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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP
Luíza Souto Nogueira �
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Obrigação alimentar decorrente da ascendência genética �
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MESTRADO EM DIREITO
São Paulo 2016
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Luíza Souto Nogueira �
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Obrigação alimentar decorrente da ascendência genética
MESTRADO EM DIREITO �
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Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Direito Civil, sob a orientação do
Professor Doutor Oswaldo Peregrina
Rodrigues.
São Paulo 2016
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Banca Examinadora
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Aos meus pais.
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Agradecimentos
Agradeço primeiramente aos meus pais, Ana Cristina e Celso, principais
responsáveis pelo início, meio e fim desse mestrado. Sem o seu incentivo talvez não tivesse
me interessado pela área acadêmica logo em seguida à conclusão do curso de graduação.
Obrigada por incentivar tanto, obrigada por insistir na continuidade quando pareceu
impossível, obrigada pelo apoio de sempre. Sem vocês eu não estaria aqui hoje!
Agradeço à Paula, minha irmã, que na convivência do dia a dia sempre
demonstrou seu apoio e confiança na minha capacidade em concluir o mestrado.
Obrigada Leo, pelo amor, apoio e paciência desses últimos anos. Obrigada por
acompanhar de perto a realização desse projeto, por dedicar seu tempo a me ajudar a revisá-lo
e por discutir comigo algumas das ideias aqui expostas.
Obrigada às minhas amadas meninas, de Liceu e de PUC, por estar sempre por
perto, por ouvir, por incentivar e por dividir comigo as angústias dessa jornada.
Agradeço ao Professor Doutor Oswaldo Peregrina Rodrigues pelas aulas na
graduação que despertaram meu interesse pelo Direito Civil e pela área do Direito de Família
e pela possibilidade de, como sua assistente, me permitir descobrir o gosto pela docência.
Obrigada, principalmente, pela orientação dessa dissertação desde antes mesmo de se tornar
oficialmente meu orientador.
Agradeço ao Professor Doutor Francisco José Cahali, “pai registral” desse
trabalho, pelo ingresso no mestrado sob sua orientação e pelas valiosíssimas considerações
dispensadas no exame de qualificação.
Consigno também meu agradecimento ao CNPq, pelo financiamento desse
trabalho, que possibilitou a realização do mestrado em regime de dedicação integral.
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RESUMO
A dissertação intitulada OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DECORRENTE DA
ASCENDÊNCIA GENÉTICA visa responder se é possível responsabilizar o(s) ascendente(s)
genético(s) pela prestação de alimentos ao seu descendente quando este constituiu vínculo
paterno-materno-filial com outra(s) pessoa(s) em razão da adoção consentida ou da
socioafetividade. A partir da análise dos princípios que regem o direito de família buscou-se
estabelecer um norte de interpretação das normas jurídicas quando aplicáveis a essa seara,
uma vez que a tutela jurídica das relações familiares é dotada de uma série de peculiaridades.
Ao abordar o conceito de filiação e de suas modalidades decorrentes da adoção e da
socioafetividade, estabeleceu-se entendimento no sentido de que o vínculo paterno-materno-
filial não decorre necessariamente da consanguinidade, mas do afeto e da vontade em
estabelecê-lo. Perpassando pelos elementos da obrigação alimentar, foi possível compreender
a sua importância para a garantia da dignidade humana daquele que depende do recebimento
dessa prestação. Analisou-se, ainda, o conceito de paternidade alimentar e qual a sua
compreensão pelos operadores do direito que se dedicaram a tratar sobre o tema. E,
finalmente, a partir da realização de uma inter-relação entre a responsabilidade civil e o ato de
entregar à adoção ou de abandonar, foi possível entender que, havendo dano decorrente dessa
conduta, haverá responsabilidade civil do genitor biológico, que poderá ser condenado a
prestar alimentos àquele que gerou, mas não assumiu como filho.
Palavras chave: filiação; alimentos; paternidade alimentar; responsabilidade civil.
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ABSTRACT
The dissertation titled CHILD SUPPORT ORIGINATED ON GENETIC
ASCENDANCY aims to answer whether it is possible to make the genetic ascendant
accountable to provide child support to his descendant when he has constituted a paternal-
maternal-filial bond with another person due to a consensual adoption or an affection
affiliated bond. From the analysis of the principles governing family law it is sought to
establish an interpretation course of the legal norms, applicable to this field, since the legal
protection of family relationships is endowed with a series of peculiarities. In addressing the
concept of filiation and its modalities resulting from both the adoption and the affection
affiliated bond, it has been established the understanding that the paternal-maternal-filial
relationship bond does not result from consanguinity, but from affection and the willingness
to establish it. Going through the elements of the child support obligation, it was possible to
understand its importance on warranting human dignity of whoever depends on receiving this
benefit. It was also considered the concept of child support fatherhood and how it has been
understood by the legal community who took the opportunity to deal on this subject. Finally,
from an interrelation between civil responsibility and the act of delivering for adoption or to
abandon, it has been possible to understand that, in having a damage resulting from such
conduct, there will be civil liability for the biological parent, who may be required to provide
child support to whoever he has generated, but has not taken as a son.
Keywords: affiliation; child support; child support fatherhood; civil responsibility.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10
CAPÍTULO I – HISTÓRICO: RELAÇÃO PATERNO-MATERNO-FILIAL ....................... 13
1. Código Civil de 1916 ..................................................................................................... 13
2. Decreto-lei nº 4.737/42 .................................................................................................. 18
3. Lei nº 883/49 ................................................................................................................. 20
4. Lei nº 6.515/77 .............................................................................................................. 21
5. Constituição Federal de 1988 ........................................................................................ 22
6. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) ............................................... 24
7. Lei nº 8.560/92 .............................................................................................................. 25
8. Código Civil de 2002 ..................................................................................................... 26
CAPÍTULO II – PRINCÍPIOS INFORMADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA ................. 29
1. Princípios ....................................................................................................................... 29
2. Cidadania ....................................................................................................................... 32
3. Dignidade da pessoa humana ........................................................................................ 35
4. Solidariedade ................................................................................................................. 38
5. Igualdade ....................................................................................................................... 40
6. Liberdade ....................................................................................................................... 43
7. Afetividade .................................................................................................................... 45
8. Melhor interesse da criança e do adolescente ................................................................ 47
9. Função social da família ................................................................................................ 49
CAPÍTULO III – FILIAÇÃO SEM VÍNCULO GENÉTICO ................................................. 53
1. Conceito de filiação ....................................................................................................... 53
2. Filiação originada na adoção ......................................................................................... 55
3. Filiação originada na socioafetividade .......................................................................... 58
3.1. Modalidades de filiação com origem socioafetiva ..................................................... 63
3.1.1. Posse do estado de filho .......................................................................................... 66
3.1.2. Adoção à brasileira .................................................................................................. 68
3.2. Efeitos jurídicos da filiação por socioafetividade ...................................................... 70
4. Caráter irrevogável da filiação socioafetiva e da adoção e o direito à investigação da identidade genética ............................................................................................................... 73
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CAPÍTULO IV – A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS......................................... 80
1. A obrigação alimentar ................................................................................................... 80
2. Alimentos em relação aos filhos menores ..................................................................... 85
3. Alimentos na adoção ..................................................................................................... 88
4. Alimentos na filiação com origem socioafetiva ............................................................ 90
CAPÍTULO V – A PATERNIDADE ALIMENTAR .............................................................. 94
1. A Lei nº 883 de 21 de outubro de 1949 ......................................................................... 94
2. A paternidade alimentar................................................................................................. 96
3. A paternidade alimentar na doutrina e na jurisprudência .............................................. 99
4. França: ação para fins de subsídios ............................................................................. 105
5. Estatuto das famílias (Projeto de Lei nº 470/2013) ..................................................... 107
CAPÍTULO VI – OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DECORRENTE DA ASCENDÊNCIA GENÉTICA ............................................................................................................................ 109
1. A responsabilidade civil decorrente da concepção ...................................................... 110
2. Elementos geradores da responsabilidade civil do ascendente genético ..................... 112
2.1. Conduta ................................................................................................................ 113
2.2. Dano ..................................................................................................................... 114
2.3. Nexo de causalidade ............................................................................................. 116
3. Responsabilidade civil do ascendente genético e sua obrigação de prestar alimentos 117
4. Paralelo com a responsabilidade alimentar dos avós................................................... 120
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 123
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 127
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INTRODUÇÃO
O Direito Família é ramo do Direito Civil que se encontra em constante mutação,
o que ocorre porque as formações familiares não são estanques, nem padronizadas. As
relações humanas não se dão conforme as normas jurídicas, de modo que cabe a estas a
adaptação contínua de modo a acompanhar as mudanças e garantir adequado tratamento
jurídico a elas.
As pessoas, ao longo dos anos, foram se desvencilhando dos limites impostos
pelos comandos legais e pelos preceitos canônicos e passaram a formar, mesmo que à margem
das regras existentes, as composições familiares que elas entendem mais adequadas para
atender aos seus ideais.
Para tentar abarcar as diversas formações familiares que foram aparecendo de
maneira clara em nossa sociedade, tentando minimizar as situações desamparadas de tutela
jurídica, as normas constitucionais e infraconstitucionais que tratam do Direito de Família
sofreram – e continuam a sofrer – constantes mudanças.
Quando da entrada em vigor do Código Civil de 1916 vigiam normas que, dentre
outros temas, estabeleciam o casamento como união perpétua, indissolúvel, que somente
poderia se dar entre homem e mulher, bem como que diferenciavam os filhos em razão da sua
origem, prevendo que somente aqueles tidos como legítimos seriam merecedores de todos os
direitos inerentes à sua condição.
Com isso, muitas pessoas ficavam à margem da tutela jurídica dispensada às
relações familiares, como aquelas que mantinham uniões homoafetivas, aquelas que
desejavam separar-se de seu cônjuge, os filhos havidos fora do casamento etc.
Diante disso, inúmeras leis foram surgindo de maneira a regulamentar as situações
que se formavam mesmo diante da ausência de sua previsão no ordenamento jurídico.
Regularizou-se o desquite e, posteriormente o divórcio, bem como se passou, aos poucos, a
admitir o reconhecimento dos filhos considerados, até então, ilegítimos.
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Entretanto, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 pôs-se
um fim à diferenciação entre filhos, passando norma constitucional a prever expressamente a
igualdade entre eles independentemente de sua origem.
Ainda, com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com o Código Civil
regulou-se, em âmbito infraconstitucional, a proteção que deve ser dispensada às crianças e
aos adolescentes.
À doutrina e à jurisprudência, por sua vez, coube o papel de enquadrar outras
situações nas normas existentes, de modo a diminuir a quantidade de famílias organizadas
concretamente na sociedade, mas que não detinham proteção jurídica ante a ausência de
previsão legal.
Com isso passou-se a entender que o vínculo de filiação pode também decorrer da
socioafetividade, além da consanguinidade e da adoção. Em qualquer dessas figuras estar-se-á
diante da mesma situação: um vínculo paterno-materno-filial, gerador dos mesmos direitos e
deveres independentemente dos pais possuírem laço genético com seus filhos ou não.
Não restam dúvidas que o cuidado e o sustento dos filhos cabe aos pais, sejam
eles consanguíneos, adotivos ou socioafetivos. Também é pacífico hoje em dia que o vínculo
decorrente do afeto se torna irrevogável, tal qual a adoção, prevalecendo em detrimento do
genético.
Porém, o que se busca responder diante do panorama atual é se há alguma
responsabilidade decorrente da concepção. Ou seja, sabendo-se que ocorre o rompimento do
vínculo de filiação para todos os fins, questiona-se se há, como consequência, a exoneração
do genitor biológico de toda e qualquer responsabilidade em relação àquele ser humano que
gerou, ou se permanece ele imputável pelas condutas que praticou se elas eventualmente
vierem a causar um dano a esse menor.
O norte para responder a essa questão é a teoria da paternidade alimentar,
desenvolvida por Rolf Madaleno, que defende a possibilidade de o menor buscar
complementação dos alimentos que necessita frente ao seu genitor biológico. Isso porque, no
entendimento do autor gaúcho, exonerar essa figura de qualquer responsabilidade, seria uma
premiação à desídia em relação à vida por cujo nascimento foi responsável.
12 �
Tendo em vista os princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor
interesse da criança e do adolescente, busca-se saber se será possível, diante de situações
específicas e excepcionais, falar em responsabilidade civil do procriador pelos alimentos.
Ou seja, se é admissível pleitear frente ao ascendente genético o auxílio material
que se faz necessário para a manutenção do infante e, consequentemente, para o seu adequado
desenvolvimento.
O objetivo do presente trabalho, destaque-se, não é defender que se possa pleitear
alimentos do progenitor biológico em qualquer circunstância e com o mero intuito de
aumentar a renda mensal da criança ou do adolescente. O que se pretende aqui, pelo contrário,
é saber se, havendo um dano, terá o ascendente o dever de repará-lo.
Para responder a esse questionamento, o presente trabalho irá abordar as filiações
que não têm origem biológica (adotiva e socioafetiva), os fundamentos da obrigação de
prestar alimentos e os elementos geradores da responsabilidade civil.
O objetivo é analisar se é possível verificar, nas situações de adoção consentida e
de abandono, a presença de uma conduta, de um dano e de nexo de causalidade entre eles,
elementos que, se presentes, serão aptos a gerar a responsabilização civil do ascendente
genético.
E, caso a resposta seja positiva, se cabe responsabilizá-lo pelos alimentos
necessários à manutenção do infante, alimentos esses que serão prestados em caráter
subsidiário e complementar.
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CAPÍTULO I – HISTÓRICO: RELAÇÃO PATERNO-MATERNO-FILIAL
O direito romano, precursor dos ordenamentos jurídicos ocidentais, realizava
distinção entre os filhos em razão de sua natureza. Separava-os, então, em legítimos e
espúrios, estes decorrentes de união ilegítima ou de relação de concubinato1.
Essa linha de tratamento conferido aos filhos foi seguida pelo Brasil quando das
Ordenações Filipinas e da Consolidação das Leis Civis de 1858. E foi mantida pelo Código
Civil de 1916 no momento de sua edição.
Assim, durante anos prevaleceu no Brasil a distinção de tratamento entre os filhos,
sendo vedado a algumas classes deles, inclusive, a possibilidade de reconhecimento do
vínculo de filiação com seu pai, com sua mãe ou com ambos.
Essa situação foi sendo lentamente flexibilizada com a edição de leis esparsas
visando ampliar e igualar os direitos até então conferidos aos filhos havidos fora da relação
matrimonial.
A grande mudança, entretanto, veio somente com a edição da Constituição de
1988, que acabou com as distinções até então existentes, passando a estabelecer a igualdade
entre filhos, independentemente de sua origem.
A ela seguiram-se o Estatuto da Criança e do Adolescente e, finalmente, o Código
Civil de 2002, trazendo nova regulação sobre as relações de filiação em linha de consonância
com os parâmetros constitucionais atuais.
1. Código Civil de 1916
O Código Civil de 1916 foi editado em um momento histórico no qual vigoravam
na sociedade brasileira os ideais machistas e patriarcais de superioridade do homem sobre a
mulher, bem como os preceitos religiosos que repudiavam qualquer relacionamento familiar
estranho ao casamento.
Naquele momento, ainda sob forte influência dos preceitos do Direito Canônico, o
casamento era visto por muitos como uma instituição praticamente divina, que não deveria se
���������������������������������������� �������������������1 VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 8.
14 �
equiparar a qualquer outra espécie de relacionamento. Seu rompimento, ainda, era difícil,
estando a quebra do vínculo conjugal limitada à ocorrência de poucas situações, como a morte
de um dos cônjuges, a nulidade do matrimônio ou o desquite.
E como não poderia ser diferente, também para a filiação foram aplicados os
ideais vigentes à época. Assim, tendo em vista a grande importância conferida ao casamento e
ao ideal de família que se tinha, positivou-se no Brasil uma série de regras diferenciadoras e
discriminatórias para os filhos com base no momento em que foram concebidos e no estado
civil dos seus genitores.
Existiam, portanto, duas categorias de filhos: os legítimos e os ilegítimos. Estes,
por sua vez, podiam ser naturais ou espúrios, sendo que os últimos se subdividiam em
adulterinos e incestuosos.
Legítimos, então, eram os filhos que fossem concebidos na constância de um
casamento válido ou de um casamento putativo, anulável ou nulo em razão da incompetência
da autoridade que o celebrou2. Explica Pontes de Miranda:
Diz-se “legítima” a filiação nos casos seguintes: a) se, no momento da
concepção, os pais se achavam vinculados por matrimônio válido; b) se os
filhos foram concebidos na constância da sociedade conjugal, quando
putativo o matrimônio, proviesse a invalidade de impedimento dirimente
absoluto ou de impedimento dirimente relativo; c) se o casamento, em cuja
vigência foram concebidos os filhos, era apenas anulável (art. 217); d) se os
filhos foram concebidos na constância de casamento nulo por incompetência
de autoridade celebrante, se não foi alegada a nulidade dentro em dois anos
da celebração (art. 208)3.
Ilegítimos, por sua vez, eram aqueles gerados por pessoas não unidas pelo vínculo
do casamento. Nas palavras de Clóvis Bevilaqua: “Filhos ilegítimos são todos aqueles que
procedem de união sexual, a que o direito não presta seu reconhecimento”4.
���������������������������������������� �������������������2 Referida classificação também vigia na Itália, conforme se verifica na lição de Francesco Galgano: “La materia è regolata in modo da favorire l’acquisto dello stato di figlio legittimo. Questo spetta, in linea di principio, a chi sai stato concepito o sai nato in constanza di matrimonio, ossia da genitori tra loro coniugati, non importa che si tratasse di matrimonio valido oppure di matrimonio poi dichiarato nullo”. GALGANO, Francesco. Diritto privato. Padova: CEDAM, 1996. p. 773. 3 MIRANDA, Pontes de. Direito de família: direito parental: direito protectivo. Atualização de Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 79. 4 BEVILAQUA, Clóvis. Direito da família. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. p. 320.
15 �
Os ilegítimos naturais eram aqueles cujos pais, em que pese não serem casados,
podiam sê-lo quando da concepção, vez que ausente quanto a eles qualquer impedimento
matrimonial naquele momento. Leciona Bevilaqua:
Aqueles cujos procriadores estavam em condições de realizar matrimônio
legal entre si, ao tempo da concepção ou do parto, por outros termos, aqueles
que não forem adulterinos, nem incestuosos, tomam a nome de
simplesmente naturais ou naturais em espécie5.
Por outro lado, os ilegítimos espúrios eram a escória dos filhos. Podiam ser eles
incestuosos, ou seja, gerados por pais ligados por um vínculo de parentesco que proibia o
matrimônio entre eles; ou adulterinos, decorrentes de relações sexuais extramatrimoniais, ou
seja, decorrentes de adultério. É a lição de Zeno Veloso:
Ilegítimos são os filhos cujos pais não estão unidos pelo laço do casamento,
distinguindo-se em naturais, se entre os genitores não havia impedimento
matrimonial na época da concepção, e espúrios, se existia impedimento
dirimente absoluto. Por sua vez, os filhos espúrios podiam ser incestuosos e
adulterinos. Incestuosos os filhos de parentes ou afins em grau proibido para
o casamento (o filho havido das relações sexuais entre irmão e irmã, por
exemplo). E adulterinos, os filhos de homem casado ou de mulher casada
com outra pessoa que não o cônjuge, podendo, portanto, a adulterinidade ser
a patre ou a matre6.
Em que pese serem igualmente ilegítimos, os filhos naturais e os espúrios
diferenciavam-se pelo fato de que os primeiros eram passíveis de legitimação. Isto é, havendo
nascimento de criança após relacionamento entre homem e mulher não impedidos de se casar,
caso eles, posteriormente, viessem a contrair matrimônio, o filho ilegítimo do casal passava
por um processo de legitimação, passando a se equiparar aos filhos legítimos. Nessa linha é a
lição de Pontes de Miranda:
���������������������������������������� �������������������5 BEVILAQUA, Clóvis. Direito da família. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. p. 321. 6 VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 12.
16 �
Diz-se legitimada a filiação quando por eficácia que a lei atribui ao
casamento subsequente, se equiparam aos concebidos na vigência do
matrimônio os que antes dele nasceram ou foram concebidos7.
Quanto aos filhos ilegítimos, apesar de não serem equiparados aos legítimos,
admitia-se o seu reconhecimento voluntário pelos pais, que podiam fazê-lo em conjunto ou
separadamente. Esse reconhecimento, entretanto, limitava-se aos ilegítimos naturais, uma vez
que o Código trazia previsão vedando o reconhecimento tanto dos filhos incestuosos como
dos adulterinos, conforme esclarece Zeno Veloso:
Observe-se que, pelo sistema do Código, os filhos ilegítimos que podiam ser
reconhecidos eram apenas os naturais – bem entendido, os simplesmente
naturais, os naturais em espécie (os que nascem de homem e mulher sem
impedimentos para o casamento). Os espúrios não mereceram a atenção nem
a piedade do legislador8.
Assim, os filhos ilegítimos naturais podiam tanto ser voluntariamente
reconhecidos por seus pais biológicos, como podiam ajuizar ação de reconhecimento de
paternidade ou maternidade forçado.
Os espúrios (incestuosos ou adulterinos) não podiam ter seu vínculo de filiação
reconhecido. Admitia-se tão somente a prova do vínculo de paternidade ou maternidade com
o fim de obter a prestação de alimentos.
Essas diferenças em razão da origem e do momento em que foram concebidos os
filhos demonstravam o objetivo da sociedade da época em preservar o ideal de família
formada pela união matrimonial entre homem e mulher, que legitimava a procriação. Nesse
sentido é a lição de Márcio Antonio Boscaro:
Tais normas refletiam o sentimento dominante na sociedade de então, no
sentido de preservar a família fundada no matrimônio e de resguardar esse
instituto contra ameaças externas, cuja expressão máxima seria o
���������������������������������������� �������������������7 MIRANDA, Pontes de. Direito de família: direito parental: direito protectivo. Atualização de Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 80. 8 VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 19.
17 �
reconhecimento de um filho gerado por um dos cônjuges, com terceira
pessoa9.
Vale destacar, que, naquele momento, vigia a regra mater semper certa est,
segundo a qual a maternidade era sempre certa, ao passo que a paternidade era presumida
(presunção pater is est).
A razão para esse entendimento era o fato de que, em razão da gravidez, era fácil
atribuir a criança à mulher que a havia gestado.
Por sua vez, o vínculo de paternidade era atribuído ao homem que estivesse
casado com a mulher, desde que a criança nascesse pelo menos cento e oitenta dias após o
início da convivência conjugal ou nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal por morte, desquite, ou anulação. Explica Pontes de Miranda:
A maternidade manifesta-se por sinais físicos inequívocos: a prenhez e o
parto. Daí a máxima: Mater semper certa est. A paternidade é, por sua
natureza, oculta e incerta. Não havendo indícios, nem sendo fácil ao homem,
como não no é, apurar de que pai procede o filho, a sociedade recorre à
presunção. [...] Por isso mesmo, em princípio, a regra Pater is est quem
nuptiae demonstrant não é, de ordinário, suscetível de prova em contrário.
Assim o exigem a honra, a ordem social e a dignidade mesma do
casamento10.
Ao mesmo tempo, a mulher era tratada de maneira desigual em comparação ao
homem, em razão do machismo que prevalecia, devendo ser “honesta” ao passo que os
homens podiam, sem tanta censura, ter relacionamentos com várias mulheres antes do
casamento e, até mesmo na sua vigência, vez que tal comportamento não era socialmente
condenado com o mesmo rigor que o era o adultério cometido pela mulher.
Justamente por isso eram maiores os casos de homens que tinham filhos fora do
casamento, em situação de adultério, do que as mulheres, que se dedicavam quase
integralmente ao lar e à família.
���������������������������������������� �������������������9 BOSCARO, Márcio Antonio. Direito de filiação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 65. 10 MIRANDA, Pontes de. Direito de família: direito parental: direito protectivo. Atualização de Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 93.
18 �
Além da diferença existente entre filhos legítimos e ilegítimos, também os
adotados não se equiparavam a eles, sendo considerados como uma classe à parte.
Previa o Código Civil de 1916 que os filhos havidos por adoção não entravam na
sucessão hereditária quando o adotante, antes do estabelecimento desse vínculo, tivesse filhos
legítimos, legitimados ou reconhecidos.
E, caso os filhos legítimos fossem concebidos após a adoção, o adotado teria
direito somente à metade da herança que caberia ao legítimo.
Ainda, tendo em vista que a adoção somente gerava vínculo de parentesco entre
adotante e adotado, este não tinha direito de sucessão em relação aos parentes do adotante, ao
contrário do que se dava com os filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos do mesmo.
Percebe-se que o vínculo de adoção não tornava adotante e adotado como pai/mãe
e filho equiparado aos filhos biológicos. Também o adotado não era visto como um irmão dos
filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos do adotante, razão pela qual seus direitos
sucessórios eram diferentes e limitados.
Ou seja, quando da edição do Código Civil de 1916 vigia uma série de
diferenciações entre os filhos biológicos, conforme fossem havidos dentro ou fora do
casamento, ao mesmo tempo em que a eles não se equiparavam os adotivos.
Ocorre, porém, que as normas trazidas pela codificação de 1916 eram
discriminatórias e suprimiam uma série de direitos tão somente em razão de ideais que
permeavam a sociedade da época.
Em razão disso, com o passar dos anos, o quadro de privilégio aos filhos
legítimos em detrimento dos ilegítimos, bem como a diferenciação dada aos adotivos, foi
transmudando para um panorama de equiparação de direitos, até alcançar o tratamento
igualitário vigente em nosso ordenamento atual.
2. Decreto-lei nº 4.737/42
As leis que foram sendo editadas após o Código Civil de 1916 trouxeram, aos
poucos, uma flexibilização no que tange ao rígido tratamento diferenciado até então
dispensado aos filhos havidos fora da união matrimonial.
19 �
O Decreto-lei nº 4.737/42, assim, foi editado com o objetivo de permitir o
reconhecimento de filhos adulterinos, mas condicionando o exercício desse direito ao desquite
do pai ou mãe biológico do menor, conforme disposto em seu artigo 1º, in verbis:
Art. 1º. O filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do
desquite, ser reconhecido ou demandar que se declare sua filiação.
À época, o desquite era previsto como uma das formas de dissolução da sociedade
conjugal, prevista no artigo 315 do Código Civil de 1916 ao lado da morte de um dos
cônjuges e da nulidade ou anulação do casamento.
Justamente por não ser o desquite a única maneira então prevista para dissolver a
sociedade formada pelo casamento, referido diploma legal limitava o reconhecimento dos
filhos somente à ocorrência dessa situação, conforme leciona Washington de Barros
Monteiro:
[...] aludido decreto-lei ainda não satisfez, porquanto só possibilitava o
reconhecimento de filho havido fora do casamento depois do desquite do
genitor. Não se referiu ele às outras causas de terminação da sociedade
conjugal, como a morte de um dos cônjuges. De modo que, embora extinto o
vínculo conjugal, lícito não era promover ou pleitear reconhecimento de
filho havido fora do casamento. Assim foi reiteradamente julgado11.
E, em razão da limitação imposta pelo decreto-lei, houve quem defendesse que,
também nas demais hipóteses, seria possível o reconhecimento do filho adulterino. É esse o
ensinamento de Zeno Veloso:
A melhor doutrina propôs uma interpretação extensiva do texto legal, a
hermenêutica ampliativa para o Decreto-lei n. 4.737/42, para que os filhos
havidos fora do matrimônio pudessem ser reconhecidos se a sociedade
conjugal se dissolvesse, em qualquer caso – morte de um dos cônjuges,
anulação do casamento –, e não apenas se adviesse o desquite12.
Percebe-se que, independente da interpretação restritiva ou extensiva do referido
Decreto-lei, o mesmo inovou no ordenamento jurídico da época, derrogando artigo 358 do
���������������������������������������� �������������������11 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 2: direito de família. 39. ed., rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 355. 12 VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 44.
20 �
Código Civil de 1916, ao permitir – ainda que de maneira limitada – o reconhecimento dos
filhos adulterinos.
Permaneceu em vigor, entretanto, a vedação ao reconhecimento dos filhos então
tidos como incestuosos e também dos adulterinos enquanto vigente o matrimônio do seu pai
ou mãe biológico.
3. Lei nº 883/49
Em 21 de outubro de 1949 foi editada a Lei nº 883, revogando o então vigente
Decreto-lei nº 4.737/42 e pondo fim à discussão sobre a possibilidade de reconhecimento dos
filhos adulterinos somente após o desquite ou, também, após a dissolução da sociedade
conjugal por qualquer de suas outras formas.
Referida lei, em seu artigo 1º, previa expressamente a possibilidade de
reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento uma vez dissolvida a sociedade
conjugal. Ampliou-se, portanto, a limitação trazida pelo revogado Decreto-lei. Vejamos:
Art. 1º Dissolvida a sociedade conjugal, será permitido a qualquer dos
cônjuges o reconhecimento do filho havido fora do matrimônio e, ao filho a
ação para que se lhe declare a filiação.
Nota-se, então, uma clara ampliação da possibilidade de reconhecimento dos
filhos adulterinos, vez que não havia sentido em se limitá-la à ocorrência do desquite,
diminuindo as restrições existentes até a edição da Lei nº 883/49. Nesse sentido leciona Caio
Mário da Silva Pereira:
Com o advento da Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949, passaram a ter
legitimatio, para serem reconhecidos, todos os filhos havidos fora do
casamento, tal como preconizáramos sob o império do Decreto-lei nº 4.737,
subordinada a atribuição do estado à dissolução da sociedade conjugal, seja
pelo desquite, seja pela morte de um dos cônjuges, seja pela anulação do
matrimônio13.
A evolução no tratamento conferido aos filhos havidos fora do casamento,
entretanto, limitou-se à facilitação do seu reconhecimento. Isso porque, ao mesmo tempo em
���������������������������������������� �������������������13 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 44.
21 �
que ampliava tal possibilidade, a mesma lei trazia dispositivo inferiorizando tais filhos em
comparação com os legítimos ao dispor que o filho havido fora do casamento só tinha direito
à metade da herança que cabia ao filho legítimo ou legitimado.
Percebe-se que, em que pese a possibilidade de reconhecimento, ainda não
objetivava o legislador proceder a uma equiparação no que tange aos direitos e deveres dos
filhos, mantendo-se a diferenciação entre legítimos e ilegítimos.
4. Lei nº 6.515/77
A Lei nº 6.515/77, a despeito de ter sido editada com o principal objetivo de
regular a dissolução da sociedade conjugal pelo divórcio, também acabou por inovar no
âmbito do reconhecimento do vínculo de filiação.
Em seu artigo 51, incluiu no artigo 1º da Lei nº 883/49 a possibilidade de
reconhecimento do filho havido fora do casamento, por qualquer dos cônjuges, ainda na sua
vigência, o que podia ser feito por testamento cerrado, irrevogável nessa parte.
Também, alterou a redação do artigo 2º da Lei nº 883/49 prevendo que “qualquer
que seja a natureza da filiação, o direito à herança será reconhecido em igualdade de
condições”. Acabou, portanto, com a discriminação até então vigente entre filhos adulterinos
e filhos legítimos ou legitimados no que tange à herança, garantindo a todos os mesmos
direitos sucessórios, em igualdade de condições. Explica Zeno Veloso:
É fácil perceber que foi um passo corajoso e notável. A partir de então, ficou
banida toda e qualquer discriminação entre filhos legítimos, naturais e
adulterinos quanto à herança paterna. Os filhos passaram a ter o mesmo e
igual direito à herança do genitor. Nada mais racionável e justo14.
Percebe-se que, além de incluir no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade da
dissolução voluntária do vínculo conjugal por meio do instituto do divórcio, a Lei nº 6.515/77
deu mais alguns passos em direção ao fim da diferenciação entre filhos em razão da sua
origem, ampliando seus direitos no que tange à sucessão legítima.
���������������������������������������� �������������������14 VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 76.
22 �
5. Constituição Federal de 1988
O advento da Constituição Federal de 1988 deu início ao chamado processo de
constitucionalização do Direito Civil, que se caracterizou pela necessidade de se confrontar os
institutos de Direito Privado com os novos princípios constitucionais, dentre os quais se
destaca a dignidade da pessoa humana.
Esse processo, por óbvio, convergiu para a constitucionalização dos institutos de
Direito de Família, até então vistos sob uma ótica patriarcal e conservadora. Aniquilaram-se
antigos preceitos, o que permitiu o surgimento de um novo paradigma para o conceito de
família, conforme leciona Paulo Lôbo:
O modelo igualitário da família constitucionalizada contemporânea se
contrapõe ao modelo autoritário do Código Civil anterior. O consenso, a
solidariedade, o respeito à dignidade das pessoas que a integram são os
fundamentos dessa imensa mudança paradigmática que inspiraram o marco
regulatório estampado nos arts. 226 a 230 da Constituição de 198815.
Essa mudança de paradigmas repercutiu também no âmbito da filiação. A Carta
Magna de 1988 pôs fim à diferenciação entre filiação legítima e ilegítima, bem como a
qualquer distinção de tratamento entre os componentes do núcleo familiar, estabelecendo:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. [...]
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.
Percebe-se, portanto, que a Carta de 1988 não recepcionou as normas então
vigentes, que estabeleciam diferenciações e discriminações em relação aos filhos e às
formações familiares. Passaram todos os filhos a merecer tratamento igualitário, tenham eles
���������������������������������������� �������������������15 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 33.
23 �
sido concebidos dentro do casamento, em relação extraconjugal, por pessoas solteiras ou sido
adotados16.
Nesse momento, a família deixou de ser vista como uma instituição social
dominada pelo marido na qual não havia espaço para qualquer vínculo estabelecido à margem
dos padrões estabelecidos pela lei.
Passou-se a olhar para os membros da comunidade familiar com vistas a garantir a
cada um deles a plena realização da sua dignidade e de seus projetos pessoais. Para isso fez-se
necessário acabar com as diferenciações entre filhos e limitações antes estabelecidas ao seu
relacionamento com seus pais.
Nesse sentido é a lição de Zeno Veloso:
A Constituição de 1988 fez uma reforma profunda, alterou substancialmente
o direito de família em nosso País. A família organizada em uma estrutura
autoritária, sob a chefia do pater, com uma hierarquia bem definida, é coisa
do passado. Nem se pode mais, para distinguir, diminuir ou discriminar,
fazer diferença entre as famílias formalmente constituídas e as famílias que
decorrem das uniões estáveis. Os filhos não se classificam mais, libertaram-
se os carimbos e etiquetas, instituindo-se um estatuto unitário e igualitário da
filiação. Dominam, agora, os princípios da liberdade e da igualdade.
Igualdade entre os cônjuges, igualdade entre os companheiros, igualdade
entre os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção17.
E foi a partir da previsão da igualdade entre os filhos, independentemente de sua
origem, que teve início a sua regulamentação por leis infraconstitucionais, culminando,
inclusive, na adoção da disposição constitucional pelo Código Civil de 2002.
Consagrou-se, nas palavras de Zeno Veloso, o entendimento de que “não existem
mais filhos legítimos e filhos ilegítimos, mas filhos, puramente, unicamente, sem aquela
adjetivação difamante, execrável e vergonhosa de outrora”18.
���������������������������������������� �������������������16 Nesse sentido explica Washington de Barros Monteiro: “A Constituição de 1988 (art. 226, §6º) proibiu, entre nós, quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, atribuindo os mesmos direitos aos filhos oriundos ou não de casamento”. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 2: direito de família. 39. ed., rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 356. 17 VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 7. 18 Idem. p. 87.
24 �
A partir desse momento deixaram de ser admitidas as limitações antes impostas ao
livre reconhecimento dos filhos. Sendo todos eles iguais, não há que se impedir o
reconhecimento de nenhum deles, independentemente do momento em que foram concebidos
e se isso se deu dentro ou fora de um relacionamento matrimonial.
A Constituição de 1988 também abriu a possibilidade do estabelecimento de
novas formas familiares, seja em relação às pessoas que se unem com o fim de constituir
família, seja em relação aos filhos.
6. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90)
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi editado com o objetivo de conferir
tratamento prioritário às pessoas que se encontram em peculiar situação de desenvolvimento,
protegendo-as de qualquer interferência capaz de prejudicar sua plena formação e a realização
de sua dignidade.
Para tanto, em repetição ao dispositivo constitucional supramencionado, em seu
artigo 20 o Estatuto estabeleceu a igualdade entre os filhos e vedou quaisquer discriminações
em relação à filiação, inclusive no que concerne aos adotados.
Ainda, passou a prever que o direito ao reconhecimento de filiação é
personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado sem qualquer restrição.
Nesse sentido leciona Márcio Antonio Boscaro:
E com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90), igualmente sob a égide de nossa vigente Magna Carta, permitiu-se
a plena possibilidade de reconhecimento para qualquer filho havido fora do
casamento, não importando, para tanto, qual seja a origem da filiação.
Também se previu nessa lei que o reconhecimento do estado de filiação é
direito personalíssimo, indisponível e imprescindível, que pode ser
exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição,
resguardado o segredo de justiça19.
O Estatuto da Criança e do Adolescente deixou claro não estar mais em vigor em
nosso ordenamento jurídico a ideia do Código Civil de 1916 que vedava o reconhecimento
dos filhos incestuosos e adulterinos, uma vez que tal discriminação não é mais aceita.
���������������������������������������� �������������������19 BOSCARO, Márcio Antonio. Direito de filiação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 69
25 �
Para efetivar o ideal de proteção integral à criança e ao adolescente, garantindo a
efetivação de todos os seus direitos, imperioso garantir-lhes tratamento igualitário e digno em
relação aos seus pais, independentemente de limitações legais patriarcais que marginalizavam
toda uma classe de pessoas que, em razão da natureza humana, não nasciam no seio de um
casamento legalmente celebrado.
Assim, as previsões a respeito da filiação introduzidas em nosso ordenamento
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente se prestaram para corroborar com o ideal de
democratização das relações familiares trazido pela Constituição de 1988.
7. Lei nº 8.560/92
Pouco tempo após a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, foi
publicada a Lei nº 8.560/92, com o objetivo de regulamentar o procedimento de investigação
de paternidade dos filhos havidos fora do casamento.
Referida lei se fez necessária porque, apesar de, à época, já vigorarem os preceitos
que impunham a igualdade e o livre reconhecimento dos filhos independente de qualquer
restrição, a lei civil ainda não havia sido modificada para se adequar à nova realidade.
Revogaram-se, então, expressamente, os artigos 332, 337 e 347 do Código Civil de 1916, bem
como os demais dispositivos contrários às novas disposições legais.
Nesse sentido explica Márcio Antonio Boscaro:
Visando a proteger os interesses de prole não-matrimonial e a tornar efetivo
o princípio constitucional da paternidade responsável, foi editada a Lei
8.560/92, que buscou alargar as possibilidades de reconhecimento da
paternidade20.
O artigo 1º da referida lei trouxe a possibilidade de reconhecimento espontâneo
dos filhos havidos fora do casamento pelas seguintes formas: (i) no registro de nascimento;
(ii) por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; (iii) por
testamento, ainda que incidentalmente manifestado; e (iv) por manifestação expressa e direta
perante o juiz, ainda que o reconhecimento não tenha sido o objeto único e principal do ato
que o contém.
���������������������������������������� �������������������20 BOSCARO, Márcio Antonio. Direito de filiação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 69.
26 �
Ainda, objetivando evitar a perpetuação de quaisquer discriminações com relação
aos filhos havidos fora do casamento, referida lei proibiu a legitimação do filho na ata do
casamento, vez que não era mais possível distinguir os filhos em legítimos e naturais passíveis
de legitimação; bem como vedou que nas certidões de nascimento constasse qualquer
referência à concepção ter decorrido de relacionamento extraconjugal.
Também inovou em nosso ordenamento ao prever a possibilidade de investigação
oficiosa de paternidade, procedimento criado para averiguar a paternidade daquele em cuja
certidão de nascimento constasse tão somente o nome da mãe. Sendo a paternidade
confirmada, proceder-se-á à averbação do registro; caso contrário, ou diante do silêncio por
mais de trinta dias, terá o Ministério Público legitimidade para intentar ação de investigação
de paternidade.
Percebe-se, assim, que o objetivo da referida lei foi facilitar o procedimento de
reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, seja ele feito voluntariamente pelo pai
ou pela mãe biológicos ou buscado pelo filho.
8. Código Civil de 2002
O paradigma patriarcal e hierarquizado de família, trazido pelo Código Civil de
1916, passou a ser deixado de lado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mas
somente anos depois, com a edição do Código Civil de 2002, a codificação privada encampou
os novos ideais aplicáveis ao Direito de Família.
Assim, à semelhança da Carta Magna e do Estatuto da Criança e do Adolescente,
o atual Código Civil traz expressamente a previsão acerca da igualdade entre os filhos,
incluindo os adotivos. Vejamos:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.
Além disso, não há mais qualquer limitação ao reconhecimento do vínculo de
filiação, seja pelo pai, seja pela mãe, podendo ser feito a qualquer tempo, independentemente
da situação na qual o filho foi concebido.
27 �
Ainda, o Código Civil de 2002 abriu espaço para o reconhecimento da filiação
socioafetiva com a redação do seu artigo 1.593, in verbis:
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de
consanguinidade ou outra origem.
Percebe-se, assim, que, em consonância com os ideais da Constituição de 1988, o
Código Civil de 2002 confere relevo não apenas aos laços biológicos, mas também àqueles
que decorrem tão somente do afeto, abrindo margem para que, pela afetividade, surja um
vínculo de parentesco e, até mesmo, de filiação.
Com isso, a filiação deixa de ser dotada da antiga concepção de ser somente o
laço que vincula pais e filhos biológicos para abranger todas as relações nas quais se forma
um verdadeiro vínculo paterno-materno-filial. Leciona Maria Helena Diniz:
Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de
parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e
aqueles que lhe deram a vida, podendo, ainda (CC, arts. 1.593 a 1.597 e
1.618 e s.), ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e
filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga21.
E é esse o momento histórico atual, em que muitas disposições legais têm sido
alvo de críticas e intenções de mudanças, justamente com vistas a se distanciar cada vez mais
dos ideais patriarcais ainda arraigados em nossa sociedade e a se aproximar do respeito às
múltiplas formações afetivas, conferindo tratamento igualitário a todas as formas de família e
protegendo com a mesma intensidade todos aqueles que figurarem na posição de filho,
independentemente do modo como passaram a ocupá-la no seio de sua família.
Aos poucos se tem aceitado com mais facilidade a diversa gama de formações
familiares que surgem na sociedade22, tendo em vista que o ser humano, em busca de sua
���������������������������������������� �������������������21 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 499-500. 22 Interessante a explicação sobre a noção atual de família trazida por Belmiro Pedro Welter: “A família do terceiro milênio é formada pelo casamento, união estável e pela comunidade formada por qualquer dos pais e o filho, denominada família nuclear, pós-nuclear, unilinear, monoparental, eudemonista ou socioafetiva. É observada a igualdade entre casamento e união estável, no predomínio dos interesses afetivos em detrimento do patrimonial, não havendo mais hierarquia de seus membros, mas, sim, o interesse de seus membros na felicidade recíproca (arts. 226 a 230 da CF), já que, “sem amor, não há família”. Atualmente, existe somente uma história a ser contada sobre a família: a democrática, com vida familiar individual e solidariedade social, “igualdade emocional e sexual; direitos e responsabilidades mútuos nos relacionamentos; co-paternidade; contratos vitalícios de paternidade; autoridade negociada sobre os filhos; obrigações dos filhos para com os pais; a família
28 �
plena realização pessoal, se une a outros não de acordo com os ditames legais, mas com o
afeto que nutre por determinadas pessoas.
Não se pode querer acreditar que as normas positivadas são capazes de abarcar
todas as possibilidades de formações familiares que podem surgir. Ao contrário, em razão da
dinâmica das relações sociais, é preciso lidar diariamente com novas questões que colocam
em cheque entendimentos até então consolidados.
Isso porque o Direito é uma ciência que está em constante evolução, vez que
objetiva regulamentar a vida em sociedade, a qual não é estática. Os costumes se alteram com
o passar dos tempos e com a evolução da humanidade, dando margem ao surgimento de novas
modalidades de relacionamentos.
Esse movimento constante, a despeito de existir em todos os ramos do Direito, é
muito visível no campo do Direito de Família, o qual, cada vez mais, se distancia de conceitos
pré-estabelecidos e dos limites das normas legais, vez que estes não são suficientes para
amparar a diversidade de relações familiares que os indivíduos constituem dia após dia.
���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������
socialmente integrada”, demonstrando, assim, que “nenhum outro ramo do Direito vem recebendo tantos influxos nem passando por tantas mutações”. WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 147.
29 �
CAPÍTULO II – PRINCÍPIOS INFORMADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA
Os princípios, ao mesmo tempo em que funcionam de base para o
desenvolvimento do ordenamento jurídico, também atuam como parâmetro interpretativo do
sistema.
Ao se analisar as relações familiares sob a ótica principiológica é possível buscar
a flexibilização das normas positivadas de modo a alcançar a concretização dos ideais trazidos
pelos princípios aplicáveis ao Direito de Família.
Esse recurso se faz necessário porque, diante da diversidade de formações
familiares que surgem a cada dia, é preciso encontrar um modo de protegê-las e tutelá-las sob
a ótica do ordenamento vigente, o que exige um constante diálogo entre as normas e os
princípios23.
1. Princípios
Os princípios, estejam eles positivados ou não, nada mais são do que proposições
genéricas que informam a aplicação do direito aos casos concretos.
Atualmente não se pode negar que tais proposições não funcionam meramente
como recomendações ao aplicador do Direito, vez que atuam com verdadeira força normativa,
podendo ter aplicação direta.
O vocábulo princípio traz em si a ideia de início, de começo, conforme leciona
Roque Carrazza:
Etimologicamente, o termo “princípio” (do latim principium, principii)
encerra a ideia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o
ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer. [...] Por
igual modo, em qualquer Ciência, princípio é o começo, alicerce, ponto de
���������������������������������������� �������������������23 Nesse sentido explica Rodrigo da Cunha Pereira: “[...] o papel dos princípios é, também, informar todo o sistema, de modo a viabilizar o alcance da dignidade humana em todas as relações jurídicas, ultrapassando, dessa forma, a concepção estritamente positivista, que prega um sistema de regras neutro. Não mais se aceita um Direito adstrito a concepções meramente formais, enclausurado em uma moldura positivista. É necessário ultrapassar esta barreira e visualizar que só é possível a construção de um Direito vivo e em consonância com a realidade se tivermos em mente um Direito principiológico”. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 18.
30 �
partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna
mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é, ainda,
a pedra angular de qualquer sistema24.
Percebe-se a partir de tal definição que os princípios informam o sistema do qual
fazem parte. Assim, no âmbito do Direito, temos os princípios que vinculam o aplicador do
Direito no momento de interpretação e aplicação das normas jurídicas, conforme continua
Roque Carrazza:
Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua
grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes
do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e
a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam25.
Em razão da posição que ocupam, Celso Antôno Bandeira de Mello conceitua os
princípios como o “mandamento nuclear de um sistema”26, uma vez que funcionam como
base para a compreensão dos objetivos do sistema jurídico.
Princípios jurídicos, portanto, são os regramentos básicos que incidem sobre os
institutos existentes em nosso ordenamento. Atuam como orientadores no processo
legislativo, bem como elementos de interpretação no momento da aplicação do Direito.
São, conforme destaca Fernanda Pessanha do Amaral Gurgel, “diretrizes com
força normativa, destinadas à solução de controvérsias submetidas a juízo, cumprindo funções
de interpretação, integração e aplicação do direito positivo”27.
Não se confundem com as regras em razão de dois critérios de diferenciação: a
generalidade e a determinabilidade dos casos de aplicação. Isto é, os princípios são normas
dotadas de alto grau de generalidade, que prescrevem condutas dentro das possibilidades
fáticas e jurídicas do caso concreto (mandamento prima facie); enquanto as regras prescrevem
comandos que devem ser cumpridos. É o que explica Guilherme Calmon Nogueira da Gama: ���������������������������������������� �������������������24 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 42. 25 Idem. p. 44-45. 26 Confira-se a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 53. 27 GURGEL, Fernanda Pessanha do Amaral. O princípio da boa-fé objetiva no direito de família. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, São Paulo, 2008.
31 �
Enquanto a regra aponta suporte fático hipotético mais determinado e
fechado, o princípio indica suporte fático hipotético necessariamente
indeterminado e aberto. A regra é aplicada pela técnica da subsunção, ou
seja, com a concretização na realidade dos fatos da hipótese de incidência
(ou suporte fático hipotético), o aplicador reconhece a incidência da regra. O
princípio, por sua vez, depende da mediação concretizadora do intérprete,
orientado pela observância da equidade, ou a ‘justiça do caso concreto’28.
Os princípios, portanto, trazem valores que devem ser observados pela sociedade
e pelo ordenamento jurídico dentro das possibilidades existentes, constituindo verdadeiros
“mandamentos de otimização”, ou seja, mandamentos prima facie, conforme ensina Robert
Alexy:
Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são
caracterizados por poderem ser satisfeitos e graus variados e pelo fato de que
a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades
fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das
possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes29.
Enquanto as regras são normas que devem ser ou não cumpridas observando-se a
correspondência entre a sua previsão e o caso concreto, conforme continua Alexy:
Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se
uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem
mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito
daquilo que é fática e juridicamente possível30.
Percebe-se, portanto, que princípios e regras são espécies do gênero norma, vez
que ambos, nos limites de suas possibilidades, direcionam-se ao estabelecimento daquilo que
deve ser.
E, em razão da relevância dos princípios como norte de interpretação e aplicação
do Direito, é de se reconhecer a sua importância no âmbito do Direito de Família.
���������������������������������������� �������������������28 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família : guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08 : família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 64. 29 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90. 30 Idem. p. 91.
32 �
Ao se recorrer aos princípios, permite-se a harmonização das normas de família
positivadas com os valores inseridos em nosso ordenamento pela Constituição de 1988.
2. Cidadania
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, elenca a cidadania como um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil31.
Juntamente com a dignidade da pessoa humana, ela é necessária para a
concretização dos ideais do Estado Democrático de Direito, conforme explica Flávia
Piovesan:
Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito
brasileiro, destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, I
e II). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito e
dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são
um elemento básico para a realização do princípio democrático, tendo em
vista que exercem uma função democratizadora32.
Ocorre que o termo cidadania possui diversas acepções. Dalmo Dallari realiza a
distinção conceitual entre cidadania e cidadania ativa, entendendo a primeira como
relacionada à titularidade de direitos e deveres e a segunda, ao exercício de direitos políticos.
Vejamos:
A aquisição da cidadania depende sempre das condições fixadas pelo próprio
Estado, podendo ocorrer com o simples fato do nascimento em determinadas
circunstâncias, bem como pelo atendimento de certos pressupostos que o
Estado estabelece. A condição de cidadão implica direitos e deveres que
acompanham o indivíduo mesmo quando se ache fora do território do
Estado. A cidadania ativa, por sua vez, pressupõe a condição de cidadão,
mas exige que, além disso, o indivíduo atenda a outros requisitos exigidos
pelo Estado. Se o cidadão ativo deixar de atender a alguns desses requisitos,
���������������������������������������� �������������������31 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. 32 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 88.
33 �
poderá perder ou ter reduzidos os atributos da cidadania ativa, segundo o
próprio Estado dispuser, sem, no entanto, perder a cidadania33.
Percebe-se que, uma das conotações da palavra cidadania – e a mais
frequentemente utilizada – é a que a relaciona ao exercício dos direitos políticos, ou seja, aos
direitos de votar e ser votado, permitindo ao cidadão a participação no Estado Democrático de
Direito. É a lição de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano:
Os direitos políticos, ou de cidadania, resumem o conjunto de direito que
regulam a forma de intervenção popular no governo. Em outras palavras, são
aqueles formados pelo conjunto de preceitos constitucionais que
proporcionam ao cidadão sua participação na vida pública do País,
realizando, em última análise, o disposto no parágrafo único do art. 1º da
Constituição Federal, que prescreve que “todo poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”34.
Entretanto, ao presente trabalho interessa ver a cidadania como o direito de
titularizar direitos e de ver tais direitos devidamente tutelados pelo ordenamento jurídico,
conforme leciona Oswaldo Peregrina Rodrigues:
Assim sendo, como fundamento da República Federativa do Brasil, com o
escopo de garantir eficácia jurídica ao Estado Social, Democrático e de
Direitos, entendo que “cidadania”, acolhendo a expressão de Hannah Arendt,
“o direito a ter direitos”, ou seja, o direito a ser titular de direitos, e, por
conseguinte, a garantia e proteção de todos os seus direitos, como também
de seu livre e adequado exercício35.
A cidadania elencada pela Constituição Federal como fundamento da República
Federativa do Brasil, que deve ser observada pelo ordenamento e pelos aplicadores do direito
como princípio informador das relações jurídicas é aquela em sua noção ampla, relacionada à
titularidade de direitos e deveres. É o que explica Richard Pae Kim:
���������������������������������������� �������������������33 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 105. 34 ARAUJO, Luiz Alberto David; SERRANO, Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Verbatim, 2014. p. 303. 35 RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Cidadania é direito. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu. Disponível em: <http://www.usjt.br/revistadireito/>. n. 2. 2014. Acesso em 02.06.2015.
34 �
A noção ampla de cidadania implica na qualidade da pessoa de ser titular e
de ver reconhecidos os seus direitos humanos, que não são mais localizados,
mas que são e devem ser universais, razão pela qual se sustentou ser
necessário o reconhecimento, em especial no Brasil, de que temos uma
“cidadania universal”, que inclusive deve ser reconhecida aos nacionais ou
não36.
A sua concepção no sentido de o direito de todo indivíduo a ter direitos está
diretamente relacionada com a noção de dignidade da pessoa humana, que será explicada a
seguir. Somente olhando para os indivíduos como titulares de direitos e como merecedores de
tratamento digno, será possível concretizar os ideais elencados pela Carta Magna. Nessa linha
de raciocínio explicam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano:
A expressão cidadania, aqui indicada como fundamento da República,
parece não se resumir à posse de direitos políticos, mas, em acepção diversa,
parece galgar significado mais abrangente, nucleado na ideia, expressa por
Hannah Arendt, do direito a ter direitos. Segue-se, nesse passo, que a ideia
de cidadania vem intimamente entrelaçada com a de dignidade da pessoa
humana37.
A cidadania, em sua acepção ampla, portanto, deve funcionar como princípio
informador de todas as relações jurídicas, inclusive as de Direito de Família. É o ensinamento
de Rodrigo da Cunha Pereira:
Cidadania pressupõe não exclusão. Isto deve significar a legitimação e a
inclusão no laço social de todas as formas de família, respeito a todos os
vínculos afetivos e a todas as diferenças. Portanto, o princípio da dignidade
humana significa para o Direito de Família a consideração e o respeito à
autonomia dos sujeitos e à sua liberdade38.
Os indivíduos são cidadãos, devendo ter seus direitos e deveres garantidos não
somente quando se relacionam com outras pessoas, mas também quando se encontram no seio
���������������������������������������� �������������������36 KIM, Richard Pae. O conteúdo jurídico de cidadania na Constituição Federal do Brasil. In: MORAES, Alexandre; KIM, Richard Pae (Coord.) Cidadania. O novo conceito jurídico e a sua relação com os direitos fundamentais individuais e coletivos. São Paulo: Atlas, 2013. p. 38. 37 ARAUJO, Luiz Alberto David; SERRANO, Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Verbatim, 2014. p. 143. 38 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 100.
35 �
de sua família. Sendo assim, não cabe realizar distinções e exclusões conforme as variadas
formações familiares existentes.
Isso porque o direito a titularizar e exercer direitos deve ser o ponto de partida
tanto do legislador como do aplicador do direito no momento de interpretar as situações
concretas, pois somente tendo em conta esse fundamento será possível respeitar as
necessidades de cada indivíduo de modo a concretizar a realização de sua dignidade humana.
3. Dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade humana, assim como o da cidadania, também está
elencado no artigo 1º da Constituição Federal.
É, como se sabe, o princípio maior, a norma hipotética fundamental da
Constituição brasileira, vez que, conforme explica Kelsen, “representa o fundamento da
validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa”39.
Ou seja, todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro encontram seu
fundamento de validade no princípio da dignidade da pessoa humana, razão pela qual ela deve
sempre ser observada. Leciona Flávia Piovesan:
[...] o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e
informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de
valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema
constitucional40.
Seu significado, entretanto, é de difícil obtenção, visto o elevado grau de
abstração trazido pela expressão “dignidade”, que deve se estender a todos os âmbitos da vida
humana e varia conforme as peculiaridades de cada indivíduo.
Entretanto, a despeito da árdua tarefa de se encontrar uma definição para tal
princípio, leciona Ingo Sarlet:
[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e
distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
���������������������������������������� �������������������39 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 217. 40 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 89.
36 �
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e
desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas
para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa
e co-responsável nos destino da própria existência e da vida em comunhão
como os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres
que integram a rede da vida41.
Percebe-se, então, que se deve entender por dignidade o ideal de respeito e
proteção a todos os indivíduos no seio da coletividade, para que cada ser humano possa se
autodeterminar e desenvolver da maneira mais adequada possível às suas individualidades.
Explica Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
A noção de dignidade da pessoa humana envolve o núcleo existencial que é
essencialmente comum a todos os seres humanos como pertencentes ao
gênero humano, impondo, no que tange à dimensão pessoal da dignidade,
um dever geral de respeito, de proteção e de intocabilidade, não sendo
admissível qualquer comportamento que “coisifique” a pessoa humana42.
Justamente por estar voltada à plena realização da pessoa, a dignidade também
deve ser preservada no âmbito familiar, vez que é a família a micro sociedade na qual a
pessoa encontra seus primeiros desafios e da qual ela sai para se colocar no mundo. Devem os
membros da família, portanto, prezar pela garantia de uma existência digna de todos eles,
individual e coletivamente. Nessa toada é o ensinamento de Maria Berenice Dias:
A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para
florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção
independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares
preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o
afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de
vida comum –, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada
���������������������������������������� �������������������41 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 73. 42 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família : guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08 : família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 70.
37 �
partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e
humanistas43.
A família, portanto, aparece como um instrumento de realização do ser humano.
As pessoas buscam se unir para dar origem a uma relação familiar para nela se desenvolver,
autodeterminar e encontrar suporte para concretização de seus ideais. É o ensinamento de
Paulo Lôbo:
A família, tutelada pela Constituição, está funcionalizada ao
desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que a integram. A
entidade familiar não é tutelada para si, senão como instrumento de
realização existencial de seus membros44.
E, tendo em vista que os princípios assumem função orientadora e interpretativa,
deve-se observar a relevância da garantia da dignidade humana no âmbito do Direito de
Família, pois, a concretização da dignidade nessa seara depende, também, do tratamento
jurídico conferido às famílias. Nessa linha explica Rodrigo da Cunha Pereira:
Uma sociedade justa e democrática começa e termina com a consideração da
liberdade e da autonomia privada. Isto significa também que a exclusão de
determinadas relações de família do laço social é um desrespeito aos Direitos
Humanos, ou melhor, é uma afronta à dignidade da pessoa humana. O
Direito de Família só estará de acordo e em consonância com a dignidade e
com os Direitos Humanos a partir do momento em que essas relações
interprivadas não estiverem mais à margem, fora do laço social45.
Tal princípio é um dos pilares que, a partir da Constituição Federal de 1988, vem
permitindo a flexibilização dos conceitos jurídicos para tutelar as diversas formações
familiares que se surgem em nossa sociedade. Nesse sentido são as palavras de Rodrigo da
Cunha Pereira:
Seguindo a tendência personalista do Direito Civil, o Direito de Família
assumiu como seu núcleo axiológico a pessoa humana como seu cerne a
dignidade humana. Isso significa que todos os institutos jurídicos deverão ser
���������������������������������������� �������������������43 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 66. 44 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 62. 45 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 100.
38 �
interpretados à luz desse princípio, funcionalizando a família à plenitude da
realização da dignidade e da personalidade de cada um de seus membros. A
família perdeu, assim, o seu papel primordial de instituição, ou seja, o objeto
perdeu sua primazia para o sujeito. Seu verdadeiro sentido apenas se perfaz
se vinculada, de forma indelével, à concretização da dignidade das pessoas
que a compõe, independentemente do modelo que assumiu, dada sua
realidade plural na contemporaneidade. Se não por outras razões, essa soa
suficientemente forte para justificar o tema central do V Congresso: Família
e Dignidade Humana46.
Em busca do ideal de plena realização da dignidade humana tem-se levado em
conta como nunca antes os sentimentos e desejos das pessoas que se unem com o ideal de
formar uma família.
Em razão disso, nosso ordenamento jurídico tem caminhado de maneira a admitir
situações antes inimagináveis, tais como a união homoafetiva e a chamada multiparentalidade.
E é exatamente pelo fato de estar ligada às ideias de respeito e autodeterminação
pessoal, que a dignidade não pode trazer um conceito fechado para ser imposto de maneira
igual a todos.
Pelo contrário, para que se possa considerar como respeitada, deve-se entender
que os seres humanos são diferentes entre si em vários aspectos, principalmente nos
sentimentos e planejamentos, razão pela qual tamanha a variedade de formações familiares
que é possível encontrar na sociedade.
4. Solidariedade
A solidariedade também aparece na Constituição Federal, que em seu artigo 3º
dispõe:
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o
desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.
���������������������������������������� �������������������46 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Boletim do IBDFAM, Belo Horizonte, IBDFAM, jul./ago. 2005, p. 10.
39 �
Entende-se, com base no preceito constitucional, que a sociedade solidária é
aquela na qual todos cuidam para a realização do bem comum, na qual há uma divisão entre
seus membros da responsabilidade pelo bem de todos e pela minimização das desigualdades.
Explica Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
Nega-se, através da solidariedade, a filosofia do individualismo jurídico que
tanto marcou o Estado Liberal e a sociedade civil nele inserida. Atualmente,
objetiva-se alcançar um ponto de equilíbrio entre os interesses individuais e
os interesses sociais e coletivos: busca-se o equilíbrio entre os espaços
privados e públicos com a necessária interação entre as pessoas47.
A família, como se sabe, é uma esfera da sociedade, razão pela qual também nela
deve se verificar a concretização de tal princípio. Deve haver entre os membros da família,
portanto, assistência recíproca para suprir as necessidades individuais e coletivas.
A entidade familiar é responsável pela prestação de auxílio mútuo entre seus
membros, de modo que todos devem se responsáveis pela busca do que é bom para todos ao
mesmo tempo em que devem atender ao que é bom para cada membro individualmente
considerado.
Tal auxílio, vale destacar, não se limita ao material. Devem os indivíduos que
compõem a família se responsabilizar pelo apoio afetivo e psicológico de que podem
necessitar, zelando para que todos os componentes daquele núcleo estejam amparados em
relação a todas as suas necessidades e para que, como grupo, a família esteja apta a realizar os
fins para os quais foi constituída.
Nesse sentido é a lição de Rolf Madaleno:
A solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e
afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em
ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente
sempre que se fizer necessário48.
O exercício da solidariedade, ademais, encontra peculiaridades conforme o papel
de cada pessoa da família. Explica Paulo Lôbo:
���������������������������������������� �������������������47 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família : guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08 : família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 74. 48 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 93.
40 �
A solidariedade do núcleo familiar deve entender-se como solidariedade
recíproca dos cônjuges e companheiros, principalmente quanto à assistência
moral e material. A solidariedade em relação aos filhos responde à exigência
da pessoa de ser cuidada até atingir a idade adulta, isto é, de ser mantida,
instruída e educada para sua plena formação social49.
Percebe-se, portanto, que, assim como ocorre com o princípio da dignidade da
pessoa humana, a solidariedade também atua como vetor de interpretação das famílias atuais.
A ampliação do alcance das normas civis relativas ao Direito de Família é
consequência, também, do dever de se prezar pela solidariedade entre seus membros, mesmo
que não formem eles uma família ainda entendida como padrão pela sociedade brasileira.
Com base nela é possível, por exemplo, reconhecer que nas relações socioafetivas
também pode surgir o dever de prestar alimentos, tendo em vista que o auxílio material é
responsabilidade que surge sempre que algum dos membros da família não tenha condições
de prover o próprio sustento.
5. Igualdade
A Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, traz para o nosso ordenamento jurídico
o princípio da igualdade, dispondo:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...].
Referido preceito constitucional, que inicia o título dos direitos e garantias
fundamentais da Constituição, visa garantir a todos os cidadãos um tratamento igualitário por
parte da lei, vedando o estabelecimento de discriminações indevidas. Explica Celso Antônio
Bandeira de Mello:
A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento
regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os
cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da
���������������������������������������� �������������������49 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 64.
41 �
isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo
modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes50.
Entretanto, não se pode pretender estabelecer que todos os cidadãos sejam
realmente iguais. Pelo contrário, em razão de suas peculiaridades, as pessoas apresentam uma
série de diferenças que devem ser respeitadas.
Tratar igualmente, de maneira estrita, a todos, acabará por, indiretamente, implicar
uma diferenciação, vez que, conforme a situação regulada, ela privilegiará alguns em
detrimento de outros, pois não têm todos os sujeitos as mesmas características.
Exatamente por isso, se estará diante de um tratamento igualitário quando,
observada a medida das diferenças existentes, sejam tratados de maneira igual aqueles que são
iguais e de maneira desigual aqueles que são desiguais. Somente assim será possível atingir
um patamar em que todos se encontrarão em posição equivalente.
Ou seja, para que exista uma real igualdade, é preciso que haja um equilíbrio nas
condições e nas oportunidades, o que somente se garante quando se atenta para as diferenças
existentes entre os indivíduos.
O princípio em questão, entretanto, não se limita a pautar a conduta do legislador.
Pelo contrário, deve ser observado também no âmbito das relações privadas e no que tange ao
Direito de Família.
A princípio os membros da unidade familiar devem ser tratados como iguais. Mas,
assim como na seara legislativa, havendo diferenças entre eles, elas deverão ser levadas em
conta para evitar que se concretize uma desigualdade. É a lição de Guilherme Calmon
Nogueira da Gama:
O cerne da questão é atentar para que as diferenças não legitimem
tratamento jurídico desigual ou assimétrico no que diz respeito à base
comum dos direitos ou deveres, ou afetem o núcleo intangível da dignidade
de cada integrante da família51.
���������������������������������������� �������������������50 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 10. 51 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família : guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08 : família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 73.
42 �
Ainda, o princípio da igualdade, no tocante à sua aplicação ao Direito de Família,
encontra previsão constitucional expressa no artigo 226, §5º, da Constituição Federal, que
estabelece a igualdade entre homem e mulher no âmbito da sociedade conjugal. Previsão essa
que também aparece no Código Civil de 2002.
A inserção desse princípio pela Carta de 1988, inclusive, representou o objetivo
de acabar com a concepção patriarcal de família, vigente até a sua promulgação.
Estabeleceu-se o ideal de igualdade e de solidariedade entre os cônjuges,
acabando com a ideia antigamente consagrada em nosso ordenamento de que o homem
figurava como parte principal e dotada de autoridade no casamento, ao passo que a mulher
nada mais era do que uma figura a ele acessória e dependente, que não possuía autonomia
para escolher os rumos da família. Nessa toada se posiciona Guilherme Calmon Nogueira da
Gama:
Se, no passado, a legitimidade da família constituía instituto demarcador das
fronteiras entre o lícito e o ilícito no campo das declarações familiares e
definia a titularidade (ou não) de situações jurídicas ativas, atualmente o
princípio da igualdade material atua em direção exatamente oposta,
derrubando toda uma série de dogmas de discriminação e de exclusão52.
Ressalte-se, ainda, que, em que pese a lei fazer referência à aplicação da igualdade
no âmbito do casamento, não há dúvidas que também na união estável e na união homoafetiva
não poderá ser feita qualquer distinção entre os companheiros.
Ademais, o princípio da igualdade encontra previsão constitucional expressa no
tocante às relações decorrentes da filiação:
Art. 227, §6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.
Percebe-se, portanto, que o princípio da igualdade vem expresso no texto legal de
modo a consagrar o ideal de igualdade entre filhos, independentemente de sua origem.
Explica Pablo Stolze:
���������������������������������������� �������������������52 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família : guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08 : família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 73.
43 �
Não há mais espaço, portanto, para a vetusta distinção entre filiação legítima
e ilegítima, característica do sistema anterior, que privilegiava a todo custo a
“estabilidade no casamento” em detrimento da dimensão existencial de cada
ser humano integrante do núcleo familiar53.
Assim, foi a inserção do princípio da igualdade na interpretação do Direito de
Família que permitiu evoluir do não tão remoto passado em que somente eram filhos aqueles
havidos na constância do casamento, para a realidade atual na qual são igualmente filhos
aqueles nascidos dentro ou fora do casamento, bem como aqueles adotados ou reconhecidos
em razão do vínculo de socioafetividade.
6. Liberdade
O princípio da liberdade reflete a autonomia privada no âmbito das famílias,
traduzindo as possibilidades de escolhas exercidas pelos componentes de cada núcleo
familiar, desde a sua união, passando pela sua administração e, eventualmente, pela sua
dissolução. Explica Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
O princípio da liberdade, intimamente associado ao princípio do pluralismo
democrático, no âmbito das relações familiares, se associa à autonomia
privada no segmento da liberdade de escolha de constituição, de manutenção
e de extinção da entidade familiar, sem que haja qualquer tipo de imposição
externa das pessoas dos familiares54.
Sendo a autonomia privada vista como o poder de autodeterminação dos
indivíduos, como o poder que eles têm de tomar decisões que envolvam sua própria esfera
jurídica, ela aparece no âmbito das relações familiares sob a feição do princípio da liberdade.
Tal princípio aparece concretizado no artigo 1.513 do Código Civil, que
estabelece: “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão
de vida instituída pela família”.
���������������������������������������� �������������������53 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume 6: Direito de família – As famílias em perspectiva constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 83. 54 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família : guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08 : família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 75.
44 �
Depreende-se do referido dispositivo legal que há um espaço de livre atuação dos
indivíduos no âmbito do Direito de Família, no qual nem o Estado nem outras pessoas
poderão interferir.
Tem-se que, assim como para firmar negócios jurídicos, os indivíduos são livres
para realizar uma série de escolhas no âmbito familiar. Podem escolher por formar ou não
uma família, a maneira como irão administrá-la, se terão filhos e quantos, bem como tomar
uma série de outras decisões que não cabe ao ordenamento jurídico impor.
Nesse sentido explica Paulo Lôbo:
O princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia
de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou
restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre
aquisição de administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento
familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e
religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades
como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à
integridade física, mental e moral55.
Percebe-se que essa liberdade se relaciona intimamente com os princípios até aqui
estudados, uma vez que, apesar de serem livres para tomar uma série de decisões, os membros
da família não podem fazê-lo em desrespeito às necessidades dos outros, devendo sempre
visar o bem de todos e a realização plena da dignidade de cada um.
Ao mesmo tempo em que vigora o princípio da liberdade, portanto, os princípios
da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da igualdade atuam como balizadores das
condutas dos membros da família.
Isso porque, em que pese o reconhecimento da liberdade, ela não pode ser
exercida em detrimento de interesses de um ou alguns de seus membros, vez que com relação
a todos deve ser adotado um comportamento solidário e de zelo pelas suas necessidades.
���������������������������������������� �������������������55 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 69.
45 �
7. Afetividade
O princípio da afetividade, em que pese não encontrar previsão expressa no
ordenamento jurídico pátrio, tem tomado cada vez mais relevância no momento de se
observar e interpretar as famílias atuais.
O sentimento de afeto é o que dá origem ao surgimento de uma nova família, pois
é ele que leva duas pessoas a se unirem com o objetivo de formar uma relação familiar, seja
por meio do casamento, da união estável ou da união homoafetiva. O ponto em comum entre
as diversas espécies de união é o afeto.
Também é o afeto que liga os pais aos filhos. Uma vez que a consanguinidade não
é capaz de fazer com quem uma pessoa ame a outra, somente o vínculo de afeto entre elas é
que as leva a querer conviver e se apoiar mutuamente. Nesse sentido é a lição de Rolf
Madaleno:
A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco,
variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso
concreto. Necessariamente os vínculos consanguíneos não se sobrepõem aos
liames afetivos, podendo até ser afirmada a prevalência desses sobre aqueles.
O afeto decorre da liberdade que todo indivíduo deve ter de afeiçoar-se um a
outro, decorre das relações de convivência do casal entre si e destes para
com seus filhos, entre os parentes, como está presente em outras categorias
familiares, não sendo o casamento a única entidade familiar56.
Justamente em razão da primazia do afeto sobre o vínculo biológico é que, ao
mesmo tempo em que é reconhecido como legítimo o parentesco socioafetivo, tem a
jurisprudência pátria entendido pela possibilidade de indenização do pai ou mãe pelo
abandono afetivo de seu filho57.
���������������������������������������� �������������������56 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 99. 57 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial 2009/0193701-9. Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. DJe 10/05/2012. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por
46 �
Percebe-se, portanto, que somente com a valorização do afeto em detrimento de
cânones e normas é que será possível zelar pela plena realização da dignidade humana no seio
do Direito de Família. Nessa linha de raciocínio explica Rodrigo da Cunha Pereira:
[...] a família só faz sentido para o Direito a partir do momento em que ela é
veículo funcionalizador à promoção da dignidade de seus membros. Em
face, portanto, da mudança epistemológica ocorrida no bojo da família, a
ordem jurídica assimilou tal transformação, passando a considerar o afeto
como um valor jurídico de suma relevância para o Direito de Família. Seus
reflexos crescentes vêm permeando todo o Direito, como é exemplo a
valorização dos laços de afetividade e da convivência familiar oriundas da
filiação, em detrimento, por vezes, dos vínculos de consanguinidade. Além
disso, todos os filhos receberam o mesmo tratamento constitucional,
independente da sua origem e se são biológicos ou não58.
O respeito às diversas formações familiares despido de preconceitos permite
verificar que não é somente o casamento entre homem e mulher no qual nascem filhos
biológicos que constitui uma família. Ao contrário, qualquer união, seja ela homoafetiva,
decorrente de famílias reconstituídas, com filhos biológicos ou socioafetivos, deve ser
reconhecida como família desde que demonstre o claro intento de sê-lo.
Conforme leciona Eduardo de Oliveira Leite,
[...] a verdadeira filiação – esta a mais moderna tendência do direito
internacional – só pode vingar no terreno da afetividade, da intensidade das
relações que unem pais e filhos, independentemente da origem biológico-
genética59.
E, ao reconhecer essas variadas formações como família, deverão ser elas
respeitadas como já o era a família idealizada pela noção patriarcal, profundamente ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������
abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. 58 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 183. 59 LEITE, Eduardo de Oliveira. Temas de direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. p. 121.
47 �
influenciada pelo Direito Canônico. Somente assim os princípios aqui estudados poderão ser
concretizados e realizar os seus ideais.
8. Melhor interesse da criança e do adolescente
Os artigos 227 da Constituição Federal e 4º do Estatuto da Criança e do
Adolescente preveem, em redação quase idêntica, a absoluta prioridade do adolescente e do
jovem, no que concerne à efetivação de seus direitos, como sendo dever concorrentemente
imposto à família, à sociedade e ao Estado.
Ou seja, tendo em vista o respeito à peculiar condição de pessoa em
desenvolvimento, a criança e o adolescente merecem atenção especial da família, de modo a
garantir seu adequado desenvolvimento.
O princípio do melhor interesse visa, portanto, assegurar um tratamento voltado à
satisfação das necessidades inerentes à condição de criança e adolescente, que não podem ser
deixadas de lado, sob pena de provocarem prejuízo na formação desse ser humano. Nesse
sentido explica Paulo Lôbo:
O princípio do melhor interesse significa que a criança – incluído o
adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança –
deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade
e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe
digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em
desenvolvimento e dotada de dignidade60.
É com base no melhor interesse da criança e do adolescente que devem ser
analisadas as diversas situações que surgem hoje em dia no âmbito do Direito de Família.
Explica Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
O princípio em questão exige ser plenamente implantado e observado na
ordem jurídica nacional não apenas como princípio geral, mas como critério
de interpretação e de aplicação da norma jurídica nas questões relacionadas à
criança e ao adolescente – a exemplo do que se verifica no direito inglês e no
direito norte-americano, com a diferença de que ele deve ser apreendido em
���������������������������������������� �������������������60 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 75.
48 �
todos os vínculos jurídicos relacionados à criança e ao adolescente, inclusive
no seu cotidiano, o que envolve as relações paterno-materno-filiais61.
Referido princípio está em consonância com o que estabelece a Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 99.710, de 21 de
novembro de 1990, que em seu artigo 3 estabelece:
Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições
públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades
administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o
interesse maior da criança.
Assim, no seio da família criança e adolescente não são mais relegados a uma
condição inferior, como já o foram outrora. Pelo contrário, devem ser tratados com atenção
especial à peculiaridade de estarem em desenvolvimento, tanto físico como psicológico, o que
exige maior proteção e cuidado com relação a eles62.
Referida prioridade deve ser observada não só pelos membros da família, mas
também pelo legislador e pelo operador do direito, vez que compete a todos buscar atender,
prioritariamente, as necessidades das crianças e dos adolescentes. É a lição de Rodrigo da
Cunha Pereira:
A consequência do reconhecimento de tais dispositivos como fonte de
princípios é que eles informarão a interpretação de todo o ordenamento
jurídico pátrio, além de serem fonte de orientação das decisões judiciais a
serem tomadas, em que envolvam crianças e adolescentes, sem olvidar a
atividade legislativa, que também deve tê-los como seu norte
hermenêutico63.
���������������������������������������� �������������������61 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família : guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08 : família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 81-82. 62 Confira-se a lição de Giselle Câmara Groeninga: “O Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente pauta-se pelo reconhecimento de sua vulnerabilidade, de sua condição física e psíquica de desamparo, que rege a finalidade da família, de cuidar daqueles que são mais vulneráveis”. GROENINGA, Giselle Câmara. Direito à convivência entre pais e filhos: análise interdisciplinar com vistas à eficácia e sensibilização de suas relações no poder judiciário. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2011. p. 224. 63 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
49 �
Como exemplo de aplicação desse princípio, percebe-se que o tratamento
conferido ao filho socioafetivo, em equiparação ao biológico e ao adotivo, decorre da
necessidade de garantir que ele cresça de maneira adequada e vendo respeitados seus direitos.
9. Função social da família
Os institutos jurídicos surgem no ordenamento com vistas à realização de uma
função específica. Cada um deles é voltado para a concretização de finalidade determinada,
que deve ser respeitada pelos indivíduos e pelos operadores do Direito.
Daí se dizer que cada instituto possui uma função social que lhe é inerente e que
deve ser respeitada e buscada por todos aqueles que fizerem uso dele.
Nessa toada, o artigo 5º da Constituição Federal consagra, em seu inciso XXIII a
função social da propriedade. E, continua, estabelecendo que a propriedade urbana cumprirá
sua função social quando atender ao plano diretor da cidade (artigo 182, § 2º) ao passo que a
rural, quando atender aos requisitos elencados no artigo 186.
Por sua vez, o Código Civil, em seu artigo 421, determina que “a liberdade de
contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Percebe-se que a função social, tanto no âmbito da propriedade como no
contratual funciona como limitação à livre atuação dos sujeitos, visto que devem prezar pela
realização dos objetivos de cada instituto.
O ideal por trás da função social é de impedir que as partes façam uso dos
institutos jurídicos de modo que prejudiquem terceiros ou a coletividade, vez que nenhum
direito pode ser exercido de maneira absoluta.
E, assim como ocorre no âmbito da propriedade e dos contratos, o princípio da
função social também se aplica ao Direito de Família. Nesse sentido explicam Guilherme
Calmon Nogueira da Gama e Leandro dos Santos Guerra:
Não é diferente com o direito de família. Os institutos desse segmento do
direito civil são criados e devem observar uma determinada finalidade, sob
pena de perderem a sua razão de ser. Assim, deve-se buscar, nos princípios
50 �
constitucionais, o que almejou o constituinte para a família, de forma a bem
entender sua normatização64.
Na mesma linha de raciocínio é a lição de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
Nessa nova arquitetura jurídica, dúvida inexiste de que todo e qualquer
instituto, necessariamente, tem de cumprir uma função, uma determinada
finalidade, a qual precisa ser observada na sua aplicação, sob pena de
desvirtuá-lo da orientação geral do sistema jurídico, criado a partir das
opções valorativas constitucionais. E, naturalmente, não pode ser diferente
com o Direito das Famílias. A aplicação da norma familiarista tem de estar
sintonizada com o tom garantista e solidário da Constituição Federal,
garantindo a funcionalidade de seus institutos. É o que se pode chamar de
função social da família65.
A questão que se coloca é saber qual é a função social da família e quando se pode
considerar que ela está sendo desrespeitada.
Pois bem, conforme o que foi visto até aqui, a família deve ser entendida como
um núcleo de realização de interesses e necessidades individuais e coletivos. Seus membros
devem adotar uma postura solidária entre si, de modo a garantir a realização da dignidade
humana de cada um, o tratamento igualitário entre eles e a existência de auxílio moral e
material conforme suas as peculiaridades. Conforme leciona Pietro Perlingieri:
A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua
conformação aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a
dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de
organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela
pertencem66.
Pode-se entender, assim, que a função social da família se concretiza na medida
em que se garante aos seus indivíduos um núcleo de realização individual, de
���������������������������������������� �������������������64 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; GUERRA, Leandro dos Santos. Função Social da Família. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 8, n. 39, Dez./Jan., 2007. P. 154-170. p. 163. 65 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 156. 66 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução: Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 972.
51 �
desenvolvimento pleno e de suporte. Nessa linha de raciocínio é a lição de Guilherme Calmon
Nogueira da Gama e Leandro dos Santos Guerra:
Assim, impõe-se, atualmente, um novo testamento jurídico da família,
tratamento esse que atenda aos anseios constitucionais sobre a comunidade
familiar, a qual deve ser protegida na medida em que atenda a sua função
social, ou seja, na medida em que seja capaz de proporcionar um lugar
privilegiado para a boa vivência e dignificação de seus membros67.
A função social da família, quando vista sob a ótica da doutrina e da
jurisprudência, é um dos princípios que tem levado a aceitar a modificação dos conceitos
históricos sobre família, casamento e filiação.
Isso porque, conforme explica Venceslau Tavares Costa Filho, a realização da
função social implica na realização dos interesses sociais:
A função social apresenta-se justamente como uma ‘limitação interna,
positiva, condicionando o exercício e o próprio direito’, de modo que o
interesse individual é revestido de licitude à medida que realiza, também, os
interesses sociais68.
Conforme se percebe, a função social atua em conjunto com os demais princípios
do Direito de Família, contribuindo para a plena realização da dignidade humana dos sujeitos
que dela fazem parte.
Sendo assim, pode-se perceber que tal princípio estará sendo desrespeitado
quando o núcleo familiar for palco de consagração de desigualdades e de privação do pleno
exercício dos direitos inerentes a cada componente.
Em atenção ao que destaca Pietro Perlingieri, o que importa é que a família
cumpra sua função social de propiciar o desenvolvimento de seus indivíduos, independente da
forma que essa família adota, não havendo que se falar em superioridade de uma modalidade
em relação a outra. Vejamos:
���������������������������������������� �������������������67 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; GUERRA, Leandro dos Santos. Função Social da Família. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 8, n. 39, Dez./Jan., 2007. P. 154-170. p. 164. 68 FILHO, Venceslau Tavares Costa. Função social da autoridade parental: algumas considerações. In: Revista Síntese de Direito de Família. v. 13, n. 67, ago./set., 2011. p. 9-18. p. 15.
52 �
Cada forma familiar tem uma própria relevância jurídica, dentro da comum
função desserviço ao desenvolvimento da pessoa; não se pode, portanto,
afirmar uma abstrata superioridade do modelo de família nuclear em relação
às outras69.
Exigir-se, nos dias atuais, que a família siga os moldes aventados pelo Código
Civil de 1916, conferindo papel principal ao marido, discriminando a mulher e segregando
eventuais filhos que não tenham sido gerados na constância do matrimônio, ataca
frontalmente a função que se exige que a família exerça na sociedade atual.
���������������������������������������� �������������������69 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução: Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 973-974.
53 �
CAPÍTULO III – FILIAÇÃO SEM VÍNCULO GENÉTICO
O ordenamento jurídico atual confere tratamento igualitário a todos os filhos,
independentemente de quem sejam seus pais e do momento em que foram concebidos. Ainda,
equipara aos filhos biológicos aqueles que advêm da adoção.
Também existe a possibilidade de formação do vínculo de parentesco em razão do
mero afeto existente entre duas pessoas. Afeto esse que pode levar, inclusive, ao
estabelecimento de uma verdadeira relação de filiação.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, mister se faz analisar os vínculos de
filiação decorrentes da adoção e da socioafetividade, de modo a compreender que, apesar da
origem, são tratados igualmente àquele que decorre da consanguinidade.
1. Conceito de filiação
Antes de se passar ao estudo dos vínculos de filiação com origem na adoção e na
socioafetividade, imperioso compreender o seu significado.
Paulo Lôbo traz o seguinte conceito:
Filiação é conceito relacional; e a relação de parentesco que se estabelece
entre duas pessoas, uma das quais é considerada filha da outra (pai ou mãe).
O estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco,
atribuída a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres
reciprocamente considerados. O filho é titular do estado de filiação, da
mesma forma que o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de
maternidade, em relação a ele70.
Na mesma toada, explica Carlos Roberto Gonçalves:
Em sentido estrito, filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. É
considerada filiação propriamente dita quando visualizada pelo lado do filho.
���������������������������������������� �������������������70 LÔBO, Paulo. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 507-508.
54 �
Encarada em sentido inverso, ou seja, pelo lado dos genitores em relação ao
filho, o vínculo de denomina paternidade ou maternidade71.
Percebe-se, então, que por filiação deve-se entender o vínculo que se estabelece
entre os filhos e seus pais, dando origem a uma relação jurídica da qual deriva um plexo de
direitos e deveres que perduram durante toda a vida desses sujeitos.
Não se exige, ademais, a presença de um laço de consanguinidade para que reste
caracterizado o vínculo de filiação, razão pela qual, deve ser tratado como tal tanto o que
decorre da ascendência genética, como o resultante da adoção e da socioafetividade.
Explica-se. Pai e mãe, que se ligam ao filho estabelecendo com ele a relação
paterno-materno-filial não são exclusivamente os responsáveis pela carga genética dessa
pessoa, mas sim aqueles que agem como tal.
Exatamente por isso é possível entender que a filiação pode ter naturezas diversas,
mas será sempre merecedora da mesma tutela jurídica. Nesse sentido, aponta-se que o vínculo
de filiação pode ser jurídico, biológico ou socioafetivo.
A filiação jurídica é a que decorre das normas trazidas pelo Código Civil. Nas
palavras de Jorge Fujita, “é o vínculo paterno-materno-filial reconhecido pela norma
jurídica”72.
Nessa classificação se enquadram as filiações decorrentes da presunção pater is
est e da adoção, vez que para ambas a lei determina o estabelecimento do vínculo paterno-
materno-filial.
Biológica, por sua vez, é a filiação que decorre do vínculo de consanguinidade
entre duas pessoas, podendo tanto surgir por meio da fecundação natural, como pela ajuda dos
métodos de fecundação assistida.
Finalmente, diz-se socioafetiva a filiação que deriva da “relação entre pai e filho,
ou entre mãe e filho, ou entre pais e filho, em que inexista um vínculo de sangue entre eles,
���������������������������������������� �������������������71 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 320. 72 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. In: BARBOSA, Águida Arruda (Coord.). Direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 202.
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havendo, porém, o afeto como elemento aglutinador, tal como uma sólida argamassa a uni-los
em suas relações, quer de ordem pessoal, quer de ordem patrimonial”73.
Para o presente trabalho, entretanto, somente interessa o estudo das duas espécies
de filiação que surgem em razão da vontade exarada por uma ou duas pessoas no sentido de
tornarem-se pais: a decorrente da adoção e a da socioafetividade.
A delimitação temática se justifica porque tanto na adoção como na
socioafetividade existem duas figuras distintas em relação à criança ou ao adolescente: seus
pais e seus ascendentes genéticos.
Isto é, em que pese os pais serem aquelas pessoas que acolheram o infante em
razão da adoção ou do vínculo socioafetivo, terá ele, em outros indivíduos, a figura dos
genitores biológicos.
E o objetivo do presente trabalho é buscar responder se é possível responsabilizar
o ascendente genético por eventuais alimentos que seu descendente venha a necessitar quando
ele se encontra inserido em núcleo familiar decorrente das filiações adotiva ou socioafetiva.
2. Filiação originada na adoção
A adoção, regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é modalidade de
colocação da criança ou do adolescente em família substituta que tem como objetivo atribuir
ao adotado a condição de filho dos pais adotivos, rompendo os vínculos existentes com os
pais e parentes biológicos, ressalvando-se, apenas, a manutenção dos laços para fins de
impedimentos matrimoniais.
Também se caracteriza quando um dos cônjuges adota o filho do outro, situação
na qual são mantidos os vínculos de parentesco em relação ao pai ou mãe biológico e surgem
novos vínculos em relação ao adotante e sua família. Essa situação é denominada de adoção
unilateral, ao passo que a que se dá por duas pessoas (pai e mãe) é chamada de bilateral.
Ao conceituar o instituto da adoção Silvio Rodrigues leciona que se trata do “ato
do adotante pelo qual traz ele, para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é
estranha”74.
���������������������������������������� �������������������73 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. In: BARBOSA, Águida Arruda (Coord.). Direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 203.
56 �
Por sua vez, Hugo Nigro Mazzilli explica que “a adoção, por qualquer de suas
atuais formas é ficção jurídica que estabelece entre adotante e adotado uma relação de
paternidade e filiação”75.
Percebe-se que, por meio da adoção, terceira pessoa acaba por assumir todos os
encargos que surgem para os pais após o nascimento dos filhos. Ou seja, aqueles que optam
por adotar tornam-se pais da criança ou adolescente, substituindo seu ascendente biológico
para todos os fins de direito.
Em atualização à obra de Pontes de Miranda, Rosa Maria de Andrade Nery
leciona:
A adoção pressupõe a existência de alguém que carece de amparo, material e
moral, de um lado, amparo que se presta com o devotamento de quem
substitui os pais na afeição da criança ou do adolescente; de outro, de pessoa
digna que assuma um encargo que não pôde ou já não pode ser exercido por
quem gerou a criança, como teria sido o ideal76.
Conforme se depreende do artigo 45, caput e parágrafo 1º77, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, a adoção pode ocorrer em razão de três circunstâncias: (i) a
vontade dos pais ou do representante legal do adotando, que se manifesta através do
consentimento; (ii) o desconhecimento dos pais biológicos; e (iii) a destituição do poder
familiar.
Ainda, referido Estatuto prevê que, sendo o adotando maior de 12 anos de idade,
será necessário que ele manifeste sua concordância.
Tem-se, portanto, que, não sendo o caso de pais desconhecidos ou destituídos do
poder familiar, sempre será exigido o seu consentimento para proceder à adoção. Referido
���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������74 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito de família: volume 6. Atualizado por Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 340. 75 MAZZILLI, Hugo Nigro. Notas sobre a adoção. In: Doutrinas Essenciais Família e Sucessões. vol. 4, p. 821 – 837, Ago/2011, DTR\1990\203. 76 MIRANDA, Pontes de. Direito de família. Direito parental. Direito protectivo. Atualizado por Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 251. 77 Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. § 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder familiar. § 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.
57 �
consentimento, percebe-se, nada mais é do que a manifestação expressa da vontade de
entregar seu filho para que outrem o crie, abrindo mão do laço de parentesco existente78.
Conforme leciona Silvio Rodrigues, “essa concordância equivale à renúncia
voluntária do poder familiar”79, já que os pais naturais optam por não exercer os direitos e
deveres decorrentes da filiação, abrindo mão desse vínculo em favor de terceiros que desejam
tornarem-se pais do infante.
Portanto, a partir da entrega do filho biológico aos pais adotivos, a estes cabem o
poder familiar e todas as responsabilidades decorrentes do vínculo de filiação que se
estabelece pelo procedimento da adoção.
Tendo em vista a transferência do poder familiar dos ascendentes genéticos para
os pais adotivos, a adoção gera efeitos pessoais e patrimoniais.
Na seara dos efeitos pessoais verifica-se a criação de verdadeiro vínculo de
filiação entre adotante e adotado, bem como laço de parentesco em relação a este e a família
do adotante80. Ou seja, o filho adotivo ocupa a mesma posição na família que ocuparia se nela
tivesse nascido.
Ainda, ficam rompidos todos os vínculos antes existentes em relação à família
natural, conforme destaca Galdino Augusto Coelho Bordallo:
Em virtude de, com a adoção, estabelecer-se o vínculo jurídico de filiação
socioafetiva com a família substituta, fica rompido automaticamente aquele
com a família natural, passando o filho adotivo a se integrar à família
���������������������������������������� �������������������78 Nesse sentido, confira-se a lição de Galdino Augusto Bordallo: “Com a adoção é rompido o vínculo de parentesco com a família biológica como consequência lógica da criação de um novo vínculo: do adotivo com a família substituta. Por tal motivo, a lei exige que os pais biológicos consintam na adoção, como se verifica pela regra constante do art. 45, caput, do ECA, já que possuem legítimo interesse em realizar oposição a que seu filho ingresse em uma família substituta”. BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 306. 79 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito de família: volume 6. Atualizado por Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 346. 80 É a explicação de Galdino Augusto Coelho Bordallo: “Os efeitos pessoais dizem respeito à relação de parentesco entre adotando, adotante e a família deste. Pelo fato de o adotado passar a integrar família substituta, seu relacionamento jurídico não se dará apenas com o adotante, mas com toda a família deste” BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 321.
58 �
substituta sem qualquer distinção, mínima que seja, em relação aos filhos
biológicos já existentes ou a existir81.
Ressalvam-se, entretanto, os impedimentos matrimoniais, para efeito dos quais o
vínculo biológico não desaparece.
No âmbito patrimonial, os direitos e deveres do filho adotivo são os mesmos que a
lei confere aos filhos biológicos. Em razão da transferência do poder familiar aos pais
adotivos, a eles incumbe a administração e o usufruto dos bens do adotado menor, o dever de
sustento do filho adotado, bem como o dever de prestar-lhes alimentos.
Também surgem para o adotado os direitos sucessórios que decorrem de sua
posição de descendente, cabendo-lhe suceder seus pais adotivos e seus parentes, quando for o
caso.
Verifica-se, assim, que por meio da adoção formam-se laços civis de parentesco
que se equiparam aos biológicos para todos os efeitos, sendo os filhos adotivos simplesmente
filhos daqueles que optaram por acolhê-lo e em relação a ele agir como pais.
3. Filiação originada na socioafetividade
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226 estabelece que a família é uma
forma de organização social que pode decorrer do casamento civil (artigo 226, §§1º e 2º), da
união estável entre homem e mulher (artigo 226, §3º) ou da comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes (família monoparental – artigo 226, §4º).
Porém, tem-se entendido, e com razão, que o dispositivo em comento elenca tão
somente um rol exemplificativo, vez que são admitidas outras formações familiares, como a
família anaparental (família sem pais – STJ, REsp 57.606/MG), a família homoafetiva (ADPF
132/RJ e ADI 4.277/DF) e a família mosaico ou pluriparental, decorrente de vários
casamentos, uniões estáveis ou relacionamentos afetivos.
Percebe-se, assim, uma tendência de aceitação pelo Direito de diferentes figuras
familiares, calcadas no afeto, na liberdade e na igualdade existente entre os seus membros,
���������������������������������������� �������������������81 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 321.
59 �
consequência da paulatina substituição dos modelos rígidos e paternalistas – durante muitos
anos vigentes em nosso ordenamento jurídico – pelo ideal da família eudemonista82.
Além da aceitação de novas formações familiares, que não somente aquelas
decorrentes do casamento civil, o processo de constitucionalização do Direito de Família
implicou também na mudança do tratamento conferido aos filhos.
No que concerne à filiação, percebe-se que a Carta Magna, pautada no princípio
da igualdade, pôs fim à discriminação entre filhos que um dia vigorou em nosso país,
conforme se depreende do artigo 227, §6º:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
[…]
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.
A partir da previsão constitucional é possível perceber que todos os filhos são
iguais, independentemente de terem eles sido havidos na constância do casamento ou fora
dele. Essa igualdade, inclusive, se estende aos filhos adotivos, àqueles havidos por
inseminação artificial heteróloga e àqueles decorrentes da parentalidade socioafetiva.
No que tange à parentalidade originada na socioafetividade, em que pese não estar
prevista de forma expressa em nossa legislação, é pacífico o entendimento de que ela encontra
proteção em nossa Constituição Federal, mais especificamente no parágrafo 6º do supracitado
artigo 227.
���������������������������������������� �������������������82 Nesse sentido confira-se a lição de Giselle Câmara Groeninga: “A família, atualmente, se define como eudemonista, em que cada um busca sua realização e bem estar, pautadas as relações pela igualdade e pelo respeito às diferenças, e pelos valores da ética do cuidado e da solidariedade”. GROENINGA, Giselle Câmara. Culpa cabe na religião e na mente, mas não no Direito de Família. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-nov-15/processo-familiar-culpa-cabe-religiao-mente-nao-direito-familia>. Acesso em 19.11.2015.
60 �
Ademais, o artigo 1.593 do Código Civil, ao prever que “o parentesco é natural ou
civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”, deixa margem à interpretação
de que as relações de parentesco podem advir do afeto, vez que este nada mais é do que “outra
origem” em relação à consanguínea.
É essa a linha interpretativa adotada por Sílvio Venosa:
Nesse campo, quanto à outra origem do parentesco, deve ser levada em
conta também a filiação socioafetiva. Embora não tenha sido mencionada
expressamente no Código, trata-se de fenômeno importante no campo da
família e que vem cada vez mais ganhando espaço na sociedade83.
Entendimento nesse sentido, inclusive, é revelado no Enunciado nº. 103, da I
Jornada de Direito Civil84 que dispõe:
O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil
além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há
também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas
de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não
contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva,
fundada na posse do estado de filho.
O termo socioafetividade remonta às relações de afeto que surgem no meio social.
Ou seja, é socioafetiva a relação que se estabelece em razão do convívio social e com base na
afetividade existente entre os seus personagens. É a lição de Paulo Lôbo:
O termo socioafetividade conquistou as mentes dos juristas brasileiros,
justamente porque propicia enlaçar o fenômeno social com o fenômeno
normativo. De um lado há o fato social e de outro o fato jurídico, no qual o
primeiro se converteu após a incidência da norma jurídica. A norma é o
princípio jurídico da afetividade. As relações familiares e de parentesco são
socioafetivas, porque congrega o fato social (socio) e a incidência do
princípio normativo (afetividade)85.
���������������������������������������� �������������������83 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010. p.1450. 84 Disponível em: <http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-
jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf>. Acesso em 11.04.2015.
85 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 29.
61 �
Percebe-se, assim, que o vínculo socioafetivo pode se desenvolver tanto em
relação a pais e filhos biológicos como em relação a dois indivíduos que, a princípio, não
possuem qualquer parentesco.
Isso porque o afeto não surge necessariamente durante a gestação de uma criança
e se desenvolve durante seu crescimento. Muitas são as situações nas quais o genitor – pai ou
mãe – do infante não elabora um sentimento de carinho e amor pelo filho biológico, vez que
se trata de sentimentos que não se pode impor a ninguém nutrir.
No que tange à diferença entre vínculo biológico e afeto, é a lição de Christiano
Cassettari:
As parentalidade socioafetiva e biológica são diferentes, pois ambas têm
uma origem diferente de parentesco. Enquanto a socioafetiva tem origem no
afeto, a biológica se origina no vínculo sanguíneo. Assim sendo, não
podemos esquecer que é plenamente possível a existência de uma
parentalidade biológica sem afeto entre pais e filhos, e não é por isso que
uma irá prevalecer sobre a outra, pelo contrário elas devem coexistir em
razão de serem distintas86.
Ao mesmo tempo, em muitos casos, adultos que não possuem qualquer vínculo de
consanguinidade desenvolvem profundo sentimento de afeto pela criança com a qual
convivem e passam a trata-la como filho.
A filiação calcada na socioafetividade, portanto, se caracteriza por ser aquela que
não decorre do vínculo de consanguinidade entre pais e filhos, mas sim do relacionamento de
cuidado e afeto entre eles desenvolvido. Nesse sentido é a lição de Jorge Fujita:
A filiação vem a ser formada com o afeto que vincula pais e filhos,
independentemente ou não da sua origem biológica. Pai e mãe se distinguem
de genitor e genitora. Isso porque pai e mãe são os que, efetivamente, criam,
educam, sustentam e amam, ao passo que genitor e genitora são aqueles que
apenas geram. Indubitavelmente, existem genitores que são pais, mas há
outros que não o são87.
���������������������������������������� �������������������86 CASSETTARI, Christiano. Efeitos jurídicos da parentalidade socioafetiva. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2013. p. 204. 87 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 108.
62 �
Uma das principais razões que fundamentam o reconhecimento da modalidade
afetiva de filiação se verifica na diferença existente entre as figuras de pai e genitor.
Considera-se pai (ou mãe), aquela pessoa que cria, que dá afeto,
independentemente da existência de algum vínculo biológico com o menor. Ao passo que
genitor é aquela pessoa responsável tão somente pela concepção da criança, pela transferência
de material genético para sua formação. Nessa toada é a lição de Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvad:
O pai afetivo é aquele que ocupa, na vida do filho, o lugar do pai (a função).
É uma espécie de adoção de fato. É aquele que ao dar abrigo, carinho,
educação, amor...ao filho, expõe o foro íntimo da filiação, apresentando-se
em todos os momentos, inclusive naqueles em que se toma a lição de casa ou
verifica o boletim escolar. Enfim, é o pai das emoções, dos sentimentos e é o
filho do olhar embevecido que reflete aqueles sentimentos que sobre ele se
projetam88.
O reconhecimento de que o vínculo de afeto estabelecido entre pais e filhos é forte
o suficiente para gerar entre eles o surgimento da filiação, baseado na ideia de que ser pai não
é gerar, mas cuidar, não é recente. Tal questão já era discutida à luz do Código Civil de 1916,
quando João Baptista Villela passou a estudar o que chamou de “desbiologização da
paternidade”:
Se se prestar atenta escuta às pulsações mais profundas da longa tradição
cultural da humanidade, não será difícil identificar uma persistente intuição
que associa a paternidade antes com o serviço que com a procriação. Ou
seja: ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar quanto na
circunstância de amar e servir89.
Percebe-se, portanto, que “a filiação afetiva é aquela na qual o amor e o carinho
recíprocos entre membros suplantam qualquer grau genético, biológico ou social”90.
���������������������������������������� �������������������88 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. Bahia: Juspodivm, 2013. p. 691. 89 VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. v. 27. n. 21. p. 9-489. Maio 1979. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1156/1089>. Acesso em 06.04.2015. p. 407-408. 90 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010. p.1455.
63 �
Assim, tendo em vista que vigora atualmente o ideal da família eudemonista,
calcada na solidariedade e afetividade entre seus membros e voltada à realização da dignidade
de cada indivíduo e à busca da felicidade, tem-se admitido na doutrina e na jurisprudência o
reconhecimento da socioafetividade como vínculo de filiação.
Ou seja, com o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil tem-se
entendido que o vínculo de socioafetividade é importante e deve ser reconhecido como válido
dentre as modalidades familiares atualmente aceitas.
Não deve haver diferenças entre filhos, tenham eles origem biológica ou
socioafetiva, sendo ambos merecedores de tutela jurídica e de igualdade de tratamento, vez
que serão sempre filhos.
3.1. Modalidades de filiação com origem socioafetiva
O vínculo de afeto que dá origem à filiação socioafetiva surge em diversas
organizações familiares. A riqueza das relações humanas tem mostrado que são inúmeras as
possibilidades de agrupamentos com o fim de constituir família.
Assim, aos poucos, a sociedade tem passado a aceitar que o ideal de casamento
entre homem e mulher com vistas a durar até a sua extinção pela morte de um dos cônjuges
não se presta para todas as pessoas.
Justamente por isso nosso ordenamento jurídico já evoluiu de modo a admitir o
divórcio e a equiparar a união estável ao casamento.
A jurisprudência já firmou entendimento de que é possível o casamento entre
pessoas do mesmo sexo91 e tal situação, antes existente à margem da sociedade, tem se
tornado cada vez mais frequente, estando amparada, inclusive, pela Resolução do Conselho
Nacional de Justiça nº 175 de 201392.
���������������������������������������� �������������������91 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.1833.78/RS, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/10/2011. “Direito de família. Casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (homoafetivo). Interpretação dos arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 do código civil de 2002. Inexistência de vedação expressa a que se habilitem para o casamento pessoas do mesmo sexo. Vedação Implícita constitucionalmente inaceitável. Orientação principiológica conferida pelo STF no julgamento da ADPF n. 132/RJ e da adi n. 4.277/DF”. 92 Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis. CNJ, Resolução
64 �
Percebe-se, portanto, que com base no afeto, podem surgir diversas formações
familiares. Existem famílias reconstituídas após o divórcio, na qual convivem filhos de outros
relacionamentos com os novos companheiros de seus pais. Também há aquelas nas quais o
pai ou a mãe biológica não reconheceram o filho, mas o companheiro o fez. Igualmente, são
comuns relações homoafetivas nas quais o filho de um é tratado pelo outro como se filho seu
fosse.
E é nessa variedade de famílias que se verifica o desenvolvimento da filiação por
socioafetividade. E são duas as situações específicas que se enquadram dentro dessa
modalidade de filiação, quais sejam: a posse do estado de filho e a adoção à brasileira.
Em ambas, conforme se verá, o vínculo de afeto é o elemento basilar da relação
paterno-materno-filial que se desenvolve. Isto é, é tão somente com base no conjunto de
sentimentos que o adulto nutre pelo menor que surge entre eles o vínculo de filiação.
Aqui não serão estudadas as técnicas de reprodução assistida. A escolha se dá pelo
fato de que elas não se confundem com a filiação puramente socioafetiva, vez que nelas o
vínculo paterno-materno-filial decorre da intenção das partes na sua formação. Ou seja, há
uma escolha prévia à concepção no sentido de gerar um filho com ajuda da tecnologia.
A reprodução assistida é técnica desenvolvida na medicina na qual é possível a
inseminação artificial homóloga e heteróloga. Na segunda, em que pese o material genético
vir de doador desconhecido, o vínculo da afetividade surge após a opção pela adoção do
procedimento médico, não se confundindo com as espécies de socioafetividade a seguir
estudadas.
Ou seja, enquanto a inseminação artificial homóloga é uma técnica de reprodução
assistida que faz uso do material genético daqueles que serão pai e mãe da criança, na
heteróloga recorre-se ao material genético de terceiro, como meio de suprir alguma
impossibilidade de gerar do homem ou da mulher ou, eventualmente, de ambos.
Percebe-se que, no método da inseminação artificial heteróloga, o vínculo de
filiação com a criança gerada decorre da vontade manifestada quando da aceitação em se
submeter o casal à técnica de reprodução artificial.
���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������
175 de 14 de maio de 2013. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/resolu%C3%A7%C3%A3o_n_175.pdf>. Acesso em 09.12.2015.
65 �
O Código Civil de 2002, inclusive, prevê que, havendo consentimento, os filhos
decorrentes de tal técnica reprodutiva serão considerados como havidos na constância do
casamento. In verbis:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
[...]V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.
Ademais, a pessoa que consente em realizar a doação de seu material genético não
estabelecerá qualquer vínculo de filiação com a criança que venha a nascer da técnica de
reprodução assistida. É o ensinamento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
O primeiro efeito, de natureza negativa, na realidade, consiste na constatação
de que entre doadores e a pessoa concebida em decorrência de técnica de
procriação assistida heteróloga não se estabelecem vínculos de parentesco.
Trata-se, portanto, de exceção à regra consoante a qual todas as pessoas têm,
ao menos originalmente, pai e mãe jurídicos com origem na
consanguinidade93.
É fácil perceber, então, que tanto na adoção como na reprodução assistida, o
vínculo de filiação decorre de uma manifestação de vontade daqueles que desejam tornarem-
se pais. E, em ambos os casos, a criança será filho destes que exararam tal vontade, não
havendo qualquer vínculo com os pais biológicos (adoção) ou com o doador do material
genético (reprodução assistida).
A diferença, ademais, já foi tratada no Enunciado 111 da I Jornada de Direito
Civil:
A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho
ao adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém,
enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e
seus parentes consanguíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será
���������������������������������������� �������������������93 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 882.
66 �
estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material
fecundante94.
Percebe-se que nessas duas modalidades o que torna a criança filha dos seus pais
não é somente o afeto, mas a opção exarada por eles no sentido de adotar ou de proceder à
reprodução assistida.
Ou seja, aqui existe uma opção prévia ao surgimento do amor e do afeto em
relação à criança: a de tornar-se pai e mãe.
No vínculo de filiação que decorre puramente da socioafetividade, por sua vez, o
desejo de se tornar pai ou mãe da criança é posterior ao aparecimento do sentimento de afeto e
cuidado por ela.
Isto é, aquele que se torna pai ou mãe socioafetivo sabe que o faz em relação a
filho biológico de outrem.
3.1.1. Posse do estado de filho
A posse do estado de filho dá origem à filiação socioafetiva por decorrer do
comportamento adotado por duas pessoas como se fossem pai e/ou mãe e filho. Assim, tanto
no seio da família como para toda a sociedade essas pessoas serão reconhecidas como pai e/ou
mãe e filho.
Conforme explica Orlando Gomes, “a posse do estado de filho constitui-se por um
conjunto de circunstâncias capazes de exteriorizar a condição de filho do casal que o cria e o
educa”95.
Trata-se de relação de filiação que se verifica pela existência de afeto e de
tratamento do menor pelo homem, pela mulher, ou por ambos, como se fosse seu filho. Nesse
sentido é a lição de Jorge Fujita:
A filiação socioafetiva decorrente da posse do estado de filho é aquela em
que se verifica uma relação paterno-filial, ou materno-filial, ou paterno-
materno-filial, em que se destacam o tratamento existente entre os pais e o
���������������������������������������� �������������������94 Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf>. Acesso em 24.06.2015. 95 GOMES, Orlando. Direito de Família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 324.
67 �
filho, de caráter afetivo, amoroso e duradouro, e a reputação ou fama na
qualidade de filho perante terceiros96.
É, portanto, uma situação fática que revela comportamento no sentido de ser pai
ou mãe daquele que biologicamente não é filho.
Entretanto, para que se reconheça a posse do estado de filho tem a doutrina
apresentado requisitos que devem estar presentes na relação, quais sejam: o tratamento de
filho, o uso do nome da família e a reputação de filho.
Ou seja, por tratar-se de fato social, o reconhecimento do vínculo exige que o
relacionamento aparente ser de filiação, de modo que alguém estranho à relação consiga
apontar a criança como sendo filho daqueles que se comportam como seus pais. Explica
Maria Berenice Dias:
Para o reconhecimento da posse do estado de filho, a doutrina atenta a três
aspectos: (a) tractatus – quando o filho é tratado como tal, criado, educado e
apresentado como filho pelo pai e pela mãe; (b) nominatio – usa o nome da
família e assim se apresenta; e (c) reputatio – é conhecido pela opinião
pública como pertencente à família de seus pais. Trata-se de conferir à
aparência os efeitos de verossimilhança que o direito considera satisfatória97.
Tais requisitos foram desenvolvidos pelos estudiosos do Direito com o objetivo de
distinguir situações de auxílio psicológico ou econômico daquelas que se caracterizam como
verdadeira filiação socioafetiva.
Isso porque somente será reconhecida a filiação decorrente do vínculo de
socioafetividade se, além de manifestações de afeto, houver vontade daquele que se comporta
como pai ou mãe de ser reconhecido como tal pelo menor e pela sociedade.
O ordenamento jurídico brasileiro ainda não se adaptou às novas realidades, de
modo que a posse do estado de filho ainda não encontra amparo legal. Porém, doutrina e
jurisprudência têm entendido pela necessidade de seu reconhecimento, vez que revela o ideal
de filiação calcada no afeto. Nesse sentido explica Rolf Madaleno:
���������������������������������������� �������������������96 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 78-79. 97 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 381.
68 �
Não obstante a codificação em vigor não reconheça a filiação socioafetiva,
inquestionavelmente a jurisprudência dos pretórios brasileiros vem paulatina
e reiteradamente prestigiando a prevalência da chamada posse do estado de
filho, representando em essência o substrato fático da verdadeira e única
filiação, sustentada no amor e no desejo de ser pai ou de ser mãe, em suma,
de estabelecer espontaneamente os vínculos da cristalina relação filial98.
Prestigia-se com isso o elo constituído entre pessoas com base afeto que, como se
sabe, é mais duradouro e verdadeiro do que aquele que decorre tão somente de laços de
consanguinidade.
3.1.2. Adoção à brasileira
Além da posse do estado de filho, a filiação socioafetiva também se caracteriza
quando presente a chamada adoção à brasileira. Trata-se de situação na qual o casal ou apenas
um dos cônjuges registra criança de outrem como se filha sua fosse e passa a cuidar dela
prestando-lhe todos os cuidados inerentes à condição de pai ou mãe.
Assim, ao invés de proceder à adoção legal, obedecendo a seus trâmites e
aguardando seus prazos, muitos acabam por efetuar o registro de criança em seu nome, como
se entre eles houvesse vínculo biológico. Explica Galdino Bordallo:
Muitas pessoas assim procedem por motivos os mais diversos, dos quais
podemos enumerar: não desejarem que o fato seja exposto em um processo,
achado que assim agindo a criança nunca saberá que foi adotada; receio que
a criança lhes seja tomada ao proporem a ação, considerando a existência do
cadastro que deve ser respeitado; medo de não lhes ser concedida a adoção.
Preferem assumir o risco e praticar ato que o ordenamento jurídico tipifica
como crime99.
Trata-se, entretanto, de situação que encontra tipificação no Código Penal, vez
que se subsume ao tipo previsto no artigo 242, que trata do crime de parto suposto. In verbis:
Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de
outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando
direito inerente ao estado civil. ���������������������������������������� �������������������98 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 487. 99 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 334.
69 �
Ou seja, na adoção à brasileira o surgimento do vínculo de filiação passa pela
prática de uma conduta criminosa, qual seja a de registrar como seu o filho de outrem,
conforme explica Jorge Fujita:
Adoção à brasileira é a que consiste no reconhecimento registral de
determinada pessoa como sendo filho de outros que não se traduzem como
seus pais biológicos, sem obedecer aos trâmites legais, caracterizando um
procedimento irregular, tipificador de crime de parto suposto, constante no
art. 242, do Código Penal100.
Ocorre que o vínculo que se desenvolve entre a criança que foi registrada como se
fosse filha legítima do pai, da mãe ou de ambos, não tem respaldo na veracidade do registro,
mas sim no relacionamento afetivo existente entre eles. É o que explica Maria Berenice Dias:
A chamada “adoção à brasileira” também constitui vínculo de filiação
socioafetiva. Ainda que registrar filho alheio como próprio configure delito
contra o estado de filiação (CP 242), nem por isso deixa de produzir efeitos,
não podendo gerar irresponsabilidades ou impunidades. Como foi o
envolvimento afetivo que gerou a posse do estado de filho, o rompimento da
convivência não apaga o vínculo de filiação que não pode ser
desconstituído101.
Mesmo em se tratando de situação fundada em comportamento ilegal, ela se
consolida e merece tutela jurídica em atenção ao melhor interesse da criança, o que se
justifica pelo fato de que o registro falso de nascimento gera para o infante a situação de posse
do estado de filho.
Ademais, em que pese a filiação decorrer da prática de crime, a interpretação que
o Superior Tribunal de Justiça tem feito é no sentido de prevalecer o melhor interesse da
criança. Assim, salvo nos casos em que haja maus-tratos ou risco à integridade física e
psicológica do menor, o ideal para ele é permanecer no seio de sua família. Vejamos:
HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR.
DETERMINAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. POSSÍVEL
PRÁTICA DE "ADOÇÃO À BRASILEIRA". CONVÍVIO COM A
���������������������������������������� �������������������100 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo: Atlas, 2011. p. 79. 101 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 382.
70 �
FAMÍLIA REGISTRAL. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. ORDEM
CONCEDIDA. 1. A despeito da possibilidade de ter ocorrido fraude no
registro de nascimento, não é do melhor interesse da criança o acolhimento
institucional ou familiar temporário, salvo diante de evidente risco à sua
integridade física ou psíquica, circunstância que não se faz presente no caso
dos autos. Precedentes. 2. Ordem concedida102.
Percebe-se, assim, que a modalidade de filiação que decorre da chamada adoção à
brasileira, a despeito de revelar a prática de um crime penalmente tipificado, não pode ser
tratada como se fosse somente mais um ilícito penal em nossa sociedade.
Mesmo existindo a previsão de um procedimento de adoção e não sendo legal o
ato de registrar como seu o filho de outra pessoa, uma vez realizado tal ato e concretizado o
vínculo de filiação, seria mais danoso para a família que se formou o rompimento dos laços
para a aplicação da sanção penal cabível do que a sua manutenção.
A “adoção à brasileira” gera vínculo de filiação igual ao que decorre da posse do
estado de filho e, portanto, a ela se equipara, constituindo, ambas, modalidades puras de
filiação originada na socioafetividade.
3.2. Efeitos jurídicos da filiação por socioafetividade
O vínculo estabelecido entre pais e filhos socioafetivos, além de estar
constitucionalmente protegido, tem implicâncias jurídicas, uma vez que equiparado ao
vínculo que surge em razão da adoção.
Assim, seja pela posse do estado de filho, seja pela adoção à brasileira, surgem
para aquele que desenvolveu laços de filiação para com o menor todos os direitos e deveres
inerentes à condição de pai ou mãe.
Ou seja, assim como aos pais biológicos, aos pais socioafetivos compete o
exercício do poder familiar conforme as diretrizes do artigo 1.634 do Código Civil, com
redação dada pela Lei nº 13.058 de 2014.
���������������������������������������� �������������������102 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC 291103 / SP HABEAS CORPUS 2014/0064809-9, Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Beneti, DJe 29/08/2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201400648099&dt_publicacao=29/08/2014>. Acesso em 12.04.2015.
71 �
Independentemente da origem do vínculo, ambos são pais e possuem os mesmos
direitos e deveres em relação aos seus filhos, sob o risco de implicar em uma desigualdade
entre filhos biológicos e afetivos. Objetiva-se, assim como nas relações de consanguinidade,
preservar o melhor interesse do menor e concretizar o pleno desenvolvimento de sua
dignidade no seio familiar.
Nesse sentido é a lição de Maria Berenice Dias:
O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva produz
todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes. O vínculo de
filiação socioafetiva, que se legitima no interesse do filho, gera o parentesco
socioafetivo para todos os fins de direito, nos limites da lei civil. Se menor,
com fundamento no princípio do melhor interesse da criança e do
adolescente; se maior, por força do princípio da dignidade da pessoa
humana, que não admite um parentesco restrito ou de “segunda classe”. O
princípio da solidariedade se aplica a ambos os casos103.
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já firmou posicionamento no sentido de
que à filiação socioafetiva se aplicam, por analogia, as regras impostas à filiação biológica.
Tendo em vista que ambas originam o mesmo vínculo entre pais e filhos, não há razão para
proceder a qualquer diferenciação entre elas. Vejamos:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA.
RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE
SOCIOAFETIVA. POSSIBILIDADE. DEMONSTRAÇÃO. 1. A
paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e
doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação
vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem
pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. 2. A norma
princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca
do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de
filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos
comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o
reconhecimento de vínculo de filiação socioafetivo, trânsito desimpedido de
sua pretensão. 3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma
���������������������������������������� �������������������103 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 383.
72 �
relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével,
a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo,
o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação
de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo
biológico. 4. Não demonstrada a chamada posse do estado de filho, torna-se
inviável a pretensão. 5. Recurso não provido104.
Percebe-se, portanto, que os pais socioafetivos devem ser equiparados aos
biológicos e adotivos em relação a todos os direitos e obrigações que são inerentes à condição
de pai e mãe. Igualmente, os filhos afetivos são dotados dos mesmos direitos e deveres que os
filhos biológicos e adotivos.
Tendo em vista que a filiação socioafetiva produz os mesmos efeitos que a
biológica, Christiano Cassettari conclui:
Que são efeitos do reconhecimento da parentalidade socioafetiva o direito
aos alimentos, a guarda e visita dos filhos menores, de participar da
sucessão, de modificar o nome e receber novos avós no registro civil, de
exercer o poder familiar, de receber benefícios previdenciários, de ser
inelegível, dentre outros105.
Ou seja, independentemente da origem do vínculo ser genética, legal ou social,
haverá sempre um vínculo de filiação. O pai será pai e o filho será filho, recebendo o mesmo
tratamento jurídico.
Assim, verifica-se que, em caso de separação dos pais, aquele que não ficar com a
guarda do filho socioafetivo terá com relação a ele direito de visitas e de tê-lo em sua
companhia, bem como de fiscalização de sua manutenção e educação, conforme estabelece o
artigo 1.589 do Código Civil.
Também, aplica-se à filiação socioafetiva, assim como à consanguínea e à
adotiva, o comando trazido pelo artigo 229 da Constituição Federal, in verbis:
���������������������������������������� �������������������104 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1189663/RS Recurso Especial 2010/0067046-9, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 15/09/2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201000670469&dt_publicacao=15/09/2011>. Acesso em 06.04.2015. 105 CASSETTARI, Christiano. Efeitos jurídicos da parentalidade socioafetiva. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2013. p. 225.
73 �
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e
os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade.
Igualmente, a filiação socioafetiva também produz efeitos no que tange aos
direitos sucessórios. Não podendo ser feita qualquer distinção entre filhos biológicos, adotivos
e socioafetivos, mister se faz concluir que estes também são sucessores legítimos dos pais.
Assim, na ordem de vocação hereditária os filhos socioafetivos enquadram-se dentre os
descendentes.
Percebe-se, portanto, que o reconhecimento da modalidade socioafetiva de
filiação tem como objetivo sua equiparação à biológica para todos os fins de direito.
Assim, aquele que de livre e espontânea vontade opta por tratar como seu o filho
de outra pessoa, ou por registrar seu nascimento procedendo à adoção à brasileira, estará
dando início à mesma série de direitos e deveres que surgem quando duas pessoas concebem
um filho.
4. Caráter irrevogável da filiação socioafetiva e da adoção e o direito à investigação
da identidade genética
Conforme já restou demonstrado, a filiação originada na adoção decorre da
manifestação da vontade do adotante em tornar-se pai ou mãe do menor, perpassando pelo
procedimento legal necessário. Por sua vez, o surgimento da filiação baseada na
socioafetividade decorre de um ato volitivo do pai, da mãe ou de ambos com relação ao
menor que será acolhido como se filho fosse e passará a receber de seus pais socioafetivos
todos os cuidados inerentes à função de pai ou mãe.
A irrevogabilidade da adoção decorre da previsão legal contida no parágrafo 1º do
artigo 39 do Estatuto da Criança e do Adolescente106. Assim, uma vez perfeita a adoção, o
adotado será filho do adotante, tendo todos os direitos e deveres que teria caso a filiação
tivesse origem biológica, não podendo referido vínculo ser desfeito.
Nessa toada é a lição de Maria Helena Diniz:
���������������������������������������� �������������������106 Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei. § 1o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. § 2o É vedada a adoção por procuração (Grifo nosso).
74 �
A adoção é, portanto, um vínculo de parentesco civil, em linha reta,
estabelecendo entre adotante, ou adotantes, e o adotado, um liame leal de
paternidade e filiação civil. Tal posição de filho será definitiva ou
irrevogável, para todos os efeitos legais, uma vez que desliga o adotado de
qualquer vínculo com os pais de sangue, salvo os impedimentos para o
casamento (CF, art. 227, §§ 5º e 6º), criando verdadeiros laços de parentesco
entre o adotado e a família do adotante107.
No que tange à filiação originada na socioafetividade, justamente por decorrer da
vontade livre e consciente de exercer com relação ao infante situação que gere a posse do
estado de filho, tem-se entendido, corretamente, pela impossibilidade de sua revogação. Nesse
sentido destaca-se trecho retirado de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:
O termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob
autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do
direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral –
portanto, jurídica –, conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do
reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da
filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609
e 1.610 do Código Civil108.
Percebe-se, pois, que a constituição de filiação socioafetiva tem sido equiparada
ao livre reconhecimento de filhos, sendo, portanto, irrevogável.
Isso porque aquele que passa a tratar como seu filho de outrem sabe que o infante
é filho de outra pessoa, mas, em que pese tal conhecimento, nutre por ele sentimento de afeto
tamanho que acaba por comportar-se como pai ou mãe, estabelecendo verdadeira relação de
filiação.
Tem-se, portanto, que, uma vez configurada a relação de filiação, seja pela
adoção, seja pela socioafetividade, as mudanças nas circunstâncias fáticas atinentes à vida do
���������������������������������������� �������������������107 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 572. 108 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 709608 / MS Recurso Especial 2004/0174616-7, Rel. Min. João Otavio de Noronha. Quarta Turma. DJe 23/11/2009. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200401746167&dt_publicacao=23/11/2009>. Acesso em 17.04.2015.
75 �
pai/mãe ou do filho não podem importar em uma mudança no caráter de filiação entre eles
existente.
Explica-se. A filiação socioafetiva é reconhecida pela doutrina e pela
jurisprudência em prestígio a uma série de princípios que informam o Direito de Família,
especialmente a dignidade da pessoa humana, a afetividade, a igualdade entre filhos e o
melhor interesse do menor. Exatamente por isso, uma vez estabelecida, não pode ser tal
filiação passível de desaparecer conforme as nuances da vida.
Leciona Roberto Paulino de Albuquerque Júnior:
Constitui-se, pois, para todos os efeitos, uma relação plena de filiação, a
qual, para adequada proteção da pessoa pelo ordenamento, não pode se
sujeitar a incertezas ou a instabilidades emocionais dos sujeitos
envolvidos109.
Nesse sentido, inclusive, é o Enunciado 339 da IV Jornada de Direito Civil: “A
paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do
melhor interesse do filho”110.
O mesmo ocorre com a adoção, que, ademais, encontra previsão legal no Estatuto
da Criança e do Adolescente como meio de formação de vínculo de parentesco civil.
É possível e, inclusive, muito comum, que o casal que optou por adotar ou por
exercer a parentalidade em razão de afeto pelo menor, não tenha uma união perpétua e venha
a se separar. Nesse caso, não se admite que aquele que adotou ou passou a tratar o filho do
outro como seu, configurando a posse do estado de filho, decida revogar tal situação.
Também não se admite o arrependimento ao perceber que, em razão do vínculo de
filiação, o menor será sujeito de direitos sucessórios em relação aos pais (adotivos ou
socioafetivos).
���������������������������������������� �������������������109 JÚNIOR, Roberto Paulino de Albuquerque. A filiação socioafetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior. In: Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 8, n. 39, Dez./Jan., 2007. p. 72. 110 Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf>. Acesso em 24.06.2015.
76 �
Assim como a relação de filiação decorrente do vínculo biológico não sofre
alterações em razão das mudanças na vida de pais e filhos, o mesmo se dá com a filiação
socioafetiva e com a adoção. Caso contrário não haveria sentido em equipará-las.
Ocorre, entretanto, que os filhos adotivos e socioafetivos, se quiserem, têm direito
a buscar saber sua origem genética.
No que tange aos adotivos, referido direito encontra previsão no artigo 48, caput,
do Estatuto da Criança e do Adolescente. In verbis:
Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como
de obter acesso irrestrito ao processo no qual a meida foi aplicada e seus
eventuais incidentes, após completar 18 anos.
Para os filhos socioafetivos, por sua vez, o mesmo direito vem sendo reconhecido
pela jurisprudência, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. ARTIGOS
ANALISADOS: ARTS. 326 DO CPC E ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVIL.
1. Ação de investigação de paternidade ajuizada em 25.04.2002. Recurso
especial concluso ao Gabinete em 16/03/2012. 2. Discussão relativa à
possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o
reconhecimento da paternidade biológica. 3. Inexiste ofensa ao art. 535 do
CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa
sobre a questão posta nos autos. 4. A maternidade/paternidade socioafetiva
tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto,
marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais
criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e
cuidados inerentes à relação pai-filho. 5. A prevalência da
paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal
fundamento interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos
filhos face às pretensões negatórias de paternidade, quando é inequívoco (i)
o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no
registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado,
assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos. 6. Se
77 �
é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com
outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma
verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável
que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de
impedir sua pretensão. 7. O reconhecimento do estado de filiação constitui
direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser
exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus
herdeiros. 8. Ainda que haja a consequência patrimonial advinda do
reconhecimento do vínculo jurídico de parentesco, ela não pode ser invocada
como argumento para negar o direito do recorrido à sua ancestralidade.
Afinal, todo o embasamento relativo à possibilidade de investigação da
paternidade, na hipótese, está no valor supremo da dignidade da pessoa
humana e no direito do recorrido à sua identidade genética. 9. Recurso
especial desprovido111.
O direito ao reconhecimento da identidade encontra respaldo constitucional, vez
que se enquadra dentro dos direitos reconhecidos à vida, à informação e à privacidade.
Ou seja, deve-se permitir que, aquele que cresceu vinculado ao seu pai ou mãe em
razão da adoção ou da socioafetividade, possa perquirir quem é seu ascendente biológico tão
somente com vistas a saber sua origem, sua história e, com isso, encontrar sua identidade.
Conforme leciona Paulo Lôbo, “o objeto da tutela do direito ao conhecimento da
origem genética é assegurar o direito da personalidade”112, razão pela qual não se confunde
com a ação de investigação de paternidade.
Não se faz necessário desconstituir o vínculo de filiação existente para reconhecer
a ascendência genética, vez que esta será buscada tão somente como feixe do exercício do
direito de conhecimento da identidade pessoal. Explica Guilherme Calmon Nogueira da
Gama:
Em outros termos: o direito à identidade pessoal deve abranger a
historicidade pessoal e, aí inserida a vertente biológica da identidade, sem
que seja reconhecido qualquer vínculo parental entre as duas pessoas que,
���������������������������������������� �������������������111 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1401719/MG Recurso Especial 2012/0022035-1, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 15/10/2013. 112 LÔBO, Paulo. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 524.
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biologicamente, são genitor e gerado, mas que juridicamente não tiveram
qualquer vínculo de parentesco113.
Ao contrário do que se dá na ação de investigação de paternidade ou de
maternidade, em que o objetivo é reconhecer o vínculo de filiação biológica e, com isso, fazer
jus ao conjunto de direitos pessoais e patrimoniais que dele decorrem, na investigação da
origem biológica o objetivo é tão somente conhecer sua identidade genética, sem a criação de
qualquer vínculo com o ascendente. Explicam Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald:
[...] através da investigação de origem genética, uma pessoa que já titulariza
uma relação paterno-filial (ou seja, já tem genitor), estabelecida a partir de
hipóteses não biológicas (por exemplo, através de adoção ou de filiação
socioafetiva), pretende obter o reconhecimento de sua origem ancestral, em
relação ao seu genitor biológico. Aqui, não se persegue a formação de uma
relação filiatória (não se quer alterar a relação paterno-filial). O autor da
ação não pretende requerer alimentos ou a herança do réu, seu ancestral.
Apenas pretende ver declarada sua ascendência genética. Aqui, funda-se o
pedido no exercício de um direito da personalidade (totalmente desatrelado
de uma relação de família) e a pretensão é, por igual, imprescritível, e o
direito em disputa, inalienável114.
Conhecer a verdadeira origem biológica, para algumas pessoas, pode ser tão
importante ao ponto que, suprimir tal possibilidade, implicaria em uma violação à sua
dignidade. Ainda, tal conhecimento se faz importante quando se objetiva evitar a eventual
ocorrência de impedimentos matrimoniais ou de doenças genéticas que, conhecidas, podem
ser tratadas de maneira mais eficaz e adequada.
Ademais, se o direito à investigação da origem genética é admitido expressamente
em lei com relação aos filhos adotados, não há porque negá-lo àqueles cuja filiação decorre da
socioafetividade.
���������������������������������������� �������������������113 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 907. 114 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. Bahia: Juspodivm, 2013. p. 717.
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Trata-se de direito da personalidade inerente à condição de filho adotado ou
socioafetivo.
Assim, para estabelecer um equilíbrio entre a importância do vínculo de filiação
calcado na adoção ou na socioafetividade, que, inclusive, é irrevogável, e o direito de
conhecimento da origem genética, deve-se admitir tal descoberta sem implicar o surgimento
de qualquer laço de parentesco.
Isso porque, caso a vontade seja desconstituir a filiação socioafetiva para
substituí-la pela biológica, bastará ao interessado ajuizar ação judicial formulando tal
pretensão.
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CAPÍTULO IV – A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS
Para se perquirir se é possível, ou não, reconhecer legalmente a coexistência do
vínculo de filiação com origem na socioafetividade ou na adoção com a busca de auxílio
material frente ao ascendente genético, mister se faz analisar os fundamentos da obrigação de
prestar alimentos.
Ao estudar os elementos que embasam a obrigação dos pais de prestar alimentos a
seus filhos, será possível verificar se o auxílio material somente pode ser pleiteado frente aos
pais (sejam eles biológicos, adotivos ou socioafetivos) ou se, diante de situações em que se
verifique a entrega ou o abandono dos descendentes biológicos, poderá o ascendente genético
ser chamado a prestar pensão alimentícia àquele que, em que pese ter sido por ele gerado, é
filho de outra pessoa.
Explica-se. Busca-se, a partir da compreensão sobre o tema da obrigação
alimentar, verificar se os alimentos, havendo necessidade do filho e impossibilidade dos pais
(cujo vínculo se originou na adoção ou na socioafetividade), poderão ser pleiteados do
genitor, ou seja, daquele que forneceu material genético para a existência do infante, mas que
em relação a ele não possui qualquer vínculo de filiação.
1. A obrigação alimentar
O Código Civil de 2002 estabelece em seus artigos 1.694 e 1.695 a existência de
obrigação alimentar entre parentes quando um deles não tem condições de prover o próprio
sustento e o outro tem condição de fornecê-los.
A existência de tal obrigação no âmbito das relações familiares está diretamente
relacionada aos princípios da solidariedade e da dignidade humana, uma vez que se impõe
àquele que tem condições o auxílio no sustento e no atendimento das necessidades daquele
que não pode fazê-lo sozinho, garantindo a este uma existência digna. Nessa linha de
pensamento explicam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
[...] a fixação dos alimentos deve obediência a uma perspectiva solidária
(CF, art. 3º), norteada pela cooperação, pela isonomia e pela justiça social –
81 �
como modos de consubstanciar a imprescindível dignidade humana (CF, art.
1º, III)115.
Tendo em conta referida obrigação, por alimentos deve-se entender o conjunto de
coisas que se fazem necessárias para atender às necessidades vitais de um indivíduo. Ou seja,
a colaboração visa auxiliar o sustento, a aquisição de bens materiais, como vestuário, o
pagamento de custos com educação, dentre outras necessidades116.
Nessa toada, explica Yussef Said Cahali que a expressão alimentos denota as
prestações pagas pelo seu devedor com o intuito de satisfazer as necessidades do credor.
Vejamos:
Alimentos são, pois, as prestações devidas, feitas para que aquele que as
recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida,
tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação
do espírito, do ser racional)117.
Na mesma linha de raciocínio explicam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald que
as prestações devidas objetivam a manutenção de uma vida de acordo com padrões de
dignidade da pessoa humana:
[...] em concepção jurídica alimentos podem ser conceituados como tudo o
que se afigurar necessário para a manutenção de uma pessoa humana,
compreendidos os mais diferentes valores necessários para uma vida
digna118.
Tais alimentos podem ser naturais (necessários) ou civis (côngruos). Serão
naturais quando se limitarem àquilo que for estritamente necessário para a subsistência de
quem os recebe; e civis, quando incluírem, além do essencial para a subsistência, o auxílio a
outras necessidades do alimentando. Nesse sentido diferencia Yussef Said Cahali:
���������������������������������������� �������������������115 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 782. 116 Confira-se a lição de Francesco Galgano: “Il diritto agli alimenti è limitato al necessário per la vita, avuto riguardo ala posizione sociale della persona: si riferisce, perciò, alle necessità del vitto, dell’abitazione, del vestiário, dele cure sanitarie (ma, se si trata di minori, si riferisce anche alle spese per l’educazione e per l’instruzione)”. GALGANO, Francesco. Diritto privato. Padova: CEDAM, 1996. p. 773. 117 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 16. 118 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 784.
82 �
Quando se pretende identificar como alimentos aquilo que é estritamente
necessário para a mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão
somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites assim do
necessarium vitae, diz-se que são alimentos naturais; todavia, se abrangentes
de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do
beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados
segundo a qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada, diz-se
que são alimentos civis119.
Percebe-se, então, que a obrigação alimentar entre parentes pode ter tanto o viés
de garantir o mínimo para a vida do alimentando, como o de colaborar com a satisfação de
todas as suas necessidades além da mera subsistência, o que será feito levando em conta as
peculiaridades do alimentando.
Ainda, a despeito da previsão legal acerca da existência dessa obrigação alimentar
entre parentes, a mesma só surge e só pode ser exigida quando aquele que pleiteia os
alimentos não tem condições de arcar, por si próprio, com os custos de sua manutenção. Ou
seja, quando não consegue, com o fruto dos seus esforços, prover o próprio sustento120.
Ademais, não basta que exista alguém em condições de hipossuficiência
econômica para garantir sua própria manutenção; exige-se, outrossim, que aquele de quem se
pleiteia o auxílio alimentar tenha efetiva condição de fazê-lo sem colocar em prejuízo o
atendimento de suas necessidades individuais e daqueles que dele dependem. Explica Yussef
Said Cahali:
A teor do art. 1.695 do CC/2002, para que exista obrigação alimentar é
necessário que a pessoa de quem se reclamam os alimentos possa fornecê-los
sem privação do necessário ao seu sustento; se o devedor, assim, não dispõe
senão do indispensável à própria mantença, mostra-se injusto obrigá-lo a
privações acrescidas tão só para socorrer ao necessitado121.
���������������������������������������� �������������������119 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 1.538. 120 Nesse sentido confira-se o ensinamento de Pontes de Miranda: “Todo indivíduo deve alimentar-se por si mesmo, com o produto do seu trabalho e rendimento; e somente recai em seus pais, ou parentes, a obrigação de prestar os alimentos legítimos, quando o alimentando não tem bens, nem pode prover, por seu trabalho, à própria mantença, isto é, não pode adquirir para sí víveres (cibaria), roupa (vestitus), casa (habitatio), ou não pode fazer despesas com remédios e médicos (valetudinis impendia)”. MIRANDA, Pontes de. Direito de família. Direito parental. Direito protectivo. Atualizado por Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 294. 121 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 500.
83 �
Percebe-se que, sendo os alimentos tudo aquilo que se faz necessário para a
manutenção da pessoa com vistas a lhe assegurar uma vida digna, só se permite obrigar a
prestá-los aquela pessoa que, ao fazê-lo, não estará colocando em risco a própria subsistência
e, consequentemente, sua dignidade.
A fixação do quantum devido a título de prestação alimentar passa, portanto, pelo
binômio necessidade-possibilidade, mas também deve observar o critério da
proporcionalidade, vez que a mera existência do binômio não é suficiente para estabelecer
exatamente quanto é necessário para garantir as necessidades do alimentando, tendo em vista
que devem ser levadas em conta todas as circunstâncias de sua vida e da do devedor
alimentar.
Objetiva-se que, em razão da solidariedade que se impõe no âmbito das relações
familiares, funcionem os parentes não somente como suporte afetivo, mas também como
ajudantes no que tange aos recursos materiais que se fazem necessários para a manutenção de
cada indivíduo. Explica Yussef Said Cahali:
[...] surgida originariamente como um dever ético, a obrigação de assistência
e socorro resultante do vínculo familiar aparece, no direito romano, como
expressão da aequitas, da caritas sanguinis (Dig. XXV, Lib. III, fr. 5. § 2),
da pietas ratio, da ratione naturali; ou como officium pietatis, mais
propriamente como uma obrigação jurídica a traduzir o fundamento moral
do instituto, calcado na solidariedade que nasce da comunhão de sangue, de
nome, de afetos122.
O fundamento da obrigação de prestar alimentos, portanto, decorre do dever de
mútuo auxílio entre os membros da família, calcado na solidariedade imposta aos membros
dessa micro sociedade, conforme explica Arnaldo Rizzardo:
Funda-se o dever de prestar alimentos na solidariedade humana e econômica
que deve imperar entre os membros da família ou os parentes. Há um dever
legal de mútuo auxílio familiar, transformado em norma, ou mandamento
jurídico123.
���������������������������������������� �������������������122 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 31. 123 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 655.
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O dever de prestar alimentos, percebe-se, tem como finalidade evitar que
membros de uma mesma família vivam em situação de tamanha desigualdade econômica que
um indivíduo não consiga prover o mínimo vital para si próprio ao passo que o outro o faça
em situação de abundância.
Assim, existindo situação em que um dos membros da família não tem condições
de garantir sua própria subsistência ao passo que a outro lhe sobram recursos, terá ele o dever
de prestar auxílio na medida de suas possibilidades e das necessidades do outro.
Referido auxílio, destaca-se, deveria decorrer de um ato voluntário, vez que se
trata de membros de uma mesma família. Porém, na maioria das vezes, a prestação material
somente é conseguida após ser imposta judicialmente.
Tendo em vista as razões que impõem a prestação de alimentos no âmbito das
relações familiares, apresentam eles uma série de características que lhe são próprias e
inerentes à qualidade de auxílio destinado à manutenção da vida humana.
O direito à prestação de alimentos é pessoal e intransferível, uma vez que objetiva
garantir tão somente as necessidades do alimentando, não sendo possível sua cessão ou
transferência a terceiros.
Referido direito também apresenta a característica de ser irrenunciável e
imprescritível. Isto é, mesmo se não exercido, pois ausente a sua necessidade, será possível
pleitear alimentos caso sobrevenha mudança na situação econômica que os faça
imprescindíveis à manutenção da vida do seu beneficiário.
Ainda, apesar de serem, na maioria das vezes, representados por uma quantia em
pecúnia, os alimentos não podem ser restituídos àquele que o pagou, ou seja, são irrepetíveis.
Assim, uma vez pagos os alimentos, não será cabível qualquer alegação no sentido de reaver a
quantia já entregue, vez que ela foi destinada à subsistência de quem a recebeu.
Nessa mesma toada, os alimentos também não podem ser compensados com outra
obrigação. Isso se dá justamente pelo objetivo para o qual são prestados: a manutenção da
vida do alimentando. Assim, mesmo que o beneficiário contraia dívida de outra natureza com
o devedor, não poderá este negar a prestação devida sob o argumento de que está procedendo
a uma compensação entre supostos crédito e débito.
85 �
Também em razão do fundamento da prestação alimentar, não pode ser ela
penhorada nem objeto de transação, vez que isso prejudicaria a mantença do seu beneficiário
em condições dignas que satisfaçam suas necessidades.
A sua prestação, inclusive, é periódica e variável. Ou seja, quem deve alimentos
tem uma obrigação contínua, estabelecida de acordo com critérios de razoabilidade, sendo,
normalmente mensal. E o seu valor pode variar conforme as condições econômicas do
devedor e do credor no momento do pagamento.
Percebe-se, portanto, que a existência da obrigação de prestar alimentos entre os
membros da família visa à manutenção adequada e ao atendimento das necessidades de cada
um, podendo ser exigida em maior ou menor quantidade a depender das peculiaridades de
cada caso. Ainda, tendo em vista que o objetivo é assegurar a sobrevivência digna da pessoa,
recai sobre os alimentos uma série de limitações visando evitar que eles se tornem objeto de
negociações e deixem de atender a sua finalidade precípua, qual seja, a garantia da dignidade
de cada membro da família.
2. Alimentos em relação aos filhos menores
No que tange aos filhos menores, o ordenamento pátrio impõe aos pais, dentre
outras incumbências, o dever de zelar pelo seu sustento. Isso porque, a criança e o
adolescente, por serem pessoas em peculiar condição de desenvolvimento, não estão prontos
para trabalhar e gerar recursos para sua manutenção, sendo esta responsabilidade dos seus
pais.
Nesse sentido, Yussef Said Cahali explica que a obrigação de prestar alimentos
decorre da carência ínsita à criança e ao adolescente, que não tem condições de prover a sua
própria subsistência, senão vejamos:
Desde o momento da concepção, o ser humano – por sua estrutura e natureza
– é um ser carente por excelência; ainda no colo materno, ou já fora dele, a
sua incapacidade ingênita de produzir os meios necessários à sua
manutenção faz com que se lhe reconheça, por um princípio natural jamais
questionado, o superior direito de ser nutrido pelos responsáveis por sua
geração. Subsiste essa responsabilidade – também em termos incontroversos
86 �
– durante todo o período de desenvolvimento físico e mental do ser
gerado124.
O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente impõe à família e à sociedade
o dever de “[...] assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”125 à criança e ao
adolescente.
A efetivação desses direitos, por óbvio, passa pelo dever de sustento e de
prestação de todo o auxílio material necessário – e possível – ao desenvolvimento da criança e
do adolescente de acordo com os parâmetros de uma vida digna.
Referida obrigação, portanto, não se destina a garantir aos filhos menores somente
o necessário para sua subsistência, mas sim tudo aquilo que for preciso para “[...] lhes facultar
o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade”126.
Exatamente por isso é dever do pai e da mãe, em conjunto ou separadamente, a
prestação de auxílio alimentar aos filhos menores, conforme leciona Yussef Said Cahali:
Incumbe aos genitores – a cada qual e a ambos conjuntamente – sustentar os
filhos, provendo-lhes a subsistência material e moral, fornecendo-lhes
alimentação, vestuário, abrigo, medicamentos, educação, enfim, tudo aquilo
que se faça necessário à sua manutenção e sobrevivência127.
O dever de prover o sustento dos filhos menores, inclusive, subsiste mesmo diante
da existência de recursos por parte do infante, tendo em vista que se trata de obrigação mais
ampla do que aquela existente entre parentes: é uma consequência do vínculo de filiação.
Nesse sentido é a lição de Yussef Said Cahali:
���������������������������������������� �������������������124 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 29. 125 Artigo 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. 126 Estatuto da Criança e do Adolescente, Artigo 3º. 127 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 329.
87 �
Quanto aos filhos, sendo menores e submetidos ao poder familiar, não há um
direito autônomo de alimentos, mas sim uma obrigação genérica e mais
ampla de assistência paterna, representada pelo dever de criar e sustentar a
prole. O titular do poder familiar, ainda que não tenha o usufruto dos bens do
filho, é obrigado a sustentá-lo, mesmo sem auxílio das rendas do menor e
ainda que tais rendas suportem os encargos da alimentação: a obrigação
subsiste enquanto menores os filhos, independentemente do estado de
necessidade deles, como na hipótese, perfeitamente possível, de disporem
eles de bens (por herança ou doação)128.
Na mesma linha explicam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que a
obrigação alimentar dos pais em relação aos seus filhos menores independe da existência de
recursos da criança ou adolescente, senão vejamos:
O exercício do poder familiar impõe aos genitores (valendo aqui lembrar que
na pós-modernidade estão desatrelados os conceitos de pai e genitor) a
manutenção integral de sua prole, estruturando-se, assim, uma obrigação
alimentícia independentemente dos recursos do filho menor. Assim sendo,
mesmo que o menor possua rendimentos e patrimônio (fruto, e.g., do
recebimento de heranças ou doações), os pais continuam obrigados a
contribuir com os alimentos, permanecendo intacto o seu patrimônio (que
deverá ser resguardado para o seu próprio futuro), exceto se os genitores não
tiverem condições de prestar o pensionamento129.
Percebe-se que, ao decidir ter um filho, o indivíduo opta por adquirir em relação
ao menor que virá a nascer, uma série de direitos e deveres inerentes à condição de pai ou
mãe. Não podem os pais decidir que terão filhos, mas que não serão responsáveis pelo auxílio
material que eles necessitarem, pois trata-se de imperativo legal consequente do vínculo
paterno-materno-filial.
Dentre tais deveres está o de sustento dos filhos enquanto menores e incapazes de
provê-lo por si sós, pois, as crianças e os adolescentes, não devem trabalhar, mas brincar e
estudar para assim se desenvolver e tornar adultos, momento no qual passarão a ter a
obrigação de promover os recursos necessários para a própria subsistência.
���������������������������������������� �������������������128 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 331. 129 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 825.
88 �
Trata-se, como já foi dito, de obrigação derivada da solidariedade que deve existir
entre os membros da família, especialmente entre pais e filhos, conforme destaca Yussef Said
Cahali:
A obrigação de prestar alimentos fundada no jus sanguinis repousa sobre o
vínculo de solidariedade humana que une os membros do agrupamento
familiar e sobre a comunidade de interesses, impondo aos que pertencem ao
mesmo grupo o dever recíproco de socorro130.
Assim, enquanto tiver o filho sob sua guarda e convívio, o pai e/ou a mãe terá a
obrigação de garantir todos os recursos necessários para atender às suas necessidades.
E, havendo eventual rompimento do vínculo conjugal, ou mudança da guarda para
o outro genitor, aquele que não tiver o filho sob sua guarda direta, deverá continuar prestando-
lhe auxílio material, sob a forma de pensão alimentícia, com vistas a garantir o padrão de vida
antes existente e o atendimento de todas as necessidades dele.
3. Alimentos na adoção
Na vigência do Código Civil de 1916 a adoção não extinguia os direitos e deveres
decorrentes do parentesco natural, sendo transferido para os pais adotivos somente o poder
familiar em relação ao adotado. Assim, havendo necessidade somada à impossibilidade dos
pais adotivos, podia o infante buscar alimentos em face dos seus pais biológicos. Sobre o tema
explica Arnaldo Rizzardo:
Ora, como filho adotivo, não perdeu o autor o direito a alimentos e socorro,
quando necessário e impossível de obtenção junto ao pai adotivo. Porém, no
conflito entre os dois pais, sua obediência será para o adotivo, visto que ele
detém o pátrio poder, por exemplo. Assim, ao ceder o pátrio-poder, sobre o
filho, entregando-o aos pais adotivos, por adoção simples, não se livrou o pai
legítimo dele, como de uma carga incômoda, visto que jungidos, ambos, pelo
vínculo comum da natureza131.
Atualmente, entretanto, conforme estabelece o artigo 41 do Estatuto da Criança e
do Adolescente e, em consonância com a previsão constitucional, os adotados equiparam-se
���������������������������������������� �������������������130 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 450. 131 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 479.
89 �
aos filhos biológicos, possuindo os mesmos direitos e deveres, sendo vedada qualquer
diferenciação entre eles.
Assim, não havendo qualquer possibilidade de diferenciação entre filhos
biológicos e adotados, o dever de prestar alimentos a eles é conclusão lógica que se impõe.
Nesse sentido explica Yussef Said Cahali:
A obrigação do adotante de prestar alimentos ao adotado revela-se
induvidosa: com a transferência do poder familiar, compete-lhe o dever de
sustento do filho, e não ao pai de sangue, que no direito anterior era tido
apenas como subsidiariamente responsável”132.
Trata-se de obrigação equiparada à que decorre do vínculo de consanguinidade,
justamente em razão do fato de a adoção atribuir a condição de filho ao adotado.
Por essa razão, assim como aos pais adotivos incumbe o dever de sustento do
filho adotado enquanto ele for incapaz, no caso de separação ou divórcio, a esse filho será
devida a prestação de alimentos.
Destaca-se, ainda, que caso um dos cônjuges adote o filho do outro, tal situação
será irrevogável, não havendo que se falar em fim da obrigação de auxílio material no caso de
dissolução da sociedade conjugal, conforme ressalta Yussef Said Cahali:
Integrando-se o adotivo na condição de filho, se o marido adotou filho da
mulher com quem se casou, a separação posterior do casal não faz cessar
para ele a obrigação alimentícia devida ao adotado133.
Não há dúvidas, portanto, de que a obrigação alimentar recíproca entre pais e
filhos não se limita somente àqueles ligados pelo vínculo biológico, mas se estende aos
adotivos, vez que equiparados ao primeiro. Explica Rolf Madaleno:
Esse direito alimentar toma feição de dever de alimentos dos pais adotantes
para com os filhos adotivos, enquanto presente o poder familiar, e se
transmuda em obrigação de alimentos quando os filhos, mesmo adotivos,
���������������������������������������� �������������������132 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 482. 133 Idem. p. 484.
90 �
atingem a maioridade cronológica e sua capacidade civil, e dessa forma
ficam fora do poder familiar134.
Nota-se que, sendo a adoção somente uma modalidade de formação do vínculo de
filiação, a ela são aplicáveis todas as regras relativas à prestação de alimentos que incidem
sobre as relações formadas por consanguinidade.
É essa a previsão contida no artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente. In
verbis:
Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos
direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo
com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
Percebe-se que no ordenamento jurídico atual a previsão legal é no sentido de que,
havendo necessidade de alimentos, eles deverão ser buscados frente aos pais adotivos, tendo
em vista que a adoção rompe o poder familiar e as obrigações dos ascendentes genéticos.
4. Alimentos na filiação com origem socioafetiva
Já foi esclarecido no presente trabalho que o vínculo de filiação decorrente da
socioafetividade equipara-se ao biológico para todos os fins de direito. Assim, pais e filhos
socioafetivos possuem uns em relação aos outros os mesmos direitos e deveres existentes
entre aqueles ligados pela consanguinidade ou pela adoção.
Em razão disso, também o direito a alimentos é devido entre pais e filhos
socioafetivos, não havendo porque se entender de maneira diversa. Nesse sentido se
posicionam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
Como não poderia ser diferente, a filiação socioafetiva impõe, dentre os seus
inúmeros efeitos, a possibilidade, por igual, de geração de obrigação
alimentar entre os parentes socioafetivos135.
Na jurisprudência pátria, inclusive, já é possível encontrar entendimento nessa
linha, senão vejamos:
���������������������������������������� �������������������134 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 672. 135 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 838.
91 �
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.
PEDIDO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO E DE EXONERAÇÃO DA
VERBA ALIMENTAR. AUSÊNCIA DE PROVA DO ALEGADO VÍCIO
DE CONSENTIMENTO. PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA CONFIGURADA. PRECEDENTES. 1) Inexistindo
demonstração do vício de consentimento quando do reconhecimento da
paternidade por meio de registro do nascimento da menina, não há falar em
anulação, tampouco retificação registral. 2) Caso concreto em que a
instrução processual cabalmente demonstrou que o autor estabeleceu com a
infante paternidade socioafetiva, acordando, em sede judicial, a
regulamentação de visitas e alimentos. 3) Evidenciado o vínculo afetivo
formado durante a criação da menor, deve o demandante arcar com
todos os deveres oriundos da paternidade, no que se inclui o de prestar
alimentos. Apelação desprovida, por maioria136.
Direito de família. Investigação de paternidade c/c alimentos. Autor adotado,
em tenra idade, pela representante legal dele na demanda, a qual manteve
longa união estável com o requerido. Laços afetivos paterno-filial
consolidados durante mais de 13 (treze) anos. Existência de acordo
extrajudicial fixando a obrigação de pagamento
de alimentos. Paternidade socioafetiva reconhecida. Alimentos devidos.
Recurso desprovido137.
Percebe-se que, uma vez concretizada a relação calcada na socioafetividade,
aquele que assume a condição de pai ou mãe socioafetivo e passa a arcar com os custos do
sustento do filho, se coloca em posição de igualdade em relação ao pai ou mãe biológicos no
que tange aos direitos e deveres para com a criança ou adolescente.
Assim, tendo em vista a necessidade de auxílio por parte dos menores para o seu
sustento, os pais afetivos têm o dever de prestar tudo o quanto for necessário e possível,
garantindo um desenvolvimento adequado e digno para aqueles que decidiram criar como se
filhos biológicos fossem138.
���������������������������������������� �������������������136 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70042363432. Oitava Câmara Cível. Relator Ricardo Moreira Lins Pastl. Julgado em 09/06/2011. 137 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação nº 2010.039965-4. Quarta Câmara de Direito Civil. Relator Eládio Torret Rocha. Julgado em 30.09.2010.138 Confira-se a lição de Christiano Cassettari: “[...] verifica-se que o dever de prestar alimentos, havendo o binômio necessidade e possibilidade, é recíproco entre pais e filhos socioafetivos, da mesma forma como ocorre
92 �
Exatamente por isso, não se veda que busquem os filhos socioafetivos alimentos
naqueles que são seus pais em razão do afeto e não da consanguinidade. Nesse sentido leciona
Maria Berenice Dias:
[...] Não basta procurar a lei que preveja a obrigação alimentar e nem
condicionar a imposição do encargo à presença de uma situação que retrate
paradigmas pré- estabelecidos. Ao magistrado cabe identificar a presença de
um vínculo de afetividade. Dispensável, a certidão de casamento ou o
registro de nascimento. A formalização dos relacionamentos é desnecessária
para o estabelecimento dos vínculos afetivos e, via de consequência, para o
reconhecimento de direitos e imposição de obrigações recíprocas139.
Ainda, tendo em vista o tratamento atualmente dispensado ao vínculo de
socioafetividade, que tem sido equiparado ao biológico em razão da importância que assume
para os envolvidos, o dever alimentar não se restringe aos filhos menores, sendo recíproco
entre pais e filhos socioafetivos em qualquer fase da vida, desde que se façam necessários.
Esse entendimento, apesar de não encontrar respaldo na legislação
infraconstitucional, está de acordo com os ditames da Constituição Federal. Isso porque, além
da afetividade, também são princípios que regem as relações familiares a dignidade da pessoa
humana e a solidariedade. Sendo assim, por óbvio, pai e/ou mãe socioafetivos têm o dever de
prestar ao menor toda a assistência que ele venha a necessitar, inclusive alimentos.
Ademais, referido dever se coaduna com o princípio do melhor interesse da
criança e do adolescente, visto que terá o infante necessidades que não poderá suprir por si
próprio, razão pela qual o dever de prestar tal assistência recairá sobre aqueles que, em razão
do afeto, tornaram-se seu pais.
Na mesma toada impõe-se aos filhos socioafetivos o dever de, podendo e sendo
necessário, ajudar os seus pais se um dia eles não tiverem mais condições de, com seus
próprios recursos, garantir uma manutenção digna para si.
���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������
com a parentalidade biológica, haja vista que essa regra deriva do art. 229 da Constituição Federal”. CASSETTARI, Christiano. Efeitos jurídicos da parentalidade socioafetiva. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2013. p. 138. 139 DIAS, Maria Berenice. Alimentos, sexo e afeto. Disponível em: <http://mariaberenice.com.br/uploads/17_-_alimentos%2C_sexo_e_afeto.pdf>. Acesso em 24.06.2015. p. 18.
93 �
Percebe-se, que, assim como ocorre com o vínculo decorrente da adoção, o
socioafetivo também tem sido equiparado ao biológico para fins de direitos e deveres
impostos a pais e filhos.
94 �
CAPÍTULO V – A PATERNIDADE ALIMENTAR
Hoje a lei não veda o amparo integral aos filhos, pelo contrário, prevê
expressamente que todos eles são iguais (Constituição Federal, art. 227, §6º) e fazem jus aos
mesmos direitos. Porém, a norma não tem o poder de forçar que pais e mães tenham afeto
pelos seres humanos que geram, razão pela qual nem todos acabam por ser realmente pais ou
mães de seus filhos biológicos.
Justamente por isso a adoção e a socioafetividade são duas fontes de formação do
vínculo de filiação muito comuns na atualidade.
Ocorre que os laços de filiação originados na socioafetividade e na adoção não
excluem o direito da criança de buscar saber sua origem genética, bem como quem são seus
parentes consanguíneos.
E é diante dessa possibilidade que surge o questionamento sobre a possibilidade
de o menor buscar conhecer sua origem genética somente para receber auxílio financeiro. Ou
seja, se é possível, diante da falta de condições financeiras dos pais (socioafetivos ou
adotivos), a fixação da obrigação alimentar para o ascendente genético.
Trata-se de situação na qual o reconhecimento do vínculo biológico se daria tão
somente com o objetivo de responsabilizar o genitor pela prestação de auxílio alimentar ao
menor cujos pais não têm condições de prestá-lo.
1. A Lei nº 883 de 21 de outubro de 1949
A ideia do reconhecimento de paternidade com fins meramente alimentares
remonta à já revogada Lei nº 883 de 21 de outubro de 1949, que dispunha sobre o
reconhecimento dos filhos ilegítimos.
Referida lei trazia expressamente a possibilidade de o filho havido fora do
casamento acionar o pai biológico para ter reconhecido o direito à prestação de alimentos,
mas tão somente este, sem qualquer reconhecimento de paternidade140, já que, na época, o
���������������������������������������� �������������������140 Nesse sentido explica Rolf Madaleno: “Tratava-se, portanto, de uma prévia ação de investigação de paternidade, com mera finalidade alimentar, sem que o vínculo biológico de filiação fosse oficialmente declarado e sem que gerasse efeitos no registro de nascimento do filho considerado adulterino, que só tinha o
95 �
reconhecimento do vínculo de filiação em relação aos filhos havidos fora do casamento só
poderia ocorrer após a dissolução da sociedade conjugal.
Previa, assim, o artigo 4º da referida Lei:
Para efeito da prestação de alimentos, o filho ilegítimo poderá acionar o pai
em segredo, de justiça, ressalvado ao interessado o direito à certidão de
todos os termos dos respectivos processos.
Admitia-se, portanto, que o filho havido fora do casamento ajuizasse ação visando
o recebimento de alimentos de seu genitor. Para tanto, investigava-se a paternidade de
maneira incidental, objetivando tão somente saber se seria devida a condenação ao pagamento
de pensão alimentícia.
Essa previsão legal demonstra que, à época, em que pese a proteção existente
sobre a instituição família, que condenava os filhos que não fossem havidos no seio de uma
união matrimonial a uma posição relegada, com pouquíssima tutela jurídica, reconhecia-se a
responsabilidade do pai biológico pelo sustento daquele que colocou no mundo, mesmo que
em contrariedade às normas legais e morais outrora vigentes.
Comentando referido comando legal, Silvio Rodrigues explica que tal
possibilidade se dava pelo fato de que, à época, somente se admitia o reconhecimento de
paternidade após a dissolução da sociedade conjugal à qual estava vinculada o adúltero, de
modo que esperar tal momento para poder pleitear os direitos alimentares decorrentes da
filiação poderia acabar por impossibilitar que os alimentos fossem prestados no momento em
que surgisse a sua necessidade. Vejamos:
[...] tanto o reconhecimento voluntário de filho adulterino, como o forçado,
só são permitidos após a dissolução da sociedade conjugal. De sorte que, se a
lei condicionasse o direito à prestação alimentícia ao fato de primeiramente
se dissolver a sociedade conjugal do progenitor, poderia o tempo tornar
inócua a sua liberalidade, visto que, quando o adulterino os pudesse exigir, já
tais alimentos lhe seriam inúteis. Daí a razão pela qual o legislador,
sabiamente e para efeito da prestação de alimentos, autorizou o filho
adulterino a acionar o pai, mesmo antes da dissolução de sua sociedade
���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������������������������� ���������������������
direito de receber uma pensão alimentícia de seu pai, que ficava legalmente protegido pelo casamento civil de seu deslize conjugal”. MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 159.
96 �
conjugal, uma vez que o faça em segredo de justiça. Assim, sem ferir a
sensibilidade do cônjuge de seu progenitor e sem ameaçar a estabilidade de
seu lar, apura-se a filiação para efeito de obter alimentos para o
necessitado141.
Percebe-se, assim, que apesar da limitação ao reconhecimento do então chamado
filho ilegítimo, já havia uma preocupação com a necessidade de alimentos que o menor
poderia ter, razão pela qual o auxílio poderia ser pleiteado antes mesmo de ser o
reconhecimento da paternidade possível, ou seja, enquanto vigente a sociedade conjugal fora
da qual referida criança foi havida.
Com o tempo a legislação pátria evoluiu de modo a acompanhar a sociedade,
passando a reconhecer a igualdade entre os filhos, seja qual for a sua origem (dentro ou fora
do casamento), bem como a possibilidade de reconhecimento do vínculo de paternidade a
qualquer tempo.
A Lei nº 883/1949 foi revogada e com ela a previsão de reconhecimento
incidental do vínculo de filiação tão somente para fins alimentares.
O que não mudou, entretanto, foi o comportamento de membros da sociedade. Ou
seja, ainda hoje existem pais e mães que têm seus filhos em relações extraconjugais e não os
reconhecem, pais que, mesmo gerando a criança enquanto vigente uma relação de afeto, a
abandonam após o seu nascimento, deixando de prestar-lhe apoio moral e material, bem como
aqueles que, não tendo a intenção de manter qualquer relação com seu filho, acabam por
entrega-lo à adoção.
2. A paternidade alimentar
A ideia do reconhecimento de paternidade para fins meramente alimentares foi
desenvolvida por Rolf Madaleno. Para o autor, nas situações em que o pai ou mãe
socioafetivo não tiver plenas condições de prestar apoio material ao filho, deve-se admitir que
este busque em seu genitor referido amparo, de modo a manter com ele mera relação
assistencial. Leciona:
Em tempos de verdade afetiva e de supremacia dos interesses da prole, que
não pode ser discriminada e que tampouco admite romper o registro civil da
���������������������������������������� �������������������141 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito de família: volume 6. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 317.
97 �
sua filiação social já consolidada, não transparece nada contraditório
estabelecer nos dias de hoje a paternidade meramente alimentar. Nela, o pai
biológico pode ser convocado a prestar sustento integral a seu filho de
sangue, sem que a obrigação material importe em qualquer possibilidade de
retorno à sua família natural, mas que apenas garanta o provincial efeito
material de assegurar ao filho rejeitado a vida digna, como nas gerações
passadas, em que ele só podia pedir alimentos do seu pai que era casado e o
rejeitara142.
A ideia nomeada de paternidade alimentar é a de se prezar pela plena realização
da dignidade humana do menor, mediante os recursos materiais que se fizerem necessários
para tanto. Ou seja, com vistas a não prejudicar o adequado desenvolvimento do infante,
admite Madaleno a possibilidade de recorrer ao ascendente biológico somente com vistas a
obter dele os alimentos necessários que o pai ou mãe socioafetivo não pode prover.
Assim, a criança continuará fazendo parte de sua família (cujo vínculo se originou
na socioafetividade), mas terá assistência material de seu ascendente genético. Tal assistência,
entretanto, será limitada aos recursos que forem necessários para sua manutenção, não se
estendendo para nenhum outro fim de direito, vez que mantem-se o vínculo de filiação
existente.
Conforme explica Madaleno, eximir genitor biológico de qualquer
responsabilidade com relação ao menor que gerou, tão somente em razão da existência de um
vínculo de filiação com terceiro seria premiar esse genitor pelo abandono em relação ao
menor143.
É sabido que não se pode obrigar ninguém a nutrir afeto pela criança que gera,
mas essa impossibilidade não deve implicar em uma total ausência de responsabilidades.
Sendo assim, diante de uma situação na qual o pai ou mãe cujo vínculo se
originou na socioafetividade não possui suficientes recursos financeiros para conferir o
���������������������������������������� �������������������142 MADALENO, Rolf. Paternidade Alimentar. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM, v. 8, n. 37, Ago./Set., 2006, p. 133-149. p. 148. 143 “Este genitor do ocaso e da falta de afeto pode não ser compelido a conviver e gostar de seu filho que abandona, por total descaso, por sua frieza e desumana rejeição, mas, em contrapartida, não pode ser igualmente compensado com a dispensa da sua responsabilidade pelo vínculo de sua procriação, apenas porque outro assume, por afeto, a sua primitiva função parental”. MADALENO, Rolf. Paternidade Alimentar. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM, v. 8, n. 37, Ago./Set., 2006, p. 133-149. p. 146.
98 �
sustento adequado do seu filho, ao passo que o procriador se encontra em situação
economicamente mais confortável, entende Madaleno que se deve admitir a possibilidade de o
menor buscar complementação dos alimentos necessários em face de seu genitor. Vejamos:
Daí ser de todo defensável a possibilidade de serem reivindicados alimentos
do progenitor biológico, diante da impossibilidade econômico-financeira, ou
seja, diante da menor capacidade alimentar do genitor socioafetivo, que não
está em condições de cumprir satisfatoriamente com a real necessidade
alimentar do filho que acolheu por afeição, situação em que o pai
socioafetivo tem amor, mas não tem dinheiro144.
A ideia de vanguarda desenvolvida pelo jurista gaúcho se sustenta no conceito de
que a plena realização da dignidade humana do menor depende tanto do apoio moral como do
apoio material que lhe é oferecido durante o seu desenvolvimento.
E, no caso de este infante estar inserto no seio de uma família originada na
socioafetividade que lhe dedica todo o cuidado e carinho possíveis, mas sem adequados
recursos financeiros, sua dignidade não estaria plena, vez que os alimentos que lhe são
necessários poderiam ser providos pelo seu genitor.
Ademais, nem sempre que os recursos materiais se fazem necessários para o
adequado desenvolvimento do infante, há interesse em reconhecer a paternidade biológica
para afastar a socioafetiva.
Isso porque, conforme já mencionado neste trabalho, o vínculo de filiação decorre
muito mais da socioafetividade existente entre pais e filhos do que da ligação sanguínea que
existe entre eles.
Assim, não se pode entender que em todos os casos em que a família socioafetiva
careça de recursos materiais haverá interesse em se reconhecer o laço biológico de filiação
para todos os fins de direito, pois, tal reconhecimento não vem acompanhado de um vínculo
de afeto, vez que esse já existe e foi formado com os pais socioafetivos.
A ação visando alimentos, atualmente, perpassa necessariamente pelo
reconhecimento de paternidade. Consequentemente, a filiação socioafetiva existente é
���������������������������������������� �������������������144 MADALENO, Rolf. Paternidade Alimentar. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM, v. 8, n. 37, Ago./Set., 2006, p. 133-149. p. 147.
99 �
desconstituída em favor da biológica para que, uma vez reconhecida, possa ser o pai ou mãe
responsabilizado a prestar sustento ao seu filho.
E é exatamente isso que se quer evitar com a ideia da paternidade alimentar. Nela
não haveria o reconhecimento de paternidade para todos os fins de direito, mas somente para
fins alimentares, mantendo-se o vínculo de filiação existente (originado na socioafetividade).
Trata-se, ao mesmo tempo, de responsabilizar o genitor pelas necessidades
materiais que seu filho pode ter e de privilegiar o vínculo de socioafetividade em detrimento
do biológico.
A princípio, responsabilizar o ascendente biológico pela colaboração com as
necessidades materiais do menor que gerou, de modo a garantir-lhe adequado
desenvolvimento, ao invés de privá-lo dos recursos necessários ao seu desenvolvimento tão
somente em razão da existência de um vínculo de socioafetividade, parece condizente com os
ditames constitucionais e infraconstitucionais relativos à família e à proteção da criança e do
adolescente.
Entretanto, diante da ausência de qualquer normatização a respeito do tema,
coloca-se a questão de saber se seria possível compatibilizar, em relação à mesma pessoa, um
vínculo de filiação (decorrente da socioafetividade ou da adoção) com um vínculo de
assistência material em face do seu ascendente genético.
3. A paternidade alimentar na doutrina e na jurisprudência
Poucos foram os doutrinadores que se posicionaram acerca da teoria da
paternidade alimentar desenvolvida por Rolf Madaleno.
A despeito de se verificar em consonância com os preceitos constitucionais
relativos à proteção da criança e do adolescente e de possibilidade de responsabilização dos
pais pelos danos causados aos filhos, a ideia ainda se mostra de difícil sustentação frente à
rigidez com que são interpretados alguns institutos jurídicos.
Dos poucos estudiosos que se dedicaram a tratar sobre o tema, Pablo Stolze se
manifesta favoravelmente a ele, lecionando:
Trata-se de uma ideia de vanguarda, em que se preserva o sentimento
precioso da paternidade (ou maternidade, claro) socioafetiva, mas também se
100 �
impõe uma responsabilidade ao indivíduo que participou da concepção de
uma criança e, depois, não lhe deu qualquer assistência145.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, em que pese não se manifestarem
em contrário à sua aceitação, se posicionam no sentido de que a teoria só seria passível de
aplicação em casos extremos.
Entendem que a possibilidade de buscar alimentos genitor biológico somente em
razão da menor capacidade financeira do pai ou mãe socioafetivos acabaria por diminuir o
prestígio conferido à paternidade socioafetiva, vez que os vínculos biológicos permaneceriam
vivos entre pais e filhos. Vejamos:
A nós, parece que a hipótese pode ser admitida em caráter completamente
extraordinário, com a intenção de impedir que venha a periclitar a dignidade
do filho. Ou seja, não parece possível cobrar alimentos do pai biológico
(rectius, genitor) pelo simples fato de ter uma capacidade contributiva
melhor do que o pai (afetivo). Somente em casos excepcionais, quando
visivelmente o pai não tiver condições de prestar os alimentos e desde que
não possam ser pleiteados de outra pessoa da família socioafetiva (os avós
afetivos, por exemplo) é que entendemos cabível a tese da paternidade
alimentar. Fora disso, não parece razoável, até porque estaria implicando em
enfraquecimento da filiação socioafetiva, não rompendo, em definitivo, os
vínculos genéticos146.
Por sua vez, Maria Berenice Dias entende que entre ascendentes genéticos e pais
deve existir uma concorrência no que tange à responsabilidade de prestar alimentos à criança
ou ao adolescente, vejamos:
A tendência é reconhecer a concorrência da obrigação alimentar do pai
registral, do biológico e do pai afetivo. Daí ser de todo defensável a
possibilidade de serem reivindicados alimentos do genitor biológico, diante
da impossibilidade econômico-financeira, ou seja, diante da menor
capacidade alimentar do genitor socioafetivo, que não está em condições de
cumprir satisfatoriamente com a real necessidade alimentar do filho que
���������������������������������������� �������������������145 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume VI: Direito de família – As famílias em perspectiva constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 634-635. 146 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 697.
101 �
acolheu por afeição, em que o pai socioafetivo tem amor, mas não tem
dinheiro147.
A jurisprudência pátria ainda não teve a oportunidade de se manifestar de maneira
esclarecedora sobre a temática da paternidade alimentar. Por se tratar de teoria nova e ainda
desamparada legalmente, poucos são aqueles que se aventuram a deduzir referida pretensão
em juízo.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entretanto, já enfrentou questão
atinente ao tema, em julgado do ano de 2007, no qual entendeu que deve prevalecer o vínculo
de filiação socioafetiva em detrimento do biológico, não admitindo a obrigação do genitor a
prestar alimentos a seu descendente que é filho de outrem. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. INVESTIGAÇÃO DE
PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGSTRO
CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
CARACTERIZADAS. ALIMENTOS A SEREM PAGOS PELO PAI
BIOLÓGICO. IMPOSSIBILIDADE. Caracterizadas a adoção à brasileira e a
paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento
do autor, descabe a fixação de pensão alimentícia a ser paga pelo pai
biológico, uma vez que, ao prevalecer a paternidade socioafetiva, ela apaga a
paternidade biológica, não podendo coexistir duas paternidades para a
mesma pessoa. Agravo retido provido à unanimidade. Apelação provida, por
maioria. Recurso adesivo desprovido à unanimidade148.
Referido julgado teve origem em pretensão formulada por menor impúbere com o
objetivo de anular o registro de nascimento no qual constava o nome do pai socioafetivo,
substituindo-o pelo pai biológico e de conseguir deste a prestação dos alimentos necessários à
sua manutenção.
A Juíza de primeira instância, diante das peculiaridades do caso, entendeu não ser
possível a anulação do registro do menor, vez que deveria ser preservado o vínculo da
paternidade socioafetiva em detrimento da biológica. Porém, em razão das provas produzidas
nos autos, declarou o vínculo de ascendência genética entre o menor e seu pai biológico, mas
���������������������������������������� �������������������147 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 583 148 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70017530965, 8ª Câmera Cível, rel. Des. José Ataias Siqueira Trindade, DJ de 28.07.2007.
102 �
sem consequências registrais. E, ainda, decidiu que, por ser o menor adolescente com
deficiência física e mental, o pai biológico deveria ser condenado a lhe prestar alimentos,
mesmo diante do vínculo de filiação com o pai registral, conforme se depreende do excerto da
sentença:
Ora, não vejo como exonerar J. M. do dever de alimentar seu filho genético
porque outro homem, por amor à criança ou à mãe desta, assumiu a
paternidade e criou-se o vínculo da parentalidade socioafetiva. Aliás, o réu
em contestação reconhece que o autor é “incapaz” (deficiente físico),
assumindo que seu filho biológico é um adolescente especial, tem o dever
moral de auxiliá-lo, até por solidariedade, mas principalmente porque foi ele
quem gerou a criança e é responsável pelos seus atos149.
Entretanto, em sede de recurso de apelação, o acórdão proferido por maioria de
votos foi no sentido de reformar a decisão de primeira instância sob o fundamento de que,
prevalecendo a paternidade socioafetiva constituída in casu, não seria cabível a fixação de
alimentos para o pai biológico, uma vez que entendeu o julgador não poderem coexistir duas
paternidades sobre a mesma pessoa.
O acórdão foi relatado pelo Desembargador José Ataias Siqueira Trindade, tendo
se posicionado, quanto à condenação em alimentos do pai biológico, no sentido de ser ela
inviável, tendo em vista que, prevalecendo a filiação existente entre o menor e seu pai
socioafetivo, não subsiste qualquer vínculo em relação ao ascendente genético que permita
sua responsabilização por alimentos. Vejamos:
Em que pese todos os princípios jurídicos e constitucionais sopesados na
sentença, inclusive aquele que diz com o da dignidade da pessoa humana,
utilizados para o fim de estabelecer pensão alimentícia a ser prestada pelo
pai biológico em razão das condições especiais do autor que apresenta
incontestável deficiência física e mental, assiste razão ao réu/apelante.
Uma vez definido na sentença – na esteira do entendimento deste relator,
diga-se -, que a paternidade socioafetiva completamente demonstrada nos
autos se sobrepõe, prevalece, à paternidade biológica, com o fim de impedir
���������������������������������������� �������������������149 AGOSTINI, Margot Cristina. Sentença proferida no processo nº 109/1.03.0002180-0, Comarca de Marau/RS, Juíza Margot Cristina Agostini, 29 de junho de 2006. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v.8, n. 37, Ago./Set., 2006. p. 158-159.
103 �
a anulação do registro de nascimento, ou seja, impedir a desconstituição da
filiação que consta no registro de nascimento, com todas as suas
consequências, inclusive patrimonial – ou melhor, a ausência de direito
patrimonial relativamente ao pai biológico -, nenhum direito poderá advir
através da paternidade biológica, nem mesmo o alimentar em situações
excepcionais como a que ora se julga150.
Restou vencido no julgamento o Desembargador Rui Portanova, que entendeu
pela possibilidade de condenar o ascendente genético a prestar alimentos ao menor, devendo,
entretanto, o valor ser reduzido para se adequar às peculiaridades do alimentante. Vejamos:
A decisão da digna julgadora de primeiro grau é absolutamente inédita. É
induvidoso que tal sentença guarda em si excelentes argumentos. Mais do
que isso, contudo, há também uma possibilidade – digo melhor, uma
potencialidade – de, para além da lei, fazer justiça no caso concreto.
Não quero perder a oportunidade de tentar cultivar esta semente, nem que
seja por mais algum tempo. O tempo até o julgamento de eventuais
embargos infringentes. Não quero perder a oportunidade de compartilhar,
com os demais colegas de Quarto Grupo, desta reflexão a respeito de como a
vida pode mexer com nosso sentimento de justiça.
[...]
Seja como for, não posso negar que também me move um sentimento de
participação na criação. No ponto vale a pena notar como também o apelante
deixa um espaço para si, quando, alternativamente, lança em seu apelo a
possibilidade de adequação do valor dos alimentos a suas possibilidades. E
nisso que vai o parcial provimento do seu apelo. Estou reduzindo a verba
alimentar para 10% do salário mínimo151.
O resultado do referido acórdão ensejou a interposição de embargos infringentes,
nos quais novamente foi mantido o entendimento acerca da impossibilidade de condenação do
pai biológico a prestar alimentos quando prevalece o vínculo de paternidade socioafetiva.
Vejamos:
���������������������������������������� �������������������150 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70017530965, 8ª Câmera Cível, rel. Des. José Ataias Siqueira Trindade, DJ de 28.07.2007. 151 Idem.�
104 �
EMBARGOS INFRINGENTES. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
ANULAÇÃO DE REGISTRO NEGADA. PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA RECONHECIDA. DECLARAÇÃO DE PATERNIDADE
BIOLÓGICA AO EFEITO DE ATRIBUIR OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
AO INVESTIGANTE. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. 1. A instituição de
obrigação de natureza alimentar, no âmbito do Direito de Família, pressupõe
a existência de uma relação jurídica que lhe dê causa - no caso, o dever de
sustento dos pais com a prole ou de um parente em relação a outro (arts.
1.566, 1.634). 2. O prestígio que se há de conferir ao princípio da dignidade
da pessoa humana não faz com que se suprima do ordenamento jurídico
infraconstitucional normas que estabelecem o dever alimentar a partir da
relação de paternidade/filiação. 3. A sentença admitiu a prática de ato hígido
de reconhecimento de paternidade, bem como reconhece a parentalidade
socioafetiva entre o autor e o pai e mantém a paternidade registral. Desse
modo, impossível atribuir seqüelas jurídicas para instituir dever de alimentar
a quem tão-somente mantém identidade genética com o autor. NEGARAM
PROVIMENTO AOS EMBARGOS INFRINGENTES, POR MAIORIA152.
Percebe-se que, apesar do julgamento proferido em primeira instância,
prestigiando o vínculo de filiação (aqui originado na socioafetividade) em detrimento da
ascendência genética, mas entendendo pela impossibilidade de exoneração do pai biológico
de suas responsabilidades diante das peculiaridades do caso (adolescente com deficiência
física e mental), ao final do processo prevaleceu o entendimento no sentido de que uma
pessoa somente pode ter reconhecido um vínculo de paternidade, não havendo como
responsabilizar o ascendente biológico pelos alimentos em razão da existência de um pai
socioafetivo.
Referido julgamento, entretanto, foi o único encontrado até o momento do
depósito do presente trabalho que abordasse a temática referente à condenação do ascendente
genético a prestar alimentos ao menor que gerou, mas com o qual não estabeleceu vínculo de
filiação.
���������������������������������������� �������������������152 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes Nº 70021199468, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 14/12/2007.
105 �
4. França: ação para fins de subsídios
O Código Civil francês, em seu artigo 342 traz previsão acerca da chamada ação
para fins de subsídios, vejamos:
Tout enfant dont la filiation paternelle n'est pas légalement établie, peut
réclamer des subsides à celui qui a eu des relations avec sa mère pendant la
période légale de la conception. L'action peut être exercée pendant toute la
minorité de l'enfant ; celui-ci peut encore l'exercer dans les dix années qui
suivent sa majorité si elle ne l'a pas été pendant sa minorité. L'action est
recevable même si le père ou la mère était au temps de la conception, engagé
dans les liens du mariage avec une autre personne, ou s'il existait entre eux
un des empêchements à mariage réglés par les articles 161 à 164 du présent
code153.
Referida ação não visa o reconhecimento do vínculo de filiação entre o pai e a
criança, sendo justamente essa característica que a diferencia da ação de reconhecimento de
paternidade.
O objetivo é tão somente a condenação do suposto pai ao pagamento de pensão
alimentícia ao menor, ou seja, trata-se de maneira encontrada pelo direito francês de
responsabilizar aquele que gerou filho, mas não o reconheceu voluntariamente. Nesse sentido
explica Maria Cláudia Brauner:
No Direito francês, a prova da existência de relações sexuais entre a mãe e o
suposto pai, durante o período de concepção, serve para possibilitar que uma
prestação alimentar seja concedida à criança. Esta foi a maneira encontrada
pelo legislador para responsabilizar o homem que não reconheceu o filho e
que não contribui de maneira alguma ao seu sustento154.
���������������������������������������� �������������������153 Código Civil Francês. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=DE4464EEFCAE12E28E5D3D01B04E7046.tpdila19v_1?idSectionTA=LEGISCTA000006136527&cidTexte=LEGITEXT000006070721&dateTexte=20150323>. Acesso em 23.03.2015. Em tradução livre: Toda criança cuja filiação paternal não esteja legalmente estabelecida pode reclamar subsídios daquele que teve relações com sua mãe durante o período legal da concepção. A ação pode ser exercida durante toda a menoridade do infante; podendo ele exercê-la ainda durante os dez anos que seguem à sua maioridade se não o foi durante sua minoridade. A ação é cabível mesmo se o pai ou a mãe estava, ao tempo da concepção, casada com outra pessoa, ou se existia entre eles um dos impedimentos ao matrimônio estabelecidos pelos artigos 161 a 164 do presente código. 154 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Considerações sobre a filiação extramatrimonial em Direito de Família francês e brasileiro. In: Revista de informação legislativa, v. 33, n. 129, p. 299-309, jan./mar. 1996, 01/1996. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/176402>. Acesso em 17.04.2015. p. 306.
106 �
Sendo ajuizada a ação, o valor da pensão alimentícia será fixado tendo em vista as
necessidades da criança e as possibilidades do genitor, o que se depreende do artigo 242-2 do
Código Civil francês, in verbis:
Les subsides se règlent, en forme de pension, d'après les besoins de l'enfant,
les ressources du débiteur, la situation familiale de celui-ci155.
O que diferencia a ação para fins de subsídios da ideia da paternidade alimentar
desenvolvida por Madaleno é o fato de que na primeira pode o menor buscar recursos
materiais em face de quem tenha se relacionado sexualmente com sua mãe no período em que
se deu a sua concepção; enquanto na segunda, a ideia é acionar o pai biológico tão somente
com vistas a condená-lo a prestar alimentos ao infante.
Ou seja, a lei francesa prevê que o auxílio material poderá ser buscado em face da
mera possibilidade de ascendência genética, bastando que se prove a prática de relações
sexuais entre a mãe da criança e o suposto pai durante o período legal da concepção. Nesse
sentido explica Beatrice Marinho Paulo:
Não se trata, aqui, de verificar a paternidade para estabelecer a filiação, mas
sim de proteger a criança, dando-lhe amparo material, por meio dos
subsídios (alimentos) prestados por seu genitor. (Em verdade, no Direito
francês, não é preciso que o réu seja efetivamente o genitor, mas apenas que
tenha a possibilidade de sê-lo. Entende-se que nem mesmo a conduta imoral
da genitora que tenha frequentado sexualmente uma pluralidade de amantes
na época da concepção retira o direito da criança a este amparo financeiro).
Há, portanto, a opção de investigar a paternidade ou requerer apenas
subsídios, baseados na vinculação genética (ou na possibilidade dela)156.
E, em razão de se buscar responsabilizar o provável pai, é possível, inclusive, que
mais de um homem seja condenado a prestar alimentos ao menor, conforme destaca Maria
Cláudia Brauner:
���������������������������������������� �������������������155 Código Civil Francês. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=DE4464EEFCAE12E28E5D3D01B04E7046.tpdila19v_1?idSectionTA=LEGISCTA000006136527&cidTexte=LEGITEXT000006070721&dateTexte=20150323>. Acesso em 23.03.2015.�156 PAULO, Beatrice Marinho. Novos caminhos da filiação: a responsabilidade de pais e de genitores – questões polêmicas. In: Revista Síntese Direito de Família. v. 13, n. 69, dez./jan. 2012. p. 88.
107 �
No sistema francês, excepcionalmente poderá haver a condenação de dois ou
mais homens a prestar os alimentos à criança. Neste caso, ficando provada a
existência das relações sexuais da mãe com mais de um indivíduo, durante o
período legal de concepção e havendo dificuldade em identificar-se qual o
genitor da criança, o juiz pode condenar dois ou mais homens a prover o
sustento desta157.
Como se percebe, a ação para fins de subsídios assume caráter de ação
indenizatória, vez que visa responsabilizar aquele que assumiu o risco de ser pai.
Nota-se, também, que, em que pese a facilitação de busca de recursos naquele que
gerou, mas não assumiu, a ação francesa ainda se pauta em ideia patriarcal de que a mãe
sempre cuida de seu filho enquanto muitas vezes o pai é quem o abandona.
A ação trata expressamente de responsabilizar aquele que teve relações sexuais
com a mãe da criança, não vislumbrando a possibilidade de o abandono ocorrer na forma
contrária, ou seja, o infante ficar com o pai sendo abandonado moral e materialmente pela
mãe.
5. Estatuto das famílias (Projeto de Lei nº 470/2013158)
O Estatuto das Famílias tem como objetivo criar uma regulamentação unificada e
atualizada acerca do Direito de Família, de modo a substituir as normas atualmente postas no
Código Civil de 2002 por uma normatização própria, em consonância com a realidade atual e
com os princípios constitucionais e infraconstitucionais que têm suprido as lacunas ainda
existentes.
O Projeto do Estatuto das Famílias prevê, em seu artigo 77, parágrafo único, a
possibilidade de responder o ascendente genético por prestação alimentar ao seu descendente
mesmo diante do vínculo de filiação com outra pessoa. Vejamos:
Art. 77. É admissível a qualquer pessoa, cuja filiação seja proveniente de
adoção, filiação socioafetiva, posse de estado ou de inseminação artificial
heteróloga, o conhecimento de seu vínculo genético sem gerar relação de
���������������������������������������� �������������������157 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Considerações sobre a filiação extramatrimonial em Direito de Família francês e brasileiro. In: Revista de informação legislativa. v. 33, n. 129, p. 299-309, jan./mar. 1996, 01/1996. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/176402>. Acesso em 17.04.2015. p. 307.�158 BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei nº 470/2013. Disponível em: < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115242>. Acesso em 10/10/2015.
108 �
parentesco. Parágrafo único. O ascendente genético pode responder por
subsídios necessários à manutenção do descendente, salvo em caso de
inseminação artificial heteróloga.
Percebe-se que a ideia trazida pelo referido dispositivo nada mais é do que
normatizar a ideia da paternidade alimentar, uma vez que, além de admitir o simples
reconhecimento da ascendência genética, prevê expressamente a responsabilização do
ascendente pelos alimentos que forem necessários ao seu descendente, sem que com isso se
forme entre eles um vínculo de filiação ou de parentesco.
Caso aprovado referido projeto de lei, não haverá mais que se perquirir sobre a
possibilidade ou não de buscar auxílio material frente ao genitor biológico, vez que a própria
lei regente da matéria estabelecerá expressamente sobre a autorização.
109 �
CAPÍTULO VI – OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DECORRENTE DA ASCENDÊNCIA
GENÉTICA
Até o presente momento já foi visto que o vínculo de filiação não exige a presença
de uma ligação genética, uma vez que se verifica tanto entre pais e filhos biológicos quanto
em relação aos adotados e aos socioafetivos.
Igualmente, já se explicou que, uma vez formado referido vínculo paterno-
materno-filial, surge para os pais uma série de direitos e deveres em relação aos filhos, dentre
os quais se encontra o dever de sustento, que pode ser prestado diretamente ou sob a forma de
pensão alimentícia.
Ocorre que na filiação originada na adoção e na socioafetividade, existem duas
figuras diferentes em relação ao menor: o ascendente genético e o pai (e/ou mãe). Ou seja, em
que pese a existência de uma pessoa responsável pela concepção e pelo nascimento da criança
ou do adolescente, quem assume todas as responsabilidades decorrentes da paternidade é
outro indivíduo (pais adotivos ou socioafetivos).
Questiona-se, então, se, mesmo diante da ausência de vinculo de filiação em
relação ao genitor biológico, será possível buscar auxílio material nele quando houver
necessidade por parte do infante, mas não houver possibilidade de sua prestação adequada no
núcleo familiar a que ele pertence.
Ou seja, busca-se saber se é possível responsabilizar civilmente a pessoa que deu
início à vida do menor nos casos em que ele tem pais, mas esses pais não têm condições de
garantir adequadamente o seu sustento.
Em outras palavras, objetiva-se definir se cabe falar na existência de uma
responsabilidade subsidiária e complementar por parte do ascendente genético em relação aos
alimentos que o seu descendente venha a necessitar, mas não consegue obter em face de seu
núcleo familiar.
110 �
1. A responsabilidade civil decorrente da concepção
A primeira questão a enfrentar é saber se é possível se falar em responsabilidade
civil do ascendente genético pela concepção. Ou seja, se aquele que concebeu e trouxe uma
nova pessoa ao mundo é responsável por essa vida mesmo que não estabeleça em relação a
ela qualquer vínculo de filiação.
Isso porque, conforme já restou demonstrado, o vínculo de filiação não surge,
necessariamente, em razão do nascimento, mas sim do afeto e do tratamento que é dispensado
por um adulto em relação a um menor, tornando-se pai e/ou mãe e filho. Nesse sentido
explica João Baptista Villela a diferença existente entre procriação e paternidade, vejamos:
[...] a paternidade é uma categoria da cultura e realiza-se na linha do afeto e
do serviço; a procriação, ao contrário, é uma expressão da natureza, resulta
de determinismos em que está ausente a liberdade e submete-se, portanto, a
outras regras159.
E é justamente em razão dessa distinção que é possível – e, inclusive, muito
comum – que os pais não sejam aqueles que, após uma relação sexual, geraram uma vida, mas
sim aqueles que, por opção, adotaram ou acolheram um infante e passaram a se relacionar
com ele com todo o afeto e cuidado que se espera das pessoas que ocupam as posições de pai
e mãe.
Porém, podem ocorrer situações nas quais o menor adotado ou acolhido por
socioafetividade tenha necessidades que seus pais não conseguem suprir, por faltar-lhes
recursos materiais adequados.
Pergunta-se, então, se diante de casos em que, em razão da falta de recursos
materiais, a dignidade humana do infante não esteja sendo garantida, seria possível recorrer ao
seu progenitor biológico para obter dele a prestação necessária.
���������������������������������������� �������������������159 VILLELA, João Baptista. Procriação, paternidade & alimentos. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Alimentos no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 137-138.
111 �
Explica João Baptista Villela que o ato de procriar gera um ônus, qual seja a
manutenção dessa nova vida que surge, ônus esse que deve ser imputado ao responsável pelo
nascimento160. Vejamos:
[...] o ato da procriação, se praticado em estado de consciência e autonomia,
envolve a responsabilidade do agente, pois nasce do exercício da liberdade e
gera ônus. Pelos ônus deve responder quem os criou agindo livremente161.
Ou seja, a participação na concepção de um ser humano não obriga o genitor a
amar nem a formar um vínculo de filiação, mas será que ele pode ser exonerado de qualquer
responsabilidade somente em razão da ausência desse vínculo?
Parece-nos mais adequado entender que, mesmo não existindo uma relação
paterno-filial ou materno-filial, existe sim uma responsabilidade pelo nascimento, pela
existência dessa pessoa que foi gerada, mas que acabou inserida em outra família em virtude
da adoção ou da socioafetividade.
Nessa linha, inclusive, é a explicação de João Baptista Villela, segundo o qual “as
consequências da procriação submeteram-se, por sua natureza, ao regime jurídico da
responsabilidade civil e não ao da paternidade”162.
Assim, não é pelo fato de a obrigação de sustento dos filhos menores somente se
verificar em relação aos pais que se pode negar a busca de auxílio – ou quiçá de indenização –
frente ao genitor biológico. Em que pese a ausência do vínculo de filiação, não se pode negar
a existência de uma responsabilidade pela geração.
Essa responsabilidade não se funda na relação paterno-materno-filial, no dever de
sustento dos filhos menores, mas sim na participação dessa pessoa na concepção do infante,
conforme destaca Helenira Bachi Coelho:
���������������������������������������� �������������������160 Corroborando esse entendimento complementa Rolf Madaleno: “O filho que ajudou a gerar, com efeito que não causa danos, mas induvidosamente opera custos, como faz ver com invulgar clareza João Baptista Villela, e custos permitem buscar o seu reembolso ou a sua responsabilidade direta, pois não ofende ao Direito compelir o genitor biológico a assegurar a exata paridade dos alimentos que seu ascendente socioafetivo não tem condições de proporcionar”. MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 169. 161 VILLELA, João Baptista. Procriação, paternidade & alimentos. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Alimentos no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 140. 162 Idem. p. 138-139.
112 �
A obrigação de assistência é inerente à relação biológica. Aquele que deu
origem ao filho biologicamente, mesmo que não saiba de sua existência ou
de seu nascimento, possui deveres decorrentes de sua participação na
concepção, e não é suplantado pela assunção destes por terceiro163.
Na mesma toada explica Rodrigo da Cunha Pereira que a ligação biológica entre
duas pessoas pode ser tomada como fonte de responsabilidade civil. Vejamos:
[...] paternidade é uma função exercida, ou, um lugar ocupado por alguém
que não é necessariamente o pai biológico. Neste sentido, o lugar de pai
pode ser ocupado por outra pessoa como o irmão mais velho, o avô, o
namorado etc. Isto não significa que a paternidade biológica não deve mais
ser considerada pelo Direito. Ao contrário, o laço biológico foi e continuará
sendo, no campo jurídico, fonte de responsabilidade civil, especialmente
para fins de alimentos e sucessão hereditária. Na França, por exemplo, o
Código Civil foi alterado neste aspecto para fazer uma distinção da
paternidade para fins de subsídio, e como função para aquele que detém a
“posse de estado de pai” (art. 311-1 do código civil francês)164.
Assim, seja em razão da entrega nos casos de adoção consentida, seja pelo
abandono ou pelo descaso que dá origem à socioafetividade, a conduta do ascendente
biológico é passível de lhe gerar responsabilidade civil165, conforme restará demonstrado a
seguir.
2. Elementos geradores da responsabilidade civil do ascendente genético
Para entender como será possível responsabilizar civilmente os genitores
biológicos pelos danos materiais que o ato de entrega do filho à adoção ou de abandoná-lo
pode gerar, é preciso proceder a uma análise à luz dos elementos necessários para a
caracterização da responsabilidade civil. ���������������������������������������� �������������������163 COELHO, Helenira Bachi. Da reparação civil dos alimentos. Da possibilidade de ressarcimento frente à paternidade biológica. In: MADALENO, Rolf (Coord.). Ações de Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 31. 164 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste? Disponível em: <http://www.pailegal.net/guarda-compartilhada/149-pai-por-que-me-abandonaste->. Acesso em 09.11.2015. 165 Sobre a ocorrência de danos em decorrência do abandono, confira-se a lição de Sergio Gilberto Porto: “Nessa linha, pertinente ainda observar que os reflexos jurídicos do abandono não se esgotam exclusivamente no dano moral, caracterizado este, como visto, por meio do descaso, desrespeito ao dever de assistência e a privação do direito à convivência familiar natural (art. 227, caput, da CF), mas também resta configurada a hipótese de dano material, representado pelo prejuízo, face ao custo suportado pelo não cumprimento das responsabilidades paternas”. PORTO, Sergio Gilberto. Paternidade biológica e responsabilidade civil: um “diálogo” com a jurisprudência. In: Revista Jurídica (Porto Alegre 1953). v. 416, 2012. p. 73.
113 �
Assim, por meio de uma inter-relação, se verificará com maior clareza porque será
admissível, em algumas situações, chamar o ascendente genético para prestar alimentos ao
seu descendente, mesmo que entre eles não exista um vínculo de filiação.
2.1. Conduta
O artigo 186 do Código Civil dispõe que “aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Percebe-se, portanto, que o dano sofrido por alguém depende, para poder ser
reparado, da existência de uma conduta que o provoque.
Sobre o conceito de conduta leciona Sergio Cavalieri Filho:
Entende-se, pois, por conduta o comportamento humano voluntário que se
exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências
jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a
vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo166.
Essa conduta, que pode ser comissiva ou omissiva, é passível de ser verificada
tanto no caso da adoção consentida como no da socioafetividade.
Na primeira hipótese, ao anuir com a adoção de seu filho por outra pessoa,
rompendo com ele todos os laços de filiação, o pai e/ou a mãe biológicos estão entregando
voluntariamente seu descendente para que ele se torne filho de outras pessoas. Trata-se,
portanto, de conduta ativa que consiste na recusa em exercer o poder familiar em relação ao
menor que foi gerado.
Por sua vez, ao abandonar a criança ou o adolescente, ou em razão do descaso
para com ele, também se verifica uma conduta por parte do ascendente genético, conduta essa
que dá margem para a formação de um vínculo de filiação originado na socioafetividade.
Nesse caso pode-se estar diante tanto de uma ação (abandonar) como de uma omissão
(descaso).
Essas condutas, entretanto, não geram, por si só, dano aos infantes que são
inseridos em outro núcleo familiar. Na maioria das vezes, inclusive, só geram benefícios para ���������������������������������������� �������������������166 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2014. p. 38.
114 �
ele, que será criado por quem quer fazê-lo com todo o afeto e cuidado que uma criança
precisa para crescer adequadamente.
Entretanto, em situações excepcionais, é possível que a criança ou o adolescente
adotado ou acolhido socioafetivamente venha a ter, em decorrência disso, menos auxílio
material do que poderia ser prestado pelos seus genitores (ou somente por um deles).
Essa diminuição de recursos, em casos em que eles se façam extremamente
necessários para o adequado desenvolvimento do menor, acabará por causar-lhe
inevitavelmente um dano, vez que lhe será negado o auxílio necessário para garantir o
atendimento às suas peculiares necessidades.
Percebe-se, portanto, que só poderemos falar em responsabilidade civil dos
ascendentes biológicos quando a sua conduta de entregar ou abandonar o infante for capaz de
causar-lhe algum dano.
Não se trata, assim, de regra, mas de exceção que deverá ser observada caso a
caso.
2.2. Dano
O dano é o elemento essencial para a caracterização da responsabilidade civil,
uma vez que somente haverá dever de reparar quando determinada conduta causar um
prejuízo a alguém.
Sobre a definição de dano leciona Sergio Cavalieri Filho:
Correto, portanto, conceituar o dano como sendo lesão a um bem ou
interesse juridicamente tutelado, qualquer que seja a sua natureza, quer se
trate de um bem patrimonial, que ser trate de um bem integrante da
personalidade da vitima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em
suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo
daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral167.
Ou seja, será fonte de responsabilidade a conduta de alguém que venha a lesionar
um bem juridicamente tutelado de terceiro.
���������������������������������������� �������������������167 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2014. p. 93.
115 �
E é exatamente isso que se dá nos casos em que, em razão da entrega do menor à
adoção ou do seu abandono, lhe é negado o auxílio material que ele necessita e que não pode
obter frente a seus pais (adotivos ou socioafetivos).
Essa situação, quando, em razão de peculiaridades atinentes ao infante, prejudicar
o seu adequado desenvolvimento, causa-lhe, inevitavelmente, um dano, violando sua
dignidade.
A delimitação de quando se poderá falar em dano e quando não será possível,
depende da análise da situação fática concreta em face dos princípios que regem as relações
familiares e a proteção da criança e do adolescente.
Seria inconsequente tentar estabelecer de maneira rígida qual situação deveria ser
amparada com base na solução aqui proposta e qual não merece tutela jurídica, uma vez que
somente em face do caso concreto é possível dizer qual o prejuízo efetivamente suportado
pelo menor em razão da carência dos recursos materiais que lhe são necessários.
É o que se verifica, por exemplo, na situação julgada pela juíza Margot Cristina
Agostini168, já mencionada no presente trabalho, na qual o menor acolhido socioafetivamente
pelo companheiro de sua mãe era portador de deficiência física e mental, demandando
cuidados excepcionais.
Nesse caso, sem o auxílio financeiro que pode ser prestado pelo seu ascendente
genético, o infante não terá os recursos necessários para atender adequadamente às suas
necessidades especiais, o que, por ferir diretamente a sua dignidade, causa um dano que deve
ser reparado.
O mesmo se pode verificar na situação em que a criança esteja acometida de
doença grave, dependendo de custoso tratamento médico que não pode ser garantido por seus
pais, mas que poderia sê-lo se for possível obrigar o genitor biológico a prestar-lhe alimentos.
Assim, havendo dano, haverá obrigação de repará-lo.
���������������������������������������� �������������������168 AGOSTINI, Margot Cristina. Sentença proferida no processo nº 109/1.03.0002180-0, Comarca de Marau/RS, Juíza Margot Cristina Agostini, 29 de junho de 2006. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v.8, n. 37, Ago./Set., 2006.
116 �
Conforme destaca Paulo Lôbo, no âmbito das relações familiares a
responsabilidade civil rege-se pelas normas que tratam sobre a reparação de danos, senão
vejamos:
A responsabilidade civil por danos, nas relações de família, tem função
residual. Não tem por causa a constituição, o desenvolvimento ou a
dissolução da relação familiar. Seu efeito é indireto e, portanto, regido pelas
regras comuns da reparação dos danos, que ocorreria independentemente
dessa relação169.
Ou seja, caso, mesmo diante da inserção do menor em uma família substituta
(adotiva ou socioafetiva), ele não encontre nesse núcleo familiar os recursos materiais
necessários para suprir as suas necessidades excepcionais, terá o seu ascendente genético,
caso disponha de recursos financeiros suficientes, lhe causado um dano ao negar-lhe a
paternidade, a maternidade ou ambas.
Surge, assim, o dever de reparar esse dano. Reparação essa que se faz devida sob
a forma de auxílio material para a manutenção do infante, ou seja, sob a forma de prestação de
alimentos.
Isso porque, a ausência dos recursos materiais necessários ao adequado
desenvolvimento do menor em razão da condição econômica de seus pais (com vínculo
originado na adoção e na socioafetividade), diante da existência de recursos financeiros por
parte daquele que foi responsável pela sua geração, acaba por implicar em violação à sua
dignidade.
A reparação desse dano, portanto, se dará em forma de pensão alimentícia
enquanto o menor, ou seus pais, não puderem prover adequadamente seu sustento.
2.3. Nexo de causalidade
Para que surja o dever de indenizar alguém, é necessário, ainda, que se verifique
um liame de causalidade entre a conduta e o dano provocado, ou seja, um nexo capaz de ligar
a ação humana ao prejuízo sofrido por outrem. Nesse sentido explica Arnaldo Rizzardo:
���������������������������������������� �������������������169 LÔBO, Paulo. Famílias contemporâneas e as dimensões da responsabilidade. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e responsabilidade: teoria e prática do direito de família. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010. p. 21.
117 �
[...] para ensejar e buscar a responsabilidade, é preciso que haja ou se
encontre a existência de um dano, o qual se apresenta antijurídico, ou que
não seja permitido ou tolerado pelo direito, ou constitua espécie que importe
em reparação pela sua mera verificação, e que se impute ou atribua a alguém
que o causou ou ensejou a sua efetivação. Em três palavras resume-se o nexo
causal: o dano, a antijuridicidade e a imputação170.
Ou seja, o dano sofrido por um indivíduo só pode ensejar a responsabilização do
outro quando tiver sido por ele causado em razão de uma conduta comissiva ou omissiva.
No caso do presente trabalho, o nexo de causalidade estará presente quando o
dano (violação à dignidade em razão da carência de recursos materiais para o adequado
desenvolvimento do menor) tiver origem na conduta do ascendente genético com condições
financeiras que optou por entrega-lo à adoção ou por abandoná-lo.
3. Responsabilidade civil do ascendente genético e sua obrigação de prestar
alimentos
Com base no até então exposto neste trabalho, percebe-se que o fundamento para
concordar com a possibilidade da existência da chamada paternidade alimentar é a
responsabilidade civil que decorre da procriação.
Ou seja, havendo dano ao menor em razão da conduta do ascendente genético que
optou por entrega-lo à adoção ou por abandoná-lo, haverá dever de reparar esse dano sob a
forma de pensão alimentícia.
Conforme destacam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, imperiosa a existência
de um ato ilícito, consequência de uma conduta que provoca dano, para proceder à interface
entre as regras da responsabilidade civil e a matéria do direito de família. Vejamos:
Em verdade, destarte, as peculiaridades próprias do vínculo familiar não
admitem a incidência pura e simples das regras da responsabilidade civil,
exigindo uma filtragem, sob pena de desvirtuar a natureza peculiar (e
existencial) da relação do Direito das Famílias. Exatamente por isso, a
aplicação das regras da responsabilidade civil, inclusive a teoria da perda de
uma chance, na seara familiar depende da ocorrência de um ato ilícito,
���������������������������������������� �������������������170 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 67.
118 �
devidamente comprovado. A simples violação de um dever decorrente de
norma de família (como o dever de afeto) não é idônea, por si só, para a
reparação de um eventual dano171.
Tendo em vista que, para a determinação do dever de prestar alimentos, deve ser
levada em consideração tanto a condição social do alimentante, quanto a do alimentando,
entende-se pela possibilidade de reivindicação de alimentos do progenitor biológico nos casos
em que houver real incapacidade por parte do pai (ou mãe) cujo vínculo de filiação se
originou na adoção ou na socioafetividade.
Ocorre que a possibilidade de o menor buscar a prestação alimentar em seu
genitor biológico somente pode ser admitida diante de casos excepcionais, ou seja, quando se
verificar real lesão à dignidade humana da criança ou do adolescente.
Percebe-se que a mera carência de recursos materiais, além de não constituir causa
de perda do poder familiar172, também não é motivação suficiente para se buscar a prestação
de alimentos responsável pela procriação, pois não se defende no presente trabalho a
possibilidade de aumentar os rendimentos mensais destinados ao infante, mas sim a reparação
de eventual dano que ele venha a sofrer.
Ademais, abrir para todos os casos a possibilidade de complementar os recursos
materiais providos pelos pais frente aos ascendentes biológicos, poderia levar a situações de
enriquecimento ilícito nas quais, mesmo não necessitando dos alimentos, os progenitores
biológicos fossem acessados somente para aumentar os rendimentos mensais da criança ou do
adolescente.
Porém, excluir totalmente a possibilidade de responsabilizar o ascendente
genético pelos alimentos que seus descendentes podem vir a necessitar, somente porque
inseridos em famílias adotivas ou socioafetivas, acabaria por violar, em alguns casos, a
dignidade do infante.
Essa violação ocorreria porque existem situações peculiares nas quais o adequado
desenvolvimento da criança ou do adolescente requer cuidados especiais que os pais não
conseguem prover. ���������������������������������������� �������������������171 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 649-650. 172 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do� poder familiar.
119 �
Foi essa a linha de raciocínio adotada pela Juíza do Rio Grande do Sul Margot
Cristina Agostini para condenar o ascendente genético ao pagamento de alimentos ao seu
filho biológico ao mesmo tempo em que manteve o vínculo de filiação com o pai
socioafetivo. Vejamos:
[...] tenho que a paternidade consciente abrange também os direitos da
criança e do adolescente revistos no art. 227 da CF, sendo responsabilidade,
também, do pai biológico, J.M., de assegurar ao autor melhores condições de
vida, eis que L., pelas suas condições físicas e mentais, jamais terá condições
de suprir suas necessidades básicas173.
Em situações excepcionais o amor e o auxílio material oferecidos ao filho
(adotivo ou socioafetivo) podem não ser suficientes para atender às suas necessidades. E,
nesses casos, impedir a responsabilização do ascendente genético pelos alimentos devidos
seria ao mesmo tempo uma punição ao menor pela desídia de seu genitor biológico e um
prêmio a este último, que, em razão da entrega ou do abandono, seria exonerado de todas as
responsabilidades em relação ao ser humano que gerou.
Nessa linha de raciocínio é o parecer exarado pelo Subprocurador-Geral da
República Henrique Fagundes Filho no REsp 813.604 – SC para justificar a possibilidade de
responsabilizar o ascendente genético mesmo diante da adoção consolidada. Vejamos:
[...] Imagine-se a satisfação do genitor imoral e insensível ao ser obsequiado
com a adoção de seu rebento renegado, não lhe restando, assim, nenhuma
responsabilidade sobre aquele, quer moral, quer patrimonial. Melhor solução
não haveria a pessoas dessa índole. A irrevogabilidade da adoção e a
extinção dos vínculos com a família biológica, não foram concebidas, por
evidente, para premiar o progenitor irresponsável, ausente, imoral, que
pretende escapar das consequências advindas de seus atos de instinto
fisiológico, tão somente. A intenção da norma é prestigiar as situações
familiares consolidadas. Ora, no caso vertente, a insubsistência dos laços de
parentesco consanguíneos apenas beneficia o genitor desidioso, não protege
a recorrente, muito menos a adotanda, tomando a norma contornos para os
quais não foi concebida, não atingindo os fins sociais para os quais se
destina. Desta feita, ainda que se entenda dever subsistir a adoção da ���������������������������������������� �������������������173 AGOSTINI, Margot Cristina. Sentença proferida no processo nº 109/1.03.0002180-0, Comarca de Marau/RS, Juíza Margot Cristina Agostini, 29 de junho de 2006. In: Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v.8, n. 37, Ago./Set., 2006. p. 162.
120 �
recorrente, não é possível obstar que conheça quem é seu pai biológico,
exigindo dele o cumprimento dos deveres concernentes a esse estado174.
Percebe-se, portanto, que a responsabilização do ascendente genético pelos
alimentos deve ser admitida, mas a título de exceção.
Essa situação excepcional, destaque-se, estará presente sempre que se verificar a
ocorrência de um dano ao menor que foi adotado ou acolhido socioafetivamente.
Ou seja, para identificar quais situações serão merecedoras de imposição da
obrigação alimentar ao genitor biológico, será preciso perpassar pelos elementos da
responsabilidade civil (conduta, dano e nexo de causalidade) para verificar se eles se
encontram presentes.
Havendo conclusão positiva, terá a criança ou o adolescente o direito de pleitear a
responsabilização do seu ascendente genético pelo auxílio material que ele necessita.
Esse direito surge porque aceitar que o procriador não seja responsabilizado em
nenhuma hipótese pelos recursos materiais que o menor venha a necessitar, tão somente em
prestígio à irrevogabilidade da adoção e da filiação com origem socioafetiva, acabaria por
violar não só a dignidade do menor, mas todo o ideal de proteção especial voltado às crianças
e aos adolescentes.
4. Paralelo com a responsabilidade alimentar dos avós
O Código Civil, em seu artigo 1.698, prevê expressamente a possibilidade de
buscar alimentos frente a outros parentes quando os pais não tiverem condições de prestá-los.
In verbis:
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver
em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer
os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos,
todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada
ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
���������������������������������������� �������������������174 FILHO, Henrique Fagundes. Parecer do Subprocurador-Geral da República Henrique Fagundes Filho no REsp 813.604 – SC (2006/0011178-7), Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ: 17/09/2007.
121 �
É com base nesse dispositivo legal que passou a ser aceita a obrigação alimentar
dos avós, que surge diante da impossibilidade dos pais, conforme explica Francisco José
Cahali:
[...] agora por texto expresso no art. 1.698, acolheu-se a orientação já
consolidada na doutrina e na jurisprudência pela qual se pode pleitear
alimentos complementares ao parente de outra classe se o mais próximo não
estiver em condições de suportar totalmente o encargo. Representa a
transformação em artigo do Código daquela usual ocorrência de propositura
de ação contra avós buscando a pensão suplementar pela reduzida
capacidade do genitor175.
Referida obrigação, chamada de avoenga, entretanto, só surge nas situações em
que o pai e a mãe do infante não tiverem possibilidade de arcar com os alimentos que lhe
forem necessários.
Trata-se, portanto, de obrigação que se caracteriza por ser subsidiária e
complementar à obrigação dos pais. Nessa toada explica Rolf Madaleno:
A obrigação alimentar dos avós é de caráter subsidiário ou sucessivo e não
simultâneo com o dever dos pais, de modo que a obrigação dos avós só
nasce e se efetiva quando não exista mais nenhum genitor em condições de
satisfazer o pensionamento176.
Na mesma linha de raciocínio é a lição de Maria Helena Diniz:
[...] quem necessitar de alimentos deverá pedi-los, primeiramente, ao pai ou
à mãe. Na falta destes, por morte ou invalidez, ou não havendo condição de
os genitores suportarem o encargo, tal incumbência passará aos avós
paternos ou maternos. [...] Ter-se-á, portanto, uma responsabilidade
subsidiária, pois somente caberá ação de alimentos contra avó se o pai
estiver ausente, impossibilitado de exercer atividade laborativa ou não tiver
recursos econômicos177.
���������������������������������������� �������������������175 CAHALI, Francisco José. Dos alimentos. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 197. 176 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 961. 177 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 667.
122 �
Situação semelhante ocorre no caso da responsabilidade por alimentos do
ascendente genético. Em que pese não ser ela fundada no vínculo de parentesco, mas na
responsabilidade civil que decorre da concepção, só poderá o menor buscar o auxílio material
que necessita no seu genitor biológico quando não tiverem seus pais (adotivos ou
socioafetivos) condições de prestá-lo.
Assim como ocorre no tocante aos avós178, deverá o infante provar a
impossibilidade dos seus pais de arcar com o dever de alimentos que lhe é imposto em razão
do vínculo de filiação.
Explica-se. Depreende-se do enunciado 342 da IV Jornada de Direito Civil que a
obrigação alimentar avoenga se caracteriza como subsidiária e complementar, surgindo
somente diante da impossibilidade dos pais. Vejamos:
Observadas suas condições pessoais e sociais, os avós somente serão
obrigados a prestar alimentos aos netos em caráter exclusivo, sucessivo,
complementar e não solidário quando os pais destes estiverem
impossibilitados de fazê-lo, caso em que as necessidades básicas dos
alimentandos serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-
financeiro de seus genitores179.
O mesmo se verifica na obrigação alimentar do ascendente biológico. Ele somente
poderá ser convocado a suprir as necessidades alimentares daquele que gerou nos casos em
que seus pais estiverem sem condições econômicas de fazê-lo e houver necessidade por parte
do infante.
�
���������������������������������������� �������������������178 Confira-se a lição de Rolf Madaleno: “Quando os avós forem convocados para substituírem os progenitores insolventes, os netos devem provar que seus pais não estão em condições de cumprir com o dever alimentar derivado do poder familiar”. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 964. 179 Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf>. Acesso em 17.11.2015.
123 �
CONCLUSÃO
O panorama jurídico atual no que tange à relação paterno-materno-filial é de
igualdade de tratamento aos filhos, independentemente de terem origem biológica, haverem
sido concebidos na constância do casamento, serem adotados ou terem sido acolhidos por
socioafetividade.
Hoje a família é vista como o espaço de realização da dignidade e da felicidade de
seus membros, não havendo lugar para diferenciações jurídicas baseadas somente em
fundamentos conservadores.
Pelo contrário. Cada vez mais formações familiares passam a ser aceitas pelo
direito como merecedoras de tutela jurídica, deixando de lado o entendimento de que somente
é família a união entre homem e mulher com o intuito de procriação.
Justamente por isso, as expressões pai e mãe não se prestam a designar,
necessariamente, aquela pessoa que possui laço genético com o ser humano que concebeu. O
título de pai e/ou de mãe depende muito mais de um ato de vontade no sentido de estabelecer
um vínculo de filiação do que de um acontecimento natural, qual seja a reprodução.
Esse ato de vontade, conforme se verificou no presente trabalho, pode estar
presente não só quando, após o nascimento, os progenitores passam a cuidar do seu
descendente como filho, dispensando-lhe todos os cuidados devidos. Também é possível
perceber referida manifestação de vontade quando uma ou duas pessoas optam por adotar um
infante, ou por acolher como filho uma criança ou um adolescente que foi abandonado pelo
seu ascendente biológico.
Prevalece, assim, o entendimento no sentido de que é pai e/ou mãe aquele que
cria.
Consequência dessa realidade é o surgimento de todos os deveres inerentes ao
vínculo paterno-materno-filial tanto para os pais biológicos com para os adotivos e os
socioafetivos, uma vez que cabe aos pais (independente de como passaram a ocupar essa
posição) o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.
124 �
Não restam dúvidas, portanto, que o dever de prestar alimentos aos filhos menores
surge também quando se está diante da adoção e da filiação originada na socioafetividade,
pois em qualquer das modalidades de filiação estará presente a carência do infante, que é
incapaz de prover a sua própria subsistência e por isso demanda a assistência dos pais.
Ocorre que os alimentos devidos às crianças e aos adolescentes têm por escopo
mais do que garantir-lhes o necessário à subsistência. É esse auxílio material que possibilita o
seu pleno e adequado desenvolvimento (físico, mental, moral, espiritual e social), de modo a
garantir a integral realização de sua dignidade.
E, em algumas situações excepcionais, a assistência financeira é indispensável
para atender a necessidades especiais de alguns infantes, que, em razão de condições pessoais
carecem de maiores cuidados, sejam eles médicos, psicológicos, pedagógicos etc.
Nesses casos, a ausência dos recursos necessários acabará por lesar o menor, que
não terá condições de atender às suas peculiares demandas.
Ocorre que, sendo esse infante filho adotivo ou socioafetivo de seus pais e tendo
seu ascendente genético condições materiais para arcar com os alimentos necessários, não se
admite o argumento de que, em razão da quebra do poder familiar, não há mais que se falar
em obrigação alimentar.
Em que pese não ter o genitor biológico estabelecido vínculo de filiação com seu
descendente, não se pode negar que existe em relação a ele a responsabilidade decorrente da
concepção.
Explica-se. Tendo sido o responsável pela transferência do material genético que
deu origem a essa nova vida, mesmo que não se torne pai ou mãe, será responsável pelos
danos que sua conduta de entregar à adoção ou de abandonar vier a causar.
Apesar de serem atos admitidos pelo direito e que, na grande maioria das vezes só
trazem benefícios para a criança que vem a ser acolhida por pessoas que querem ser seus pais,
é possível que, pela adoção consentida ou pela socioafetividade, deixe o infante de ter acesso
aos recursos materiais de seu ascendente biológico, recursos esses, que, diante de situações
excepcionais, se tornam indispensáveis para garantir seu adequado desenvolvimento.
125 �
Assim, nos casos em que se verificar a impossibilidade de obter alimentos frente
aos seus pais (adotivos ou socioafetivos) e, com isso, estiver sendo violada a dignidade do
menor que requer cuidados especiais, será possível acessar o ascendente genético para obriga-
lo a arcar com os alimentos de maneira subsidiária e complementar.
Essa possibilidade surge porque a situação deve ser analisada também pela ótica
da responsabilidade civil. Ou seja, havendo conduta causadora de um dano e nexo de
causalidade entre elas, haverá o dever de reparação.
E, diante de casos excepcionais, se verifica que a conduta do genitor biológico
(anuir com a adoção de seu filho por outra pessoa ou abandonar a criança ou o adolescente)
quando tiver por consequência a negativa do auxílio material necessário para atender às
peculiares necessidades do infante acabará por causar-lhe um dano (violação à dignidade)
dando ensejo ao dever de reparação, que será atendido mediante a prestação dos alimentos
devidos.
Essa obrigação alimentar, entretanto, à semelhança do que ocorre com os
alimentos prestados pelos avós, será devida em caráter subsidiário e complementar à
obrigação dos pais.
Defende-se no presente trabalho, portanto, a existência de uma obrigação
alimentar do ascendente genético que surge não em razão do vínculo de filiação, mas da
responsabilidade civil decorrente da concepção.
Essa obrigação, ademais, somente aparece em casos específicos nos quais o
infante tem necessidades excepcionais que seus pais não podem atender, mas que podem ser
amparadas com os recursos do genitor biológico.
Depende, portanto, de estarem presentes todos os elementos que dão origem à
responsabilidade civil, quais sejam: conduta, dano e nexo de causalidade entre eles.
Não se trata, assim, de recorrer ao ascendente genético em todos os casos de
adoção ou socioafetividade somente com vistas a aumentar os rendimentos mensais do menor,
mas sim de responsabilizá-lo pelas necessidades que este menor possa vir a ter, em caráter
excepcional, e que não possam ser atendidas pelos seus pais, de modo que a negativa de
acesso ao genitor biológico acabaria por provocar uma lesão à sua dignidade.
126 �
Ou seja, apesar de constituírem verdadeiros vínculos de filiação, a adoção e a
socioafetividade somente se verificam quando a pessoa responsável pela concepção não
assume seu descendente como filho, seja entregando-o, seja abandonando-o. Por elas rompe-
se o laço de filiação genético e cria-se outro.
Porém, o fim do poder familiar que ocorre naturalmente para o genitor biológico
não é motivo suficiente para negar ao infante o direito de acessá-lo quando houver real
necessidade de auxílio material para, em razão de suas peculiaridades, garantir-lhe o
adequado desenvolvimento.
Isso porque, apesar de ser um fato regulado pela biologia, a concepção também se
enquadra como conduta passível de gerar responsabilidade civil.
127 �
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