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CURSO DE PS-GRADUAO EM
CINCIAS DA RELIGIO
UMBANDA DE PRETOS-VELHOS:
A tradio popular de uma religio
ETIENE SALES DE OLIVEIRA
Niteri, Julho de 2005
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ETIENE SALES DE OLIVEIRA
UMBANDA DE PRETOS-VELHOS:
TRADIO POPULAR DE UMA RELIGIO
Dissertao apresentada Coordenao de ps-
graduao e pesquisa em Cincias da Religio,
do curso de ps-graduao em Cincias da
Religio da UNILASALLE-RJ.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Caldas
Certificado de registro na Biblioteca Nacional sob o
nmero 349.406, Livro: 644, Folha: 66.
Esta obra tem todos os direitos reservados ao seu autor.
Niteri
2005
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ETIENE SALES DE OLIVEIRA
UMBANDA DE PRETOS-VELHOS:
A tradio popular de uma religio
Dissertao defendida em
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________
Profa. Dra. Beatriz Dias
__________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Timotheo
__________________________________________
Prof. Dr. Marcos Caldas
UNILASALLE-RJ
2005
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DEDICATRIA
minha esposa Vernica que tanto me
incentivou e estimulou.
minha me de Santo, Sra. Maria tala,
Me Nenm, pelos seus conselhos e
orientaes; pela sua coragem em me dar
um pouco de seus conhecimentos e por
ser a grande figura humana que ela .
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AGRADECIMENTOS
A Pai Cipriano, por suas orientaes e
pacincia.
Ao Sr. Marab, por seu incentivo e ajuda.
Vov Maria Conga, pela sua confiana e
seu carinho.
Aos meus Pais, pelo sacrifcio de me
educarem e por seu amor.
Me Edite e Me Regina e a todos osmeus irmos de Santo do CESJB, por sua
amizade e carinho.
Ao meu orientador, o Prof. Dr. Marcos
Caldas, pelo seu apoio, tranqilidade e
confiana.
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RESUMO
Este trabalho foi uma tentativa de mostrar um pouco da ramificao da religio de
Umbanda chamada Umbanda de pretos-velhos, praticada no Centro Esprita So
Joo Batista. Uma casa de Umbanda com suas razes no Candombl de Caboclo e
no Culto Omolok (das antigas casas de Macumba do Rio de Janeiro), mas que
tambm recebeu influncias do Catolicismo Popular e do Espiritismo Popular
brasileiro.
Tambm mostramos com a Umbanda se desenvolveu de maneira heterognea
dentro e fora do culto afro-brasileiro no sincretismo, e o quanto importante
conhecer suas ramificaes e o que praticado dentro delas. Cada casa, cada
ramificao da Umbanda um pequeno universo religioso com seus ritos, sua
doutrina, seus fundamentos e prticas e tudo isso tem um grande valor cultural, uma
cultura religiosa, muito grande.
PALAVRAS CHAVEReligio, Umbanda, pretos-velhos, catolicismo popular, espiritismo popular,
sincretismo.
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ABSTRACT
This work was an attempt to show a little of the ramification of the religion of
Umbanda called Umbanda de pretos-velhos, practised in the Centro Esprita So
Joo Batista. One house of Umbanda with his roots in the Candombl of Caboclo
and the Omolok Cult (of the old houses of Macumba of Rio de Janeiro), but that
also received influences from the Popular Catholicism and the Brazilian Popular
Spiritualism. Also we show with the Umbanda developed of heterogeneous way
inside and outside of the afro-brasilian worship in the syncretism, and the as much as
one is important know its ramifications and what is practiced inside them. Each
house, each ramification of the Umbanda is a small religious universe with his rites,
its doctrine, his foundations and practical and everything that has a big cultural value,
a big a lot, religious culture.
KEY WORDS
Religion, Umbanda, pretos-velhos, popular Catholicism, popular Spiritualism,syncretism.
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Lista de figuras
Figura 01 Estrutura das dependncias do CESJB -------------------------------
Figura 02 Pontos Riscados de pretos-velhos -------------------------------------
Figura 03 Pontos Riscados de Caboclos -------------------------------------------
Figura 04 Pontos Riscados de Exus ------------------------------------------------
Figura 05 Roupa feminina --------------------------------------------------------------
Figura 06 Roupa masculina -----------------------------------------------------------
Figura 07 Colar de Xang --------------------------------------------------------------
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SUMRIO
INTRODUO ------------------------------------------------------------------------------
O CIENTISTA E O RELIGIOSO ------------------------------------------------------
O OBJETO E O MTODO -------------------------------------------------------------
CAPTULO 1 - O INCIO DA FORMAO DOS CULTOS AFRO-
BRASILEIROS: DO CANDOMBL PR-UMBANDA ---------------------------
1.1 DA FRICA PARA O BRASIL --------------------------------------------------------
1.2 A PRESERVAO DE UMA CULTURA RELIGIOSA: O CANDOMBL --
1.3 O SINCRETISMO AFRO-CATLICO: SOBREVIVNCIA DE UMA
HERANA ANCESTRAL? ------------------------------------------------------------------
1.4 A CABULA ---------------------------------------------------------------------------------
1.5 AS MACUMBAS CARIOCAS ---------------------------------------------------------
1.6 O CANDOMBL DE CABOCLO -----------------------------------------------------
1.7 E OS BABALORIXS VIERAM PARA O RIO DE JANEIRO -----------------
CAPTULO 2 ZLIO FERNANDINO DE MORAES: A
INSTITUCIONALIZAO DO NOME UMBANDA COMO FORMA DE
CULTO RELIGIOSO -------------------------------------------------------------------------
2.1 HISTRICO -------------------------------------------------------------------------------
CAPTULO 3 O AFRO E O BRASILEIRO -------------------------------------------
3.1 JOOZINHO DA GOMIA ------------------------------------------------------------
3.2 O OMOLOK: HARMONIA ENTRE GUIAS E ORIXS -----------------------
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CAPTULO 4 A UMBANDA: UM CONJUNTO RELIGIOSO ---------------------
4.1 PRINCIPAIS INGREDIENTES -------------------------------------------------------
4.2 UM NOME, VRIAS DENOMINAES -------------------------------------------
4.3 AS INFLUNCIAS DO CATOLICISMO POPULAR -----------------------------
4.4 AS INFLUNCIAS DO ESPIRITISMO POPULAR ------------------------------
CAPTULO 5 O CESJB (CENTRO ESPRITA SO JOO BATISTA): UMA
CASA DE UMBANDA DE PRETOS-VELHOS ----------------------------------------
5.1 O BABALORIX NILTON VIANNA E PAI DANGOLA -------------------------
5.2 DONA NENM E VOV MARIA CONGA -----------------------------------------
5.3 DONA EDITE E DONA REGINA -----------------------------------------------------
CAPTULO 6 A MORTE E A TRADIO --------------------------------------------
6.1 O FIM DE UM CICLO E UM NOVO INCIO ---------------------------------------
CAPTULO 7 - A ESTRUTURA DA UMBANDA DE PRETOS-VELHOS -------
7.1 ARQUITETURA DO CESJB ----------------------------------------------------------
7.2 AS CARACTERSTICAS ---------------------------------------------------------------
7.3 OS ORIXS E OS GUIAS -------------------------------------------------------------
7.3.1 OS ORIXS -----------------------------------------------------------------------------
7.3.2 OS GUIAS -------------------------------------------------------------------------------
7.3.2.1 OS TIPOS -----------------------------------------------------------------------------
7.4 LINHAS E FALANGES -----------------------------------------------------------------
7.5 HIERARQUIA DO CULTO -------------------------------------------------------------
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7.6 OS ELEMENTOS LITRGICOS E RITUAIS -------------------------------------
7.6.1 O INCIO DAS SESSES: O PRINCPIO DO MOVIMENTO ------------
7.6.1.1 VELAS NO CRUZEIRO -----------------------------------------------------------
7.6.1.2 A DEFUMAO E CRUZAMENTO DO TERREIRO: SAUDAO
AO GONG, AOS SACERDOTES E A TODOS OS MDIUNS ------------------
7.6.1.3 SAUDAO AO LDER ESPIRITUAL DO TERREIRO -------------------
7.6.1.4 O ZELAMENTO ---------------------------------------------------------------------
7.6.1.5 LOUVOR AO ORIX PATRONO DA CASA ---------------------------------
7.6.1.6 PRECE E LOUVAO A OXAL ----------------------------------------------
7.6.1.7 RETIRADA DAS DEMANDAS DO TERREIRO -----------------------------
7.6.1.8 SAUDAO AO EXU DONO DA TRONQUEIRA --------------------------
7.6.1.9 SAUDAO AOS ORIXS, OXOSSI, OGUM E XANG ----------------
7.6.1.10 LOUVAO E DESCIDA DE SAUDAO DOS PRETOS-VELHOS
AO TERREIRO --------------------------------------------------------------------------------
7.6.1.11 AS GIRAS ---------------------------------------------------------------------------
7.6.2 O FIM DAS SESSES: O RITO DE ENCERRAMENTO -------------------
7.6.2.1 OS PRETOS-VELHOS DESCARREGAM O TERREIRO ----------------
7.6.2.2 RITUAL DE ENCERRAMENTO DOS TRABALHOS ----------------------
7.6.3 ELEMENTOS ACESSRIOS ------------------------------------------------------
7.6.3.1 AS SAUDAES -------------------------------------------------------------------
7.6.3.2 ATABAQUES ------------------------------------------------------------------------
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7.6.3.3 PONTOS CANTADOS ------------------------------------------------------------
7.6.3.4 PONTOS RISCADOS -------------------------------------------------------------
7.6.3.5 AS ROUPAS -------------------------------------------------------------------------
7.6.3.6 AS GUIAS (COLARES) -----------------------------------------------------------
7.6.4 COMEMORAES/FESTAS ------------------------------------------------------
7.6.5 OS RITOS DE RESPONSABILIDADE -------------------------------------------
7.6.5.1 BATISMO -----------------------------------------------------------------------------
7.6.5.2 A INICIAO -------------------------------------------------------------------------
7.6.5.3 OFERENDAS E OBRIGAES ------------------------------------------------
7.6.5.4 CAMARINHA: A FEITURA DE UM NOVO SACERDOTE --------------
CAPTULO 8 PERPETUAR A TRADIO ------------------------------------------
8.1 DESAFIOS DE UM NOVO TEMPO: TRADIO E MODERNIDADE ------
CAPTULO 9 CONCLUSO -------------------------------------------------------------
BIBLIOGRAFIA --------------------------------------------------------------------------------
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INTRODUO
O CIENTISTA E O RELIGIOSO
Quando comecei meus estudos sobre religies me debrucei, inicialmente, sobre as
religies Afro-brasileiras. Isto aconteceu por vrios motivos e, um desses motivos,
foi o de eu ser um Umbandista praticante que procurava entender mais
profundamente minha religio. Foram mais de 10 anos de estudo sem vnculos
acadmicos at que em 2004, decidi fazer o curso ps-graduao de Cincias da
Religio da Unilasalle-RJ.
O curso me permitiu comparar e ampliar meus conhecimentos, visto que muito do
que eu j havia pesquisado de forma leiga e independente serviu de pano de
fundo para me ajudar no curso.
Quando decidi pelo tema da monografia do final do curso de Cincias da Religio,
que foi o de falar de minha vivncia dentro do Centro Esprita So Joo Batista e de
sua forma doutrinria de umbanda que a Umbanda de Pretos-velhos, muitas
dvidas eu tive, pois no queria externalizar meus sentimentos religiosos, mas sim,
ser objetivo e analtico, unindo minha experincia como mdium de um terreiro de
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Umbanda e o conhecimento que havia adquirido no Curso de Cincias da Religio.
Para isso muito me serviram os clssicos da Sociologia como Durkheim e Max
Weber e a utilizao de uma espcie de atesmo metodolgico que permitiu
distinguir claramente as abordagens filosficas e cientficas, de um lado, e as
religiosas e teolgicas, de outro. E esta foi, de alguma forma, a maneira que
encontrei de presidir a separao entre sentimento e razo, e, por sua vez, fazer
uma anlise objetiva do tema proposto para a monografia, luz das Cincias da
Religio.
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O OBJETO E O MTODO
[...] as religies afro-brasileiras foram sempre vistas como umfenmeno de sincretismo religioso no qual se encontravam traosafricanos associados a traos catlicos. A esse sincretismo inicial foiacrescentada a mistura de traos do espiritismo kardecista comtraos indgenas. O prprio nome genrico que foi escolhido paradenomin-las expressa essa viso de uma religio sincretizada. Afro,pois tinham traos africanos. Brasileiras, pois apresentavam traoscatlicos, espritas e indgenas.
[...] esses traos foram associados a um maior ou menor grau dedesenvolvimento ou de evoluo cultural. Assim, os traos de origemafricana foram colocados no vrtice mais baixo da evoluo cultural,seguidos dos traos indgenas e dos traos catlicos assimilados deforma primitiva. No vrtice mais elevado dessa evoluo culturalcolocavam-se os traos espritas.
[...] por serem religies classificadas como primitivas, fetichistas emgicas, elas estariam, frente a outras religies, num estgio inferiorda evoluo cultural. Os primeiros autores que procuraram dar umaabordagem cientfica a esse tipo de estudo colocaram esseprimitivismo associado ao fato de serem religies de negros,transplantadas para o Brasil na poca da escravido. Sendo seusmembros negros, suas crenas deveriam ser condizentes com oestgio primitivo e por que no "inferior" dessa raa. Mais tarde,com o aprimoramento das abordagens cientficas, o primitivismo foiassociado s camadas baixas da populao brasileira que, com fortecontingente negro, adotavam essas religies por no terem aindaalcanado estgios mais altos da evoluo cultural, a civilizao:
mais recentemente, um outro tipo de associao foi feito. Essestraos foram associados a uma maior ou menor adaptao ao meiode vida urbano. Aparece assim uma nova oposio rural-urbano, oplo rural associado a traos primitivos, emocionais, no-racionais eo plo urbano associado a traos mais civilizados, no-emocionais,racionais. Dessa forma, os traos africanos estariam no plo maisrural, primitivo, emocional, no-racional, enquanto os traos espritasseriam mais compatveis com um estilo de vida urbano, racional,civilizado, no-emocional.
[...] dessa linha foi desenvolvida uma classificao desses cultos, aqual seguia o mesmo raciocnio evolucionista. Assim, teramos naBahia o candombl, com forte influncia africana. No Rio, So Pauloe estados do Sul, teramos a macumba, ainda prxima de suas
origens africanas, e a umbanda, na qual predominam ascaractersticas espritas. A Bahia era vista como plo maistradicional, sendo uma sociedade menos urbanizada. Rio e SoPaulo, como plo mais moderno e urbanizado.
[...] Os autores procuravam, de incio, os traos, depois verificavamsua origem e chegavam finalmente explicao do presente. Ouseja, se existisse maior nmero de traos africanos, o culto erasituado no plo mais primitivo, fetichista, limpo e aristocrtico: Africa est longe, os africanos so estrangeiros e isso lhes confereum outro status. Nesse sentido, na obra de dison Carneiro
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(Carneiro, 1948 e 1964), embora contendo esses mesmospressupostos, mencionado o carter nacional dos cultos, a suanacionalizao, o que uma perspectiva menos comprometida.
[...] esses autores buscavam a explicao dos traos na suaorigem, no conseguiram dar conta do prprio objeto que sepropunham a analisar, ou seja, o fenmeno do sincretismo. Numprimeiro momento, viam os rituais sendo compostos de traos,pedaos, smbolos. No entanto, buscavam na frica a explicaodesses pedaos. No perceberam que a relao entre essas partes que d sentido ao todo. Assim, no importava saber qual osignificado de exu* na frica. Importava verificar o significado que lheera dado pelas pessoas que praticavam esses rituais no Brasil e quala relao entre esse trao - exu - e os demais.
[...] havia ainda uma outra problemtica que preocupava os autores,qual seja, o fato de essas religies terem surgido nos centrosurbanos e suas ramificaes no meio rural serem muito menos ricas.Por que no meio urbano uma religio fetichista? Alguns autores
responderam que, por serem os membros desses cultos de origemrural, estariam tentando recriar no meio urbano os laos primriosnele perdidos. Mas, ainda assim, o problema no se resolvia e apodemos encontrar um dos tipos de contradio dessa perspectivaevolucionista e de busca de africanismos.
(MAGGIE, 2001, p. 13 -16)
No decorrer do texto da citao acima, a professora Maggie, em seu livro Guerra
dos Orixs, continua dizendo que no est interessada no sincretismo, na origem,
no primitivismo ou fetichismo das religies afro-descendentes. Eu tambm no
estou, pois no me cabe interpretar a religio de Umbanda, ou interpretar a corrente
doutrinria da Umbanda de Pretos-velhos que atua dentro do Centro Esprita So
Joo Batista. Como cientista da religio, me cabe analisar, relatar, mostrar, traar
analogias dentro das teorias da sociologia, da antropologia, da psicologia, da
fenomenologia, da histria e da teologia, entre outras, que teceram estudos sobre as
religies (sociologia, antropologia, psicologia, histria..., como ferramentas para as
cincias da religio). Nenhuma delas conseguiu teorizar ou explicar o fenmeno
religioso em seu todo ou em seus porqus sem olhar, inicialmente, para si mesma,
assim a sociologia v a religio em aspectos sociais e das relaes sociais; a
antropologia, pelas questes da cultura, dos ritos e smbolos; a psicologia, de um
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lado como psicopatia, de outro, pelas formas arqutipas, o numinoso, o que d
suporte s estruturas do ego...
Parti por uma viso do fenmeno religioso de uma perspectiva que ora abrange a
sociologia, ora abrange a antropologia, ora a psicologia..., ora a teologia (mtodo
fenomenolgico, com proposta crtica, relacionando o fenmeno e a sua essncia).
Sem focar mais em uma ou em outras destas cincias ferramentais, mas sim,
medindo o fenmeno religioso e associando-o ao que mais seja adequado a cada
uma delas, e dentro dele mesmo como um todo (que o todo foi o objeto pesquisado).
A metodologia utilizada na monografia foi anlise bibliogrfica sobre os cultos afro-
brasileiros, o mtodo fenomenolgico (j descrito acima) e o trabalho de campo com
entrevistas e observando os mdiuns, guias espirituais e consulentes dentro das
sesses de trabalho. Em termos quantitativos, fiz apenas uma enquete com os
mdiuns da casa de maneira individual (um a um).
O objeto de estudo foi a linha doutrinria de Umbanda praticada no Centro Esprita
So Joo Batista - CESJB, denominada Umbanda de Pretos-velhos (visto aabrangncia e atuao marcante dessas entidades dentro dessa casa); fundado em
1945, com sede prpria, que conta com um corpo sacerdotal de quatro pessoas
(uma Me de Santo1- dirigente da casa -, a Sra. Maria tala, que tem 80 anos de
idade; duas Mes-pequenas2, as Sras. Edite Santos, com 60 anos de idade, e
Regina Lcia, com 50 anos de idade, e o Pai de Santo, Etiene Sales, com 38 anos
de idade). A casa conta ainda com 45 mdiuns (filhos de santo), e uma assistncia3
flutuante de cerca de 150 a 200 pessoas/ms. A anlise da Umbanda praticada no
1Me de santo a dirigente espiritual, sacerdotisa, de um terreiro.2Me-pequena a segunda pessoa no comando de um terreiro, aps a Me de santo.3Assistncia Tanto designa um local de espera dentro do terreiro, como as pessoas que aguardam nesse local
para serem consultadas pelos guias durante as giras.
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CESJB foi feita abrangendo um perodo de tempo de 12 anos, desde agosto de
1992 a dezembro de 2004.
Cabe ressaltar que o tema maior da pesquisa que a religio de Umbanda
vastssimo, um grande oceano ainda a ser desbravado, em que vimos apenas uma
de suas ramificaes doutrinrias, a Umbanda de Pretos-velhos. Dentro desse
grande oceano, eu apenas tracei uma pequena rota, sem pretenses de abranger na
totalidade o assunto, mas de dar apenas uma pequena contribuio.
Ao Centro Esprita So Joo Batista espero ter contribudo para melhor visualizar a
sua forma doutrinria dentro da religio de Umbanda, mesmo sabendo que a leitura
do trabalho acadmico s vezes prolixa e entediante.
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CAPTULO 1 - O INCIO DA FORMAO DOS CULTOSAFRO-BRASILEIROS
1.1 DA FRICA PARA O BRASIL
Os primeiros escravos que chegaram ao Brasil vieram da regio da Guin
Portuguesa e foram distribudos pelas reas dos canaviais da Bahia e de
Pernambuco, alm de outros Estados. Os negros utilizados nessas culturas de cana
de acar foram os de lngua Banto, originrios de Angola e do Congo. Para a rea
da minerao foram os negros oriundos do litoral da Costa de Mina - os Nags, os
Gges e outros.
Os negros africanos trouxeram consigo uma grande bagagem mstica, diversificada
em varias tendncias. Nina Rodrigues (1945) coloca, no entanto, que os cultos que
aqui se estabeleceram e se organizaram tiveram como principal modelo a religio
dos nags que originaram os Candombls Nag-Ketu-Gge. A inacessibilidade da
mensagem catlica fez com que se apegassem as suas origens religiosas. O
exclusivismo nag, asseverado por Nina Rodrigues (1945), sofre restries por parte
de outros autores, devido constatao da relevncia, at hoje, de elementos
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religiosos de outras razes, como, por exemplo, os oriundos do Congo e Angola
(cultura Banta). Por outro lado, ocorreu desde o fim do trfico negreiro, um
acentuado processo de nacionalizao dos cultos. A gradativa introduo de novos
esteretipos contribui cada vez mais para a diversificao em varias seitas, e destas
em vrios subtipos. Edson Carneiro (1981) tem uma colocao especfica sobre o
tema. Para ele, a manuteno da diversificao das religies dos negros foi
incentivada por certas autoridades do sculo XIX. J que o nico falar de desunio
entre os negros era a diferena religiosa, un-los neste sentido seria fortalec-los.
1.2 A PRESERVAO DE UMA CULTURA RELIGIOSA:
O CANDOMBL
A primitiva localizao dos escravos no territrio brasileiro sofreu modificaes por
fora do desenvolvimento histrico, tanto econmico como poltico. Fatores como a
guerra contra os holandeses, os quilombos, as insurreies dos negros e as
revolues independncia provocaram enorme disperso dos negros e difuso de
sua cultura. Os ciclos econmicos, principalmente, demandando mais braos para
novas regies, possibilitaram o intercambio lingsticos, sexuais e religiosos entre
escravos e os indgenas brasileiros. Mas, para Nina Rodrigues (1945), prevaleceu a
religio dos nags (cultura Yorub), tomada como padro pelas demais religies
afro-brasileiras. Estas podiam, ento, ser distinguidas segundo o maior ou menor
grau de absoro de elementos nacionais (sincretismo cultural e religioso com os
indgenas brasileiros). A proeminncia da contribuio Nag, segundo colocada
por Nina Rodrigues (1945), advm de sua posio social originaria, na frica, e de
sua constituio, aqui, numa espcie de elite que se impunha. Sua localizao
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inicialmente na Bahia e Pernambuco fez com que estas regies se tornassem plos
de irradiao do modelo nag para o Nordeste e Centro-Sul. Entretanto, as
caractersticas sociais, geogrficas e econmicas de Minas, Rio e So Paulo
colocaram impasses a imposio de tal modelo (estas regies receberam negros
originrios de Angola, do Congo, de Moambique, de Cambinda, com cultura Banta
e de lngua e dialetos Quimbundo, diferenciando-se da cultura Nag, tanto em
relao s divindades, Inkices4- similares aos Orixs5Nags, quanto no culto aos
antepassados - no utilizado dentro da cultura Nag). A massa escrava destes
centros vinculava-se a formas de expresses religiosas vincadas na regio h mais
de cem anos. importante notar o que diz Edson Carneiro (1981), que verificar
que todos os cultos ou quase todos funcionaram no quadro urbano, com pequenas
excees no quadro rural. Isto porque, no quadro rural o escravo no podia manter o
culto organizado. Para isso ele precisava de dinheiro e liberdade, e isto ele s viria a
ter nos centros urbanos. assim que eles fundaram na primeira metade do sculo
XVIII as Irmandades do Rosrio e de So Benedito sob a orientao dos seussenhores. Foi enfrentando um perodo de represso que se estendeu at 1822,
quando ocorre fundao do Candombl de Engenho Velho, na Bahia (1830) -
inicio da fase do culto organizado.
4Inkices so divindades africanas cultuadas pelos povos originrios de Angola, do Congo etc.5Orixs so divindades africanas cultuadas pelos povos originrios do que conhecemos hoje como Nigria,
Benin etc.
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1.3 O SINCRETISMO AFRO-CATLICO: SOBREVIVNCIA DE UMA
HERANA ANCESTRAL?
Diversos autores falaram sobre o sincretismo religioso afro-brasileiro ao longo do
tempo. Cada um deles verificou o fenmeno do sincretismo por vrios ngulos,
elaborando vrias teorias e conceitos a respeito desse tema.
Vamos expor alguns autores e identific-los pelas suas caractersticas conceituais:
Raimundo Nina Rodrigues(*1862 - +1906).
Identificava o fenmeno do sincretismo religioso como fuso e dualidade de
crenas, justaposio de exterioridades e de idias religiosas, associao,
adaptao e equivalncia de divindades, iluso da catequese e outros.
Ele aceitou, sem discutir, a perspectiva evolucionistae racista de sua poca,
empregando conceitos e pontos de vistas hoje superados, como o de inferioridade
cultural e racial. Dentro dessa perspectiva, via no negro a incapacidade fsica "das
raas inferiores para as elevadas abstraes do monotesmo". Encarava a cultura
afro, do negro e do mestio, como algo inferior, pois o negro e o mestio, para ele,
eram raas inferiores e intelectualmente fracas. Alm disso, ou por isso, fez
previses em relao aos cultos afros do tipo:
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[...] dizia ser considervel o nmero de brancos, mulatos eindivduos de todas as cores que, em caso de necessidade, voconsultar os negros feiticeiros, mesmo quando em pblico zombamdeles, e por isso no ser para muito cedo a extino dos cultosafricanos na Bahia. Disse que no s o culto catlico, como tambm
as prticas espritas e a cartomancia receberam na Bahia influnciasdo fetichismo negro (RODRIGUES apud FERRETTI, 1995, p. 43).
interessante notar que, para um povo considerado to inferior ao branco, sua
influncia na cultura brasileira tenha sido algo to marcante e importante. Se
realmente o negro e o mestio fossem inferiores aos brancos, como Nina
Rodrigues e seus contemporneos creditavam, sua influncia no teria sido to
grande como foi.
Arthur Ramos(*1903 - +1949)
considerado divulgador e continuador da obra de Nina Rodrigues, mas tambm fez
apreciao crtica de sua obra. Disse ele que:
Nina Rodrigues foi o pioneiro no estudo do mecanismo que os modernos
antroplogos passaram a denominar de aculturao, em captulo onde examina o
essencial do que depois retomaramos com o nome de 'sincretismo religioso' entre
os negros brasileiros (RAMOS apud FERRETTI, 1995, p. 44).
Arthur Ramos foi o primeiro pesquisador no Brasil a analisar o fenmeno do
sincretismo sob a tica da teoria culturalista. Sobre essa tica disse ele:
0 que Nina Rodrigues julgou como sendo uma justaposio no negro e uma fuso
no crioulo e mulato, no so mais do que etapas do processo de aculturao, graus
de sincretismo, pela maior ou menor percentagem de aceitao, por um grupo
religioso, dos traos culturais de outro grupo (RAMOS apud FERRETI, 1995, p. 44).
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Ele chama de sincretismo o que Nina Rodrigues chamou de "iluso da catequese" e
Fernando Ortiz de "aparente catolizao dos negros".
Roger Bastide (*1898 - + 1974)
Roger Bastide foi um dos autores que mais escreveu sobre o sincretismo afro-
brasileiro. Considerava que no existe uma religio afro-brasileira, mas sim vrias.
Em seu entendimento, no sincretismo dos orixs com os santos catlicos, h
inicialmente uma interpretao sociolgica - o catolicismo um meio de disfarce -
a iluso da catequese de que falou Nina Rodrigues.
Sua segunda interpretao seria psicanaltica - trata-se da projeo de um complexo
de inferioridade desenvolvido no negro pela escravido, pois a religio do branco faz
parte de uma cultura considerada superior.
Aproximou-se de Durkheim, Mauss e Lvy-Bruhl, passando a raciocinar sobre o que
ir chamar de princpio de ciso para compreender o sincretismo afro-brasileiro.
Como informa:"a prpria palavra sincretismo que me induzira ao erro. Eu procuravaum fenmeno de fuso ou pelo menos de penetrao de crenas, desimbiose cultural, uma espcie de qumica dos sentimentos msticos.Mas o pensamento do negro se move num outro plano, o dasparticipaes, das analogias, das correspondncias" (BASTIDE,apud FERRETTI, 1995, p. 55).
Bastide v o sincretismo afro-brasileiro como um sistema de equivalncias
funcionais, de analogias e de participaes.
O pensamento primitivo para esse autor analgico, isto , vai do semelhante ao
semelhante. O universo para o primitivo estaria dividido em certo nmero de
compartimentos estanques e as participaes se fariam no interior dessas divises e
no de uma diviso a outra. O sincretismo deixa transparecer resduos desta
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maneira de pensar. No se trata de mistura ou identificaes, o que seria um
verdadeiro sincretismo, mas de semelhanas, equivalncias e no identificaes
(por exemplo, entre orixs e santos). Trata-se de um jogo de analogias.
O princpio da ciso de Bastide pode ser exemplificado no seguinte:
Quando um membro do candombl afirma seu catolicismo, nomente, pois ao mesmo tempo catlico e fetichista. As duas coisasno so opostas, mas separadas - a lei de analogias que age.Assim, o corte ou ciso constatado ao se verificar que nos templosde candombl h um altar catlico e um peji africano, que se podemcorresponder, mas no se identificam, pois desempenham papisdiferentes. Um informante lhe diz que rezando ladainhas no misturanada de africano e que em outros momentos celebra festas africanase no mistura nada de catlico (FERRETTI, 1995, p. 57).
O princpio de ciso lhe parece como uma caracterstica dos fenmenos
aculturativos, agindo sobre tudo nas famlias ligadas ao candombl, nas classes
baixas da sociedade, onde a influncia da escola permanece confinada a alguns
anos da primeira infncia e nas comunidades onde os preconceitos de cor so
mnimos.
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Renato Ortiz(*1947 - )
Estudou o embranquecimento das tradies afro-brasileiras e o empretecimento do
Espiritismo6kardecista, relacionados com transformaes na sociedade, pois,
segundo ele o cosmos religioso umbandista reproduz as contradies da sociedade
brasileira. Para Ortiz, na sociedade urbano-industrial, a umbanda mais funcional do
que o candombl, cujo culto demasiadamente dispendioso, antevendo uma
6Espiritismo O Espiritismo, segundo os Espritas, uma cincia que trata do mundo dos espritos e sua relao
com o mundo corporal. Codificada na Frana, por Hippolyte Leon Denisard Rivail ou Allan Kardec, que nasceuem Lyon em 03/10/1804 e morreu em 1869.
A codificao Esprita constituda por 5 livros: O Livro dos Espritos, 1857; O Livro dos Mdiuns, 1861; O
Evangelho Segundo o Espiritismo, 1864; O Cu e o Inferno, 1865; A Gnese, 1868.
Segundo os Espritas, o Espiritismo uma cincia que tem por embasamento uma lgica filosfica. O que o
diferencia das cincias comumente aceitas seu carter abrangente, utilizando-se de todos os princpios
cientficos comprovados na explicao do universo e proporcionando uma finalidade moral.
A Doutrina Esprita baseia-se em seis princpios fundamentais:
I - Existncia de Deus: H um Deus, inteligncia suprema e causa primria de todas as coisas;
II - Existncia e imortalidade da alma: Os espritos so constitudos de alma (ou princpio inteligente) mais
perisprito (corpo feito de matria mais sutil, invisvel aos nossos olhos, que serve para identificao da alma e de
intermedirio entre ela e o corpo humano, durante a encarnao). O esprito anima o corpo humano e sobrevive
morte deste.
III - Evoluo Infinita: Finalidade da reencarnao e objetivo dos espritos.
IV - Pluralidade das existncias: O homem vive mais de uma vez, como encarnado (Reencarnao).
V - Pluralidade dos mundos habitados: Existem outros planetas que abrigam seres vivos, alm da Terra.
VI - Comunicabilidade e Mediunidade: a possibilidade de comunicao entre encarnados e desencarnados,
atravs de mdiuns.
Outros princpios correlatos aos primeiros seriam:
Lei de causa e efeito; Livre-arbtrio; Cultivo das virtudes; Justia, amor e caridade; Moral evanglica ou crist,
dentro de uma perspectiva Esprita; Amor ao prximo; Fraternidade e solidariedade; Fora da caridade no h
salvao;F racional.O espiritismo no Brasil comeou em Salvador (BA) em 1873. A partir de 1877, foram fundadas as primeiras
comunidades espritas, como a Congregao Anjo Ismael, o Grupo Esprita Caridade e o Grupo Esprita
Fraternidade. Em 1883, surgiu O Reformador, a mais antiga publicao esprita do Brasil, e no ano seguinte
Augusto Elias da Silva fundou a Federao Esprita Brasileira, que adquiriu grande projeo na gesto de Adolfo
Bezerra de Meneses Cavalcante, a partir de 1895. A Livraria da Federao, criada em 1897, responsvel pela
edio, distribuio e divulgao da vasta literatura esprita. Ao lado da difuso da doutrina, as organizaes
espritas brasileiras realizam um amplo trabalho de assistncia social e fraternidade humana, com manuteno
de asilos e outras instituies.
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expanso da umbanda em detrimento do candombl e considerando suas prticas
mais adequadas sociedade atual.
Analisa ambigidades no sincretismo, parecendo-lhe que no se deve pensar a
umbanda como sntese qumica, mas como sntese social, uma prtica sui generis,
"um Macunama religioso (todos os caracteres, ou seja, nenhum deles) que procura
se integrar a todo preo no seio da moderna sociedade brasileira" (ORTIZ, 1980, p.
108).
Como podemos notar, a questo do sincretismo afro-brasileiro no est esgotada e,
pelo que vimos, diante do que os autores citados acima propuseram, ainda ser um
campo de estudo muito rico.
O que pudemos notar nesse pequeno compndio sobre sincretismo religioso, que
qual seja o ngulo que se analise a questo, importante ressaltar que o negro (e o
prprio mestio, que nem era negro, propriamente dito, nem ndio, nem branco) no
permaneceu passivo ante este processo (seja qual for teoria que o tente explicar),
apesar da imposio, da obrigatoriedade e do papel desempenhado pela religiocatlica no perodo colonial e posteriormente. Tudo leva a crer que a partir da
realidade vivida naquela poca, considerando as dificuldades, o negro recriou e
reinterpretou a cultura dominante, adequando-a a sua maneira de ser e de vivenciar
a religio e sua religiosidade.
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1.4 A CABULA
Esse culto recebeu forte influncia das prticas Bantas. Segundo a descrio de
Nery (Nery apud Silva, 2005, p. 85), a cabula era praticada, na regio do Esprito
Santo, em fins do sculo XIX, por negros, mas com a presena de alguns brancos.
Hoje em dia esse culto parece ter desaparecido, transformando-se em outras
denominaes. A reunio dos cabulistas, que ocorria em determinada casa ou mais
freqentemente nas florestas, chamava-se mesa (uma toalha estendida no cho,
velas e pequenas imagens de santos catlicos), sendo as principais a de Santa
Brbara e a da Santa Maria. O chefe de cada mesa tinha o nome de embanda e o
seu ajudante recebia o nome de cambone. Os adeptos eram conhecidos por
camans e a sua reunio religiosa, de culto, chamava-se engira.
As engiras ou giras7eram secretas e realizadas noite. Os cabulistas, vestidos de
branco, dirigiam-se a um determinado ponto da mata, a macaia, faziam uma fogueira
e preparavam a mesa. O embanda entoava um canto preparatrio, pedindo licena
aos espritos (Calungas, espritos do mar; Tats, espritos benficos), sendo
acompanhado por palmas e por outras cantigas. Durante os ritos, era servido vinho
e mastigava-se uma raiz enquanto se sorvia o fumo do incenso, que era queimado
num vaso. As iniciaes eram feitas nesse momento quando o adepto passava trs
vezes por baixo da perna do embanda, simbolizando sua obedincia ao seu novo
pai. Um p sagrado, p de pemba, era soprado para afastar os espritos inferiores e
preparar o ambiente para a tomada do Sant, que significava a incorporao do
esprito protetor. Para se ter um Sant, era preciso que o iniciado enfrentasse
7Engira ou gira o momento ritual onde os guias espirituais incorporam em seus mdiuns. Normalmente as
giras so divididas por grupos de guias que ali vo se manifestar, como: gira de pretos-velhos, gira de caboclo,
gira de marinheiro ... O grupamento das giras de um determinado dia chamado de sesso.
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provas, por exemplo, entrar no mato com uma vela apagada e retomar com ela
acesa, sem ter levado meios para acend-Ia, trazendo, ento, o nome do seu
esprito protetor. Alguns desses espritos eram conhecidos como Tat Guerreiro,
Tat Flor da Calunga, Tat Rompe-Serra e Tat Rompe-Ponte (Nery apud Silva,
2005, p. 86).
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1.5 AS MACUMBAS CARIOCAS
Vrios fatores se interpuseram fixao do modelo nag (cultura Yorub) na regio
que compreende Rio e So Paulo. Logo de inicio, esta regio recebeu maior nmero
de africanos originrios de Angola e do Congo, os de lngua Quimbundo (cultura
Banta). Os primeiros cultos comearam a se difundir por volta de 1763. Com a
designao de Macumba e experimentaram certo perodo de resplendor que se
apagou no inicio do sculo XX, parecido com o que aconteceu com a Cabula, dando
lugar a outros cultos.
Nas Macumbas eram comuns as danas semi-religiosas como o jongo e o caxaruin,
e o culto aos mortos (pretos-velhos como antigos Babalorixs8e Iyalorixs9e
caboclos10como os antepassados da nova Terra, o Brasil) e os cnticos
invocatrios.
As Macumbas se aproximavam muito das prticas da Cabula. O chefe do culto
tambm era chamado de embanda, umbanda ou quimbanda, e seus ajudantes,
cambono ou cambone. As iniciadas eram as filhas-de-santo, por influncia do rito
gge-nag, ou mdiuns, por influncia do espiritismo. Na macumba as entidades
como os orixs, inquices ou inkices, pretos-velhos, caboclos e os santos catlicos
eram agrupadas por falanges ou linhas como a linha da Costa, de Umbanda, de
Quimbanda, de Mina, de Cambinda, do Congo, do Mar, de Caboclo, linha Cruzada,
etc (Ramos, 1940, p. 124). A abrangncia de cultos que, sob o termo Macumba
eram conhecidos, parece ter sido um dos motivos de sua popularidade e de seu uso
indiscriminado para se designar as religies afro-brasileiras em geral.
8 o nome dado ao Sacerdote de sexo masculinos nos cultos de origem Afro.9 o nome dado ao Sacerdote de sexo feminino dentro dos cultos de origem Afro.10 a designao dada a um conjunto de Guias Espirituais que tm caractersticas indgenas.
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No final do sculo XIX e incio do sculo XX, migraes de Sacerdotes Baianos
vieram para o Rio de Janeiro e ali fixaram vrios Candombls, criando uma
comunidade que ficou conhecida como a Pequena frica. Outros misturaram e
fundiram a cultura religiosa do Candombl com as Macumbas j existentes na
cidade. Montando a pr-formao daquilo que seria conhecida com a Religio de
Umbanda que, aos poucos, foi substituindo as Macumbas como forma popular de
manifestao religiosa.
1.6 O CANDOMBL DE CABOCLO
Originariamente o Candombl de Caboclo veio da Bahia e considerado como uma
variao do Candombl de Angola, embora seja comum encontrar a entidade
primordial desse culto, o Caboclo, sendo cultuado em terreiros de Candombl de
origem Nag. Relatos encontrados em jornais datam sua manifestao por volta do
ano 1865, na Bahia (Joclio dos Santos, 1995).
No Candombl de Caboclo o elemento indgena, o Caboclo, assumiu o papel
central, com o mesmo statusdos Inkices (semelhante aos Orixs Nags).
Os caboclos so os espritos dos "donos da terra" e representam os ndios que aqui
viviam antes da chegada dos brancos e dos negros. Quando baixam11 nos
terreiros, vestem-se com cocar de pena, danam com arco e flecha, fumam charutos
e bebem vinho ou marafo (aguardente de cana-de-acar). Geralmente falam um
portugus antigo e quase incompreensvel ou dialetos indgena. Muitos deles so
extremamente catlicos e suas preces e louvaes lembram os tempos coloniais de
11Baixar o mesmo que incorporar. Quando o esprito do guia incorpora no mdium para trabalhar.
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sua catequese. Por serem conhecedores da medicina das ervas e dos segredos da
mata, so famosos como curandeiros e feiticeiros.
Os caboclos so indgenas brasileiros e ressaltam essa caracterstica nas suas
cantigas e nos nomes que carregam (de povos indgenas brasileiros como Tupi,
Tupinamb, Aimor, Guarani), quando narram suas origens se apresentam como
habitantes de uma "aldeia mtica" (como "Jurema", para os caboclos; e "Visala", para
os boiadeiros), no-localizvel no tempo e no espao. Em alguns casos, seus nomes
fazem referncias natureza cultuada pelos ndios, de junes desses elementos
com a fauna e flora do Brasil, ou apenas utilizam nomes indgenas, como caboclo
Sol, Lua Nova, Estrela, Mata Verde, Tomba-Serra, Pena Verde, Pena Branca,
Sucuri, Jurema, Jandira, Ubirajara, Aymor, Tupiara etc.
Os caboclos, alm de representarem os espritos de ndios que j morreram e que
retomaram a terra como "guias ou encantados". Em muitos terreiros, os caboclos
so classificados em dois tipos: os "caboclos de pena" (porque usam cocar), e os
"boiadeiros".Os boiadeiros podem ser vistos como representantes da populao mestia,
proveniente do cruzamento do branco com o ndio, ou do ndio com o negro. So
antigos homens do serto, caipiras, roceiros, com seus hbitos rurais (Joclio dos
Santos, 1992, p. 57). Em virtude de seu contato com a cultura dos brancos j
descaracterizou seus hbitos originais da aldeia. Em vez do cocar de pena, o
boiadeiro veste-se com chapu de couro, e dana segurando um lao com o qual
imita os gestos de laar o gado.
Um outro guia ou encantado que encontramos nos Candombls de Caboclos o
Marinheiro.
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O Marinheiro representa os homens e mulheres que tinham ligao com o cais do
porto, com os navios, a lida com o mar.
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1.7 E OS BABALORIXS VIERAM PARA O RIO DE JANEIRO
O contingente negro baiano, que chegou ao Rio de Janeiro atravs da migrao
Interna, no final do sculo XIX, atrado pelas condies da cidade, devido sua
modernizao como capital da Repblica e a sua fama de tolerncia, vai modificar
substancialmente a fisionomia da cidade, incrementando traos prprios de sua
cultura (Pessoa de Barros, 1999, p. 31).
Os migrantes vo se localizar perto do Cais do Porto, Sade e Gamboa, onde a
moradia era mais barata, no s por j ser local de fixao de outros grupos negros,
mas sobre tudo pela proximidade do Porto, onde podiam mais facilmente encontrar
empregos na estiva. A formaram uma comunidade conhecida como a Pequena
frica, onde suas manifestaes culturais puderam ser preservadas, legando
cidade um valioso patrimnio cultural, destacando-se especialmente atravs da
msica e da religio (Barros, 1999, p. 30).
Trouxeram para o Rio de Janeiro, atravs da migrao, o culto dos Orixs. Com
eles chegaram muitos lderes religiosos e grupos festeiros responsveis pelo
desenvolvimento dos Candombls e por inmeras associaes carnavalescas.
Agenor Miranda da Rocha (Miranda apud Barros, 1999, p. 31), conhecido Oluo
(adivinho), escreve suas memrias, vivenciadas em mais de noventa anos,
enumerando e localizando as primeiras casas-de-santo do Rio: Me Aninha de
Xang funda sua Casa no bairro da Sade em 1886, depois transferida para So
Cristvo, instalando-se definitivamente em Coelho da Rocha; Joo Alab (OmoJu),
na rua Baro de So Felix, Sade; Cipriano Abed (Ogum), na rua Joo Caetano;
Benzinho Bambox (Ogum), rua Marques de Sapuca.
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O mais famoso Terreiro do incio do sculo era o de Tia Ciata (Hilria de
Almeida), filha de Joo Alabe que possua a sua casa na rua Visconde de
Itana. Seu prestgio facilitava a concesso de permisso policial para a realizaode cerimnias religiosas, assim como para os encontros de samba. No entanto, o
relacionamento que ela mantinha com as importantes figuras polticas da antiga
capital do Brasil no impediu o deslocamento de seu grupo e de outros Candombls.
Tia Ciata foi um momento marcante para a incluso do negro no carnaval do Rio
de Janeiro. Tia Ciata nasceu em Salvador em 1854 e aos 22 anos veio para o Rio de
Janeiro em busca de uma vida melhor. Comeou a trabalhar como doceira na Rua
Sete de Setembro, sempre vestida de baiana. Sua comida expressava suas
convices religiosas. Ia para o ponto de venda com uma saia rodada, turbante e
diversos colares e pulseiras, na colorao do Orix homenageado. Mais tarde, Tia
Ciata casou-se com Joo Baptista da Silva, mdico negro bem sucedido na vida.
Com ele teve 14 filhos, uma relao fundamental para a sua afirmaona Pequena
frica, como era conhecida a rea da Praa Onze nesta poca. Recebia todos os
finais de semana em casa, nos pagodes, que eram festas danantes, regadas a
msica da melhor qualidade.
Partideira reconhecida cantava com autoridade respondendo aos refres das festas
que se desdobravam por dias. Ciata cuidava das panelas para que estivessem
sempre quentes e para que o samba nunca morresse. Mulher de grande iniciativa e
energia, Ciata fez da sua vida um trabalho constante, tornou-se, com outras tias
baianas de sua gerao, a representante do tronco mais tradicional do candombl
nag baiano. E por este motivo, transformou-se em uma lder de sua comunidade,
ajudando na organizao das jornadas de trabalho, na educao das crianas da
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regio. Existe hoje na Praa Onze, no Rio de Janeiro, uma escola em sua
homenagem.
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CAPTULO 2 ZLIO FERNANDINO DE MORAES: OPIONEIRO DA UMBANDA INSTITUCIONALIZADA
2.1 HISTRICO
A figura de Zlio Fernandino de Moraes por vezes misterioso e controversa. Os
partidrios e membros das casas que ele fundou o elevam a fundador da Umbanda,
e tm em suas palavras, poucos discursos e fragmentos, como a fonte da
verdadeira Umbanda ou da Umbanda Pura, como muitos dizem.
Zlio Fernandino de Moraes nasceu em nasceu no dia 10 de Abril de 1892, no
distrito de Neves, municpio de So Gonalo - Rio de Janeiro. Filho de Joaquim
Fernandino Costa (oficial da Marinha) e Leonor de Moraes.
Segundo Jota Alves de Oliveira (GIUMBELLI, 2002) em 1908, aos 17 anos, Zlio
havia concludo o curso propedutico (ensino mdio) e preparava-se para ingressar
na escola Naval, a exemplo de seu pai. Estranhamente uma paralisia tomou conta
de seu corpo e, como misteriosamente havia chegado, misteriosamente foi embora.
Intrigados, os pais de Zlio o levaram a uma reunio da Federao Esprita de
Niteri. Nessa reunio, acontece algo ainda mais misterioso e que acabou ficando
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como um acontecimento mstico ou, como alguns seguidores da doutrina de Zlio
colocam, como uma interveno do Astral Superior:
[...] manifestaram-se espritos, que se diziam de pretos escravos ede ndios ou caboclos, em diversos mdiuns. Esses espritos foramconvidados a se retirar pelo presidente dos trabalhos, advertidos doseu atraso espiritual. Ento o jovem Zlio foi dominado por uma foraestranha, que fez com que ele falasse sem saber o que dizia. Zlioouvia apenas a sua prpria voz perguntar o motivo que levava osdirigentes dos trabalhos a no aceitarem a comunicao dessesespritos e por que eram considerados atrasados, se apenas peladiferena de cor ou de classe social que revelaram ter tido na sualtima encarnao. (GIUMBELLI, 2002, p. 184).
Os dirigentes, segundo as orientaes da doutrina Esprita, tentaram ento
"doutrinar e afastar o esprito desconhecido", recebendo a seguinte resposta de
Zlio:
[...] Se julgam atrasados esses espritos dos pretos e dos ndios,devo dizer que amanh estarei em casa deste aparelho para darincio a um culto em que esses pretos e esses ndios podero dar asua mensagem e, assim, cumprir a misso que o plano espiritual lhesconfiou. [...] E, se querem saber o meu nome, que seja este: Caboclodas Sete Encruzilhadas, porque no haver caminhos fechados para
mim [...] s 20 horas do dia seguinte, manifestou-se o Caboclo dasSete Encruzilhadas. Declarou que se iniciava naquele momento umnovo culto em que os espritos de velhos africanos, que haviamservido como escravos e que, desencarnados, no encontravamcampo de ao nos remanescentes das seitas negras, j deturpadase dirigidas quase exclusivamente para trabalhos de feitiaria, e osndios nativos de nossa terra poderiam trabalhar em benefcio dosseus irmos encarnados, qualquer que fosse o credo e a condiosocial. A prtica da caridade, no sentido do amor fraterno, seria acaracterstica principal desse culto, que teria por base o Evangelhode Cristo e como mestre supremo Jesus [...] O Caboclo estabeleceuas normas em que se processaria o culto: sesses dirias das 20 s22 horas, os participantes estariam uniformizados de branco e oatendimento seria gratuito. Deu, tambm, o nome desse movimentoreligioso que se iniciava; disse primeiro allabanda (ou um dospresentes assim anotou), mas considerando que no soava bem asua vibratria, substituiu-o por aumbanda, palavra de origemsnscrita que se pode traduzir por Deus ao nosso lado, ou o ladode Deus". (GIUMBELLI, 2002, p. 185).
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Zlio fundou o primeiro templo institucionalizado como templo de Umbanda, Tenda
Esprita Nossa Senhora da Piedade, marcadamente um sincretismo entre o
Espiritismo Kardecista e a Igreja Catlica.
Anos mais tarde, 1918, Zlio diz ter recebido a misso de fundar mais 7 templos:
Tenda Esprita Nossa Senhora da Guia;
Tenda Esprita Nossa Senhora da Conceio;
Tenda Esprita Santa Brbara;
Tenda Esprita So Pedro;
Tenda Esprita Oxal;
Tenda Esprita So Jorge;
e Tenda Esprita So Jernimo.
Em 1939, o Caboclo das Sete Encruzilhadas determinou que se fundasse uma
federao, para congregar templos umbandistas e que deveria ser o ncleo central
desse culto. Coisa que nunca ocorreu.
O relato narrado por Jota Alves de Oliveira sobre a manifestao de Zlio um entre
vrios. As narrativas so divergentes, mas todas elas enfatizam a doena misteriosa
de Zlio, a ida Federao Esprita, o confronto entre o que se achava evoludo e
o que parecia atrasado ou o confronto de verdades doutrinrias, a revolta em
decorrncia desse confronto e a criao de uma religio nova onde espritos
considerados no evoludos pelo Espiritismo, poderiam manifestar sua ao (prtica)
e sua orientao (doutrina) aos interessados.
Embora as verses sejam diversas, mstica entorno de Zlio foi sendo criada e, os
militantes da Umbanda que ele introduziu, tentam ratificar essa estria como sendo
um fato e que dela foi criada a Umbanda. Porm, pesquisadores como Diana
Brown (1974) e Renato Ortiz (1978), afirmam que no se pode ter certeza se Zlio
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foi realmente o fundador da Umbanda. Existem evidncias que a prtica da religio
de Umbanda, ou seja, a manifestao de entidades como pretos-velhos, caboclos,
boiadeiros e outros, ocorreram bem antes de Zlio, seja nos Candombls de
Caboclos, na Cabula, nas antigas Macumbas Cariocas ou nas manifestaes de
cultos Afro no RS que deram origem ao Batuque.
Independente se existe ou no uma tendncia que pode ser considerada como
poltica, de se colocar Zlio como sendo o fundador da Umbanda, por parte dos
militantes ou herdeiros de suas casas, o fato que diversas formas diferenciadas de
Umbanda foram surgindo paralelamente estria de Zlio e bem antes dele. E isso
no pode tirar o real brilho e a contribuio que Zlio deu a Umbanda, o que est
realmente registrado na histria, que no a de fundador dessa religio, mas o de
ser o pioneiro na sua institucionalizao, na abertura de casas com o propsito
especfico de se manifestar essa forma de culto, e na criao de Federaes para
sua defesa e orientao. Esses sim, so fatos inegveis e reconhecidos pela
histria. Os outros deixamos para uma questo mais profunda e espiritual que a fde cada um, conforme suas crenas e sua forma de pensar.
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CAPTULO 3 O AFRO E O BRASILEIRO
3.1 JOOZINHO DA GOMIA
Em 1946, Joo da Pedra Preta (Joozinho da Gomia) transferiu-se para o Rio de
Janeiro, refazendo um caminho percorrido, pelo menos desde o final do sculo XIX,
por religiosos baianos, como Tia Ciata, que ajudaram a consolidar nesta cidade as
religies de origem africana. Sua vinda foi conseqncia da expanso de sua
famlia-de-santo e de suas atividades religiosas para alm do circuito baiano, o que o
obrigava a freqentes viagens para outros estados (Cossard apud Silva,2002, p.
159).
Ah! O negcio foi assim: fui convidado para dar "comida ao santo",numa tenda das minhas filhas residentes em Caxias [Duque deCaxias]. Depois de concludo o ritual, voltei para a Bahia mas, lchegando, no tive sossego: os amigos insistiam para que eu
voltasse e no tive outro remdio seno pegar um Ita no Norte e ficarem Caxias. Cheguei, gostei e fui ficando. (Dirio da Noite, 20/8/1952,apud Silva, 2002, p. 159)
Joozinho abriu seu terreiro em instalaes modestas em Duque de Caxias,
municpio da Baixada Fluminense, famoso pela grande quantidade de templos afro-
brasileiros designados pela literatura antropolgica de macumbas. Com o
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crescimento de sua popularidade nos dois lados da Baa da Guanabara, da famlia
de santo e da clientela, acabou fundando neste mesmo municpio uma ampla sede
prpria da Casa de Angola de Joozinho da Gomia, na rua General Rondon, bairro
de Copacabana (Cossard apud Silva,2002, p. 159).
A vinda de Joozinho para o Rio de Janeiro no significou, entretanto, o fechamento
de seu terreiro na Bahia, que continuou em atividade sob a superviso de me
Samba ajudada por Alexandrina Santos, filha-de-santo de Joozinho. Os dois
terreiros funcionavam com os seus calendrios de festas e atividades rituais.
Joozinho trouxe da Bahia parte do corpo sacerdotal que havia formado l, como o
pai-pequeno e a iamoro, e vrios filhos-de-santo (Cossard apud Silva, 2002, p. 159).
Mas foi sobretudo atuando na Gomia do Rio, nome pelo qual tambm ficou
conhecido este terreiro em homenagem a Gomia da Bahia, que Joozinho
conseguiu consolidar seu prestgio de pai-de-santo.
As prticas rituais de Joozinho se caracterizavam por uma nfase na tradio
angola, ainda que fosse difcil estabelecer fronteiras muito ntidas entre os ritosassim denominados e os provenientes da tradio nag.
Joozinho era filho de Oxosse e Ians, e a atribuio dessas entidades teve papel
singular e potencializador no desenvolvimento de sua vida pessoal e carreira
sacerdotal.
Como filho de Ians - orix que comanda os espritos dos mortos (eguns), dona dos
ventos e das tempestades, divindade gil associada sensualidade, volpia, alegria,
aos prazeres do corpo -, Joozinho viveu plenamente os arqutipos e atributos
dessa divindade. Oxosse, deus caador, rei das matas, era outra paixo de
Joozinho, que o descrevia como um valente ndio.
Segundo lenda narrada por Joozinho da Gomia e outrosbabalas, Oxosse era um valente ndio. Com grande qualidade de
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liderana. Era chefe de aguerrida tribo. Certa vez, isto , h milhesou talvez bilhes de anos, recebeu a incumbncia de seus protetoresde enfrentar o demonaco drago. Com a sua lana e frente dosseus comandados, Oxosse liquidou o terrvel pesadelo daquelemisterioso e legendrio mundo que no ia alm dos limites da frica.
Com essa espetacular vitria conquistou o direito de passar dacategoria humana para a posteridade. (Folha Carioca, 17/6/1949,apud Silva, 2002, p. 160).
Oxosse, por ser identificado como um ndio, pois se veste com penas, suas insgnias
so o arco e a flecha, reverncia a mata como seu domnio mtico, est tambm
muito associado aos caboclos, entidades tidas como representaes dos espritos
amerndios ou mesmo africanos. Joozinho desde a adolescncia incorporava o
caboclo Pedra Preta, com o qual havia comeado a trabalhar na Bahia. Mas foi
sobretudo no Rio de Janeiro que esta entidade veio a tornar-se seu mais famoso
guia espiritual. Aproveitando as qualidades de Joozinho como exmio "p de dana"
as perfomances do Caboclo Pedra Preta eram muito concorridas e esta entidade era
muito procurada na resoluo de problemas dos filhos e clientes da casa. A fama do
caboclo parece ter inspirado Baden Powell e Vincius de Moraes a comporem o
samba Canto de Pedra-Preta gravado em 1966 no disco Afro-sambas.
A atuao de Joozinho na formao do candombl angola e de caboclo no Rio de
Janeiro e em outras cidades do Sudeste foi muito significativa. Na formao do
candombl paulista, por exemplo, o rito angola foi um dos primeiros a se fixar e entre
os nomes dos Sacerdotes mais lembrados pelo povo de santo encontra-se o de
Joozinho que, por meio de freqentes visitas a So Paulo, sobretudo a partir dosanos 60, iniciou grande quantidade de filhos, raspando e/ou dando obrigaes a
pessoas j iniciadas no candombl ou, principalmente, provenientes da umbanda.
A maior visibilidade que o candombl de angola e de caboclo adquirem sob os
efeitos da atuao de Joozinho no representou, entretanto, o predomnio de uma
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forma hegemnica de rito perfeitamente identificvel. Isto , Joozinho toma-se
representante e divulgador de uma sntese particular de certas modalidades de ritos,
que encontram sob o epteto de "candombl de angola" ou "candombl de caboclo"
um meio de serem (re) conhecidas em um contexto especfico de dilogo entre as
inmeras tendncias do campo religioso afro-brasileiro.
O perodo entre o final da dcada de 1940 e de 1960, no qual Joozinho consolidou
seu prestgio a partir do Rio de Janeiro, foi marcado pela ascenso da Umbanda
como culto organizado por meio do papel das federaes umbandistas na
codificao do culto e na criao de mecanismos de legitimao social via alianas
realizadas entre praticantes do culto e instncias de poder. O movimento de
organizao e expanso da Umbanda no Sudeste do Pas, conforme tem sido
mostrado por diversos autores, significou um complexo movimento de
reinterpretaro (negao e re-apropriao) seja do legado africano presente em
modalidades de cultos (como o candombl ainda fortemente discriminado), seja dos
valores presentes no espiritismo kardecista. De qualquer modo, nesse movimento asfiguras do preto-velho e sobretudo do caboclo (como entidades que remetem s
representaes mticas sobre a histria da formao do povo brasileiro) parecem ter
sido fundamentais na constituio da identidade da Umbanda, em contraste com
relao ao espiritismo e ao candombl visto como representante de urna religio
associada ao "primitivismo" religioso africano. Entretanto, como o que chamamos
genericamente de candombl abriga um nmero varivel de modelos de culto em
constante frico e luta entre si por legitimidade, o dilogo a que se viram expostas
essas modalidades de culto no Sudeste, sob o fluxo da ascenso umbandista,
tambm parece ter tido conseqncias na valorizao externa do candombl de rito
angola, e particularmente do caboclo que o caracteriza. Essa valorizao foi
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acompanhada de urna crescente rejeio desse modelo por parte dos candombls de
rito nag, sobretudo dos situados na regio Nordeste ou identificados com uma
viso mais "purista". O papel do caboclo como entidade mediadora entre as
fronteiras de modalidades de cultos parece ter sido, assim, fundamental tanto na
codificao da Umbanda quanto no trnsito de umbandistas para o candombl em
sua vertente angola. E nesse sentido, Joozinho, ao enfatizar o culto de entidades
como os caboclos, teve um papel substancial no desenvolvimento desse processo.
3.2 O OMOLOK: HARMONIA ENTRE GUIAS E ORIXS
Trata-se da prtica do ritual dos negros escravizados, que subiram os morros e
interiorizaram-se pelo antigo Distrito Federal e Estado do Rio de Janeiro, levados por
grupos com suas famlias ao fim da escravido. Esta prtica era muito perseguida
pela polcia dos anos 40 e 50.
Em todas as regies em que o elemento Banto predominou, e principalmente no
Sudeste, dois tipos de culto desenvolveram-se no sculo XIX, tomando vulto e
ocupando toda parte religiosa dos negros escravizados e seus descendentes. O
primeiro chamava-se Candombl de Angola/Congo. O Segundo, que recebeu
tambm influncias do Nag, chamava-se Macumba.
De uma certa maneira, as antigas Macumbas e o Candombl, principalmente o
Candombl de Caboclo, se mesclaram e deram forma ao Omolok que se constituiu
em uma fuso harmnica do culto aos Orixs (ou Inkices) e o trabalho dos guias
espirituais como: pretos-velhos, caboclos, boiadeiros etc.
Todo o ritual de culto aos Orixs do Candombl foi mantido e direcionado aos guias,
como: oferendas, assentamentos (o guia tinha um local dentro do terreiro onde eram
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colocados seus materiais magsticos, fetiches etc, nos mesmos moldes dos Orixs),
cnticos etc.
O filho de santo do Omolok passava por todo o ritual de iniciao, da mesma
maneira que no Candombl, porm com variaes que incluam ritos para seus
guias.
As referncias que se tm em relao ao culto Omolok, em sua maioria, vm do
Pai de Santo Tancredo da Silva Pinto (dcada de 50 do sculo XX) que foi a frica
e, segundo ele, identificou os elementos j utilizados no Brasil como forma de culto,
e trouxe o nome daquilo que j era praticado como Culto Omolok. Em alguns
autores podemos encontrar at que foi Trancredo da Silva Pinto que trouxe o
Omolok para o Brasil, mas, na realidade, ele trouxe uma identificao do que aqui
era praticado com seu similar originrio ou ancestral em frica.
Esta identificao que Trancredo notou foi, principalmente, que em frica, os
espritos ancestrais eram cultuados e referenciados de maneira similar aos Orixs.
Sendo o mdium receptculo tanto dos Orixs (ou Inkices), como dos espritosancestrais. Este tipo de prtica era negada nos Candombls mais tradicionais, em
que apenas os Orixs eram cultuados, no permitindo que os guias ali penetrassem
nos mdiuns.
Vrias casas de Umbanda, consideradas de cunho africanista de culto, se
originaram no Omolok (ou nas antigas Macumbas que, mais tarde, algumas, foram
reconhecidas com Culto Omolok, principalmente depois de Tancredo da Silva
Pinto) e mantiveram toda uma estrutura de culto aos Orixs em harmonia com os
guias espirituais.
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CAPTULO 4 UMBANDA: UM CONJUNTO RELIGIOSO
4.1 PRINCIPAIS INGREDIENTES
O processo de formao do conjunto religioso da Umbanda se desenvolveu em
etapas histricas e na absoro, apropriao e transformao de elementos culturais
e religiosos diversos:
Africana ou de base Africanista - resultado da sedimentao de contribuies
religiosas bsicas das naes africanas que forneceram escravos ao Brasil, como: o
culto aos Orixs, Inkises e antepassados e sua possesso; os rituais, como: o corte
ou sacrifcio cruento e a feitura; os elementos litrgicos, como: atabaques, colares,
roupas especiais e adereos; os cnticos aos Orixs, Inkices e antepassados; a
utilizao de ervas para banhos, defumaes, cura; entre outros.
Indgena ou dos donos da Terra - os negros que se internavam nas matas,
principalmente os de origem Banto identificam se com o que havia de semelhante
nos cultos dos indgenas.
Europia ou Catolicismo popular - os negros e ndios, incapazes de assimilar in
toctum a religio catlica que lhes era imposta pelos padres, fizeram-no imperfeita
ou parcialmente no que havia de correspondncia com suas divindades tradicionais
(sincretismo afro-catlico ou a associao dos Orixs africanos aos santos da igreja,
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culto aos Santos de origem popular). Dessa forma, o sincretismo afro-catlico
permitiu a introduo da moral crist (mais popular do que eclesistica) nos cultos
Umbandistas.
Espiritismo popular ou Kardecismo popular, culto Espiritista que se difundia entre
as classes mais altas da populao brasileiras (elite) desde 1873, foi sendo
assimilado pelas camadas mais humildes, classes mais pobres da populao. Esse
O Espiritismo Francs (ou Ortodoxo) foi sendo sincretizado, re-elaborado e
transformado ao longo do tempo, em um Espiritismo mais popular, menos formal e
complexo, e entrou em contato com cultos de matriz africana e indgena.
Orientalismo ou Indianismo - introduo de conceitos e identificao com o Oriente,
na busca de uma tradio mais antiga. Como uma forma de legitimar ou consagrar a
religio por uma associao de formas e ritos semelhantes, mas com cunho culturais
divergentes.
Esotrica, Ocultista ou Mstica Na primeira metade do sc. XX autores
umbandistas mesclam as formas tradicionais de magia africana com prticas doesoterismo teosfico, iniciado com Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891) mais
conhecida como Madame Blavatsky, uma das co-fundadoras da Sociedade
Teosfica em Nova Iorque em 1875. A tradio teosfica esotrica de Blavatsky
bebeu das vrias tradies filosficas e religiosas da antiguidade, como:
Zoroastrismo, Hinduismo, Gnosticismo, Maniquesmo, a Cabala, entre outras.
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4.2 UM NOME, VRIAS DENOMINAES
Da mistura dos ingredientes comea, ento, a se formar um novo culto, que se
distancia dos candombls de caboclos da Bahia e das macumbas cariocas.
Podemos utilizar o que Artur Ramos (1934) chamou de novo produto de "gge-nago-
mussulmi-banto-caboclo-espirita-catolico" e onde cada um contribuiu com uma parte.
Mantendo certas caractersticas e construindo outras, bem diversas de sua fonte
primitiva; uma transformao religiosa.
A nova religio12que se derivou deste processo sincrtico (mais uma soma de
fatores e sua transformao em algo novo, na realidade) obteve varias
denominaes. Em Angola, dava-se o nome de Mbanda ao Sacerdote, e ao
invocador de espritos, Ki-Mbanda. Desta forma, em principio, Umbanda queria dizer
Sacerdote; depois, por extenso, passou a designar "local de culto", e, finalmente,
para ns, brasileiros, a religio chamada Umbanda. Em 1894, atravs das palavras
de Hely Chanterlain encontramos o registro do termo da palavra Umbanda com os
seus significados e derivaes.
Para Edson Carneiro (1981) existe uma diferena bsica entre a Umbanda e a
Macumba, e ambas sobreviveram lado a lado: as confrarias, chamadas a principio
de macumbas, compreendiam a linguagem mgica dos tambores e a possesso da
divindade de acordo com o modelo original. Por isso se viram expulsas do permetro
urbano carioca; as sucessoras, ou aquelas que se adaptaram as novas exigncias
12Religio O conceito de religio que temos dentro do senso comum derivado do termo religare, ou seja, a
religio teria como finalidade ligar o homem a Deus. Mas diversas culturas, inclusive as africanas, assim como
as indianas, tm a religio como algo inerente as suas prprias culturas, no havendo uma separao entre o
culto as divindades e o dia-a-dia, no se religa o homem a Deus ou as Deuses, pois ele, homem, j nasce ligado
pelos laos culturais a suas divindades. Sendo assim, o que se tem como Umbanda como o trabalho de
diversas entidades em prol de sua comunidade, de seu grupo de relaes ou familiar.
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policiais, passaram a chamar-se Umbanda, suprimindo os tambores e moderando a
possesso.
Apesar da tradio africana, a Umbanda pode ser considerada essencialmente
brasileira. Os santos se adaptam ao ambiente (atravs do Catolicismo popular). Usa-
se uma linguagem direta e compreensvel. Os cultos africanos podem servir de
modelo no que se refere comunicao: guia > consulente; consulente > guia.
Tal adaptao explica, em parte, o sucesso do crescimento da Umbanda. Um
crescimento que pode ser visto no ltimo censo de 2000, principalmente no Rio
Grande do Sul, em que cerca de 112.133 pessoas se declararam como Umbandistas
(http://www.ibge.gov.br).
Hoje podemos destacar que existem diversas formas de Umbanda, assim como
existem diversas formas de cristianismo. Existem as Umbandas que se voltaram
mais para o culto africano, aquelas que mais se deixaram levar pela doutrina
esprita, outras que tm vnculos com o esoterismo, e ainda aquelas que mesclam
diversas vertentes dentro de um sincretismo plural harmnico. Assim destacamos asseguintes denominaes, como:
Umbanda Popular- Que era praticada antes de Zlio e conhecida como Macumbas
ou Candombls de Caboclos; onde podemos encontrar um forte sincretismo (Santos
Catlicos associados aos Orixs Africanos), utilizao de magia negra, feitiaria etc;
tambm foi conhecida como Baixo Espiritismo;
Umbanda tradicional- Oriunda de Zlio Fernandino de Moraes;
Umbanda Branca e/ou de Mesa- Tem um cunho esprita - "kardecista" - muito
expressivo. Nesse tipo de Umbanda, em grande parte, no encontramos a cultura
africana do culto aos Orixs, nem o trabalho dos Exus e Pombogiras, ou a utilizao
de elementos rituais como atabaques, fumo, imagens e bebidas. Essa linha
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doutrinria se prende mais ao trabalho de guias como caboclos, pretos-velhos e
crianas. Tambm podemos encontrar a utilizao de livros espritas como fonte
doutrinria; De uma certa forma, seria uma reinterpretao da doutrina Esprita,
adequando-a a uma forma mais popular de religiosidade (reducionismo13);
Umbanda Omolok O nome Omolok, foi trazido da frica pelo Sacerdote
Trancredo da Silva Pinto. Porm, a sua prtica ritual, oriunda das antigas
Macumbas cariocas, onde os negros de origem Angolana desenvolveram um misto
entre o culto aos Orixs e o trabalho direcionado aos Guias Espirituais;
Umbanda Traado ou Umbandombl- Onde existe uma diferenciao entre
Umbanda e Candombl, mas o mesmo Sacerdote ora trabalha com Umbanda, ora
trabalha com o candombl, porm em dias e sesses diferenciadas. No feito tudo
ao mesmo tempo. As sesses so feitas em dias e horrios diferentes;
Umbanda Esotrica- diferenciada entre alguns autores, como: de Oliveira
Magno, Emanuel Zespo e o W. W. da Matta (Mestre Yapacany), em que intitulam a
Umbanda como a Aumbhandan: "conjunto de leis divinas"; ainda existem outros,como o Sacerdote Paulo Newton, que trabalha dentro da corrente esotrica
adaptando-a a forma de trabalho da Umbanda;
Umbanda Inicitica- derivada da Umbanda Esotrica e foi fundamentada pelo
Mestre Rivas Neto (Escola de Sntese conduzida por Yamunisiddha Arhapiagha),
onde h a busca de uma convergncia doutrinria (sete ritos), e o alcance do
Ombhandhum, o Ponto de Convergncia e Sntese. Existe uma grande influncia
Oriental, principalmente em termos de mantras indianos e utilizao do snscrito;
13Reducionismo - Ato ou prtica de analisar ou descrever um fenmeno, desenvolver a soluo de um problema,
etc., supondo ou procurando mostrar que certos elementos ou conceitos complexos no devem ser
compreendidos ou explicados em si mesmos, mas referidos a, ou substitudos por outros, situados em um nvel
de explicao ou descrio considerado mais bsico.
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Umbanda de Caboclo- influncia da cultura indgena brasileira com seu foco
principal nos guias conhecidos como "Caboclos";
Umbanda de pretos-velhos- influncia da cultura Africana em seus ritos e prticas,
mas podemos encontrar elementos sincrticos catlicos (influncia do Catolicismo
popular). O comando espiritual do terreiro est nas mos dos pretos-velhos;
Atualmente a Umbanda surge como um fenmeno social de maior importncia, dado
seu mysteriu 14. Ningum sabe quantos so os umbandistas na realidade. No censo
de 2000 foram levantados que existem (declarados) 397.431 umbandistas no pas.
Porm, em contato com o Sr. Pedro Miranda, presidente da Unio Espiritualista deUmbanda do Brasil UEUB (uma das Federaes de Umbanda da Cidade do Rio de
Janeiro) nos foi informado que existem associados a essa federao cerca de 5500
terreiros. Se formos fazer uma especulao e multiplicarmos por 30, levando em
considerao que trinta poderia ser a mdia de mdiuns de cada terreiro de
Umbanda, teramos um nmero em torno de 165.000 pessoas s em uma federao
da cidade do Rio de Janeiro (existem cerca de 5 Federaes, s na Cidade do Riode Janeiro). Ento, a concluso que poderamos chegar, que existem muito mais
umbandistas do que foi declarado no censo de 2000. Mas onde eles esto?
Em 2001 auxiliei15os pesquisadores que estavam fazendo a compilao dos dados
do censo de 2000 para o IBGE, no item religio.
Ao indagar "Qual a sua religio", o IBGE recebeu cerca de 35 milrespostas diferentes que, buriladas, resultaram em 5.000...
Frei Betto, Mapa da f, artigo publicado para o sitewww.adital.com.br.
14Mysteriu o dogma religioso, objeto de f impenetrvel razo humana, que s pode ser sentido,
vivenciado, expresso em sentimentos e atos de f, mas que no se pode explicar racionalmente.15Em 2001 fui procurado pela pesquisadora do ISER, professora Clara Mafra, que estava trabalhando na
compilao dos dados do censo de 2000 do IBGE para o item religio. Ajudei como consultor para as religies
de Umbanda e Espiritismo.
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Os pesquisadores estavam um pouco confusos, pois estavam encontrando
respostas estranhas no item destinado a declarao de religio, principalmente em
relao a Umbanda, ao Espiritismo e a outras religies. Foram encontradas
respostas para Qual sua religio?, como:
Esprita Umbandista;
Esprita Cristo; Umbandista Cristo;
Umbandista Esprita; Catlico Umbandista;
Catlico Esprita;
Como tudo na vida, mesmo na pesquisa, se acha uma maneira de resolver os
problemas, foi o que aconteceu em relao ao censo de 2000. Porm, as
declaraes encontradas revelaram mais do que o tradicional sincretismo, muito
badalado pelos socilogos e antroplogos ao longo do tempo. Revelam que muitas
pessoas se consideram membros, ou parte, de mais de uma religio ao mesmo
tempo, evidenciando um fenmeno em que o sincretismo s uma vertente, oumesmo um sintoma. Podemos dizer que um fenmeno de dupla religiosidade, pois
as pessoas que se declaram como membros de duas religies, por exemplo, como
Esprita Umbandista, vivendo ao mesmo tempo duas realidades religiosas diferentes
(com alguns pontos doutrinrios em comuns, mas muitos outros totalmente
divergentes), porm, em sua manifestao de espiritualidade, em sua prtica
religiosa, se transformam em uma s manifestao de f.
Em uma pesquisa realizada pelo CERIS - Centro de EstatsticaReligiosa e Investigaes Sociais - nas seis maiores regiesmetropolitanas brasileiras, cerca de 25% dos entrevistados disseramfreqentar mais de uma religio e cerca de metade deles (12,5% dototal) o fazem sempre. O Censo no considera esses fenmenos dedupla (ou mais...) religies, de mistura de vrias religies.
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Dificilmente um socilogo ou um antroplogo reduzir os adeptos deUmbanda e Candombl, em todo o Brasil, a pouco mais de 570.000indivduos (0,33% da populao!), como faz o Censo 2000.Certamente h muitas pessoas freqentando estes cultos, ao menosocasionalmente, mas que no se declaram umbandistas.
Pe. Alberto Antoniazzi, As religies do Brasil segundo o censo2000, In Rever, nmero 2 / 2003 / pp. 75-80, ISSN 1677-1222.
Talvez a esteja a resposta pergunta que fizemos anteriormente: Onde esto os
Umbandistas? Escondidos atrs de outras religies como o Catolicismo e o
Espiritismo. Em que a pessoa por ignorncia, medo (do preconceito pessoal ou
social), ou por se acharem mais Catlicas ou Espritas, do que Umbandistas,
acabam se declarando como membros dessas religies (ou misturam essas religies
com o ser Umbandista), mas que, no final das contas, tm suas vivncias religiosas
dentro dos terreiros de Umbanda.
De uma certa maneira, o que constatamos em uma pequena pesquisa realizada
com os mdiuns do Centro Esprita So Joo Batista, no ano de 2002, em
decorrncia do que notamos nas compilaes iniciais do censo de 2000.
Embora o universo pesquisado fosse muito pequeno, 45 mdiuns do centro, o
resultado foi muito interessante, mostrando um reflexo do que havia acontecido no
censo de 2000.
Ao perguntarmos aos mdiuns do Centro Esprita So Joo Batista qual era a sua
religio, obtivemos as seguintes respostas:
Esprita 12
Catlico e Umbandista 10
Catlica Esprita 1
Esprita Umbandista 7
Umbandista - 15
Dos 45 mdiuns do Centro, apenas 15 mdiuns (33% do total) se declararam
umbandistas, ou seja, 30 mdiuns (67% do total) no se acham Umbandistas ou
colocaram a Umbanda como uma religio secundria em sua crena.
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No nos cabe tentar esgotar ou aprofundar esse assunto em nosso trabalho, mas
deixamos registrado que o mesmo merece ser pesquisado com em maior
profundidade.
4.3 AS INFLUNCIAS DO CATOLICISMO POPULAR
[...] a possibilidade de todas as categorias de sujeitos possuremuma mesma religio, e ao mesmo tempo se diferenciarem em seuinterior, atravs dos diversos modos de se professar suareligiosidade, v-se que o ser catlico engloba o ser catlicopraticante, o no praticante ou o catlico do seu jeito. Essasvariaes no modo de ser catlico denotam a privatizao do
catolicismo brasileiro, caracterizada no s pela subordinao dosleigos e pelo aspecto privativo da devoo aos santos, [...] mastambm pela continuidade da adorao s almas e santostradicionais, e pela possibilidade de adoo de outras prticasreligiosas (BRANDO,1998, p. 37-38).
Historicamente a religio dominante no Brasil foi o Catolicismo Romano. Na verdade,
o Catolicismo Popular uma parte que se desvia da Igreja Oficial, com crenas e
prticas preponderantes nos santos mais do que em Jesus Cristo e com um corpo
de regras e procedimentos informais, mas que seguem um padro que passado de
boca em boca, de gerao em gerao. Inmeros adeptos voltam-se para os santos
procurando ser ajudados em suas vidas. E com alguns deles para providenciarem
assistncia e conforto mesmo aps morte. Por toda parte do Brasil e da Amrica
Latina a adorao aos santos populares (reconhecidos ou no pela Igreja) uma
prtica comum (MACKLIN, 1988). Destacando a importncia da enfermidade e dasade na vida contempornea, mais santos populares tm realizado cura como
doutores. Invariavelmente curas milagrosas so atribudas a estes postumamente.
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Uma outra caracterstica dos santos que acabou criando vnculos com seus fiis, e
que cada santo tem sua "especialidade", ou seja, resolve um tipo de problema ou
uma mazela da vida cotidiana, como::
So lzaro - doenas de pele e lepra;
So Joo Batista - Amizade;
Santa Ana - protetora das mes de famlia em suas angstias rotineiras
(problemas com filhos, marido etc);
Santa Agripina - contra os maus espritos (fantasmas e outros que pertubam
as pessoas);
Santo Antnio - casamenteiro;
So Expedito - causas Urgentes;
So Longuinho - achar objetos perdidos.
So Jorge ajuda nas demandas, nos desentendimentos entre as pessoas:
conflitos.
Outros santos foram eleitos como protetores de diversas profisses, como:
So Francisco - protetor dos Animais;
Santa Maria Madalena - protetora das prostitutas;
So Joo Capistrano - juristas e juzes;
So Lucas - mdicos;
Santa Brbara - bombeiros;
Santa Edwiges - endividados (embora no seja uma profisso...);
So Cristvo - motoristas.
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Esse catolicismo popular explica, em muito, a dualidade ou "o duplo religioso"
encontrado dentro da Umbanda e no CESJB. Ele tem suas razes em nossa cultura,
em nosso dia-a-dia, desde a infncia quando a me ensina o pai nosso a seu filho
antes de dormir, ou no batismo do filho para que ele "no se torne pago".
No CESJB, como em outras casas de Umbanda, encontramos esse culto aos
santos. Isso feito de maneira impensada, inconsciente, nasceu em uma matriz
cultural que vem da prpria formao religiosa do Brasil, e que foi construindo o
imaginrio das pessoas com o passar do tempo.
gente, que homem este vestidinho de metal,
Na Igreja ele So Jorge,
Na Umbanda Ogum General
(Ponto Cantado de Ogum, sincretizado como So Jorge).
O fiel Umbandista chama por So Jorge e Ogum ao mesmo tempo. Em seu
universo imaginrio ambos coabitam na mesma imagem, mas quem vem assumir o
corpo e a mente do mdium Ogum.
"o catolicismo serviu de matriz formao das religiosidadespopulares no Brasil, com seu ethos festivo, sem nunca separar opblico do privado, o sagrado do profano, no obstante a violnciapara qual serviu de instrumento de legitimao, na ordem socialescravocrata, ou a constante perseguio a que submeteu a feitiariados negros, fora, apesar de tudo, capaz de permitir a incorporaoem um universo comum de sentido, de muitas crenas e prticas
rituais (...)". (MONTES, 1998, p. 136-137).
Ser Catlico e, ao mesmo tempo, Umbandista so coisas totalmente incompatveis,
visto a divergncia doutrinria entre ambas s religies. S que, o catolicismo
popular, no est restrito a uma viso de mundo regida pela bblia, mas sim por uma
interpretao prpria desse mundo dentro de uma dimenso moral Catlica, em que
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Jesus Deus, e os Santos poderosos: Igreja para casar, batizar as crianas, ir
missa de stimo dia e, s vezes, na missa de domingo. A leitura da bblia algo
que muitos poucos fazem e, quando fazem, so em trechos especficos, procurando
palavras de consolo ou, como algumas pessoas me disseram: palavras bonitas de
se ler.
Assim, pela influncia do catolicismo popular, longe da viso ortodoxa da Igreja,
muitos Umbandistas se dizem Catlicos. Outros, se dizem Umba
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