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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
METADE CARA, METADE MÁSCARA: UMA AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES
ETNO-POLÍTICAS DA MULHER INDÍGENA
Jéssica Emanuelli Pereira da Cunha1
Resumo: Este artigo tem por intuito discutir a representação da identidade indígena a partir de uma perspectiva étnico-
política, tomando como base de análise a obra Metade Cara, Metade Máscara da escritora Eliane Potiguara. Para este
fim, considero nessa empreitada os conflitos existente entre a representação do indígena, mais especificamente da
mulher indígena, na literatura hegemônica e colonial, colocando em perspectiva as representações narrativas criadas
para os indígenas e aquelas criadas pelos próprio indígenas. Através de uma análise da referida obra, procuro perceber
as construções narrativas do texto que vão de encontro ao cânone literário e que questionam a construção da identidade
indígena estereotipada, colocando em evidência a construção de um discurso desde um lugar da mulher indígena. Sob
uma perspectiva dos estudos descoloniais, busco compreender através da narrativa de Eliane Potiguara a construção da
identidade da mulher indígena em relação ao estado-nação, aos movimentos globais, e como a construção de narrativas
pode vir a ser utilizada como uma ferramenta de afirmação identitária frente à esses processos.
Palavras-chave: Literatura Indígena, Autoria Feminina, Descolonialidade, Processos Identitários.
Ao estudarmos a literatura de autoria indígena no Brasil, percebemos que podemos dividi-la
analiticamente em dois momentos singulares: o período clássico, que se refere à tradição oral
(coletiva) que perpassa os períodos históricos com as narrativas míticas, como as narrativas dos
povos Pemons, Macuxis, So’tos, que influenciaram as produções literárias canônicas no Brasil (Sá,
2012) e o período contemporâneo, como as narrativas de Eliane Potiguara, Daniel Munduruku,
Yaguarê Yamã, Ren~e Kithãulu e Olívio Jekupé, baseado na escrita individual e coletiva que se
manifesta na poesia e na “contação de histórias” com base também nas narrativas míticas e nas
experiências individuais e coletivas no cotidiano desses povos, entrelaçando também com a
narrativa ficcional (Graúna, 2013).
No entanto, essa literatura indígena está permeada de complexidades no que diz respeito à
produção e circulação das obras no contexto nacional. Almeida afirma que “a supremacia da
produção intelectual indígena brasileira está com a região Norte (Amazonas, Tocantins, Pará,
Roraima, Rondônia, Amapá, Acre)” (Almeida, 1999, p.18). Embora no período da pesquisa de
Almeida os povos indígenas de outras regiões já tivesse publicado livros, a afirmação da autora
aponta o apagamento dos índios das demais regiões do país, sobretudo no Nordeste. Tal fato aponta
que a literatura indígena não é homogênea pelo fato de ser produzida por povos indígenas. Essa
grande classificação de “literatura indígena” engloba uma série de complexidades e diferenças,
1 Mestranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará. Reside
em Fortaleza – CE, Brasil.
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visto que os povos indígenas não são uma entidade única, mas são diversos e complexos em suas
particularidades.
Assim, o fato de a literatura dos indígenas da região Norte possuir uma maior relevância no
cenário nacional do que as obras produzidas pelos indígenas do Nordeste revela a concepção
estanque do que é ser índio, presa a imagem feita do indígena como habitante originário, portador
das características observadas ainda no contato colonial, impossibilitado de reconfigurar seus
códigos culturais e assimilar aspectos relativos à outras culturas.
O apagamento dos povo indígenas do Nordeste como grupos étnicos presente na
contemporaneidade se deve, como afirma Oliveira (2004), a uma concepção cristalizada sobre os
elementos que constituem uma identidade indígena, ou seja, no imaginário coletivo o referencial
que distingue um sujeito como indígena ou não está baseado em um modelo étnico estereotipado
que remete aos grupos étnicos habitantes da floresta amazônica. Os índios do nordeste, por terem
passado por um processo de “mistura”, ou seja, terem incorporado de forma mais evidente a cultura
do colonizador a partir de um contato mais intenso, inserindo-se de forma mais acentuada na
economia e nas sociedades regionais, são analisados a partir de uma “etnologia das perdas e das
ausências” (Oliveira, 2004, p.32), sendo relatados pelo que foram no passado e pelo que “perderam”
no processo de “aculturação”.
No entanto, a população indígena no Nordeste cresce cada vez mais a partir de um processo
de emergência étnica e de reconstrução cultural, em que esses povos vêm se organizando a partir de
fatos de natureza política, como a demanda por terra e reconhecimento de suas identidades. No
âmbito do diálogo com o Estado, os grupos étnicos entram em um processo de territorialização
(Oliveira, 2004), no qual se constituem em uma coletividade organizada capaz de forjar
mecanismos de representação e tomada de decisões, reelaborando códigos culturais e formulando
uma identidade étnica própria e diferenciadora.
Dentro desse contexto de invisibilização e apagamento situa-se o povo Potiguara. De acordo
com Graça Graúna:
O nome Potiguara, de origem Tupi, significa ‘comedores ou catadores de camarão’.
No século XVI, esse povo habitava o litoral do Nordeste brasileiro, mas em contato
com o mundo dos ‘brancos’ veio a diáspora e os Potiguara se dispersaram entre o
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte e outros estados brasileiros. Hoje, grande
parte dos remanescentes sobrevive nas 22 aldeias nos municípios Baía da Traição,
Marcação e Rio Tinto, na Paraíba. (GRAÚNA, 2013, p. 95)
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O povo potiguara por muito tempo foi tido como extinto, como totalmente assimilado ou
dizimado pela colonização. É possível perceber tal fato pela pouca produção sobre a etnia, e pela
referência a esse povo sempre em relação ao passado. Mesmo sabendo que essa etnia não foi
extinta, esse estereótipo pode ser encontrado ainda hoje em sítios e enciclopédias virtuais como a
Wikipédia, que apesar de não confiável, do ponto de vista acadêmico, reproduz a imagem dos
Potiguara como extintos: “Foi uma das etnias tupis notáveis por ser capaz de resistir por tanto
tempo utilizando um complexo sistema de alianças com ingleses e principalmente franceses
comerciantes de pau-brasil2.”
Apesar de ter sido perseguida e oprimida por questões religiosas e fundiárias, a etnia
potiguara resiste.
Tal mobilização está interligada com o processo de retomada da Terra Indígena
Potiguara (TI), que segundo a FUNAI ocupa o espaço de 33.757 hectares. A ação
de retomada foi inaugurada em 1983 quando se demarcou o total de 21.238
hectares como TI presente nos municípios de Rio Tinto, Marcação e Baia da
Traição. No ano de 1993, homologou-se a TI Jacaré de São Domingos, com 5.032
hectares. A TI Potiguara de Monte-mor ainda apresenta uma área de 7.487 hectares
que está em questão judicial (BARCELLOS, 2010,p.5).
É nesse contexto que se insere a escrita de Eliane Potiguara. Com o desaparecimento de seu
avô, por questões de terra, Eliane e a família se deslocaram para o Rio de Janeiro, onde ela vive até
hoje. Embora a escritora não tenha nascido na aldeia, segundo aponta em entrevista dada para a
Tese de doutorado de Daniel Munduruku, disponibilizada em seu blog, nunca deixou de ser
Potiguara: “[...]gosto de ser identificada sempre como indígena que é a força maior que eu tenho na
minha família, que é minha identidade enquanto povo indígena, povo Potiguara de origem indígena
potiguara” (Potiguara, 2009)
Metade Cara, Metade Máscara – análise de uma obra
Eliane Potiguara (Eliane Lima dos Santos) é escritora, professora formada em Educação e
Letras, conselheira da Fundação Palmares, membro da organização internacional ASHOKA. Criou
a primeira organização de mulheres indígenas do país, o GRUMIN, atual Rede de Comunicação
2 POTIGUARAS. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Potiguaras&oldid=44082469>. Acesso em: 29 nov. 2015.
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Indígena sobre Gênero e Direitos, voltada para a educação e integração da mulher indígena no
processo social, político e econômico.
A condição de indígena nascida na cidade trouxe a Eliane uma série de dificuldades. Gehlen,
em artigo escrito sobre a autora e sua obra, afirma que Potiguara enfrentou problemas para provar
documentalmente a sua origem indígena, fato este que impulsionou outras indígenas e não-índios a
auxiliar na busca por registros (Gehlen, 2011). Tal evento na vida da escritora evidencia a
importância da escrita, pois na atualidade se atribui o valor de documento ao registro escrito,
sobrepondo-o à oralidade. Nesse caso, conforme afirma a autora, os relatos dos familiares de Eliane
não serviram como prova para os órgãos governamentais, numa tentativa de deslegitimar a escritora
como militante dos direitos indígenas.
Escrito por Eliane Potiguara, Metade Cara, Metade Máscara foi publicado em 2004,
contendo contos, crônicas poesias e relatos autobiográficos, alguns deles escritos anos antes da
publicação da obra. Em Metade Cara, Metade Máscara, a questão da legitimidade da autoafirmação
e da dependência de pareceres e análises feitas por não-índios aparece no seguinte poema da autora:
Povos indígenas, povos ressurgidos, emergentes, índios-descendentes, índios
desaldeados, ‘desplazados’ e migrantes grupais ou migrantes individuais não
podem ficar à mercê de análises antropológicas burguesas, insensíveis e
intolerantes de governos racistas, preconceituosos e autoritários, seja esse ou
aquele. As almas dessas pessoas devem ser respeitadas porque têm a história de
seus antepassados, têm a história das mulheres e homens decididos (POTIGUARA,
2004,p. 92-3).
Apesar da invisibilidade e da falta de reconhecimento conferido a literatura indígena no
Brasil, a escrita de Eliane Potiguara tem se tornado um símbolo, como afirma Graça Graúna (2013),
no contexto dos estudos literários contemporâneos. Em sua obra destaca-se a temática da luta e
autoafirmação étnica dos povos indígenas, mas também se apresenta como uma rica literatura para
o leitor não-indígena, que se depara com um texto que rompe as fronteiras dos gêneros textuais. Na
sua obra misturam-se poesia, contos, crônicas, relatos de trajetória pessoal e biográficos, bem como
experiências pontuais de eventos que participou relacionados à causa indígena. A condição de
mulher indígena que usa a escrita como instrumento de luta em favor dos direitos de seu povo,
coloca a autora em posição de singularidade no contexto da literatura brasileira.
O livro Metade cara, metade máscara (2004), serve como um espaço para ecoar as vozes
que denunciam injustiças e acionam mecanismo de autoidentificação do que é ser indígena na
contemporaneidade. Os diferentes tipos de textos que constituem o livro são permeados pela
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presença das personagens Cunhataí e Juripiranga, casal que é separado no processo de expulsão das
terras e por todos os desdobramentos do colonialismo. Percebemos que a figura do narrador
tradicional cede lugar a todas as vozes que se entrecruzam na obra. O que aparece audível é a voz
de um povo trazida à tona por uma índia desaldeada e, portanto, consciente da necessidade de uma
afirmação histórica da existência de seu povo como uma ferramenta de luta contra a
homogeneização identitária. Percebemos os traços supracitados no poema “Paraná”:
Foi no berço de Ângelo Kretã/ Que aflorou como semente na terra/ A união dos
negros, mestiços e brancos.../ Índios! Como num grito de guerra/ Que se erguem
por um novo amanhã/ Sim/ Foi no Brasil de Marçal Tupã/ E de muitos Ângelos
Kretãs/ Que se uniram Manoéis da Conceição/ Elisabetes Teixeiras, Krenakes e
Tukanos.../ É Paraná de boa gente/ Que em seu seio acolheu/ Que em seu rio de
decência/ Gente forte resolveu:/ - Nunca mais a violência!/ Paranauê! Paranauê!/
Paraná!/ Terra dos pinheirais/ Os “sem terra” – nunca mais!/ Das cataratas – livres
– do Iguaçú/ Igarapés levam água a quem tem sede/ A garapa a quem tem fome/
RAONI – Guaíras a quem tem luta/ Êta! Paraná.../ Rio grande em guarani/ Num
lugar a reunir/ Sindicalistas, políticos e a UNí./ Foram representantes do povo,/ Da
igreja, é uma vitória!.../ Êta, Paraná.../ Que entrou pra história!/ Mas para que isso
acontecesse/ Santinas, Linas e Marias/ Tiveram assassinados seus maridos/ Como o
operário Santo Dias./ Foram muitas Aurélias Durantís/ Irmãs guerreiras/
Margaridas e Josimos/ Que também vimos partir/ Trabalhadoras a Mulé agora/
Enfrentam jagunço fazendeiro/ Ao pai, ao marido, ao irmão ladeiam/ Pelos sem
terra, até a mote, guerreiam!...
Percebemos neste poema uma polifonia, uma presença de outras vozes no meio do texto,
bem como um hibridismo, pois, assim como o poema “Agonia das Pataxó Hã-Hã-Hãe”, ultrapassa a
fronteira do literário, se transformando em uma poesia que informa sobre as violências sofridas
pelos indígenas, uma poesia que adverte, que noticia.
No exercício textual polifônico de Potiguara ocorre o que Bakhtin (1993) denominava como
dialogismo, isto é, a maneira como todas as vozes do discurso equivalem umas às outras.
Percebemos também um agenciamento coletivo de enunciação (Delueze & Guattari, 1977) que
coloca em comunicação diversas vozes e diversos estilos como: a escrita e a oralidade, a poesia e a
história, o individual e o coletivo, o real e o imaginário, o sagrado e o profano.
O poema identidade indígena, presente no livro aqui discutido, representa um marco no
movimento literário indígena contemporâneo no Brasil. Escrito em 1975, ainda na ditadura militar,
o poema surge a partir da história de resistência de sua família e de outros parentes indígenas.
Nosso ancestral dizia: Temos vida longa!/ Mas caio da vida e da morte/ E range o
armamento contra nós./ Mas enquanto eu tiver o coração acesso /Não morre a
indígena em mim/ E nem tampouco o compromisso que assumi/ Perante os mortos
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/De caminhar com minha gente passo a passo /E firme, em direção ao sol./ Sou
uma agulha que ferve no meio do palheiro/ Carrego o peso de uma família
espoliada/ Desacreditada, humilhada/ Sem forma, sem brilho, sem fama./ Mas não
sou eu só/ Não somos dez, cem ou mil/ Que brilharemos no palco da História./
Seremos milhões unidos como cardume/ E não precisaremos mais sair pelo mundo/
Embebedados pelo sufoco do massacre/ A chorar e derramar preciosas lágrimas/
Por quem não nos tem respeito./ A migração nos bate à porta/ As contradições nos
envolvem/ As carências nos encaram/ Como se batessem na nossa cara a toda hora/
Mas a consciência se levanta a cada murro/ E nos tornamos secos como o agreste/
Mas não perdemos o amor/ Porque temos o coração pulsando/ Jorrando sangue
pelos quatro cantos do universo./ Eu viverei 200, 500 ou 700 anos/ E contarei
minhas dores para ti/ Oh!!! Identidade/ E entre uma contada e outra/ Morderei tua
cabeça/ Como quem procura a fonte de tua força/ Da tua juventude/ O poder da tua
gente/ O poder do tempo que já passou/ Mas que vamos recuperar./ E tomaremos
de assalto moral/ As casas, os templos, os palácios/ E os transformaremos em
aldeias do amor/ Em olhares de ternura/ Como são os teus, brilhantes, acalentante
identidade/ E transformaremos os sexos indígenas/ Em órgãos produtores de lindos
bebês guerreiros do futuro/ E não passaremos mais fome/ Fome de alma, fome de
terra, fome de mata/ Fome de História/ E não nos suicidaremos/ A cada século, a
cada era, a cada minuto/ E nós, indígenas de todo o planeta/ Só sentiremos a fome
natural/ E o sumo de nossa ancestralidade/ Nos alimentará para sempre/ E não
existirão mais úlceras, anemias, tuberculoses/ Desnutrição/ Que irão nos arrebatar/
Porque seremos mais fortes que todas a células cancerígenas juntas/ De toda a
existência humana./ E os nossos corações?/ Nós não precisaremos catá-los aos
pedaços mais ao chão!/ E pisaremos a cada cerimônia nossa/ Mais firmes/ E os
nossos neurônios serão tão poderosos/ Quanto nossas lendas indígenas/ Que nunca
mais tremeremos diante das armas/ E das palavras e olhares dos que “chegaram e
não foram”./ Seremos nós, doces, puros, amantes, gente e normal!/ E te direi
identidade: Eu te amo!/ E nos recusaremos a morrer/ A sofrer a cada gesto, a cada
dor física, moral e espiritual./ Nós somos o primeiro mundo!/ Aí queremos viver
pra lutar/ E encontro força em ti, amada identidade!/ Encontro sangue novo pra
suportar esse fardo/ Nojento, arrogante, cruel…/ E enquanto somos dóceis, meigos/
Somos petulantes e prepotentes/ Diante do poder mundial/ Diante do aparato
bélico/ Diante das bombas nucleares/ Nós, povos indígenas/ Queremos brilhar no
cenário da História/ Resgatar nossa memória/ E ver os frutos de nosso país, sendo
divididos/ Radicalmente/ Entre milhares de aldeados e “desplazados”/ Como nós.
(POTIGUARA, 2004, p. 104-105)
O poema de Eliane Potiguara apresenta-nos a autodenominação indígena como um valor,
como representação de uma interioridade irredutível e como desafio à tentativa de manipulação e
sujeição constantes. A autodeterminação surge contraposta a denominações impostas pelo outro no
encontro colonial. Tal contraposição remete à ‘leitura em contraponto’ proposta por Said (1995,
p.104), que “[...] deve considerar ambos os processos, o do imperialismo e o da resistência a ele, o
que pode ser feito estendendo nossa leitura dos textos de forma a incluir o que antes era
forçosamente excluído [...]”. Acreditamos que o texto de Eliane Potiguara pode estar vinculado à
‘leitura em contraponto’ pelo fato de que o discurso imperialista não é apagado, mas discutido, de
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forma a conduzir a uma reflexão sobre os processos do imperialismo e da resistência que envolvem
a existência e a produção textual indígena; assim, ao tratar da autodenominação, a nomeação do
índio pelo outro – europeu – também deve estar presente.
Notamos ainda que o termo índio não é removido do discurso indígena, mas o nativo dele se
apropria para construir uma unidade, mesmo que somente para olhos ocidentais, que sinalize uma
representação da diferença (branco/índio) e uma vontade política de resistência à sujeição colonial.
Além do mais, o termo índio pode ser usado como ferramenta pela escritora indígena, como
palavra-máscara, um nome não-verdadeiro que não afeta seu verdadeiro nome.
A autora faz ao longo do texto relatos biográficos que reafirmam a sua condição enquanto
mulher indígena, assumindo também o papel da luta de gênero. É o que podemos perceber no
seguinte trecho, no qual a autora narra a própria história em terceira pessoa: “Foi impactante porque
eram todas mulheres, as quatro filhas do índio X, mais a mãe Maria da Luz. Sua avó, a menina
Maria de Lourdes, com apenas 12 anos, já era mãe solo, vítima da violação sexual praticada por
colonos que trabalhavam para a família inglesa X” (POTIGUARA, 2004, p. 27). As narrativas
muitas vezes imprecisas enquanto a dados históricos e feita de uma forma distanciada é um modo
de generalização e representação da identidade indígena como um todo, e não apenas fatos isolados
que aconteceram com a autora e sua família.
Percebemos que a referida obra aponta para uma “desterritorialização dos processos
simbólicos” ao unir em uma só construção textual diversos gêneros literários:
poesia/conto/crônica/biografia. Esse caráter híbrido pode ser percebido no seguinte trecho, que
mescla uma escrita informativa, ensaística e poética: “Em 18 de abril de 1997, o líder indígena
Marçal Tupã-y, assassinado em 25 de novembro de 1983, esteve nas terras do Sul do Brasil e disse:
Eu não fico quieto não...⁄ Eu reclamo...⁄Eu falo... ⁄ Eu denuncio.” (POTIGUARA, 2004, p. 47). Uma
literatura híbrida, como a de Eliane, apresenta aspectos de diversas culturas marcado pela mistura
de diferentes escolhas estilísticas, estabelecendo uma relação de fronteira com outras configurações
linguísticas a partir de um lugar instável criado pela posição entre dois mundos: o “universo
indígena” e o “universo ocidental”.
Ao analisar obras literárias, Deleuze e Guattari descobrem que fugir de territórios
estabelecidos ou pré-determinados, ou seja, das imposições culturais, era um dos procedimentos
comuns nas obras de grandes criadores da arte escrita, aqueles que souberam fazer um uso menor da
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língua dentro de uma língua maior. Observamos que Eliane Potiguara produziu uma narrativa que
trouxe à tona aspectos de uma cultura indígena, fabricando um exercício menor dentro de uma
“língua maior” a partir de sua condição de indígena marginalizada pela sociedade hegemônica.
Podemos atestar no seguinte trecho: “Não me importo/ se o que escrevo/ não são versos/ rimas/
redondilhas.../ Não me importo/ se dizem que não trabalho/ sou vagabunda da vida/ e ela é minha
amante.” (POTIGUARA, 2004, p. 62-3).
Ao afirmar a identidade como um valor ancestral, a escritura indígena não faz um apelo
saudosista, mas percebe a ancestralidade como origem, desmitificando o discurso pejorativo do
“primitivo”. Eliane relata a importância da ancestralidade na afirmação identitária a partir de um
saber transmitido por gerações através da oralidade, como podemos notar no seguinte trecho:
A coisa mais bonita que temos dentro de nós mesmos é a dignidade. Mesmo se ela
está maltratada. Mas não há dor ou tristeza que o vento e o mar não apaguem. E o
mais puro ensinamento dos velhos, dos anciãos parte da sabedoria, da verdade e do
amor. Bonito é florir no meio dos ensinamentos impostos pelo poder. Bonito é
florir no meio do ódio, da inveja, da mentira ou do lixo da sociedade.[...] Bonito é
renascer todos os dias. [...] A verdade está chegando à tona, mesmo que nos
arranquem os dentes! O importante é prosseguir (POTIGUARA, 2004, p. 79).
Percebemos na fala da autora a valorização do saber ancestral como base da cultura
indígena, sem desconsiderar as dinâmicas acarretadas pelo contato colonial. O resgate da
ancestralidade é pautado em um contexto de atualização identitária, ou seja, a tradição não prende a
concepção de identidade indígena ao passado, mas serve como uma ferramenta de afirmação e
reconfiguração cultural desses povos diante das transformações engendradas na contemporaneidade.
A autora assume uma postura militante no que diz respeito a afirmação da identidade da
mulher indígena. Sabemos que a representação da mulher indígena difundida pelo colonizador foi
construída a partir de uma série de estereótipos que atribuíam à índia malícia, hipersexualizando o
corpo da mulher indígena num misto de desejo que exotiza, abusa e ao mesmo tempo repudia a
mulher. Nos textos jesuíticos, a mulher indígena representa a encarnação do mal, o pecado e a
perversão. Eliane afirma em sua escrita a luta e a resistência das mulheres indígenas, como
observamos no seguinte poema chamado “Terra Cunhã:
Mulher indígena!/ Que muito sabes deste mundo / com a dor ela aprendeu pelos
séculos/A ser sábia, paciente, profunda./ Imóvel, tu escutas/ Os que te fingem os
ouvidos/ Fé guerreira, contestas:/ “Não aguento mais a mentira”!!!/ Mas longe
deles, choras a estupidez,/ O MEDO.../ (sim, longe deles!!!!)/ Sogres
incompreensão e maldade/ Aos poucos morres à mingua.../ Desrespeito, roubo,
assassinato./ No dia em que te rastejaste/ Implorou tua terra – e JÁ TINHAS!!!/ A
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teu lado companheiras: miséria e morte/ A violência e a angústia dos trópicos.../
Nas caras ela viu o abuso/ A inveja de ser o que és: cândida,/ lúcida, mãe,
companheira.../ E tu zombastes desses pobres (de) espíritos./ Sabes do rio de
lágrimas/ Que te aperta o peito aflito/ Na bolsa d’água o filho esperas/ Futuro, luz,
nova era./ Mas luta, raiz forte da terra!/ Mesmo que te matem por ora/ Porque estás
presa ainda / Nas garras do PODER e da história. (POTIGUARA, 2004, p. 24).
A autora usa de sua poesia para denunciar fatos que a mídia hegemônica não noticia, usa a
voz poética para expressar o direito à vida e veicular informações abafadas que são verdadeiras
atrocidades cometidas contra as mulheres indígenas. Em solidariedade às mulheres Pataxó Hã-Hã-
Hãe, que sofreram um processo de esterilização em massa durante a campanha eleitoral de 1994 na
Bahia, Eliane escreve o poema “Agonia das Pataxó Hã-Hã-Hãe”:
Neste século já não teremos mais os sexos./ Porque ser mão neste século de morte/
É estar em febre para sub-existir/ É ser fêmea na dor/ Espoliada na condição de
mulher/ Eu repito/ Que neste século não teremos mais os sexos/ Tão pouco me
importa que entendam/ Possam só compreender em outro século besta/ Não temos
mais vagina, não mais procriamos/ Nossos maridos morreram/ E pra parir
indígenas doentes/ Para que matem nossos filhos/ E os joguem nas valas/ Nas
estradas obscuras da vida/ Neste mundo sem gente/ Basta só um mandante/ Neste
século não teremos mais peitos/ Despeitos, olhos, bocas ou orelhas/ Tanto faz
sexos ou orelhas/ Princípios, morais, preconceitos ou defeitos/ Eu não quero mais a
agonia dos séculos.../ Neste século não teremos mais jeito/ Trejeitos, beleza, amor
ou dinheiro/ Neste século, oh NHENDIRU!!!/ Não teremos mais jeito.
A poesia de Eliane opera como uma denúncia à indiferença das autoridades perante o
genocídio cometido contra as mulheres indígenas. A situação da mulher indígena desde o início da
colonização é uma das mais degradantes, pois para o sujeito colonizador, o corpo da mulher
indígena é visto como um “objeto-valor, na medida em que [...] a apropriação do sexo da índia
possibilitará utilizá-la para satisfazer as carências sexuais, afetivas e sentimentais do colonizador
(até mesmo, eventualmente, para reparar a falta que ele sente de uma família)” (Lopez, 2000, p.20-
21). Tal poema evidencia que a situação de poder e subjugação do não-índio para com a mulher
indígena não cessou, apenas mudou de cara, se mantendo por uma rede de tutela e controle dos
corpos empreendido pelos grupos dominantes.
A dominação e subjugação da mulher, segundo a autora, provém de uma herança colonial,
pois “os povos indígenas exerceram relações de gênero no passado de forma justa, quando as
mulheres Guarani, por exemplo, eram ouvidas nas assembleias indígenas. [...] As mulheres
indígenas tinham o seu papel político extremamente determinado e forte” (p. 90). No desenrolar do
texto, Eliane afirma que o homem indígena assumiu um papel machista devido à incorporação do
patriarcado trazido pelos estrangeiros, e acrescenta que “precisamos construir gênero entre os povos
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indígenas e reconstruir nossas histórias” (p. 90). Desse modo, a escritora vai em defesa dos direitos
das mulheres em consonância com o saber ancestral:
O meio ambiente, o território, o planeta Terra estão intrinsecamente ligados ao
ventre da mulher indígena, a mulher selvagem nos dois sentidos (primeira cidadã
do mundo e intuitiva) e por isso não haverá defesa ambiental se não se destacar a
influência, o conhecimento milenar da mulher, do ser que habita esse meio
ambiente. Isso é um testemunho para a sociedade e para a formação da cidadania
brasileira. Se a natureza deve ser respeitada em seu ciclo de existência e
valorizadas as fases da lua, da maré, do sol, da colheita, as mulheres indígenas
devem ter o mesmo tratamento (POTIGUARA, 2004, p. 56).
A autora também escreve em defesa da propriedade intelectual, ou seja, o pensamento
indígena, seja ele oral ou escrito, e o reconhecimento de suas raízes e origens. Em sua escrita, a
autora se recusa a assumir uma posição de vítima oriunda de erros históricas, mas sim de sujeitos
políticos implicados nos desdobramentos do processo de colonização. A afirmação do
conhecimento indígena como propriedade intelectual vai de encontro aos processos de
invizibilização e coloca a cultura indígena como expoente. É o que podemos perceber em um texto
da autora publicado após o livro:
Quando líderes promovem informações em rádios, vídeos, TVs Comunitárias,
contrapondo às aldeias globais ou ainda quando criam cartilhas de alfabetização na
língua materna, ou quando criam sites para promover a cura de doenças ou
comerciar a venda do Guaraná, por exemplo, o fazem numa tentativa de sair da
invisibilidade cultural, objetivando a tonificação daquele povo ou cultura, e no
objetivo de expressar-se, seja na luta pelos direitos humanos ou trazer à luz do
conhecimento oficial, científico, acadêmico e religioso a sua contribuição na
história, enfim o seu conhecimento tradicional, na realidade sua propriedade
intelectual. Isso precisa ser respeitado e ampliado! Povos indígenas já não precisam
de muletas, são protagonistas da sua história (POTIGUARA, 2011, p. 568).
A condição de indígena desaldeada, migrante, deixa fortes marcas na literatura de Eliane
Potiguara. Com a migração forçada pelo neocolonizador e a falta de condições de sobrevivência nas
aldeias, é posto o desafio de ser índio longe de sua terra, conferindo um caráter diaspórico à poesia
de Eliane, como podemos perceber nesse trecho: “Eu não tenho minha aldeia/ Minha aldeia é minha
casa espiritual/ Deixada pelos meus pais e avós/ A maior herança indígena./ Essa casa espiritual/ É
onde vivo desde tenra idade/ Ela me ensinou os verdadeiros valores [...]” (POTIGUARA, 2004, p.
131).
Eliane Potiguara constrói a parte final de sua obra narrando o reencontro de Cunhataí com
Jurupiranga, guerreiro que após andar durante muito tempo por muitas terras, retorna para a aldeia e
é recebido por uma assembleia convocada por Cunhataí. O reencontro do casal é celebrado “por
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
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todas as tribos brasileiras e estrangeiras” (POTIGUARA, 2004, p. 134), unindo-se e restaurando a
paz em seus corações. Juntos novamente, os personagens presenciam o renascimento de sua cultura,
produzindo a felicidade para a si e para o seu povo.
Considerações Finais
Metade cara, metade máscara, ao se construir de forma indefinida pelo ajuntamento de
diversos discursos, nos permite dizer que ele vai além de um relato individual de uma indígena
potiguara. Sua enunciação não se refere unicamente a quem escreveu ou a uma história privada
pois, a coletividade contamina todo enunciado e torna o livro maior que seu autor. Posto isso, a
existência de uma indígena produzindo um livro, somada aos desvios linguísticos que a sua posição
cultural agencia, coloca em cena um sujeito social subjugado no âmbito da cultura brasileira. Eliane
escreve no lugar dos indígenas marginalizados, que viviam e vivem sob um pano de invisibilidade,
através de uma linguagem própria e que vai de encontro à padronização literária hegemônica.
Através de Metade cara, metade máscara descobrimos não somente a linguagem de uma
indígena, mas também a condição social das comunidades indígenas,a violência de gênero aliada ao
racismo cometida contra as mulheres indígenas, as violações de direitos por parte dos não-índios, os
impactos da colonização e da neocolonização que ainda perduram e incidem diretamente na vida
dos sujeitos. Percebemos também o movimento de resistência, a reelaboração de identidades como
uma forma de resistência, a reapropriação dos saberes ancestrais como uma ferramenta política, a
narração de histórias como um movimento de disputa de discursos e representação que vai de
encontro ao cânone e às supostas verdades hegemônicas. Sua experiência literária fala de memória,
da vivência de sujeitos e grupos étnicos marginalizados e subjugados ao longo da história.
Referências
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SAID, Edward. Cultura e imperialismo. Trad. de Denise Bottman. São Paulo: Companhiadas
Letras, 1995.
Metade Cara, Metade Máscara: an affirmation of ethno-political identities of indigenous
women
The main goal in this article is to discuss the representation of indigenous identity from an
ethnic-political perspective, based on the analysis of the book Metade Cara, Metade Máscara of the
writer Eliane Potiguara. On that perspective, the existing conflicts between the representation of the
indigenous, more specifically of the indigenous woman, in the hegemonic and colonial literature,
putting in perspective the narrative representations created for the natives and those created by the
Indians themselves, are considered. Through an analysis of this work, I try to understand the
narrative constructions of the text that go against the literary canon and question the construction of
the stereotyped indigenous identity, highlighting the construction of a discourse from a place of
indigenous women. From a perspective of decolonial studies, I try to understand through Eliane
Potiguara's narrative the construction of the identity of the indigenous woman in relation to the
nation-state, to the global movements, and how the construction of narratives can be used as a tool
of identity affirmation these processes.
Keywords: Indigenous Literature, Feminine Authorship, Decoloniality, Identity Processes.
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