Mercado dos resíduos
industriais sacode a criseCom as políticas nacionais ainda por definir neste domínio, osnúmeros mostram que a quantidade de resíduos industriaisbaixou em 2010, apenas porque a crise assim o quis. Para o futu-ro, o objectivo passa por reforçar a eficiência e pela desburocrati-
zação da relação entre operadores e Estado.
É um novo ciclo que se avizinha para a
gestão dos resíduos industriais em Por-
tugal. Com a revisão em curso do Plano
Estratégico dos Resíduos Industriais
(PESGRI), o que significa também a
sua avaliação, o Plano Nacional de
Gestão de Resíduos (PNGR), que este-
ve em consulta pública até Julho, já dá
algumas indicações relativamente ao
que se pretende para este segmento no
futuro próximo. O documento introduz
a perspectiva de ciclo de vida, em que a
gestão do stock físico como fonte de
matérias-primas «deve ser prevista nas
políticas, uma vez que a gestão dos resí-
duos que lhes estão ou virão a estar
associados pode induzir benefíciosambientais significativos», através da
recuperação de materiais rejeitados,incorporando-os em novos produtos ou
transformando-os em energia, contri-
buindo assim para a redução da utiliza-
ção de matérias-primas virgens.
E a prevenção da produção de resíduos
que se destaca, a reboque das premissas
e exigências europeias. O PNGR espe-cifica que, tendo em conta o valor de
referência considerado de produção de
resíduos em 2009, que foi de 28,8milhões de toneladas, para 2020, pres-
supõe-se uma diminuição absoluta de
20 por cento da quantidade de resíduos
produzidos no nosso país face a 2009,
alicerçada em acções de prevenção de
resíduos, quer a nível dos resíduos urba-
nos e equiparados, quer a nível dos resí-
duos não urbanos.
Pedro Afonso Paulo, secretário de
estado do Ambiente, avançou ao
Água&Ambiente que «temos a pers-pectiva de podermos contribuir paraum sector mais eficiente e sustentá-vel». Nesta lógica, a ideia é imprimiruma visão transversal aos instrumen-
tos de política que a tutela pretendeutilizar. «Estamos a estudar a possibi-
lidade de os vários operadores passa-rem a participar na gestão, quer aonível das plataformas de registo de
resíduos, quer do autocontrolo, querde guias electrónicas, por exemplo»,especifica o governante, garantindoque, com este método, «podemos ter
poupanças do lado do Estado e tam-bém do lado dos operadores priva-dos». Não há necessidade de o sistema
«ser absolutamente público e centrali-
zado», como é actualmente, sendo quese consegue manter a mesma qualida-
de ao nível dos registos, da garantia de
sigilo, entre outras características pró-
prias de plataformas em que os opera-dores participem.
«Queremos desburocratizar a relaçãodos operadores com o Estado. Assim,todos os operadores licenciados poderãoconcorrer à gestão do sistema, onde par-
ticipam como operadores de gestão de
resíduos. Temos estudos que demons-
tram poupanças significativas para o
Estado e os operadores privados, porque
hoje, com a multiplicidade de operações
exigidas pela administração, há encar-
gos muito significativos para os opera-dores. O que não se traduz, necessaria-
mente, em termos de eficiência», sugerePedro Afonso Paulo. Na prática, as
empresas que hoje gerem resíduos vão
ser chamadas a criar novas plataformas
ou a gerir as que já existem, como acon-
teceu, por exemplo, com o MOR.
A prevenção de resíduos
industriais é uma das
premissas europeias,
mas pouco se tem avançado
a este nível
A desclassificação dos resíduos é outra
das questões chave na actual política,
porque «contribui para a eficiência do
sector e das cadeias industriais. Devi-damente alinhados encaminharemos
muito menos resíduos para destino
final, ou seja, teremos menos desperdí-cio porque a competitividade das cadeias
de valor vai contribuir para a competiti-
vidade das empresas à medida queconsigam internalizar essas técnicas e
metodologias», aponta ainda o secretá-
rio de Estado.
De acordo com o PNGR, actualmente
do total de materiais consumidos pelosistema económico apenas seis porcento dos recursos consumidos foram
valorizados não energeticamente. Assim,
as taxas de gestão de resíduos devem
ser alinhadas com estes objectivos, o
que não significa automaticamente o
seu aumento. Em alguns casos, as taxas
podem mesmo baixar. O objectivo é
contribuir para o reaproveitamento,
quer em termos de reciclagem quer em
termos de aproveitamento energético, e
«não penalizar os fluxos que não têm
outro tipo de aproveitamento». Penali-zados poderão ser os resíduos exporta-dos quando estão em causa destinos que«não são claramente os destinos mais
adequados», e beneficiados os resíduos
importados para casos em que o País
tem excesso de capacidade instalada.
Prevenção é palavrade ordemMas se o plano das intenções é prome-tedor, muitas dúvidas há relativamente à
concretização dessas mesmas intenções.
Até agora pouco tem sido feito emmatéria de prevenção de produção de
resíduos industriais. Na sequência do
PESGRI foi elaborado o PRE RESI,com o propósito de proceder ao desen-
volvimento e à demonstração de medi-
das e tecnologias de prevenção de resí-
duos, no contexto dos processosprodutivos de actividades industriais,fomentando uma cultura de produçãona óptica do "zero" resíduos. O projectofoi concluído em 2006 com «sucesso»,de acordo com uma fonte ligada ao pro-cesso. Aliás, o relatório de conclusão do
PRE RESI apresenta como indicadores
a realização de 83 538 acções de demons-
tração e casos de estudo para programas"zero" resíduos, 1 1 1 027 acções de
divulgação e informação, 12 422 acções
de fomento e cooperação, para além da
formação de 34 mil activos de empresasdos sectores envolvidos. No entanto, a
prevenção de produção de resíduos nos
sectores industriais ficou-se por aqui, há
cerca de cinco anos. Fonte ligada ao
processo explica que os casos de suces-
so não foram divulgados, acompanha-dos ou promovida a sua replicação nos
mais diversos sectores de actividade.
Carlos Martins, administrador da EGF,também reforça a necessidade de se
apostar na prevenção da produção de
resíduos, o que «não significa acabar-se
com a produção de resíduos, porqueisso é impossível, mas pode-se mini-mizá-los». A grande questão é que cada
vez se gasta mais com o tratamento e
destino final dos resíduos, quer porquestões tecnológicas, quer, por exem-
plo, por problemas de falta de espaço,nomeadamente com a sobreutilizaçãodos aterros. Daí a urgência em «avançar
para o terreno». Importante é promovero aumento do tempo de vida dos produ-
tos, a redução da quantidade de mate-
riais utilizados para o seu fabrico e
embalamento e a redução dos compo-nentes perigosos utilizados, sugere.No PNGR pode ler-se, que, ao nível das
empresas, deve apoiar-se a criação de
plataformas de informação sobre boas
práticas geradoras de eco-eficiência,incluindo as técnicas de prevenção de
resíduos. «Orientado para os produtores e os consumi-
dores em geral, deve fomentar-se a elaboração de um
catálogo electrónico de produtos reutilizáveis e produ-tos fabricados com materiais reciclados, conjugando-ocom certificados de qualidade desses produtos», obser-
va o documento.
Deposição em aterro cresceDe acordo com informação da Agência Portuguesa do
Ambiente, em 2010, a deposição em aterro de resíduos
industriais não perigosos (RINP) foi de 554 970 tone-
ladas, verificando-se um aumento deste destino final,desde 2008. Nesse ano, foram recepcionadas 200 mil
toneladas nos respetivos aterros, valor que chegou a
perto de 300 mil toneladas, em 2009. Os valores mais
recentes da entidade, relativos a 2009, mostram que49,5 por cento dos resíduos não urbanos produzidosforam valorizados materialmente ou energeticamente,
enquanto 50,5 por cento foram sujeitos a eliminação,sobretudo através do recurso ao aterro.
Esta situação contrasta com a redução das quantidadesde resíduos produzidas, que diminuiu em 2009 face a
anos anteriores. «Uma das razões para este facto
poderá estar associada ao abrandamento económico,
que se reflectiu, por exemplo, na redução da actividade
do sector da construção e obras públicas», segundo a
Agência Portuguesa do Ambiente. Do total de resíduos
não urbanos produzidos em Portugal, em 2009, a
maior parte são considerados resíduos não perigosos,
enquanto dez por cento são considerados como resí-duos perigosos.
Miguel Henriques, presidente do Conselho de Admi-
nistração da Lena Ambiente, uma das empresas deten-
toras de aterros de RINP, acredita que, apesar da pers-
pectiva de crescimento do mercado, este não deverá
ser feito com o aparecimento de mais aterros. «O País
já tem uma cobertura nacional, mais ou menos razoá-
vel. Com soluções específicas, como aterros para resí-
duos de construção e demolição, por exemplo, não se
justifica a construção de mais aterros em Portugal»,
avança ao Agiia&Ambiente.A unidade do CITRI, em Setúbal, foi a primeira deste
tipo a entrar em funcionamento em Portugal, em
Março de 2002, então com uma capacidade considerá-
vel de 1,6 milhões de toneladas. Seguiu-se depois a
estreia da unidade da Resilei, em Leiria, que entrou em
funcionamento em Outubro de 2002. A sua capacidadeé de 620 mil toneladas. Um ano depois, em Abril de
2003, Castelo Branco foi o concelho contemplado com
um aterro deste tipo, pela mão da Lena Engenharia e
Construções. A sua capacidade é também da ordem
das 650 mil toneladas. No mesmo ano, mas em Novem-
bro, foi a vez de a Chamusca inaugurar o seu aterro
(Ribtejo), com uma capacidade de mais de 550 miltoneladas. A Lena Engenharia e Construções foi res-
ponsável por abrir outra destas infra-estrutura em
Janeiro de 2005, desta feita localizada em Beja, com
uma capacidade de mais de 800 mil toneladas. Já em
Agosto de 2008, a CME abriu as portas de outro aterro
em Alenquer para uma capacidade de 750 mil tonela-
das. O maior aterro para resíduos industriais não
perigosos é o da Valor-Rib (em Famalicão), que abriu
as portas em Março de 2009, e que conta com uma
capacidade de projecto de 1,7 milhões de toneladas.
Em Maio do mesmo ano também se estreou a RIMA,em Lousada, mas com uma capacidade mais reduzida,de 694 mil toneladas.
Neste sentido, a estratégia da Lena Ambiente passa,
precisamente, por estes novos segmentos. Nos resí-
duos de construção e demolição (RCD), a empresaacabou de constituir uma sociedade, a Ambißatalha,com a respectiva autarquia, para gerir um aterro de
inertes, também recém-licenciado, localizado numa
antiga pedreira da região. No domínio dos combustí-veis derivados de resíduos (CDR), a Resilei aguardao licenciamento para a construção de uma unidadedeste tipo, que deverá estar operacional este mês. OCDR será escoado para a Secil. «Acreditamos que os
CDR podem ser os produtos do futuro, isto num hori-
zonte de cinco anos», sugere o responsável da LenaAmbiente. Além dos sete aterros para resíduos não
perigosos de origem industrial, Portugal dispõe de três
aterros para resíduos industriais de sectores específi-
cos, e ainda oito aterros para resíduos não perigosos de
estabelecimentos industriais, dois aterros para resíduos
perigosos, seis aterros para resíduos inertes destinados
à recuperação paisagística de pedreiras e dois aterros
de resíduos inertes.Lúcia Duarte
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