como umlugar de negação da cidadania. Ontem, lugar infecto destinado a receber os “suspeitos”das classes populares “para averiguações”. Lugar da tortura e do pau-de-arara. Hoje, lugarsombrio que serve de depósitos de presos vindos das mesmas classes (os bandidos comcurso superior têm direito à prisão especial). Lugar subterrâneo propiciador de práticascondenadas pela sociedade, porém, de certa forma, sabidas e toleradas por ela. Aindahoje, um lugar de sinal negativo, o que explicita o fato de o cidadão do povo, para atestarsua idoneidade moral, costuma dizer orgulhosamente: “Nunca estive em uma delegacia”.” (Garotinho & Silva et al, 2001: 175)
Identificamos, portanto, no discurso do novo modelo, a proposta de reformar a delegacia
em dois níveis: o primeiro corresponde a uma mudança estrutural e o segundo, a uma mudança
cultural.
No nível estrutural, as mudanças abrangem a reforma física das delegacias para dar
conforto ao cidadão e melhores condições de trabalho aos policiais; a reestruturação dos
processos de trabalho intradelegacia para transformar as delegacias em plataformas de
atendimento imediato; e a informatização dos serviços policiais, que permite que os
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procedimentos sejam totalmente realizados com softwares especialmente desenvolvidos para as
Delegacias Legais e que sejam criados mecanismos de controle e acompanhamento da própriaação policial. O reconhecimento dos elementos do discurso do novo modelo na prática, ou seja,
no cotidiano das delegacias, será descrito ao longo do trabalho.
No que concerne à proposta de mudança cultural, esta “tem se apresentado como um
exaustivo processo de reeducação da maneira de agir e pensar, que tem exigido intermináveis
horas aulas, reuniões e palestras elucidativas dos princípios e valores que dão sustentação ao
novo modelo” (Rosenail, 2000: 02). De fato, observamos que os policiais que ingressam na nova
delegacia prescindem de uma seleção e aprovação no curso introdutório do Programa Delegacia
Legal, verificamos também que a gratificação que eles recebem após a lotação na nova delegacia
consiste na vinculação às quinze horas mensais de cursos profissionalizantes oferecidos pelo
Grupo Executivo.
Apesar de consideramos uma análise mais aprofundada acerca da formação policial uma
lacuna que este trabalho não se propõe a resolver, cremos que a transformação da cultura de uma
instituição não é algo que possa se dar repentinamente. A identificação de alguns policiais recém
concursados, que compunham a turma “miojo”, trabalhando tanto na Delegacia Tradicional
quanto na Delegacia Legal, contribui para esclarecer o problema. A denominação “miojo” abarcao curso de dois meses e meio que os policiais fizeram para ser contratados às pressas porque
Garotinho iria sair do Governo, e também não poderia contratar ninguém três meses antes nem
depois das eleições. Estes policiais receberam treinamento para atuar na Delegacia Legal, mas
também foram remanejados para as Delegacias Tradicionais. A proposição de Paixão acerca da
formação policial colabora, todavia, para elucidar esta questão:
“Atividades policiais são atividades que não se aprendem na Escola. O policial aprende a
trabalhar é na Delegacia, onde ele tem exposição integral ao meio e onde policiaisensinam policiais.” (Paixão, 1982: 78)
Isso nos permite concluir que os policiais aprendem a exercer sua profissão muito mais
com seu trabalho rotineiro do que freqüentando cursos imediatistas que lhes impõe uma nova
filosofia que não poderão vivenciar.
Após este primeiro balanço das propostas de mudança levantadas pelo Projeto Delegacia
Legal, almejamos fazer algumas considerações acerca da reforma e da forma como esta tem sido
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levada a termo. Descreveremos em seguida o “fator político”, pois foi o pano de fundo sobre o
qual foi desenvolvida a pesquisa.Entendemos, portanto, que a reforma da Polícia civil se dá no quadro de múltiplos usos do
poder político. O caráter impositivo e unilateral da reforma produz, por sua vez, inúmeras
resistências corporativas e políticas na medida em que o policial só desfruta de uma alternativa:
adequar-se ao modelo proposto.
“O Programa Delegacia Legal é do governo, e o governo quer uma total adesão por parteda Polícia Civil... Quem não concorda com o Programa, está contra ele”. (DelegadoAdjunto – Delegacia Legal – setembro de 2001)
Três mudanças na administração do Governo acarretaram repetidas interrupções das obras
e em uma grande rotatividade dos agentes policiais, alongando o processo da reforma e
impedindo sua estabilização. Segundo entrevistados, é explícito o caráter instável da reforma
devido à característica populista do governo:
“... se o governador não for reeleito ele não vai querer passar o mapa da mina para seusucessor, e o sucessor talvez não queira assumir o Programa. Por isso acho que oPrograma vai fracassar.” (Inspetor – Delegacia Legal – setembro de 2001)
Neste mesmo sentido pronunciou outro policial entrevistado:
“A Delegacia Legal está para o Governo Garotinho, assim como os Cieps estão para oGoverno Brizola. A reforma está sendo feita às pressas para ser o carro chefe do GovernoGarotinho. A Delegacia Legal foi feita improvisada. Eu acho que o futuro da DelegaciaLegal é fracassar. Eles sucatearam todas as delegacias para fazer o efetivo deles. Todainfra-estrutura da Delegacia Legal é alugada. O interesse tá junto com a atividade profissional, é a política." (Escrivão – Delegacia Tradicional – outubro de 2001)
De fato, em Campos, a transformação da delegacia de Guarus de tradicional para legal foi
lenta e conflituosa. A reforma iniciou-se em 2001 e a delegacia só foi inaugurada enquanto
Delegacia Legal em julho de 2003. O prédio onde funcionava a Delegacia Tradicional fora doado
pela associação dos comerciantes locais – que o construiu sem o auxílio de nenhum órgão
público – ao Estado, pois a comunidade, conforme descrito pelo presidente da Associação, sentia
um déficit em investimento na segurança do bairro. A partir deste investimento a associação
mobilizou-se contrária à demolição do prédio pelos implementadores do Programa Delegacia
Legal. Alegavam que a soma que o Estado gastaria para demolir o prédio, recém-construído,
poderia ser usada para comprar um outro terreno. Este poderia ser utilizado para algum outro
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departamento que não existia na região, como uma Delegacia da Mulher. A tentativa foi
frustrada. A transformação implicou na demolição do antigo prédio e na transferência temporáriada delegacia para um local precário, doado pela prefeitura (CEASA). Lá, a delegacia funcionou
conforme o modelo tradicional por mais de um ano – até que no terreno original fosse erguido o
novo prédio6. Durante todo o processo da reforma, não se tinha certeza se esta iria ser levada a
cabo ou se o novo governo iria re-implantar o modelo anterior. De fato, a construção da nova
delegacia foi suspensa no momento em que ocorreu a transição do Governador Anthony
Garotinho para a administração da Governadora Benedita da Silva. Somente foi retomada em
2003, pela atual governadora.
Além da instabilidade do processo da reforma em si, a grande rotatividade dos agentes
policiais, devido às transferências a cada vez que mudava o governo - além de colocar-nos na
situação de freqüentemente deparar com novos atores e explicitar inúmeras vezes o objetivo de
nossa pesquisa – revelou o quanto a instituição policial no nível operacional também é
vulnerabilizada pela cultura política. Embora o ingresso na carreira profissional do policial seja
baseado no princípio do universalismo de procedimentos, (na medida em que os policiais se
submetem a um concurso público), a distribuição dos cargos interdelegacias se dá de forma
extremamente personalista e clientelista7. Os policiais parecem ter plena consciência do “fator político”. Relatam a rotatividade dos agentes como um mal aceito há muito tempo. Assim um
entrevistado:
“É claro que com a nova administração ocorrem uma série de transferências. Quem temculpa disso não é a polícia, são os políticos. Quando o político assume, ele pede paracolocar delegado “X” em tal delegacia, é a cultura do favor. Ele, o político, tem deretribuir favores que lhe prestaram e pede então à polícia para fazer certas alocações. Issoé muito prejudicial para nosso trabalho. Não é por acaso que o juiz tem como garantia suainamovibilidade.” (Representante do Grupo Executivo do Programa Delegacia Legal –
agosto de 2002)
O rodízio de Delegados Titulares na Delegacia Legal do centro implicou na alternância
também dos Delegados Adjuntos e na quase totalidade dos demais policiais, como previa um dos
entrevistados:
6 Segundo entrevistados, esta situação se dava em mais dezoito delegacias do interior do Estado.7 Edson Nunes (1997) coloca em seu trabalho, que embora o universalismo de procedimentos seja baseado nasnormas de impersonalismo, no Brasil ele está impregnado de forte hierarquização, que por sua vez, é atenuada por
redes de relações pessoais.
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"A cara da polícia depende da cara do governo. Aqui é uma boa delegacia para ser titular.O “Y” tem peixada com Rosinha e é bem provável que ele volte. Aí vai mudar Delegado
Titular, vai mudar tudo, os Delegados Adjuntos.... Aqui também só tinha um pessoal maisantigo, eu só vim pra cá porque tinha um conhecido... aqui na polícia se você não tem peixada, você tá ferrado ... eles mandam você para cada lugar ..." (Inspetor – DelegaciaLegal – outubro de 2002)
Podemos afirmar, portanto, que a mudança governamental encadeia um efeito prejudicial
à eficiência policial, pois mantém redes de relacionamento personalistas - que primam por
interesses particulares - através das transferências. As transferências, segundo observamos,
acarretam a manutenção de malhas de influência e fazem com que os policiais recorram a estas
para obter privilégios e vantagens adicionais no exercício profissional e nas atividades particulares (Kant de Lima, 1995: 71). O policial que pertence à rede que tem maior prestígio
toma o lugar de outro policial, que por sua vez, vai ter de ocupar seu cargo em outro lugar,
gerando uma grande rotatividade dos agentes policiais. O trabalho de Paixão sobre a polícia
metropolitana de Belo Horizonte também explicita a existência de microgrupos, que consistem
em grupos formados por escolha pessoal do delegado e que o acompanham no decorrer de sua
carreira, porém postula que a estratégia do rodízio para afetar esta estrutura de poder é um
mecanismo eficaz porque desfaz ligações (Paixão, 1982: 67-71).
Concordo com o fato de que o rodízio exerça um efeito eficaz por atenuar algumas
relações. No entanto, os efeitos dessa estratégia devem ser ponderados, pois assim como a
alocação dos delegados depende das relações pessoais que eles estabelecem com seus superiores,
a indicação de policiais para trabalhar na delegacia depende da aprovação do delegado que a
administra e é concebida por quem a recebe como um “presente”. Ao analisarmos esta aliança
criada a partir de uma relação tecida por uma forma de dádiva, inferimos que a reciprocidade nela
intrínseca encerra uma expectativa de recompensa que por um lado, concede maior controle e por
outro, a obtenção de vantagens.Segundo um Delegado Titular entrevistado, outro fator importante é o “efeito surpresa”,
pois o policial na maioria das vezes só sabe da transferência depois que ela foi publicada no
Boletim Interno da Polícia8 divulgado diariamente na Intranet (rede integrada das Delegacias
Legais). Questionado acerca de sua trajetória até chegar à Delegacia Legal de Campos, ele
relatou que trabalhava na cidade do Rio de Janeiro, que morava lá e não queria ter vindo para
Campos, disse: “trabalho aqui de segunda a sexta e quando chega sexta-feira começo a ficar com
8 Este boletim, segundo verificamos, só lista o aviso das transferências e não apresenta nenhuma justificativa para tal.
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emborrite, vontade de ir embora”. Um dia chegou na delegacia em que trabalhava e um colega
disse: “Ih, você viu, você não trabalha mais aqui não”, ele então foi verificar na Intranet e de fato,tinha sido transferido para Campos. Ressalta-se o caráter arbitrário deste mecanismo das
transferências, já que o “efeito surpresa” tem vigor apenas para quem tem “peixe pequeno”, ou
seja, para o policial que não pertence a uma rede de tanto prestígio.
Apesar de partirmos da colocação feita por um dos entrevistados de que o “fator político
contamina a atividade policial”, gostaríamos de ressaltar que este sistema de interpretação é o que
se poderia chamar de sistema de folk , a interpretação nativa de relações sociais expressa em
termos nativos (Bohannan aput Davis, Shelton. s.d., p.15). Destaca-se que para fins analíticos,
entendemos que dois aspectos da cultura política brasileira refletem sobremaneira na atuação
policial: personalismo e clientelismo.
Conforme os argumentos expostos acima, avaliamos que este personalismo não só
demonstra a vulnerabilidade da instituição policial diante do aparelho governamental, deixa claro
também como a transição política afeta tanto a adoção do novo programa quanto a gestão do
modelo tradicional; enfim, toda a rotina da atividade policial.
Levando em consideração, portanto, o contexto judiciário e político no qual observamos a
atuação da Polícia Civil, relataremos nos capítulos seguintes as práticas que permeiam estainstituição.
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3.
DELEGACIAS ANTIGAS E NOVAS: OS CENÁRIOS DA POLÍCIA CIVIL
Neste capítulo, pretendemos analisar como a estética das delegacias influi na definição da
forma como os policiais e o público percebem a polícia e interagem com ela. Para tanto,
elegemos como categoria de análise, a idéia de cenário, como uma forma simbólica sobre a qual
a instituição policial apresenta-se a si mesma e aos outros. Incluímos também na definição de
cenário todos os seus componentes, ou seja, “a mobília, a decoração, a disposição física e os
outros elementos de pano de fundo que vão constituir o cenário e os suportes do palco para o
desenrolar da ação humana executada diante, dentro, ou acima dele” (Goffman, 1985: 29).
Propomos, portanto, que a descrição dos cenários da Delegacia Tradicional e da Delegacia
Legal possa ser um dispositivo útil para inferirmos acerca da representação tradicional e atual da
Polícia Civil fluminense.
2.1. A DELEGACIA TRADICIONAL
O cenário da Delegacia Tradicional que observamos pode ser descrito em dois momentos
distintos, na medida em que a reforma implicou na demolição do antigo prédio e na transferência
da delegacia para outro lugar, provocando um deslocamento físico prolongado por causa da
transição política, conforme destacado anteriormente.
Para podermos avaliar, portanto, a forma como esta delegacia se apresenta, devemos ter
em mente que a observamos no contexto de sua quase extinção para ser transformada também em
Delegacia Legal.Quando iniciamos a pesquisa de campo, identificamos que a Delegacia Tradicional em
questão funcionava num prédio que fora doado por uma Associação local ao Estado. O relato
acerca da disposição física dos setores desta delegacia e de seus componentes permitirá
entendermos a lógica que permeia esta instituição.
Logo na entrada da delegacia identificamos que o primeiro contato do público com a
mesma se inicia no balcão, aonde as pessoas se dirigem para fazer o registro ou anunciar seu
objetivo na delegacia. O contato do público em geral com esta instituição, resume-se a este setor,
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que de pronto apresenta um primeiro indício de sua burocratização: uma máquina de escrever na
qual o escrivão irá formalizar o registro nos formulários padronizados.Encontramos também na entrada da Delegacia Tradicional uma sala denominada Setor
Administrativo. A disposição física deste setor justifica-se por sua atribuição de receber e
protocolar os documentos enviados à Polícia Civil, o que o caracteriza como uma porta de
entrada dos documentos na delegacia.
A separação da entrada com os outros setores internos da delegacia se dá por meio de uma
porta que possui um anúncio que de pronto revela que o acesso a partir dali é restrito. O público
só terá acesso, nesta etapa, se for prestar melhores esclarecimentos sobre o registro efetuado no
balcão. Ao passarmos para a parte de dentro da delegacia, encontramos um corredor e na sala à
direita, o Setor de Investigação. Neste setor, identificamos que cada mesa correspondia a um
grupo especializado em investigar certos tipos de crimes. Esta sala tinha, por sua vez, uma
segunda porta que separava o espaço de trabalho dos policiais da carceragem de mulheres,
somente adentrando esta porta que se poderia visualizar as grades que limitavam o espaço das
celas. É o discurso produzido por essa estética, que fazia com que a polícia fosse percebida como
um lugar de repressão.
Retornando ao corredor na parte interna da delegacia, encontramos do lado esquerdo oCartório, e neste setor visualizamos o signo máximo da burocratização: os mais de cinqüenta
livros da Polícia Civil que registram toda a movimentação da papelada. Como será descrito no
próximo capítulo, é este setor que se responsabiliza pela finalização dos procedimentos da
delegacia, daí a denominação que os policiais dão ao cartório de “cérebro da delegacia”.
“No sistema tradicional, o escrivão (do cartório) tem a visão do todo, os outros trabalhamou no setor de investigação ou de administração e não sabem como a delegacia funciona.”
(Representante do Grupo Executivo – agosto de 2002)
Este relato demonstra que a percepção compartimentada do trabalho que os policiais
realizam, reificada pelo espaço de trabalho em que eles atuam, faz com que os policiais não
atuem como uma unidade, mas obedecendo à estrita especialização das funções que lhe são
estabelecidas.
Finalmente, identificamos nos fundos da delegacia a sala do Delegado, que é quem
coordena toda a atividade da Polícia Civil.
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A partir desta primeira ilustração do cenário da Delegacia Tradicional, inferimos que a
infra-estrutura quadricular desta sugere a idéia do segredo (Lima, 1998) e da punição ao mantera estética das salinhas e da carceragem, onde o público não podia ver o que acontecia lá dentro.
“O sistema da outra delegacia facilita a contravenção, devido cada pessoa ter uma salinhaespecífica onde ninguém sabe o que está se passando lá dentro.” (Inspetor – DelegaciaLegal - setembro de 2001)
A idéia do segredo na Polícia Civil gera, portanto, uma desconfiança acerca da atividade
prática da polícia e reproduz a percepção negativa que a sociedade tem da delegacia. Através da
citação acima, podemos avaliar que no discurso dos policiais que agora trabalham na Delegacia
Legal, há uma valoração pejorativa do modelo tradicional e o mesmo pode ser estendido aos
próprios policiais que nela trabalham. Durante uma entrevista realizada com um inspetor na
Delegacia Legal, este foi solicitado a fazer uma reconstituição de uma tentativa de homicídio no
cemitério, como o inspetor não poderia prosseguir então com a entrevista, ele me pediu licença e
disse “Agora eu vou me travestir de policial ilegal porque eu vou resolver um caso” – em seguida
tirou sua camisa social e gravata e colocou um colete a prova de balas9.
A hierarquização da disposição física dos setores da Delegacia Tradicional foi mantida
quando esta foi transferida para o prédio provisório doado pela prefeitura em fevereiro de 2002.
Faz-se necessário considerar que a infra-estrutura descrita faz parte de um modelo, e que este
modelo é fixo de tal forma que o cenário tradicional foi reproduzido no espaço improvisado do
CEASA. A única diferença que verificamos, foi a supressão da carceragem, pois como a
delegacia passou a funcionar em um espaço apertado e improvisado, não tinha como comportar
as presas que foram transferidas então para a Casa de Custódia. Essa transferência também foi
acarretada pelo processo de transformação desta delegacia em Delegacia Legal, pois a nova
delegacia não mais possui carceragem.A Delegacia Tradicional passou a funcionar neste segundo momento, fora do espaço
urbano, quase na zona rural, onde dispunha de pouquíssima infra-estrutura. A escassez de pessoal
para trabalhar já havia sido relatada como uma realidade freqüente na polícia, devido ao
sucateamento que há tempos estava experimentando. A delegacia, segundo os policiais que
entrevistamos, não dispunha de ventilador, nem de computadores (que antes eram pessoais, mas
9 Vale destacar que a designação ilegal consiste em um trocadilho utilizado pelos policiais para contrapor o modelo
tradicional ao modelo legal .
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como os seus respectivos donos haviam sido transferidos, os levaram) e muito menos de água
potável. Estes problemas foram solucionados por iniciativas pessoais dos próprios policiais, peladoação de dois computadores velhos de que a Receita Federal tinha se desfeito e por um
caminhão pipa do bombeiro que abastecia o prédio de vez em quando. Em relação às viaturas, a
delegacia neste momento dispunha de três carros, porém quando a visitamos em novembro de
2002 dois deles estavam quebrados e em manutenção e só um podia ser utilizado. O discurso de
um dos idealizadores da reforma colabora para podermos julgar melhor o problema:
“Os policiais e o público sentem-se desrespeitados pelo cenário decadente, que é, no
fundo, a tradução sombria da negligência governamental. Nada mais propício àinstauração de ciclos viciosos de todo tipo. Nada menos estimulante da boa performance policial. Como manter elevado o espírito, acesas as energias e valorizada a auto-estimaem delegacias depredadas e inteiramente desaparelhadas”. (Soares, 2000: 89).
Avaliamos que as condições de trabalho a que eram submetidos os policiais no modelo
tradicional em nada contribuíam para que houvesse uma efetiva motivação em realizar seus
respectivos trabalhos.
2.2. A NOVA DELEGACIA
Foi com a finalidade de valorizar atitudes positivas, tanto por parte dos policiais quanto do
público em relação à polícia, que os idealizadores da reforma sugeriram a reforma física das
delegacias. As principais modificações anunciadas foram:
“Ambientes abertos, com divisórias baixas, piso elevado e ar condicionado para dar totaltransparência ao local de trabalho, conforto ao cidadão e melhores condições de trabalhoaos policiais; Mobiliário padronizado, ensejando um ambiente de trabalho moderno efuncional; Eliminação da carceragem, para acabar com a ilegalidade de manter presos emdelegacia e evitar que o policial se transforme em guarda de presos; (...); Crachá deidentificação e gravata para todos os funcionários, facilitando a percepção de umambiente de ordem, respeito e distinção; Incorporação ao espaço da delegacia deinstituições afins : Defensoria Pública, Ministério Público, Juizado Especial, PolíciaMilitar e Assistente Social.” (Garotinho & Silva et al, 2001: 176 – 177)
A partir dessa primeira ilustração das propostas do programa acerca da nova estética das
delegacias, será descrita a organização espacial inaugurada, para melhor entendermos a lógica
intrínseca ao cenário das Delegacias Legais.
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Logo na entrada de vidro do novo estabelecimento, visualizamos o espaço interior
iluminado no qual trabalham atendentes, inspetores e delegados. Ao entrarmos na delegacia, nosdeparamos com o hall de entrada e encontramos dois balcões: um balcão menor, decorado por
fotos de pessoas desaparecidas ou refugiadas da polícia, onde os Policiais Militares ficam
aguardando ser atendidos pela Polícia Civil; e outro mais amplo, que consiste no balcão de
atendimentos composto por estagiários universitários e um computador, onde as atendentes
registram os casos relatados à delegacia.
O espaço interno da Delegacia legal fica, no entanto, aberto à observação externa, o que
confere maior transparência das atividades policiais ao público que a demanda. A separação entre
o hall da delegacia e o espaço de trabalho dos policiais se dá somente por uma corrente ao lado
do balcão de atendimentos e para ultrapassá-la, faz-se necessária a apresentação neste balcão.
Ao passarmos para a parte interna da Delegacia Legal encontramos o ambiente aberto,
repartido por divisórias baixas, no qual trabalham os Grupos de Investigação (GIs). O espaço de
atuação deste setor, que fora organizado para fazer com que haja uma grande visibilidade das
atividades policiais, sugere a idéia de que se possa exercer um maior controle acerca da atuação
da Polícia Civil. Esta proposição pode ser identificada na fala de um dos entrevistados:
“... se alguém na delegacia quiser passar por cima da lei, isto será visível para todos osoutros, porque todos vêem o que o outro está fazendo nesta delegacia, tudo também ésempre discutido nas reuniões”.(Inspetor – Delegacia Legal – setembro de 2001)
Esta estética, além de sugerir que o policial está freqüentemente submetido à mútua
observação e controle, ao mesmo tempo supõe a inauguração de uma nova concepção do trabalho
intradelegacia.
“A Visão Sistêmica também é conhecida como “Visão Holística” ou “Visão do Todo”. É
a capacidade e o efeito de o policial ter uma visão geral de todas as atividades e funçõesda polícia como um todo (e de perceber) qual a importância de seu trabalho dentro docontexto geral. Enfim, é com a visão sistêmica que o policial consegue conhecer melhor a polícia, planejar sua carreira e promover seu crescimento.” (Rosenail, 1999: p. 6)
A transparência proclamada pelo Programa Delegacia Legal se dá, portanto, em dois
níveis: o primeiro refere-se à capacidade que o público tem de ver o que se passa dentro de uma
delegacia e o segundo, à percepção que os policiais teriam de ver-se enquanto parte integrante de
uma unidade integrada. Estendemos o papel da transparência, entendendo-a como a introdução de
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uma nova estratégia de vigilância, ao identificarmos as salas com janelas de vidro, porém com
persianas do Delegado Titular e dos Delegados Adjuntos.Inferimos, contudo, que a estética das delegacias em muito se assemelha à infra-estrutura
panóptica proposta por Bentham (Foucault, 1998 e 1999), na medida em que tudo o que os
policiais fazem está submetido ao olhar do delegado (vigilante), que observa tudo através das
persianas sem que ao contrário, ninguém possa vê-lo. Segundo esta teoria, este mecanismo
assegura que os policiais nunca saibam que estão sendo observados, mas que são suscetíveis de
sê-lo.
Além das Salas dos Delegados, encontramos anexados ao ambiente em que trabalham os
Grupos de Investigação, o Setor de Suporte Operacional (SESOP), atribuído de funções mais
administrativas vinculadas à Polícia Civil. É na frente deste setor que se encontra a impressora
compartilhada tanto pelos delegados quanto pelos policiais.
Até este momento, revelamos a parte da Delegacia Legal que é suscetível à visibilidade do
público. No discurso de um dos delegados, verificamos que o efeito que isto produz é a
correlação que se estabelece à imagem da delegacia como um lugar de proteção.
“O visual da delegacia gera confiança.” (Delegado Titular – Delegacia Legal – agosto de2001)
No entanto, o acesso aos setores que mais identificam a polícia como uma instituição
incumbida de reprimir, é feito através de um corredor nos fundos da delegacia.
Ao entrarmos neste corredor, encontramos a Sala de Reconhecimento; dividida por um
painel de vidro espelhado, esta sala permite a identificação de autores de crimes e garante maior
segurança às vítimas.
O acesso dos presos em flagrante à Delegacia Legal se dá somente por uma entrada que os
vincula diretamente aos fundos do prédio. A Delegacia Legal eliminou a carceragem e manteve
somente duas celas (uma masculina e outra feminina) destinadas para as pessoas presas em
flagrante delito, que posteriormente são encaminhadas para as Casas de Custódia. A justificativa
do nome legal para as novas delegacias é identificada neste âmbito, pois os idealizadores da
reforma conceberam a presença dos presos nas carceragens da delegacia como uma rotina ilegal .
Ainda nos fundos da Delegacia Legal encontramos o Setor de Inteligência Policial (SIP),
onde são registradas e coletadas as informações e executada a identificação dos indiciados.
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A única proposta de modificação no espaço físico das Delegacias Legais que não
identificamos na prática foi a de trazer outras instituições para atuarem na delegacia. O porquê desua não efetivação será descrito no próximo capítulo.
Segundo o Relatório de Gestão da Delegacia Legal em que realizamos a pesquisa de
campo, esta dispunha de sessenta e três policiais e vinte e cinco funcionários que trabalham na
parte de apoio da delegacia, tais como atendimento, limpeza e informática; dezenove
computadores e seis viaturas, uma fica a disposição do delegado e as outras cinco, distribuídas
para cada Grupo de Investigação.
No que concerne às condições de trabalho de que os policiais desfrutam nas Delegacias
Legais, identificamos o seguinte discurso de um dos policiais que ainda trabalha na Delegacia
Tradicional:
“Tem mudado a atitude do policial, ele passa a ter valor próprio, a delegacia passa a darvalor a ele.” (Escrivão – Delegacia Tradicional – outubro de 2001)
Destaca-se, porém, que as modificações implementadas pelo novo modelo se dirigem
somente ao âmbito da estética e da infra-estrutura.
Contudo, verificamos no discurso da reforma elementos que nos permitem dizer que os
cenários das delegacias possuem um teor simbólico intenso e influem de forma significativa na
forma como esta instituição é percebida. A acepção de uma nova estética para dar conforto ao
cidadão e melhor condição de trabalho aos policiais insinua a idéia de que o novo cenário iria
produzir um novo tipo de relacionamento entre os próprios policiais e entre a instituição e o
público. Consideramos, entretanto, que há um limite na transparência do trabalho policial, pois a
Delegacia Legal possui espaços não-públicos, ou seja, possui um bastidor cuja visibilidade é
encoberta.
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3.
VELHAS E NOVAS BUROCRACIAS: OS TRÂMITES PROCESSUAIS DA
POLÍCIA CIVIL
Neste momento, tomaremos como foco de análise o componente operacional da Polícia
Judiciária. A fim de conhecer a forma como opera esta instituição, será destacada a importância
simbólica dos produtos decorrentes de suas atividades, pois são estes produtos que balizam e que
dão significado à atuação desta polícia.
Dessa forma, deve-se levar em consideração que os trâmites só existem no subjetivo, e não
no singular. Como na narrativa dos entrevistados o trâmite se revela plural, a interpretação
construída a seguir consiste no que julgamos ser o denominador comum dos relatos coletados.
Apesar de tentarmos considerar as variações que ele encerra, os trâmites narrados em seguida
correspondem a uma construção de um tipo ideal. A descrição dos trâmites que segue abaixo não
foi construída a partir de regulamentos, nem de leis formalizadas, mas baseia-se
fundamentalmente em diversas interpretações de atores sociais (inspetores, delegados,
atendentes); pessoas por nós entrevistadas nas delegacias nas quais também nos dedicamos à
observação direta.Vale destacar que ao fazermos essa opção metodológica, não estamos desqualificando as
regras; é óbvio que as regras são importantes, uma vez que é a partir delas que surge o espaço
interpretativo. Contudo, a ênfase deste trabalho é a interpretação das regras e dos procedimentos.
Para tanto, acreditamos que a ilustração dos procedimentos administrativos da Policia
Judiciária, no âmbito dos dois modelos de gestão, permitirá estabelecer uma referência
comparativa, que consiste em contrastar os trâmites processuais de cada delegacia.
3.1. O TRÂMITE TRADICIONAL
O atendimento ao público, na Delegacia Tradicional, é feito pela equipe de plantão,
composta por policiais. Nos casos que acompanhamos, a equipe do plantão compunha-se
somente por um policial. No plantão é elaborado o Registro de Ocorrência, conforme as
comunicações feitas pela vítima ou Policiais Militares. Nesta etapa é feita uma análise inicial do
ocorrido pelo inspetor, e cabe a ele, portanto, elaborar o registro, caso qualifique o que lhe foi
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relatado como um fato típico; caso contrário, se ele considerar que tal fato não seja de atribuição
da Polícia Civil, encaminha para outros recursos da comunidade. Assim, neste setor éestabelecida uma seleção do que será registrado ou não10.
Ao término do plantão, porém, os Registros de Ocorrências (ROs) são encaminhados para
o Setor Administrativo (SA) da delegacia, que tem a atribuição de protocolá-los e distribuí-los
“cumprindo o despacho da autoridade”. O SA é encarregado da distribuição dos registros para os
Setores da Investigação (SIs); distribuição esta, anteriormente autorizada pelo Delegado. Nota-se,
entretanto, que há casos que se encerram no RO.
Somente nesta etapa do trâmite, portanto, é iniciada a investigação. O SI, por sua vez, é
subdividido em setores especializados, tais como: Setor de Homicídios (SH) e Setor de Roubos e
Furtos (SRF). Estes setores responsabilizam-se por trabalhar nas investigações, realizar todas as
intimações, ouvir e colher o depoimento das partes envolvidas e, baseados nestas outras
atribuições, realizar um relatório preliminar denominado VPI. Conforme os interlocutores, a sigla
significa: Verificação de Procedência do Inquérito.
A VPI consiste em um procedimento informal, apesar de institucionalizado na Polícia
Civil. Não tem valor legal, pois segundo entrevistados, é fruto de uma interpretação forçada do
§3o do artigo 5o do Código de Processo Penal11. Alegam que é necessária, pois caso fosseminstaurados inquéritos para todas as ocorrências, haveria uma sobrecarga de processos no
Judiciário. Traduzido, portanto, como um procedimento interpretativo, a VPI exerce a função de
facilitar o trabalho dos policiais, uma vez que amplia o prazo legal que eles teriam para trabalhar,
ou seja, estende o prazo curto de trinta dias que eles teriam para a abertura do inquérito. A Polícia
Judiciária trabalha então, com dois prazos, na medida em que a VPI introduz o prazo
administrativo que os policiais tem para apresentar os resultados da investigação ao Delegado, o
que permite que a investigação das ocorrências seja feita sem a intervenção dos atores sociaisrepresentantes do Judiciário e do Ministério Público.
Cumpre notar que, quando se negam a registrar um fato ou investigar uma ocorrência, os
policiais freqüentemente avocam o princípio da economia processual; afirmam implicitamente
10 Exceto em certos casos, tais como Flagrante e Homicídio, em que o policial é obrigado a fazer o RO.11 “Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública
poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, Verificada a Procedência das
Informações, mandará instaurar inquérito.” (grifo meu)
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que em função do grande número de crimes a serem investigados, não se pode dar continuidade
àqueles que não serão solucionados.Um policial entrevistado no SI definiu que sua função na delegacia é “filtrar um pouco o
que virá a ser o inquérito”, logo depois relatou um caso típico, exemplificando assim seu papel:
“Uma mulher, por exemplo, que vem abrir um RO contra o marido, ela não vem àdelegacia se ela não tiver certeza de que ela vai prestar queixa contra ele, aí ela faz o RO.Mas quando eu chamo depois para colher o depoimento elas geralmente desistem, dizemque já estão morando novamente com o marido, que agora está tudo bem e que nãoquerem continuar mais com isso. Olha, isso acontece muito, então o que eu faço naverdade é uma triagem dos inquéritos que vão ser abertos no cartório, porque depois de
ter sido feito lá eles não podem desistir não. A desistência é muito grande. Até o JECRIMfica mandando a gente colher depoimento de testemunha para ver se filtra um pouco o quevai pra eles. A gente acaba fazendo o que eles tinham que fazer, mas como o JECRIMestava mandando tudo de volta, agora a gente tá fazendo isso. Havia muita desistência lá,então o que a gente faz é uma triagem. Tá vendo essa pilha aqui, é tudo desistência, oudesistiu, ou não encontraram a pessoa, ou a pessoa não tinha dinheiro para a passagem. Não tinha como se locomover.” (Inspetor – Delegacia Tradicional – novembro de 2002)
Contudo, percebe-se que o mesmo justifica-se a não dar continuidade a uma serie de
casos, porque muitas pessoas que vêm à delegacia fazer o RO, depois desistem do seu
prosseguimento. Dessa forma, a pessoa pode voltar atrás “tirando a queixa”, algo que o Código
do Processo Penal não permite no âmbito da atuação da polícia, a desistência pode ocorrer
somente no âmbito do judiciário. É, entretanto, a informalidade do instrumento da VPI que
possibilita a supressão do caso neste momento. Deste modo, a VPI concede ao agente policial um
amplo espaço de ação: ele tanto pode dar prosseguimento ao caso, como engavetá-lo. Conforme
Kant de Lima, o recurso concedido pela VPI à Polícia Civil, em conjunto com outras instituições
e práticas policiais, é um instrumento que demonstra como no Brasil, a aplicação da lei geral é
particularizada com o efeito de, neste contexto, abafar conflitos (vide abafamento de conflitos em
Kant de Lima, 1995, 1997 e 1999). Este relato ressalta ainda a tolerância de outras instituições do
Sistema de Justiça Criminal com a função de triagem exercida pela polícia.
Terminada a VPI, esta é apresentada ao Delegado, que deverá analisá-la e determinar seu
arquivamento ou prosseguimento para ser instaurado o inquérito. Quando a continuidade do
trabalho feito pelas VPIs mostra-se improvável, é feito um “aditamento” (termo técnico) para
suspendê-las. Cumpre notar que na fase de RO ou VPI, a própria polícia pode suspender os
procedimentos aguardando novos fatos, enquanto na fase do inquérito policial, somente o
Ministério Público poderá requerer o arquivamento ao invés de oferecer a denúncia.
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Caso o delegado determine a instauração do inquérito, ainda na Delegacia Tradicional, os
procedimentos são encaminhados através do SA para o Cartório. O Setor Cartorário (SCT) seresponsabiliza pela instauração e movimentação dos inquéritos, correspondendo à etapa final dos
procedimentos na delegacia. Este setor autua e ouve todas as partes novamente para a
investigação do que estiver faltando, num prazo de 30 dias. Caso não consiga concluir o inquérito
neste período, torna-se necessário o envio dos procedimentos para o Ministério Público pedindo
retorno e mais prazo para dar prosseguimento à investigação; em caso positivo, tomam
providências para envio do inquérito para a Justiça. O quadro um, elaborado através das
interpretações dos entrevistados e das observações colhidas na pesquisa de campo, explicita bem
a narrativa deste trâmite12.
12 A construção dos diagramas foi elaborada através da pesquisa de campo realizada nas delegacias. Foi solicitado aalguns policiais que eles descrevessem os trâmites dos procedimentos; o esboço traçado por alguns foicomplementado então com: o esquema das etapas do processo de investigação delineado no Relatório de Gestão da134a DP, a observação direta e entrevistas com outros policiais. A combinação deste material permitiu, portanto, aelaboração final dos diagramas. Estes representam uma acumulação de narrativas por parte dos entrevistados.
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Quadro 1: Trâmite Administrativo da 146a DP(Delegacia Tradicional)
Comunicação do Fato
Plantão
Análise Inicial
FATO ATÍPICO FATO TÍPICO
Encaminha Plantão para recursos Registro (RO)da comunidade
DelegadoDespacha
S.A.Protocola e distribui
S.I.Início da Investigação (VPI)
S. H. S.R.F.
Delegado
Despacha
Arquivamento Cartório Aguardando novos fatos Inquérito
DelegadoDespacha
Justiça
Observa-se que na Delegacia Tradicional, embora o primeiro atendimento seja percebido
pelos entrevistados como rápido, o trâmite burocrático é qualificado como extremamente moroso.
Este trâmite parece estar organizado em torno dos próprios procedimentos, o que faz com que a
investigação demore muito mais para ser iniciada, ou seja, a fragmentação da investigação e a
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tramitação lenta que caracteriza este modelo, na percepção dos entrevistados, parecem basear-se
numa lógica auto-referente, orientada pelos procedimentos característicos do ritual burocrático deque decorre a atuação policial (Kant de Lima, 1995).
“... antes era tudo parcelado e as informações iam se perdendo. Nesse parcelamento, o queàs vezes era importante para quem estava no plantão, não era para quem estavainvestigando, aí iriam se perdendo informações extremamente relevantes”. (Inspetor –Delegacia Legal – setembro de 2002)“As pessoas, neste modelo, acabavam sendo vítimas do sistema. Quando elas vinham àdelegacia elas só faziam o registro no plantão e iam embora. Havia uma perda de tempoenorme para começar a ser feita a investigação e era muito desgastante também, porque a
pessoa acabava vindo três vezes à delegacia: para fazer o registro, na fase da VPI e na fasedo inquérito”. (Delegado Titular – Delegacia Legal – junho de 2003)
Neste modelo tradicional, caracterizado como burocrático/cartorial, os casos estão sempre
tramitando, com a obrigatoriedade do envio dos procedimentos para as outras instituições. Ao
instaurar o inquérito, a policia judiciária fica presa àquele procedimento que iniciou. Ainda que
não desvende nada, não lhe compete parar com seu andamento, pois os procedimentos têm de
estar sempre tramitando até que o juiz decida arquivá-lo, o que dá margem para a adoção de
práticas informais e discricionárias de administração de conflitos na Polícia Civil. Deste modo,
podemos dizer que a “máquina” funciona independentemente da atuação dos atores, pois mesmo
que não tenham terminado as investigações eles sempre terão de enviá-las. Identificamos, no
entanto, no discurso dos entrevistados, que existe um recurso que dá um dinamismo a esta
atuação policial burocrática: a adoção da discricionariedade através de práticas informais.
Percebem, portanto, que somente recorrendo a estas informalidades, a atuação policial pode se
tornar eficiente.
3.2.
O NOVO TRÂMITE
Objetivando maior dinamização e eficiência dos procedimentos policiais, os idealizadores
da reforma se propuseram a abolir as sujeições burocráticas do modelo acima, descrito como
referido aos próprios procedimentos, para transformar as novas delegacias em plataformas de
atendimento imediato, o que proporcionaria um melhor retorno para sua “clientela”. Para colocar
em prática este modelo inovador, seriam imprescindíveis a redefinição das rotinas internas e a
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informatização dos serviços policiais (Soares, 2000). A adequação ao modelo proposto será,
todavia, apresentada a seguir:Os trâmites administrativos da Delegacia Legal iniciam-se no balcão de atendimentos, que
se compõe de estagiários universitários não-policiais. Depois de se submeterem a um exame de
seleção feito pela equipe do Grupo Executivo, que administra o Programa, os atendentes recebem
um treinamento especial; aprendem “noções de direito”, “dinâmica de grupo” e participam de
palestras onde atendentes fazem um relato de experiência. O projeto inicial da Delegacia Legal
previa como atendentes estudantes de Direito. Uma iniciativa que gerou fortes conflitos, uma vez
que estes permanentemente interferiam no trabalho dos inspetores, ficavam “ensinando os
inspetores a trabalhar”. Já as Assistentes Sociais e as estudantes de Psicologia, por pertencerem a
campos de conhecimentos distintos dos inspetores, não são percebidas por estes como ameaça.
Em Campos, são escaladas duas atendentes em cada plantão da Delegacia Legal. A
atendente responsável pelo plantão é uma Assistente Social formada, a atendente auxiliar é uma
estagiária graduanda em Psicologia.
A atendente ouve o relato da pessoa que se dirige ao balcão, faz uma pequena entrevista, e
decide se vai efetuar ou não o atendimento. Em caso positivo a atendente pede a pessoa para
aguardar sua vez nas cadeiras do hall . Caso a atendente considere que o relato da pessoa não seconfigura como um “possível fato ilícito” ela desestimula a pessoa a registrar a ocorrência,
convidando-a a voltar mais tarde ou encaminhado-a para uma outra instituição que julgue
competente para a resolução do caso. Raramente a pessoa é confrontada com o argumento que o
caso dela não será atendido.
Dando continuidade a um caso antes considerado como “atendimento”, a atendente
verifica se há um inspetor disponível para atender a pessoa. Freqüentemente, a atendente anuncia
a formalização do atendimento com a frase: “Vou fazer um atendimento”. Em seguida coleta osdados pessoais e as informações da pessoa no computador, imprime um papel com o número do
atendimento, o “status” do caso e o nome do inspetor responsável pelo atendimento. O papel
impresso é entregue à pessoa que então é convidada a se dirigir à mesa do inspetor designado
para atendê-la. Na Delegacia Legal, não há especialização entre os inspetores e estes não podem
escolher os casos que vão atender, são distribuídos segundo a ordem de chegada na delegacia.
Os inspetores, logo de início, depois de ouvirem o relato do ocorrido, tipificam-no
enquanto crime ou proferem a sentença: “Isto não é crime”. No primeiro caso, eles abrem um
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Registro de Ocorrência (RO), inserindo o número do atendimento no computador, assim como os
dados pessoais da vítima e uma pequena descrição do fato. No segundo caso, o inspetor explica para a vítima o porquê ele dele não considerar o caso como merecedor de registro. Estes
“atendimentos”, assim verificamos, permanecem enquanto tais. A existência do Livro de
Ocorrências - controlado pelas atendentes no balcão - que classifica em três categorias distintas:
as pessoas que chegam à delegacia, as pessoas que conversam com o inspetor e as pessoas das
quais a comunicação vira um registro de ocorrência, torna indicativo que nem todo atendimento
se desdobra em um registro.
Observamos desta forma uma dupla triagem dos casos relatados à Delegacia Legal.
Embora o número de casos atendidos seja alto, comparado ao da delegacia que funciona no
modelo tradicional, este número não corresponde nem ao número de registros efetivamente
realizados, muito menos ao volume de atendimentos, uma vez que há uma triagem feita pelas
atendentes e outra realizada pelos inspetores. Portanto, as atendentes permitem que a delegacia
atenda um grande número de pessoas, para em seguida fazer uma primeira triagem destes
mesmos atendimentos. Comparando este filtro com a triagem feita pelo inspetor, fica evidente o
quanto o poder decisório do inspetor continua sendo amplo. Da mesma forma que no modelo
tradicional, ele decide se o caso ocorrido se materializa enquanto registro. Não obstante, oPrograma Delegacia Legal visa responsabilizar automaticamente o policial pela investigação
criminal das ocorrências que ele registra.
“Muita coisa se deixava passar, agora o funcionário que se responsabiliza por aquilo teminteresse em acabar com o procedimento dele. Agora o policial vai ter o cuidado queaquele plantonista antes não tinha.” (Inspetor – Delegacia Legal – setembro de 2002)
Cada inspetor pertence a um dos cinco Grupos de Investigação (GI) que compõem o
plantão da Delegacia Legal e fica, portanto, responsável pelo andamento e resolução do caso oqual atendeu. No entanto, reitera-se que não há especializações entre os GIs das Delegacias
Legais, o que faz com que os inspetores sejam obrigados a atender qualquer caso que lhe é
aleatoriamente estabelecido. Em cada plantão da Delegacia Legal trabalham 10 inspetores no
total, mas há entre eles um revezamento de funções; enquanto 6 ou 4 dedicam-se ao atendimento,
os outros estão na rua realizando as investigações. Como vimos anteriormente, enquanto no
modelo tradicional o inspetor, o detetive e o escrivão tenham atribuições distintas, ocupando
inclusive uma posição diferente na hierarquia da instituição, no novo modelo estas três carreiras
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foram unificadas no GI. Na Delegacia Legal todos os policiais são inspetores, eles têm a mesma
atribuição: elaboram registros de ocorrência, procedem as investigações preliminares ediligências necessárias às apurações em curso sob sua responsabilidade. Assim, a
responsabilização individual faz com que o mesmo policial que inicie os procedimentos, seja
atribuído de concluí-los, facilitando a identificação da responsabilidade pelas investigações e
inquéritos criminais. A responsabilização individual é, entretanto, avaliada negativamente quando
combinada com o esquema de plantões vigente na Delegacia legal. Como cada plantão dos
inspetores na nova delegacia obedece a um esquema de vinte e quatro (24) horas de trabalho
seguidas de setenta e duas (72) horas de folga, há uma fragmentação da investigação, pois como
o trabalho realizado pelo policial não é contínuo, muita informação se perde quando só se vai
investigar 72 horas depois.
Observamos que, além do inspetor usufruir de poder decisório no que diz respeito a fazer
ou não o RO, no momento que o realiza, já inicia a investigação colhendo depoimentos, provas
etc. Segundo policiais, o atendimento mais demorado realizado neste novo modelo é justificado
em razão da maior quantidade de informações colhidas nesta etapa, informações que eles são
obrigados a registrar devido à rigidez imposta pelo software do Programa Delegacia Legal, que
pauta tanto o ritmo de trabalho dos policiais quanto seu conteúdo. O Programa impôs uma nova burocracia, substituindo a tradição cartorial de registro.
Identificamos, no entanto que, embora este sistema seja rígido, ele é passível de ser
contornado. Explicita-se, assim, a manutenção do poder discricionário no âmbito das Delegacias
Legais:
“Ao chegar à delegacia, um jovem foi encaminhado pela atendente até a mesa do inspetor.Ele relatou que possuía uma bicicleta, e que há cerca de um ano atrás ela foi roubada.Fora até a delegacia, que já funcionava enquanto delegacia legal, e fez o RO. A bicicleta,
porém, não foi encontrada, e o RO aparentemente arquivado. O jovem já não tinha maisesperanças de reencontrar a tal bicicleta, quando, dias atrás, estava saindo de umsupermercado, e reconheceu a bicicleta que fora dele. Como tinha ainda guardado a notafiscal da bicicleta, ele a pegou a segurou e ficou esperando que o “novo dono” da bicicletasaísse do mercado. Quando este apareceu, ele mostrou então a nota fiscal e perguntouonde ele tinha comprado a bicicleta e de quem. O “novo dono” disse-lhe então que haviacomprado a bicicleta de uma pessoa, que morava na favela M. Os dois foram ao local paraconversar com a pessoa que havia vendido a bicicleta. Identificado, o vendedor da bicicleta confirmou que a bicicleta era roubada, e a pessoa que havia comprado, nãoquerendo maiores complicações, a devolveu ao seu verdadeiro dono.Após este relato, o inspetor ficou impressionado com o fato, primeiro dele ter conseguidoreencontrar a bicicleta, e segundo pela coragem que teve em ir até a favela para confirmar
o que havia ocorrido. Não obstante, disse-lhe então que esta versão não poderia constar no
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Registro de Aditamento onde as alterações do RO são registradas. Se o inspetor colocasseo que acabara de ouvir, ele seria obrigado a tomar o depoimento da pessoa que havia
comprado a bicicleta e também da pessoa que a vendeu para ele, “e isso seriacomplicado”, justificou. Para “simplificar” o procedimento, o inspetor sugeriu então umanova versão. Segundo este seria melhor que fosse colocado que o jovem, ao sair dosupermercado, havia reconhecido a bicicleta. Teria esperado a pessoa que estava com a bicicleta para que conversassem, mas que esta, percebendo que ele a esperava, com medo,teria desaparecido. O jovem então teria certeza que a bicicleta era sua. Com a nota fiscalem mãos teria conferido o numero de série da bicicleta, a levado sem ter contato ouconversar com a pessoa que estava em posse da mesma. A partir dessa versão, assim oinspetor, não teria de tomar nenhum outro depoimento, “tudo” terminaria mais rápido esem “complicações”.” (Brum, 2002)
Embora comprometidos com o universalismo de procedimentos, conferida pela
centralização do comando e da padronização do software, os policiais ainda desfrutam neste
modelo, de um amplo espaço de ação e interpretação exemplificadas pela manutenção da cultura
do desestímulo ao registro e pela possibilidade de manipulação do que vão inserir no sistema,
realizando assim, a “armação do processo” (Kant de Lima, 1995).
O Registro de Ocorrência, por sua vez, é o ponto de partida de instauração da VPI, que foi
mantida no novo sistema. Neste caso, este procedimento é encaminhado para o Delegado
Adjunto, – que é o encarregado na Delegacia Legal de coordenar, orientar e supervisionar todas
as atividades investigatórias dos GIs – que é a quem compete a análise destes procedimentos e adeterminação da instauração do inquérito ou a suspensão da VPI.
Nota-se que a análise e o despacho dos procedimentos pelo Delegado Adjunto, se dá por
mediação eletrônica. É o Setor de Suporte Operacional (SESOP) que concentra as funções
administrativas da Delegacia Legal; recebe documentos externos, peças não vinculadas a alguns
inquéritos e faz a distribuição interna. Na Delegacia Tradicional, o Setor Administrativo era a
porta de entrada e saída da delegacia e o Cartório, a porta de entrada dos procedimentos,
inquéritos e flagrantes. Na Delegacia Legal, o SESOP concentra as duas funções dos setores datradicional mencionados, porém não é mais responsável por inquéritos e flagrantes (atribuição
conferida aos GIs), mas sim pelo controle, protocolo e distribuição dos procedimentos para a
Justiça. Tendo sido expedido pelo SESOP na Guia de Remessa, neste momento é encerrado o
trâmite dos procedimentos na nova delegacia.
O Setor de Inteligência Policial (SIP) também é um dos mediadores deste trâmite;
atribuído de auxiliar a atividade dos GIs executando atividades de identificação, processamento e
arquivamento de informações de caráter policial.
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Exercendo funções mais administrativas, o Delegado Titular da Delegacia Legal,
enquanto autoridade máxima dentro da delegacia, coordena, supervisiona, fiscaliza as atividades policiais, tem poder de avocar inquéritos para que estes sejam presididos por ele e percebe-se
como o “presidente da empresa”. Cuida de toda a parte administrativa da delegacia e
responsabiliza-se pela imagem da mesma perante a sociedade, servindo como “mera peça
decorativa”. O Delegado Titular exerceria um papel mais burocrático na nova Delegacia,
enquanto os Delegados Adjuntos é que seriam responsáveis pelos procedimentos dos GIs. Porém,
nos casos de grande repercussão pública, quando há “um interesse por parte da delegacia que o
inquérito tenha um andamento rápido” (Delegado Titular – 2002), ele tem o poder de avocar o
inquérito para si.
O Programa Delegacia Legal de fato aboliu o cartório da delegacia, criando um banco de
dados informatizado; o novo software do Programa responsabiliza o inspetor, fazendo com que
ele conclua o inquérito efetuando todos os procedimentos exigidos por este. No entanto, a partir
do momento em que o inquérito é concluído, a numeração das folhas do inquérito é feita à mão
pelos inspetores. Depois de imprimir o inquérito, o inspetor responsável pelo caso numera as
orelhas das páginas impressas, colocando-as na pasta prevista para inquéritos. O inquérito é em
seguida, remetido para o Judiciário, sendo inserido assim no trâmite tradicional da Justiça.Apesar da informatização dos registros das ocorrências policiais, a posterior numeração manual
dos autos do inquérito expressa claramente a continuidade da lógica cartorial, explicitando a
importância do material impresso, no qual os fatos estão registrados por escrito e historiados
cronologicamente (Miranda, 1993). O quadro dois visa ilustrar o trâmite por nós observado na
Delegacia Legal.
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Quadro2: Trâmite Administrativo da 134a DP(Delegacia Legal)
Comunicação do fato
Balcão de Atendimentos
(não-policiais) Análise Inicial
FATO ATÍPICO FATO TÍPICO
Encaminha Grupo de Investigação SIP
para recursos Registro (RO) e Apuração Processamento de Informações
da comunidade (VPI e Inquérito)
Delegado Adjunto Delegado TitularAnálise e despacho dos procedimentos Coordena, supervisiona e fiscaliza
as atividades policiais
SESOPProtocola, recebe e expede documentos
Justiça Arquivamento Aguardando novos fatos
Segundo um dos policiais entrevistados, a Delegacia Legal cria um sistema inteligente
que vai interagir com ele. Observamos, portanto, que a figura do policial continua sendo tãoimportante quanto à do próprio sistema. Em sua forma idealizada, o Programa, ao tentar
padronizar a atuação policial, tenta impor que a eficiência policial não seja resultado de uma
vontade individual, mas a regra. Identificamos que apesar da tentativa do Programa de moldar as
práticas policiais, através da padronização dos procedimentos no software para diminuir o espaço
de manipulação do policial, o policial ainda desfruta de um amplo poder discricionário.
Dado o exposto, identificamos que a proposta da mudança estrutural no que concerne à
redefinição das rotinas internas e à informatização dos serviços policiais de fato foi efetivada na
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Delegacia Legal, negá-la seria o mesmo que dizer que não houve a reforma. Porém, observamos
que algumas práticas tradicionais aparecem sob nova roupagem no cotidiano da Delegacia Legal, principalmente em relação ao amplo espaço interpretativo e de atuação que os policiais
desfrutam. Isto é indicativo de que, apesar as mudanças estruturais postas em prática, a mudança
cultural também preconizada pelos idealizadores não foi realizada, ou seja, afirmamos que a ética
tradicional e as regras costumeiras da Polícia Civil tendem a resistir à reforma, expressando uma
dialética de readaptação de práticas tradicionais aos trâmites que a nova delegacia inaugura.
Uma outra proposta de inovação do trâmite nas novas delegacias, consiste na proposta dos
idealizadores da reforma em aproximar os atores sociais responsáveis pela Justiça Criminal.
A Delegacia Legal se caracterizaria como uma plataforma de integração
interinstitucional . Previa-se, com a reforma física das delegacias, um espaço para a Defensoria
Pública, a Promotoria, a Polícia Militar, o Juizado Especial Criminal e Assistente Sociais. Esta
proposta pode ser conferida na definição do programa no link “Delegacia Legal”:
“Delegacia Legal significa uma verdadeira mudança no âmbito da Polícia Civil,transformando a estrutura organizacional, o gerenciamento, a dinâmica funcional, a formade atendimento ao público e suprimindo as carceragens. A informatização irá interligartodas as delegacias do Estado, permitindo aos gestores da segurança pública - da ponta
operacional ao centro supervisor - maior agilidade nas informações criminais e procedimentos necessários, além do acompanhamento e controle da própria ação policial.As carceragens nas delegacias, uma rotina ilegal, estão sendo extintas, com odeslocamento dos presos para Casas de Custódia. A Delegacia Legal também incluiespaços para a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Polícia Militar, AssistentesSociais, o Juizado Especial Criminal e também funções não-policiais, comorecepcionistas e administradores.”(http://www.novapolicia.rj.gov.br/delegacia.htm)
Três anos após a implementação do programa, a idéia de trazer assistente social,
promotor, defensor público e juiz para dentro da delegacia, trabalhando lado a lado com
inspetores e delegados, não se efetivou. Únicos vestígios da proposta de interinstitucionalidade:
um vão no fundo da Delegacia Legal com um balcão e uma placa com a inscrição “assistente
social”, espaço ocupado por três bicicletas apreendidas e um balcão no hall de entrada da
delegacia onde os policiais militares podem se apoiar para aguardar o atendimento.
Não obstante, há uma inovação na rotina da delegacia: a presença de dois novos atores
sociais, o síndico e a atendente sendo que ambos não exercem funções policiais. O síndico tem a
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atribuição de administrar o espaço físico da delegacia, enquanto as atendentes conforme vimos
anteriormente, recebem o público no balcão de atendimento.Além da inexistência de outras instituições responsáveis pela Justiça Criminal na
Delegacia Legal, constatamos a continuidade de conflitos interinstitucionais identificados em
pesquisas anteriores sobre o sistema tradicional de administração policial do Estado (Mandach,
2001a e 2001b e Nazareth Cerqueira, s.d.).
A representação social que os Policiais Civis da Delegacia Legal tem da Policia Militar , é
negativa. Segundo os inspetores e delegados entrevistados, o Policial Militar é burro, ignorante e
truculento; não é qualificado para o trabalho investigativo. A hierarquia militar a qual eles são
submetidos, assim o interlocutor, faz com que eles não tenham um diálogo aberto com outros
policiais, o que os impossibilitaria de “pensar”.
O mesmo delegado que proibiu a circulação de Policiais Militares na Delegacia Legal
durante seu plantão, pois “não gostava que ficassem passeando ali”, alegando que só iriam entrar
neste espaço caso houvesse necessidade, manifestou sua visão a respeito da Policia Militar
descrevendo o seu procedimento em caso de prisões por “desacato” (desobediência) efetuadas
por Policiais Militares:
“Os PMs são tão ignorantes, que a maioria das prisões por desacato feitas por eles não sãodesacatos! (..) Eu não prendo ninguém por desacato quando só tem PM como testemunha..Não acredito em palavra de PM.” (Delegado Adjunto – Delegacia Legal – setembro de2001).
Além da crítica à postura não profissional da Policia Militar, os representantes da Policia
Civil percebem uma perda de espaço em relação à Polícia Militar: “Estão tentando acabar com a
Polícia Civil.” (inspetor entrevistado). Acreditam que a Secretaria Estadual de Segurança Pública
esteja prendendo a Polícia Civil com procedimentos burocráticos para, em um momento posterior, repassar a atribuição da investigação policial a Polícia Militar. Alegam uma forte
militarização das políticas de Segurança Pública e Justiça Criminal.
Da mesma forma que a Polícia Civil percebe uma redução de seu espaço de atuação em
relação a Polícia Militar, esta também se vê acuada por um ganho de espaço por parte da Polícia
Civil. Interlocutores da Polícia Militar acreditam que o grande investimento físico feito na Polícia
Civil do Estado (a construção das novas delegacias), é prova concreta de uma valorização da
Polícia Civil em detrimento da Polícia Militar.
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Em relação aos atritos cotidianos entre as duas instituições, observamos por parte dos
Policiais Militares um descontentamento em função da demora excessiva dos procedimentos burocráticos da Polícia Civil. Dependendo da Polícia Civil para concluir a ocorrência,
freqüentemente o Policial Militar trabalha além das horas de seu plantão. Os interlocutores da
Polícia Militar admitem que esta dependência pode ser amenizada em função das relações
pessoais que o Policial Militar estabelece na delegacia.
Da mesma forma como identificamos uma continuidade no conflito entre as duas
instituições policiais do Estado, observamos a continuidade de atritos entre os representantes do
Judiciário e da Polícia Civil. O conflito com os estudantes de Direito, exposto anteriormente,
explicita bem este dado. A interpretação do operador jurídico não é aceita dentro da delegacia.
Símbolo deste conflito interinstitucional é a corrente ao lado do balcão de atendimento.
Todas as pessoas que chegam a Delegacia Legal têm de se apresentar às atendentes e esperar
autorização para ingressar no espaço de trabalho da delegacia. Os representantes da esfera
judicial (estudantes de Direito, advogados, promotores) muitas vezes tentam ignorar a corrente
que separa o hall do espaço reservado aos inspetores e delegados para entrar na delegacia.
Recusam-se a se cadastrar, e ficam transtornados quando obrigados a esperar com as outras
pessoas do outro lado do balcão.As atendentes da Delegacia Legal se empenham em oferecer um tratamento não-
diferenciado ao público, conjugam este valor a uma meta burocrática, uma vez que querem fazer
muitos atendimentos para concorrer com o melhor atendimento do Estado na Delegacia Legal.
A grande distância social entre a Polícia Civil e o Ministério Público é freqüentemente
reafirmada pelos interlocutores na delegacia. A “culpa” pela falta de cooperação é de ambos
atores sociais. Assim, a fala de um inspetor:
“Nós saímos da Idade da Pedra, estamos na Idade Média e ainda falta muito para chegar aIdade Moderna, se tivesse sido instituído o projeto inicial da Delegacia Legal, ficaria perfeito, mas esbarrou principalmente na burocracia, e também nem os promotores nemos juízes não iriam querer se deslocar para a delegacia (...) e a aproximação deles com osfatos melhoraria muito para que o caso fosse resolvido com precisão, porque, porexemplo, no caso de um homicídio, os policiais é que estão vivenciando tudo o queacontece e os outros acabam vendo o fato de um outro ângulo, mais friamente e com umcerto preconceito sobre o trabalho realizado na delegacia, e o acusado, quando chega a umtribunal, já está moldado a agir conforme o advogado o mandou, já está domesticado.Então essa aproximação com os fatos seria essencial”. (Inspetor – Delegacia Legal –setembro de 2001)
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No discurso dos delegados adjuntos, percebemos uma acirrada disputa de poder entre
estes e os promotores. Os delegados adjuntos se percebem como detendo atribuições mais amplasdo que os promotores. Teriam o poder para executar várias atividades que os promotores não
podem, como dar voz de prisão e ter uma equipe diretamente subordinada a ele. Especialmente os
jovens delegados adjuntos recém-formados, percebem os promotores em início de carreira como
invadindo o espaço de atuação policial.
A falta de proximidade física entre os atores sociais poderia ser compensada com uma
dinamização do trâmite processual. Porém, a cultura jurídica brasileira é um obstáculo para a
reforma pretendida. A presença de outras instituições, tais como a defensoria, a promotoria e o
juiz nas delegacias da polícia judiciária é inviabilizada na medida em que a produção da verdade
no sistema brasileiro não nasce de uma negociação, que produz uma verdade consensual para
resolver o conflito. Na fase em que está sendo produzido o inquérito policial, não é permitida a
negociação da culpa ou da verdade (Kant de Lima, 1995 e 1999). Tanto o promotor e o juiz não
se dispõem a atuarem na delegacia, como os inspetores e delegados não estão dispostos a dividir
o mesmo espaço de atuação e de interpretação com estes operadores jurídicos, reificando a
tradicional hierarquização das instituições responsáveis pela Justiça Criminal Brasileira.
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4.
AS HIERARQUIAS DA POLÍCIA CIVIL
Para que possamos seguir adiante, faz-se necessário esclarecer que ao tomarmos como
categoria de análise a hierarquia na Polícia Civil, levamos em consideração que esta instituição
trabalha com relativa autonomia, ao contrário da Polícia Militar que, por sua vez, está submetida
a uma rígida hierarquia e disciplina.
No entanto, vale ressaltar que as Delegacias da Polícia Civil estão subordinadas ao
Governo do Estado, à Secretaria de Segurança Pública, à Chefia da Polícia Civil e à
Coordenadoria e Divisão Regional de Polícia do Interior 13. Aqui não nos importa o efeito dessa
subordinação ao plano político14, mas a descrição das relações internas em torno dos trâmites das
delegacias.
Ao descrevermos as formas de relacionamento que ligam os atores envolvidos nas rotinas
das delegacias, tomaremos como base o que foi relatado anteriormente acerca da hierarquização
dos procedimentos e da diferenciação de funções entre os setores nas delegacias. O símbolo
focal que este capítulo propõe-se a analisar é, portanto, a interação resultante dessas divisões, ou
seja, passaremos por fim à análise de como se processam as relações intrainstitucionais noâmbito dos dois modelos em questão.
4.1. A HIERARQUIA TRADICIONAL
A nosso ver, o trabalho compartimentado em vigência na Delegacia Tradicional nos
permite dizer que esta delegacia organiza-se tendo por base uma dupla diferenciação de funções:
se por um lado a rotina da delegacia inclui funções mais burocráticas atreladas ao serviço internoda organização, por outro, inclui atividades mais autônomas de investigação vinculadas ao
serviço externo.
No primeiro caso, estão retratados o Plantão, o Setor Administrativo e o Setor Cartorário.
O Plantão e o Setor Administrativo da Delegacia Tradicional observada despertou sobremaneira
nossa atenção, pois identificamos que os policiais destes setores acumulam funções que
13 Vide Relatório de Gestão da 134DP, 2001.14 Assunto centralizador de nossos argumentos no item 1.2.
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ultrapassam suas atribuições padrão, tais como atender telefonemas do público, ser guarda de
presos e ajudar no desenvolvimento das atividades dos outros setores. Certa vez, ao perguntar aum policial acerca de sua função na delegacia, obtivemos a seguinte resposta:
“Eu sou só motorista, mas aqui eu faço de tudo” (Delegacia Tradicional – outubro de2001).
Vale notar que ele estava manuseando alguns processos em uma mesa ao lado da Sala do
Delegado.
Todavia, identificamos que os policiais que trabalham no Cartório desfrutam de um certo
prestígio em relação aos que trabalham nos outros setores da Delegacia Tradicional e tal fato justifica-se por centralizarem os procedimentos realizados por estes. Nesta perspectiva, o tipo de
conhecimento inerente ao inquérito é fruto de uma relação estratégica entre o saber-poder que
funciona no nível da apropriação, produção e constituição da informação (Foucault, 1999). Sendo
assim, reitera-se a função de “cérebro da delegacia” atribuída ao Cartório, na medida em que os
policiais que nele trabalham detêm a “posse” da informação; é o controle dessas informações que
concede aos policiais do Cartório um poder simbólico frente aos demais.
No entanto, isso é quebrado, na medida em que o tipo de relacionamento que impera na
Delegacia Tradicional está extremamente vinculado ao relacionamento pessoal estabelecido entre
os policiais que nela atuam, e não tanto à posição funcional exercida por eles. Em uma entrevista
realizada com um Oficial de Cartório, ficou explícito que estes só conseguem trabalhar de forma
satisfatória na Delegacia Tradicional porque todos são amigos e se dão muito bem, o que faz com
que o ambiente de trabalho fique bem melhor, resultando em eficiência. Acrescentou ainda:
“Aqui há uma rede de confiança mútua, o que é fundamental para que se trabalhe bem”(Oficial de Cartório – Delegacia Tradicional – outubro de 2001).
Constatamos, no discurso de outro entrevistado, que a união de esforços ocorre como uma
estratégia de superação das adversidades que as Delegacias Tradicionais enfrentam, pois:
“Sem equipe, sem espírito de equipe, não acontece nada.” (Inspetor – DelegaciaTradicional – outubro de 2001)
Passaremos agora a análise das estratégias vinculadas às atividades mais autônomas
exercidas pela Polícia Civil. Este segundo caso é singularmente representado pelo Setor de
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Investigação da Delegacia Tradicional. Já destacamos no capítulo anterior que a este setor é
incumbida a realização da VPI, documento que só tem significação no âmbito da própria polícia.Constatamos que, em comparação com os outros setores da Delegacia Tradicional, os policiais
que atuam no Setor de Investigação trabalham com mais autonomia, vão à rua, fazem diligências
e só redigem um relatório prestando esclarecimento ao Delegado acerca de suas investigações.
Não estão comprometidos, portanto, com a burocracia que controla as outras atividades da
polícia.
Este setor é composto por equipes de especialistas e esta subdivisão encerra os tipos de
crimes a que são destinados a investigar: crimes contra a vida, contra o patrimônio, que envolvem
a integridade física, crimes realizados no âmbito doméstico etc. Esta especialização foi avaliada
pelos policiais entrevistados nos dois modelos como um dos maiores pontos positivos da
Delegacia Tradicional. À especialização é creditada suma importância, pois assim os policiais
podem apurar com mais detalhe o ocorrido e cometer menos erros. Avaliam, no entanto, que os
policiais não estão aptos a investigar qualquer tipo de atividade.
Um fato, entretanto, chamou nossa atenção, a incorporação de três Policiais Militares à
equipe que investiga homicídios. Como a investigação de homicídios desdobra-se
necessariamente em um Inquérito, estes Policiais Militares auxiliavam as investigações do Setorde Investigação e do Cartório trabalhando no serviço externo, ou seja, suas funções eram
exercidas “da porta pra fora” da delegacia, enquanto os inspetores que os instruía nas
investigações, realizavam o serviço “da porta pra dentro”.
Fruto da carência de pessoal para trabalhar na Delegacia Tradicional, esta solução foi
adotada através de um acordo entre o Delegado da referida delegacia e o Coronel da Polícia
Militar para que fossem cedidos três Policiais Militares para auxiliar o trabalho da Polícia Civil.
Nota-se que estes policiais não trabalhavam fardados e segundo entrevistas realizadas com eles,eram até “mal vistos pela própria PM” ao exercer atividades que não lhes era atribuída
originalmente.
O Delegado, por sua vez, é percebido como autoridade máxima dentro da Delegacia
Tradicional, visto que todos os setores a ele estão submetidos. Isto representa a constatação de
que, ao imprimir um estilo pessoal de gestão na delegacia, o Delegado adota uma estratégia
particularizada de administração de um espaço no qual imperam relações personalizadas.
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4.2.
A NOVA HIERARQUIA
É em oposição a este modelo em que as tomadas de decisão são unilaterais, realizadas de
cima para baixo e onde as relações são pautadas por interesses particulares, que os idealizadores
da reforma objetivaram a implementação de uma nova forma de relacionamento entre os atores
da Delegacia Legal.
O modelo tradicional é identificado no discurso da reforma como “cultura de emprego”,
um modelo onde os cargos são desenhados para isolar. Neste contexto, as pessoas agiriam como
se ali estivessem para cumprir ordens e na carga horária obrigatória executar a tarefa estipulada.
Neste modelo não haveria “participação nos processos decisórios” nem “sinergia de grupo”. Já o
novo modelo descrito como “cultura de comprometimento” e pautado em uma postura de
parceria, no sentimento de responsabilidade e de trabalho em conjunto. O Programa Delegacia
Legal também se propõe a democratizar as relações entre os policiais que trabalham na mesma
delegacia. Este objetivo seria alcançado através da eliminação de degraus da hierarquia
institucional da Polícia Civil e da participação dos policiais nos processos decisórios. Em
reuniões convocadas regularmente, as avaliações entre superiores e subordinados seriam mútuas.
A hierarquia passa a ser concebida neste modelo como diferentes níveis de responsabilização enão é necessariamente considerada como poder (Abreu, 2000; Rosenail, 2000 e Mandach,
2001a).
Apresentamos, então, elementos que nos permitem mapear o discurso da proposta
reformadora no que concerne às relações intrainstitucionais, o que nos permitirá realizar um
paralelo da análise entre este discurso e a prática.
A horizontalização dos cargos e responsabilidades na Delegacia Legal foi de fato posta em
prática. Conforme vimos na sessão anterior, os policiais que trabalhavam no Plantão, Setor deInvestigação e Cartório da Delegacia Tradicional ocupavam posições distintas na hierarquia
institucional. Entretanto, o novo modelo atribuiu os procedimentos somente a um setor da
Delegacia Legal, quer dizer, fez com que estas três carreiras profissionais fossem unificadas no
Grupo de Investigação. Notamos, no entanto, que o efeito da homogeneização parece pequeno.
As duplas de inspetores que atuam na delegacia Legal são comumente chefiadas pelo policial que
até recentemente tinha maior prestígio profissional.
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Embora já praticada, a unificação dos perfis profissionais é desconsiderada “no papel”.
Oficialmente os cargos antigos tiveram de ser mantidos, pois a unificação prescinde de umaaprovação legal. Para evitar a ilegalidade, a estatística da Polícia Civil manteve a hierarquia
institucional anterior e sempre que o policial assume uma tarefa estranha à sua atribuição
original, ele assina enquanto “escrivão ad hoc” ou “inspetor ad hoc”. Os concursos para a Polícia
Civil também não acompanharam a mudança, os candidatos ainda fazem prova para escrivão,
detetive ou inspetor.
A não adesão a certas etapas do procedimento pode ser descrita aqui como uma
problemática emergente da imposição do programa. A relação conflituosa entre as atendentes e
os inspetores pode ser relatada neste âmbito pois, quando os inspetores selecionam os casos que
pretendem atender ou se negam a realizar o registro, quem fica exposto às reclamações do
público são as atendentes e não os inspetores.
“A Delegacia Legal foi feita para a pessoa chegar e ser atendida na hora, mas isso nãoacontece porque a pessoa é atendida aqui, mas lá não. (...) A gente tem que bajular alguém para atender, mas ninguém quer”.
Sobre um dos inspetores que havia marcado uma intimação para o horário que havia
reservado para o atendimento, acrescentou:
“Ele teve a manhã toda para fazer intimação. Porque ele tem de marcar a intimação para a parte da tarde? É para não ter que atender. Eles não querem atender.” (Atendente –Delegacia Legal – setembro de 2002)
Ao dar preferência para uma pessoa que não está na vez em função de seus conhecimentos
pessoais ou ao selecionar os casos mais simples para atender, o inspetor está burlando um sistema
que lhe atribui um procedimento aleatório. Nestes casos, são as atendentes que ficam em uma
situação constrangedora, pois assumem um papel de mediação do conflito entre os inspetores e o
público.
A proposta de democratização intradelegacia resultaria na adesão ao novo modelo,
tornando o trabalho policial eficiente. Assim na fala de um Delegado Titular:
“As decisões são feitas em equipe, há um consenso. A qualificação é contínua. Para oinspetor receber a qualificação de 500 reais, ele tem de assistir a 15h/aula mensais (...) Aavaliação é constante. Os delegados (adjuntos) também me avaliam e eu os avalio. Comoem uma empresa, não aceitamos um trabalho mal feito. Com a avaliação constante,
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pretendemos atingir um serviço de excelência.” ( Delegado Titular – Delegacia Legal –agosto de 2001)
Apesar do apelo à formação de um espírito de equipe neste discurso, não há, no discurso
dos policiais uma forte adesão a estes ideais colocados pelo programa. Um obstáculo para o
engajamento dos agentes ao novo modelo ocorre talvez em função do autoritarismo do Delegado
Titular e do tratamento desigual que ele concede a seus subordinados. Observamos como o
Delegado Titular desqualifica os quatro Delegados Adjuntos na presença de estranhos por
motivos banais. Uma vez repreendeu um Delegado Adjunto por não estar usando o crachá,
embora, além das atendentes do balcão, quase ninguém use o crachá na Delegacia Legal.
Em uma ocasião, que nos foi relatada por um Delegado Adjunto da Delegacia Legal, o
Delegado Titular assumiu a equipe da Delegacia Tradicional enquanto esta estava sendo
submetida a uma troca de delegados, e um de seus quatro Delegados Adjuntos foi escolhido para
administrá-la. Alguns policiais da Delegacia Legal foram designados para acompanhá-lo nesta
missão. Na primeira reunião o Delegado Titular apresentou o novo chefe aos policiais que ali
trabalhavam anteriormente. Exigiu dos policiais que qualquer problema deveria ser relatado a
inspetor x e não ao Delegado, pois este seria somente um “Delegado Estagiário”.
Em sua grande maioria, os Delegados Adjuntos são jovens, acabaram de se formar naacademia de polícia, enquanto os inspetores são pessoas com farta experiência profissional. A
diferença de idade e de experiência entre os Delegados Adjuntos e os Inspetores reforça a
“posição sanduíche” experimentada pelos primeiros. Ao mesmo tempo em que são tratados como
alunos pelo Delegado Titular, os Delegados Adjuntos tem de se impor em relação aos inspetores.
A inconsistência de status experimentada pelo Delegado Adjunto se revela no esforço em
identificar uma estratégia que imponha autoridade aos inspetores.
À primeira vista a presença do Delegado Adjunto, encarregado de administrar todos os
casos que ocorrem em seu plantão, torna o papel do Delegado Titular dentro da Delegacia Legal
vago. A autodescrição de sua atribuição na nova delegacia, no entanto, revela o poder do
Delegado Titular e confirma seu autoritarismo.
“A delegacia é como uma empresa, e eu sou o presidente da empresa (...) tudo e todos nadelegacia estão subordinados direta ou indiretamente a mim.” ( Delegado Titular –Delegacia Legal – setembro de 2002)
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Unicamente o Delegado Titular tem poder de avocar inquéritos para que estes sejam
presididos por ele, como também trocar Delegados Adjuntos e Inspetores de casos. Enquantoautoridade máxima dentro da delegacia, ele tem a capacidade de monitorar através de seu
computador, os procedimentos dos Delegados Adjuntos e também dos inspetores.
É o Delegado Titular quem decide quem vai para o Setor de Inteligência Policial (SIP).
Vale ressaltar, entretanto, que os policiais que trabalham no SIP têm mais prestígio que os
Delegados Adjuntos na Delegacia, pois eles são os únicos que podem acessar e fornecer a
informação centralizada neste setor aos demais policiais. Podemos identificar, portanto, que a
informação na Delegacia Legal também é um mecanismo definidor de relações de poder. Em
contrapartida da tentativa de democratização das relações sociais, identificamos que os conflitos
intrainstitucionais explicitam a manutenção do princípio de hierarquia.
Uma inovação muitas vezes enfatizada pelos implementadores do Programa Delegacia
Legal é a interação entre as delegacias. Assim nos diz um Delegado Regional ao nos apresentar a
um Delegado Titular de uma Delegacia Legal de sua responsabilidade:
“A integração é ótima, cada delegacia pode interrogar alguém envolvido em um inquéritode outra Delegacia Legal” (Delegado Regional – 5a DRPI – agosto de 2001)
O Delegado Titular complementa suas palavras nos mostrando uma cópia do Diário Oficial
que ele teria acabado de imprimir da Intranet (rede integrada das Delegacias Legais). Porém,
identificamos que o diálogo entre inspetores de diferentes delegacias continua pautado pelas
redes de relações informais anteriormente estabelecidas. À procura de informação, o inspetor
prefere utilizar o telefone para se comunicar com um outro inspetor do que escrever um e-mail
para um colega desconhecido. A concessão de uma informação a um colega pelo correio
eletrônico, exige um alto grau de confiança, já o repasse da informação pelo telefone, não expõe
o policial da mesma forma, a oralidade não compromete.
Por todos estes aspectos, verificamos que assim como o Delegado imprimia seu estilo de
administração na Delegacia Tradicional, a Delegacia Legal também reproduz essa apropriação
particularista, pois cada delegado a administra da forma que lhe convém. Podemos tirar essa
conclusão pelo fato de termos conhecido num primeiro momento um delegado autoritário, que
impunha a reforma a seus subordinados como um produto de marketing e, em seguida, em função
da transição política, conhecemos um delegado oportunista, minimalista, que subestimava sua
função de controle da atividade policial, e que não queria mexer em nada.
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CONCLUSÃO
Em virtude do que foi mencionado, avaliamos que ambas as hipóteses que nortearam este
trabalho se confirmaram. Se por um lado o Programa Delegacia Legal conseguiu implementar
mudanças consideráveis na rotina da Polícia Civil, por outro também identificamos continuidades
significativas do modelo tradicional no cotidiano das novas delegacias.
Com efeito, podemos certamente identificar a reforma no âmbito da nova infra-estrutura
das Delegacias Legais, da nova rotina interna imposta pela informatização dos procedimentos
policiais e por último no que diz respeito à unificação das carreiras profissionais que, por sua vez,
acarreta a eliminação de degraus da antiga carreira institucional.
No entanto, o hiato existente entre a reforma estrutural e as práticas verificadas no âmbito
da Delegacia Legal confirmam a resistência à mudança.
Entendemos que a manutenção da cultura personalista na Polícia Civil se deve por vários
fatores. Em primeiro lugar, indicamos o “fator político”, pois a mudança governamental exerce
um efeito dominó prejudicial à eficiência policial, mantendo redes de relacionamento
personalistas. Estas mesmas redes foram também verificadas no âmbito das relações
intrainstitucionais, na medida em que o diálogo entre inspetores de diferentes categorias ainda
permanece pautado pelas redes de relações informais anteriormente constituídas. De fato, a
Delegacia Legal eliminou os antigos degraus na hierarquia institucional, porém, criou outras
subdivisões na delegacia outorgando aos novos setores policiais atribuições diferenciadas no
procedimento policial, o que propicia a manutenção dos setores privilegiados por administrar de
forma particularizada a informação.
Por conseguinte, vale notar que apesar do Programa Delegacia Legal implementar umanova estética, cuja imagem tem por objetivo conferir maior transparência e controle ao trabalho
policial, não invalidou o uso e a apropriação particularizada por parte dos agentes das
informações a serem disponibilizadas no sistema. Apontamos, portanto, que o poder
discricionário de que os policiais desfrutam não conseguiu ser domesticado apesar da rigidez
imposta pelo software, ou seja, embora o Programa tente implementar um sistema rígido e
padronizado, ainda assim, confere aos policiais um amplo espaço interpretativo, contribuindo
para a aplicação particularizada da regra. Sendo assim, esta colocação nos permite concordar com
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o fato de que o novo sistema implantado atue como um adorno, pois o policial continua sendo a
figura central do Programa Delegacia Legal, seu papel é tão importante quanto o do própriosistema e são as suas atitudes que pautam o conteúdo de suas atividades.
Deste modo, a apropriação da informação não está sujeita somente às suas técnicas de
armazenamento, depende sobretudo da cultura na qual está imersa. Dessa forma, a informatização
dos procedimentos policiais mostra-se ineficaz para alterar esta lógica privatizadora, é necessário
que essas práticas sejam explicitadas e questionadas (Miranda, 1993).
Verificamos também que, assim como no modelo tradicional, delegados e inspetores do
novo modelo decidem em função de um estilo administrativo pessoal quais delitos devem ser
registrados ou suspensos, o que parece indicar tanto a manutenção da forma investigativa
inquisitorial, pois só há a abertura do inquérito quando já se sabe o autor, quanto a continuidade
da cultura jurídica brasileira baseada no abafamento dos conflitos e não na sua resolução (Kant de
Lima, 1995, 1997 e 1999).
Por último, apontamos que, apesar da informatização dos registros das ocorrências
policiais, a posterior numeração manual dos autos do inquérito expressa tanto a continuidade da
lógica cartorial como a não alteração do trâmite processual. Em oposição à idéia de que a nova
delegacia funcionaria como uma plataforma interinstitucional , identificamos que a mudança notrâmite (caracterizada principalmente pela informatização dos procedimentos e pela
responsabilização de um único agente para efetuar todos os procedimentos que o caso demanda)
somente ocorre no espaço temporal em que o caso passa pela Polícia Civil. Assim que o inquérito
policial é concluído e repassado para o Ministério Público, ele pouco difere dos inquéritos
tradicionais, constatamos, portanto, a continuidade da cultura jurídica brasileira: a produção de
verdades dentro de um sistema fortemente hierarquizado.
Diante disto, conclui-se que a nova estrutura imposta pelo Programa Delegacia Legalinfluencia a conduta dos policiais, entretanto, os policiais adaptam essas estruturas à cultura
mediadora da relação entre eles. A re-significação de novas práticas em uma cultura cuja reforma
se propõe a extinguir expressa que o novo programa possui uma certa plasticidade, explicitando
que não adianta reformar tão somente a estrutura da Polícia Civil sem questionar o instituto
“inquérito policial”, pois é este instituto poderoso que faz com que a instituição desfrute de uma
significação.
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