Genève A Misteriosa História não-contada
GUIAS INSÓLITOS DO MUNDO Vítor Manuel Adrião
2013
A Misteriosa História não-contada de Genève__________________________________
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A Misteriosa História não contada de
Genéve (Suíça) –– Por Vitor Manuel
Adrião
Sexta-feira, Abr 12 2012
lusophia 17:45
2013
_________________________________________________________ Lusophia | 2013
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Impressão e Edição:
Etálides Edições
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A Misteriosa História não-contada de Genève__________________________________
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INDICE
MEMÓRIA CELTA DE GENÈVE .......................................................................................................... 4
O MUNDO SUBTERRÃNEO DE GENÈVE ............................................................................................ 6
TEMAS DO SANTO GRAAL EM NOTRE-DAME DE GENÈVE ................................................................ 8
JUDAISMO MACABEU NA CATEDRAL DE SAINT-PIERRE .................................................................. 10
OS TEMPLÁRIOS EM GENÈVE ......................................................................................................... 12
OS BUSTOS MISTERIOSOS DA MANSÃO TAVEL ............................................................................... 14
THÉODORE DE MAYERNE, O ALQUIMISTA DE GENÈVE ................................................................... 16
HERÁLDICA FALANTE NO MONUMENTO BRUNSWICK .................................................................... 18
TÚMULO MAÇÓNICO DE GEORGES FAVON .................................................................................... 20
FRANKENSTREIN NASCEU NA VILLA DIODATI ................................................................................. 22
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MEMÓRIA CELTA DE GENÈVE
Os monumentos da época celta não são raros na Suiça e frequentemente são achadas
armas e outros instrumentos que pertenceram aos primitivos habitantes da região
helvética, havendo também construções líticas testemunhas da religião e cultura celtas,
inclusive em Genève (Genebra, em português) e nos arrabaldes desta onde sobressaiem
três monumentos cuja memória merece ser conservada: a Pierre aux-Dames, as Pierres e
a Maison ou Cave-des-Fées.
A Pierre aux-Dames (“Pedra das Senhoras”) foi achada em Troinex e está hoje no
Museu de Arte e História de Genève. Tem esse nome porque estão gravadas nela quatro
figuras humanas femininas datadas, provavelmente, do período celto-romano. Tais
figuras dando as mãos entre si sugerem o acto de estarem criando uma cadeia energética
indo impregnar com as suas energias vitais a pedra, dando-lhe assim um significado
especial dispondo-a como sagrada. O facto é que ela fazia parte de um complexo
arquitectural com finalidade religiosa ligada a algum tipo de culto necrolático e
catalizador das forças telúricas do seio da Terra, isto porque nas suas proximidades
existe um tumulus donde foram desenterrados os restos de três seres humanos datados do
ano 800 antes da nossa Era, ou seja, da Idade do Bronze, como igualmente foram postos
a descoberto vários menires com
aproximadamente 5000 anos de idade.
Existe uma lenda relacionada com a Pierre
aux-Dames: uma camponesa das margens do
Arve que desejava obter um favor das fadas
que viviam na “Pedra das Senhoras”, depôs
uma jarra de leite entre os rochedos e foi
recompensada por isso: uma braçada de
folhas de faia apareceu subitamente no seu
avental. Embaraçada com esse presente, ela
desembaraçou-se dele no caminho de
regresso a casa. Quando aí chegou viu que
no avental sobrava uma folha de faia que
diante dos seus olhos pasmados
transformou-se numa moeda de ouro. Uma
outra versão diz que as fadas, reconhecidas por um serviço prestado, ofereceram a uma
camponesa um cesto coberto com um pedaço de tecido, com ordem de não ver o seu
interior senão quando chegasse a casa. Mas a camponesa era muito curiosa e durante o
caminho de regresso levantou o pano e viu que o cesto estava cheio de folhas, as quais
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apressou-se a deitar fora. Chegada a casa, viu assombrada que uma folha colada ao fundo
do cesto se transformava numa moeda de ouro.
Memória do passado distante, da Pré-História genevense, igualmente merecem visita os
dólmens nos arredores de Genève, entre Voirons e Salève, num conjunto de quatro de
que sobrevivem dois, estando alinhados num eixo norte-sul. De todos o monumento
megalítico mais septentrional é o dólmen da Cave-des-Fées, em Saint-Cergues. Seis lajes
cuidadosamente unidas formam uma câmara rectangular de 3,20 metros por 2,30 metros,
e uma abertura a noroeste situada no centro de um dos lados do dólmen permite aceder à
câmara sepulcral onde foram descobertas ossadas humanas parcialmente carbonizadas.
Os camponeses da região dizem que essa é a “Casa das Fadas”, e assim ficou conhecida
até hoje merecendo a visita para quem queira conhecer esta página praticamente
desconhecida da História da Suiça e, particularmente, de Genève.
A primitiva população de Genève era a celta
da tribo dos Allobroges habitando o território
que se estendia dos Alpes ao Rhône e que no
ano 121 a. C. foram submetidos ao império
romano na época do imperador Júlio César,
que escreveu sobre eles nos seus Comentários
sobre a Guerra das Gálias. Nessa obra, Júlio
César escreve o nome da capital
dos Allobroges: Genua, palavra latina
inspirada na lígure Gene, raiz do
latim Genesus que terá evoluído para o
etimólogo actual Genève, cujo significado
lacustre é “povo do lago”, ou seja, aquele que
vive junto ao Lago Léman sobre as duas
margens do Rhône. A partir do ano 52 a. C.,
os celtas da tribo dos Helvetes(Helveti, em
latim, donde Helvético) vindos do Norte, da actual Alemanha, instalam-se em toda a
Gália transalpina, origem da chamada região helvética, e para impedir o seu avanço Júlio
César mandou fortificar Genève em 58 a. C., atendendo à sua posição estratégica na
região, e foi quando a povoação passou do estatuto de vila a cidade(de vicus a civitas),
contudo nunca esquecendo completamente as suas origens ancestrais, sobrevivendo até
hoje muitos testemunhos aguardando a visita à, afinal, memória celta de Genève.
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O MUNDO SUBTERRÃNEO DE GENÈVE
Sob Genève há uma outra cidade subterrânea constituída de vastas galerias prolongando-
se em várias direcções, aproveitadas no século XIX para guardar e conservar os
alimentos devido à frescura permanente nessas cavernas formadas de conglomerados
glaciários e sedimentos do rio. Cerca de 1920, com a evolução da refrigeração mecânica,
essa utilidade rudimentar cessou, particularmente nas Grutas do Cardeal, situadas a
jusante do viaduto ferroviário da Junction, cuja visita não deixa de abismar qualquer
pessoa diante da sua estrutura com escadarias, portais comunicando de uma galeria para
outra, e abismos que se perdem nas entranhas da Terra. É uma visita obrigatória mas
exigindo muita prudência, o que requer a companhia de um guia experiente.
Na colina do Bois-de-la-Bâtie tem-se acesso
às Grutas da Torre, cujas vastas galerias
subterrâneas vieram a ser cimentadas a partir de
1873 para aí se cultivarem cogumelos. Ao longo
de todo o século XX os famosos “cogumelos de
Paris” eram originários das entranhas da terra
genevense, deixando-se de os cultivar já perto
dos anos 80. Estas grutas também são formadas
de terrenos do último período glaciário, oWürm,
na sua parte superior e pelo Aluvião Antigo na
sua base.
O terceiro grupo de cavernas desenvolve-se ao
longo do caminho de Chancy, chamadas Grutas
de Chancy, situando-se o acesso principal a elas
na desembocadura da estrada dos Péniches.
Desde a primeira metade do século XIX que fazia-se a exploração de saibro nelas,
actividade terminada cerda de 1880.
Apesar de estarem actualmente classificadas como património arquitectónico de Genève,
este conjunto de grutas naturais acrescidas de galerias artificiais no século XIX está hoje
num estado deplorável com as paredes repletas de grafites e dejectos no solo provocados
por grupos marginais que se aventuram nas entranhas da Terra em busca de aventuras
impúberes, alguns entregando-se a práticas «esotéricas» mais infantis que sérias, todos
tendo em comum a depradação deste património único.
Sem dúvida que as grutas já existiam antes dos genevenses as aproveitarem para fins de
utilidade imediata, e pela antropologia das religiões antigas locais descobre-se que o
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homem primitivo procurava-as como lugares de culto à Mãe-Terra e aos deuses ctónicos,
dispondo-as como espécies de hipógeos ou “templos subterrâneos” protegidos por esses
mesmos deuses infernais ou do interior da Terra.
Com efeito, na simbologia tradicional a caverna é tomada como arquétipo do útero
materno, figurando nos mitos de origem, de renascimento e de iniciação de numerosos
povos. Sob a designação genérica de caverna, incluem-se igualmente as grutas e os
antros, se bem que não haja sinonímia perfeita entre essas palavras. Entende-se
por caverna um lugar subterrâneo ou rupestre de tecto abobadado, mais ou menos
afundado na terra ou na montanha, e mais ou menos escuro. O antro será uma espécie de
caverna mais sombria e mais profunda, situada bem no fundo de uma anfractuosidade
sem abertura directa para a luz do dia; no entanto, excluiu-se o covil, guarida de animais
selvagens ou de bandidos, cujo significado nada mais é do que uma forma corrupta do
símbolo em causa.
A caverna também é considerada como um “gigantesco receptáculo de energia” oriunda
do seio da Terra, portanto, de natureza telúrica e não celeste. Por isso, ela sempre
desempenhou um papel determinante nas operações mágicas das religiões antigas. Como
templo subterrâneo, a caverna guarda as lembranças do Período Glaciário que foi um
verdadeiro segundo nascimento da Humanidade. Ela é propícia às iniciações, ao
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sepultamento simulado, às cerimónias que circundam a imposição do elemento mágico.
Simboliza a vida latente que separa o nascimento obstétrico dos ritos da puberdade. Põe
em comunicação o homem primitivo com as potências ctónicas (divindades que residem
no inerior da Terra) da morte e da germinação ou renascimento.
De maneira que o “mundo subterrâneo” de Genève é um testemunho único da presença
humana ancestral cuja religião mágica natural ficou assinalada para sempre neste
património absolutamente singular, cuja visita é necessariamente obrigatória.
TEMAS DO SANTO GRAAL EM NOTRE-DAME DE GENÈVE
A basílica de Notre-Dame de Genève é o principal santuário católico desta cidade desde
que a antiga catedral de Saint-Pierre se tornou templo protestante. Daqui saem os
peregrinos que vão a Santiago de Compostela, na Galiza, seguindo a Via Gebennensis ou
“Caminho de Genève”, sendo motivo de grande veneração a imagem branca da Virgem
Imaculada oferecida a este templo pelo Papa Pio IX em 1937, a qual encontra-se na
capela central do deambulatório.
Esta igreja de Nossa Senhora foi construída entre 1852 e 1857 no estilo neo-gótico, em
parte inspirada na catedral de Beauvais segundo o desenho do arquitecto Alexandre
Grigny. A sua consagração fez-se em 4 de Outubro de 1857 pelo abade Gaspard
Mermillod, futuro vigário episcopal de Genève e depois cardeal, e que mais tarde seria
expulso da Suiça pelo seu governo. Com efeito, após a chegada ao poder de um governo
anti-clerical esta igreja foi ocupada e fechada em 5 de Junho de 1875, acompanhada de
manifestações hostis contra os católicos romanos que só a recuperariam em 1911-1912.
Finalmente, em 5 de Dezembro de 1954 François Charrière, bispo diocesano, pronunciou
em nome do Papa Pio XII a elevação deste santuário ao estatuto de “basílica menor”.
Motivo de grande interesse nesta basílica menor são os seus belíssimos vitrais em Arte
Nova que além do sentido confessional relacionado ao culto católico, reservam a
mensagem do Sang Greal ou Sangue Real pertinente ao tema do Santo Graal aqui a ver
com Clóvis I (466 – 27.11.511) que iluminado pelo Espírito Santo iniciou a Monarquia
Sagrada de França como Coração da Europa, motivo este mais que suficiente para o
governo helvético repudiar violentamente as pressupostas tentativas encapotadas ou
simples simpatias de anexar a Suiça a França.
É assim que aqui aparece retratada num vitral Santa Clotilde (475 – 3.6.545), mulher do
rei Clóvis, a quem o Arcanjo São Gabriel terá aparecido e lhe oferecido o lírio (flor-de-
lis) como sinal da Providência Divina e da conversão de França ao Cristianismo, motivo
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para a sua conclamação pela Igreja como modelo da Rainha do Céu na Terra, possuída
dos predicatos de Providência e Conversão, ficando reconhecida para sempre como
“rainha santa” associada ao Sangue Real de Cristo contido na Taça Sagrada que, aqui,
está representada no útero materno da própria rainha de cujo sangue e seiva brotou a
dinastia franca dos reis que ao longo das páginas da História a aclamariam Saint Vaisel,
ou por outra, o Santo Graal representado nessa mesma Mulher de eleição divina. Por
isso, ela aparece neste vitral com o halo da
santidade carregando numa mão a cruz da Fé e na outra o
ceptro da Realeza, o que se traduz por Realeza Divina e
dando-a como Princesa do Sang Greal, ou por outra, Mãe
da geração eleita, portadora do sangue santificado pela
Graça do Espírito Santo, que viria a reinar na França desde
esse longínquo período merovíngio.
Se Santa Clotilde é o modelo perfeito da Mãe Divina, esta
a Rainha do Sang Greal, Ela aparece num outro vitral onde
é coroada pelo Filho, tendo acima a Pomba do Espírito
Santo e no topo o Padre Eterno. A Coroação da
Virgem equivale à sua proclamação como Rainha dos Céus
e da Igreja, a incarnação do Espírito Santo cujo poder
manifesta-se pelos sacramentos, sobretudo o da conversão
que é o do baptismo, seja pela água da confissão, seja pelo
fogo da sabedoria ou entendimento. Neste último sentido,
a Coroação da Virgem Maria equivale ao seu
reconhecimento como Shekinah,a “Presença Real de Deus
na Terra”, tema caríssimo à Cabala judaica incorporado no
Cristianismo como “Coroação da Virgem”. A palavra
“coroa” é originalmente muito próxima dessa outra
“corno”, e exprimem a mesma ideia: a de elevação, poder,
iluminação. Uma e outro elevam-se acima da cabeça e são
simbólicas do poder e daluz. Este será o significado
da coroa crística imposta a Santa Maria pelo seu Divino
Filho, pois só se chega a Ele por Ela, tal como só por Ele
se chega a Deus Pai. Por esta razão, Maria tinha que ser reconhecida como Rainha do
Mundo e do Céu.
A origem do tema “Coroação da Virgem” tem por base o último episódio da vida de
Santa Maria, sendo a sequência da Assunção ou Dormição. A sua base bíblica é
encontrada no Cântico dos Cânticos (4:8), nos Salmos (44:11-12) e no Apocalipse(12:1-
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7). O título de “Rainha do Céu” (Regina Coeli) dado a Maria remonta, no mínimo, ao
século XII e a São Bernardo de Claraval. O tema foi atraído a partir da ideia da Virgem
Maria como o “Trono de Salomão”, que é o Trono de Glória onde a Mãe se senta com o
Menino no regaço. Desde então o trono foi assumido cada vez mais como assento da
realeza retratando a corte celestial espelhada na corte terrena.
A “Coroação de Maria” é o quinto mistério glorioso do Santo Rosário, cujo fruto é a
perseverança, a confiança na intercessão da Mãe de Deus. A Igreja Católica celebra o
evento em 22 de Agosto.
JUDAISMO MACABEU NA CATEDRAL DE SAINT-PIERRE
O visitante mais atento da Catedral de São Pedro de Genebra não deixará de ficar
surpreendido com a visão geral da capela dos Macabeus repleta de simbolismos e
significados ocultos principalmente nas suas pinturas murais, posto estarem em
contradição aberta com a religião protestante a que pertence este templo a qual é nada
afim ao figurino simbólico característico da religião católica.
Edificada segundo o gosto do gótico flamejante do século XIV quando se a decidiu
construir (1397), sendo terminada em 1405-1406, a sua abóbada reparte-se em três
corpos com nervuras partindo de medalhões centrais, sendo os seus frescos maravilhosos
o que resta do original destinado a capela funerária pelo cardeal Jean de Brogny, que a
mandou fazer pondo-a sob a evocação de Santa Maria, e posteriormente dos Santos
Macabeus. Isto quando a catedral era a sede católica do bispado de Genève (Genebra),
antes de tornar-se a principal igreja protestante da cidade desde 1535.
Os três corpos da abóbada representam as Três Pessoas da Santíssima Trindade: o Paié
alegorizado no corpo central decorado com Querubins sob um fundo vermelho
purpurado, cor indicativa do mais elevado estado de espiritualidade representada por essa
Corte celestial a quem se atribui a Sabedoria de Deus, por o seu nome
hebraicokerub significar “tesouro” e este ser entendido como o tesouro divino da
Sabedoria que dá a potência do entendimento de Deus. O corpo abobadal à direita
expressa as qualidades do Filho: sob o fundo azul estrelado em ouro, destacam-se doze
Anjos musicais representativos da Harmonia que assiste ao Universo, expressando cada
Anjo um signo do Zodíaco simbólico do mesmo Universo. Pelo Som ou Verbo
Deus tomou forma, incarnou, como diz logo ao início o Evangelho de São João, “…e o
Verbo era o Filho”. É este o significado dos Anjos musicais na abóbada celeste. O
terceiro corpo da abóbada, à esquerda, simboliza o Espírito Santo manifestado na
Natureza, e por isso o mesmo irradia como Sol Central indo vivificar o Mundo Natural
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representado por motivos florais multicoloridos sobre fundo azul, esta a cor tradicional
da Mãe Divina em quem se manifestou o Espírito Santo, segundo as escrituras sagradas.
O movimento divino impulsionando a actividade terrena está representado abaixo num
trabalho em ferro forjado, servindo de grade, onde se vê o circungiração destrocêntrica
do Universo tendo ao centro uma flor em cruz representativa da própria Divindade. Tudo
isso vem a ser alegoria da cosmogonia cristã desenvolvida pelos padres apostólicos dos
primeiros séculos do Cristianismo, ainda muito influenciados pelas ideias metafísicas de
Platão e Pitágoras, as principais referências da Antiguidade clássica. Mas também, pelo
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sentido dominante de movimento, no plano imediato é referência velada a macabeu, isto
é, “martelo” (maqqaba), tomando o significado de “acção, movimento”.
Os macabeus eram os “martelos” do Senhor, como alusão à sua força nas batalhas contra
aqueles que se opunham ao Deus Único e Verdadeiro de Israel, formando um poderoso
núcleo de resistência contra a helenização forçada praticada pelos selêucidas no século II
a. C., vindo a fundar a dinastia dos hasmoneus que governou Israel desde o ano 164 a 63
a. C., reimpondo a religião judaica.
A tradição cristã celebra a 1 de Agosto os Sete Santos Macabeus e a sua mãe, cujo
martírio é descrito no capítulo 7 do Livro II dos Macabeus, na Bíblia, base da lenda que
proveio do Médio Oriente para o Ocidente durante a Idade Média, onde se conta que sete
jovens judeus tendo recusado comer carne de porco foram martirizados com a
progenitora por ordem do rei selêucida grego Antiochus IV Epiphanio, isto é, recusaram
converter-se à helenização preferindo o martírio.
A Bíblia não dá os nomes dos macabeus martirizados nem o de sua mãe, mas as lendas
medievais posteriores dão-nos e foi assim que entraram no martiriológio cristão
conhecidos como Hanna, a mãe, e Abim, Antoine, Gourias, Eléazar, Eusébon, Akhim
(Samonas), Marcel. Esta capela de Saint-Pierre destinou-se originalmente a abrigar as
relíquias dos Santos Macabeus, mas a conversão da região helvética ao protestantismo
anulou a intenção, ficando só a capela evocativa dos mesmos cujo milagre aqui será o de
terem sobrevivido até hoje os maravilhosos frescos que a decoram com magnificência,
tornando-a única em Genève.
OS TEMPLÁRIOS EM GENÈVE
O primeiro documento que assinala a implantação da Ordem dos Cavaleiros Pobres de
Cristo e do Templo de Salomão em Genève é uma carta de 1196, onde o bispo Anthelme
atesta uma transacção entre o convento de Saint-Victor e o templário Nanthelme a
respeito de um oratório construído por esse último em Cologny. Sabe-se que o papa
havia autorizado os cavaleiros templários a poderem construir livremente oratórios e
capelas sem necessidade de as referir às autoridades eclesiásticas. Os terrenos em torno
desse oratório ou capela também pertenciam à Ordem do Templo que neles se dedicava à
exploração agrícola, e uma outra carta de 1277 cita a presença de um preceptor templário
na granja de Bans, dita Cologny, com um capelão ao serviço da Milícia para aí exercer
os serviços religiosos.
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Com a abolição da Ordem do Templo em 1313 os
seus bens imóveis genevenses foram transferidos
para a Ordem de São João do Hospital, vulgo dos
Hospitalários e depois de Malta, incluindo os da
comenda de Cologny, de que ainda sobrevivem
alguns edifícios e colunas com gravações da época
dos templários, havendo sobre a entrada na granja
reconstruída uma cruz de Malta com a data 1636,
tendo a desaparecida capela templária desabado em
ruínas em 1780. Alguém reconstruiu o portal
principal gravando nele a cruz do Templo, em
memória do dono original do lugar desde o século
XII ao século XIV.
A Casa-Mãe da Ordem do Templo em Genève situava-se nas Eaux-Vives, cujo domínio
abrangia a paróquia da Madeleine. Esta importante comandoria templária estava
instalada entre a actual Rua de Saint-Laurent e o cruzamento da Rua de Itália e da Rua
de Rive. Ela situava-se junto à porta da cidade onde desembocavam os caminhos vindos
de Saint-Victor levando a Chêne, e possuía o seu próprio porto privado nas margens
junto à colina de Cologny.
Perto da Casa-Mãe do Templo havia a sua Torre-Mãe
entretanto demolida em 1864, cuja massa imponente
protegia e vigiava todo o espaço entre os portos de
Yvoire e de Rive. Haviam canais estreitos entre as
casas, os doues, que davam ao lugar um aspecto
lacustre. Mais tarde seriam substituídos por ruas
pavimentadas : a Rua de la Doue (actual Rua de da
Tour-Maîtresse) a Rua du Sange (Rua du Prince) e a
Rua du Coq-d´Inde ou do Jeu-de-Paume (Rua du Port).
As águas do lago chegavam até à Rua da Croix-d´Or, e
da torre templária demolida ficou a memória na
palavras esculpidas perto daí: “Genève, cidade de
refúgio”.
A igreja de Saint-Gervais, situada na Rua dos
Terreaux-du-Temple, terá andado aforada aos bens
imóveis religiosos desta Ordem em Genève, facto
atestado por várias sepulturas medievais de
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pressupostos cavaleiros templários que recentemente os arqueólogos desenterraram aí e
que podem ser vistas pelo público geral, assim podendo fazer uma viagem desde a
História Medieval à Pré-História de Genève.
A igreja de Santa Maria Madalena também teria sido frequentada pela Ordem do Templo
que, inclusive, possivelmente terá colaborado na sua reconstrução prolongada desde
século XI aos finais do século XII. Também neste templo genevense pode visitar-se o
seu sítio arqueológico onde aparecem sepulcros e restos de construções da época dos
templários, além de outras ainda mais antigas. Regista-se ainda numa porta lateral
exterior desta igreja a cruz de Jerusalém, por certo evocativa dessa capital da Terra Santa
onde a Ordem dos Templários se formou em 1118, com a presença de Hugues de Payens
e os seus oito companheiros diante do rei Balduíno II de Jerusalém.
A igreja de Saint-Pierre desta cidade também anda ligada à presença templária, dizendo-
se mesmo que terá abrigado nos séculos XII-XIII uma confraria de construtores livres
mestres na arte da escultura e da talha, os quais gozariam da protecção da Ordem.
Possuindo originalmente a denominação Saint-Pierre-ès-liens, em referência à primitiva
basílica romana, a sua cripta data da época dos templários (século XII, quando foi
anexada à igreja) e pode ver-se nela vestígios dos mesmos, além de outros da cultura
paleocristã da época romano-visigótica. Aliás, na sala do bispo vê-se no chão ladrilhado
a cruz pátea igual à do Templo, o que é muito significativo.
Por certo haverão outros vestígios templários nesta cidade que sobreviveram à
inclemência do tempo e dos homens, mas descobri-los é aventura que fica ao cargo de
quem se perde e se acha no deslumbre único que Genève oferece.
OS BUSTOS MISTERIOSOS DA MANSÃO TAVEL
Situada no coração da cidade antiga, na Rua do Puits-Saint-Pierre, n.º 6, a Mansão Tavel
representa um testemunho único da arquitectura civil medieval na Suiça. É,
efectivamente, a habitação privada mais antiga conservada em Genève.
A primeira construção no sítio remonta ao século XII, mas a casa não entrou na posse
dos Tavel, família rica da nobreza local, senão no final do século XIII. Em 1334, um
grande incêndio consumiu metade da cidade e destruiu a moradia dos Tavel, que a
reconstruíram em 1339. A estrutura tomou a feição de casa forte e palácio urbano, e
desde então foi considerada a residência mais bela da cidade. Após a extinção desta
família no final do século XVI, a mansão passou pelas mãos de diferentes proprietários.
Ao nível arquitectónico, as maiores modificações que sofreu deram-se no século XVII e
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depois no século XVIII, com a demolição de uma das suas duas torres. Classificada
como monumento histórico em 1923, a mansão foi adquirida quarenta anos mais tarde
pelas autoridades comunais de Genève, transformando-a num museu da história urbana e
da vida quotidiana genevense em 1986.
Concebida pelo arquitecto genevense Auguste Magnin, a Mansão Tavel caracteriza-se
pelas dez cabeças policrómicas esculpidas na sua fachada dispostas num modelo
geométrico (incompleto) que até hoje trazem os estudiosos intrigados. Tais cabeças
representarão as dos principais membros da família Tavel e vêm substituir as
tradicionais gárgulas e quimeras que caracterizavam a decoração das fachadas dos
edifícios medievais. Assumem aqui, segundo o conceito tradicional, a função de entes
protectores do edifício contra as forças do mal e os seus emissários, nomeadamente o
Diabo e os seus algozes. Quem era esse Diabo no tempo da família Tavel? Precisamente
o Bispado de Genève. Com efeito, na metade do século XIV os Tavel destacaram-se pelo
importante papel político-social de oposição à Genève episcopal. Assim, participaram
notavelmente de maneira decisiva, por vezes com armas nas mãos, nas lutas de
emancipação do Bispado e na constituição da Comuna. Por este motivo, a sua residência
era uma casa forte, isto é, um quase castelo.
Na fachada destacam-se bustos de figuras masculinas e femininas coroadas, alusivas à
nobreza Tavel, e outras não coroadas mas de aspecto distinto e sorridentes, com ar
malicioso num trajeito de desdém pelos adversários, no caso as autoridades episcopais,
vendo-se também bustos de animais. Do conjunto sobresssai uma expressão de chacota
relativa a personagens locais, de crítica social ou dos costumes da época, o que constitui
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uma maneira de comunicação através de figuras antropomórficas, característica da fase
final do período gótico, cujo significado era apreendido pelo povo deduzindo de
imediato o conteúdo geral da mensagem assim representada.
As cabeças humanas representam a parte mais elevada e nobre do corpo onde se
manifesta a inteligência, e nisto subentende-se o “encriptado” do seu significado: os
Tavel eram mais inteligentes e progressistas que o poder secular episcopal de Genève.
Este era denunciado por eles apontando-lhe os seguintes vícios privados tornados
públicos pelas expressões escultóricas: luxúria (simbolizada pela cabeça de porco), gula
(representada na figura do urso, bastante afectada pelo tempo), orgulho (assinalado na
cabeça de leão) e, sobretudo, a ganância (onde a cabeça de cão repete-se duas vezes).
Tudo isso sendo uma monstruosidade (representada na cabeça de monstro)
psicossocial por parte da Igreja corrupta e corrompida que a família Tavel combateu até
finalmente destruir o seu poderio.
O poder Tavel, representado nas três águias armadas do seu brasão, significando a águia
a nobreza e o domínio em heráldica, veio a ser a força social mais importante de Genève
que a ela deve o impulso vital na marcha avante no caminho do progresso e da
emancipação das mentalidades. Nisso tudo reside, afinal, o intrigante significado
encriptado dos bustos da Mansão Tavel, até hoje sorrindo desdenhosos da prepotência
dos poderosos do mundo que continuam a existir.
THÉODORE DE MAYERNE, O ALQUIMISTA DE GENÈVE
Genève foi berço natal de um dos maiores médicos, químicos e alquimistas da
Renascença, apóstolo de Paracelso, que deixou a sua marca indelével na Suíça, na França
e na Inglaterra: Théodore Turquet de Mayerne.
Nasceu em em Genève no dia 28 de Setembro de 1573 e faleceu em Chelsea, Londres,
em 22 de Março de 1654 ou 1655. Nascido numa família protestante genevense, o seu
pai Louis, um historiador huguenote francês que fugira de Lyon após o massacre do dia
de São Bartolomeu, instigado em 1572 pelos católicos romanos durante as guerras
religiososas francesas, promoveu a sua educação nas regras mais estritas do calvismo
protestante, encarregando-se disso o seu padrinho que outro não era senão o famoso
teólogo Théodore de Bèze, a quem deve o sobrenome. Théodore afirmava que o seu avô
chamava-se Jacques de Mayerne, dito Turquet, e que o brasão da sua família remontava
ao imperador Frederico Barbarossa (1122-1190).
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Mayerne iniciou os seus estudos em Genève, mudando-se depois para a Universidade de
Heidelberg, na Alemanha. Mais tarde transferiu-se para Montpellier, no Sul de França, a
fim de estudar Medicina, na qual se formou em 1596 recebendo o doutoramento em
1597. Na sua tese, sob a orientação do médico francês Joseph du Chesne (1544-1609),
defendeu o uso de medicamentos químicos no tratamento de doentes. Aqui aparece pela
primeira vez a aproximação de Mayerne às teorias de Paracelso (1493-1541), o célebre
alquimista, de quem Joseph du Chesne era discípulo e terá influenciado decisivamente o
notável genevense de quem foi, por sua vez, mestre nos segredos da Farmacopeia, da
Química e da Alquimia.
Como químico e alquimista, Théodore de Mayerne trabalhou com diversos cientistas no
desenvolvimento de novos pigmentos extraídos de substâncias minerais coloridas que
artificialmente ele desenvolvia, sobretudo a cor púrpura. Nessa época da sua associação
com du Chesne e tendo se mudado para Paris em cuja universidade exerceu entre 1600 e
1606, aumentou o círculo de hermetistas e alquimistas em seu redor. Devotos de
Paracelso, todos acreditavam estarem reavivando a sabedoria dos antigos filósofos
naturais pré-platónico, conhecidos como theologi prisci, onde se incluíam os nomes de
Zoroastro e Hermes Trimegisto. A natureza alquímica das suas experiências foi muito
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criticada pelos seguidores de Galeno que constituíam a maioria e formavam a opinião
geral na Faculdade de Medicina de Paris. Mas a eficácia dos remédios químicos
descobertos e utilizados por Mayerne, baseado nos escritos de Paracelso, era tamanha
que superava as críticas dos opositores, e dentre os seus inúmeros pacientes curados
conta-se Armand du Plessis, mais tarde Cardeal Richelieu, a quem tratou de gonorreia
em 1605.
Em 1610 mudou-se para Londres e no ano seguinte já era o médico real de James I. Em
1616 foi eleito reitor do Royal College of Physicians, e sem abandonar as suas
experiências físicas foi o primeiro a descobrir o “ar inflamável”, mais tarde
chamadohidrogénio. Nessa época ainda fortemente dominada pelo senso religioso,
considerou-se o “ar inflamável” como o Sopro Ígneo de Deus com que deu início à
Criação, conforme as palavras iniciais do Evangelho de São João: “No Princípio era o
Verbo…”. Esotericamente isso está correcto, posto que até hoje os alquimistas, nas suas
pesquisas sobre os mistérios ocultos da Química, assinalam a presença da Trindade
Divina nos três compostos químicos básicos à manutenção da Vida na Terra, como
sejam: o Pai manifestando-se como Oxigénio ou Prana, a “Energia Vital” dos orientais;
a Mãe expressando-se como Hidrogénio ou Fohat, a “Electricidade Celeste” presidindo à
Manifestação Universal; o Filho revelando-se como Nitrogénio ouKundalini, o
“Electromagnetismo Planetário”. Numa escala menor, essas Forças Cósmicas são
expressadas pelos três “espíritos alquímicos”, assim chamados por tratar-se da essência
dos respectivos elementos: Enxofre para o Espírito; Mercúriopara a Alma; Sal para
o Corpo.
Théodore de Mayern faleceu em Chelsea, bairro londrino, e repousa no cemitério de
Saint-Martin in the Fields com a maior parte dos membros da sua família. O seu
afilhado, Sir Théodore des Vaux, mandou construir-lhe um monumento e publicou as
suas notas médicas no livro Praxeos Mayernian, editado em 1690.
HERÁLDICA FALANTE NO MONUMENTO BRUNSWICK
Quem chega ao Jardim dos Alpes, em Genève, depara-se com um monumento neogótico
junto à Ponte do Monte Branco virado para o Lago Lemano, e poderá estranhar o
figurino cenográfico do mesmo parecendo saído dos antigos romances de cavalaria
medieval, cujos símbolos e figuras são de heráldica falante, por os temas apresentados
remeterem para a condição nobre de quem o mandou fazer ao mesmo tempo que
encerram uma mensagem cifrada cujas linhas gerais são agora motivo de análise.
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Esse monumento poligonal é o mausoléu
do duque de Brunswick, Charles II
d´Este-Guelph (Brunswick, 30.11.1804 –
Genéve, 18.8.1873), erigido neste jardim
em 1879 por vontade testamentária do
próprio que doou à cidade uma
importante soma de dinheiro, pedindo
que em troca lhe construíssem “um
mausoléu situado num espaço eminente e
digno, executado segundo a concepção
prevista recorrendo aos melhores artistas
da época, sem consideração pelo preço”.
Este monumento fúnebre, da autoria do
arquitecto Jean Franel, veio a ser a
representação exacta do túmulo da
família Scaligeri em Verona, Itália,
datado do século XIV.
São muito ricos os materiais utilizados na
construção deste mausoléu onde se
mistura a pedra e o metal. De formato
poligonal com três níveis, estando no do
meio o sarcófago do duque visto numa estátua equestre em baixo, que no início estava no
topo mas passou para aí por razões de equilíbrio, ameaçando desabar. Como nos túmulos
da Idade Média, a estátua jacente do duque tem aos pés o leão heráldico de Brunswick e
é rodeada por anjos com asas de ouro. Se o leão representa a força e o domínio como
animal representativo do próprio Sol, o astro-rei no Zodíaco, já os anjos de asas douradas
expressam a Luz Divina que se pretende ter iluminado a família Brunswick e
particularmente o duque Charles II. No geral, o conjunto representa o domínio temporal
apoiado pelos poderes invisíveis do espiritual, e o o facto dessa alegoria estar
representada aqui justifica-se por Charles II ser o herdeiro legítimo do ducado de
Brunswick e de Hanovre, que a Confederação Germânica não lhe reconheceu em 1827.
Em volta do mausoléu aparecem dentro de nichos vários personagens da família
Brunswick como sendo os ancestrais do duque, distinguindo assim a superioridade
secular desta estirpe que, nas armas e nas letras, mostrou-se sempre maior que as outras,
conforme o entendimento particular de Charles II.
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Dois leões heráldicos da Casa dos Guelfos vigiam a entrada da escadaria de acesso ao
mausoléu, reforçados por duas quimeras aladas que também montam guarda, cada uma
delas tendo diante de si, entre as patas, uma coroa. O conjunto revela a mensagem
seguinte: o duque de Brunswick só não alcançou a realeza (simbolizada do leão) porque
a ambição dos poderosos não lhe permitiram, ficando a coroa distante de si como uma
quimera.
Segundo a mitologia grega, a quimera era um monstro híbrido com cabeça de leão, corpo
de cabra, cauda de serpente ou de dragão e que expelia chamas, sendo filha de Tifão e de
Equidna e tendo nascido das entranhas da Terra. Foi vencida e exterminada por
Belerofonte, herói assimilado ao relâmpago e montado do cavalo alado Pégaso. Esta
alegoria representou-se na estátua equestre de Charles II que estava no topo do
monumento, expressando que no final era ele o vencedor de todas as quimeras
mostruosas nascidas das ambições políticas da sua época que se voltaram contra ele. Foi
o que quis dizer e retratar o duque jacente que, por não ter conseguido vencer de frente a
quimera, acossou-a e pegou-a de surpresa, ou seja, o que não pôde fazer em vida
representou depois da morte, neste seu mausoléu monumental. Originalmente, tanto os
sociólogos como os poetas viam na quimera apenas a imagem de torrentes impetuosas,
caprichosas como cabras, devastadoras como leões, sinuosas como as serpentes, não
podendo ser estancadas por diques e só se conseguindo secar por meio de artifícios:
exaurindo as fontes, desviando-lhes o curso. Foi exactamente isso que Charles II de
Brunswick acabou fazendo neste monumento concebido por ele: não podendo mudar os
acontecimentos históricos, alterou o sentido dos mesmos a seu favor e da honra
heráldica da sua família.
TÚMULO MAÇÓNICO DE GEORGES FAVON
O monumento funerário de Georges Favon que está no Cemitério dos Reis de
Plainpalais, em Genève, é marcado por uns símbolos estranhos associados à simbologia
da Maçonaria e assim mesmo também o próprio jazigo composto por uma pedra erecta
em estado bruto, na qual se gravaram os ditos símbolos do esquadro e compasso
entrelaçados tendo abaixo a dedicatória dos seus Irmãos da Loja Fidelidade e Prudência.
Com efeito, Georges Favon (Plainpalais, Genève, 2.2.1843 – Plainpalais, 17.5.1902) foi
um distinto franco-maçom suiço, inclusive tendo sido Venerável Mestre (ou o que
preside) da Loja “Fidelidade e Prudência” desde 1893 a 1895, pertencendo à Grande
Loja Suiça Alpina fundada em 1844. Esta Grande Loja representa na Suiça a
chamadaMaçonaria Regular, exclusivamente masculina, reconhecida pela Grande Loja
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Unida de Inglaterra (que não reconhece senão uma só Obediência por país). Possui a sua
própria constituição, estatutos e regulamentos adoptando o princípio da liberdade
absoluta de consciência, “respeitando todas as convicções sinceras e reprovando toda a
oposição à liberdade de pensamento”. É assim que “trabalha para a Glória do Grande
Arquitecto do Universo”.
A Maçonaria existe na Suiça desde 1736, quando alguns maçons ingleses fundaram em
Genève uma Loja chamada Sociedade dos Maçons Livres ou Franco-Maçons do Perfeito
Contentamento, indo em seguida fundar em Lausanne A Perfeita União dos
Estrangeiros. Em 1769 uma dezena de Lojas reagrupou-se para formar a Grande Loja de
Genève, e dez anos depois (1779) o Grande Priorado da Helvética constituiu-se potência
maçónica independente. Só em 1844 seria reconhecida “Regular” pela Grande Loja
Unida de Inglaterra, e até hoje mantém o sistema de Altos Graus do Rito Escocês
Rectificado. Actualmente, a Grande Loja Suiça Alpina conta com 83 Lojas e perto de
4000 membros.
Sobre o túmulo de Georges Favon ergue-se a pedra bruta do eterno Aprendiz da
Maçonaria Iniciática. Ela é a representação das imperfeições humanas que o maçom
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deve corrigir sobretudo em si mesmo, usando do esquadro da moral superior e do
compasso da sabedoria espiritual, ambicionando tornar-se uma “pedra polida”, um ser
perfeito capacitado a tornar-se uma “pedra viva” do Templo da Jerusalém Celeste ou o
Oriente Eterno, para onde volveu a alma deste distinto suiço que pautou a sua vida
política em conformidade com a ideologia social da Maçonaria.
A pedra bruta pode ser comparada à “rocha mãe”, termo que designa a rocha bruta
servindo de base para a formação do solo. Ela, por virtude das várias acções naturais,
vai-se fragmentando em pedaços toscos que por sua vez se modificam, refinando-se cada
vez mais em grãos até poderem constituir um solo fértil onde germinem as sementes.
A pedra bruta é o objecto do trabalho inicial de qualquer construção. Cada pedra é única
e liberta-se da sua forma tosca através de um árduo trabalho de aperfeiçoamento, polindo
as suas faces, alisando as suas arestas, para finalmente poder ser uma das peças
indispensáveis do edifício geral. Este trabalho de aperfeiçoamento não dilui a sua
individualidade, pelo contrário, acresce-a, pois consoante a matéria que a constitui terá
um papel diferente no edifício construído.
Como há pedras de diferentes materiais, o trabalhar a pedra bruta igualmente significa
aprender a conjugar no verbo “construir” os diferentes tipos de matérias, ou seja, as
diferentes expressões da actividade física e mental humana.
A superfície da pedra bruta é rugosa e áspera. A Luz ao incidir numa superfície deste
tipo é absorvida, tal qual como o Aprendiz que ainda não reflecte a Luz recebida do
Espírito da Maçonaria. Apenas quando a pedra bruta é trabalhada, transformando-se em
pedra polida, as suas faces lisas passam a reflectir a Luz que nela incide. Assim, a pedra
bruta ao ser trabalhada adquire Força por se poder encaixar com outros blocos, Beleza
pelo seu equilíbrio de formas, e Sabedoria porque ao reflectir a Luz torna-se ela própria
uma forma de Luz transmitida. Tudo isto constitui a mensagem subjacente no singular
túmulo de Georges Favon.
FRANKENSTREIN NASCEU NA VILLA DIODATI
A Villa Diodati de Cologny, junto à margem do Lago Léman, é célebre por ter sido
habitada durante o Verão de 1816 por Lord Byron, Mary Shelley, Percy Shelley, John
Polidori e muitos outros amigos seus, tendo sido durante essa estadia que foram
redigidas as bases dos romances de terror clássicos Frankenstein e The Vampyre.
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A mansão era inicialmente conhecida pelo nome
de Villa Belle Rive, mas Byron mudou-lhe o nome
para aquele da família Diodati proprietária da
mesma. Esta família era descendente afastada
daquela do tradutor italiano Giovanni Diodati, tio
de Charles Diodati e ele mesmo amigo íntimo de
John Milton. Se bem que uma placa comemorativa
indique um suposta visita de Milton aqui em 1638,
a verdade é que a residência não foi construída
senão em 1710, muito depois da morte do poeta.
No século XX pertenceu a uma família belga de
empresários, que a vendeu em 2000 a um homem
de negócios americano.
A Villa Diodati também é vedeta no cinema, onde aparece no filme Gothique com uma
versão moderna da mesma. Mas é na literatura que ela se celebriza, sobretudo graças à
britânica Mary Shelley, autora do romance Frankenstein que começou a escrever aí,
chamando de “Belrive” (Belle Rive) à mansão de Victor Frankenstein. O livro foi editado
em Londres em 1818 com o título Frankenstein ou o Prometeu moderno (“Frankenstein
or the modern Prometheus”).
O romance descreve a tentativa de exploração
polar por Robert Walton, mas a maior parte
da descrição é constituída pela história da vida de
Victor Frankenstein, que Walton recolheu morto
num banco de gelo, história que não é senão a
narrativa pelo próprio Frankenstein transformado
em “monstro”, após aquele ter-lhe dado vida
artificial por meio de inúmeros tormentos a que o
sujeitou, razão do seu grande ódio ao seu criador.
Frankenstein é claramente um romance ocultista.
Mary Shelley ter-se-á baseado nas descrições do
alquimista e cabalista Cornélio Agrippa (1486-
1535), aliás citando-o na sua obra, sobre a antiga
lenda judaica do Golem: uma escultura humana
feita de argila a quem um sábio conferiu o dom de
viver através de um ritual mágico e cabalístico.
Porém, a versão mais famosa dessa antiga lenda
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do Golem, mais conhecido por Rabin Low, atribui a sua criação a uma época muito
anterior remontando aos primeiros antecedentes da Génese bíblica, associando-o ao
Homem Primordial, Adão, e também ao primeiro dos grandes Patriarcas, Abraão, que o
terá construído com um fim benéfico chamando-o terafim, isto é, “ídolo animado
artificialmente”, estando assinalado na Bíblia em Génesis, 31,19, em Juízes, 17,5, e em I
Samuel, 15,22 e 19,13.
Frankenstein, enquanto criatura artificial, nasce de um desafio a Deus, como um projecto
amaldiçoado de um génio que ultrapassa os limites impostos pela condição humana, cujo
sentido é a da Ciência pretender substituir-se à Divindade não olhando a meios para
alcançar os fins, resultando o desastre da criação artificial de um ser humano repleto de
ódio à Humanidade, ou seja, o contrário do terafim que é o títere, “ídolo monstruoso
criado artificialmente”, segundo a Cabala judaica.
Enquanto no primeiro caso há Teurgia ou “Obra Divina”, Magia Branca, conformada às
Leis da Natureza onde o Homem não se revolta contra a Divindade, antes colabora com
o Criador, no segundo caso trata-se abertamente de Goécia ou “Magia Negra”, inimiga
da Natureza e da Humanidade. Esse é o “Prometeu moderno”, reflectindo o avanço
tecnológico desacompanhado do freio moral, o que leva a desaguar em descobertas
precoces que tornam-se inumanas quando aplicadas para fins bélicos, contrários à paz e
solidariedade humanas. Foi neste sentido que Koot Hoomi Lal Sing, um dos Mestres
Espirituais de Helena Petrovna Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, escreveu-
lhe em Outubro de 1882 o seguinte: “A Vida enquanto Vida não é somente
transformável em outros aspectos ou fases da Força penetrando tudo, mas também pode
ser verdadeiramente infundida num homem artificial. Frankenstein não é um mito senão
na medida em que é o herói de um conto místico; na Natureza, é uma possibilidade. E os
físicos e médicos do futuro longínquo inocularão a Vida e reviverão os cadáveres como
hoje se inocula as bexigas e outras doenças mais desagradáveis. O Espírito, a Vida e a
Matéria não são princípios naturais existindo independentes uns dos outros, mas os
efeitos de combinações produzidas no Espaço pelo Movimento eterno”.
Com tudo isso, merece a visita à bela e agradável Villa Diodati, tendo presente que foi
nesse espaço lúdico de Genève que Frankenstein teve o seu berço e onde deu os
primeiros passos pesados e trôpegos, saíndo do livro para a celebridade mundial.
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Contactos: Por correio: ao cuidado de Dr. Vitor Manuel Adrião. Rua Carvalho Araújo, n.º 36, 2.º esq.
2720 – Damaia – Amadora – Portugal
Endereço electrónico: vitoradriã[email protected]
Sítio internet: Lusophia
Vítor Manuel Adrião, renomado escritor esotérico português, é consultor de
investigação filosófica e histórica, formado em História e Filosofia pela
Faculdade de Letras de Lisboa, tendo feito especialização na área medieval
pela Universidade de Coimbra. Presidente-Fundador da Comunidade Teúr-
gica Portuguesa e Director da Revista de Estudos Teúrgicos Pax, Adrião é
profundo conhecedor da História Medieval do Sagrado, sendo conferencista
de diversos temas relacionados ao esoterismo, às religiões oficiais, aos
mitos e tradições portuguesas, às Ordens de Kurat (em Sintra) e do Santo
Graal, das quais também faz parte.
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