Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educao e Humanidades
Faculdade de Comunicao Social
Luiz Fernando da Silva
Mdia e Consumo: a afirmao do consumo
de cursos MBA nas pginas do Boa Chance
Rio de Janeiro 2011
Luiz Fernando da Silva
Mdia e Consumo: a afirmao do consumo
de cursos MBA nas pginas do Boa Chance
Orientador: Prof. Ricardo Ferreira Freitas
Rio de Janeiro 2011
Dissertao apresentada, como
requisito parcial para obteno do
ttulo de Mestre, ao Programa de
Ps-Graduao em Comunicao,
da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. rea de Concentrao:
Comunicao Social.
Luiz Fernando da Silva
Mdia e Consumo: a afirmao do consumo
de cursos MBA nas pginas do Boa Chance
Aprovado em:____________________________________________________ Banca Examinadora:_______________________________________________ ______________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Ferreira Freitas (orientador) Faculdade de Comunicao Social da UERJ
______________________________________________________ Prof. Dr. Snia Virgnia Moreira Faculdade de Comunicao Social da UERJ ______________________________________________________ Prof. Dr. Tania Marcia Cezar Hoff Escola Superior de Propaganda e Marketing
Rio de Janeiro 2011
Dissertao apresentada, como
requisito parcial para obteno do
ttulo de Mestre, ao Programa de
Ps-Graduao em Comunicao,
da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. rea de Concentrao:
Comunicao Social.
DEDICATRIA
Este trabalho totalmente dedicado minha famlia, de quem a saudade
ressoa e que mesmo longe convive dentro em mim. Maria, Lzaro e Denise, pelos
valores, educao, doao e esforo, que sempre deram sustentao aos meus
sonhos e projetos. A vocs o meu mais profundo e sincero amor.
Aos meus queridos avs, Joaquim, Maria, Paulino e Luiza, dos quais guardo
as mais tenras lembranas.
todos que acreditaram em mim, sobretudo, os que lutaram pela minha
formao.
AGRADECIMENTOS
Agradeo as pessoas que acreditam na seriedade deste trabalho. A todos que
contriburam para o seu desenvolvimento, colaborando para fortalec-lo.
Ricardo Ferreira Freitas um grande amigo e orientador, que viu nascer o
sonho do mestrado e contribuiu para o avano desta pesquisa. Meus sinceros
agradecimentos por todo apoio e ateno dedicados ao longo desse tempo.
Aos professores com os quais tive prazer em aprender e aprofundar as
questes da Comunicao e que tambm me permitiram novos horizontes
acadmicos: Denise da Costa Oliveira Siqueira, Mrcia Gomes Marques e Snia
Virgnia Moreira.
s amizades que foram conquistadas ao longo desses dois anos: Karla
Marinho, Viviane Fernandes, Fabiane Proba, Mariana Pelegrini, Leonardo Viso, Joo
Paulo Teixeira e Sonia Schneiders.
Aos amigos da graduao com os quais compartilhei esse sonho e que me
viram realiz-lo: Andria Verdlio, Fernanda Faria, Carla Gavilan, Lvia Velasco,
Luana Schabib, Raphael Gomes e Luis Augusto Suassuna Bega.
Aos amigos e pessoas prximas, que me acompanham no dia a dia,
constroem comigo novos sonhos e me ajudam a torn-los possveis. Alessandra
Aurnheimer Ferreira, Beatriz Cardoso, Daniel do Carmo Machado, Elisa Magalhes,
Fania Rodrigues, Helena Assanti, Marco Arajo, Merlin Bandeira, Raphael Fialho
Primos, Rogria Lemos e Tatiana Leiner.
O futuro pertence queles que acreditam na beleza de seus sonhos."
Eleanor Roosevelt
You get what you give
New Radicals
http://pensador.uol.com.br/autor/Eleanor_Roosevelt/
RESUMO
Silva, Luiz Fernando. Mdia e Consumo: a afirmao do consumo de cursos MBA nas pginas do Boa Chance". 2011, 96f. Dissertao (Mestrado em Comunicao) Faculdade de Comunicao Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
O campo de estudos da Comunicao conhecido pela sua interdisciplinaridade, o que permite analisar objetos relacionados a outras reas do conhecimento por meio da perspectiva em que os diferentes tipos de mdia lhes apresentam. Utilizando palavras, imagens e sons os meios de comunicao colaboram para a produo dos significados de uso e apropriao de diferentes produtos e servios disponveis para o consumo. Por meio de um intercmbio com o campo de estudos de consumo e tratando de um produto oriundo do campo da Educao, os cursos de MBA, este trabalho analisa as mensagens produzidas pelo Boa Chance, suplemento publicado pelo jornal O Globo. Para compor o referencial foram considerados tericos do campo da Comunicao, Consumo, Educao e Representao Social. Alm de oferecerem subsdios para refletir sobre o consumo desse tipo de produto, as idias e conceitos apresentados tambm colaboram para compor as categorias elaboradas para a anlise das matrias publicadas. Para aprofundar um pouco mais sobre os cursos de MBA foi traado um histrico desse tipo de ensino, desde o seu surgimento nos Estados Unidos, passando pela sua ascenso a partir da dcada de 1940 at a sua chegada ao Brasil. A forma como os cursos adentraram a pauta dos cadernos de emprego, em especial, do Boa Chance, tambm abordada. Entrevistas com reprteres e editores que trabalharam ou que ainda esto no caderno permitiram identificar o contexto em que as pautas relacionadas a esse tema se tornaram mais frequentes. A partir disso, foi possvel compreender que o assunto comeou a ganhar mais espao na mesma medida que cresce a oferta de vagas pelas instituies, no comeo dos anos 2000. Para entender de que maneira os meios de comunicao abordam para esse tipo de consumo e tambm quais so as representaes que ele produz sobre os MBAs, foram analisadas 26 edies do caderno recolhidas entre 2009 e 2010.
Palavras-chave: Meios de comunicao. Consumo. MBA. Educao.
ABSTRACT
Communications studying field is known by its interdisciplinarity, which allows analyzing objects related to other areas as they're presented by different kinds of media. Making use of words, images and sounds, the means of communication help product reasons to use and appropriation of different products and services available. Through this information exchange based on studies of consumption on an Education originated product, the MBA courses, this paper aims to analyze the messages produced by Boa Chance, a feature of the newspaper O Globo, about this type of education. Communication, Consumption, Education and Social Representation authors compose the referential background of this paper. Besides offering subsidies to reflect on the consumption of this kind of product, the ideas and concepts presented also collaborate on building the elaborated categories to analyze published issues. In order to look more deeply the at the MBA courses, it was necessary to study the history of this teaching program, since its very beginning, in the United States, followed by its rise in the 1940's up to when it landed in Brazil. The way the courses were introduced by the job newspapers features, especially by Boa Chance is also highlighted in this study. Interviews with reporters and editors that have worked or still work for Boa Chance feature articles allowed identify under which context the issues related to this topic became more frequent. Therefore, it was possible to perceive that the subject started being more published as the institutions offered vacancies, in the early 2000's. Twenty six editions of the feature were stored between 2009 and 2010, seeking understand how the means of communication approach this kind of consumption and also what are the representations they produce about this type of education. Keywords: Media. Consumption. MBA. Education.
TABELAS
Tabela 1 Quantidade de menes por instituio de ensino....................... 73
Tabela 2 Quantidade de anncios por instituio de ensino....................... 74
Tabela 3 Espao ocupado pelos anncios..................................................... 75
Tabela 4 Nmero de cursos citados pelas matrias..................................... 77
SUMRIO
1 INTRODUO........................................................................................ 11
2
COMUNICAO E CONSUMO: UM CAMINHO CINTILANTE
PARA A PS-MODERNIDADE...............................................................
15
2.1 Modernidade, ps-modernidade e os estudos sobre consumo........ 19
2.2 Estudos de consumo e comunicao: aproximaes........................ 27
2.3 Os meios como interlocutores do consumo......................................., 30
2.4 Representaes sociais nos meios de comunicao......................... 39
3
MBA NA PRATELEIRA: DO SHOPPING CENTER S PGINAS DOS
JORNAIS.........................................................................................
42
3.1 Histrico dos cursos de MBA e seu desenvolvimento no Brasil...... 42
3.2 A educao como loja ncora: o MBA no shopping center............... 51
3.3 O MBA nas pginas dos jornais: como nasceu e se
desenvolveu o Boa Chance...............................................................
59
4
ESTUDO DE CASO: OS CURSOS DE MBA NAS PGINAS
DO BOA CHANCE...............................................................................
65
4.1 Justificativas de consumo..................................................................... 67
4.2 O MBA dentro e fora do texto................................................................ 72
4.3 Ps-graduao lato sensu e stricto sensu: o pblico e o privado.... 72
5
CONSIDERAES FINAIS: HORIZONTES PARA
NOVAS PESQUISAS..............................................................................
80
BIBLIOGRAFIA........................................................................................
85
ANEXOS...................................................................................................
90
11
Captulo 1
INTRODUO
O projeto desta pesquisa nasceu a partir da reflexo de como os meios de
comunicao colaboram para a produo de significados sobre bens e servios.
Embora a participao da mdia na formao do consumo j tenha sido explorada
sob diferentes perspectivas, pouco ainda se sabe sobre os argumentos que ela
constri relacionados aos produtos educacionais, por exemplo. Por esse motivo, o
presente estudo toma como ponto de partida a educao, uma rea ainda pouco
percebida pela a tica do consumo. Fechando um pouco mais o foco chamou a
ateno como um produto especfico desse setor, os cursos de MBA, tem ganhado
cada vez mais espao na pauta dos meios de comunicao. Para analisar a maneira
como a mdia faz a abordagem desses cursos foi escolhido um veculo de
comunicao, o Boa Chance, suplemento de educao e emprego publicado aos
domingos pelo jornal O Globo, onde alm de ser assunto constante nas matrias, os
MBAs tambm so tema de duas edies especiais ao longo do ano.
O interesse em aprofundar este tema tambm se deve sua exclusividade, j
que pouco se avanou ainda no estudo da educao no sentido do consumo e da
uma indstria em torno deles. Assim como nos demais setores, hoje ela tambm
formada por grandes empresas, algumas de capital aberto, outras braos de
grandes conglomerados que atuam em diferentes ramos da economia. A finalidade
dessas empresas o resultado financeiro que podem obter com a grande oferta e
massificao do ensino. Embora algumas empresas entendam que oferecer
formao de qualidade pode retornar em prestgio e lucro para os proprietrios e
investidores, j difcil apontar e assegurar com clareza alguma instituio que
ainda respalde seus interesses, antes de tudo, na qualidade dos cursos.
Isso se d principalmente nas instituies de ensino superior que oferecem
cursos de graduao e ps-graduao. Os cursos de MBA so um bom exemplo
para fazer um recorte e aprofundar esse tema. Diferentemente do ensino bsico e
12
dos cursos de graduao, cuja organizao depende do sistema de ensino de cada
pas, o contedo, formato e durao dessa modalidade de ps-graduao muito
semelhante ao redor de todo o mundo.
A pesquisa que resulta nas pginas seguintes busca compreender quais so
os recursos e principalmente quais so as justificativas discursivas que os meios de
comunicao utilizam para interpelar o indivduo ao consumo de cursos de MBA.
Para isso, foram analisadas as mensagens emitidas a partir das matrias e da
publicidade que compunham o Boa Chance.
O principal escopo deste estudo pode ser assim definido: analisar a partir do
exemplo de um veculo, como os meios de comunicao contribuem para afirmao
do consumo de um produto, o MBA. Outro objetivo que se busca cumprir entender
de que modo a representao feita pela imprensa emite mensagens positivas acerca
da apropriao desse tipo de formao. O trabalho no pretendeu debater os fins a
que tm servido os cursos e instituies de ensino ou ainda se aprofundar na
reflexo da educao como valor cultural. Embora esses temas apaream em
alguns momentos, se deter e ampliar o debate em torno deles no faz parte do
escopo principal do trabalho. A metodologia e um breve resumo de cada captulo
ajudam a entender o caminho construdo para cumprir o objetivo da pesquisa.
O captulo 2, Comunicao e consumo: um caminho cintilante para a
modernidade, inicia com uma introduo do tema no contexto contemporneo,
quando so desenvolvidos cada vez mais servios que implicam o uso de produtos
como plataformas para sua aplicao. Em seguida, so apresentados alguns dos
principais autores que pesquisaram o consumo e que desenvolveram estudos e
conceitos pertinentes a este trabalho. Entre eles, Mary Douglas, Mike Featherstone,
Don Slater, Zygmunt Bauman, Jameson, Baudrillard, Thompson, Carla Barros,
Carmem Migueles e Lvia Barbosa.
Posteriormente feita uma reflexo sobre alguns produtos dos meios de
comunicao como programas televisivos novelas e jornais - e tambm de como a
imprensa escrita ajuda a formar alicerces para o consumo. Ainda nesse sentido
apontado o papel da assessoria de imprensa, que estabelece a relao das
empresas com produtores de contedo para a mdia. Tambm retomado o
conceito de servios de marcao proposto por Mary Douglas e Baron Isherwood.
A significao desse termo associada agenda setting, expresso postulada por
13
Shaw e McCombs na dcada de 60, ainda pertinente para analisar o papel
desempenhado pelos meios de comunicao.
Na ltima parte desse captulo apresentado o conceito de representao
social. A definio que Moscovici atribuiu ao termo representao social foi
resgatada para refletir sobre o papel dos meios na construo do imaginrio coletivo.
Durante a anlise do material isso ajudou a entender de que maneira o Boa
Chance produz representaes coletivas sobre os cursos de MBA.
O captulo 3: O MBA na prateleira: do shopping center s pginas dos jornais,
comea contando a histria do MBA, como ele surgiu e se estabeleceu como um
produto comercializado por instituies no mundo todo, inclusive no Brasil. Para
construir uma linha que permitisse contar os principais aspectos da sua histria e,
sobretudo, aqueles pertinentes a esse estudo, foi preciso recorrer a sites de
instituies estrangeiras como universidades e rgos regulamentadores. J para
entender a sua trajetria no pas foi necessrio pesquisar sobre o assunto na
produo bibliogrfica da rea de Administrao. A maior parte dos registros
encontrados oriundo das prprias instituies de ensino. Em arquivos do Ministrio
da Educao h pouca informao sobre os cursos de MBA, uma vez que ainda no
existe uma regulamentao definida exatamente para eles. Aps traar a histria
desse tipo de educao, uma mercadoria que se tornou global, se entendeu que era
necessrio fazer um contraponto para retomar o que esta pesquisa considera um
dos principais objetivos da educao, o de promover a formao humana. Esse
paralelo foi brevemente estabelecido a partir das reflexes realizadas pelo terico do
campo da educao Istvn Mszros. partir de uma citao do autor que
introduzido o segundo tema do captulo, a comercializao da educao em espaos
de consumo, como os shopping centers, por exemplo.
Nesse subtema so utilizadas diferentes fontes para constatar a entrada das
instituies de ensino nos shoppings centers, onde em alguns casos constitui uma
das principais lojas ncoras. Para enriquecer a argumentao foram considerados
alguns trabalhos do pesquisador da rea de Educao Jos Rodrigues sobre os
shoppings centers como local de atuao das instituies de ensino. O argumento
reforado com dados que contabilizam as instituies que oferecem cursos dentro
de shoppings centers na cidade do Rio de Janeiro.
A ltima parte desse captulo busca entender como o MBA se tornou
recorrente nas matrias do Boa Chance. Como no havia registros sobre isso, foi
14
necessrio procurar editores e reprteres que j trabalharam ou que ainda trabalham
no caderno para se aprofundar. Com isso se buscou realizar entrevistas a partir de
um roteiro pr-estabelecido para indagar os profissionais sobre o tratamento das
pautas que envolvem o tema e a relao com as instituies de ensino. Por meio de
algumas perguntas tambm se tentou saber como o MBA passou a ser assunto
frequente do suplemento.
Aps o recorte dos principais conceitos e o enquadramento do objeto
estudado, no captulo 4, Representaes do MBA: a abordagem do Boa Chance,
feita anlise de 26 edies do Boa Chance. Elas foram recolhidas entre 01 de
agosto de 2009 e 28 de fevereiro de 2010. Logo no comeo do captulo so
estabelecidas trs categorias de anlise, utilizadas para fazer a leitura desse
material. So elas: Justificativas de consumo; O MBA dentro e fora do texto; Ps-
graduao lato sensu e stricto sensu: o ensino pblico e privado. Elas foram
elaboradas a partir do referencial discutido ao longo do primeiro e segundo captulo.
Por ltimo, no captulo 5, Consideraes Finais: Horizontes para novas pesquisas,
so apresentadas as concluses encontradas ao final do trabalho e principalmente
aps aplicar o referencial terico ao material analisado. Em seguida, so apontados
rumos para estudos na rea de Comunicao, Consumo e Educao, cada uma
dessas reas separadamente, ou envolvendo objetos, que como nesta pesquisa,
passam por todas elas.
15
Captulo 2
COMUNICAO E CONSUMO: UM CAMINHO CINTILANTE
PARA A PS-MODERNIDADE
Estudar o papel da comunicao na construo do consumo contemporneo
requer como ponto de partida a leitura de obras que formam a base da bibliografia
sobre consumo em diferentes disciplinas das Cincias Sociais. Fortemente
vinculado sociedade capitalista ocidental, o consumo se tornou um dos principais
fios condutores da cultura contempornea, despertando em diferentes reas o
interesse por compreend-lo. Por isso, antes de rever as principais fontes de
referncia nessa rea, sero feitas algumas consideraes sobre o contexto
histrico recente, verificando de que maneira o consumo se desenhou nos ltimos
anos.
O aperfeioamento do modo de produo capitalista pelos pases ricos deu
origem a formas mais eficazes, rpidas e rentveis de gerar lucro a partir do
consumo. Nesse estgio, denominado capitalismo tardio, as economias
desenvolvidas aperfeioaram servios (como internet, contedo para televiso e
celulares, softwares para computadores, servios educacionais e etc.), fazendo
deles importante fonte de receita. Com isso, passaram a se concentrar no
desenvolvimento de servios de alto valor agregado, enquanto as linhas de
produo esto, cada vez mais, sendo levadas para pases em desenvolvimento.
Nessas regies, alm de mercados ainda em expanso, encontraram tambm
melhores condies de fabricar seus produtos, com abundncia de matria-prima e
mo de obra barata. Essa produo a baixo custo garante s empresas
competitividade em escala mundial e mantm distantes problemas decorrentes do
consumo, como o lixo, por exemplo.
Essa passagem da fabricao de produtos para a produo de servios,
observada nos pases ricos, mostra que h uma tendncia gradativa na qual os
servios comeam a ultrapassar os bens fsicos na capacidade de gerar lucro para
as empresas. O aparelho de TV, o computador e o celular servem de exemplo. O
16
aparelho de televiso continua recebendo inovaes, no entanto o que mais tm se
desenvolvido so os contedos que podem ser exibidos na programao, sobretudo
a infinidade de canais que podem ser comprados e agregados a esse aparelho. A
mais recente funcionalidade da televiso sua capacidade de exibir imagens em
terceira dimenso, uma inovao aplicada ao produto, mas que depende da
aquisio de contedo nesse formato. Embora a inveno do aparelho de TV com
esse novo recurso tecnolgico represente continuidade na inovao do produto,
demonstra tambm que ela no ser bem-sucedida se ele no estiver acoplado a
uma rede de televiso por assinatura que transmita contedo em terceira dimenso.
O computador outro exemplo de constante evoluo. Com a capacidade
crescente de armazenagem e velocidade do processamento de dados, os seus
componentes fsicos (hardware) j no so o produto de maior valor agregado no
campo da informtica. Os programas (softwares) que podem ser instalados neles,
nada mais do que servios que tornam a mquina apta a aplicaes distintas, j
representam a maior parte das vendas nesse setor. Isso mostra que o computador,
como produto fsico, uma plataforma que pode ser aplicada a inmeros tipos de
servios.
O aparelho celular tambm surge como exemplo no limite do computador e
da TV. Quando foi popularizado no Brasil, no final da dcada de 90, tinha poucas
funes e era utilizado basicamente para fazer e receber chamadas. Agora com os
novos servios criados especificamente para esses aparelhos, possvel acessar a
internet em alta velocidade, ouvir msicas, assistir TV, compartilhar arquivos, jogar,
tirar fotos e ainda realizar videoconferncias. Tudo isso pode ser resumido na
expresso convergncia miditica. No entanto, um aparelho que possua todas
essas funes no custa mais do que a soma das mensalidades pagas durante o
perodo de um ano para aceder a todos os tipos de servios. Em pouco tempo, o
valor gasto com servios, que permitiro usufruir todas essas ferramentas, ter
ultrapassado o preo pago pelo aparelho. Assim, reunindo funcionalidades que
antes estavam restritas a outros aparelhos, o celular se torna um dos mais
sincrticos e sintticos exemplos de que o modo de produo contemporneo est
migrando o seu foco dos produtos para os servios.
Ao utilizar a televiso, o computador e o celular como exemplos, a inteno
mostrar que a necessidade de consumo no se encerra neles, pelo contrrio, cria
17
novos imperativos. Embora fundamentais, esses aparelhos funcionam como uma
espcie de isca para trazer mais consumidores para o setor de servios. Dessa
forma, esses bens se afirmam, cada vez mais, como plataformas necessrias para
acessar aos servios relacionados a eles.
O consumo desse tipo de produtos em pases como o Brasil, por exemplo,
ainda est em expanso. As grandes redes de varejo, junto com os fabricantes, s
recentemente passaram a estudar e a explorar as classes de menor poder
aquisitivo, na qual descobriram alto poder de consumo. No entanto, flertando com as
novidades importadas dos pases desenvolvidos h algum tempo, j se observa o
crescimento da oferta de servios que podem ser agregados aos bens consumidos.
No ao acaso, como j foi assinalado, aparelhos de TV, computadores e celulares
so os produtos em torno dos quais a oferta de servios mais cresce.
No contexto brasileiro, tambm colabora para o consumo de bens o
crescimento do crdito registrado nos ltimos anos. Com o consumo atuando como
a fora motriz da economia mundial, o aumento da capacidade de compra dos
indivduos significa colocar em suas mos parte da circulao de capital. Nesse
ciclo, alm da oferta de crdito, os meios de comunicao contribuem por meio da
apresentao de produtos e servios nas matrias jornalsticas, marcando um
hibridismo da informao que tambm passou a cumprir o papel de anunciante.
Associado a isso, na publicidade das redes de varejo, que anunciam diariamente
ofertas imperdveis, arrasadoras,1 os indivduos so estimulados a consumir agora e
a pagar em dezenas de prestaes.
No caso dos servios, so corriqueiras as promoes de operadores de
telefonia, TV por assinatura, escolas e at mesmo universidades oferecendo um
perodo de degustao ou preos mais baixos nas mensalidades iniciais. Depois de
alguns meses, com o consumidor j habituado, os valores comeam a ser
substancialmente elevados. Essa estratgia, utilizada para tornar os indivduos
consumidores assduos, chamada pelos profissionais da rea de marketing como
fidelizao de clientes.
Assim, possvel perceber que o capitalismo, na sua fase mais recente, fez
dos servios sua nova fonte de lucros, tornando-se esse o estgio posterior
1 Termos encontrados na publicidade de redes de varejo como Casas Bahia, Ricardo Eletro, Insinuante e Ponto
Frio veiculados pela mdia na regio metropolitana do Rio de Janeiro entre os dias 1 e 31 de maio de 2010.
18
produo de bens materiais que induz ao consumo oferecendo diversos tipos de
solues para problemas cotidianos. Associados, frequentemente, a produtos de
alta tecnologia, os servios complementam e potencializam os usos e aplicaes
que se fazem dos aparelhos, porm, no se restringem a eles.
Boa parte dos bens e servios disponveis surgiram da ideia de agilizar o
tempo do homem e tambm de potencializar as suas capacidades. Avanando
nessa reflexo, possvel afirmar que o homem tambm foi transformado em
plataforma, mais um tipo de aparelho, apto a diferentes aplicaes, que deve ser
treinado e atualizado constantemente. Seria nesse mbito que a educao e, mais
especificamente, os cursos de ps-graduao MBA atuariam. Quanto mais
habilidades o indivduo reunir para executar tarefas especficas com preciso e
eficincia, maior tambm ser o seu valor no mercado de trabalho. Desse modo, o
surgimento de inmeros servios educacionais, como os MBAs por exemplo, visam
complementar a educao bsica, agindo de forma a atualizar e potencializar a
plataforma humana.
Essa pesquisa considera a ps-graduao MBA como um dos servios
disponveis no mercado capaz de aprimorar e desenvolver as capacidades
individuais. Nesse recorte especfico, ela pode ser considerada um servio a ser
consumido, preparando uma massa de trabalhadores para se tornarem vendveis
no mercado de trabalho.
Retomando o comeo dessa discusso, o entendimento do consumo de
servios como a etapa seguinte e concomitante ao consumo de bens, requer um
maior aprofundamento na sua anlise. Esse aspecto foi abordado com o objetivo de
introduzir os servios como novo elemento, por meio do qual o consumo est sendo
perpetuado. Antes de passar para a discusso sobre a participao dos meios de
comunicao na formao do consumo, parte-se para algumas consideraes sobre
conceitos importantes e imprescindveis para as discusses nessa rea.
19
2.1 Modernidade, ps-modernidade e os estudos sobre consumo
Entre os autores que se debruaram sobre a temtica do consumo em suas
pesquisas no h um consenso sobre quando o tema passou a ser de fato tratado
pela academia. mais prudente afirmar que o interesse por esse assunto comea a
aparecer nas Cincias Sociais a partir do sculo XIX, e ganha fora aps a segunda
metade do sculo passado. Mesmo se tratando de um fenmeno antigo, a definio
e o reconhecimento do consumo como prtica cultural recente e ainda sofre
contestaes. Em boa parte da bibliografia pesquisada o consumo abordado como
o resultado das transformaes ocorridas aps a Revoluo Industrial, o que o torna
fortemente ancorado aos conceitos de modernidade e ps-modernidade. Eles
podem, brevemente, ser assim definidos:
Afirma-se, de modo geral, que a modernidade surgiu com o Renascimento e foi definida em relao Antiguidade, como no debate entre Antigos e os Modernos. Do ponto de vista da teoria sociolgica alem do final do sculo XIX e do comeo do sculo XX, do qual derivamos grande parte de nosso sentido atual do termo, a modernidade contrape-se ordem tradicional, implicando a progressiva racionalizao e diferenciao econmica e administrativa do mundo social (Weber, Tnies, Simmel) processos que resultaram na formao do moderno Estado capitalista-industrial [...]
Em decorrncia, falar em ps-modernidade sugerir a mudana de uma poca para outra ou a interrupo da modernidade, envolvendo a emergncia de uma nova totalidade social, com seus princpios organizadores prprios e distintos. [...] Frederic Jameson (1984a) apresenta um conceito de ps-moderno dotado de uma periodizao mais definida, ainda que resista a conceb-lo como uma mudana de poca, visto que, para ele, o ps-modernismo o dominante cultural ou a lgica cultural da terceira grande etapa do capitalismo o capitalismo tardio cuja origem est na era posterior Segunda Guerra Mundial. (FEATHERSTONE, 1995, p. 20).
Apresentar, ainda que de forma sintetizada, conceitos-chave de modernidade
e ps-modernidade acima citados importante para contextualizar e marcar o
desenvolvimento do pensamento social at a contemporaneidade, uma vez que, em
decorrncia da sua evoluo, os estudos de consumo passaram a ser realizados. A
temtica do consumo j foi trabalhada por diferentes disciplinas. No caso da
Biologia, por exemplo, entende-se o consumo como uma caracterstica dos seres
vivos relacionada estritamente com a satisfao das suas necessidades bsicas,
como alimentao e sobrevivncia. De acordo com essa perspectiva, todo o tipo de
consumo que no estivesse ligado satisfao de necessidades biolgicas, passou
20
a ser classificado como suprfluo.
No campo das Cincias Sociais, muitos pesquisadores reconheceram
justificativas culturais nas necessidades de consumo. Ainda assim, como se ver
mais adiante, alguns autores continuaram adotando a viso proposta pela vertente
biolgica e econmica. Os estudos que mais proliferaram, porm, foram os que
reconheceram nas formas vigentes de consumo de bens e servios prticas
culturais. Assim, os usos que fazem dos produtos passaram a ser entendidos
como estruturadores do modus vivendi, prprio da era iniciada aps a Revoluo
Industrial. Nessa nova ordem o modo de produo fabril passou a ordenar
diretamente o cotidiano do homem, alterando a maneira de construir a sua
identidade, se relacionar com a cidade, a famlia, o lazer e o trabalho, e tambm
definir suas necessidades, que agora passariam principalmente pela aquisio de
bens e servios.
A cultura do consumo parece a muitos algo que s se formou inteiramente na era ps-moderna, no entanto est inextricavelmente ligada modernidade como um todo. Em primeiro lugar, as instituies, infraestrutura e prticas essenciais da cultura do consumo originaram-se no incio do perodo moderno [...]. (SLATER, 2002, p.18).
O consumo passa ento a reunir costumes, hbitos e regras que compem
um campo maior, o da cultura do consumo. Assim, ele no apenas fruto de
sucessivos ciclos econmicos e da evoluo da sociedade industrial, mas tambm
pode ser caracterizado em termos das prticas sociais e dos rituais culturais
desenvolvidos em sua funo. A sociedade contempornea celebra a cultura do
consumo como um ritual, que muito alm de se restringir aos fatores econmicos,
situa os indivduos, os coloca em relao uns com os outros e promove a dinmica
social. Nesse sentido, Canclini (1999) prope uma compreenso do consumo e da
cidadania de forma conjunta e inseparvel, tomados como processos culturais,
encarando-os como prticas sociais que do sentido de pertencimento. Para ele, o
consumo no mera possesso individual de objetos isolados, mas forma de
pertencimento, apropriao coletiva por meio de relaes de solidariedade, distino
com os outros, de bens que proporcionam satisfao biolgica e simblica e que
servem para receber e enviar mensagens.
Nesse caminho, tambm passa a ser importante entender como a
necessidade de possuir ou utilizar certos produtos e servios construda
21
socialmente. Quando Barbosa (2007, p.37) afirma que as necessidades bsicas
so aquelas consideradas legtimas e cujo consumo no nos suscita culpa, pois
podem ser justificadas moralmente, acaba levantando a discusso sobre o que so
necessidades bsicas. Na cultura do consumo, o conceito de necessidade se
desvincula da noo do suprimento de insumos bsicos, indispensveis
sobrevivncia do corpo fsico. Boa parte dos produtos e servios disponveis tiveram
sua necessidade construda no interior da cultura e foram socializados para os
indivduos pelas instituies sociais. O grupo de amigos, a famlia e, principalmente,
os meios de comunicao apontam quais devem ser as suas necessidades de
consumo, de acordo com o grupo social no qual est inserido ou para o qual se
projeta.
preciso que fique bem claro: as necessidades no so sociais no sentido simples de serem influncias sociais, presses sociais ou processos de socializao por meio do qual a sociedade molda o indivduo. A questo bsica diferente. Quando digo que eu preciso de uma coisa, estou no mnimo fazendo duas declaraes: em primeiro lugar, estou dizendo que preciso disso para ter um certo tipo de vida, certos tipos de relaes com os outros [...] ser um certo tipo de pessoa, realizar certas aes ou atingir certos objetivos. (SLATER, 2002, p.12).
Nesse sentido, quando algum afirma que precisa de algo, essa simples
asseverao sobre tal necessidade comunica aspiraes do meio em que vive e que
podem dar sentido de pertencimento a um grupo social, por exemplo. Isso mostra
que no so apenas as escolhas de consumo, mas antes, que as necessidades
tambm so elaboradas a partir de ideais e projees de identidade. Nos
argumentos criados pela publicidade, as necessidades podem ser ilustradas por
meio de diferentes justificativas e recursos. No caso deste estudo ser verificado
como as matrias jornalsticas racionalizam os motivos e a necessidade de consumir
os MBAs.
Outra importante caracterstica da cultura do consumo j bastante estudada,
o consumismo, se caracteriza pela aquisio compulsria de mercadorias e
servios, formando um ciclo que prepara nos indivduos um campo propcio para o
engendramento de novos imperativos. Bauman (2008, p.45) afirma que novas
necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas
necessidades e desejos; o advento do consumismo augura uma era de
obsolescncia embutida dos bens oferecidos no mercado. Mais adiante ele
completa:
22
No a criao de novas necessidades [...] que constitui [...] a principal preocupao da sociedade de consumidores. o desdm e o desprezo pelas necessidades de ontem e a ridicularizao e deturpao de seus objetos, agora passs, e mais ainda a difamao da prpria ideia de que a vida de consumo deveria ser guiada pela satisfao de necessidades que mantm vivos o consumismo e a economia do consumo. (BAUMAN, 2008, p.127-128, grifo do autor).
A relao entre todas essas caractersticas necessidades, consumismo, etc.
que convivem no universo do consumo resultado das pesquisas que se
debruaram sobre o tema no campo das Cincias Sociais. Embora o debate tenha
sido cada vez mais aprofundado, nas ltimas quatro dcadas surgiram as principais
pesquisas nessa rea, colaborando para a definio de um campo de estudos.
Desde ento, antroplogos, socilogos, comuniclogos, entre outros, trouxeram
importantes contribuies para essa rea.
Autores2 que se dedicaram a pesquisar o tema e suas transversais
consideram a cultura do consumo como um dos produtos da Revoluo Industrial
ocorrida no sculo XVIII, e que comeou a ganhar fora nos anos 20,3 sobretudo,
aps a Segunda Guerra Mundial, quando inaugurado o que Jameson (2001)
considera como a terceira fase do capitalismo, ou capitalismo tardio. Foi a partir
desse momento que ganharam fora as pesquisas relacionadas apropriao e uso
dos bens.
O consumo j vinha sendo tratado muito antes por autores do campo das
cincias econmicas, cujo objetivo de explicar o consumo se baseava no
desenvolvimento de estratgias cada vez mais eficazes de vender os produtos e,
consecutivamente, aumentar os lucros. Nessa rea o foco das pesquisas consistia
em descobrir uma frmula ou modelo que permitisse explicar quais os fatores que
determinavam a elevao do consumo de bens e servios pelos indivduos. Na obra
2 Ver: Douglas (1979), Baudrillard (1970), Featherstone (1995), Rocha (1995), Freitas (1996), Campbell (2001),
Slater (2002), Barbosa (2006), Bauman (2007), entre outros. 3 Segundo Slater, a dcada de 1920 foi provavelmente a primeira a proclamar uma ideologia generalizada de
riqueza. Promoveu, sobretudo, uma ligao fortssima entre o consumo cotidiano e a modernizao. A partir da dcada de 1920, o mundo seria em parte modernizado atravs do consumo; a prpria cultura do consumo era dominada pela ideia de que a vida cotidiana podia e devia ser moderna, o que em grande medida realmente o era. Ewen (1976) e Marchand (1986), por exemplo, demonstram que a publicidade e o marketing florescentes dessa poca vendiam no s bens de consumo, mas o prprio consumismo como o caminho cintilante para a modernidade; incitavam seus pblicos a se modernizarem, a modernizar o seu lar, seus meios de transporte. Os produtos mais tpicos do perodo estavam relacionados com a mecanizao da vida cotidiana, a comear pelas prprias casas e estendendo-se sua eletrificao; a seguir bens durveis como mquinas de lavar roupa, aspiradores de p, geladeiras, telefones; finalmente o automvel, que promovia aquela impresso moderna de estar se dirigindo para o futuro e para a era do jazz. Esta a era do imvel, do crdito ao consumidor e dos carros: instrumentos modernos, adquiridos por meios modernos, instalados num lar moderno. (Ver, SLATER, 2002, p.21, grifo do autor).
23
The general theory of employment, interest and money, publicada em 1936, o
economista britnico John Maynard Keynes, estabeleceu a abordagem do consumo
que norteou a maior parte dos estudos sobre o tema na rea econmica. poca o
autor resumiu a deciso de consumir ao que denomina lei psicolgica fundamental.
The fundamental psychological law, upon which we are entitled to depend with great confidence both a priori from our knowledge of human nature and from the detailed facts of experience, is that men are disposed, as a rule and on the average, to increase their consumption as their income increases, but not by as much as the increase in their income. (KEYNES, 1936, p.96).
4
Ao reduzir a disposio do consumidor para comprar ao aumento da renda,
embora no na mesma proporo em que ela elevada, a abordagem keynesiana
do consumo no considerou os fatores sociais e culturais e se tornou uma teoria
parcial, restrita aos interesses dos proprietrios dos meios de produo, que na
poca de sua elaborao, tinham por objetivo encontrar maneiras de aumentar o
consumo dos bens que fabricavam, deixando de lado a explicao de como e por
que o consumo ocorre. Muito antes de ser uma explicao precria, que Keynes
depois resumiu em uma frmula matemtica, os hbitos de consumo nas diferentes
camadas sociais recebem influncias e se constroem sobre fatores que vo muito
alm do aumento da renda do indivduo.
Nas Cincias Sociais, o interesse em torno da temtica do consumo foi
crescente nos Estados Unidos e na Europa a partir do final da dcada de 1970 e
incio da dcada de 1980. Alm da Economia, da Sociologia e da Antropologia, a
discusso sobre consumo passou a ser feita em disciplinas como Comunicao, por
exemplo, na tentativa de caracterizar a participao da mdia na formao e na
dinmica da cultura do consumo. A maior parte das pesquisas colaborou para
desmistificar o argumento de que a produo determina o consumo, e de que o
processo de escolha dependia dos bens disponveis no mercado. Para Barbosa
(2006, p.11) at ento os consumidores tinham sido reduzidos a sujeitos passivos
do capitalismo, do marketing e da propaganda.
No estudo Hierarquia, escassez e abundncia materiais: um estudo
etnogrfico no universo de consumo das empregadas domsticas, Barros (2007)
4 O trecho correspondente na traduo : A lei psicolgica fundamental, sobre a qual temos o direito de
depender tanto com grande confiana a priori do nosso conhecimento da natureza humana e dos fatos detalhados de experincia, que os homens esto dispostos, como regra e, em mdia, a aumentar o seu consumo medida que aumenta o seu rendimento, mas no tanto quanto o aumento na sua renda.
24
faz um resumo da trajetria dos estudos sobre consumo, registrando alguns dos
principais autores que contriburam para o estudo do fenmeno no campo da
antropologia do consumo.
Desde autores seminais como Marcel Mauss e Thorstein Veblen, passando por Mary Douglas, Marshall Sahlins, Jean Baudrillard, Colin Campbell e Daniel Miller, para citar apenas alguns dos nomes mais importantes, o campo da antropologia do consumo vem-se constituindo a partir da crtica s anlises economicistas, utilitaristas e reducionistas desse fenmeno. A preocupao nessa arena de debates sempre foi mostrar o consumo como um fato social total, um cdigo, um ndex simblico e um grande sistema classificatrio, ao mesmo tempo em que se procurava relativizar a ideia de universalidade do homem econmico e da prpria noo de indivduo por meio de diversos estudos etnogrficos. Os autores que construram o campo de saber da antropologia do consumo deixam de ver esse fenmeno como mero reflexo da produo e o transformam em objeto central de anlise capaz de produzir um discurso sobre as relaes sociais. Abandona-se, assim, a viso utilitria do consumo que prevalece no vis economicista para se dar a devida ateno ao significado cultural contido nesse fenmeno e em suas prticas (BARROS, 2007, p.102).
Embora na sua afirmao Barros situe o incio dos estudos de consumo em o
Ensaio sobre a ddiva, de Marcel Mauss, obra publicada pela primeira vez em 1925,
as pesquisas dedicadas especificamente a analisar a cultura do consumo ganharam
fora na ltima metade do sculo XX. Mesmo assim a produo terica sobre o
assunto nas Cincias Sociais ainda precria, e se no restante do mundo ela
insuficiente, no Brasil ela parece ser ainda mais. Os pesquisadores que escolhem
abordar o tema em suas pesquisas tm que recorrer a uma vasta bibliografia em
ingls e francs para saber o que tem sido produzido sobre consumo nos ltimos
anos. O interesse registrado pelo tema na academia brasileira foi suficiente para que
fossem traduzidas algumas obras consideradas clssicas para os estudiosos dessa
rea, entre elas, Sociedade de consumo, de Jean Baudrillard (1970); A tica
romntica e o esprito do capitalismo moderno, de Colin Campbell (2002); Cultura e
consumo, de McCracken (1990); e o Mundo dos bens, de Mary Douglas e Baron
Isherwood (1974), considerada a obra que assenta o tema do consumo para a
antropologia, o abordando como fruto de construes culturais.
Foi justamente na abordagem dos aspectos culturais do fenmeno que esses
autores trouxeram sua contribuio. O tema ganhou adeptos em diferentes reas,
mas, no entanto, foi registrado negativamente por alguns pesquisadores, que
enxergavam no consumo alienao e expropriao da renda dos indivduos.
Barbosa (2006, p.07) lembra que at recentemente o interesse pelo tema foi
25
pequeno e eivado de preconceitos morais e ideolgicos, no mbito das Cincias
Sociais e da prpria sociedade contempornea, que, ironicamente, se autodefine
como de consumo.
Seguindo pela linha dos mais crticos, em 1970 o socilogo e filsofo francs
Jean Baudrillard publica Sociedade de consumo, livro no qual se aprofunda
especialmente na temtica. Nele o autor afirma que a sociedade contempornea
conduzida estritamente pelo consumo. Dessa forma, viveramos em um contexto
onde o consumo rege a vida das pessoas, constituindo o eixo central por onde
passariam todas as relaes socioculturais. Seria o consumo, um alienador.
O consumo revela-se, pois, como poderoso elemento de dominao social (atravs da atomizao dos indivduos consumidores), mas traz consigo a necessidade de coaco burocrtica cada vez mais forte sobre os processos de consumo que forosamente se ver exaltada como crescente energia como o reino da liberdade. No h sada. (BAUDRILLARD, 2008, p.100, grifo do autor).
Embora o consumo nunca tenha possudo tanta significao, como em nosso
tempo e seja, de fato, um dos aspectos configuradores da cultura contempornea,
Baudrillard tendeu a um exagero na maneira como abordou a importncia do
problema. Encarar o consumo pelo ngulo proposto pelo autor pode levar a uma
supervalorizao dos problemas de nossa sociedade. Featherstone criticou essa
vertente da sociologia alinhada abordagem negativa do consumo.
A sociologia deveria procurar ir alm da avaliao negativa dos prazeres do consumo, herdada da teoria da cultura de massa. Deveramos nos esforar para explicar essas tendncias emergentes com uma atitude sociolgica mais distanciada, sem acarretar simplesmente uma celebrao populista dos prazeres de massa e da desordem cultural. (FEATHERSTONE, 1995, p. 32).
A crescente onda de protesto contra o consumismo o pano de fundo deste livro. O consumismo vilipendiado como avareza, estupidez e insensibilidade misria. A cada ms um novo livro investe contra o consumo excessivo e sua exibio vulgar. Mas o que fazer? Talvez seja nossa responsabilidade moral viver mais austeramente, mas parecemos relutar em faz-lo. Mesmo que livrssemos nossa prpria vida da gordura excessiva e nossa aparncia no espelho do banheiro nos agradasse mais, nosso emagrecimento dificilmente corrigiria os males da sociedade. Gostaramos de saber como vivem esses moralistas, seu estilo e sua vida. Talvez distribuam seus direitos de autor entre os pobres. Ou talvez gastem judiciosamente, como colecionadores eruditos de raros manuscritos e pinturas, ou outras formas de consumo de prestgio que rendem muito como investimento. [...] a indignao moral no basta para compreend-lo. (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2009, p.19).
26
Esse ltimo trecho, parte do prefcio da primeira edio do livro O mundo dos
bens, de Mary Douglas e Baron Isherwood, representa a insatisfao dos
pesquisadores com a precariedade de respostas oferecidas problemtica do
consumo. Distantes de abordagens totalizantes como a empreendida por
Baudrillard, alguns pesquisadores fizeram diferentes reflexes sobre o tema, com
foco em momentos distintos do processo de construo do consumo. Assim,
ganharam fora os estudos que caracterizavam o consumo para alm do aumento
da renda, fixando o fenmeno mais no campo da cultura do que na economia. A
antropologia, por exemplo, foi uma das disciplinas que pouco se apegou
abordagem do consumo como deteriorante da cultura. Ainda nesse sentido, O
mundo dos bens foi fundamental para o direcionamento da abordagem do tema com
enfoque nos aspectos culturais, deixando de lado determinismos biolgicos e
econmicos que influenciaram muitos estudos. O livro se tornou um marco para o
campo de estudos do consumo ao registrar o fenmeno como produtor de prticas
sociais inscritas culturalmente.
A obra, inspirada no Ensaio sobre a ddiva, de Marcel Mauss, continua sendo
um importante referencial terico para os estudos sobre consumo. Os argumentos
expostos no livro, publicado em 1979, ainda so bastante atuais, sobretudo queles
que dizem respeito cotidianidade do consumo e sua forte relao com prticas
sociais simples, em torno das quais foram desenvolvidas mercadorias sob medida.
A perenidade da obra surpreende os prprios autores5 e, na apresentao da edio
brasileira, Rocha (2009) destacou por que as ideias expostas perpassaram o tempo.
O mundo dos bens argumenta que o consumo possui importncia tanto ideolgica quanto prtica no mundo em que vivemos. O consumo algo ativo e constante em nosso cotidiano e nele desempenha um papel central como estruturador de valores que constroem identidades, regulam relaes sociais e definem mapas culturais (ROCHA, 2009, p.08).
Assim o pensamento desenvolvido em O mundo dos bens crucial por nos
fazer perceber que a indstria desenvolveu produtos e servios em torno de prticas
sociais e no o contrrio. Lavar roupa, por exemplo, uma prtica antiga, talvez
milenar, em torno do qual as indstrias desenvolveram uma infinidade de produtos e
servios. Estudar, aprimorar o conhecimento tambm anterior mercantilizao
5 Ver: Douglas, Mary. O mundo dos bens, vinte anos depois. Revista Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre,
ano 13, n. 28, p. 17-32, jul./dez. 2007.
27
dos processos de ensino, assim como a necessidade de se comunicar, uma
construo cultural para a qual foram desenvolvidos meios mais eficientes e rpidos
de satisfaz-la. justamente nesse sentido que o campo denominado antropologia
do consumo oferece sua maior contribuio abordagem deste trabalho, pois ela
nos permite compreender no apenas os atos de compra, mas toda a sociabilidade contempornea, a motivao do homem no trabalho, os significados que ele cria para sua vida, a forma como ele percebe as ameaas sua famlia, a sua fragilidade no caos urbano, o modo como busca insero social, reconhecimento, prestgio, e at mesmo como se manifesta politicamente e como constri cidadania [...].
O esforo antropolgico por compreender o consumo , portanto, um esforo por situar-se nessa complexidade [...] para ver o consumidor de um modo mais indutivo, buscando compreender quais so os sentidos que essas pessoas atribuem sua ao, qual a lgica que informa seu raciocnio, como se estruturam suas microdecises cotidianas, como elas percebem suas necessidades em meio a presses, o que consideram relevante na hora de alocar os seus recursos e o que pode ser deixado para depois. (MIGUELES, 2007, p.10-11).
Nesse sentido, o consumo de bens e servios, seja para perpetuar rituais
culturais ou assinalar limites sociais, passa pelos meios de comunicao. Eles
massificam usos e aplicaes e estabelecem o vnculo entre produtos e seus usos
socioculturais. Para aprofundar a discusso sobre o papel que os meios de
comunicao desempenham na construo do consumo preciso entender quais
so as pistas, mapas e estradas que eles fornecem aos indivduos.
2.2 Estudos de consumo e comunicao: aproximaes
Enquanto as pesquisas procuram caracterizar os fundamentos que levam os
indivduos a adquirirem bens, pouco se tem avanado na discusso sobre a
participao dos meios de comunicao na formao do consumo. Na bibliografia
existente sobre esse tema no campo da Comunicao, nota-se que as pesquisas se
dedicaram muito pouco a caracterizar a parte tocante aos meios na construo do
consumo, fazendo com que os estudos constituam, na maioria das vezes,
etnografias com consumidores de determinados produtos ou pertencentes a um
28
grupo social.
importante lembrar tambm que enquanto algumas pesquisas criticavam
ferozmente o consumo, relacionando-o apenas satisfao das necessidades
biolgicas sem levar em considerao as necessidades sociais erigidas pela cultura,
outras se preocupavam em demonstrar as bases culturais do consumo e seu
enraizamento em prticas sociais anteriores existncia de diversos produtos e
servios. A defesa para um lado ou para o outro permeou boa parte da produo
bibliogrfica sobre consumo. Pouco espao sobrava para se aprofundar na
construo do consumo e a participao dos meios de comunicao como um dos
fatores que colaboram para sua formao.
Pela crena nas razes culturais que tornam o consumo ao social na
sociedade contempornea, este estudo se junta aos que tiveram o intuito de
demonstrar as bases culturais sobre as quais se constri esse fenmeno. Em
complemento a essa definio possvel ainda completar e afirmar que o consumo
cultural exatamente por que os produtos e servios so desenvolvidos em torno de
prticas culturais. O sabo em p um produto que foi desenvolvido para lavar
roupas. Isso quer dizer que o hbito de lavar roupas no passou a existir em
decorrncia da existncia do sabo em p, o costume j existia e as empresas
desenvolveram, no apenas o sabo em p, mas tambm a mquina de lavar e
mais uma infinidade de produtos que esto no entorno da prtica de lavar roupa. O
mesmo pode ser aplicado aos demais produtos e servios que esto disponveis no
mercado, basta observar as gndolas de produtos e elencar as prticas sociais
ligadas a eles. Desse modo, a afirmao de que as indstrias dominam a mente dos
indivduos com novidades e diferentes produtos tornando-o uma mquina de
consumir equivocada, porque nem sempre considera que os produtos e servios
existem por causa de prticas culturais j estabelecidas muito antes de serem
inventados.
Uma pesquisa dessa natureza jamais poderia se distanciar da discusso em
torno do consumo no plano da cultura. Embora as fontes de referncia mais
consistentes para uma pesquisa sobre o tema j tenham sido amplamente
debatidas, elas ainda nos trazem importantes consideraes, pois continuam
oferecendo o embasamento necessrio para os estudos de consumo.
A seguir sero identificados alguns pontos na obra de Mary Douglas e Baron
29
Isherwood e tambm em outros textos recentes que registram, ainda que de modo
um pouco distante, a participao dos meios de comunicao na formao dos
hbitos, ritos, necessidades e desejos de consumo.
Considerada por muitos pesquisadores um marco da antropologia do
consumo, O mundo dos bens ensaia alguns apontamentos sobre a participao da
comunicao, mais precisamente da parcela tocante informao, na produo
cultural do consumo. Os autores partem da ideia de que uma das funes essenciais
da cultura de massa na sociedade contempornea ser a instncia que viabiliza os
cdigos ao comunic-los sociedade. Assim, a comunicao de massa realizaria a
dimenso ampliada desses cdigos, fazendo com que nos socializemos para o
consumo de forma semelhante. Os sistemas jornalsticos, publicitrios e fictcios,
constituiriam, de acordo com essa viso, o espao particularmente privilegiado, pois
reproduzem no plano interno (no mundo apresentado pela notcia, dentro do anncio
e pela obra ficcional) a vida social, representando ideias e servios como
necessidades, utilizando argumentos direcionados ao pblico que desejam atingir,
justificando e tornando o consumo de produtos e servios um meio de classificao
e diferenciao social, ajudando a despertar nos indivduos o desejo de consumi-los.
Assim, seria possvel outorgar cultura de massa o processo de socializao para o
consumo, do mesmo modo como ela promove a socializao para os indivduos.
Entre tantas instituies sociais que participam desse processo, hoje a
complexa rede de meios de comunicao que domina e ocupa a vida dos indivduos
uma das que mais se destaca em termos de eficcia na transmisso dos cdigos
culturais por meio das snteses oferecidas ao pblico. Corroborando com a viso
apresentada por Oliveira (2004, p.52), A partir do momento da falncia pblica de
instituies-chave da modernidade como escola, famlia, poltica e Igreja, o indivduo
passa a procurar referncias em outros locais. O consumo se torna esse lugar. Se o
consumo o local onde o indivduo busca referncias, os meios de comunicao
so a sua fonte direta ao apontar para os indivduos os lanamentos de bens e
servios e ainda o status que referenciam.
Passada a ancoragem do consumo cultura preciso se aprofundar nos
elementos que atuam na formao do consumo em grande escala. E nisso os meios
de comunicao tm um papel importante porque expem para milhes de pessoas
argumentos, justificativas e necessidades, associados a prticas sociais. Situado
30
dessa forma, cabe detalhar sua participao nesse processo.
2.3 Os meios como interlocutores do consumo
Voltando-se para a reflexo sobre processo de produo de contedo,
sobretudo da relao entre as mensagens propostas pelos veculos jornalsticos e
por programas de fico seriada, possvel encontrar alguns caminhos para analisar
como os meios de comunicao (re)produzem ideias e validam argumentos sobre o
consumo de produtos e servios.
Os meios de comunicao, desde o sculo passado, assumiram importncia
fundamental na vida do indivduo, a partir deles a cultura repassada, (re)construda
e representada. No seria mais preciso afirmar que os rituais, as regras e as leis so
repassadas, pela Igreja, pelos livros, pelo grupo familiar ou pelas instituies de
ensino. Elas podem ser ouvidas, lidas ou assistidas a qualquer instante nos diversos
veculos de comunicao que compem a mdia. Assim, desde os jornais impressos,
passando pelos programas televisivos de fico, telejornais e as redes sociais
virtuais, possvel encontrar argumentos, justificativas que complementam e
reforam a necessidade de consumir produtos e servios.
No entanto, essa caracterizao dos meios de comunicao na formao do
consumo, no adquire a supremacia de que fala Jameson:
Essa fora suprema o consumismo, o ponto central de nosso sistema econmico e tambm o modo de vida para o qual somos todos os dias sem cessar, treinados por toda nossa cultura de massas e indstria do entretenimento, com uma intensidade de imagens e de mdias sem precedentes na histria. (JAMESON, 2001.p.07).
Embora o autor dispare uma crtica direta ao poder dos meios de
comunicao na formao de identidades para o consumo, preciso ponderar sobre
o poder conferido aos meios. Apesar de ter adquirido forte presena na socializao,
sua ao sobre o indivduo no direta. Tambm falta dizer que boa parte do
pblico confronta os ideais de consumo propagados pela mdia com outros
31
mediadores. O processo de mediao durante a recepo de tais mensagens
adquire importncia especial na formao do consumo. De acordo com Thompson:
Dado o carter hermenutico da apropriao, a importncia que as mensagens da mdia tm para os indivduos e as maneiras de usar os materiais simblicos mediados dependem crucialmente dos contextos de recepo e dos recursos que os receptores tm sua disposio para os auxiliar no processo de recepo. (THOMPSON, 1998, p.155).
Seria mais prudente afirmar, desse modo, que os meios de comunicao ao
socializar os indivduos, alimentam a cultura com ideias e argumentos que
colaboram na maneira como estruturam e justificam as decises que tomam no seu
dia a dia. Assim, procura-se demonstrar que a mdia age sobre um contexto mais
amplo, de formao dos significados dos bens, que antecede, ou engloba, os
processos de escolha, oferecendo-lhes opes de foco e direo, como aponta
Migueles (2007):
O consumidor deve ser abordado como um ser dotado de conscincia e razo, que toma decises racionais, mas no no sentido utilitarista do termo. Vemo-lo inserido em um nexo complexo e relacional, de forma simbolicamente informada e socialmente situada. [...] Tal enfoque se torna fundamental para compreender essa racionalidade e as formas pelas quais os consumidores criam novos sentidos para os objetos, produtos e servios. Alm disso, permite no apenas compreender as mediaes que a cultura produz, facultando ao consumidor relativizar as mensagens da publicidade e criar novos sentidos, como sujeitos pensantes o fazem, mas tambm averiguar de que forma essa percepo do mundo e dos objetos organiza a reflexo e a ao sobre eles. (MIGUELES, 2007, p.13)
Diante da viso proposta pela autora, possvel compreender que as
mensagens dos meios de comunicao agem sobre a cultura, num contexto mais
amplo, criando e elegendo desejos e necessidades de consumo. O merchandising
no interior das reportagens, como ocorre frequentemente nas matrias publicadas
no Boa Chance, objeto deste estudo, constitui a maneira mais gil de publicidade
dos produtos e servios, que so abordados sob aspectos do que o indivduo pode
vir a ser ou representar ao fazer uso deles.
A participao da comunicao na construo do consumo j havia sido
apontada por vrios autores, mas apenas nas ltimas duas dcadas comeou a
ganhar fora e se tornar objeto de estudo nessa rea de pesquisa. Dos mais
radicais, como Jameson (2001), que aponta certo poder absoluto das mensagens
32
miditicas na formao do consumo a vises moderadas como as de Migueles
(2007), possvel perceber que a comunicao colabora para socializao do
consumo ao indicar para os indivduos, como consumir, o que consumir e os valores
que representam na sociedade contempornea. A mdia no onipotente e
avassaladora da cultura, como j afirmaram os pesquisadores de correntes tericas
como a Teoria Crtica e a Teoria Hipodrmica. preciso consider-la como parte
integrante da cultura e dos discursos circulantes na ps-modernidade. Ela est
incansavelmente presente no cotidiano e na vida dos indivduos que habitam os
grandes centros urbanos, de quem requere a todo instante ateno para, ver, ouvir,
sentir ou ler suas mensagens. E se os meios so parte tanto da realidade que
vivida como do futuro que vai sendo tecido, a ancoragem do consumo em prticas
sociais tambm passa por eles. Assim, dois fenmenos de origem histrica que j
foram apontados como deturpadores da cultura, a comunicao e o consumo se
relacionam na contemporaneidade.
Mais do que a propaganda e o marketing, frequentemente apontados na
literatura sobre consumo como os incitadores de desejo e dos atos de consumo,
existem outras fontes a partir das quais o consumo se forma. Restringir a eles o
papel de nicos propulsores do consumo guarda dois equvocos. Em primeiro lugar,
creditar a formao do consumo como mrito da propaganda e ao marketing das
empresas condicionar o fenmeno inteiramente ao dos meios de produo, o
que minimiza outras influncias culturais capazes de agir nesse processo. Esse o
argumento utilizado pelos que consideram o consumo um fenmeno restrito ordem
econmica e que dado diretamente pelos produtores de bens e servios. Em
segundo lugar, isso reduz a participao de outras fontes de informao e de
formao de opinio que o indivduo partilha. Nesse sentido, preciso lembrar que
os meios de comunicao tambm no atuam sozinhos nesse processo. Embora
tenham se tornado muito mais presentes na formao de opinio em relao a
outras instituies, eles ainda continuam dividindo esse trabalho com as mesmas.
Fora o discurso circulante nessas instituies, a informao boca a boca feito em
famlia, no grupo de amigos, na escola, ou at mesmo de desconhecidos que se
encontram na rua, ou dentro de uma loja, tambm colabora para relacionar bens e
servios s prticas sociais.
No caso dos meios, possvel perceber outras maneiras de divulgao dos
33
produtos, alm da publicidade. Vejamos, por exemplo, um jornal ou revista que
publica um novo produto ou servio que passar a ser oferecido por uma empresa e
que considerado um avano ou um marco no mercado no qual est inserido.6 A
matria pode apresentar tanto as inovaes tecnolgicas que o produto guarda,
como tambm pode oferecer detalhes de onde e a que preo o produto pode ser
comprado. Ali esto justificadas e valorizadas todas as etapas do processo de
produo e dissecada toda a tecnologia e o conhecimento empregados, produzindo
status sobre produtos e servios. A promessa do consumo est literalmente escrita e
oferece ao indivduo o embasamento para que ele fundamente a sua necessidade
perante outras pessoas e a inscreva no seu modo de vida. Esse mesmo exemplo
vlido tambm para os jornais de televiso e rdio que, com frequncia, produzem
matrias dessa natureza.
No caso do Boa Chance, em que a maioria das notcias ligada a mercado
de trabalho e formao profissional, possvel afirmar que ocorre um tipo de
merchandising. Instituies de ensino, como a Fundao Getulio Vargas (FGV) e a
Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), devido grande
quantidade e variedade de cursos de ps-graduao MBA que oferecem, esto
entre as mais encontradas no interior das matrias.
Alm disso, possvel adiantar trechos da anlise e afirmar que os cursos
no so apenas citados. Sua realizao justificada em alguns casos pelo
crescente nmero de vagas de emprego existentes na rea a que os cursos esto
voltados. Assim, se uma matria trata da crescente oferta de empregos no setor
sucroalcooleiro, vem junto com essa informao uma relao de instituies que
oferecem cursos para o indivduo se especializar nessa rea. Para reforar o
argumento, frequentemente as fontes entrevistadas so geradores de emprego, que
informam qual a formao e o perfil do profissional que buscam para sua empresa.
Junto deles so entrevistados coordenadores e professores dos cursos de ps-
graduao, cuja fala vai, coincidentemente, ao encontro do que disseram os
empregadores.
Desse modo, sem refutar a importncia da publicidade e das mensagens que
6 A esse respeito, ver, por exemplo, as matrias publicadas: Steve Jobs apresenta iPad, o aguardado tablet da
Apple, Folha de So Paulo, Informtica 27/1/2010; FGV online abre inscries para cursos de MBA e especializao, O Globo, Boa Chance, 29/3/2010; Universidade de Pittsburgh lana novo curso de liderana no Brasil, poca Negcios, Carreira & Educao Executiva, 31/5/2010.
34
ela sintetiza, importante deslocar o olhar e perceber outros espaos por meio dos
quais passa a formao do consumo. A propaganda e os produtos jornalsticos
requerem do indivduo o reconhecimento de cdigos lingusticos amplamente
utilizados. No entanto, a publicidade tambm utiliza como artifcio cores, linhas, entre
outros elementos grficos, criando situaes em torno do produto, que nem sempre
podem ser decodificadas no primeiro contato. Ao estarem fundadas na linguagem
coloquial, as produes jornalsticas e as obras de fico seriada, como as
telenovelas utilizam referenciais frequentes ao repertrio dos indivduos, o que
facilita o reconhecimento pelo pblico.
Os produtos jornalsticos j foram abordados sob a tica da distribuio e
representao de papis sociais, mas a sua contribuio para a formao do
consumo ainda bastante desconhecida. Como j foi apontado, esse um
fenmeno dinmico e ao mesmo tempo em que est sendo formado no boca a
boca cotidiano, nos grupos de amigos, nas redes sociais, no ambiente familiar e
pela publicidade, tambm est sendo abordado nas matrias jornalsticas. Atentar
para a contribuio de outros produtos da mdia na formao do consumo pode
oferecer bases importantes para analisar como as necessidades so construdas e
os produtos e servios so ancorados culturalmente em prticas sociais. Essa
abertura de foco pode ajudar a entender melhor tambm como as necessidades so
fundadas.
No caso da cultura brasileira as telenovelas possivelmente so uma das
maiores ventiladoras de necessidades, ideais de consumo, comportamento, desejos,
alm de locais e situaes em que o consumo est em evidncia. Fora a
representao que feita voluntariamente pela prpria narrativa, existem ainda as
inseres comerciais pagas. Esse tipo de merchandising, diferentemente daquele
anunciado pelos apresentadores durante programas de auditrio, representa
situaes em que os personagens destacam as qualidades e vantagens do que est
sendo consumido na cena. A cmera fecha o foco na marca da empresa, no nome
do produto e junto da imagem vem o texto publicitrio, encaixado no contexto da
trama, emprestando a ele uma insero na vida dos personagens. Colocado
estrategicamente durante momentos de felicidade, onde se expressa satisfao, o
merchandising empresta ao pblico a sensao de que o xtase, a alegria e a
prosperidade experimentados na fico tambm podem ser comprados e
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experimentados por quem assiste.
Em um simples zapping pelos telejornais, uma breve leitura dos jornais
impressos, ou assistindo ao captulo de uma telenovela, possvel verificar que o
discurso favorvel do consumo j deixou de ser privilgio da publicidade. O
jornalismo e os produtos de fico constituem espaos ideais para a insero de
hbitos e representao do status do consumo de produtos e servios. Por outro
lado, enquanto algumas matrias evidenciam o consumo, ou reclamam a falta dele
em algumas camadas da populao, nas telenovelas os personagens passam por
situaes em que consumo dominante, seja pela sua abundncia ou pela
ausncia.
Por trs dos produtos e servios que nos so bombardeados pelos diversos
canais de comunicao existe uma estrutura complexa e dinmica, que relaciona os
veculos de comunicao e as empresas produtoras de bens e servios. O uso
desse aparato, composto principalmente por assessorias de imprensa, parte
integrante da rotina de produo de produtos jornalsticos e ficcionais em mdias
como rdio, TV e impresso. Para estabelecer e manter o contato entre empresas e
os meios esto as assessorias de imprensa. A rotina tpica da assessoria de
imprensa inclui a ronda dos veculos, editores e reprteres procura de pautas onde
possam ser inseridos os produtos ou servios do assessorado. A divulgao
acompanhada de algumas estratgias que incluem encontros com editores e
reprteres, releases, sugestes de pautas para rdio, TV, sites de informao e
jornais impressos, notas para colunas, tudo isso feito com o objetivo de ressaltar ou
abordar positivamente os produtos ou servios oferecidos.
Os assessores de imprensa tambm so encarregados de manter o bom
relacionamento da empresa com a mdia. So utilizadas diferentes estratgias para
cultivar e manter saudvel esse elo. Brindes, garrafas de usque, vinhos, almoos,
jantares e convites para viagens com objetivo de conhecer melhor os negcios da
empresa, fazem parte da ttica para manter uma relao saudvel e duradoura com
os produtores de contedo. No entanto, a discusso dessas relaes eticamente
questionveis, precariamente explorada no campo da Comunicao, e isso talvez
se deva ao fato de que sejam consideradas prticas antigas do mercado. Embora o
aprofundamento nesse tema no faa parte do escopo deste trabalho impossvel
no cit-lo quando se procura entender a atuao dos meios de comunicao, mais
36
especificamente de veculos jornalsticos, na construo do consumo. A chegada
dos produtos e servios por diversos canais de comunicao aos consumidores
passa antes pelo relacionamento entre empresas e meios de comunicao, que
tornam os produtos conhecidos para os indivduos.
Nesse contexto, em que os meios de comunicao popularizam produtos e
servios, a experincia de consumo passa a ser um dos principais argumentos
utilizados por profissionais do marketing e da propaganda. V-los representados em
programas de fico seriada ou publicados em jornais, contribui para o enraizamento
do consumo.
A cultura vigente integra produtos, servios, meios de comunicao, tradies
culturais, instituies e regras sociais, elementos que podem ser experimentados
todos ao mesmo tempo, em experincias reais, virtuais ou fictcias. A promoo da
experincia de consumo e da experincia de marca constitui o foco de muitas
empresas, que no desenvolvem mais produtos ou servios, mas produzem
experincias. Para Silverstone:
A mdia essencial a esse projeto reflexivo no s nas narrativas socialmente conscientes da novela, no talk show vespertino ou no programa de rdio com participao do ouvinte, mas tambm nos programas de notcias e atualidades, e na publicidade; como que atravs das lentes mltiplas dos textos escritos, dos audiotextos e dos textos audiovisuais, o mundo apresentado e representado: repetida e interminavelmente atravs de experincias. (SILVERSTONE, 2002, p.22).
So justamente essas experincias que tentam ser transmitidas nas matrias
e durante o merchandising das telenovelas. Assim, importa o contato e a
consumao do servio (ou produto) onde esto envolvidas diversas estratgias
para o que chamado de fidelizao de clientes. Porm, seria equivocado afirmar
que os meios atuam sobre os indivduos em mo nica, em um s sentido. Antes de
ganhar uso por meio de prticas sociais e se tornarem experincias reais, as
mensagens veiculadas pela mdia so mediadas pela cultura na qual o indivduo
est inserido. Nesse sentido:
[...] as decises de consumo se tornam a fonte vital da cultura do momento. As pessoas criadas numa cultura particular a veem mudar durante suas vidas: novas palavras, novas ideias e maneiras. A cultura evolui e as pessoas desempenham um papel na mudana. O consumo a prpria arena em que a cultura objeto de lutas que lhe conferem forma. [...] Em vez de supor que os bens sejam em primeiro lugar necessrios subsistncia e exibio competitiva, suponhamos que sejam
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necessrios para dar visibilidade e estabilidade s categorias da cultura. (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2009, p.104-105).
Para falar sobre a cultura e o consumo, Mary Douglas e Baron Isherwood
desenvolveram pesquisas importantes que fixaram o consumo no plano da cultura,
para alm da abordagem economicista. Integrante dessa cultura, os meios de
comunicao atuam no processo de formao do consumo. Nesse sentido, eles
prestam o servio de marcao7 para os diversos rituais de consumo. Nesse
caso, se nos ativermos s notcias ao longo de um ano veremos que os temas se
repetem de acordo com nossas marcaes culturais. No entanto, essas marcaes
so ampliadas pelos meios de comunicao. Lembremos, por exemplo, algumas
delas.
O perodo que antecede e se estende at o carnaval marcado por notcias
que preparam para a festa, como locais para passar o feriado, fantasias e adereos
para os folies se fantasiarem. Na Pscoa a vez das matrias divulgando
comparativos de preos de ovos de chocolate, do bacalhau e de vrios outros
produtos consumidos tipicamente nessa ocasio. No Natal, a melhor data para o
comrcio varejista mundial, transbordam opes de presentes, receitas culinrias e
decorao. Se tudo isso j era tradio na sociedade ocidental e mais propriamente
no contexto brasileiro, as inseres que os meios de comunicao fazem pela
ocasio dessas festividades mostram que eles esto prestando um servio de
marcao para o ritual de consumo que envolve cada um desses momentos. Tudo
isso se enquadra no agenda setting dos media. Tambm conhecida como teoria do
agendamento, suas ideias bsicas so atribudas ao trabalho de Walter Lippmann,
jornalista norte-americano que, em 1922, props a tese de que as pessoas no
respondiam diretamente aos fatos do mundo real, mas que viviam em um
pseudoambiente composto pelas imagens em nossas cabeas. A mdia teria papel
importante no fornecimento e gerao dessas imagens e na configurao desse
pseudoambiente. Ao estudarem a forma como os veculos de comunicao cobriam
campanhas polticas e eleitorais, Shaw e McCombs (2000) verificaram que o
principal efeito da imprensa pautar os assuntos da esfera pblica, dizendo s
7 Os termos servio de marcao e rituais de consumo tambm foram utilizados por Mary Douglas e Baron
Isherwood em O mundo dos bens. O primeiro trata de marcaes culturais da nossa sociedade, o casamento, o velrio, a formatura e os rituais de consumo seriam os gastos que envolvem esses eventos. Um casamento pode requerer um sapato novo; o funeral, roupas escuras segundo algumas tradies; a formatura, uma roupa de gala.
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pessoas no o que pensar, mas em que pensar. Desse modo, a imprensa
colabora para o consumo realizando essa mesma marcao para produtos e
servios que so tipicamente consumidos pela ocasio de determinadas datas ou
pocas do ano.
Outro ano se passou, um novo comeo; vinte e cinco anos, um jubileu de prata; cem, duzentos anos, uma celebrao de centenrio ou bicentenrio; h um tempo de viver e um tempo de morrer, um tempo de amar. Os bens de consumo so usados para marcar esse intervalo. Sua variao de qualidade surge a partir da necessidade de estabelecer uma diferenciao entre o ano do calendrio e ciclo da vida. (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2009, p.19) Os mass media, descrevendo e precisando a realidade exterior, apresentam ao pblico uma lista daquilo sobre o que necessrio ter uma opinio e discutir. O pressuposto fundamental que a compreenso que as pessoas tm de grande parte da realidade social lhes fornecida, por emprstimo, pelos mass media. (E. Shaw in Wolf, p.145, 1999)
A mdia especializada em decorao, por exemplo, presta um servio de
marcao constante aos ditames arquitetnicos e decorativos s pessoas
interessadas ou ligadas a esse assunto seja pela sua profisso como arquitetos,
engenheiros e decoradores, seja pela ocasionalidade da compra ou reforma do
imvel. O surgimento da mdia especializada produziu experts, que nada mais so
do que revistas, encartes de jornais especializados em fornecer para os indivduos
informaes precisas em relao a determinados assuntos, muitos deles passando
pelo consumo de bens de servios e produtos.
No caso da nossa pesquisa justamente esse tipo de mdia que est sendo
estudada. No apenas pela ocasio que antecede o incio do perodo letivo, ou
esporadicamente ao longo do ano, mas durante todo o ano existem meios de
comunicao (revistas, jornais, encartes, sites, blogs) especializados em educao
que recriam o servio de marcao e estimulam o ritual de consumo desse tipo de
servio, fazendo comparaes entre mensalidades e elencando as instituies que
os oferecem.
O Boa Chance, publicado aos domingos no segundo maior jornal de
circulao diria nacional, o exemplo desse tipo de mdia que presta um servio de
marcao em vrias das suas edies publicadas ao longo do ano. Fora isso, duas
vezes ao ano o caderno edita um especial tratando apenas de cursos de ps-
graduao MBA. Assim, possvel retomar e perceber que a mdia no atua apenas
na formao do consumo de rituais marcados e localizados em pocas especficas
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do ano. Eles passaram a se fazer presentes, sobretudo pelos meios especializados,
durante todo o ano, socializando uma apropriao constante.
Desse modo os meios de comunicao produzem nessa interseo entre a
prestao dos servios de marcao e o agendamento de temas, a representao
sobre diferentes tipos de assuntos e situaes. No caso do Natal, por exemplo, uma
matria sobre o que servir na ceia contm esses trs elementos, ou seja, traz o tema
tona, colocando-o nas rodas de dilogo entre os indivduos, marca o perodo do
ano e ainda constri no imaginrio a representao do que deve conter a refeio
iniciada meia-noite. No caso do Boa Chance, por exemplo, a edio especial
sobre MBA, publicada no dia 27 de novembro de 2009, ajuda a incluir o tema no
debate da profissionalizao da mo de obra e marca o perodo do final do ano,
quando se abrem as matrculas para o ano seguinte.
2.4 Representao social nos meios de comunicao
Embora o conceito de representao social seja transdisciplinar, neste estudo
ele encarado como elementos coletivos, comunicados repetidamente e
distribudos igualmente numa determinada formao social (SPINK, 1993). Ainda
que parea estar associado a representaes coletivas postuladas por Durkheim, a
noo que trabalhada aqui difere, pois considera os movimentos ocorridos no
interior das representaes. As representaes sociais, sendo produzidas e
apreendidas no contexto das comunicaes sociais, so necessariamente estruturas
dinmicas (SPINK, 1993).
Autor que se debruou sobre o tema das representaes sociais, Serge
Moscovici, interessou-se no estudo de como, e por que as pessoas partilham o
conhecimento e desse modo constituem sua realidade comum, de como eles
transformam ideias em prticas [] (MOSCOVICI apud DUVEEN,1995 p. 8). O
estudo da relao entre grupos, atos e ideias pode ser visto na sua tese de
doutorado defendida em 1961, e logo mais tarde em 1976, quando o trabalho foi
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reeditado e publicado com o ttulo de Psychanalyse, son image et son publique.
Por meio dessa pesquisa, Moscovici resgata o conceito das representaes
coletivas, proposto por Durkheim, para estudar as diversas maneiras pelas quais a
psicanlise era percebida, representada e difundida ao pblico parisiense. Segundo
(OLIVEIRA, 2003, p. 181) pela discusso profcua sobre a relao entre linguagem
e representao, as concluses deste trabalho fizeram escola.
Nesse estudo o autor assinala trs dimenses para as representaes
sociais: informao, campo representacional e atitude. A primeira consiste no
conhecimento organizado em torno do assunto. J o campo representacional define
a imagem, o modelo social, as opinies e os juzos formulados, ou seja, essa
segunda instancia considera que a representao no era a mesma para todos os
indivduos. E por ltimo, a atitude reflete as orientaes negativas ou positivas em
relao ao objeto socialmente representado. Para ele a atitude a mais frequente
das trs dimenses das representaes sociais.
Moscovici definiu a formulao de novas representaes por meio de dois
processos, amarrao (ancoragem) e objetivao. A amarrao, que posteriormente
foi postulada como ancoragem, realiza a classificao do desconhecido por uma
aproximao do que conhecido. O termo ancoragem indica que se no
conhecemos alguma coisa e ouvimos falar dela, tendemos a relacion-la com algo
que j conhecemos, e, desse modo, ela passa de estranha a familiar.
J a objetivao o autor define como (MOSCOVICI, 1978 p. 111) reabsorver
um excesso de significaes materializando-as (e adotando assim certa distncia a
seu respeito). tambm transplantar para o nvel de observao o que era apenas
inferncia ou smbolo. Nesses termos, objetivao o mtodo pelo qual os
indivduos ou grupos acoplam imagens reais, concretas e compreensveis, retiradas
de seu cotidiano, aos novos esquemas conceituais que se apresentam e com os
quais tm de lidar (OLIVEIRA, 2003, p. 182).
O conceito de representaes sociais aplicado a esse estudo nos permite
compreender que na sociedade contempornea as significaes que construmos,
so, em parte, formuladas a partir da nossa convivncia com os meios de
comunicao, nas suas mais diferentes variedades. Fechando um pouco mais o foco
sobre os cursos de MBA, possvel afirmar que parte das representaes que se
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formulam deles, vem da maneira como a mdia os representa.
As trs instncias propostas por Moscovici podem ser aplicadas
representao dos cursos de MBA da seguinte forma. As instituies de ensino
detm o conhecimento organizado em torno dos cursos, a informao. As ideias,
conceitos, definies que as pessoas, grupos e os meios de comunicao Boa
Chance tm elaboradas desse tipo de ps-graduao compem o campo
representacional. E, por fim, a atitude aponta o posicionamento negativo ou positivo
dos indivduos em relao ao perfil de formao oferecido por esse tipo de ensino.
No Boa Chance, a representao sobre cursos de MBA construda de
diferentes maneiras, o que ser aprofundado no Captulo 4. Porm, j foi possvel
antever que os depoimentos de profissionais que j passaram pelo curso e se
tornaram bem-sucedidos, um dos argumentos explorados que fomentam a atitude
positiva sobre esse tipo de curso. Isso colabora para compor no imaginrio do
indivduo a representao do que um curso de MBA e tambm dos benefcios que
a sua realizao pode trazer.
Nesse sentido, a representao que construmos vem da experincia que
apreendemos, seja em situaes cotidianas ou por meio de relatos que nos
deparamos em materiais impressos, como jornais, assistidos na telenovela, no
cinema. Interessa neste estudo entender de que maneira um veculo de
comunicao, participa e ajuda a elaborar a representao dos cursos de MBA,
verificando se a perspectiva construda estimula o consumo desse tipo de ensino.
Vejamos a seguir, no nvel da informao como dimenso da representao
postulada por Moscovici e no sentido de um servio que passou a ser amplamente
consumido, como as instituies de ensino constituram o conceito dos cursos de
MBA e qual foi o desenvolvimento at que ele se tornasse um servio oferecido ao
consumo ao redor de todo o mundo.
42
Captulo 3
O MBA NA PRATELEIRA: DO SHOPPING CENTER S PGINAS DOS JORNAIS
3.1 Hi
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