UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL
LUCAS MILMANN DE CARVALHO
ECOLOGIA ALIMENTAR DO BOTO, Tursiops truncatus (Montagu, 1821), NO
LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL, SUL DO BRASIL
IMBÉ
2011
LUCAS MILMANN DE CARVALHO
ECOLOGIA ALIMENTAR DO BOTO, Tursiops truncatus (Montagu, 1821), NO
LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL, SUL DO BRASIL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas com ênfase em Biologia Marinha e Costeira na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.
Orientador: Dr. Paulo Henrique Ott.
IMBÉ, 2011
M659e Milmann de Carvalho, Lucas
Ecologia alimentar do boto, Tursiops truncatus (Montagu, 1821), no litoral norte do Rio Grande do Sul, sul do Brasil. / Lucas Milmann de Carvalho. – Cidreira, 2011.
57f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado) – Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Curso de Ciências Biológicas com Ênfase em Biologia Marinha e Costeira, Imbé/Cidreira, 2011.
Orientador: Paulo Henrrique Ott
1. Dieta de delfinídeos. 2. Ecologia trófica marinha. 3. Ciências da vida. 4. Tursiops truncatus I. Ott, Paulo Henrique, orient. II. Título.
LUCAS MILMANN DE CARVALHO
ECOLOGIA ALIMENTAR DO BOTO, Tursiops truncatus (Montagu, 1821), NO
LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL, SUL DO BRASIL.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas com ênfase em Biologia Marinha e Costeira na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.
Aprovado em:_____/_______/_______
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________
Profª Dra. Larissa Rosa de Oliveira
_____________________________________
Profº Dr. Ignacio Benites Moreno
_____________________________________
Profº Dr. Eduardo Guimarães Barboza
Dedico este trabalho à minha família, em
especial aos meus avôs e avós...
AGRADECIMENTOS
A conclusão deste trabalho seria impossível sem a colaboração de
algumas pessoas e instituições que, de diversas formas, deram sua contribuição
em diferentes etapas. Destas, manifesto um agradecimento especial:
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), pela concessão das bolsas e apoio ao projeto “Mamíferos e Aves
Marinhas da Costa do Rio Grande do Sul: Conservação e Monitoramento
Ambiental” (Processo no 572180/2008-0).
A todos os funcionários e técnicos do Centro de Estudos Costeiros,
Limnológicos e Marinhos (CECLIMAR), da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) e também da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
(UERGS). Não me sinto apto a destacar nomes, pois são muitos os que me
acompanharam e auxiliaram no desenvolvimento da pesquisa com ótimo humor.
Obrigado à Roberta Aguiar dos Santos (CEPSUL-ICMBio), pela ajuda
fundamental e treinamento para a identificação de “bicos” de polvos e lulas.
À minha família pelo suporte incondicional. Sem vocês eu não chegaria
perto de concluir este projeto ou bacharel como o fiz! À Samanta da Costa, que
também é família e que me ajudou e apoiou de inúmeras formas...
A todos os integrantes do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do
Rio Grande do Sul (GEMARS), pelo auxílio na coleta, necropsia dos exemplares,
processamento dos dados. Entre eles ao Guilherme, pela ajuda com as fotos e
ao Federico, pelas discussões sobre o trabalho e pela companhia no mar.
Além disso, gostaria de agradecer pela vivência e companhia daqueles
que ao longo dos anos de trabalho se tornaram amigos e mostraram o mundo da
pesquisa.
Ao professor Malabarba, pela confiança e espaço cedido em seu
laboratório quando precisei. Estendo o agradecimento a todos os integrantes do
laboratório de Ictiologia da UFRGS, também ao pessoal do LABSMAR.
Agradeço aos botos, momentos compartilhados na água! Também por,
involuntariamente, me servirem como objeto de estudo.
“Is not truth that makes man great, but man that makes truth great.”
CONFUCIUS
“Only those who take leisurely what the people of the world are busy about can be
busy about what the
people of the world take leisurely.”
CHANG CHAO
RESUMO
A ecologia alimentar do boto, Tursiops truncatus, foi avaliada através da análise do
conteúdo estomacal de 25 espécimes encontrados encalhados, entre novembro de
1991 e outubro de 2009, no litoral norte do Rio Grande do Sul, sul do Brasil. As
presas foram identificadas a partir de estruturas mais resistentes à digestão, como
otólitos de teleósteos e bicos de cefalópodes. A frequência de ocorrência (%FO), a
frequência numérica (%FN) e o índice de importância relativa (IIR) foram utilizados
para determinar a importância de cada presa na dieta de T. truncatus. Dos 25
estômagos analisados, dois estavam vazios e dois continham apenas ossos de
teleósteos que não puderam ser identificados. Nos 21 estômagos restantes foram
encontrados 1.477 itens, correspondendo a um mínimo de 794 presas. Um total de
17 espécies de presas foi identificado, incluindo 15 teleósteos e dois cefalópodes.
Os peixes foram responsáveis por 99,01% do total de presas ingeridas, sendo que
os cefalópodes representaram 0,99%. As três principais presas identificadas foram
Trichiurus lepturus, Paralonchurus brasiliensis e Mugil sp., dentre os teleósteos.
Dorytheutis plei, foi a espécie mais importante dentre os cefalópodes. No entanto, os
cefalópodes não foram considerados representativos na dieta da espécie. Os dados
coletados indicam que T. truncatus, no sul do Brasil, é um predador oportunista, de
amplo espectro alimentar, que se alimenta de uma grande variedade de tipos de
presa na zona costeira, apresentando preferência por estas três espécies de
teleósteos no litoral norte do Rio Grande do Sul.
Palavras chave: Tursiops truncatus, boto, alimentação, hábitos alimentares, dieta,
sul do Brasil.
ABSTRACT
The feeding ecology of the bottlenose dolphin, Tursiops truncatus, was analyzed
through the analysis of stomach contents from 25 stranded specimens, between
November 1991 and October 2009, in the northern coast of Rio Grande do Sul state,
southern Brazil. The preys were identified throughout most digest resistant
structures, like fish otoliths and cephalopod beaks. The frequency of occurrence
(%FO), numeric frequency (%FN) and the Index of Relative Importance (IRI) were
taken into consideration to determine of importance for each prey found in the diet of
T. truncatus. From the 25 stomachs analyzed, two were empty and other two had
only a few fish bones that couldn’t be identified and were not taken into account. The
other 21 stomachs had 1.447 items, corresponding to 794 preys. In this study, 17
prey species were identified, including 15 bone fishes and two cephalopods. Fishes
were responsible for 99,01% of the total prey ingested, whereas the cephalopods
represented only 0,99% of the total. Three main prey species were identified,
including Trichiurus lepturus, Paralonchurus brasiliensis, and Mugil sp.. Dorytheutis
plei was the most important cephalopod species. This last group was not considered
as a major prey for T. truncatus in the area. The present data shows that T.
truncatus, in southern Brazil, has a wide feeding spectrum although an opportunistic
predator, feeding on a big variety of prey in coastal areas, showing preference for
this three teleost species in the northern coast of Rio Grande do Sul, southern Brazil .
Key words: Tursiops truncatus, bottlenose dolphin, diet, feeding, food habits,
southern Brazil.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................9
1.1 Tursiops truncatus (Montagu, 1821).......................................................................9
1.2 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DA DIETA DE MAMÍFEROS MARINHOS.........12
1.2.1 Otólitos.............................................................................................................13
1.2.2 Bicos Córneos.................................................................................................15
2 OBJETIVOS............................................................................................................17
2.1 OBJETIVO GERAL...............................................................................................17
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS................................................................................17
3 ÁREA DE ESTUDO................................................................................................18
4 COLETA DE DADOS..............................................................................................20
5 ANÁLISE DA DIETA...............................................................................................21
6 RESULTADOS........................................................................................................27
6.1 TAMANHO E COMPOSIÇÃO DA AMOSTRA......................................................27
6.2 COMPOSIÇÃO DAS PRESAS.............................................................................28
6.3 CARACTERIZAÇÃO DOS TELEÓSTEOS E CEFALÓPODES INGERIDOS .....29
6.4 IMPORTÂNCIA DAS PRESAS.............................................................................30
6.5 COMPRIMENTO DAS PRESAS EM RELAÇÃO AO DOS PREDADORES .......34
6.6. COMPARAÇÃO COM A PESCA.........................................................................35
6.8 FREQUÊNCIA DE INGESTÃO DE “DEBRIS”......................................................36
7 DISCUSSÃO...........................................................................................................37
8 CONCLUSÕES.......................................................................................................44
REFERÊNCIAS..........................................................................................................45
APÊNDICE.................................................................................................................51
APÊNDICE A..............................................................................................................51
9
1 INTRODUÇÃO
1.1 Tursiops truncatus (Montagu, 1821)
O boto, Tursiops truncatus (Figura 1), é um cetáceo pertencente à família
Delphinidae. Esta espécie possui ampla distribuição em regiões tropicais e
temperadas de todo o mundo, ocorrendo tanto em águas costeiras quanto oceânicas
(WELLS; SCOTT, 2009).
Figura 1: Tursiops truncatus (G1447) com CT= 240 cm, encalhado em Cidreira. Fonte: F. S. Perez (GEMARS), junho de 2011.
Atualmente, T. truncatus é classificado como “Baixo Risco” (LC) pela União
Mundial pela Conservação da Natureza (IUCN, 2010), assim como pelo Plano de
Ação dos Mamíferos Aquáticos do Brasil (IBAMA, 2001). Apesar de ser uma espécie
relativamente bem estudada, existem ainda muitas lacunas a respeito do seu
tamanho populacional, taxas de mortalidade, estruturação genética e mesmo sobre
sua taxonomia. Independentemente a estas incertezas, a espécie vem sofrendo
10
diversas pressões antrópicas ao longo de sua distribuição, incluindo principalmente
capturas acidentais em redes de pesca e degradação dos ambientes (FRUET et al.,
2010; IBAMA, 2001; VAN BRESSEN et al., 2007).
No Brasil, a espécie está presente ao longo de todo o litoral, desde o Amapá
ao Rio Grande do Sul (SICILIANO et al., 2006), tendo seu limite austral no Atlântico
Sul Ocidental na Terra do Fogo, Argentina (GOODALL et al., 2011). Possui registros
ainda em ilhas oceânicas, como o Arquipélago de São Pedro e São Paulo
(MORENO et al., 2009; OTT et al., 2009), Fernando de Noronha (SILVA-JR; SILVA;
SAZIMA, 2005) e no Atol das Rocas (BARACHO et al., 2007).
No sul do Brasil, a espécie pode ser frequentemente avistada em águas
costeiras, penetrando na foz de rios e lagunas (Figura 2) (SIMÕES-LOPES, 1991).
Em vários destes estuários, existe uma forte associação da espécie com pescadores
artesanais, especialmente, durante a pesca da tainha (Mugil sp.) (HOFFMANN,
2004; OTT et al., 2009; SIMÕES-LOPES; FABIAN; MENEGHETI, 1998; ZAPPES et
al., 2011).
Nos sistemas costeiros da região estão inclusos como principais problemas a
pescaria intensa, poluição por hidrocarbonetos, agroquímicos e metais pesados,
além do tráfico de embarcações. A importância de cada um destes fatores pode
variar de lugar para lugar. A perda e descaracterização do habitat são os principais
problemas para os mamíferos aquáticos de águas costeiras. No litoral do Rio
Grande do Sul diversas espécies de pequenos cetáceos são capturadas
acidentalmente na pesca costeira e de águas mais profundas, sendo um dos casos
mais críticos e conhecidos aquele da toninha, Pontoporia blainvillei (Gervais e
d’Orbigny, 1844) (MMA, 2010). O dano causado por pescarias costeiras parece ter
maior efeito em populações fixas (CRESPO, 2002).
Este é o caso da pequena população residente do boto, que conta com nove
indivíduos presentes ao longo do ano. Segundo o estudo de foto-identificação
realizado por Giacomo (2010), nove indivíduos foram fotoidentificados na
desembocadura do estuário, entre eles três filhotes. A maioria dos indivíduos
apresentou alto grau de residência (>0,15). Os botos foram avistados na
desembocadura do estuário de Tramadaí em 39,84% das vezes em que se realizou
esforço. Além disso, houve uma maior frequência de indivíduos da espécie nos
meses de outono (79,3% dos dias) e inverno (60,7% dos dias).
11
Figura 2: Espécimes de T. truncatus na entrada do estuário do Rio Tramandaí. Fonte: Foto do autor, setembro, 2010.
Contudo, apesar dos hábitos costeiros da espécie, as informações existentes
acerca da dieta de T. truncatus (DI BENEDITTO et al., 2001; LOPEZ et al., 2009;
MELO et al., 2010; MORENO, 1999; PINEDO, 1982; SANTOS; HAIMOVICI, 2001)
são ainda insuficientes para caracterizar seus hábitos alimentares ao longo da costa
brasileira. Nesse sentido, a maioria dos trabalhos realizados até o momento incluiu
um número relativamente pequeno de indivíduos e, à exceção de Lopez et al.
(2009), nenhum dos autores analisou o índice de importância relativa (IIR) (sensu
PINKAS; OLIPHANT; IVERSON, 1971), relacionando também à biomassa das
presas.
Neste trabalho são apresentados dados qualitativos e quantitativos a respeito
da ecologia alimentar de T. truncatus no litoral norte do Rio Grande do Sul, sul do
Brasil, bem como é realizada uma revisão dos estudos de dieta da espécie no Brasil
12
1.2 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DA DIETA DE MAMÍFEROS MARINHOS
Mamíferos marinhos, em geral, são consumidores de topo na cadeia
alimentar e, provavelmente, possuem um importante papel na determinação da
estrutura da cadeia alimentar (BOYD et al., 2010). Desta forma, o estudo da dieta
destes organismos é importante para a quantificação e caracterização das
interações tróficas, bem como para compreensão de outros aspectos de suas
histórias de vida, como distribuição e comportamento. O conhecimento a respeito da
dieta de mamíferos marinhos pode também ser uma importante ferramenta no
monitoramento e avaliação dos recursos pesqueiros de uma região (BASSOI;
SECCHI, 2002).
A análise da dieta de mamíferos marinhos, tradicionalmente, depende de
métodos indiretos, uma vez que as oportunidades de observação diretas do
comportamento alimentar são raras para a maioria das espécies. Métodos indiretos
de observação estimam a dieta a partir de amostras usando uma variedade de
métodos, que incluem estimativas quantitativas. Estas estimativas são mais
completas, pois utilizam inferências estatísticas e não apenas uma descrição de
quais presas são consumidas (BOYD et al., 2010).
A metodologia em relação ao estudo de dieta vem se desenvolvendo ao longo
do tempo, incluindo atualmente a comparação de isótopos estáveis (DI BENEDITTO
et al., 2011), assinaturas de ácidos graxos no tecido de predadores e presas (i.e.
métodos baseados em bioquímica) (WHEATLEY et al., 2007) e também a
identificação molecular da presa usando DNA (DEAGLE e TOLLIT, 2007). Outras
técnicas, como utilização de câmeras de vídeo aderidas aos indivíduos também tem
sido empregadas (BOWEN et al., 2002).
Cada metodologia possui suas vantagens e desvantagens e alguns trabalhos
já documentaram as possíveis problemáticas em estudos que analisam o conteúdo
estomacal (SANTOS; HAIMOVICI, 2001; DI BENEDITTO; RAMOS; LIMA, 2001).
Dentre as desvantagens, podemos citar a escassez de dados específicos sobre
frequência alimentar e processo digestivo dos predadores, desgaste das estruturas
de importância taxonômica e morfométricas das presas durante o processo
digestivo, taxa de digestão diferencial entre as presas e a possibilidade de regurgito
13
do predador, antes da morte. Nenhuma das metodologias está livre de limitações e o
uso de métodos complementares é recomendado (BOYD et al., 2010).
Contudo, historicamente, a dieta de mamíferos marinhos tem sido estudada
através da identificação dos restos das presas mais resistentes ao processo de
digestão (bicos córneos de cefalópodes, otólitos de peixes, mandíbulas),
recuperadas do estômago e intestino ou das fezes (DI BENEDITTO; RAMOS; LIMA,
2001).
1.2.1 Otólitos
Otólitos são concreções acelulares de carbonato de cálcio e outros sais
inorgânicos que se desenvolvem sobre uma matriz protéica, no ouvido interno dos
vertebrados, em estreita associação com as maculae sensitivas dos compartimentos
membranosos. Nos peixes as maculae das três câmaras labirínticas estão
associadas a otólitos, enquanto nos outros vertebrados tal associação apenas
ocorre no utriculus e no sacculus (ASSIS, 2002).
Enquanto que na maior parte dos vertebrados, incluindo peixes cartilaginosos,
anfíbios, répteis, aves e mamíferos, os otólitos apresentam aspecto de minúsculos
cristais. Nos peixes ósseos, são peças que, em número de três pares por indivíduo
(sagitta, lapillus, asteriscus), se cristalizam sobre forma de aragonite e atingem
normalmente dimensões apreciáveis, preenchendo quase completamente o interior
do compartimento do labirinto (CORDIER; DALCQ1, 1954 Apud ASSIS, 2002).
Sendo cerca de três vezes mais densos que o resto do corpo dos peixes, os
otólitos desempenham funções essencialmente estáticas e/ou auditivas e, devido a
algumas de suas características (dimensões, especificidade morfológica,
acessibilidade, composição química, microestrutura, fase da ontogenia em que são
formados e modo de crescimento) e à dependência dessas propriedades em relação
à variação dos fatores do meio em que o animal vive, encontram-se entre as peças
anatômicas mais práticas e úteis para inúmeras classes de estudos. Os otólitos
sagitta (Figura 3) são as peças anatômicas dos peixes mais utilizadas para
1 CORDIER, R.; DALCO, A. Organe Stato-Acoustique. In: Grassé, P. P. (Ed). Traité de Zoologie.
Paris: Masson, 1954. V. 12. P 453-521
14
identificação, estimativa de tamanho, peso e idade. Além disso, possuem grande
número de aplicações não só no campo da ictiologia como também de aspectos
relacionados aos domínios da Paleontologia, Arqueologia, Zoogeografia, Ornitologia
e Mastozoologia (ASSIS, 2002).
O principal objetivo dos estudos de ecologia alimentar é a aquisição de
conhecimentos relacionados à composição da dieta dos animais, recorrendo a todos
os meios apropriados e utilizando toda a informação disponível (ASSIS, 1992). Os
otólitos dos peixes ósseos, devido à sua localização no interior da cabeça, e à sua
natureza fortemente mineralizada, resistem à ação dos sucos digestivos dos
predadores ictiófagos, mantendo o seu aspecto mais ou menos intacto, bastante
tempo após a completa digestão dos tecidos moles e da desagregação do esqueleto
dos peixes ingeridos. Em alguns casos chegam a atravessar todo o tubo digestivo
dos predadores sem serem sujeitos a uma corrosão impeditiva da sua identificação
(ASSIS, 2004).
A partir dos otólitos amostrados em estômagos, dejetos e regurgitos dos
predadores ictiófagos, torna-se possível não só a identificação das presas
consumidas (PIERCE; BOYLE, 1991), mas também com base na frequência e
número de indivíduos com que cada espécie se encontra representada, estimar a
importância de cada presa na dieta das espécies.
Uma vez que tanto o crescimento dos peixes como o dos seus otólitos é
contínuo ao longo de toda a vida do animal, de acordo com uma regra de
proporcionalidade, torna-se possível, a partir de otólitos recolhidos fora do corpo do
peixe, e conhecida a regressão que traduz a proporcionalidade entre o crescimento
do corpo e dos otólitos, estimar as dimensões médias das presas consumidas e até
seu valor energético (FITCH; BROWNELL, 1968).
Por estes motivos, os otólitos constituem um precioso instrumento que,
apesar dos problemas práticos apontados por vários autores (PIERCE; BOYLE,
1991; PIERCE; BOYLE; DIACK, 1991), frequentemente permite uma caracterização
bastante detalhada da dieta dos predadores ictiófagos. Em alguns casos,
representam o único vestígio reconhecível deixado pelas presas ícticas após a
digestão (PINKAS; OLIPHANT; IVERSON, 1971).
O primeiro estudo em que os otólitos de peixes foram utilizados para
identificar as presas e descrever a dieta de predadores ictiófagos foi realizado no
início do século passado por Scott em 1903 (FITCH; BROWNELL, 1968). Desde
15
então, o número de estudos versando sobre a ecologia alimentar de animais
aquáticos em que os otólitos são utilizados na identificação de presas tem
gradualmente aumentado. A partir da década de 1970, essas peças vem sendo
rotineiramente utilizadas na identificação, quantificação e reconstrução das presas
de vários grupos de predadores ictiófagos, como: cefalópodes, crustáceos, peixes,
aves e mamíferos (ASSIS, 2004).
Figura 3: Otólito sagitta direito de Maria-luíza (Paralonchurus brasiliensis), com a indicação da orientação e nomenclatura das diferentes regiões. Fonte: Autor, 2011.
1.2.2 Bicos Córneos
Assim como os otólitos, os bicos de cefalópodes (Figura 4) também são
peças que variam anatomicamente entre as diferentes espécies e podem ser usadas
para a identificação das presas consumidas. Tanto os bicos inferiores como os
16
superiores podem ser utilizados para identificação, no entanto, o inferior é mais
comumente utilizado para este fim. Os bicos são compostos por quitina, material não
dissolvido facilmente pelos processos digestivos (BARROS; CLARKE, 2002).
Existem correlações lineares entre o tamanho do bico e o comprimento do manto e
peso do indivíduo de cada espécie, permitindo uma reconstrução da biomassa
consumida pelos predadores.
Figura 4: Bicos córneos (superior e inferiores) de Doritheutys plei encontrados no estômago de Tursiops truncatus (G0009). Fonte: Autor, 2011.
17
2 OBJETIVOS
O presente trabalho tem por objetivo avaliar qualitativa e quantitativamente a
dieta do boto, T. truncatus, através da análise dos conteúdos estomacais de
exemplares encontrados mortos ao longo do litoral norte do Rio Grande do Sul, sul
do Brasil.
2.1 OBJETIVOS GERAIS
Este trabalho tem como objetivo geral identificar, quantificar e analisar a dieta
do boto no litoral norte do Rio Grande do Sul, utilizando dados obtidos no presente
estudo e também através de informações presentes em outros trabalhos de dieta
alimentar da espécie, no Brasil e no mundo.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Este trabalho tem os seguintes objetivos específicos:
- Identificar, caracterizar e quantificar as presas consumidas por T. truncatus
na região.
- Investigar possíveis variações sazonais na composição da dieta alimentar
nos espécimes encontrados.
- Comparar, com base nos dados existentes na literatura, a composição da
dieta alimentar entre indivíduos ao longo dos anos na área de estudo e em
diferentes áreas da costa brasileira.
- Avaliar a existência de sobreposição entre a dieta de T. truncatus e a pesca
comercial no litoral norte do Rio Grande do Sul.
- Determinar a frequência de ingestão de “debris” (i.e. lixo marinho) por essa
espécie, de forma a contribuir para a avaliação do grau de degradação dos oceanos
e seus possíveis impactos sobre a biota marinha.
18
3 ÁREA DE ESTUDO
O estudo foi realizado ao longo da costa do litoral norte e médio do Estado do
Rio Grande do Sul, entre as localidades de Torres (29 19´S, 49 43'W) e o Parque
Nacional da Lagoa do Peixe, em Tavares (31 15'S, 50 54'W), compreendendo uma
área de aproximadamente 250 km de extensão (Figura 5). Esta parte da costa sul
brasileira se encontra na Zona de Convergência Subtropical, estando sob influência
tanto da Corrente do Brasil como da Corrente das Malvinas (SILVEIRA et al., 2000).
O nível de influência de cada uma das duas pode variar de acordo com variações
climáticas sazonais e anuais.
Figura 5. Mapa demonstrando a área de estudo (em vermelho), no litoral norte e parte do médio do estado do Rio Grande do Sul. Fonte: Autor, 2011.
A Corrente do Brasil (CB) é uma corrente de contorno oeste associada ao
Giro Subtropical do Atlântico Sul. Segundo Silveira et al. (2000), esta corrente se
19
origina ao sul de 100S, onde o ramo mais ao sul da Corrente Sul Equatorial (CSE) se
bifurca, formando também a Corrente do Norte do Brasil. A CB então flui para o sul,
bordejando o continente sul-americano até a região da Convergência Subtropical
(33-38oS), onde conflui com a Corrente das Malvinas e se separa da costa. Essas
massas de água são resultantes do empilhamento das massas de águas
características do Atlântico Sul, onde se pode encontrar Água Tropical, Água Central
do Atlântico Sul, Água Intermediária Antártica, Água Circumpolar Superior e Água
Profunda do Atlântico Norte (SILVEIRA et al., 2000).
No extremo sul do continente americano, a Corrente Circumpolar Antártica se
move em sentido oeste para leste, se dividindo em dois grandes braços: Corrente de
Humboldt, no Pacífico, e Corrente das Malvinas, no Atlântico. Esta última
pertencente ao sistema Atlântico Sul possui águas frias e temperadas, atingindo a
latitude de até 40oS (CRESPO, 2002).
20
4 COLETA DE DADOS
O estudo sobre a ecologia alimentar de T. truncatus foi realizado através da
análise do conteúdo estomacal de 25 espécimes encontrados encalhados no litoral
norte do Rio Grande do Sul, durante monitoramentos periódicos da costa. Nenhum
indivíduo foi analisado anteriormente em outros trabalhos.
Os exemplares foram coletados entre novembro de 1991 e junho de 2010,
com a utilização de um veículo, durante diferentes projetos, sendo o mais recente:
“Mamíferos e Aves Marinhas da Costa do Rio Grande do Sul: Conservação e
Monitoramento Ambiental”, desenvolvido pelo Grupo de Estudos de Mamíferos
Aquáticos do Rio Grande do Sul (GEMARS).
Os espécimes encontrados mortos foram identificados e fotografados e, de
acordo com suas condições, sexados e medidos externamente, sendo o
comprimento total tomado paralelamente desde a extremidade do rostro ao lóbulo
caudal. Estes procedimentos fazem parte de um protocolo padrão de coleta de
pequenos cetáceos (NORRIS, 1961).
Durante as necropsias, o estômago dos exemplares foi removido inteiro, após
o esôfago e intestino serem amarrados e cortados. O material biológico coletado foi
então congelado (-4º C) até o momento do processamento.
21
5 ANÁLISE DA DIETA
No laboratório, os estômagos foram seccionados longitudinalmente e seu
conteúdo lavado em água corrente, sobre uma sequência de peneiras com malhas
entre 0,3 e 1,0mm. Em adição, a superfície interna dos estômagos foi lavada
cuidadosamente sobre as peneiras, a fim de remover qualquer material aderido à
mucosa. As estruturas alimentares encontradas nos estômagos foram separadas
macroscopicamente em grupos taxonômicos superiores.
Os itens alimentares coletados foram armazenados em frascos de vidro
contendo álcool 70o GL e posteriormente identificados ao menor nível taxonômico
possível. As presas foram identificadas com base em espécimes intactos e,
principalmente, através de outras estruturas mais resistentes aos processos de
digestão, como otólitos de teleósteos e bicos de cefalópodes (ASSIS, 2002;
SANTOS; HAIMOVICI, 2001).
Os peixes relativamente inteiros ou parcialmente digeridos foram identificados
através de caracteres morfológicos externos, pela comparação direta com
exemplares existentes em coleções científicas (Laboratório de Ictiologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e utilização de guias de identificação
existentes na literatura (MENEZES; FIGUEIREDO, 1980). Em alguns casos onde o
grau de digestão das presas não permitia uma identificação segura, esta foi
realizada através da extração do otólito.
Os otólitos retirados de presas inteiras e aqueles encontrados livres nos
estômagos foram identificados com o auxílio de uma lupa binocular, pela
comparação direta com o material existente na coleção de referência do GEMARS,
assim como pela utilização de guias de identificação (BASTOS, 1990). Além disso,
se desenvolveu ao longo do trabalho um catálogo digital de fotos de otólitos de
alguns teleósteos da zona costeira do Rio Grande do Sul (Apêndice A).
O número mínimo de peixes ingeridos foi estimado com base no número
máximo de otólitos sagitta do lado (direito ou esquerdo) de maior ocorrência para
cada espécie. Nos casos em que não foi possível determinar a orientação dos
otólitos, a estimativa do número de presas foi realizada dividindo-se o número total
de otólitos pela metade. Em adição, para o peixe-espada (Trichiurus lepturus), foram
também utilizados ossos do sincrânio e mandíbulas para a quantificação das presas.
22
Neste caso, o número total de exemplares consumidos foi determinado pelo número
máximo de ossos característicos ou otólitos encontrados.
No caso da ausência de presas inteiras, o comprimento e a biomassa dos
espécimes encontrados em cada estômago foram estimados a partir das dimensões
dos otólitos e bicos de cefalópodes, utilizando equações de regressão, elaboradas
por diferentes autores. Com este objetivo, estas estruturas foram examinadas e
medidas, com precisão de 0,1mm, com o auxílio de um estereomicroscópio Zeiss,
equipado com ocular micrométrica de 10,0 x e objetivas entre 1,0 x e 6,0 x.
Em todos os otólitos, à exceção dos visivelmente muito desgastados pela
digestão, foi medido o comprimento total (Co), definido como maior distância
longitudinal à direção seguida pelo sulco, e largura total (Lo), definida como maior
distância perpendicular ao comprimento total. Quando o otólito se encontrava muito
desgastado, foi utilizado o cálculo da média do comprimento de todos os otólitos da
mesma espécie consumida por aquele indivíduo. No caso de haver apenas um
otólito de determinada espécie e este estar muito gasto, foi utilizado o valor médio
dos otólitos da mesma espécie encontrado em outro indivíduo de T. truncatus, com
comprimento total similar àquele do indivíduo considerado.
No caso da identificação dos cefalópodes, os indivíduos foram identificados
com auxílio de uma especialista neste grupo taxonômico do Centro de Pesquisa e
Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Sudeste e Sul do Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (CEPSUL/ ICMBio). Para facilitar a identificação
das presas foi elaborada, paralelamente, uma coleção de referência dos bicos das
principais espécies de cefalópodes ocorrentes na região costeira do Rio Grande do
Sul.
Para as estimativas de comprimento do manto (ML- mm) e peso total (WT- g)
dos cefalópodes, foram utilizadas as medidas de comprimento do rostro do bico
inferior (CRI- comprimento rostral inferior) e superior (CRS- comprimento rostral
inferior) para lulas (Figura 7).
23
Figura 6: Medidas consideradas para lulas indicando o comprimento do manto, bem
como do comprimenta rostral superior (CRS) e inferior (CRI). Fonte: Autor, 2011.
As regressões para reconstrução dos pesos e comprimento do manto
seguiram Santos (1999) para Doryteuthis plei e para D. sanpaulensis, Santos e
Haimovici (1998) (Figura 8). Para as medidas dos bicos foi utilizada uma lupa ocular
micrométrica de 10,0 x e objetivas entre 1,0 x e 6,0 x. A quantidade total de
cefalópodes ingerida foi calculada com base no número máximo de bicos córneos
superiores ou inferiores encontrados para cada espécie.
CRI CRS
24
Figura 7. Imagem das duas espécies de cefalópodes encontradas no presente estudo (1.
Doryteuthis plei e 2. D. sanpaulensis). Fonte: Adaptado de Haimovici e Andriguetto, 1986.
A partir da identificação e quantificação das presas ingeridas, foram
calculados os seguintes índices, conforme Hyslop (1980):
1. Frequência de ocorrência (%FO) = No de estômagos com determinada
espécie-presa / No total de estômagos x 100.
2. Frequência numérica (%FN) = No total de exemplares de cada espécie-
presa / No total de presas consumidas x 100.
Com base nos valores obtidos para as dimensões dos otólitos e bicos córneos
foram ainda estimados, o comprimento total (mm) dos peixes e cefalópodes, assim
como a biomassa (g) das diferentes espécies de presas, com a utilização de
equações de regressão, específicas para cada táxon, apresentadas na literatura
(Tabela 1 e 2).
25
Tabela 1. Regressões utilizadas para reconstrução do comprimento padrão (Lt) e peso dos peixes teleósteos (Wt) consumidos por Tursiops truncatus a partir do comprimento dos otólitos. r= coeficiente de regressão, N= número de indivíduos medidos e Lt (mm)= valores máximos e mínimos dos indivíduos medidos para a construção das equações. * Genidens sp. foi a presa identificada, no entanto, não possui equação. Bagre bagre é a espécie mais parecida com o gênero encontrado no Rio Grande do Sul, por isso, foi usada a equação desta espécie.
Espécie Equações R n (Lt) mm Referência
Bagre bagre* Lt=(3,2845xCO)-6,4014 0,985 25 - Di Beneditto, Ramos e Lima, 2001
Wt=0,0067xCO4,174
0,981 25 - Di Beneditto, Ramos e Lima, 2001
Cynoscion guatucupa Sl=11,894xCO1,150
0,976 90 40-160 WAESSLE et al 2003
Wt=0,0392xCO3,2975
0,966 104 40-160 WAESSLE et al 2003
Cynoscion jamaiscensis Lt=15,2729xCO1,0796
0,9944 216 51-303 Bastos, 1990
Wt=1,0674xCO1,354
0,9881 216 51-303 Bastos, 1990
Lycengraulis grossidens Lt=-49,1647+58,8235xCO 0,9575 90 97-230 Pinedo, 1982
Wt=(0,1881x10-6)xLt
3.6926 0,9774 73 97-230 Pinedo, 1982
Macrodon ancylodon Lt= 11,8989xCO1,2416
0,9834 209 65-341 Bastos, 1990
Wt= (1,644x10-6)xLt
2,7882 0,9944 72 21-405 Pinedo, 1982
Menticirrhus littoralis Lt= -61,169+39,779xCO 0,989 41 100-470 Ott, 1995
Wt= (31,56x10-6)xLt
2,7882 0,9137 26 223-365 Pinedo, 1982
Micropogonias furnieri Sl=15,102xCO1,090
0,983 167 35-200 Waessle et al 2003
Wt=0,0596xCO3,2297
0,98 167 35-200 Waessle et al 2003
Mugil sp. Lt=7,5736+43,8077xCO 0,8142 31 241-414 Pinedo, 1982
(platanus) Wt=(1,970x10-5)xLt2,9168
,5262 0,951 117 283-507 Haimovici e Velasco, 2000
Paralonchurus brasiliensis Lt= -19,8759+26,3852xCO 0,9955 83 26-223 Pinedo, 1982
Wt= 0,0077xCO4,2823
0,987 - - Bastos, 1990
Pomatomus saltatrix Lt=-37,770+34,8432xCO 0,9727 18 92-237 Pinedo, 1982
Wt=(1,2405x10-6)xLt
3,3496 0,9938 15 90-237 Pinedo, 1982
Poricthys porosissimus Lt= -15,1079+28,4090xCO 0,9736 90 30-305 Pinedo, 1982
Wt= (7,656x10-6)xLt
3,0587 0,9394 42 110-305 Pinedo, 1982
Stellifer rastrifer Lt= -35,58+37,891xCO 0,984 15 76-150 Ott, 1995
Wt= 0,0235xCO4,4345
0,9567 - - Bastos, 1990
Trichiurus lepturus Lt= -202,5636+181,8181xCo 0,9595 78 343-1485 Pinedo, 1982
Wt= (0,0077x10-6)CLt
3,582 0,933 7 525-852 Ott, 1995
Umbrina canosai Lt= -48,0382+31,8471xCO 0,9798 56 27-400 Pinedo, 1982
Wt= (3,9447x10-6)xLt
3,23 0,9983 27 40-400 Pinedo, 1982
Urophycis brasiliensis Lt= Representação gráfica 0,981 252 87-586 Pinedo, 1982
Wt= (0,669x10-6)xLt
3,4246 0,9972 53 31-340 Pinedo, 1982
Fonte: Autor, 2011.
26
Tabela 2. Regressões utilizadas para reconstrução do comprimento do manto (ML) e peso dos cefalópodes (TM) consumidos por Tursiops truncatus, estimados a partir da medida dos bicos. r= coeficiente de regressão N= número de indivíduos medidos.
Cefalópodes Equações relevantes r N Medidas Fonte
Doryteuthis
sanpaulensis
ML=13,546e1,211URL
0,959 75 13 a 192 mm Santos e Haimovici, 1998
ML=13,173e1,109LRL
0,958 75 13 a 192 mm Santos e Haimovici, 1998
TM=0,3408e2,766URL
0,952 75 13 a 192 mm Santos e Haimovici, 1998
TM=0,2768e2,659LRL
0,953 75 13 a 192 mm Santos e Haimovici, 1998
Doryteuthis plei
ML=75,698xLRL1,5038
- - - Santos (1999)
ML=68,766xURL1,3594
- - - Santos (1999)
TM=10,6xLRL3,3691
- - - Santos (1999)
Fonte: Elaborado pelo autor.
Para a quantificação da importância de cada uma das espécies na
composição da dieta alimentar de T. truncatus, além dos valores de frequência
numérica (%FN) e frequência de ocorrência (%FO), foi também calculado o Índice de
importância relativa (IIR), proposto por PINKAS; OLIPHANT e IVERSON (1971),
definido como:
IIR= (%FN + %Biomassa) x (%FO), onde:
FN= Frequência numérica
Biomassa= Biomassa estimada das presas
FO= Frequência de ocorrência
As espécies de teleósteos e cefalópodes tiveram suas frequências calculadas
separadamente, devido à tendência dos bicos de cefalópodes permanecerem por
mais tempo no trato digestório dos mamíferos marinhos, conforme apontado por
Recchia e Read (1989).
Possíveis variações na ecologia alimentar de T. truncatus em relação ao
comprimento dos indivíduos e suas presas, assim como entre as estações do ano
foram analisadas, considerando se a data em que os espécimes foram encontrados
encalhados.
27
6 RESULTADOS
A seguir, são apresentados os resultados obtidos no presente trabalho.
6.1 TAMANHO E COMPOSIÇÃO DA AMOSTRA
Dentre os 25 indivíduos analisados, 10 eram machos, quatro fêmeas e 11 não
tiveram o sexo determinado. O comprimento total dos exemplares variou de 2,05m a
3,46m (média = 2,79m; DP =+- 46,49 cm) (Quadro 1). A maioria dos exemplares foi
encontrada durante a primavera (n=12) e verão (n=7). Os meses de outono e
inverno contaram com apenas três indivíduos por estação.
Número de campo DIA MÊS ANO Sexo CT (cm)
GEMARS0009 17 11 1991 F -
GEMARS0105 7 9 1993 M 241
GEMARS0114 16 10 1993 I -
GEMARS0220 30 10 1994 M 259
GEMARS0569 30 12 1998 M -
GEMARS0574 30 1 1999 I 205,5
GEMARS0796 29 4 2001 I 212
GEMARS0816 28 2 2002 M 333
GEMARS0820 28 3 2002 M 299
GEMARS0916 20 12 2002 I 266
GEMARS0928 20 12 2002 I 247
GEMARS0934 22 1 2003 M 232
GEMARS1021 9 8 2003 I -
GEMARS1094 28 10 2003 I 346
GEMARS1165 25 2 2004 I -
GEMARS1192 10 11 2004 F 308
GEMARS1235 19 9 2005 F 312
GEMARS1259 3 11 2005 M 339
GEMARS1260 6 12 2005 I 232
GEMARS1268 28 12 2005 M 330 +
GEMARS1298 15 2 2008 F 308
GEMARS1313 20 10 2008 M 286
GEMARS1320 19 6 2009 M 301
GEMARS1337 23 10 2009 I 326
GEMARS307 11 11 1995 I 214
Quadro 1. Informações referentes aos indivíduos de Tursiops truncatus analisados, indicando a data de coleta, sexo (M= macho, F= fêmea e I= indeterminado) e o comprimento total dos indivíduos, quando determinado.
28
6.2 COMPOSIÇÃO DAS PRESAS
Nos 21 indivíduos com presença de conteúdo estomacal, foram encontrados
1.486 itens, sendo 1.477 otólitos (55 não identificados) e 9 bicos de cefalópodes
(Tabela 3.). Estes itens representam um mínimo de 802 presas ingeridas, incluindo
794 teleósteos (99,00%) e 8 cefalópodes (1,00%). O número médio de otólitos
encontrados por indivíduo foi de 87 (DP=184). As presas identificadas correspondem
a um total de 15 espécies de teleósteos e duas de cefalópodes.
Tabela 3. Dados relativos à composição das presas encontradas nos exemplares de Tursiops
truncatus analisados: número de espécies consumidas (No SPP), número de presas consumidas,
número de otólitos não identificadas em cada indivíduo, quantidade de alimento ingerida estimada
(Biomassa) para cada indivíduo em gramas, dados à respeito da composição dos cefalópodes
(numero de espécies e indivíduos) e os táxons presentes em cada boto, onde P= peixes e C=
cefalópodes.
Fonte: Autor, 2011.
Número de campo
Teleósteos Cefalópodes
No
SPP. No presas N
o otólitos
Otólitos
Indef. No SPP. N
o presas N
o bicos Táxons
Biomassa
(g)
GEMARS0009 1 11 20 0 1 3 4 P + C 548,487
GEMARS0105 2 3 3 0 0 0 0 P 1375,25
GEMARS0114 6 50 82 3 0 0 0 P 533,49
GEMARS0220 8 40 76 13 0 0 0 P 2191,12
GEMARS0569 4 164 332 2 1 1 1 P + C 766,405
GEMARS0574 3 83 165 4 0 0 0 P 366,74
GEMARS0796 1 56 110 0 0 0 0 P 623,94
GEMARS0816 7 23 40 1 0 0 0 P 3042,08
GEMARS0820 3 4 8 2 0 0 0 P 158,157
GEMARS0916 3 14 25 2 2 2 2 P+ C 11242,3
GEMARS0928 3 13 18 0 0 0 0 P 5854,35
GEMARS0934 3 4 7 2 1 1 1 P+ C 75,67
GEMARS1021 9 39 70 2 0 0 0 P 2239,39
GEMARS1094 11 133 241 6 1 1 1 P, C 11646
GEMARS1165 3 15 25 2 0 0 0 P 12113,49
GEMARS1235 8 34 64 0 0 0 0 P 2120,03
GEMARS1259 5 23 38 1 0 0 0 P 5121,85
GEMARS1260 6 45 85 12 0 0 0 P 4079,42
GEMARS1268 6 37 64 3 0 0 0 P 4919,36
GEMARS1298 1 1 1 0 0 0 0 P 920,2973
GEMARS1313 2 2 3 0 0 0 0 P 415,483
Total 16 794 1477 55 2 8 9 2 70353,3
29
6.3 CARACTERIZAÇÃO DOS TELEÓSTEOS E CEFALÓPODES INGERIDOS
Foram encontradas 15 espécies de teleósteos, representadas em oito
famílias. A família mais importante no litoral norte do Rio Grande do Sul foi
Sciaenidae, com oito representantes. As outras famílias contaram com apenas
uma espécie cada.
O tamanho médio das presas variou de 17,76 mm dentre os indivíduos de
Genidens sp., atingindo até 695 mm para T. lepturus. O peso máximo de um
indivíduo alcançou 1567,78 gramas para um indivíduo de Mugil sp. (Tabela 4).
Tabela 4. Informações referentes às diferentes presas encontradas nos indivíduos de Tursiops truncatus analisados. N= número total de indivíduos da espécie. CT máximo= comprimento total máximo da presa (mm). CT mín= comprimento total mínimo da presa (mm). A Biomassa é o peso de todos os indivíduos da espécie somados, representado em gramas (g).
ESPÉCIE AUTOR E ANO Família N CT Max CT
MÍn
Peso
Máx.
Peso
Mín.
Peso
Méd. CT Méd.
Genidens sp. (Mitchill, 1815) Ariidae 9 167,86 1,40 2,62 0,12 0,86 17,76
Cynoscion guatucupa (Cuvier, 1830) Sciaenidae 10 275,32 30,72 321,22 0,55 42,67 89,86
Cynoscion jamaiscensis (Vaillant & Bocourt,
1883) Sciaenidae 2 68,20 32,27 6,97 2,72 4,85 50,24
Indefinidos - - 30 - - - - - -
Lycengraulis grossidens (Agassiz, 1829) Clupeídae 25 222,89 53,77 88,10 0,46 14,11 102,40
Macrodon ancylodon (Bloch e Schneider,
1801) Sciaenidae 7 217,24 139,22 5,39 1,55 2,76 166,67
Menticirrhus littoralis (Holbrook, 1847) Sciaenidae 25 326,67 167,56 322,84 50,18 177,59 257,91
Micropogonias furnieri Desmarest, 1823 Sciaenidae 5 272,98 75,45 194,80 7,00 101,72 204,53
Mugil sp. - Mugilidae 73 511,36 106,14 1567,78 15,97 425,08 271,36
Paralonchurus brasiliensis (Steindachner, 1875) Sciaenidae 391 192,20 42,78 56,72 0,38 7,48 102,07
Pomatomus saltatrix (Linnaeus, 1766) Pomatidae 2 254,04 88,53 140,95 4,12 72,53 171,28
Continua
30
Continuação/Conclusão
ESPÉCIE AUTOR E ANO Família N CT
Máx.
CT
Mín.
Peso
Máx.
Peso
Min
Peso
Méd. CT Méd.
Porichthys porosissimus (Cuvier, 1829) Batrachoididae 18 226,37 112,73 12,59 7,10 85,07 197,97
Stellifer rastrifer (Jordan, 1889) Sciaenidae 4 120,72 101,77 12,59 7,10 11,22 115,98
Trichiurus lepturus (Linnaeus, 1758) Trichiuridae 152 1229,25 411,07 898,64 4,19 144,67 695,61
Umbrina canosai Berg, 1985 Sciaenidae 13 346,07 99,25 627,38 11,10 273,84 249,30
Urophycis brasiliensis (Kaup, 1858) Phycidae 28 407,00 45,00 578,41 0,44 89,78 189,60
Total - 8 794 - - - - - -
Fonte: Autor, 2011.
Foram encontrados oito cefalópodes de duas espécies em cinco indivíduos de
T. truncatus. Dentre eles, dois machos encalhados no verão, uma fêmea e dois
indivíduos de sexo não determinado durante o período de primavera apresentaram
cefalópodes. As duas espécies identificadas foram D. plei e D. sanpaulensis
ocorrendo cada um em dois indivíduos (Tabela 5).
Tabela 5. Informações a respeito da amostra de cefalópodes, onde é indicado o número total de indivíduos encontrados para a espécie, a média do comprimento do manto para cada espécie e seu desvio padrão, além da soma do peso de todos os indivíduos de cada espécie, somado.
No de indivíduos ML mm (médio) Desvio Padrão TW (g)
Doryteuthis plei 5 144,86 81,52 357,8
D. sanpaulensis 3 212,9 95,3 58
Fonte: Autor, 2011.
6.4 IMPORTÂNCIA DAS PRESAS
No presente estudo, as presas tiveram sua importância avaliada através da
frequência numérica, frequência de ocorrência, biomassa e índice de importância
31
relativa (IIR), tendo este último à vantagem da correlação entre os três primeiros
índices citados.
Os teleósteos considerados mais importantes, segundo o IIR, foram:
Trichiurus lepturus (peixe-espada), Paralonchurus brasiliensis (maria-luíza) e Mugil
sp. (taínha). Em segundo plano, Urophycis brasiliensis (abrótea) e Menticirrhus
litorallis (papa-terra) destacam-se dentre as demais espécies pela alta frequência de
ocorrência e percentual de biomassa, respectivamente, embora não atinjam valores
de IIR muito elevados (Tabela 6).
Tabela 6 Valores relativos aos índices de Importância Relativa (IIR) e seu valor expresso em porcentagem (% IIR), biomassa, frequência numérica (%FN), de ocorrência (%FO) e número total de otólitos encontrados para as diferentes espécies de teleósteos no conteúdo estomacal de Tursiops truncatus no litoral norte do Rio Grande do Sul.
Fonte: Autor, 2011.
Buscando uma representação mais detalhada a respeito da frequência de
ocorrência e frequência numérica das três principais espécies de presas na dieta de
TAXON N %FN FO %FO Biomassa Biomassa
% IIR IIR %
Trichiurus lepturus 152 19,14 14 66,67 23310,77 32,30 3.429,83 34,39
Paralonchurus
brasiliensis 391 49,24 12 57,14 2930,18 4,06 3.046,00 30,54
Mugil sp. 73 9,19 10 47,62 30293,13 45,06 2.583,59 25,91
Urophycis brasiliensis 28 3,53 11 52,38 2846,62 3,94 391,35 3,92
Menticirrhus littoralis 25 3,15 6 28,57 4132,64 5,73 253,59 2,54
Umbrina canosai 13 1,64 3 14,29 3560,02 4,93 93,87 0,94
Lycengraulis
grossidens 25 3,15 3 14,29 352,97 0,49 51,97 0,52
Cynoscion guatucupa 10 1,26 5 28,5 373,25 0,50 40,04 0,40
Micropogonias
furnieri 5 0,63 4 19,05 458,38 0,64 24,09 0,24
Macrodon ancylodon 7 0,88 5 23,81 27,48 0,04 21,90 0,22
P. porosissimus 18 2,27 1 4,76 1446,33 2,00 20,34 0,20
Stellifer rastrifer 4 0,50 1 4,76 44,88 0,06 2,70 0,03
Pomatomus saltatrix 2 0,25 1 4,76 145,08 0,20 2,16 0,02
C. jamaiscensis 2 0,25 1 4,76 9,70 0,01 1,26 0,01
Indefinidos 30 3,78 14 66,67 - - - -
TOTAL 794 100 21 - 69937,5 100 - 100
32
T. truncatus, foi feita uma análise das suas variações ao longo das diferentes
estações do ano.
P. brasiliensis, embora não chegue a grandes comprimentos (Quadro 5) e
também não atinja elevados valores de biomassa (Quadro 6), foi predada em
números expressivos durante as estações de verão e outono. Além da alta
frequência numérica, se observa a importância da espécie através da frequência de
ocorrência, demonstrando que a espécie esta presente ao longo de todas as
estações do ano na dieta de T. truncatus (Gráfico 1).
Gráfico 1. Frequência de ocorrência (%FO) e frequência numérica (%FN) de Paralonchurus brasiliensis calculado para as diferentes estações do ano. A linha representa o número amostral. Fonte: Autor, 2011.
T. lepturus aparece em porcentagem considerável do total das presas,
conforme expresso pelos altos valores de frequência de ocorrência e numérica
(Tabela 6). A frequência de ocorrência é elevada em todas as estações do ano,
indicando a constância da espécie na dieta de T. truncatus. Entretanto, a frequência
numérica se mostrou maior no inverno e primavera (Gráfico 2).
33
Gráfico 2. Frequência de ocorrência (%FO) e frequência numérica (%FN) de Trichiurus lepturus calculado para as diferentes estações do ano. A linha representa o número amostral. Fonte: Autor, 2011.
A tainha (Mugil sp.) ocorreu em menor frequência numérica, quando
comparada às outras duas espécies. No entanto, obteve altos valores de biomassa
(Tabela 6). As maiores frequências de ocorrência e numérica foram no inverno,
estando ausente no período de outono (Gráfico 3).
Gráfico 3. Frequência de ocorrência (%FO) e frequência numérica (%FN) de Mugil sp., calculado para as diferentes estações do ano. A linha representa o número amostral. Fonte: Autor, 2011.
34
6.5 COMPRIMENTO DAS PRESAS EM RELAÇÃO AO DOS PREDADORES
A correlação entre o comprimento total das presas em relação ao tamanho
dos botos foi estabelecida para os três teleósteos mais importantes na dieta de T.
truncatus (T. lepturus, P. brasiliensis e Mugil sp.,) através de gráficos de dispersão e
análise do coeficiente de correlação (Gráficos 4,5 e 6).
Gráfico 4. Relação entre o comprimento total de Tursiops truncatus (cm) e o comprimento total médio (mm) de Trichiurus lepturus. Fonte: Autor, 2011.
Gráfico 5: Relação entre o comprimento total de Tursiops truncatus (cm) e o comprimento total médio (mm) de Paralonchurus brasiliensis. Fonte: Autor, 2011.
35
Gráfico 6. Relação entre o comprimento total de Tursiops truncatus (cm) e o comprimento total médio (mm) de Mugil sp. Fonte: Autor, 2011.
A avaliação qualitativa do grau de correlação entre o comprimento das
presas e o tamanho total de T. truncatus mostrou-se fraca (<0,3) para as três
espécies analisadas. Portanto, indivíduos maiores não predam necessariamente
sobre presas maiores.
6.6 COMPARAÇÃO COM A PESCA
Dentre as 15 espécies de teleósteos encontradas no conteúdo estomacal de
T. truncatus no presente estudo, sete possuem valor comercial e são usualmente
capturadas pela frota pesqueira de emalhe no litoral norte do Rio Grande do Sul: C.
guatucupa, U. canosai, M. furnieri, M. ancylodon, U. brasiliensis, P. parus e M.
littoralis (HAIMOVICI; MARTINS; VIEIRA, 1996). No entanto, T. lepturus e P.
brasiliensis não parecem possuir alto valor comercial e são descartados
(HAIMOVICI; MARTINS; VIEIRA, 1996).
Além destas espécies, Mugil sp. é alvo da pesca de cerco e tarrafa, atingindo
taxas de captura de 4,121 Toneladas em 2009, aumentando em 102% em relação
ao ano anterior (UNIVALI, 2009).
36
6.7 FREQUÊNCIA DE INGESTÃO DE “DEBRIS”
Dentre todos os exemplares analisados, apenas um apresentou resíduos
sintéticos de origem antrópica (debris). Além disso, neste exemplar foi encontrado
um único pedaço de linha de nylon, de comprimento inferior a 5 cm.
37
7 DISCUSSÃO
Considerando as informações contidas no presente trabalho, em conjunto
com os dados de PINEDO (1982), MORENO (1999), DI BENEDITTO et al. (2001),
LOPEZ et al. (2009) e MELO et al. (2010), verifica-se que a dieta de 85 indivíduos2
de T. truncatus foram analisados na costa brasileira até o presente momento (Tabela
7). Este total não contempla o estudo de Bassoi et al., (1998) e também o de Santos
e Haimovici (2001), uma vez que não existem informações detalhadas sobre os
exemplares analisados.
Deste total, 14 estavam com estômago vazio, reduzindo o número amostral
para 67. Apesar de atingir um valor considerável, este número ainda é pequeno,
quando comparados a estudos de dieta de outros cetáceos, como P. blainvillei, por
exemplo, para o qual o número de indivíduos analisados é significativamente maior
(DANILEWICZ et al., 2002).
Os resultados encontrados neste estudo demonstram que os teleósteos são a
principal fonte de alimento na dieta de T. truncatus no litoral norte do Rio Grande do
Sul. Estes dados corroboram o hábito predominantemente piscívoro da espécie,
conforme apontado em outros estudos na costa brasileira (DI BENEDITTO et al.,
2001; LOPEZ et al., 2009; MELO et al., 2010; MORENO, 1999; PINEDO, 1982).
Considerando todos os estudos analisados, T. truncatus preda sobre pelo
menos 25 espécies de teleósteos. A maior riqueza de espécies foi registrada no
litoral norte do Rio Grande do Sul, onde Moreno (1999) encontrou 12 espécies e o
presente estudo encontrou 15 espécies (Quadro 7). Vale ressaltar que o número e a
importância das espécies variam de um local para outro, embora T. lepturus e M.
furnieri ocorreram em todos os estudos considerados (Quadro 7).
Em relação a T. lepturus, a espécie está entre as presas mais importantes em
todos os estudos realizados, ocorrendo em pelo menos 25% do total de indivíduos
analisados. Ao contrário de M. furnieri, foi observado um aumento no consumo de T.
lepturus em Rio Grande nas últimas décadas (LOPEZ et al., 2009).
Esta espécie não possui grande valor comercial e parece ter sucesso
reprodutivo tanto em águas frias da corrente das Malvinas como nas correntes
quentes do Brasil (MARTINS; HAIMOVICI, 2000). A constância e o aumento do
número de indivíduos desta espécie na dieta, assim como as faixas de comprimento
38
dos espécimes predados similares ao longo das diferentes áreas no Brasil indicam o
grande grau de importância da espécie na dieta de indivíduos de T. truncatus.
M. furnieri foi identificada como principal espécie constituinte da dieta do boto
apenas no litoral sul do Rio Grande do Sul (LOPEZ et al., 2009; PINEDO, 1982). Nas
demais regiões, embora ela esteja presente, não é consumida em grande
quantidade. Além disso, a contribuição de M. furnieri, na dieta do boto, parece ter
diminuído nas últimas décadas, possivelmente em função da redução de seus
estoques populacionais, conforme originalmente apontado por Lopez et al. (2009).
Esta espécie possui considerável valor comercial e teve seu estoque sobrexplorado
no Atlântico Sul Ocidental (VASCONCELLOS; HAIMOVICI, 2006). Além disso, se
observou uma diminuição do consumo e mudança de hábito alimentar similar para a
P. blainvillei (toninha), que também reduziu o consumo da corvina ao longo dos anos
(BASSOI; SECCHI, 2002).
Neste estudo as espécies mais importantes foram T. lepturus, P. brasiliensis e
Mugil sp. A taínha (Mugil sp.), se revelou importante na dieta de T. truncatus ao
longo de todo o ano, especialmente nos estuários do sul do Brasil (SIMÕES-LOPES
et al., 1998). Contudo, a baixa representatividade da espécie na temporada de
desova (outono), quando se sabe que as mesmas penetram nos estuários é, de
certa forma, inesperado. Este fato pode estar relacionado ao baixo número amostral
de indivíduos de T. truncatus analisados neste estudo durante o outono (n=3). Este
fato ocorreu também no estudo de Pinedo (1982), que também atribuiu a ausência
desta preza ao baixo número amostral de indivíduos encalhados no período de
maior abundância da tainha.
A segunda espécie de maior importância no presente estudo foi P.
brasiliensis. A espécie foi encontrada tanto nos estudos realizados nas porções sul e
norte do Rio Grande do Sul (LOPEZ et al., 2009; MORENO, 1999; PINEDO, 1982)
estando, entretanto, ausente no Rio de Janeiro (DI BENEDITTO et al., 2001).
A maria luiza da família sciaenidae é demersal e habita águas rasas próximas
à costa. A distribuição da espécie se estende da Argentina à América do Norte. A
espécie está presente na área de estudo ao longo de todo ano, sendo mais
abundante entre a primavera e outono, quando as temperaturas são superiores a
17º C. Além disso, é uma das espécies mais abundantes em profundidades de 20
metros ao sul de Rio Grande e até 40 metros ao norte, onde a plataforma é mais
estreita (HAIMOVICI; SILVA-MARTINS; VIEIRA, 1996).
39
As famílias mais importantes na dieta do boto no litoral norte do Rio Grande
do Sul foram Sciaenidae e Trichiuridae, corroborando os resultados dos demais
estudos no Rio Grande do Sul (LOPEZ et a., 2009; MORENO, 1999, PINEDO,
1982). Vale ressaltar que Sciaenidae representa a família de teleósteos mais
abundantes na plataforma continental do Rio Grande do Sul, compondo 80.88% da
biomassa total de peixes, enquanto que a família Trichiuridae é a segunda mais
importante, sendo responsável por 14,52% da biomassa de teleósteos nesta mesma
região (HAIMOVICI; SILVA-MARTINS; VIEIRA, 1996).
Embora T. truncatus seja predominantemente piscívoro, os cefalópodes
também fazem parte da dieta da espécie. A presença de cefalópodes na dieta de T.
truncatus já havia sido previamente reportada na literatura (BARROS e ODELL,
1990; BLANCO; SALOMÓN e RAGA,, 2001), inclusive em águas brasileiras
(BASSOI et al., 19982; DI BENEDITTO et al., 2001; MORENO, 1999; SANTOS;
HAIMOVICI, 2001). Para Moreno (1999), a ordem de importância por frequência
numérica se deu da seguinte forma: D. sanpaulensis, A. nodosa e D. plei. Além
disso, no Rio de Janeiro, no estudo de Di Beneditto et al., (2001), foram encontrados
exemplares de D. plei. Estas lulas não foram encontradas em grande número, porém
ocorreram na metade dos indivíduos analisados. No presente estudo houve uma
representação bastante pequena de cefalópodes, demonstrando que este não é um
item fundamental, no entanto, pode ser encontrado ocasionalmente no conteúdo de
T. truncatus no litoral norte do Rio Grande do Sul assim como em outras áreas ao
longo da costa brasileira.
Tabela 7. Espécies de presas encontradas no conteúdo estomacal de exemplares de
Tursiops truncatus em diferentes localidades e períodos no sul e sudeste brasileiro. 1 = Pinedo
(1982); 2 = Di Beneditto et al. (2001); 3 = Lopez et al. (2009); 4= Moreno, 1999. LNRS = Litoral norte
do Rio Grande do Sul. * No presente estudo se trata de M. litorallis. Doryteuthis (=Loligo) plei;
Doryteuthis (=Loligo) sanpaulensis. * No estudo de Di Beneditto et al., a família da presa é Ariidae, no
entanto, no presente estudo, Genidens sp. foi identificado.
2 BASSOI et al. Novas informações sobre hábitos alimentares de cetáceos nas regiões norte do Paraná e sul de
São Paulo, Brasil. p. 20 in 8ª. Reunião de trabalho de especialistas em mamíferos aquáticos da América do Sul.
25-29 de outubro de 1998, Olinda, Brasil.
40
Fonte: Autor, 2011.
Táxon
Rio Grande RJ LNRS
Pinedo,
1982
Lopez et al ,
2009
Di Beneditto et al
(2001)3
Moreno,
1999
(este estudo),
2011
No Amostral - (vazios) 12 (0) 23 (6) 6 (2) 15 (2) 25 (4)
Teleósteos
Genidens sp. FN=0,54; FO=8,33* FN=1,13; FO9,52
Conodon nobilis FN=17,92; FO=75
Cynoscion guatucupa FN=3,80; FO=16,66 FN= 0,4; FO=5,88 FN=1,38; FO= 7,69 FN=1,13; FO=23,80
Cynoscion jamaiscensis FN=0,25; FO=4,76
Diplodus argenteus FN=4,71; FO=25
Engraulis anchoita FN=32,12; FO=5,88 FN=0,68; FO=7,69
Lycengraulis grossidens FN=0,54; FO=8,33 FN=2,75; FO=7,69 FN=3,13; FO=14,28
Macrodon ancylodon FN=1,08; FO=8,33 FN= 0,8; FO=11,76 FN=0,88; FO=23,80
Menticirrhus sp. FN=13,65; FO=23,52 FN=1,38; FO=15,38 FN=3,14; FO=28,57
Micropogonias furnieri FN=79,89; FO=83,33 FN=20,88; FO=52,94 FN=0,94; FO=25 FN=4,14; FO=15,38 FN=0,62; FO=19,04
Mugil sp. FN=3,80; FO=25 FN=4,41; FO=29,41 FN=5,52; FO=30,77 FN=9,19; FO=47,61
Odonthestes sp. FN=1,63; FO=16,66 FN=24,14; FO=15,38
Orthopristis ruber FN= 1,88; FO=25
Pagrus pagrus FN=3,77; FO= 25
Paralonchurus
brasiliensis FN=2,17; FO=25 FN=8,43; FO=32,29 FN=9,66; FO=23,08 FN=49,24; FO=57,14
Peprilus paru FN=0,4; FO=5,88
Pogonias cromis FN=0,54; FO=8,33
Pomatomus saltatrix FN=0,25; FO=4,76
Porichthys porosissimus FN=30,18; FO=75 FN=1,38; FO= 7,69 FN=2,26; FO=4,76
Raneya fluminenscis FN= 5,66; FO=50
Stellifer rastrifer FN=1,6; FO=11,76 FN=1,38; FO= 7,69 FN=0,50; FO=4,76
Trichiurus lepturus FN=3,80; FO=25 FN=15,66; FO=35,29 FN=34,90; FO=25 FN=40; FO=92,31 FN=19,14; FO=66,66
Umbrina canosai FN=0,54; FO=8,33 FN=0,8; FO=11,76 FN=1,63; FO=14,28
Urophycis brasiliensis FN=1,63; FO=16,66 FN=0,8; FO=5,88 FN=7,59; FO=23,08 FN=3,52; FO=52,38
Elasmobrânquios
Rajidae X
Cefalópodes
Argounauta nodosa FN=7,14; FO=28,57
Doryteuthis plei FN=100; FO=50 FN= 3,57; FO=14,29 FN=62,5; FO=14,28
Doryteuthis sanpaulensis FN=89,29; FO=57,14 FN=37,5; FO=14,28
Crustáceos
Penaeidae X
Total de espécies 12 T 12 T 8 T + 1 C 12 T+ 1 E+ 3 C+ 1 P 15 P + 2 C
41
Os cefalópodes foram encontrados apenas em indivíduos analisados durante
o verão e a primavera. D. sanpaulensis parece ser uma espécie com uma função de
elo entre a cadeia alimentar bentônica e pelágica muito importante, possuindo
importância variada para diferentes organismos, entre elas, espécies presa do boto-
da-barra, como o peixe-espada (SANTOS; HAIMOVICI, 1998). Segundo os mesmos
autores, a espécie é considerada a representante do grupo mais abundante em
águas costeiras e, enquanto D. sanpaulensis está presente na plataforma e talude
continental durante todo o ano, D. plei ocorre sobre a plataforma externa apenas
durante o verão e outono, alcançando profundidades maiores que 180 metros
(HAIMOVICI et al. ,1991b). As duas espécies podem ser consideradas neríticas e
semipelágicas apresentando certo grau de sobreposição em relação à profundidade.
Além dos teleósteos e cefalópodes outros grupos já foram registrados na
dieta da espécie no Brasil. Elasmobrânquios foram encontrados apenas no estudo
de Moreno (1999). A família Rajiidae foi representada por três presas consumidas
por um único indivíduo. Neste mesmo estudo foram encontrados camarões, também
em um único indivíduo. Portanto, estas presas provavelmente não fazem parte da
dieta usual da espécie.
A análise da importância das principais presas da espécie no litoral norte do
Rio Grande do Sul ao longo do ano revela a existência de variações entre as
diferentes estações do ano. Enquanto T. lepturus e P. brasiliensis apresentaram
índices consideráveis de ocorrência ao longo de todas as estações, Mugil sp. parece
ser um recurso importante, porém sazonal, se tornando uma das principais fontes de
alimento de T. truncatus durante o período de inverno. Além disso, os valores mais
altos de FO e FN de cada uma das espécies ocorreram em distintas estações,
demonstrando uma possível substituição das presas ao longo do ano. Esta
substituição possivelmente se relaciona aos períodos de maior abundância de cada
espécie predada, uma vez que é sabido existir uma flutuação na distribuição e
abundância dos peixes demersais no sul do Brasil (HAIMOVICI; SILVA-MARTINS;
VIEIRA, 1996).
As presas encontradas no presente trabalho tem distribuição
preferencialmente costeira, estando algumas associadas a ambientes estuarinos,
como é o caso de Mugil sp. e em determinadas estações T. lepturus. (CARVALHO-
FILHO, 1999).
42
Segundo Simões-Lopes, Fabian e Menegheti (1998), 12 espécies ocorreram
durante os momentos em que houve interação com a pesca artesanal nos estuários.
Dentre elas ao menos oito foram observadas no conteúdo dos indivíduos analisados.
No entanto, é interessante o fato de não haver nenhum registro, dentre todos
indivíduos analisados de T. truncatus até o momento, do consumo de Brevoortia
pectinata (Jenyns, 1842), a savelha, uma vez que sabe-se que os dois ocupam o
estuário ao mesmo tempo.
Em relação aos peixes predados, podem-se observar aqueles localizados na
coluna de água (Mugil sp., T. lepturus) e aqueles presentes no fundo (M. furnieri)
(CARVALHO-FILHO, 1999). Com isto, fica evidente que T. truncatus pode utilizar
todo o espaço disponível tanto no fundo, como em todas as partes da coluna de
água, conforme observado anteriormente por Pinedo (1982). A presença de diversas
espécies de teleósteos e cefalópodes demonstra que a espécie apresenta um amplo
espectro alimentar tanto na região sul como do sudeste brasileiro.
Esta plasticidade alimentar da espécie parece sugerir, em um primeiro
momento, um hábito oportunista da espécie. Contudo, o boto parece possuir
preferência por algumas presas que não são necessariamente as mais abundantes
na região. Fato este observado no caso de C. guatucupa, espécie de teleósteo
considerada mais abundante na plataforma continental do Rio Grande do Sul
(HAIMOVICI; SILVA-MARTINS; VIEIRA, 1996) e que, no presente estudo
apresentou valores de IIR moderados. Além disso, a ausência de indivíduos
predados da savelha (B. pectinata) parece corroborar a existência de certa
preferência alimentar de T. truncatus por outras espécies, como Mugil sp., quando
estão presentes simultaneamente. Teleósteos da família Mugilidae são
componentes da dieta de T. truncatus na costa sudeste dos Estados Unidos
(BARROS e ODELL, 1990). Além disso, os mesmos autores sugerem que o boto
pode detectar suas presas através de audição passiva, para peixes que costumam
emitir sons, como M. furnieri.
Apesar de também existirem registros de T. truncatus no Rio Grande do Sul
em regiões oceânicas além do talude (Eduardo Secchi, comunicação pessoal), todas
as presas encontradas no presente estudo apresentam uma distribuição costeira ou
estão presentes na plataforma continental interna. Este resultado provavelmente
está relacionado à maior probabilidade de encalhe de indivíduos que venham a óbito
próximo à costa.
43
No presente estudo, não foram encontradas correlações significativas entre o
tamanho de T. truncatus e o comprimento de suas presas. No entanto, Blanco,
Salomón e Raga (2001) relataram, na porção oeste do Mar Mediterrâneo, diferenças
significativas em relação ao tamanho dos indivíduos de Merluccius merluccius
predados, sendo as maiores presas consumidas por indivíduos adultos, com
comprimento maior que 2,5 metros.
No Brasil existem diversos registros de ingestão de materiais sintéticos por
diferentes espécies de mamíferos marinhos incluindo P. blainvillei (Dados
GEMARS), Stenno bredanensis (MEIRELLES; BARROS, 2007), Arctocephalus
tropicalis, A. australis e Otaria flavescens (OLIVEIRA; OTT e MALABARBA, 2008).
No entanto, esta é a primeira vez que é reportada a ocorrência de material sintético
(debris) no estômago de um exemplar do boto. A ingestão deste pequeno pedaço de
nylon possivelmente é resultado de ingestão secundária, estando este item presente
no trato digestivo de uma de suas presas.
Este resultado demonstra que o T. truncatus possui um índice menor de
ingestão de materiais sintéticos quando comparado a outras espécies marinhas. Isto
poderia indicar que o boto possui uma maior capacidade de diferenciação e/ou
percepção destes itens. A aparente falta de registros parece corroborar com o fato.
Praticamente a metade das 15 espécies de teleósteos encontradas no
conteúdo de T. truncatus são usualmente capturadas pela frota pesqueira de emalhe
no litoral norte do Rio Grande do Sul, dentre elas: C. guatucupa, U. canosai, M.
furnieri, M. ancylodon, U. brasiliensis, P. parus e M. littoralis
Dentre os peixes consumidos por T. truncatus, C. jamaiscensis, P.
porosissimus, T. lepturus e P. brasiliensis são descartados pelos barcos de pesca
comerciais (HAIMOVICI; MARTINS; VIEIRA, 1996). Já a tainha, cuja captura se
concentra no final do outono teve um acréscimo de 102% em 2009, atingindo um
total de 4.121 t (UNIVALI, 2010). Sendo assim, se observa que existe certa
sobreposição entre a dieta do boto e o interesse da pesca comercial de emalhe e
cerco no litoral norte e médio do Rio Grande do Sul.
O estudo com isótopos estáveis poderiam elucidar questões ainda não
esclarecidas, como o lugar exato da espécie na cadeia trófica marinha, sinal
isotópico de suas presas, além de permitir uma análise temporal mais ampla da
dieta dos indivíduos. No entanto, as informações existentes apontam T. truncatus
como um dos predadores localizados no topo da cadeia trófica marinha em
44
ambientes costeiros, predando sobre grandes peixes teleósteos que podem ou não
serem ictiófagos.
8 CONCLUSÕES
As informações obtidas no presente estudo, em combinação como os dados
de dieta existentes na literatura, além de dados resultantes de avistagens ao longo
da costa, indicam que pelo menos uma parcela significativa dos indivíduos de T.
truncatus apresenta distribuição caracteristicamente costeira na região sul do Brasil
e alimenta-se das duas famílias de teleósteos mais abundantes na plataforma
continental (HAIMOVICI & ANDRIGUETTO, 1986; HAIMOVICI et al. 1996).
A família Sciaenidae é o grupo mais importante na dieta da espécie ao longo
de toda a costa do Rio Grande do Sul.
A presença de diversas espécies de teleósteos e cefalópodes demonstra que
a espécie apresenta um amplo espectro alimentar tanto na região sul como do
sudeste brasileiro. Além disso, ocasionalmente, camarões e raias são encontrados.
A biologia e comportamento das espécies predadas indica que o boto pode
predar tanto no fundo como na coluna de água e superfície e, apesar de oportunista,
apresenta algumas preferências alimentares, como parece ocorrer para Mugil sp.
O boto possui hábito predominantemente piscívoro, alimentando-se
ocasionalmente de cefalópodes e outros táxons. As espécies mais importantes na
dieta da T. truncatus no litoral norte do Rio Grande do Sul, são T. lepturus, P.
brasiliensis e Mugil sp. Além disso, T. lepturus é presa ao longo de toda costa
brasileira.
Os debris não foram ingeridos pela espécie. Este resultado indica que a
espécie consegue diferenciar satisfatoriamente estes matérias dos seus itens
alimentares.
Metade das espécies consumidas por T. truncatus possuem valor comercial,
evidenciando certa sobreposição entre a dieta da espécie e o interesse da pesca de
emalhe e a de cerco no Rio Grande do Sul. No entanto, com exceção de Mugil sp.,
as principais presas (T. lepturus e P. brasiliensis) são descartadas quando
capturadas.
45
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APÊNDICE
APÊNDICE A – Fotografias dos otólitos de algumas presas de Tursiops truncatus.
Capturadas e editadas pelo autor em 2011.
Otólito direito de Pescada-foguete/ King Weakfish/ Pescadilla (Macrodon ancylodon),
52
Otólito esquerdo da Corvina/ Whitemouth Croaker/ Corvinon Rayado (Micropogonia
furnieri).
Otólito esquerdo de Papa-terra/ King Fish (M. litorallis).
53
Otólito direito de Taínha (Mugil sp.).
Otólito esquerdo de Maria-luísa (Paralonchurus brasiliensis).
54
Otólito direito de Cangoá (Stellifer rastrifer).
Otólito direito do Peixe-espada (Trichiurus lepturus).
55
Otólito direito de Abrótea/ Brazilian Codling/ Brótola (Urophycis brasiliensis).
Otólito esquerdo de Castanha/ Sand Drum/ Pargo Blanco (Umbrina canosai).
56
Otólito direito de Goete/ Jamaica Weakfish/ Pescadilla (Cynoscion jamaiscensis).
Otólito direito de Manjubão/ Tothed Anchovy/ Anchoita (Lycengraulis grossidens).
57
Otólito direito de Mangangá-liso/ Southern Atlantic Midshipman (Porichthys
porosissimus).
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