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OS LIMITES NO ATENDIMENTO PSICOLÓGICO DA CRIANÇA NO SEU
CONTEXTO FAMILIAR
Maria Paula Miranda Chaim
Dra. Virgínia Elizabeth Suassuna Martins Costa
Goiânia – GO
Fevereiro / 2019
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OS LIMITES NO ATENDIMENTO PSICOLÓGICO DA CRIANÇA NO SEU
CONTEXTO FAMILIAR
Maria Paula Miranda Chaim
Dra. Virgínia Elizabeth Suassuna Martins Costa
Artigo apresentado ao Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Gestalt-terapia. Campo de Estágio: Centro de Estudos e Pesquisas de Psicologia (CEPSI)
Banca Examinadora: Dra. Virgínia Elizabeth Suassuna Martins Costa Presidente da Banca: Professor-Supervisor Data da Avaliação: __________/__________/__________ Nota final:___________________________________________ Daniela Mendonça Leão de Araújo Professor Convidado Data da Avaliação: __________/__________/__________ Nota final:___________________________________________ Solana Carneiro Fernandes Professor Convidado Data da Avaliação: __________/__________/__________ Nota final:___________________________________________
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Os Limites no Atendimento Psicológico da Criança no seu Contexto Familiar The Limits in the Psychological Care of Children in their Family Context Los Límites en el Servicio Psicológico del Niño en su Contexto Familiar
Categoria: Relato de Pesquisa
Resumo: Antes do século XX a criança era desvalorizada. Transformações culturais alteraram a forma de percebê-la. O mesmo ocorreu nos contextos terapêuticos de acordo com as perspectivas psicológicas. Na abordagem gestáltica, criança é vista inserida num contexto familiar, onde o contato forma fronteiras nas quais alguns distúrbios podem se instalar, entre eles a confluência a proflexão e a deflexão que serão abordadas neste trabalho. Desse estudo participou Ana, 6 anos, seu irmão gêmeo e seus pais no CEPSI e as queixas envolviam a dificuldade do pai em aceitar a diferenciação da filha por ser gêmea. Concluiu-se que por meio da perspectiva humanista, a terapeuta apreciou a totalidade e a alteridade da criança, permitindo o descobrimento da sua própria fronteira do eu. Palavras-chave: Gestalt-terapia; fronteiras de contato; família; criança. Abstract: Before the twentieth century the child was devalued. Cultural transformations have altered the way of perceiving it. The same occurred in the therapeutic contexts according to the psychological perspectives. In the gestaltic approach, the child is seen inserted in a familiar context, where the contact forms borders in which some disturbances can be installed, among them the confluence the profusion and the deflection that will be approached in this work. From this study participated Ana, 6, her twin brother and her parents at CEPSI and the complaints involved the father's difficulty in accepting the daughter's differentiation for being a twin. It was concluded that through the humanist perspective, the therapist appreciated the totality and the otherness of the child, allowing the discovery of its own border of the self. Keywords: Gestalt therapy; contact boundaries; family; Child. Resumen: Antes del siglo XX el niño era devaluado. Las transformaciones culturales cambiaron la forma de percibirla. Lo mismo ocurrió en los contextos terapéuticos de acuerdo con las perspectivas psicológicas. En el abordaje gestáltico, el niño es vista insertada en un contexto familiar, donde el contacto forma fronteras en las cuales algunos disturbios pueden instalarse, entre ellos la confluencia a la profética y la deflexión que serán abordadas en este trabajo. De ese estudio participó Ana, 6 años, su hermano gemelo y sus padres en el CEPSI y las quejas envolvían la dificultad del padre en aceptar la diferenciación de la hija por ser gemela. Se concluyó que por medio de la perspectiva humanista, la terapeuta apreció la totalidad y la alteridad del niño, permitiendo el descubrimiento de su propia frontera del yo. Palabras Clave: terapia Gestalt; fronteras de contacto; la familia; niño. Introdução
A origem de um olhar atentivo ao desenvolvimento e cuidados das crianças, iniciou-se
apenas no século XX, os primeiros filósofos a defender a existência de determinadas
características inatas do ser humano, foram J.J Rousseau e I. Kant (Marcílio, 1998; Ribeiro,
2006). A ideia da filosofia de Rousseau (1978), afirmava que a criança nascia com uma
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bondade natural e com um sentimento inato do que é certo e errado. Já a de Kant (1993), o
desenvolvimento infantil pode estar ligado a existência de categorias inatas de pensamento,
como as de tempo e espaço.
Ainda no âmbito do desenvolvimento, três teorias clássicas foram idealizadas com
o objetivo de compreender o crescimento humano, sendo elas: psicanálise freudiana; teoria
do desenvolvimento do psicólogo suíço Jean Piaget; e o pensamento da teoria do
desenvolvimento moral de Kholberg. Algumas das características comum que permeiam
entre as três perspectivas é a ideia do desenvolvimento em etapas, onde em cada uma existe
as características, as particularidades e os desafios a serem superados para avançar ao novo
estágio (Miranda, Silva & Malloy-Diniz, 2018).
Embora estas três perspectivas, somadas à outras existentes tenha, trazido
contribuições significativas para a compreensão do desenvolvimento emocional, cognitivo,
social e moral, com a modernidade dos estudos, a percepção sobre a criança sofreu e sofre
constantemente influências tanto do contexto histórico, quanto cultural, fazendo com que a
forma de compreender e experienciar o que é ser criança se transforme cronologicamente e
consequentemente, modificando a forma de compreender e experienciar o que é ser criança
(Miranda, Silva & Malloy-Diniz, 2018; Pimentel, Araújo, 2007).
Neste contexto, para compreender a criança como ser único, independentemente de
sua cronologia, necessita-se de uma perspectiva humanista existencial, encontrada na
abordagem gestáltica (Pimentel, 2003). Etimologicamente, Humanismo é tudo aquilo que
se volta para o humano, que é relativo ao homem e que o define como o ser criador de seu
próprio ser. A postura humanista, segundo Ribeiro (1985) e Amatuzzi (2012) conduz à
reflexão sobre o que há de positivo, criativo e potencializador no ser humano, mesmo
sabendo de suas limitações, deficiências e impossibilidades.
Compreendido a perspectiva humanista, entende-se que o ser humano é um ser em
formação. Baseado nesta afirmação e na filosofia humanista como um todo, surge uma linha
de pensamento denominada de existencialismo. A mesma é entendida como um conjunto de
doutrinas filosóficas cuja a ideia central é a existência humana em sua concepção individual
e particular tendo por objetivo compreender o homem como ser concreto nas suas
circunstâncias e no seu viver, ou seja, nas suas relações, conforme se mostra na sua realidade
(Cardoso, 2013).
Assim como na perspectiva humanista, na perspectiva existencial, o homem é
considerado um ser livre e responsável por construir a própria existência (Cardoso, 2013).
Sartre (2012), um dos principais filósofos precursores desta vertente, afirma que “a
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existência precede a essência”. Isso significa que o homem surge no mundo como um ser
particular, sem a possibilidade de definição prévia, e somente depois poderá vir a ser, como
um ser livre para escolher sua essência a cada instante, consumando, assim, seu projeto de
vida de ser no mundo (Cardoso, 2013; Ribeiro, 1985).
Em continuidade aos pressupostos humanista e existencial, o homem é um ser que
se forma em relações, descobrindo através delas suas potencialidades. Entretanto existem
diversas formas de se relacionar, umas permitindo um encontro ajustado em relações de
igualdade e outras não. Compreende-se como relações de igualdade, quando as pessoas
inseridas na relação visam compreender, experienciar e individualizar o significado do
existir. Buscando assim uma integridade humana, que se dá através dessa relação paritária,
gerando assim o encontro existencial (Feldman, 2006; Ribeiro, 2007; Ribeiro 1985).
O encontro existencial enfatiza a importância do inter-humano na constituição do
ser. Para Buber (2001), o encontro, no qual cada uma das partes envolvidas aprecia a
alteridade e a totalidade d outro, simultaneamente, é denominado de relação Eu-Tu.
A relação Eu-Tu é uma atitude de intenso interesse pelo outro, um interesse genuíno,
valorizando a sua alteridade, ou seja, quando há um reconhecimento do outro como um ser
singular e único, que é separado de si mas tendo em comum a humanidade e a relação, em
que se é parte um do outro (Hycner, 1995). Por outro lado, o homem também se relaciona
com a superfície das coisas e as experiências. Para este tipo de relação Buber (2001) a
denominou como relação Eu-Isso. A relação Eu-Isso ocorre quando a outra pessoa com
quem se relaciona é coisificada, e o “Eu” faz dela um objeto, utilizando-a como um meio
para um fim. Essa relação é necessária para a vida do ser humano, todavia ela se torna
deletéria a partir do momento em que se relaciona apenas dessa forma (Hycner, 1995).
Baseado nestas bases filosóficas, surge a fenomenologia, cuja a etiologia alemã
utiliza do sentido etimológico grego de logos – razão, e também o sentido de aparência
(Petrelli, 2001). Para King (2001), fenomenologia pode ser definida como “o estudo das
formas como algo aparece ou se manifesta, em contraste com estudos que procuram explicar
as coisas a partir de relações causais ou processos evolutivos” (p. 109). A forma como algo
se manifesta é o que se chama de fenômeno.
Vale-se ressaltar que nesta filosofia fenomenológica, a consciência é intencional, ou
seja, está relacionada a algo. Husserl (1962) foi um dos autores que retoma a separabilidade
entre sujeito e objeto. Afirmando que existe o sujeito e o objeto que se manifesta a ele. O
que se assemelha a filosofia de Hegel (1990),o fenômeno não contrasta como essência. O
fenômeno é em si a essência.
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Para ser possível empregar o método fenomenológico nasceu uma forma de
investigação denominada por epoché ou redução fenomenológica (Husserl, 1962) onde a
teoria husserliana defendia que a epoché é permanente, constante e interna. A epoché vai
consistir em suspender qualquer juízo existente a priori para que possa perceber a realidade
tal como ela é e consequentemente proporcionar uma ampliação da consciência classificada
por awareness (Frazão, Funkumitsu, 2013; Yontef, 1998).
Ribeiro (2006) classifica a awareness como o ato de estar consciente da própria
consciência, de ir ao encontro da própria intencionalidade. Demonstrando que essa forma
de consciente ultrapassa o domínio intelectual, traduzindo-se numa transcendência na qual
o ser se percebe como um todo integrado no universo.
Observa-se que o homem como ser único e em relação com o mundo está presente
nos aparatos filosóficos citados, que, em união com a Psicologia da Gestalt, proporcionam
sustentação das teorias da Gestalt-terapia (Cardella, 2002). A Psicologia da Gestalt enfatiza
que, a organização de fatos, percepções, comportamentos ou fenômenos, e não os aspectos
individuais de que são compostos, define e lhes dá um significado especifico e particular.
Além disso, ainda no mesmo princípio, desenvolve conceitos como figura e fundo, todo e
parte, que são hoje, uns dos principais conceitos da Gestalt-terapia e que comprovam que o
homem não pode ser compreendido como um ser separado em partes, pois a todo momento
ele pode emergir novas figuras, sendo assim, afirmado mais uma fez a importância da
totalidade (Ginger & Ginger, 1995; Ribeiro, 1985; Polster & Polster, 2001).
Como o homem é um ser de relação e precisa ser compreendido em sua totalidade,
Kurt Goldstein buscou compreendê-lo através do método holístico, desenvolvimento a
Teoria Organísmica. A partir desta visão o homem passou ser considerado como um
organismo em sua totalidade, um ser dinâmico que se autorregula, que sofre por qualquer
alteração que ocorrer no campo e pode modificar sua forma exclusiva de ser. (Cardella,
2002; Lima, 2005; Perls, 1988).
Compreende-se por maneira exclusiva a forma como o homem se relaciona com o
mundo, de maneira individual, enfatizando que, ser e mundo, sujeito e objeto, não são dois
absolutos, independentes, mas dois polos ligados em relação recíproca de cognoscibilidade,
como afirma, Berg (1973). Bisnwanger (1967), por seu turno, enfatiza que o mundo,
apresenta-se ao homem em três aspectos simultâneos, porém diferentes: o circundante, o
próprio e o humano. O primeiro refere-se às relações estabelecidas no ambiente, diante do
qual o sujeito se autorregula. Dele fazem parte as condições externas e o próprio corpo; o
mundo próprio caracteriza-se pela significação que as experiências têm para o sujeito e, pelo
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conhecimento de si próprio. Finalmente o mundo humano, aquele que diz respeito ao
encontro e convivência da pessoa com seus semelhantes.
Diante desta relação, observa-se que a Gestalt-terapia é uma abordagem
fenomenológico-existencial, com uma visão holística que, prioriza as formas que o ser-no-
mundo, estabelece contato, seja consigo mesmo ou com o mundo. Existencialmente falando,
com suas cinco dimensões, racional, emocional, física, social e sagrada, segundo, Ginger &
Ginger (1995). Concluindo que, dentro dessa perspectiva clínica, o organismo não é
autossuficiente, precisa sempre do contato com o meio para a sua sobrevivência,
intencionando-o e estabelecendo suas fronteiras de contato.
Para Yontef (1998) o termo contato, refere-se a todo o processo de reconhecer o self
e o outro, pela movimentação em direção a conectar-se / fluir-se, e também por separação /
afastamento (Yontef, 1998, p. 237). Ribeiro (2007) complementa a ideia dizendo que
contato é o processo que permite a relação acontecer; a experiência humana se dá entre as
vivências do indivíduo. Segundo os pressupostos gestálticos, as dimensões do ser estão
predispostas ao contato e todos os seus sentidos são canais entre o indivíduo e o mundo
externo. A diferença vivida entre si e o outro permite o encontro; a relação de aproximação
e separação possibilita a organização da fronteira e simultaneamente sua delimitação,
favorecendo a preservação da própria identidade. A fronteira de contato é considerada
portanto, o espaço limítrofe subjetivo onde os eventos psicológicos acontecem.
Ribeiro (2007), descreve este mecanismo como o ciclo, composto por processos que
definem os fatores de cura (fluidez, sensação, consciência, mobilização, ação, interação,
contato final, satisfação e retirada) e por aspectos que definem os bloqueios de contato
(fixação, dessensibilização, deflexão, introjeção, projeção, interação, retroflexão, egotismo
e confluência). Estas são formas polares complementares, que representam a dinâmica entre
saúde e doença.
No que se refere aos aspectos do bloqueio de contato, a fixação é compreendida
como processo do qual a pessoa se apega excessivamente a outro ser, ideias ou coisas, se
sentindo incapaz de explorar situações instáveis; a dessensibilização é caracterizada pela
diminuição sensorial do corpo, não diferenciação de estímulos externos e perda do interesse
por sensações novas e mais intensas; a deflexão é marcada pela evitação do contato, onde a
pessoa se sente desvalorizada e apagada; a introjeção é o processo do qual a pessoa obedece
e aceita opiniões arbitrárias sem conseguir se defender, preferindo a rotina, simplificações e
situações facilmente controláveis; a projeção é quando a pessoa se sente ameaçada pelo
mundo em geral, identificando facilmente nos outros dificuldades e defeitos semelhantes
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aos seus, demonstrando dificuldade em assumir responsabilidades pelo que faz; a proflexão
é o desejo do ser, que os outros sejam como ele; a retroflexão é quando o ser deseja ser como
os outros desejam que ele seja, ou deseja ser como as outras pessoas são; o egotismo é
marcado pelo processo do qual a pessoa se coloca sempre como centro das coisas, exercendo
um controle rígido e excessivo no mundo externo; a confluência é decorrente do processo
do qual a pessoa se apega fortemente aos outros, sem diferenciar o que é dele e o que é do
outro.
Aproximando-se no contexto infantil, observa-se que a criança, desde seu
nascimento, estabelece relações, visto que está inserida num contexto familiar, onde o
contato entre o eu e o não-eu dialeticamente ocorre entre o ponto de união e divisão na
fronteira do mesmo. A família, portanto do ponto de vista da Gestalt-terapia, apresenta o
principal campo do qual a criança está inserida. Pode ser compreendido, então, como uma
totalidade, no qual, os sujeitos, encontram-se em permanente interação, afetando-se uns aos
outros em busca da melhor forma possível de autorregulação. Portanto, uma vez que seus
elementos estão em permanente interação, o comportamento de cada familiar estará
relacionado e dependerá do comportamento de todos os outros (Aguiar, 2014).
O desenvolvimento da criança inevitavelmente perpassa os mecanismos de contato
em suas várias formas. Inicialmente estes se manifestam a partir de introjeções e
confluências, fundamentais para a sobrevivência. Posteriormente, a criança se percebe no
processo de diferenciação, assumindo sua própria medida ao demonstrar suas
potencialidades e limitações, manifestando novas possibilidades de contato, assimilando
e/ou rejeitando o que é nutritivo ou não do ambiente. Muitas vezes os pais dificultam essa
diferenciação buscada pela criança, exigindo que as confluências e as introjeções, entre
outras formas disfuncionais de ser e estar no mundo, sejam mantidas. Portanto, faz-se
necessário investigar por meio do atendimento da criança e de seu contexto familiar, como
ocorrem os vínculos estabelecidos, ou seja, as vivências das introjeções, confluências, e
todos aspectos que fazem parte do encontro de diferentes subjetividades e de suas formas de
se autorregular. Nesse sentido, o comportamento da criança ainda que incomode os pais,
parece estar a serviço de um equilíbrio maior, o que na maioria das vezes não é percebido
pela família (Aguiar, 2014).
Diante desta realidade, o presente trabalho pretende sob a fundamentação filosófica
e teórica da Gestalt-terapia, em particular do uso da metodologia dialógica e
fenomenológica, relatar o processo de atendimento de uma criança, cuja as queixas
envolviam, o fato de assumir posturas diferentes em relação a alimentação, socialização e
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linguagem, em comparação com seu irmão gêmeo. Tendo como objetivo evidenciar a
dificuldade de diferenciação da criança do seu contexto familiar. Sendo justificado pelo
interesse despertado na futura Gestalt-terapeuta em compreender a criança, como um ser
único e exclusivo, fruto das relações estabelecidas.
Metodologia
Participante:
O presente estudo teve como participante Ana (nome fictício), 6 anos de idade, sexo
feminino, bivitelina, e sua família, sendo esta composta por: pai, mãe e seu irmão gêmeo.
As queixas sobre Ana envolviam, o fato de assumir posturas diferentes em relação a
alimentação, socialização e linguagem, em comparação com seu irmão bivitelino.
Materiais:
Utilizou-se durante todo o trabalho um consultório, no Centro de Estudos e Pesquisa
de Psicologia (CEPSI), da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), localizado
na Rua 232, número 128, segundo andar, Setor Universitário na cidade de Goiânia - Goiás.
Instrumentos:
Foram utilizados Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), gravador
digital, papel, caneta, régua, mesa, seis cadeiras, almofadas, tapete, computador, pen drive,
impressora, lápis de cor, tinta, pincel, folhas, caderno, cartolina, relógio, e brinquedos
educativos como: casinha, bonecas, quebra-cabeça, jogo da memória, massinhas, entre
outros.
Procedimentos:
A terapeuta escolheu aleatoriamente uma das fichas para atendimento psicológico
dentre as disponíveis no cadastro de espera no CEPSI. Os atendimentos terapêuticos
ocorreram semanalmente, com duração 50 minutos cada, totalizando seis sessões entre
agosto e novembro de 2014. Todavia, serão utilizados neste trabalho apenas cinco sessões.
A terapeuta, a cliente e a família firmaram o contrato terapêutico, no qual constavam
normas da clínica, sigilo terapêutico, dia, horário da sessão e ausências às sessões. Ciente
dessas informações, a família e a cliente concordaram em participar do estudo e assinaram
o TCLE, autorizando assim a gravação das sessões, para fins estritamente acadêmicos.
A metodologia dialógica e fenomenológica foram utilizadas ao longo dos
atendimentos, a fim de vivenciar o compartilhar das igualdades e semelhanças das formas
de ser e estar no mundo dos envolvidos no processo terapêutico. Além de possibilitar abordar
uma compreensão da individualidade da criança.
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Resultados e Discussão
Serão apresentados relatórios e/ou trechos transcritos das sessões realizadas com a
cliente de forma a evidenciar a trajetória por ela percorrida, ao buscar se perceber no
processo de diferenciação, assumindo sua própria individualidade ao demonstrar suas
potencialidades e limitações, manifestando novas possibilidades de contato, assimilando
e/ou rejeitando o que é nutritivo ou não do ambiente. Serão utilizadas as siglas: C.
representando a criança, P. o seu pai, M. a sua mãe, I. a seu irmão, T. a Terapeuta e V. a Co-
terapeuta.
Na primeira sessão com a criança não houve rejeição ou dificuldade de estabelecer
vínculo com a terapeuta. A criança entrou desacompanhada dos pais ao consultório e,
quando solicitada se comunicava, utilizando pouco repertório verbal, não elaborando frases
por completo e demonstrando preferências em se expressar através dos gestos. No decorrer
do atendimento a criança optou por brincar sozinha, tendo preferências pela brincadeira com
bonecas e trocas de roupa nas mesmas. Entretanto, algumas roupas a criança não conseguia
colocar sozinha.
Nesse momento vemos que o brinquedo foi um importante recurso no processo
terapêutico, uma vez que por meio do lúdico a cliente pode se expressar e mostrar sua
maneira de ser e agir no mundo, evidenciando que brincar também é uma forma de
comunicação (Aguiar, 2014).
Durante todo o atendimento, a terapeuta utilizava do método da descrição
fenomenológica para compreender a brincadeira da criança, suspendendo os seus valores
pessoais. E através do método e da forma de brincar da criança, a terapeuta chegou ao eixo
da terapia: ajuda. Posteriormente, foi inserido no processo terapêutico o pai, visando
demonstrar que todas as pessoas precisam de ajuda.
Percebe-se aqui que a T. somente consegue apreender o fenômeno que emerge no
consultório, descrevendo o que se mostrava na realidade. Postura de suma importância,
defendida por Frazão & Funkumitsu (2013) e Ribeiro (1985). Para além disso, T. demonstra
a relevância de considerar a totalidade que a criança está inserida, no caso a família. Como
proposto por Ribeiro (2007).
A sessão foi finalizada solicitando a presença do pai para realização do contrato
terapêutico, onde foi acordado que em algumas sessões o pai, a mãe e o irmão gêmeos iriam
participar e que também teriam atividades para desenvolverem em casa. Após
consentimento do pai, a terapeuta explicou o que havia sido trabalhado na primeira sessão e
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solicitou que os envolvidos do processo terapêutico escrevessem ou desenhassem em casa
as coisas que fazem com e sem ajuda, em função do que se evidenciou na sessão.
Logo no início da segunda sessão, Ana se direcionou aos brinquedos silenciosamente
e a terapeuta a acompanhou realizando a descrição fenomenológica e utilizando da temática
da primeira sessão: ajuda.
T: (...) pegou um sapo (...) agora a Ana pegou a boneca (...) guardou a boneca e
começou a brincar com o carrinho do macaco. O carrinho do macaco está indo para frente
e para atrás. O macaco precisa de ajuda para ele conseguir andar um pouco mais. Nós
podemos tentar ajudar o macaco a andar um pouco mais. (...) agora a Ana vai brincar com
os ursos (...) urso difícil para colocar de cabeça para baixo. Ele está precisando de ajuda
para ficar em pé. Olha só a Ana está ajudando o urso. Quando a Ana ajuda o urso consegue
ficar em pé. (...)
Neste momento pode-se perceber, que a terapeuta buscou estabelecer um contato
com a criança. Assim como afirma Buber, 2009, o terapeuta precisa entrar em uma relação
genuína com o cliente, permitindo-se, no contexto terapêutico, que o cliente se torne
presente, aceitando e percebendo a cliente em sua totalidade, como um ser único.
Demonstrando a importância do terapeuta compreender a necessidade de estabelecer uma
sintonia com o outro muito antes de lhe apontar responsabilidades ou ajuda-lo a pensar em
ações.
A fim de auxiliar no desenvolvimento do processo terapêutico a Co-terapeuta
começou a participar dos atendimentos. Iniciou sua intervenção situando a criança no aqui
e agora, perguntando sobre a tarefa da semana passada e solicitando a ajuda da criança para
incluir os elementos da família presentes. Foi perguntando para a criança quem ela gostaria
que entrasse primeiro, dentre o pai e o irmão, tendo em vista que apenas os dois haviam
comparecido. Imediatamente ela disse que seria seu irmão gêmeo João.
Observa-se que a criança utilizou da sua capacidade de escolha para delimitar quem
ela gostaria que entrasse na sessão, demonstrando que sabe o que quer e para onde pretende
ir, indicando sua liberdade e responsabilidade pelas suas escolhas. Essa perspectiva é
assumida pela visão humanista existencialista defendida por Ribeiro (2007).
Logo que João adentrou no consultório, começou a explorar os diversos brinquedos
e indagar a terapeuta sobre a funcionalidade. Neste momento, a terapeuta, conectou ao eixo
da sessão anterior relacionada à necessidade de pedir “ajuda”, em alguns momentos. Neste
contexto por meio de uma leitura do sistema, ficou evidenciado que ambos precisavam de
ajuda. O que os igualava no aqui-e-agora.
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No processo de observação do diálogo entre os irmãos, evidenciou-se na fala do
irmão, uma tentativa de apressar o tempo de Ana. Diante deste fenômeno que se mostrou, a
co-terapeuta investiga.
V: (...) Quando a Ana estava falando, você falou assim, Ana fala... fala... fala... (...)
você lembra da palavra que você usou?
I: Logo.
Neste momento a co-terapeuta teve como objetivo compreender como essa atitude
do irmão afetava suas fronteiras de contato. Investigando: V: Isso logo. Ana, o que que você
sente no seu coraçãozinho quando o João fala: Fala logo!
A Co-terapeuta trouxe as emoções e sentimentos vividos pela cliente para o aqui-e-
agora, porque uma das finalidades da psicoterapia é a recuperação do emocional, é
reexperienciar o passado e futuro com a força da energia do presente (Ribeiro, 2007).
C: Nada.
Neste momento é notório a dificuldade de Ana de estar em contato com a realidade,
demonstrando claramente o que afirma a teoria de Ribeiro (1997) referente ao bloqueio de
contato denominado de deflexão, que é a evitação do contato e o sentimento de
desvalorização experienciado pela pessoa.
A partir deste momento, a terapeuta e a co-terapeuta optaram pela a utilização de
algumas técnicas em Gestalt-terapia, para que as crianças pudessem compreender a relação
estabelecida entre eles e o significado de suas falas.
T: (...) Eu estou entendendo que você João está me falando que a Ana demora um
tempo maior para falar. Então que o reloginho da Ana, anda mais devagar que o reloginho
do João.
A partir dessa descrição fenomenológica, a terapeuta tentou possibilitar às crianças
a compreensão de que cada uma tem a sua individualidade, utilizando a vivencia do tempo,
apesar de serem gêmeos.
Diante disso, a terapeuta utilizou de materiais lúdicos e de técnicas de construção de
um material concreto: relógio; para que vivenciassem como lidam com o tempo, aspecto
trazido por João ao tentar apressar Ana na fala. Como defendido por Costa (2014) e Ribeiro
(2007) a valorização das diferentes maneiras de vivenciar o tempo é essencial, visto que este
não é matemático, mas sim funcional e relacional e carregado de sensações e emoções que
são fatores de diferenciação entre os seres.
Para participar da atividade e compreender as individualidade dos filho gêmeos, o
pai foi convidado a entrar no setting terapêutico, visto que era o único membro da família
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que estava na recepção.
Como afirma a teoria de Ribeiro (2007) e Rodrigues (2013), a pessoa aprende a ser
nas suas relações e existem forças do campo que interferem diretamente na percepção e
comportamento que cada pessoa tem de si.
Após o pai adentrar no consultório a terapeuta e a co-terapeuta os situaram da sessão
e o envolvou na atividade de desenhar o relógio e demonstrar a velocidade do tempo. Neste
momento o pai demonstrou uma consciência ampliada sobre a atividade realizada no
processo terapêutico, relatando que o seu “relógio” é mais lento e aparentando compreender
a individualidade dos filhos.
P: (...), muitas vezes o outro não aprende na mesma hora.
V: Repete o que o papai falou. Cada um vai repetir o que o papai falou.
O Co-terapeuta, ao pedir para que as crianças repetissem o que o pai havia dito, tinha
como objetivo solicitar a conscientização por parte das criança. Pois como afirma Perls,
(1997) a conscientização é a condição básica para fornecer aos pacientes a compreensão de
suas próprias capacidades e habilidades, de seu equipamento sensorial, motor e intelectual.
P: (...) cada um tem um tempo.
T: Olha só a Ana foi mais rápida para fazer o relógio dela do que o João. (...) cada
pessoa tem o seu relógio, (...) seu tempo (...)
Neste momento a terapeuta demonstrou estar atenta à temporalidade e espacialidade
das crianças e do pai. Pois de acordo com Ribeiro (2007), é fundamental tal intervenção,
pois é necessário trabalhar sempre no aqui-e-agora.
Além de demonstrar a questão da temporalidade no contexto familiar, junto com o
pai e o irmão, foi trabalhado também a questão de solicitar ajuda. Foi também trabalhado a
percepção de que necessitar do outro, faz parte do convívio social.
Neste momento percebe-se uma percepção distorcida do pai em relação ao filho,
fazendo jus a queixa, o mesmo denigre a filha em detrimento da supervalorização das
habilidades do filho. Tanto é que ele se surpreende com a dificuldade do filho. A pergunta
a seguir demonstra neste detalhe:
P: O João não da conta de escrever o nome dele normal? – pergunta o pai em uma
postura que evidencia surpresa.
T: O João não deu conta, ele precisou de ajuda.
C: Eu não preciso de ajuda para fazer tarefa de casa.
Neste momento observa-se que Ana é capaz de expressar-se enfatizando a sua
autossuficiência do que se refere a tarefa de casa. Percebe-se que neste momento ela se
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diferencia de uma das queixas apresentadas no início da terapia pelo pai, que era a
dificuldade de se expressar. Assim, pode-se inferir que Ana, assim como seu pai ampliaram
a sua consciência a respeito de si próprio e das habilidades de Ana. De acordo com Alvim
(2014) awareness, é um processo que envolve contato, sentimento, excitamento e formação
de Gestalten. Sendo todos estes demonstrado pela criança no todo do diálogo. Além disso,
demonstrou estar situada no aqui e agora, ao mostrar suas habilidades de escuta através do
responder.
Baseado nestes dois temas: temporalidade e a necessidade natural de solicitação de
ajuda, no final da sessão o pai pediu ajuda novamente para uma das queixas dita no início
do processo terapêutico que era: quantidade de ingestão de alimentos. Em função do vivido
e para que se ampliasse a awareness das diferenças, das habilidades e das medidas de cada
um, foi solicitado pela terapeuta que trouxessem na sessão seguinte um balão, para que fosse
utilizado um recurso da Gestalt-terapia. A solicitação do material foi para que eles já
iniciassem o contato em casa com a flexibilidade do balão e suas diversas possibilidades de
tamanho, dependendo do ar que ele pudesse conter. Além disso, o objetivo era evidenciar
também que cada um, em um determinado tempo e espaço, poderia se apresentar de
diferentes formas o que também acontece com a tarefa e a agilidade descritas ao longo da
sessão e também ao tamanho do estômago.
Na sessão posterior, ou seja, na terceira sessão, Ana já é capaz de expressar seus
sentimentos quando ela se refere a tristeza que está sentindo porque o cachorro da sua avó
está doente e em seguida relembra que trouxe o balão, ferramenta solicitada no atendimento
anterior.
C: Eu trouxe 4 balão.
TE: Você trouxe 4 balões, que bacana. E o que que nós vamos fazer (...)?
C: Por dentro da barriga.
Devido a dificuldade de se expressar, a terapeuta pediu para que a Ana explicasse
como seria colocar o balão dentro da barriga e a criança a partir de uma comunicação não
verbal demonstrou a intenção de dizer que o balão iria representar o tamanho dos estômagos.
Ainda na tentativa de conectar todos os eixos terapêuticos de Ana, a terapeuta buscou
recordar junto com ela o que mais já havia sido trabalhado na terapia e Ana respondeu:
C: O relógio.
TE: O relógio. (...), isso mesmo. E o que que você aprendeu com o relógio?
C: Que eu sou mais rápida para fazer tarefa.
Mais uma vez é possível compreender a ampliação da consciência de Ana, visto que
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ela é capaz de perceber em si algo positivo, ainda que no seu contexto familiar fosse
evidenciado os fenômenos negativos.
Ainda em sintonia com o que foi dito pela criança a terapeuta buscou também o que
tinha falado em outras sessões e aproveitou para investigar o que que ela fazia devagar, já
que a tarefa ela fazia rápido.
TE:A Ana faz tarefa rápida e o João (...) devagar. E o que que a Ana faz devagar.
Em seguida Ana respondeu: C: Eu como.
TE: Ah, você come devagar. E o que que o João faz rápido?
C: Ele veste roupa mais rápido.
C: (...) cada pessoa tem o seu relógio.
A criança a cada momento demonstra seu avanço no processo de diferenciação,
compreendendo as individualidades. No decorrer da sessão a terapeuta buscou confirmar o
vivido da criança, valorizando suas habilidades e sua forma única de ser. No momento em
que foi iniciado sobre a questão da alimentação, foi perguntado para a criança quem ela
gostaria que entrasse ao consultório, e a mesma respondeu que seria a mãe.
Neste momento a criança demonstrou a fluidez do seu campo, visto que nas sessões
passadas se mostrava mais próxima de seu irmão. Este aspecto é valorizado pela teoria de
campo, proposta por Ribeiro (2007) onde fluidez é um fator de cura que representa a
dinâmica entre saúde e doença.
Assim que a mãe e a criança entraram na sala, a terapeuta não percebeu que ela era
magra. Após a permanência apenas das duas na Terapia, entraram o restante da família. A
terapeuta deu continuidade explicando que cada pessoa tem sua forma de organizar seu
tempo e relacionou a questão da individualidade do comer. Neste momento foi solicitado
que cada pessoa enchesse um balão do tamanho que era o seu estômago.
Cada pessoa da família começou a encher o seu balão. Ana e sua mãe encheram um
tanto que consideram o balão pequeno; João e o pai, consideraram os balões grandes.
Vale a pena considerar que fisicamente o pai estava acima de 90 kg e a mãe abaixo
de 50 kg. O que de alguma maneira fica evidenciado também pelo tamanho dos balões
apresentados.
No momento da dinâmica com os balões fica evidente a presença da teoria de campo,
proposta por Kurt Lewin e a importância de compreender o ser como único, individual,
proposto pela teoria existencialista. Como afirma Holanda (2014) e Forghieri (2004) o
homem tem a possibilidade de fazer a construção e a desconstrução contínua do seu
paradoxo existencial.
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Na quarta sessão, a criança por si só, retoma o tema da sessão anterior afirmando:
C: (...) a pessoa come o tanto que cabe na barriga.
No decorrer do atendimento, a terapeuta e a criança, começaram a relacionar o que
haviam aprendido sobre ajuda, tempo e individualidade com o eixo na alimentação. Toda
essa recapitulação, ocorreu enquanto a criança realizava um desenho de seu corpo. No
decorrer da atividade Ana relatou que seu tempo passa devagar enquanto come, que come
pouco, mas que nesta semana havia se alimentado mais. Demonstrando assim ter
consciência sobre o seu corpo e como afirma Ribeiro (2006) conseguindo ultrapassar o
domínio intelectual para uma visão transcendental de seu todo integrado.
Em seguida, a terapeuta fez uma síntese, do que havia sido pronunciado pela criança.
Essa ferramenta é explicada por Feldman (2004) quando cita a importância de uma síntese
com conteúdo para demonstrar o que foi compreendido do discurso do cliente.
TE: (...) quanta coisa Ana, você me contou que come pouco e devagar, que o seu
reloginho, na hora de comer, passa devagar. Mas em compensação quando você está
fazendo tarefa ele passa rapidinho. E agora você me contou que na semana passada você
comeu mais e se sentiu bem. Falou também que se sentir bem é melhor.
Em continuidade, pode-se afirmar que a terapeuta deve uma escuta diante da
afirmação da cliente de que ela tivesse comido mais, porém o mais para a criança, podia não
ser o mais exigido naquele contexto familiar. Nas fronteiras de familiaridade comer estava
associado a uma quantidade que não era ingerida por Ana.
Em seguida o pai entrou e a terapeuta tentou ampliar a consciência do pai no que se
refere a comida, ainda com objetivo de favorecer a habilidade de exposição e expressão de
Ana. Por isso perguntou:
TE: (...) Ah papai!! A Ana contou que essa semana foi diferente. O que que foi
diferente essa semana Ana?
C: Eu comi. Como devagar.
TE: Então olha só papai, a Ana está contando para gente que essa semana a barriga
dela tinha mais comida, (...) ela comeu (...) e que seu reloginho passa devagar (...). Agora
vamos pedir ajuda para o papai para ele nos explicar o que está entendendo?
P: Então vamos lá. A gente aprendeu que cada um tem seu tempo. Que cada um tem
a quantidade certa de comer, não é? Que uns comem muito outros comem menos. E que o
tempo para comer, uns comem mais rápido e outros mais devagar. É isso?
C: É.
Em seguida o pai afirma: P: Senti melhora na questão de alimentação dela. (...) essa
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semana depois da terapia ela começou a alimentar um pouquinho melhor.
TE: Ana, você está ouvindo o que que o papai está falando?
C: To.
TE: (...) ele percebeu igual a você. (...). A Ana essa semana comeu mais papai e isso
precisa ser valorizado.
Neste momento percebe-se a ampliação da consciência do pai e uma relativa
confirmação. Embora ainda não satisfaça a expectativa da quantidade ingerida.
No final da sessão o pai apresentou novamente a queixa de que a criança falava
pouco. A TE buscou valorizar as diferentes formas de falar. Além disso, o pai apresentou
reclamação sobre a alimentação, afirmando que estava fraca e pouca. A criança interagiu
mostrando que estava mudando sua forma de ser.
C: Ontem eu comi tudo.
Neste momento fica evidenciado a tentativa da criança de se diferenciar da
expectativa imposta pelo pai em relação a comida. Até o presente momento era recorrente o
mecanismo de confluência entre a vontade do pai e o sentimento de necessidade da filha.
Como afirmado por Ribeiro (2007) confluência é o processo do qual a pessoa se apega
fortemente aos outros, sem diferenciar o que é dela e o que é do outro.
Ainda assim o pai completou: P: Ontem você comeu tudo de uma refeição. Das 3
que você teve, você apenas jantou e deixou ainda um pouquinho no prato.
Perante esta afirmação, a terapeuta aproveita para demonstrar a importância de
valorizar o bom, o belo e o positivo. Como afirmado na teoria humanista descrita por
Amatuzzi (2012)
TE: Ah, então ela está comendo pai. Muito bem Ana. Está diferente do que estava.
C: Eu deixei um restinho mais depois eu voltei e comi.
É notório o quanto a criança está em processo de desenvolvimento da consciência de
suas ações, de suas potencialidades e individualidades; buscando constantemente, formas de
ser percebida em sua singularidade por seu pai.
Na sexta sessão, a terapeuta e a co-terapeuta sentiram a necessidade de compreender
novamente as expectativas do pai. Portanto, nesta sessão, foi feito a descrição do diálogo
entre a terapeuta, co-terapeuta e o pai, no sentido de que este vem reclamar que seus
objetivos não estavam sendo alcançados. Ainda assim as terapeutas tentam expor que o
objetivo da Gestalt-terapia é o resgate da singularidade e a compreensão da criança em seu
contexto familiar. Como defendido por Aguiar (2014).
Logo ao adentrar ao consultório e ser situado sobre o objetivo da sessão, o pai disse:
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P: Para te dizer a verdade, a gente estava buscando ajuda, então foi indicada pelo fono
essa ajuda né. Viemos pela indicação da fono para ajudar na terapia com o fono, (...) as
outras coisas foram colocadas pela conversa que a gente teve. Então assim, eu penso que,
pode ajudar, não fazer terapia (...) não vou comparar um filho com o outro, (...), porque
cada ser é um individuo, e como a gente tem aprendido, temos que respeitar o espaço e a
vontade, ser independente, eu não posso impor. (...). Agora, (...) a gente pode deixar ela só
com a fono. Tá? Porque assim, (...) cada vez que a gente vem, eu sou bombardeado, como
se eu tivesse precisando de ajuda, (...) o foco não sou eu. É ela. (...) a nossa expectativa tem
sido atendida um pouquinho só, (...) se é para continuar dessa forma a gente prefere que de
alta pra ela.
Para efeito deste trabalho, não foi transcrito a quantidade de informações falada pelo
pai, que gerou a sensação na terapeuta de ausência de espaço para falar. O que
provavelmente também poderia estar acontecendo com a própria filha. Mesmo assim a
terapeuta completa:
TE: Então pai, (...), dentro das suas expectativas, eu não vou conseguir aumentar o
tamanho da barriga da Ana, eu não vou conseguir fazer com que a Ana fale mais com a
boca, (...) Retomando sobre o que o senhor falou de ser bombardeado, (...) O nosso objetivo
na terapia não é este, é mostrar as diferenças. (...) eu trabalhar com a Ana individualmente
não terá o mesmo resultado, de quando envolve a família. (...)
P: (...) eu estou sendo bem sincero com você, abrindo meu coração e falando o que
que eu espero. (...) Eu sei que a psicologia não vai ajudá-la, (...) quem convive com ela, sou
eu, os irmãos e a minha esposa. Nós que temos que ajudá-la, (...) mas que não fique apenas
colocando o foco na gente (...) ela também tem as necessidades dela. (...). Como eu disse na
semana passada. Da alimentação.
Neste momento observa-se que o pai não escutou o que a terapeuta disse e inclusive
enfatizando: P: Não é porque a barriga dela é pequenininha que ela tem que comer
pequenininho. (...) isso também serve para a comunicação.
O pai compreende a terapia de forma diferente da criança, da terapeuta e da co-
terapeuta, não conseguindo valorizar a melhora e reconhecer a nova forma de ser da criança.
Em seguida, a terapeuta questiona a criança se ela está compreendendo exatamente o que
está sendo dito pelo pai e a mesma afirma que sim, porém o pai continua dizendo:
P: (...) Eu vou ter que procurar um gastro para ver. Porque uma criança, (...) não
ter a mínima vontade de comer e o pensamento dela é eu quero ficar magra igual a minha
mãe. (...). Ou seja, tem algo errado nessa criança.
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Neste momento o pai demonstrou uma falta de contato com o significado apontado
pela criança perante o seu comportamento. Apontando uma forma de bloqueio de contato,
denominada por Ribeiro (1997) de proflexão, onde há um desejo de transformar a percepção
e o outro de acordo com os seus desejos.
Ao longo de todo o processo terapêutico, a terapeuta fez o constante exercício de
valorizar o desenvolvimento da criança, em detrimento de um olhar adoecido expressado
pelo pai. Visto que o objetivo da terapia era aceitar e compreender as diferenças e o pai
desejava enquadrar a filha nas suas fronteiras de familiaridade, o processo terapêutico foi
encerrado, pois dentro das propostas da Gestalt-terapia, não foi possível satisfazer os desejos
do pai.
Considerações Finais
Nesta experiência, pude visualizar e vivenciar as dificuldades de enfrentar as
fronteiras de familiaridades no atendimento infantil. O pai não conseguiu perceber a
totalidade da filha, focando apenas em partes individuais como: tempo, dificuldade,
intencionalidade e quantidade. Durante todo o processo terapêutico, o que foi figura para o
pai era a confluência de Ana com seu irmão gêmeos. Sendo necessário trabalhar a
reversibilidade com o pai para que ele percebesse a filha em sua totalidade. Para mim, Ana
descobriu suas potencialidades e sua liberdade para ser diferente. Assim a grande luta
terapêutica foi entre o ser igual e ser diferente.
Neste momento, pode compreender o que Aguiar (2014) afirma em sua teoria: a
criança está inserida em um campo familiar, os elementos estão em permanente interação.
Ou seja, o comportamento de cada familiar estará relacionado e dependerá do
comportamento de todos os outros. Esta afirmação foi notória na prática, pois nos momentos
em que a criança começou a se ajustar de forma mais saudável e de acordo com as suas
medidas, o pai demonstrou perder o seu equilíbrio, não compreendendo a forma de
manifestação da criança como um processo de diferenciação, mas sim como uma
incapacidade da terapia em ajudá-la.
Consequentemente, o processo terapêutico demonstrou a dificuldade do pai em
aceitar o processo de diferenciação da criança, visto que a finalidade imposta por ele era a
igualdade no aspecto psicológico entre os irmãos, assim como ocorria no sentido fisiológico
por serem gêmeos. Esta apreensão familiar é abordada na teoria de Aguiar (2014) no
momento em que afirma que: o comportamento da criança ainda que incomode os pais,
parece estar a serviço de um equilíbrio maior, o que na maioria das vezes não é percebido
pela família.
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Ademais, no atendimento psicológico com Ana, seu irmão gêmeos, seu pai e sua
mãe, pode-se concluir que é de suma importância compreender os limites existentes neste
contexto familiar, entendendo que nenhuma manifestação do ser acontece em um vazio, a
mesma está sempre inserida em um campo relacional, como afirma o autor Ribeiro (2007)
"“A doença é relacional. Não existe doença em si, pois, se a doença é negação de parte da
energia de uma totalidade, admiti-la em si é admitir a existência do nada (...) Doença é
fenômeno como processo (...)” (p.53).
Por isto, conclui-se que Ana não possui os diagnósticos e os "rótulos" que a foi
imposta por seu contexto familiar. Ela é apenas uma criança que se ajusta dentro das suas
possibilidades e dentro das possibilidades do campo a qual faz parte. Sendo assim, a criança
precisa ser vista como um ser saudável, pois o seu adoecer, imposto pelos pais, é fruto de
uma relação desarmoniosa entre a criança, seu ambiente e suas relações.
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