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MITOS DE ASSÍRIO-BABILÔNIA

A dívida dos assírios para com os seus predecessores na "terraentre rios" torna-se particularmente patente na mitologia e nocampo do simbólico e o emblemático.

E, assim, se os sumérios tinham introduzido o sistema numéricosexagesimal, criando o calendário de doze meses, os assíriossacralizaram os números e dividiram o espaço em doze partes:"Aqui nascem as teorias astrológicas das chamadas "Casas doCéu", isto é, o céu aparece dividido em doze partes quecorrespondem aos doze signos do Zodíaco".

Portanto, estes povos mesopotâmicos tinham aos astros uma grande estimae estudavam os seus movimentos e interpretavam todo o caminho queaqueles percorriam. As diferentes criaturas sentiam, de uma forma ou deoutra, a influência dos astros; embora se pusesse especial cuidado emesclarecer que nem por isso se estava destinado obrigatoriamente a umtotal condicionamento.

A verdade é que tanto as duas luminárias (o Sol e a Lua), como os outrosplanetas (por aqueles tempos só se conheciam cinco), eram objeto desacralização, isto é, representavam deidades que era necessário adorar.Estes cinco planetas, mais as duas luminárias, recebiam o nome de "deusesintérpretes", dado que, observando todos os seus movimentos e o sentidodos seus giros, se chegava a conhecer com antecedência determinadosacontecimentos, tanto no aspecto pessoal como no social. Portanto, oprotagonismo dos humanos, assim como a consecução dos seus objetivosou empresas, não dependiam só das suas próprias faculdades, mas também(e talvez de maneira decisiva, em certas ocasiões) da vontade desses"deuses intérpretes".

RESPLENDOR DA NOITE

A Lua,entre os mesopotâmicos, era a primeira deidade do cosmos e recebiao nome de Sin.Uma das suas principais funções consista em iluminar a noitepara que os inumeráveis ladrões e assaltantes não pudessem levar a termoas suas patifarias. A lenda explica que Sin tinha uma barca (aqui existecerto paralelismo com o ancião Caronte que, segundo o mito clássico que osgregos forjarão mais tarde, cruzava inumeráveis vezes a pestilente lagoaEstígia com a sua barca carregada de mortais para serem julgados) que lheservia para percorrer o espaço imenso e levar, assim, a sua luz a todos oscantos do cosmos. Em ocasiões, Sin se transformava de tal modo que o seubrilho não tinha sempre a mesma intensidade nem plenitude. Daqui quehouvesse Lua cheia e quarto crescente, e todas as outras fases que estaluminária atravessava. A tradição popular falava do diadema do deus Sin,quando havia Lua cheia.

De resto, esta deidade que iluminava a escuridão guardava certasemelhança com uma deusa da mitologia romana que se chamará Lucina,

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que será considerada pelos povos clássicos como uma deidade da luz quetinha como principal missão iluminar na escuridão; por isso será invocadanos partos e considerada a mais idônea protetora dos nascimentos entre oshumanos.

Ninguém podia conhecer o sentido último destas transformações que Sinlevava a cabo, antes eram uma mais amostra da sua sabedoria eentendimento pelo qual, em ocasiões, o deus Sin aparecia representado soba figura de um ancião venerável, com semblante tranqüilo e longa barbaazul-prateada, e muitos deuses acudiam à morada de Sin para pedir-lheconselho e ajuda.

O DIA E A NOITE

Sin tinha como descendentes Shamash o deus do Sol, e Istharpersonificação do planeta Vênus, a deusa do amor.

Shamash percorria a terra do Este para Oeste montado na suaresplandecente carruagem.

Conta a lenda assíria que, quando tinha chegado ao limite ocidental e já ocrepúsculo cobria tudo, se abriam umas enormes portas, até a essa alturadissimuladas entre os cimo das grandes montanhas, e por elas penetrava odeus Sol, ocultando-se nas próprias entranhas da Terra. Deste modocomeçava a noite no mundo dos humanos. Mas Shamash seguia incansávelo seu caminho pelas longas passagens subterrâneas até chegar ao extremooriental, onde outras enormes portas, dissimuladas nas mais altas einacessíveis cimeiras, se abriam de par em par para deixá-lo passar. E,assim, começava o dia no mundo dos humanos.

Shamash semeava jatos de claridade e luz no seu contínuo caminhar, o qualera especialmente apreciado no mundo dos mortais dado que,graças aisso,os malfeitores não se atreviam a cometer erros por temor a seremdescobertos. Deste modo, Shamash era considerado um deus justiceiroque, com os seus raios de luz, sabia construir uma tupida rede paraapanhar os malfeitores e assim evitar a proliferação do mal entre osmortais. Foi-lhe erguido um templo na Babilônia, que a populaçãodenominou "casa do Sumo Juiz",e acudia-se a ele com a intenção deconhecer cenas da vida futura. A população mesopotâmica consideravatambém o deus Sol como possuidor de poderes adivinhadores para prever oporvir dos humanos. Não obstante, para conseguir que lhes fossemrevelados determinados aspectos da sua vida futura, os humanos tinhamque realizar custosos rituais em ocasiões cruentos em honra do deusShamash.

A AURORA E O OCASO

A população assíria não só contava com o citado mito do dia e a noite, mastambém tinha forjado a lenda da aurora e do ocaso, ou a manhã e a tarde.Era este, com certeza, um tempo deificado, dado que era presidido peladeusa Isthar. E a população proclamava-a "deusa da manhã e da tarde";

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era associada também com o planeta Vênus e guardava certa semelhançacom a futura Afrodite dos posteriores relatos gregos.

Isthar era descendente de Sin, a deusa Lua, e relacionada também com obélico e com a caça. Por seguir o seu esposo Ashur (deus supremo entre osassírio-babilônios, criador de todas as criaturas, e que apareciarepresentado a lombos de um touro bravo) aos campos de batalha,tinha-seenchido de medo e conhecia todos os piores sofrimentos e terrores. Eramuito freqüente considerá-la como uma deusa guerreira e, em ocasiões,aparecia representada portando arco e flechas e montada numa carruagempuxada por sete animais selvagens e velozes, num gesto persecutório.

No entanto,em outras zonas da Mesopotâmia, Isthar aparecia associadacom certos aspectos radicalmente diferentes dos expostos. Por exemplo,entre a população de Erech, era considerada como a deusa mãe e a deusado amor. Todo o sensual provinha de Isthar e, segundo a crença popular,descia ao mundo dos humanos de certo em certo tempo para trazer com elaprazer e dita e, ao mesmo tempo, afastar toda a desgraça, miséria esofrimento da superfície da Terra.

PAIXÃO AMOROSA

Tinha decorrido já um tempo prudencial desde que Isthar descera ao mundodos humanos mortais e tudo indicava que estes não eram muito mais felizesdo que antes da vinda da deusa. E é que a primitiva paixão amorosa tinhaderivado em suspeita e suspicácia entre os amantes e, pelo mesmo motivo,os ciúmes tinham-se apresentado para dominar toda a situação. A mútuadesconfiança substituirá o idílico entendimento entre os amantes. Desdeessa altura não existirá amor sem o seu contrário, o ódio, sobre a Terra.

A própria deusa Isthar terminou por abandonar em breve o mundo doshumanos e todos os seus amantes mortais, para dirigir-se para os lugaresfreqüentados pelos outros deuses. Lá encontrou-se com Tamuz -jovem deuse belo como um efebo, que presidia as colheitas- e ficou imediatamenteimpressionada pela sua beleza. Até se diz que, quando aquele morreu, adeusa do amor desceu aos abismos insondáveis da Terra à sua procura.Deste modo, se cumpre o relato popular dos assírios, segundo o qualtambém os lugares de perdição -"a casa onde se entra, mas donde não sesai"- conheceram o amor, dado que houve ocasiões em que foram visitadospela deusa Isthar.

A FONTE DA VIDA

Entre os povos mesopotâmicos, o deus Tamuz era especialmente adorado ereconhecido, dado que dele dependiam as colheitas e a fertilidade da Terra.

Segundo a lenda, Tamuz se manifestava em toda a sua intensidade nocomeço da estação primaveral, quando a semente já tinha germinado; oqual se interpretava simbolicamente como a morte desta deidade. E, porisso mesmo, a deusa Isthar foi procurá-lo à morada dos deuses do mal.Pretendia resgatar o seu amado dos tormentos que suportava em tão

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tétrico lugar. Para isso, a deusa Isthar, uma vez que chegou às portas damansão "impossível de abandonar, depois de ter entrado", dirigiu-se para oseu interior sem temor algum. Em cada estância que atravessava iadeixando algum adorno pessoal -colares, aros, pulseiras, anéis. ..- edesprendendo-se das suas vestiduras, até que, por fim, chegou nua perantea presença da soberana dos lugares de perdição, que ordenou aos seusservidores e lacaios que encerrassem a atrevida intrusa no mais recôndito eescuro dos quartos e que lhe enviassem doenças e desgraça sem fim.

Isthar tinha-se proposto ajudar o jovem Tamuz e ressuscitá-lo com aságuas da "Fonte da Vida"; por isso tinha descido aos lugares de perdição edesprendido de todas as suas roupas e atavios.

Outras versões do mito indicam que, dado que Isthar era considerada umadeusa sideral associada, como já dissemos, com o planeta Vênus, tinhapenetrado na região das trevas subterrâneas, transformada em figurahumana, com o propósito de introduzir o culto aos astros.

TERRA SEM RETORNO

Já na mitologia dos povos mesopotâmicos, segundo o citado, aparece umareferência a lugares escuros e tétricos, radicalmente diferentes daquelesque serviam não só de morada, mas também de ponto de reunião dasassembléias das deidades. Posteriormente, outros povos farão seus essesmitos assírio-babilônios; e, assim, nascerá entre os clássicos o relato doTártaro, lugar abissal e de perdição, cujo único soberano será o deus Hades/Plutão, rei do mal e da dor, e senhor da escuridão e das sombras.

A lenda mesopotâmica, em compensação, chama este lugar de castigo"Terra sem retorno" ou, também, "mansão onde se pode entrar, mas dondenão se pode sair". É uma zona escura que se estende pelos confinssubterrâneos da Terra e umas enormes portas resguardam-na do mundoexterior. Quanto ao seu interior, estava composto por sete estâncias o seteestava considerado como um número mágico e sagrado entre os povosassírios e babilônios, e cada uma delas albergava um sem-número decondenados que sofriam, ininterruptamente,os efeitos das "sessentadoenças" e outras tantas desgraças.

Ereshkigal era a dona e senhora da "Terra sem retorno", embora em breveteve que compartilhar o seu reinado com o deus Nergal, que queriaexpulsá-la dos seus domínios subterrâneos, de bom grado ou à força. Mas aastuta deusa, informada da força e da belicosidade de tão funesto deus,propôs a Nergal um arranjo pacífico que consista em unir-se em casamento-o que foi aceitado sem reservas pelo marcial deus- e, assim, governarambos a "Terra sem retorno".

SÁBIO E PODEROSO

Depois de que os servidores de Ereshkigal, seguindo à letra as instruções dasoberana das trevas, terem encerrado a deusa do amor no mais escuro doshabitáculos daquele lugar de perdição e de dor, o mundo dos seres

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humanos caiu sumido na mais abjeta das misérias. E até os próprios deusesforam presa de certa solidão até a essa altura não sentida por aqueles laresdivinais. Terra e Céu cobriram-se de uma espessa névoa e gigantescassombras se espalharam pelo cosmos infinito. A desolação era total e umsepulcral silêncio invadia tudo; só de vez em quando se ouvia chorar comdesespero e umas vozes desgarradas -já exaustas- suplicavam o regressoda deusa Isthar da "Terra sem retorno".

Foi então quando o mais sábio e poderoso dos deuses, que osmesopotâmicos chamavam Ea e que se caracterizava por favorecer e ajudaros seres humanos, decidiu enviar um mensageiro seu bem instruído, pelaprópria deidade, nos mistérios esotéricos, e apetrechado com todas asfórmulas e poderes mágicos até a essa altura conhecido à "Terra semretorno". A lenda assírio-babilônica explica que, assim que o emissário deEa chegou à presença de Ereshkigal, e como esta notasse o afeminamentodaquele,assim como o poder de convencimento das suas palavras, decidiutalvez para perder de vista tão amaneirado embaixador do sábio, benévoloe poderoso deus Ea pôs em liberdade a deusa do amor. Esta foiacompanhada até a saída daquele lugar de trevas por um dos criados deEreshkigal e, durante o caminho de regresso, ia recuperando as peças eadereços que anteriormente tinha abandonado em cada estância queatravessava.

"O AMOR PODE TUDO"

Desde essa altura aumentou o culto à deusa Isthar entre as populaçõesmesopotâmicas e se ergueram templos na sua honra, e voltou o amor aomundo dos homens e os deuses acabaram com as trevas e as sombrasgigantescas e, de novo, a claridade, a luz e o resplendor invadiram o espaçoimenso.

A partir de agora, a povoação assírio-babilônico honrava à deusa doamor,não só pelas conseqüências beneficiosas derivadas do seu regresso,mas também porque era considerada um símbolo emblemático pleno designificação: ela tinha conseguido regressar da "Terra sem retorno"; e o seupoder era agora sublime e único. Só levava como bagagem a sua paixãoamorosa quando percorria os sinistros aposentos da morada dos deuses domal, e ninguém pôde fazer-lhe mal. Isso indica, portanto, que o amor podetudo.

Outras versões do mito da deusa Isthar explicam que houve temposescuros na história dos seres humanos; épocas de guerra e de luta entreirmãos e vizinhos. Um tempo em que só se via miséria e necessidade portodo o mundo. E, quando já os seres humanos desesperavam por encontraruma saída a tanta desolação, tudo parou como por encanto. Mas aexplicação deste novo e satisfatório desfecho segundo contam os mitólogosdevia ter ao seu redor a deusa do amor; e, de resto, todos os eventostinham sucedido durante o tempo em que Isthar se encontrava cativa naescura e lúgubre "Terra sem retorno".

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"ESPÍRITOS E GÊNIOS"

No entanto, ninguém teve a sorte que correspondeu à deusa do amor. E,assim, esta terra de desolação, a "Terra sem retorno", regida pela deusaEreshkigal e pelo seu esposo Nergal amos e senhores do mundo das trevas,alberga tantas almas de condenados que não tinha suficientes habitáculospara contê-las, pelo qual se alinhavam e amontoavam em perpétuadesordem. Estas almas dos mortos eram denominadas "Edimmú", nãotinham sido objeto de culto, ou rito funerário, nem enterradas e, segundoestava escrito nas tábuas de argila, recebiam como único alimento pó ebarro. Não obstante, entre os "Edimmú" havia alguns privilegiados queeram recompensados com algum gole de água fresca e clara. Ao parecer,estes tinham tido no mundo terreal a proteção de GÊNIOS benévolos e, pelomesmo motivo, mereciam um trato especial.

Os GÊNIOS, especialmente os GÊNIOS benignos, segundo a mitologiaassírio-babilônica, tinham a função de relacionar os humanos com osdeuses; realmente, eram intermediários dos seres mortais perante os seresdivinais; desenvolviam, principalmente, uma função protetora e os humanosse encomendavam e confiavam neles.

Os GÊNIOS do mal, em compensação, enviavam ao mundo dos mortaistodas as classes de doenças e horrores. Eles introduziam as desigualdadesentre as sociedades humanas e induziam os homens a realizar ações contraos seus semelhantes. Eram responsáveis pelas brigas entre os familiares,amigos e amantes. Levavam a amargura a todos os lugares da terraporque, segundo a crença popular, tinham-se originado da bílis arrojadapelo deus Ea das profundas águas dos rios, mananciais e fontes que, emocasiões, constituíam a sua morada, o próprio nome de Ea significava "casade água", para a sua superfície. Estes GÊNIOS malignos viviam nasprofundidades das mais escuras cavernas e, quando apareciam aoshumanos, adotavam formas de monstros terríveis e horrorosos. Podiam servencidos utilizando conjuros e, também, por meio de ritos mágicos eesotéricos conhecidos por poucos.

TÁBUAS DO DESTINO

O destino dos seres humanos, segundo a mitologia dos povos assírios,eradiscutido e acordado na assembléia anual de deuses. O deus Nabú que,segundo a tradição mítica dos povos da Mesopotâmia, tinha idealizado eintroduzido a escritura, devia transcrever os acordos lá alcançados e,seguidamente, guardar as tabelas ou tábuas de argila. Desde agorachamar-se-iam "Tabelas do Destino" e nelas se encontrariam gravados, comsignos cuneiformes, todas as circunstâncias e acontecimentos que o futuroreservava a cada criatura humana ao longo do ano que começava. Eramuito importante que Nabú guardasse as "Tabelas do Destino" e queguardasse em segredo as decisões da assembléia de deuses para que,assim, os seres humanos realizassem sem sobressaltos o seu própriodestino anual. Ninguém, exceto os deuses, conhecia o conteúdo das"Tabelas do Destino", mas, no entanto, os humanos podiam ter certosindícios, ou determinada informação, sobre o seu porvir, mediante ossonhos, que também eram enviados pelos deuses, ou mediante emissários.

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O ROUBO MAIS AUDAZ

Portanto, o verdadeiro e o falso, o beneficioso e o prejudicial e, emdefinitivo, o bom e o mau, provinha dos deuses. A vida, os males dos sereshumanos, já estava pré-determinado de antemão, gravado com punção decana manuseado por um escrivão hábil: o deus Nabú.

As "Tabelas do Destino" significavam poder sobre o mundo dos humanos e,pelo mesmo motivo, a sua custódia tinha que ser encomendada ao guarda.Mas, segundo a lenda popular mesopotâmica, um teimoso ladrão conseguiueludir a vigilância do deus Nabú e apoderou-se das "Tabelas do Destino".Este foi o mais importante de todos os roubos cometidos até a essa alturapor uma criatura. Foi efetuado pela ave-tempestade Zu, de quem se diziaque voava tão veloz e era tal a sua ferocidade que nem sequer os deuses seatreveram a perseguí-la. Não obstante, conta a lenda que o deus Marduk,personificação da ordem e da justiça, valoroso e forte como ninguém-, saiuem perseguição do pássaro Zu e conseguiu alcançá-lo; partiu-lhe a cabeça eresgatou as "Tabelas do Destino". Evitou-se assim uma possívelmanipulação que teria conduzido a um terrível caos no mundo doshumanos, e ainda dos próprios deuses que, ao não conhecer o novo destinodaqueles, já não poderiam impor-lhes a sua vontade.

CRIAÇÃO DO MUNDO

Não há duvida de que a mitologia dos povos mesopotâmicos deve bastanteàs civilizações anteriores mas, em quase todos os casos, sobressai pela suaoriginalidade tanto como pela sua criatividade. Foram os assírios queintroduziram lendas carregadas de simbolismo mítico, entre as quais cabedestacar, por exemplo, a narração sobre a"Criação do Mundo", o relatoacerca do "Dilúvio Universal" e a célebre "Epopéia de Gilgamesh".

Antes, muito antes, de Assur capital que deve o seu nome ao grande epoderoso deus assírio, Assur; este aparecia representado, com certafreqüência,sob a figura de um humano que levava duas enormes asas deáguia e Babilônia existirem, ou seja, no princípio dos tempos, aconteceu,segundo a lenda mesopotâmica, o relato da Criação.

Por então não havia nem acima nem abaixo, isto é, nem Céu nem Terra,pois ainda não lhes tinha sido dado um nome. As deidades que moravamentre as águas bravas de oceanos e mares lutaram entre si parademonstrar a sua hegemonia. Das profundidades abissais do mar surgeTiamat que, em união de outros deuses, pretende erigir-se em deidadesuprema. Servindo-se das suas más artes, provoca tempestades e fazcorrer ventos e furacões por todos os lados; consegue criar inumeráveismonstros, tais como cães raivosos e escorpiões gigantescos para formar,por assim dizer, uma espécie de exército invencível.

E, entretanto, as outras deidades elegeram o poderoso Marduk, que seiniciará aqui como destacado protagonista da história mítica e seráreconhecido, por parte dos mesopotâmicos, como deus encarregado de pôrordem e fazer justiça, para que enfrente Tiamat.

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A FLECHA DA MORTE

Marduk tinha-se destacado sempre pela sua coragem e arrojo e, pelomesmo motivo, assim que conseguiu que os outros deuses delegassem nelepara que acabasse com uma deidade tão volúvel como Tiamat, não duvidouum instante. Escolheu imediatamente as suas armas prediletas, aquelas quemelhor sabia manejar: o seu arco bem tensado e o seu saco repleto deafiadas flechas. Teceu também uma tupida e forte rede, com a intenção deapanhar nela Tiamat e partiu à sua procura. Encontraram-se ambos osadversários e travaram feroz batalha; uma certeira flecha sai do arco bemtensado de Marduk e consegue acabar com a vida de Tiamat. O primeiroparte em duas metades o crânio do segundo. Com uma das partes formaráa cúpula celeste; enche-la-á de estrelas e astros e levantará uma mansãopara as deidades que o ajudaram na sua luta contra os deuses rebeldes.Com a outra parte, construiu os cimentos do mundo terrenal e, assim, omundo ficará enraizado e ordenado.

Ainda a superfície da Terra se encontrava alagada pela água dos oceanos.Então, Marduk decidiu fabricar uma gigantesca gelosia que depositou nasuperfície das águas; cobriu todos os seus buracos e celas com pó e barro esurgiu a Terra. Foi originada pela força criadora de Marduk.

O MUNDO DOS HUMANOS

Seguidamente, o deus Marduk amassou com o seu próprio sangue ascriaturas humanas, fez brotar mananciais e fontes entre prados emontanhas, e a Terra se cobriu de rios, arroios e lagos; por fim, pôs nela osanimais selvagens e domésticos e as diversas espécies de aves, e a criaçãoficou concluída.

Outras versões explicam que os seres humanos foram modelados primeirocom argila, o qual constituirá a semente da Humanidade e, graças a isso,Marduk pôde criar o homem. Esta semente tinha sido obtida pela deusaAruru, que gozava de grande prestígio entre a população de Sumer e Akad.Conta a lenda que Aruru tinha modelado com argila figuras femininas,semelhantes a ela própria. Segundo se desprende deste mitomesopotâmico, a mulher foi criada antes do que o homem e constituiu-seem semente da Humanidade. Não obstante, o que se propunham os assírio-babilônios, em todos os casos, era realçar a origem divina da raça humanae, pelo mesmo motivo, a partir disso, confeccionaram os seus mitos sobre acriação do homem e da mulher.

Depois de vencer Tiamat, o resto dos deuses repartiu o mundo entre eles.E, assim, Marduk escolheu ser soberano da Terra; o deus Anú erigiu-se emdono e senhor do espaço imenso e do Céu; e a última deidade quecompletava a trindade de deuses, isto é, Ea, correspondeu reinar sobre aságuas.

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LENDA DO DILÚVIO

Mas os humanos, ainda tendo uma origem divina, não se comportavam emconseqüência com isso e incomodavam os deuses. Estes decidiram inundara Terra para que, assim, perecesse a raça humana. Mas, segundo conta alenda popular, um dos deuses (Ea), deidade que governava sobre as águasapiedou-se dos humanos e escolheu entre eles o mais inteligente epreparado para levar a cabo o seu plano de salvação de todas as criaturas.Ordenou-lhe que construísse uma embarcação grande e que se introduzissenela com a sua família e os seus utensílios. Também devia ter um lugarpara os animais domésticos e selvagens e para um exemplar das diferentesespécies de aves.

Quando estava tudo concluído, e já as portas daquela enorme arca segundose indica no poema, o seu comprimento tinha que ser igual à sua largura setinham fechado, começou a chover torrencialmente e desatou-se um ventoforte. O temporal durou "seis dias e seis noites" e a água alagou a Terrainteira: "toda a espécie humana ficou convertida em lodo".

Mas, ao amanhecer do sétimo dia, a calma voltou, como por encanto, areinar. A barca encalhou no cimo do monte Nissir, que não tinha sidocoberto pelas águas: dela saíram uma pomba e uma andorinha mas, aocabo de algum tempo, voltaram porque não tinham encontrado lugar onderepousar. Passou um tempo prudencial e, desta vez, saiu da barca um corvoque já não regressou, dado que tinha encontrado um local onde pousar-se ecarne com que alimentar-se. Então abandonaram aquela imensa arca todasas outras criaturas e, de novo, houve vida na Terra fértil.

EPOPÉIA DE GILGAMESH

Há já mais de 4000 anos que foram gravadas as andadas e aventuras dolegendário herói babilônico Gilgamesh. Doze tabelas de argila, achadas nafamosa biblioteca, composta por mais de vinte e duas mil tabelas de argila,que Assurbanipal tinha criado na cidade de Nínive, constituíam o suporte docélebre poema de Gilgamesh.

Trata-se, portanto, de uma obra única no mundo, de incalculável valor,tanto literário como mítico. O poema narra a história da amizade entrepersonagens que tinham sido criados para odiar-se. E também descreve otemor que invade os mortais perante a força de Gilgamesh, que tinha sidocriado pela deusa Aruru. Além disso, se relatam os sonhos dos seusprincipais protagonistas e se realça a importância do mundo onírico e a suainterpretação.

Gilgamesh mostrou em muitas ocasiões o seu arrojo e valentia lutando, evencendo, monstros gigantescos como Khumbava, embora semprerecebesse a ajuda incondicional do seu companheiro e amigo Enkidu. Noentanto, houve um tempo em que, segundo narra o poema, tinham sidoinimigos:

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"Contra Gilgamesh se lançou Enkidu, gadelhudo. Se levantou contra ele. Emediram as suas forças na grande praça."

Através de tanta façanha e aventura, descritas no poema, o heróiGilgamesh pretendia encontrar a imortalidade.