VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013
Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar
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Mídia e educação: representações de natureza na publicidade
Marise Basso Amaral Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense
Universidade Federal Fluminense- Faculdade de Educação
Departamento de Sociedade, Educação e Conhecimento
Nayara Elisa Costa da Conceição Graduanda em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Fluminense
Resumo:
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa iniciada em julho de 2012 em função
de uma monografia de conclusão do curso de Licenciatura em Biologia. Para tanto a
temática da investigação foi a produção de representações de natureza na mídia. O
artefato cultural olhado neste trabalho foi a publicidade. Cinco peças publicitárias com
enfoque na utilização de imagens de natureza associadas ao produto anunciado foram
selecionadas e analisadas quanto às suas estratégias de produção dessas representações.
Essas mesmas peças foram apresentadas para distintos públicos com o objetivo de
discutir questões de recepção. Esse trabalho foi realizado tendo como referencial teórico
o campo dos Estudos Culturais. As análises indicaram continuação e intensificação nas
estratégias de naturalização dos produtos anunciados, agora vinculadas à discursos
sobre sustentabilidade, cuidado com o meio ambiente e projetos socioambientais. As
análises dos questionários respondidos sobre as peças publicitárias exibidas em
diferentes espaços ainda estão em andamento.
Palavras-chave: representação, natureza, mídia
Abstract: This work is the result of research initiated in July 2012 due to a monograph of
completion of the Bachelor's Degree in Biology. For both the subject of the
investigation was the production of representations of nature in the media. The cultural
artifact looked this work was advertising. Five advertisements focusing on the use of
images from nature associated with the advertised product were selected and analyzed
for their production strategies of these representations. These same pieces were
presented to different audiences in order to discuss issues of reception. This work was
accomplished with the theoretical field of Cultural Studies. Analyses indicated
continuation and intensification strategies naturalization of products advertised, now
linked to discourses on sustainability, care for the environment and environmental
projects. The analysis of questionnaires on advertisements displayed in different spaces
are still ongoing.
Keywords: representation, nature, media
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O tema escolhido como foco para o desenvolvimento dessa investigação foi a
discussão da mídia como importante instância educativa das formas como nos
relacionamos, significamos e negociamos nossa relação com a natureza. Como esse é
um campo muito vasto de investigação o recorte se deu enfocando a publicidade, mais
especificamente peças publicitárias que passaram na TV no ano de 2006 a 2012.
Destacamos, porém, que o critério de escolha não foi o recorte de tempo. A escolha das
peças para análise aconteceu em função de pesquisar por peças publicitárias que
tivessem como marca a utilização de imagens de natureza em suas campanhas,
produzindo assim, diversos significados sobre ela e ensinando diferentes representações
dessa natureza para diferentes públicos. Além da descrição e análise das peças
escolhidas, nesta pesquisa iniciamos uma aproximação aos trabalhos com recepção, no
sentido de perceber como diferentes públicos interagem com as peças publicitárias
selecionadas, essa parte da pesquisa continua em andamento.
O conceito de representação é uma ferramenta de ampla utilização nos Estudos
Culturais. E nesses mesmos estudos, a representação é uma das práticas centrais na
produção da cultura e uma mediadora, na qual os significados são produzidos e
circulam, através de diversos processos e práticas (WORTMANN, 2001). Aos
entendimentos de Hall (1997b), a representação liga o significado e a linguagem à
cultura. Para este mesmo autor, representar é “uma parte essencial do processo pelo qual
o significado é produzido e estendido entre os membros da cultura” (p. 15). O que se
pode entender que representar é produzir significados através da linguagem.
Hall (1997a) assume uma abordagem construcionista para apoiar sua
argumentação do uso da linguagem para representar o mundo, nessa temática o
“significado é construído na e através da linguagem”, a representação participa na
construção das “coisas” e não é somente vista como um reflexo de fenômenos que
acontecem no mundo. O mesmo autor (op. cit) apresenta dois “sistemas de
representação”, o primeiro diz que para se conseguir interpretar o mundo de maneira
significativa há uma série de conceitos e representações mentais que construímos e, a
partir disso, conseguimos dar significados as coisas. Como diz Hall (1997a, p.17) “o
significado depende dos sistemas de conceitos e imagens formados em nossos
pensamentos que podem „estabelecer‟ ou „representar‟ o mundo, capacitando-nos a
referir coisas tanto dentro quanto de fora de nossas cabeças”. O segundo sistema está
relacionado à linguagem que possibilita a existência de um mapa conceitual partilhado,
através do qual se pode representar ou intercambiar significados ou conceitos. O
referido autor ainda coloca que é:
(...) porque nós interpretamos o mundo de maneira similar, que nós
somos capazes de construir uma cultura compartilhada de significados
e também construir o mundo social que habitamos juntos. É por isso
que „cultura‟ é, às vezes, definida em termos de „significados
compartilhados ou sistemas conceituais compartilhados‟ (p. 18).
É possível entender, então que os artefatos não possuem um significado em si. É
a cultura que acaba lhes dando um real sentido. E a representação se torna o modo de
construção deste sentido. Uma construção guiada a partir de uma rede de significações
instituída e posta em circulação através da linguagem. Quanto a isso, os sujeitos
associam linguagens, e então, representam objetos, práticas, conceitos, “valores
permitindo a construção de entendimentos partilhados sobre as coisas do mundo. E é
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através das representações, então, que atribuímos determinados significados às coisas e
aos sujeitos” (SANCHES, 2007, p. 17).
Assim, tendo esse entendimento do conceito de representação podemos nos
perguntar por que isso é tão central nas análises culturais? Por que é importante para
este trabalho investigar as representações produzidas sobre natureza no discurso
publicitário? Parte dessa resposta vem do entendimento de que o significado que damos
às coisas é consequência do modo como as representamos, e esses significados estão
sendo produzidos, reproduzidos e disputados em diversos lugares e práticas sociais
(currículos escolares, livros didáticos, literatura de ficção, cinema, documentários,
música etc). A representação cultural é uma construção operada a partir de uma rede de
significações instituída e posta em circulação através da linguagem (KINDEL, 2003). É
importante ressaltar que tal operação passa, muitas vezes, despercebida. Assim, muitas
das representações circulantes na cultura (de mulher, de homem, de infância, de escola,
de natureza, de sustentabilidade, de economia verde etc) são “re-apresentadas em
diferentes meios e acumuladas ao redor de certos pontos fixos, adquirem a autoridade
do óbvio, do senso comum, do evidente, do natural, de tal maneira que a sua própria
condição de representação é ocultada” (AMARAL, 1997a, p. 54). Essa autora a partir
das discussões de Pollock (1990) afirma ainda:
Neste sentido, representações (de homem, de mulher, de negro/a de
natureza) não devem ser visas apenas como meros sintomas das
causas externas a elas (machismo, sexismo, racismo,
extravismo/imperialismo), mas antes como possuindo um papel ativo
na produção dessas categorias. (...) representações
articulam/produzem um mundo já repleto de sentidos
(AMARAL,1997a, p. 54).
Estes significados são constantemente produzidos e disseminados através de
uma variedade de meios, meios pessoais, sociais e principalmente, “nos modernos
meios de comunicação de massa, que permitem que os significados circulem entre
diferentes culturas em escala e com uma velocidade até agora não conhecidas”
(WORTMANN, 2001, p. 8). De acordo com a autora, os significados são também
produzidos quando usamos, compramos „coisas‟ culturais, ou seja, quando nos
apropriamos dessas „coisas‟ e utilizamo-las no dia a dia, nas práticas da vida cotidiana,
dando a tais „coisas‟ relevância, valores e significância. “Os significados regulam e
organizam nossas condutas e práticas, participando do estabelecimento de regras,
normas e convenções através das quais é ordenada e governada a vida social”
(WORTMANN, 2001, p. 8). Trabalhar com estudos que envolvam um olhar atento à
cultura e à linguagem demanda alguns cuidados; afirma ela:
(...) se torna necessário atentar, quando do desenvolvimento de
análises culturais, para os processos, os códigos, as estruturas, as
convenções e as práticas em que se produzem diferentes sistemas de
significação em instâncias de produção cultural como o cinema, a
publicidade, a pintura, a fotografia, as diferentes formas de literaturas,
as exposições dos museus, os laboratórios científicos etc (p. 8).
Fischer (1997) destaca que é importante os pesquisadores continuarem se
preocupando em saber em que medida a presença da mídia no dia a dia produz,
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reproduz ou dinamiza valores, convicções, sentimentos, preconceitos que transitam na
sociedade. E ainda insiste que hoje se entende muito mais do caráter educativo desse
artefato que é a mídia e justifica com isso o empenho de se olhar e estudar essa
instância. Para essa autora, as inúmeras e diversificadas formas de nos comunicarmos,
de divulgarmos conhecimentos, informações e mercadorias, “parecem afirmar em nosso
tempo o estatuto da mídia não só como veiculadora, mas também como produtora de
saberes e formas especializadas de comunicar e de produzir sujeitos, assumindo nesse
sentido uma função nitidamente pedagógica” (p.61).
Fischer (1997) nos diz ainda que em cada produto, seja ele um vídeo, um
capítulo de novela, um filme, um desenho animado, um comercial, uma reportagem etc,
este é visto como “materialidade discursiva”, como gerador e veiculador de discursos,
como tecnologia de informação. E, sendo assim, um constituidor de sujeitos sociais.
Fischer (2002) ainda destaca que a mídia opera no sentido de participar efetivamente na
constituição do sujeito, na medida em que produz imagens, significações e saberes que
de alguma forma „fala‟ da educação das pessoas, ensinando-as modos de ser e estar na
cultura em que vivem. Assim, como exemplo, uma telenovela, nesta perspectiva, não
seria apenas fonte de alienação, mas também um lugar de constituição de identidades
sociais e culturais. O sujeito receptor deixa de ser visto apenas como consumidor e
passar a ser compreendido como ator num espaço de produção cultural (FISCHER,
1997).
Essa mesma autora nos lembra que os textos da mídia são documentos
produzidos para ampla circulação. As empresas têm essa finalidade de comunicação, de
fazer circular em escala massiva os seus discursos, contudo, mais que colocar no ar uma
série de enunciados de várias formações discursivas (cujas formações disputam na
sociedade uma hegemonia das significações), “a mídia constrói, reforça e multiplica
enunciados propriamente seus, em sintonia ou não com outros discursos e outras
instâncias de poder. A mídia hoje funciona como um lugar privilegiado de superposição
de “verdades”, um lugar de produção, circulação e veiculação de enunciados de diversas
fontes. Qualquer discurso materializado em entrevista de TV ou em cena de novela é
passível de ter sua força ampliada. E com isso, temos que “os sujeitos sociais não são
causas, não são origem do discurso, mas são efeitos discursivos” (PINTO, 1988 apud
FISCHER, 1997, p. 65).
Hoje em dia, mais do que consumidores de produtos, somos consumidores de
imagens, significados, comportamentos, tendências que nos ensinam valores, desejos e
frustrações, ou seja, modos de ver e de nos comportarmos em relação a nós mesmo, aos
outros e aos produtos. E uma das estratégias principais para colocar e manter o consumo
engendrado no cotidiano é o uso de diferentes mídias e o recurso da publicidade e do
marketing que se expande cada vez mais (GASPAROTTO, 2010).
Desde o século XX que vivemos em uma sociedade onde a publicidade tornou-
se o discurso público dominante; a publicidade se torna um texto social capaz de nos dar
sinais das tendências sociais, de moda, de valores contemporâneos e daquilo que
realmente interessa para os que dirigem o capitalismo do consumo (KELLNER, 2002
apud GASPAROTTO, 2010, p. 5).
A imagem publicitária é propícia à investigação dos processos relacionados a
significação de imagens porque esta se dá de maneira intencional: “são certos atributos
do produto que formam a priori os significados da mensagem publicitária, e estes
significados devem ser transmitidos tão claramente quanto possível; se as imagens
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contém signos, temos certeza que em publicidade eles são plenos” (BARTHES, 1990
apud AMARAL, 1997a, p. 119).
A indústria midiática, no que diz respeito às questões ambientais, tem
evidenciado um poder enorme de comunicação e convencimento, basta lembrar quantos
anúncios publicitários, notícias e imagens veiculam diariamente relacionadas ao meio
ambiente (GASPAROTTO, 2010). Essas peças publicitárias utilizam imagens de
natureza para vender seus produtos, e essas imagens são capturadas pela cultura para a
participação em uma rede simbólica que não vai mais falar da “natureza em si”, mas
passa a representar uma série de valores e conceitos (tecnologia, saúde, beleza, pureza
etc) que ajudam a vender diversos produtos: carros, refrigerantes, danones, leites,
cosméticos etc (AMARAL, 1997a).
Amaral (1997b) em seu trabalho nos apresentou como algumas representações
de natureza apareciam no mundo dos anúncios na segunda metade da década de
noventa. Algumas reforçavam a ideia de um mundo natural distante e rude, onde estaria
a “verdadeira natureza”, seus perigos e desafios. Vemos este aspecto em campanhas que
falam de aventura, de liberdade, de superação (consumo de carros, TVs, computadores –
consumo da tecnologia). Outra maneira era o anúncio dar continuidade ao mundo
natural, não mais perigoso e distante, mas sim uma natureza romântica e bucólica. Esse
modo pode se ver em produtos de beleza, remédios, produtos de limpeza – onde
“naturalmente” compramos a saúde e a beleza natural. Outras campanhas usavam as
imagens de natureza como o contraponto negativo de tudo aquilo que determinado
produto podia oferecer, a natureza aparecia então como o “outro” (inferior, submisso,
fonte passiva de inspiração, que deve ser dominado). Esses anúncios falavam da
diferenciação/destaque no consumo de seus produtos contra a mesmice, o tédio e a
homogeneidade materializados nas imagens de natureza, sempre pano de fundo, sempre
o cenário passivo para ressaltar o produto em questão (AMARAL, 1997b).
Algumas das peças publicitárias que analisamos no presente trabalho ainda estão
imersas nesses moldes. Outras apresentam um movimento relativamente novo na
construção das representações de natureza, porém ainda circunscrito ao cenário da
naturalização. Esse agora adquiriu definitivamente o tom “verde” da educação dos
sujeitos para um consumo “engajado”, social e ambientalmente correto. Nas peças aqui
analisadas percebemos a produção de representações diversas da natureza, bem como
narrativas sobre sustentabilidade ao divulgar os diferentes produtos, constituindo assim
uma instância importante na cultura de formação de significados sobre natureza, sobre
ambiente, sobre ser sustentável.
Educação, publicidade e natureza
Algumas das peças publicitárias selecionadas envolveram uma grande produção
e foram exibidas em destaque na TV. Em 2006, a globalmente conhecida modelo
brasileira Gisele Bündchen, desembarca no Xingu para participar de um ritual da chuva
e divulgar a sua sandália Ipanema - Y Ikatu Xingu (“salve a água boa do Xingu”). Em
2009, a peça publicitária intitulada “Furto” por seus idealizadores, inaugurou a
campanha da Coca-Cola Abra a felicidade, também em horário nobre da emissora
Globo de televisão, no intervalo do programa Fantástico. Em 2012, em meio ao grande
sucesso da novela global Avenida Brasil, a peça publicitária da Natura, da linha Natura
Ekos, em meio a imagens da Floresta Amazônica, de cidades e do interior do corpo
humano anuncia: “Somos Produto da Natureza”.
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Em 2009, também o sabão em pó Tixan Ypê é “naturalmente” apresentado na
TV e, finalmente, em 2010, o produto Danoninho, da empresa Danone, anuncia uma
edição limitada de “Danoninho para plantar”. Assim, a escolha dessas peças para análise
em nossa pesquisa se deu em função de todas elas, de uma forma mais ou menos
explícita, estando mais ou menos “engajadas” às questões ambientais _ algumas com
sofisticados recursos de produção de imagem e narrativa, outras, nem tanto _ vão
construindo e participando de uma rede de significação e de produção de representações
que vão nos ensinando sobre natureza, sobre nós mesmos, e sobre nossas
responsabilidades para com o meio ambiente.
No exercício de aproximação do modo como o público interage com a
publicidade, optamos por apresentar as peças escolhidas e analisadas para quatro
diferentes públicos: duas turmas de Pesquisa e Prática de Ensino do curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas da UFF, uma turma de 4º ano do Ensino
Fundamental I da Escola Municipal Professora Lúcia Maria Silveira Rocha, localizada
em Jurujuba, Niterói- Rio de Janeiro e uma turma de Ciências Naturais do curso de
Pedagogia da UFF. Em todas essas turmas a atividade se consistia em passar as cinco
peças publicitárias escolhidas: Natura Ekos- “Somos Produto da Natureza”, Coca-
Cola – “Furto”, Sandália Ipanema- “Gisele Bündchen Y Ikatu Xingu”, Danone-
“Danoninho para Plantar” e Tixan Ypê- “Colha o seu” e responder a dois
questionários. O primeiro com respostas para cada propaganda assistida e o segundo
com perguntas em relação à todas as cinco peças assistidas. Essa atividade durou em
média uma hora e meia em cada turma (dependendo do número de alunos).
Passamos a apresentar um pouco do que foi encontrado a partir das análises feitas
das campanhas publicitárias selecionadas para esta pesquisa, na tentativa de demonstrar
diversas estratégias por elas utilizadas em seus processos de produção de representações
de natureza. Podemos destacar, entre eles aqueles envolvidos com a significação do
natural. Ou seja, nos interessa perceber de que modo, os diferentes anúncios analisados,
continuam a realizar _ através de um rico e complexo jogo de cores, de enquadramentos
e focos, de cenários, de movimentos de câmeras, de escolhas de lentes, de opções de
iluminação, de tipos de letreiros, de narrações, de som e trilhas sonoras _ a
naturalização de seus produtos. Destacamos que nessa operação outras representações
ganham materialidade, entram em circulação, por exemplo: representações de floresta,
de mulher, de infância, de índios, de práticas e comportamentos „ambientalmente
corretos‟. Nas peças publicitárias analisadas esse processo de naturalização e de
produção dessas outras representações pode acontecer, desde uma forma muito
sofisticada, até uma forma quase „caricata‟ e pouco cuidadosa. Enfim, percebemos que
as estratégias são variadas, os produtos diversos e a finalidade geralmente alcançada: o
consumo. Quando adquirimos um produto sob essa construção de sentidos, sob a tutela
do natural (do ecológico, do verde, do saudável, do bom e correto) não compramos
somente um artefato para conforto, satisfação e praticidade. Mas, compramos também,
“a maneira de concebermos e de nos relacionarmos com o mundo natural (...)”
(AMARAL, 1997a).
A opção de análise nessa pesquisa se deu no sentido de descrever em detalhe
cada uma das cinco peças e imediatamente após já realizar as análises, elencando alguns
aspectos que foram considerados importantes para aquilo que o trabalho se propunha a
investigar. A descrição, embora possa parecer algo de caráter mais secundário em
relação à análise, na verdade, no nosso entender é também o que encaminha a mesma.
Ou seja, é no ato de descrever, o mais acurado possível _ não esquecendo que é sempre
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o nosso olhar, e, neste sentido, isso significa ao mesmo tempo um limite e uma
possibilidade _ que as considerações, discussões, percepções vão sendo construídas.
Olhando muitas vezes, voltando quadro a quadro, percebendo sons e cores, descrevendo
movimentos que acontecem na tela, vamos também entendendo melhor a produção de
significados engendrados por todos estes fatores. Talvez seja possível afirmar que no
trabalho a separação entre descrição e análise assumiu um caráter apenas didático.
Porém, é importante assinalar também que os anúncios nos impuseram diferentes
possibilidades de descrever suas histórias. Algumas puderam ser contadas como se
estivéssemos a falar de um pequeno filme, com início, meio e fim. Outros traziam em
sua narrativa, muitos atravessamentos, justaposições, sequências rápidas de imagens e
cenas, compondo assim uma história mais complexa, cujo „fio‟ era por vezes difícil de
„amarrar‟. Esse próprio reconhecimento das peculiaridades de construção de cada uma
das peças, dos caminhos de descrição que tivemos que percorrer, acabaram por compor
os próprios resultados de nossas análises.
Outra consideração que cabe ainda ser feita em relação às peças selecionadas é
que as mesmas parecem estar dentro dos moldes de um novo mercado, o “Mercado
Verde”. Esse utiliza o discurso de sustentabilidade para o consumo de seus produtos.
Alguns trabalhos têm se dedicado a olhar com mais atenção para o que vem sendo
chamado de marketing ecológico e também greenwhashing. Sobre esse tema podemos
aprender com o trabalho de Santos (2011) que diz: “(...) o marketing ecológico cumpre
sua tarefa clássica de “forjar demandas e criar necessidades na população” através do
apelo publicitário para o “consumo verde”, baseado em ações politicamente corretas”
(LAYRARGUES, 2003 apud SANTOS, 2011, p. 22).
Feita essa consideração cabe ressaltar também que esse não foi o foco do nosso
trabalho. Dito isso não estamos deixando de reconhecer a importância e pertinência
dessa discussão, a qual, inclusive, aparecerá no contexto de análise de algumas das
peças analisadas a seguir, porém de modo superficial. Nossa investigação não se
dedicou a verificar se as empresas que lançam mão do discurso da sustentabilidade tem,
de fato, uma política de ações e práticas empresariais justas, éticas, socialmente e
ambientalmente corretas. Nosso foco foi no campo de significação dessas ações, a partir
do modo como as mesmas são acionadas como elementos narrativos importantes na
construção de representações de natureza engendradas nos anúncios publicitários
analisados.
As peças publicitárias que aqui serão apresentadas foram escolhidas dentro das cinco
analisadas na pesquisa. Decidimos apresentar duas delas: Tixan Ypê e Natura Ekos.
Optamos por começar por aquela que nos pareceu mais simples, a do sabão em pó Tixan
Ypê lançada em outubro de 2009. A segunda peça faz parte da campanha publicitária da
Natura apresentando a linha Natura Ekos com o filme publicitário “Somos produto da
natureza” lançado em setembro de 2012. Essa peça utiliza de artifícios muito refinados
em suas produções para construir seus signos e significados sobre a natureza,
produzindo então, distintos modos de representá-la.
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“Colha o seu!”
Sequência selecionada de imagens da peça publicitária “Tixan Ypê”
“Para deixar as roupas limpas, gostosas de vestir e com perfumes de flores, o seu melhor
amigo é o Tixan Ypê. Tixan Ypê tem perfumes envolventes, deliciosos de excelente qualidade e
preço justo e é amigo da natureza: tem reduzido teor de fosfato. Seu melhor amigo para lavar
roupas. Colha o seu!” Assim o produto Tixan Ypê nos é apresentado. Enquanto o narrador nos
fala das características e qualidades desse sabão em pó, assistimos a uma improvável
composição na tela da TV. Inicialmente, uma bela jovem, de longos cabelos castanhos e blusa
imaculadamente branca, passeia pela floresta com uma cestinha. A luz escolhida é aquela
corrente em cenas que denotam uma atmosfera mágica, esotérica, fantasiosa. Nesse “bosque”
assim iluminado, uma borboleta azul passa lépida e faceira pela tela, enquanto a mocinha
caminha sorridente e em câmera lenta. Do canto esquerdo da tela, sobrepondo a imagem
anterior, surge um carrinho de compras empurrado por uma mulher. Porém, não é possível ver o
rosto da mesma em função do enquadramento escolhido, o qual privilegia o carrinho cheio de
produtos verdes (hortaliças provavelmente), parte do corpo dessa mulher e a bolsa. Depois dessa
passagem repentina, voltamos a ver a modelo inicial que parece ter acompanhado aquele
carrinho e descobre, surpresa, em meio a botões de flores se abrindo o produto Tixan Ypê.
Nesse momento ouvimos com destaque a Valsa das Flores de Tchaikovsky que irá tocar ao
longo de toda a peça publicitária. A modelo principal aparece então cheirando a embalagem do
produto, cena acompanhada pelo retorno da borboleta azul. O que vemos em seguida é uma
animação mostrando a tradicional cena das fibras de tecido e mostrando o modo como o produto
atua removendo todas as manchas e sujeiras. Ela então coloca o produto na cesta de vime, a qual
agora aparece sobre uma caixa de supermercado. A tentativa é de colocar a mesma ainda
naquele bosque dos sonhos. Vemos rapidamente a funcionária da caixa do supermercado e o
barulho da máquina registrando o produto. Ao final, aparece novamente a modelo com o rosto
„iluminado‟ e sorrindo. Sobreposta a essa imagem, entrando pelo canto esquerdo da tela,
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imagens de flores são apresentadas. Finalmente, mais uma vez, as flores em botão se abrem
revelando no seu interior as caixas de Tixan Ypê e o slogan: “Colha o seu”. Assistimos a um improvável encontro entre uma bela mulher, um bosque,
carrinho de supermercado e caixa registradora. Em meio a esse cenário confuso, um
produto é anunciado como nosso melhor amigo para lavar roupas. Não só nosso, mas
também como o melhor amigo da natureza. O surgimento desse produto em meio à
abertura dos botões de flores nos deixa claro um movimento de “naturalização” feito
por esse anúncio, que nos apresenta o Tixan Ypê como se esse nascesse diretamente da
natureza. Outros componentes reforçam, no anúncio, essa ligação. O narrador diz que o
sabão em pó possui perfumes de flores, e que a Ypê (Química Amparos) é
sociambientalmente responsável, quando narra que o Tixan Ypê é amigo da natureza
por possuir menor teor de fosfato. O que nos diz que irá poluir menos os rios quando
este sabão for descartado. Todo o comercial se passa em um cenário “estratégico”, um
bosque ou uma floresta, com a presença de borboleta e beija-flor. Já que o Tixan Ypê
nasce em flores, não poderíamos estar em lugar mais adequado. Ao som das Valsas das
Flores, o comercial se desenrola. Essa música também nos reforça uma ligação ao
natural. Ela nos passa leveza, pureza e elegância. Tudo que podemos encontrar
“naturalmente” na natureza, natural esse cada vez mais representado, recriado e
resignificado pela cultura.
Também, cabe destacar, que mais uma vez aparece, como já é usual às peças
publicitárias de produtos destinados à limpeza e higiene, a tradicional representação do
feminino. No caso da Tixan Ypê, vemos uma bela jovem com sua cestinha e carrinho de
compras em um “suposto” supermercado (a floresta) comprando um sabão em pó.
Reforçando a ideia que temos da natural associação entre donas de casa e produtos de
limpeza. É essa mulher que escolhe, para comprar, o produto. É ela também que mais
do que comprá-lo, o colhe da flor de onde esse nascera no meio de um
bosque/supermercado qualquer. A escolha da moça foi justificada por tudo que o
narrador disse sobre as qualidades desse produto, enfatizando a melhor delas: ser amigo
da natureza. Nesse momento, podemos ver que esse sujeito feminino nos representa e ao
mesmo tempo nos ensina a preferir adquirir um produto que é “verde”,
“ecologicamente” correto, natural e seguro.
Indo para a imagem do produto, podemos ver que a sua própria embalagem
retrata a imagem das flores, de dentro das quais ele brota. E ainda encontramos inscrita
a palavra: PRIMAVERA. Ao final da propaganda, quando o narrador fala “Colha o
seu!!!”, aparece novamente o Tixan Ypê dentro das flores. Temos, mais uma vez, a
reafirmação da naturalização quase “caricata” desse produto.
“SOMOS PRODUTO DA NATUREZA”
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Sequência selecionada de imagens da peça publicitária “Natura Ekos – Somos produto da
natureza”
A imagem da empresa Natura com o slogan “bem estar bem” aparece centralmente na
tela em letras brancas contra um fundo preto. Por instantes essa imagem é fixa,
escutamos, então, o som de um instrumento de percussão que marca o início do que será
apresentado. Nesse momento os contornos do slogan tremem, imediatamente assistimos
a uma sequência de cenas que vão se alternando ao ritmo das batidas de um coração. É
tudo muito rápido. Num piscar de olhos e em deslocamento, uma floresta é apresentada
em recorte central, seguida pela imagem de um grande rio. O coração segue batendo,
vemos um papagaio vermelho que antecipa a próxima imagem: os olhos de jabuticaba
de uma criança. Na sequência, raios caindo ao som característico dessa ação. Na
próxima cena ouvimos ventos fortes que embalam as folhas de uma palmeira. Nesse
momento se inscreve na tela, em letras brancas, a palavra VOCÊ. Depois, uma imagem
que remete a uma ideia de espaço interno, talvez veias e artérias e nela, centralizadas as
palavras É FRUTO. Aqui já ouvimos antecipadamente o „canto‟ do pássaro Xexéu
(Cacicus cela) que nos olha na imagem seguinte dessa peça publicitária. A próxima
cena agrega mais um som à trilha sonora, é um ritmado tocar de tambores que
movimentam a cena em que vemos uma bela mulher branca, que olha pela janela de um
carro (ou ônibus), a paisagem em movimento. A palavra VOCÊ, surge agora na tela.
Imediatamente depois as palavras É VENTO vão se sobrepor à imagem de uma libélula
de asas azuladas e corpo vermelho pousada em um ramo de árvore, segundos antes de
voar. Na cena seguinte, espiamos por entre as folhagens um grupo de homens com
roupas simples se deslocando pela floresta, trazendo sobre os ombros cestos de palha.
Logo depois, vemos em foco fechado mãos que mexem em um punhado de sementes de
andiroba (Carapa guianensis). Novamente, por cima dessa imagem, lemos a palavra
VOCÊ. Dessa cena nos deslocamos para outro universo, o interior do corpo humano,
acompanhando o trajeto de um provável óvulo em deslocamento. Nesse momento lemos
na tela as palavras É SEMENTE. O próximo quadro é um pôr do sol apresentado em
ritmo acelerado. O tempo passa. Agora ouvimos uma música instrumental que vai
aumentando sua intensidade. Com essa trilha sonora ao fundo, um homem remando em
seu barquinho estreito atravessa um rio de larga extensão. Essa cena é vista do alto e
com a palavra VOCÊ no centro bem em cima do pequeno barco. Logo depois a imagem
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de uma folha pingando água, e essas gotas caindo no que parece ser um rio. Nessas
imagens as palavras: É RIO. A próxima imagem é de um pé de açaí em que mãos
humanas retiram seus frutos. Vemos de “soslaio” o rosto de um homem. Em seguida,
em enquadramento bem fechado, um belo rosto de uma onça-pintada extrapola os
contornos da tela. Na verdade, vemos um movimento da câmera que vai de um olho a
outro desse felino, mais uma vez lemos a palavra VOCÊ. Na cena seguinte as palavras
É BICHO, que completam a frase, aparecem centralizadas em um cenário urbano tendo
em destaque prédios sofisticados. Nesse momento, a música, em meio ao barulho do
vento, ao canto do pássaro e agora também sons de primatas, já está mais forte. Na
próxima cena um homem escala o longo tronco de um açaizeiro. Sua agilidade lembra
outros habitantes da floresta. Após, a câmera se desloca ao longo de toda a extensão de
um tronco de árvore filmado de baixo para cima que nos faz imaginar que pode ser a
nossa vez de escalá-la. Depois, uma imagem noturna de uma cidade iluminada vista do
alto onde aparece centralmente na tela a palavra VOCÊ. Posteriormente, é mostrada
uma dança folclórica onde as pessoas estão caracterizadas com chapéus e roupas com
pedaços de tiras nos tons laranja, vermelho e amarelo. Nessas cenas as palavras É
RAIZ. Em seguida, acompanhamos um homem remando sua canoa num rio, com a
floresta em suas laterais e o pôr do sol em vermelho, laranja e amarelo ao fundo. Temos
a sensação de estarmos dentro da canoa, pois a cena é filmada de dentro do bote, como
se estivéssemos sentados logo atrás do remador. Aqui, alguns elementos da trilha sonora
começam a ser retirados, ficando só os tambores, o vento e o assobiar do pássaro. As
próximas imagens parecem mais “flashes” rápidos de „objetos‟ distintos, porém, ainda
sim, conectados. Inicialmente uma imagem que remete à circulação sanguínea, na
sequência a imagem em detalhe das nervuras de uma folha e depois a imagem de um rio
do qual nos aproximamos através do movimento feito pela câmera. Em seguida, uma
mulher sorridente com sua filha no colo posa para a câmera em frente à sua casa. No
canto direito vemos desenhada na varanda a bandeira do Brasil. Logo abaixo dos rostos
de mãe e filha, aparece, pela primeira vez, a palavra SOMOS. Na próxima cena, os sons
vão diminuindo, na tela em fundo preto se deslocam microscópicas esferas esverdeadas.
A palavra PRODUTO surge centralmente por cima dessa imagem. O que termina e
completa o sentido dessa frase são as palavras DA NATUREZA, que se apresentam
centralmente na tela, por cima da imagem de um belo pôr do sol num rio. Temos, mais
uma vez a sensação, pelo recurso de filmagem usado, de estarmos navegando pelo
mesmo. Ao final de todo esse percurso e mais uma vez ao som de batimentos cardíacos
_ tal como no início desse filme publicitário_ vemos três cenas seguidas de produtos da
linha “Natura Ekos”. Esses aparecem iluminados, sendo destacados do fundo totalmente
preto. A última imagem é, mais uma vez, a da floresta vista em recorte central tal como
no início dessa peça. Na realidade, se trata da mesma imagem, porém em movimento
inverso. Ao invés de nos distanciarmos da floresta, agora nos aproximamos dela. Por
fim, por sobre essa imagem, aparece na lateral esquerda da tela o símbolo da empresa
Natura e em letras maiúsculas e escrito longitudinalmente o nome dessa linha de
produtos: EKOS.
O anúncio publicitário descrito acima é bastante complexo sob o ponto de vista
da análise. Na primeira imagem já vemos que se trata de uma propaganda da Natura,
seu logotipo chega primeiro juntamente com o seu slogan bem estar bem. As próximas
cenas são sequências de imagens que se alternam entre florestas, animais, ser humano
(da cidade, ribeirinhos, criança, mulher, homens etc), cidade, fenômenos da natureza,
paisagens. Além das alternâncias das imagens micro e macro, onde vemos imagens de
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dentro do corpo humano, como células, artérias e em seguida imagens grandiosas de
natureza. E dentro de tantos deslocamentos e cenas diferentes, as frases: “Você é
fruto.”; “Você é vento.”; “Você é semente.”; “Você é rio.”; “Você é bicho.”; “Você é
raiz.”; “Somos produto da natureza”. A Natura quando faz esses entrelaçamentos entre o
ser humano e a natureza quer nos conectar a natureza, tanto a exterior (florestas, bichos
etc) como a interior (nosso corpo). Observemos isso, logo no começo da propaganda
quando as primeiras imagens se desenrolam com o som das batidas de um coração,
fazendo com isso, nossa aproximação com a natureza e com a nossa própria natureza.
Com essa aproximação, nos deixamos seduzir pelas belas imagens, pelo som (de
animais e percussão) e pelo texto surpreendente que nos “intimida” e mostra uma
afirmação que parece subverter anos /séculos de uma determinada lógica de
representação da nossa relação com o mundo natural; na tela a afirmação: somos todos
(homem, bicho, planta, natureza) produto da natureza. Temos algo novo e contundente
nesse filme publicitário. A Natura, de certo modo inverte o que temos falado sobre a
naturalização do produto nas peças anteriores. Aqui, o que ela faz é naturalizar os
sujeitos e não o produto. O produto não precisa ser reconhecido como natural, ele já é
entendido como tal. Somos nós quem precisamos nos aproximar da natureza. O que essa
peça faz é nos provocar no sentido de “ensinar” um “novo” lugar no mundo, onde
nossas opções de consumo, nossos cuidados com os demais seres do planeta
testemunham o nosso novo pertencimento. Assim, a Natura, nesse filme, nos ensina a
todos, sobre essa conexão especial, sobre esse pulsar do planeta e da nossa própria
natureza, num movimento que une a todos.
No final da peça publicitária é que vemos as primeiras (e últimas) imagens dos
produtos da Natura Ekos. Quando as cenas dos produtos aparecem a música já parou e o
coração que ritmou o início do filme volta a bater, mais uma vez, aproximando o
produto da natureza e do humano.
Ao mostrar os diferentes lugares, pessoas e animais, o anúncio exibe uma
representação sobre o mundo, a qual encurta as distâncias e borra as fronteiras de uma
maneira contundente entre o “natural” (a natureza) e o humano; e também entre as
fronteiras geográficas e culturais (AMARAL, 1997a). Ainda com Amaral, podemos
aprender que hoje além do caráter informativo dos anúncios publicitários, temos a
emergência de um discurso que inclui significados simbólicos, que é o que a Natura faz
nessa peça publicitária. Com isso, ela nos diz que:
(...) nos diferentes anúncios publicitários, as mercadorias
apresentadas, em função das diferentes estratégias de significação a
que são submetidas, têm sido afastadas daquilo que era considerado a
sua função primária – a satisfação de necessidades – para se tornarem
comunicadoras de valores e significados (AMARAL, 1997a, p. 84).
Nesse sentido a Natura em sua estratégia de marketing vai mais longe. Ela
consegue fazer com que este filme publicitário se transforme, para algumas pessoas em
uma memória importante, em uma experiência rica de significados fazendo as pessoas
se conectarem com “a sua própria natureza”. No lançamento dessa campanha da linha
Natura Ekos, a Natura aproveitou o momento em que várias pessoas estavam no cinema
e realizou um happening. Medidores de batimento cardíaco foram espalhados pelas
poltronas da sala desse cinema. Conforme as pessoas iam se sentando nas poltronas
colocavam o dedo indicador nos sensores que mediam os seus batimentos cardíacos. A
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intenção era possibilitar que cada uma daquelas pessoas ouvissem o ritmo das batidas
do seu coração, ouvissem, conforme o que estava escrito na tela do cinema, a sua
própria natureza. Cada cadeira era um coração. O objetivo também era escolher, entre
os muitos corações, um que representasse todos ali presentes. O coração da poltrona 91
foi o escolhido. Isso foi anunciado na tela do cinema antes de passar a peça da linha
Natura Ekos – “Somos produto da Natureza”: “Poltrona 91, a trilha sonora deste filme
bate no ritmo do seu coração”. Enquanto assistimos ao filme/documentário que
apresenta essa experiência, observamos as pessoas e compartilhamos das suas reações.
Ao mesmo tempo lemos na tela as seguintes frases: “Todos nós somos natureza. Todos
nós pulsamos em nome dela.” No final desse pequeno filme, vários depoimentos foram
dados por aqueles que estavam dentro do cinema participando dessa interação. Um
deles em especial transmitiu bem o que a Natura pretendia: “Você se transporta para
aquela propaganda, você se coloca junto. Isso é bacana. Isso é fantástico. Na verdade, a
vida da gente é o pulsar. O meu ritmo no ritmo da propaganda, isso é fantástico”.
Considerações finais
No trabalho realizado representações de natureza como o contraponto negativo
de um produto, como o inferior, o menos sofisticado, o primitivo, o que precisa ser
“dominado” (o “meio chato”) não foram encontradas. Na verdade, o que podemos
afirmar é que a utilização da natureza como “próxima”, necessária, “amiga”, “aliada”
está cada vez mais presente. Porém, cabe pensar que existem também algumas
continuidades com aquilo que Amaral (1997a) encontrou em sua investigação. Essas
dizem respeito ao processo de naturalização onde imagens da natureza são capturadas,
passam a participar de uma rede de significação - através das estratégias de construção
dos signos, daquilo que é narrado, do enquadramento escolhido, da opção do foco, do
tipo de lente e iluminação, daquilo que se inscreve na tela organizando o que se quer
dizer - na qual não falam mais da natureza „em si‟, mas passam a funcionar como um
significado “vazio” a ser preenchido pelo produto, ou ainda, pelo o que o produto quer
comunicar. Cabe destacar ainda que esse processo de naturalização acontece de muitas
formas. Tanto em anúncios mais simples e fáceis de decifrar, como o do “Tixan Ypê”
apresentado nesse trabalho, até anúncios que trazem em sua história de produção uma
construção bem mais apurada e complexa como o anúncio da Natura Ekos. Outra
consideração a ser feita é que além de anunciar seus produtos, além de produzir
representações de natureza essas peças, principalmente a peça publicitária da Natura,
educam. Elas nos ensinam sobre sustentabilidade, sobre cuidar bem do planeta, sobre
sermos criteriosos na escolha dos produtos, sobre a economia local, sobre o nosso lugar
no circuito. Mais ainda, algumas delas nos ensinam que “Somos parte da Natureza” e
mais do que apenas anunciar essa nossa “nova”(?) identidade, nos permitem
experimentá-la. Enfim, acreditamos ser possível afirmar que o discurso publicitário
continua sendo um lugar importante de produção de representações de natureza na
cultura. É também um dos lugares onde podemos observar as mudanças que vão
acontecendo justamente nos diferentes modos de falar da natureza, de significar o
natural e de nos instruir em relação as formas de nos relacionarmos com ela.
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Referências
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