Livro de Textos Completos do XVII Simpsio de Filosofia Moderna e
Contempornea da UNIOESTE
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XVII Simpsio de Filosofia Moderna e Contempornea da UNIOESTE
De 29 de outubro a 01 de novembro de 2012 UNIOESTE Campus de Toledo http://www.unioeste.br/filosofia
ISSN: 2176-2066
Catalogao na Publicao elaborada pela Biblioteca
Universitria UNIOESTE/Campus de Toledo
Bibliotecria: Marilene de Ftima Donadel - CRB 9/924
Simpsio de Filosofia Moderna e Contempornea (17. : 2012 :
Toledo PR.)
S612a Livro de textos completos do XVII Simpsio de Filosofia
Moderna e Contempornea, UNIOESTE Toledo [recurso
eletrnico], realizada no perodo de 29 de outubro a 01 de
novembro de 2012 / Organizao de Angelo Eduardo da Silva
Hartmann, Michelle Cabral, Luciano Carlos Utteich, e Remi
Schorn. Toledo : UNIOESTE, 2012.
World wide web
http://www.unioeste.br/filosofia/
ISSN: 2176-2066
1. Filosofia moderna Congresso 2. Filosofia contempo-
rnea Congresso I. Hartmann, Angelo Eduardo da Silva, Org. II.
Cabral, Michelle, Org. III. Utteich, Luciano Carlos, Org. IV.
Schorn, Remi, Org. V. T.
CDD 20. ed. 190.06
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Sumrio
A AMEAA DA CATSTROFE PELO XITO EXCESSIVO SEGUNDO H. JONAS Adaiana
Pinto Orcheski .......................................................................................................................................... 8
A CONCEPO TICA E POLTICA NA OBRA O PRNCIPE DE MAQUIAVEL Maria Paula
Fontana de Figueiredo ............................................................................................................................ 17
A CRTICA DE HEGEL AO FORMALISMO KANTIANO Douglas Joo Orben ........................... 23
A CRTICA DE NIETZSCHE AOS ELEMENTOS ESTTICOS DO DRAMA WAGNERIANO:
LEITMOTIV E UNENDLICHE MELODIE Felipe Thiago dos Santos ............................................... 30
A DOUTRINA DA CAUSALIDADE E O MTODO DE ANLISE EM DESCARTES Csar
Augusto Battisti ...................................................................................................................................... 39
A ESCRITA COMO ENSAIO EM UMA FILOSOFIA DE FORMAO: A NARRAO PARA
ALM DA VIOLNCIA QUE IMAGEM E CONCEITO PRATICAM UM AO OUTRO Leandro
Nunes...................................................................................................................................................... 46
A FILOSOFIA PR-SOCRTICA DE KARL R. POPPER Jos Provetti Junior ............................. 53
A FRONTEIRA DO CONSUMO: ENTRE A ABUNDNCIA E A INCLUSO PRECRIA Luana
Caroline Knast Polon, Paulo Henrique Heitor Polon ........................................................................... 69
A INTERPRETAO DO ARGUMENTO DO ARGUMENTO DA ELEGIA DE GRAY
SEGUNDO PETER HYLTON Denise Borchate ................................................................................ 83
A JUSTIA NA PERSPECTIVA DA RAZO TICA PR-ORIGINRIA EM ENRIQUE DUSSEL
Jessica Fernanda Jacinto de Oliveira ................................................................................................... 89
A LEI MORAL COMO REFUTAO DO SOLIPSISMO PRTICO EM KANT Jos Francisco
Martins Borges ....................................................................................................................................... 95
A NOO DE FELICIDADE EM ARISTTELES Jaqueline Maria Leichtweis Ayala ................ 112
A NOO DE IMAGEM EM DELEUZE E A ABERTURA DE POSSIBILIDADES PARA A
CRIAO DE ESCRILEITURAS Luana Borges Giacomini .......................................................... 121
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A NOO DE SUJEITO EM AGOSTINHO E DESCARTES Joo Antnio Ferrer Guimares .... 128
A POLTICA EM ARISTTELES E SUA RELAO COM A TICA Alfredo Batista .............. 138
A PSICOLOGIA E O PROCEDIMENTO GENEALGICO EM NIETZSCHE Maurcio Smiderle
.............................................................................................................................................................. 148
A RAZO DESTRANSCENDENTALIZADA E O REALISMO LINGUSTICO: UMA PROPOSTA
HABERMASIANA Ktia R. Salomo ............................................................................................. 155
A REDESCRIO COMO EXERCCIO DA DEMOCRACIA E DA SOLIDARIEDADE NA
FILOSOFIA DE RICHARD RORTY Altair Alberto Fvero ........................................................... 182
A RELAO ENTRE O CONCEITO DELEUZIANO DE FILOSOFIA E A ARTE LIVRE DE
CLICHS QUE POSSUI POTNCIA PARA CONTRIBUIR COM O ENSINO DE FILOSOFIA
Luana Aparecida de Oliveira................................................................................................................ 189
A TEORIA DA MENTE OBJETIVA EM POPPER Junior Antonio Fernandes .............................. 196
A VONTADE DE POTNCIA COMO NEGAO DO SUJEITO EM FRIEDRICH NIETZSCHE
Douglas Meneghatti ............................................................................................................................. 202
ARENDT: LIBERDADE POLTICA Marcelo Barbosa .................................................................. 209
AS CONCEPES HOBESSIANA ACERCA DO ESPRITO DO HOMEM Luciana Vanuza Gobi
.............................................................................................................................................................. 215
AS CRTICAS FREGEANAS AO CONCEITO DE NMERO NOS FUNDAMENTOS DA
ARITMTICA Joo Vitor Schmidt .................................................................................................... 221
AS NOES DE AMOR (EROS) EM PLATO E DE AMIZADE (PHILIA) EM ARISTTELES
Luiz Carlos de Abreu ........................................................................................................................... 228
AUTENTICIDADE E SUPERAO DA EPISTEMOLOGIA MODERNA EM CHARLES
TAYLOR Rogerio Foschiera ............................................................................................................ 233
AVALIAO EDUCACIONAL: PARADIGMAS E CONCEPES Maria Dinora Baccin Castelli
.............................................................................................................................................................. 249
CONSCINCIA E EGO: A ORIGINALIDADE NA FILOSOFIA DE SARTRE Helen Aline dos
Santos Manhes .................................................................................................................................... 256
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COSMOLOGIA, FILOSOFIA E EDUCAO Remi Schorn ......................................................... 262
DA ARTE DE DIZER O OUTRO: A ALEGORIA NO DISCURSO LITERRIO Toani Caroline
Reinehr ................................................................................................................................................. 270
Desigualdade, Liberdade Civil e Direito Poltico em ROUSSEAU Lus Fernando Jacques ............ 277
DIZER E MOSTRAR E LIMITES DA LINGUAGEM NO TRACTATUS DE WITTGENSTEIN
Bruno Senoski do Prado ....................................................................................................................... 283
EMANCIPAO INTELECTUAL EM O MESTRE IGNORANTE, DE JACQUES RANCIRE:
NFASE NA PRXIS PEDAGGICA DE DOCENTES DE ENSINO SUPERIOR Christiano
Tortato e Valderice Cecilia Limberger Rippel ..................................................................................... 290
HUME E O RESGATE DO CETICISMO EMPRICO Donizeti Aparecido Pugin Souza .............. 297
INDIVIDUAO E SOCIALIZAO NO PROCESSO EDUCATIVO DE REDESCRIO Marta
Marques ................................................................................................................................................ 303
INTENCIONALIDADE E EPOCH EM EDMUND HUSSERL Devair Gonalves Sanchez ....... 310
JUSTIA E FELICIDADE DAS PARTES, NA REPBLICA: O MTODO SOCRTICO E A
OBJEO DE ADIMANTO Thayla Gevehr ................................................................................... 317
MEDO E OBRIGAO NA FILOSOFIA DE HOBBES Clvis Brondani .................................... 327
MONTAIGNE, CONSELHEIRO DO PRNCIPE: O TIL E O HONESTO Gilmar Henrique da
Conceio ............................................................................................................................................. 335
NIETZSCHE E O NIILISMO: O COLAPSO DOS VALORES COSMOLGICOS E A NO
VALORAO DO DEVIR Neomar Sandro Mignoni ..................................................................... 343
O CONCEITO DE EMOO EM SARTRE Flvia Augusta Vetter Ferri ...................................... 351
O CONCEITO MORTE NO PREFCIO DA FENOMENOLOGIA DO ESPRITO: A MORTE E SEU
SENTIDO METAFSICO Dennis Donato Piasecki ......................................................................... 358
O CONFLITO EM MAQUIAVEL E AS RECIPROCIDADES COM O PODER EM FOUCAULT
Anemar Michaell Wanes Moraes Ansolin ........................................................................................... 370
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O DESENVOLVIMENTO DE UMA TICA AMBIENTAL SEGUNDO PETER SINGER Victor
Mateus Gubert Teo ............................................................................................................................... 377
O DILOGO COMO UM INSTRUMENTO DE APRENDIZADO: POSSIBILIDADES PARA UM
ENSINO DE FILOSOFIA Cosmo Rafael Gonzatto ......................................................................... 384
O FUNDAMENTO DA MORALIDADE EM HUME VEM DO SENTIMENTO OU DA RAZO?
Luana Pagno ......................................................................................................................................... 392
O IMPASSE ENTRE POPPER E O CRCULO DE VIENA. A LINGUAGEM ENQUANTO
PROBLEMA FILOSFICO Antnio Carlos Persegueiro ................................................................ 398
O PENSAMENTO COMPLEXO E A FORMAO CIDAD Darlan Faccin Weide, Waldemar
Feller .................................................................................................................................................... 407
O PODER DE MICHEL FOUCAULT Jandrei Jos Maciel ............................................................ 412
O PONTO DE PARTIDA DA LGICA: O PENSAMENTO Leandro A. Xitiuk Wesan ............... 419
O PROBLEMA DA LIBERDADE SOB O ASPECTO DA QUARTA MOTIVAO DAS AES
HUMANAS Felipe Cardoso Martins Lima....................................................................................... 426
O PROGRESSO DA CINCIA EM POPPER Aristides Moreira Filho ........................................... 442
O SISTEMA PENAL E O PODER PUNITIVO Daniel Salsio Vandresen ..................................... 449
OBJETIVAO DO LOUCO EM MICHEL FOUCAULT Anderssieli Irion Boschetti ................ 456
OS PRINCPIOS DAS MEDITAES CARTESIANAS Cristiane Picinini .................................. 462
OS SIGNIFICADOS DE EMANCIPAO POLTICA E EMANCIPAO HUMANA EM KARL
MARX Gerson Lucas Padilha de Lima ............................................................................................. 468
PARMNIDES E A VIA DA VERDADE: O PRIMEIRO MOMENTO DO SER HEGELIANO NA
HISTRIA - Maglaine Priscila Zoz ..................................................................................................... 475
PROBABILIDADE E PROPENSES LUZ DOS TRS MUNDOS DE POPPER Angelo Eduardo
da Silva Hartmann ................................................................................................................................ 482
PROBLEMA E MISTRIO EM GABRIEL MARCEL: PARA UM ENSINO DE FILOSOFIA NO
ENSINO MDIO Nadimir Silveira de Quadros ............................................................................... 492
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PROJEO E INTERPRETAO: CONSIDERAES SOBRE O COMPREENDER EM SER E
TEMPO DE MARTIN HEIDEGGER Carine de Oliveira ................................................................ 499
REPBLICA E EDUCAO: PRINCPIOS DA EDUCAO LAICA Denise de Almeida
Machado ............................................................................................................................................... 506
SOBRE UMA POSSVEL APLICAO DA CRTICA DE WITTGENSTEIN A
IMPOSSIBILIDADE DE UMA LINGUAGEM PRIVADA AO ARGUMENTO DO ESPECTRO
INVERTIDO Bianca Carraro Duda .................................................................................................. 513
ADORNO LEITOR DE SCHELLING: CRTICA AO ABSOLUTISMO DA RAZO COMO
CONDIO DA DIALTICA Rosalvo Schtz ............................................................................... 520
SOBRE A INTUIO DE SI MESMO COMO BASE DA INTUIO INTELECTUAL DO
ABSOLUTO EM SCHELLING Kayenne Cristine Ferigotti Santos Vosgerau ................................ 528
TEORIAS SUBSTANCIALISTAS E DEFLACIONISTAS DA VERDADE Kariel Antonio Giarolo
.............................................................................................................................................................. 535
DA METAFSICA FILOSOFIA DA EFETIVIDADE (WIRKLICHKEIT): A
FISIOPSICOLOGIA DE NIETZSCHE EM ALM DE BEM E MAL Marioni Fischer de Mello .. 545
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A AMEAA DA CATSTROFE PELO XITO EXCESSIVO SEGUNDO H.
JONAS Adaiana Pinto Orcheski
UNIOESTE/PIBID CAPES
Resumo: Nos ltimos anos os problemas ambientais tm chamado a nossa ateno. O planeta
tem mostrado resultados negativos devido crescente populao e o progresso desenfreado. O
clima est mudando gradativamente, juntamente com a extino de espcies, poluio das
guas, ar impuro, enfim, o planeta e todas as formas de vida tm passado por significativas
mudanas. Um grande problema humano sempre um grande problema filosfico, por isso
tentaremos demonstrar nesse trabalho a abordagem da concepo terica de Hans Jonas
refletindo a tese de que nosso sucesso nossa ameaa.
Palavras-chave: tica. Meio ambiente. Tecnologia.
O homem sempre desejou sua autossuperao, ser mais do que em cada
instante, poder mais, entretanto, muitas vezes isso se tornou sinnimo de levar vantagens
em tudo o que fazia, ou seja, em todas as suas aes. Desde os tempos primrdios o
homem busca se superar, superar suas necessidades, para isso, ele criou ferramentas para
melhorar o xito das suas tarefas. O homem luta desde a sua origem pelo progresso, para
tornar sua vida mais cmoda e pratica. A evoluo do homem deu-se em grande mediada
pelo progresso, e ele luta at os dias atuais pelo seu prprio avano. A reduo da busca
pelo ser mais ao mero levar vantagem em tudo e com nsia de dominao nos levou
a uma situao preocupante. Diante do crescimento populacional e o aumento dos bens
de consumo, o homem constituiu uma situao de insustentabilidade, o perigo de
esgotamento dos recursos naturais se tornou evidente. Nesse sentido, se levarmos a cabo
esses recursos devido o nosso consumo, todo o planeta estar ameaado. Essa ameaa que
Jonas1 chama de apocalptica, esta pairando sobre a humanidade de forma efetiva. O
resultado do desejo que o homem tem de dominar a natureza pode gerar consequncias
negativas quer ultrapassam nossa capacidade contempornea de prever e mesmo de
imaginar. Conforme o autor, a questo relevante no sabermos o alcance da capacidade
1 Hans Jonas nasceu em 10 de maio de 1993 na cidade de Monchengladbach na Alemanha. Mais informaes em
Bioethikos, V. 5, N2 Abr/jun 2011.
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humana no que diz respeito s suas aes, pois, elas podem ser sanguinrias, o
importante buscarmos saber qual a resistncia da natureza relativamente s aes
humanas. Em suas palavras: No se trata de saber precisamente o que o homem ainda
capaz de fazer nesse aspecto se pode ser problemtico e sanguneo , mas o quanto a
natureza capaz de suportar (JONAS, 2006. p. 301). Segundo Jonas, o homem parece
no saber lidar com o progresso que ele mesmo construiu, estamos diante de um
progresso exacerbado e no sabemos o que seus reflexos podem causar. O ser humano
ainda capaz de fazer muito, disso no temos dvida, mas Jonas questiona, at que
pondo a natureza viva pode aguentar? Diante de toda essa problemtica Jonas aponta
algumas limites existentes e diante dos quais nos convida a refletir: a crescente
populao, bem como os problemas (a) da alimentao e (b) das matrias primas, (c) dos
recursos energticos, e assim por diante. Vejamos alguns destes aspectos de forma mais
pormenorizada: a) O problema da alimentao. O que Jonas aponta em primeiro lugar
a questo da alimentao, porque para ele tudo dependente dela. Devido dimenso
que se encontra a populao do planeta e seu crescimento inevitvel, os produtores
necessitaram mais fertilizantes para o solo, e se veem forados adio de mais qumicos
na crosta terrestre produtiva. O que no nada tranquilizador para Jonas que o que
esses produtores conseguem fazer apenas garantir a subsistncia atual. As tecnologias
agrrias de maximizao tm impactos cumulativos sobre a natureza que mal comearam
a revelar-se em mbito local, por exemplo, na poluio qumica dos recursos hdricos e
das guas costeiras (para o que contribuem tambm as indstrias), com efeitos nocivos
transmitidos pela cadeia alimentar. A salinizao dos solos pela irrigao constante, a
eroso provocada pela aragem de campos, as mudanas climticas decorrentes do
desmatamento (e eventualmente at a diminuio do oxignio disponvel na atmosfera)
so outros castigos advindos de uma agricultura cada vez mais intensiva e expansiva.
(Jonas, 2006. p. 302). Diante de tudo isso tornam-se visveis os limites do meio ambiente
diante das tecnologias agrrias que tem por objetivo o plantio mais rpido, para suprir a
demanda de uma populao em acelerado crescimento. Os fertilizantes e defensivos
agrcolas so usados em larga escala, dessa forma, tornam-se causadores de inmeros
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impactos. Estes fertilizantes podem vir a destruir, danificar e modificar o ar que
respiramos, a gua que bebemos, pode chegar a exterminar algumas espcies de animais
devido s queimadas, o uso se agrotxicos, o desmatamento e a constante agresso ao
solo. b) O problema das matrias primas. O segundo problema que Jonas aponta
encontra-se na superfcie da terra e tambm se encontram em camadas mais profundas,
estas vem sendo exploradas at os dias de hoje. Essa matria prima mais profunda
necessita de energia para ser retirada, ou seja, exigem um grande consumo de energia ao
serem exploradas. Dessa forma, a retirada de matrias primas do solo requer uma grande
quantidade de energia, necessitando um beneficiamento industrial, gerando prejuzos para
toda a biosfera do planeta. c) O problema energtico. Quando Jonas refere-se ao
problema energtico distingue entre duas fontes: renovveis e no renovveis. Aos
renovveis podemos destacar aqueles que so resultados da sedimentao de milhes de
anos de sntese orgnica e atualmente fonte predominante do consumo energtico do
planeta (JONAS, 2006. p. 303). Podemos destacar o carvo, o petrleo e o gs natural.
Pode-se perceber que devido ao descontrole do seu uso estamos caminhando a passos
largos para seu esgotamento e re-introduzindo gazes na atmosfera que podem inviabilizar
muitas formas de vida:
O que o Sol armazenou no curso de milhes de anos no mundo vegetal terrestre os
homens esto consumindo em alguns sculos. Desses combustveis fsseis
dependem tambm os fertilizantes qumicos [...] A queima de combustveis fsseis,
alm do problema da poluio local do ar, traz o problema do aquecimento global,
que poderia entrar em uma curiosa competio mundial com a questo do
esgotamento das reservas. (JONAS, 2006. p. 304)
Deste modo, Jonas (2006, p. 304) aponta para as consequncias indesejveis para
a vida e o clima, como o derretimento das calotas polares, da elevao dos nveis do
oceano, das inundaes de enormes extenses de plancies. Assim a frvola e alegre
festa humana de alguns sculos industriais seria paga talvez com a alterao por milnios
da feio do planeta (JONAS, 2006. p. 304). Quanto s energias renovveis, o filsofo
aponta a energia solar. Que se destaca por ser uma fonte de energia limpa, pois no
contribui para o superaquecimento do planeta, sendo que a utilizao desta energia
pouparia a utilizao das demais e no afetaria a ordem das coisas. Poderamos citar
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ainda como energia limpa, a energia elica, das ondas, das mars e da biomassa, e assim
por diante. O importante nos parece, que Jonas indica para uma nova postura diante da
natureza e seus recursos. curioso pensar que as atividades de pouco mais de 7 bilhes
de pessoas esto mudando a composio da nossa morada, o planeta terra. Segundo o que
relata Jonas, o crescimento populacional gera o aumento do consumo, que por sua vez
gera o aumento de fertilizantes no solo, a queima dos combustveis fsseis e a extrao
das matrias primas. Mas o que tudo isso pode causar no clima da terra? Segundo Paulo
Artaxo (2007) o nosso planeta corre grandes riscos, o que Jonas chama de ameaa
apocalptica. Sabe-se que a terra composta por inmeros gases, dentre eles o oxignio
que respiramos. Mas sabido que existem outros que ajudam os seres humanos, as
plantas, os animais enfim, ajudam na manuteno do planeta, na conservao do nosso
clima.
Alguns deles como o gs carbnico, o metano e o xido nitroso so chamados de
efeito estufa. Recebem este nome porque, assim como uma estufa, eles mantm a
temperatura de nosso planeta em nveis adequados para a vida. Sem os gases de
efeito estufa naturais, a temperatura terrestre seria cerca de 17 graus Celsius abaixo
de zero. (Artaxo, 2007. p. 03)
Recordemos quando Jonas fala da queima de combustveis fsseis e o uso de
fertilizantes e agrotxicos, certamente estes so causadores do efeito estufa. curioso
pensar que Jonas enumerou os principais fatores responsveis pelo aumento natural do
efeito estufa, o gs carbnico ocasionado devido a queima de combustveis fsseis e o
xido nitroso decorrente do uso dos fertilizantes no plantio de alimentos. O ser humano
desde que se descobriu como possuidor da tcnica e com a ajuda de mquinas, se colocou
a servio dela. Para que estas mquinas funcionassem comeou a extrao do petrleo e
do carvo das profundezas da crosta terrestre, para transform-los em combustveis. Mas
a queima desses combustveis provoca a emisso de gases poluentes em excesso
(Artaxo, 2007. p. 04). Quando os nossos automveis queimam a gasolina o gs carbnico
que sai do escapamento aumenta o efeito estufa natural do nosso planeta. Outras fontes
de gs carbnico so as indstrias, as quais queimam combustveis fsseis e estes so
jogados no ar pelas chamins, tambm a criao de animais, queimadas e fertilizantes
aumentam o efeito estufa. Os impactos climticos so em sua grande maioria advindas do
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aumento do efeito estufa ocasionadas pelo gs carbnico. A crescente temperatura pode
vir aumentar a temperatura do planeta. Esse aumento de temperatura pode acabar com as
calotas polares, inundando plancies, cidades e praias inteiras, pode vir a intensificar as
secas, levando a uma dificuldade maior de produzir alimentos. A tudo isso se soma a
escassez de gua, a extino dos animais, doenas, ar impuro, enfim a produo desses
gases afetar a sobrevivncia da vida no planeta. Alguns diagnsticos do acelerado
desenvolvimento tecnolgico tem ocasionando preocupao no s para os cientistas,
mas para todos aqueles que de alguma forma contribuem para o bem estar do planeta. O
consumo acelerado dos recursos naturais est gerando seu esgotamento. O ecossistema
est sendo levado a um colapso, o aumento progressivo da populao mundial e ameaas
ambientais, esto cada vez mais em foco nas discusses. Jonas no exagerou ao afirmar
que um espectro ronda o sculo XXI, a saber, o espectro do seu prprio extermnio.
(SANTOS, 2011. p. 23). A histria das coisas (The Story of Stuff) documentrio da
americana Annie Leonard bastante esclarecedor a este respeito , pois se preocupa em
demonstrar como nossos produtos chegam at ns, como so fabricados, vendidos e
porque so vendidos. De modo geral a autora quer demonstrar segundo suas pesquisas de
onde as coisas vm e para onde vo e o que causam neste processo. Essa histria de
grande importncia para que percebamos o descontrole do homem diante do seu poder,
diante da tcnica. Ou, em outras palavras, a servio de quem e do qu est produo e o
consumo na atualidade. A autora diante de sua inquietao com a problemtica atual do
meio ambiente percorre o mundo durante dez anos atrs de alguns vestgios referentes a
estas coisas. Jonas nosso filsofo em questo preocupou-se meio sculo antes com os
mesmos problemas e decorrente destas reflexes surge o Princpio Responsabilidade. O
objetivo de Jonas era demonstrar que a tica vigente no conseguia acompanhar os
avanos da tecnologia, os quais vem se intensificando ao longo dos anos. Estamos
vivendo em um planeta finito. O planeta est sempre em funcionamento parece que ele
nunca para, h sempre algo para retirarmos dele, algo para destruir na natureza, recursos
naturais para serem sugados e produtos para serem fabricados, afinal o homem no se
contenta em s suprir necessidades bsicas, ele cria necessidades. Annie com seu
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documentrio faz com que percebamos um planeta prestes a explodir, no resistindo a
tanta presso. Levando-nos a concluir que devemos nos preocupar com nossas aes, o
que fazemos e deixamos de fazer para melhorar o ambiente que vivemos. sabido que
um produto at chegar ao seu acabamento passa por muitos processos e cada etapa
prejudicial natureza e as pessoas. Tudo esta de alguma forma relacionado. Histria das
coisas quer transmitir a preocupao com o bem estar do todo, demonstrando assim cada
processo que certo produto percorre para ser produzido e depois do seu uso o que
acontece com eles. Quando extramos a matria prima da natureza, que a autora chama de
palavra pomposa para a destruio do planeta, acabamos destruindo os recursos
naturais, pois devido explorao desses, cortamos e queimamos as rvores, sugamos a
gua, matamos e extinguimos os animais e as montanhas so arrebentadas devido a
extrao dos metais. O planeta esta passando por gravssimos problemas no que se refere
a sua estrutura natural e no modo de agir do ser humano. Segundo Jonas estas
dificuldades demonstram que estamos vivendo a beira de uma situao apocalptica, e se
deixarmos como est colocamo-nos as vsperas de uma catstrofe. Todo o perigo
corrente causado devido era tecnolgica (JONAS, 2006. p. 235). Para que um
produto seja fabricado ele passa pela produo, lugar onde essa matria prima
misturada com txicos. Estes txicos so muito prejudiciais sade, muitos deles saem
das fbricas em forma de poluio, afetando nosso ar, causando doenas e a natureza fica
mergulhada em um caos profundo. J no mercado estes produtos so dispensados o mais
rpido possvel. O corao do sistema, nos EUA, pas em que Annie vive, chamado por
ela de seta dourada, ou seja, a nsia pelo dinheiro, que move o sistema e faz com que o
homem sempre esteja comprando. Para a autora os EUA se tornou uma nao de
consumidores, os quais so medidos pela quantidade que compram. Certamente esta
concluso no se restringe aos EUA podendo, em certa medida, ser aplicada todas as
populaes que se orientam por este modo de produo e consumo. A questo que a
autora se coloca : como tudo isso aconteceu? Segundo Annie, tudo foi planejado. Depois
da segunda guerra mundial o governo e as corporaes analisavam a melhor forma de
estimular a economia. Vitor Lebout, nos EUA, achou a soluo baseada no consumo, ele
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disse: - a nossa enorme economia produtiva exige que faamos do consumo a nossa
forma de vida. Que tornemos a compra e uso de bens em rituais, que procuremos a nossa
satisfao espiritual, a satisfao do nosso ego no consumo. Precisamos que as coisas
sejam consumidas, destrudas, substitudas e descartadas a um ritmo cada vez maior.
Quase tudo que produzido vai para o lixo muito rpido. Segundo Annie porque somos
levados a comprar, jogar fora e voltarmos a comprar novamente. Para a autora o que
muda a aparncia. Por exemplo, se na casa do Jorge tem uma TV grande e gorda e na
casa do vizinho uma brilhante e fininha, demonstra que Jorge no esta contribuindo para
o consumo, para a seta dourada. As propagandas tem fundamental importncia nesse
processo, segundo Annie, afinal elas nos falam o tempo todo como estamos errados,
como nosso carro, nosso cabelo, nossa pele, nossa roupa, como ns estamos errados. Mas
as propagandas trazem a soluo, assim irmos s compras.
Temos mais coisas, mas menos tempo para as coisas que nos fazem felizes, amigos,
famlia e tempo livre. Mas sabe o que fazemos quando temos o pouco tempo livre?
Fazemos compras e vemos TV. Trabalhamos bastante, chegamos em casa exaustos e
sentamos no sof novo para ver televiso, os anncios dizem que no prestamos
ento vamos as compras para nos sentirmos melhor. Depois trabalhamos mais,
vemos mais televiso e compramos mais. Apesar do tamanho das casas terem
aumentado de tamanho nos ltimos anos a maioria das coisas vo para o lixo. Todo
esse lixo ou jogado em um aterro ou incinerado e depois jogado nos aterros. As
duas formas poluem o ar, o solo a gua sem esquecer que alteram o clima. A
incinerao realmente ruim. Recordemos daqueles txicos da faze de produo.
Queimar o lixo libera esses txicos no ar, pior ainda, produz super txicos novos,
como a dioxina. A dioxina a substancia mais toxica feita pelo homem. E os
incineradores so as principais fontes de dioxina. (THE STORY of stuff, 2010).
certo que a reciclagem ajuda, mas ela no suficiente, porque afinal de contas
no reciclamos nem a metade do lixo que foi gasto para produzir nossos produtos em
todos os processos de fabricao que essa mercadoria passou. Mas Annie diz que existe
algo bom a ser destacado diante de todos esses monstros. Muitas pessoas j esto fazendo
acontecer, salvando florestas, lutando por uma produo limpa e um consumo consciente.
Poderamos dizer com Jonas que a questo urgente a mudana da postura tica. O que
de mais importante para Annie que devemos jogar fora a mentalidade do consumismo,
grande causador de conflitos, o que o mundo necessita de um novo pensamento, que
vise o bem estar do todo. Baseando-se na ideia de sustentabilidade, equidade, qumica
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verde, energia renovvel tudo pode vir a acontecer e ingnuo aquele que pensa que
deve continuar pelo velho caminho. Annie diz que a velha forma no aconteceu por
acaso, no como a gravidade que temos de conviver, as pessoas a criaram e ns tambm
somos pessoas por isso vamos criar algo novo(The Story of Stuff, 2010). Parece-me que
Annie relatou bem o que Jonas quer chamar a ateno na sua obra. Quando se refere a
criar algo novo preocupando-se com o todo. Jonas criou essa novidade diante de uma
tica que no esta conseguindo resolver as doenas da era tecnolgica, pois a tica
tradicional tem uma centralidade antropocntrica, ou seja, visa apenas o homem e seu
bem estar. Para Jonas o futuro aquele que possibilita a condio da continuidade da
humanidade e das outras formas de vida. diante dessas limitaes encontradas hoje que
o autor valida a necessidade de uma nova tica, a saber,
Essa deve ter como horizonte de sua projeo o futuro desconhecido, incluindo nele
o direito dos que ainda no existem e ter como centro de referncia no apenas o
homem, mas a vida do cosmos, isto , a totalidade daquilo que vive (Santos, 2011. p.
27).
Jonas (2006. p. 229) preocupar-se com o futuro da humanidade admite que o dever
deve vir em primeiro lugar no nosso comportamento, ao passo que a civilizao tecnolgica
est se tornando cada vez mais poderosa quando nos referimos ao seu potencial de
destruio. O futuro da humanidade obviamente coloca em cheque o futuro da natureza e
vice-versa. Deve ser levado em considerao que o homem est se tornando cada dia mais
perigoso e ameaador no s perante ele mesmo, mas para toda a biosfera. O interesse do
homem coincide com o dever diante de toda forma de vida, afinal a terra sua ptria, no
se deve reduzir nossa concepo ao antropocentrismo. Para Jonas esse dever est estritamente
ligado biosfera total do planeta, um dever diante do humano e do extra-humano. Deve-se
deixar a vida prevalecer, preservar e proteger o direito de existir das futuras geraes.
Referncias:
JONAS, Hans. Princpio Responsabilidade: ensaio de uma tica para a civilizao
tecnolgica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
ARTAXO, Paulo. Mudanas no Clima da Terra o que pode acontecer? Cincia Hoje, n.183,
02 05, setembro, 2007.
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SANTOS, Robinson dos. O problema da tcnica e a crtica a tradio na tica de Hnas Jonas.
In: SANTOS, Robinson dos. tica para a civilizao tecnolgica: em dilogos com Hans
Honas. 1. ed. So Paulo: Centro Universitrio So Camilo, 2011. 21-40.
THE STORY of stuff, Fbio Gavi, So Paulo, Estdios Gavi New Track SP, Adaptao do
texto Denise Zepter, 2010, Parte 1. Disponvel em:
Parte 2. Disponvel em
Acesso em: 20, junho,
2012.
http://www.youtube.com/watch?v=7q_QhB3HQ70http://www.youtube.com/watch?v=jNpMRHgfqI8&feature=relmfuP g i n a | 17
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A CONCEPO TICA E POLTICA NA OBRA O PRNCIPE DE
MAQUIAVEL Maria Paula Fontana de Figueiredo
UNIOESTE/PET Filosofia
Resumo: O texto aqui apresentado se prope a investigar a relao entre tica e poltica no
pensamento de Maquiavel, especificamente na obra O Prncipe. Para isso abordaremos alguns
conceitos principais da obra como o de virt e o de fortuna. Discorreremos sobre de que
maneira o autor relaciona ambas as questes, e como isso vem sido interpretado ao longo dos
tempos. Por fim, tentaremos defender a posio de que, para Maquiavel, tica e poltica so
consonantes, e que em sua obra h um conceito de tica que prprio da poltica, e que em
nada se aproxima das concepes tradicionalistas religiosas.
Palavras-chave: tica. Poltica. Maquiavel.
So incontveis os problemas filosficos a que se dedicam estudiosos e
pensadores nos dias de hoje e provavelmente seja a poltica o campo que atrai mais
olhares. Poltica em si j geradora de alguns desarranjos, mas quando relacionada s
questes ticas surgem os maiores questionamentos. tica e poltica so reas
convergentes ou divergentes? Os interesses polticos devem ultrapassar os valores morais
e de justia?
Discutiremos esta temtica sob a tica de Maquiavel, considerado por muitos o
patrono das cincias polticas, em sua principal obra O Prncipe. O florentino
constantemente alvo de polmicas, na medida em que seus escritos e seu pensamento se
distanciam, conforme interpretaes, de qualquer ordem moral. Termos como
maquiavelismo e maquiavlico so constantemente atribudos iniqidade e a
maldade. Pretenderemos aqui refutar este senso buscando como se d a dinmica de
elementos como moral, justia, tica e poder, comprovando assim a importncia do tema
no mbito da filosofia.
Sendo a sociedade uma instituio cujo crescimento no se d de forma natural,
se fez necessrio desde os tempos da renascena a interveno do governante. Neste
sentido, O Prncipe um claro retrato da vontade que tinha Maquiavel: viver em uma
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Itlia imponente e una, como percebemos em suas prprias palavras a Loureno de
Mdici.
Receba, portanto, Vossa Magnificncia este pequeno presente com aquele animo que eu
vos mando. Obra, se diligentemente considerada e lida, lhe far conhecer um grande desejo
que est no meu interior: que o Senhor alcance aquela grandeza que a fortuna e as outras
qualidades suas lhe prometem. E se Vossa Magnificncia, do pice de sua grandeza,
alguma vez voltares os olhos para estes lugares baixos, entender como eu suporto
indignamente uma grande e continua maldade da fortuna (O Prncipe). 1
no apenas sobre a ascenso ao poder, mas principalmente sobre a manuteno
e a perpetuidade do governo que versam as palavras do florentino. sobre a prtica dos
assuntos pblicos aos quais esteve constantemente vinculado, que se formaram pouco a
pouco os princpios que deviam dirigir sua obra terica. (LEFORT, 1972, p.6). Neste
sentido abordaremos, para fins contextuais, algumas caractersticas tidas por Maquiavel
como essenciais para que o prncipe obtenha xito em bem governar e em manter-se no
poder.
Podemos dizer que h ao longo da obra um retrato pessimista do homem. Para
Maquiavel, dos homens se pode dizer isto: que geralmente so ingratos, volveis,
simuladores e dissimuladores, esquivos aos perigos, cobiosos de ganho (O Prncipe
cap. XVII). No que diz respeito ao prncipe, deve haver um equilbrio entre as qualidades
ditas boas e ms. No simples assim conseguir uma concordncia, e neste sentido que
as caractersticas devem ser aplicadas conforme a convenincia, de maneira operativa ao
governo.
A percepo da maldade humana fundamental para os legisladores e no necessariamente
para todos os homens em todas as situaes. Maquiavel no diz que todos os homens
devem levar em considerao a maldade de nossa natureza para conduzir suas vidas, mas
sim que os legisladores no podem se descurar desse lado. Abordando diretamente a
questo antropolgica, devemos observar que nosso autor no diz que os homens so maus,
mas sim que o legislador deve supor que eles o sejam (BIGNOTTO, 2008, p.92).
Outro aspecto que podemos identificar nos escritos a liberdade, porm, uma
liberdade marcada dentro dos limites da parcimnia. Ora, um prncipe deve ser
benevolente, mas no muito.
1 Deve-se expor que Maquiavel encontrava-se em exlio, sob tormenta emocional e tentando retomar sua posio
social. Nestas condies surgiram as primeiras palavras de O Prncipe.
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Se um prncipe no puder usar desta virt de liberal sem dano para si, para que ela lhe seja
reconhecida, deve, se prudente, no se importar com a fama de miservel; porque com o
tempo ser considerado cada vez mais liberal, ao verem que, com a sua parcimnia, suas
receitas lhe bastam, podendo defender-se daqueles que lhe fazem guerra, podendo fazer
obras sem tributar o povo. De modo tal que se torna liberal para todos aqueles dos quais
no subtrai, que so infinitos, e miservel para todos aqueles a quem no d, que so
poucos (O Prncipe cap. VXI).
Entre a bondade, a maldade, a benevolncia, a parcimnia h mais uma srie de
qualidades antagnicas s quais deve se atentar o prncipe, tendo sempre destreza e
usando-as na dose certa, a seu favor, a favor do bem governar e de manter-se insigne.
Desta maneira, fundamental que o prncipe seja pr-ativo e multifacetado.
Na construo de todo o texto, ou manual2, como chamado muitas vezes sem
critrio, Maquiavel cria uma teia argumentativa extremamente firme e, pela primeira vez,
estabelece uma poltica autnoma, separada do poder religioso. Estamos historicamente
localizados na Alta Renascena, onde grandes rupturas com a Idade Mdia j haviam sido
idealizadas e concretizadas, exceto a devida secesso entre as regras estatais e as
tradies crists de controle. Vale lembrar que no perodo medieval dois eram os
sinnimos de poder: a posse de feudos e o cristianismo. Sendo na Itlia a Igreja a
detentora da maior parte das terras, logo restringimos nosso conceito apenas ao
cristianismo, especificamente ao Catolicismo, instituio que determinava toda e
qualquer norma e padro de conduta do agir individual e coletivo. imensurvel o feito
maquiavlico, pois proporcionou ao Estado a plena autonomia de suas decises, fazendo
com que a Poltica deixasse de ser uma conjuno de regras impostas pela igreja e
passasse a ser um elemento constitutivo da sociedade e dos homens.
Se o objetivo claro de Maquiavel , como pensamos, estabelecer as regras da ao poltica,
ele no o persegue, contudo, pelo modo tradicional da instruo moral dos prncipes e
fortalecimento de suas disposies ticas. Ao invs disso, ele desvincula o mbito do agir
poltico das determinaes formais da moral tradicional, no subordinando a poltica nem
aos seus pressupostos, nem aos da religio (AMES, 2002, p.53).
2 Algumas editoras at mesmo publicam O Prncipe estampado por manual de poder, ou guia de dominao, o
que, apenas contribui para com esta imagem antitica. A leitura negligente de seus escritos pode, de fato, gerar
ms interpretaes, considerando principalmente o salto temporal.
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Lemos isso hoje como grande avano, mas as consequncias para Maquiavel
certamente foram mais controversas. J identificamos aqui o primeiro grande
deslocamento conceitual de tica poltica. O que antes significava obedecer e seguir aos
dogmas, j representa agora pr-atividade para o bem comum, sem as barreiras da
salvao e da piedade catlica, que na verdade buscavam tambm a dominao e apenas
velavam o interesse financeiro institucional. Mas no o discutiremos neste momento.
Entramos agora no cerne de nossa discusso. Com tudo que vimos anteriormente,
no de se admirar a posio dogmtica de alguns estudiosos, que afirmam que a obra
maquiavlica se afasta da moral. No entanto, arrisco afirmar que em grande parte, tais
concluses se devem a ms interpretaes, principalmente na medida em que Maquiavel
prope solues deveras realistas para se enfrentar problemas referentes ao Estado,
baseadas em observaes histricas e com pesada argumentao sobre o sucesso das
aes propostas.
Ainda sob a tica de algumas interpretaes, estudiosos refutam completamente
a existncia de qualquer sentido tico e de justia nos escritos maquiavelianos. Ou que
Maquiavel simplesmente no respeita qualquer condio moral. Os que afirmam isso
talvez estejam com as lentes embaadas. De fato as ideias maquiavelistas no visam
tratar da tica no principado, a ligao desta com a poltica se d na medida em que a
tica desempenha uma funo. Seja ela ser mantida a fins de aparncia, seja para ser
transgredida por convenincia ao poder.
Atar-se a princpios ticos que se sobreponham aos interesses do Estado no
anula o sentido de moral e justia, apenas o transpem. Estamos defendendo aqui uma
tica prpria poltica. O prncipe que desempenha, assim, a funo do bem governar
deve para isso, conforme j tratamos, dispor de uma srie de qualidades. Entretanto, nem
tudo depende apenas das virtudes principescas. com o mesmo senso de realidade que
Maquiavel observou a histria para apontar os caminhos mais eficazes na poltica, que
ele projeta uma viso futura de governo. Ora, a sociedade constante movimento e tanto
os homens governados, quanto o prprio prncipe, esto sujeitos a acontecimentos
inesperados. A isso chamou fortuna, e a disse sob a forma de muitas metforas. Sobre a
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fortuna no se tem controle, como a sorte, mas cabe ao prncipe ser sagaz e hbil ao
empregar a estes acontecimentos as devidas atitudes de acordo com o interesse. Segundo
Ames (2002, p. 128) a inteligncia desmitifica a fortuna descobrindo-a como causa
terico-prtica responsvel pelas condies exteriores, as que independem da vontade
humana e s quais a ao se encontra vinculada.
No desconheo como muitos tiveram e tm opinies de que as coisas do mundo so, de
certo modo, governadas pela fortuna e por Deus; que os homens com a sua prudncia no
podem corrigi-las no havendo, ento, remdio algum; e por isso poderiam julgar que no
seria necessrio cansar-se muito nessas coisas, mas deixar-se governar pela sorte. Essa
opinio tem muito crdito em nossos tempos por causa da grande mudana nas situaes
que foram vistas e se veem todos os dias, que esto alm de toda a conjectura humana.
Diante do que, pensando eu algumas vezes, inclinei-me de certo modo pela opinio deles.
Todavia, para que nosso livre arbtrio no seja extinto, julgo ser verdadeiro que a fortuna
seja arbitrria de metade das nossas aes, mas que ela ainda nos deixa governar a outra
metade, ou quase (O Prncipe cap. XXV).
como se uma ao tivesse dois lados, s vezes dependentes, o de dentro e do
de fora. Do lado de fora est o incontrolvel (porm previsvel), a fortuna. Do lado de
dentro, a mais poderosa ferramenta, com a qual se pode trabalhar, medir, raciocinar,
aquela que depende estritamente do prncipe, qual se ligam as caractersticas de bom,
mau, justo, liberal, entre outras: falamos da virt.
Mais que medir e comedir as devidas qualidades, virt a capacidade de impor-
se, de ser enrgico, de lidar com as circunstncias de forma astuta e destemida. Sabendo
se adaptar s situaes polticas no intuito, sempre, de manter-se no poder. tambm
saber trazer para si, com o poder e a fora, a simpatia dos governados, sabendo gui-los
conforme o interesse do Estado.
La virt que campea por la doble escena del poder, as como por las diversas situaciones
que en ambas tienen lugar, obtendr el efecto deseado de preservar para su titular su
reino. El efecto supremo de su actividad habr sido ganar para el prncipe la adhesin del
pueblo, sin la cual, no hay, a la postre, virt que valga. (ANDJAR, 2009 , p.17).
A virt seria, portanto, extremamente necessria ao prncipe para vencer as
indeterminaes da fortuna e alcanar a glria. Assim, na busca por resultados efetivos, o
conceito de virt se distancia do de virtude para os cristos. A virt h de ser qualquer
qualidade que deva ser empregada para se atingir um fim visando o Estado, seja aparente
ou efetivamente. Para BIGNOTTO (1992, p.10), Maquiavel aponta os limites da tica
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crist mostrando que ela incapaz de guiar os homens na construo de uma repblica
virtuosa. A tirania aponta para os limites da tica antiga, deveramos dizer de toda tica,
que incapaz de evitar a corrupo e, assim, a ruptura com a poltica.
Conclumos que, para Maquiavel, poltica agir constantemente buscando
resultados, individualmente e atravs dos governados. Tais atitudes devem sempre visar
manuteno do poder e arte de bem governar. responsabilidade do prncipe inclinar a
aplicao de sua virt ao controle do agir comum e conteno das adversidades ligadas
fortuna, sem medir esforos e no atendo suas escolhas j tratada moral
tradicionalista, sendo os meios a serem empregados para atingir seus objetivos,
independentes. Os objetivos so o que incitam o poder do governante e que exigem dele a
virt em sua plenitude. nos fins buscados pela ao poltica que os meios empregados
pelo prncipe se justificam, em um campo moral singular a ela.
Referncias:
AMES, Jos Luiz. Maquiavel: A lgica da Ao Poltica. Cascavel: EDUNIOESTE, 2002.
ANDJAR, Antonio Hermosa. El poder de la virt en El Prncipe de Maquiavelo. Dianoia.
Annali di storia della filosofia. Bologna, n. 14, 2009.
BIGNOTTO, Newton. As fronteiras da tica: Maquiavel. In: NOVAES, Adauto (org.) tica.
So Paulo: Companhia de Letras, 1992, p. 113-125.
BIGNOTTO, Newton. A antropologia negativa de Maquiavel. Analytica, Rio de Janeiro, v.
12, p. 77-100, 2008.
LEFORT, Claude. Le travail de loeuvre Machiavel. Traduo para uso didtico de Jos
Luiz Ames. Paris: Gallimard, 1972.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Prncipe (edio bilngue). Traduo de Jos Antnio Martins.
So Paulo: Hedra, 2011.
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A CRTICA DE HEGEL AO FORMALISMO KANTIANO Douglas Joo
Orben
PUCRS/CAPES UDELAR - Montevidu
Resumo: O presente artigo analisa a crtica hegeliana ao formalismo moral de Kant. Com o
intuito de situar o contexto terico da crtica hegeliana, analisa-se, inicialmente, alguns
aspectos da fundamentao filosfica da moral em Kant. Ao embasar a moral em princpios
puros, vlido incondicionalmente, Kant estabelece um sistema prtico essencialmente formal.
Para Hegel, a moral kantiana no passa de um formalismo abstrato. Por prescrever uma
simples frmula, vlida universalmente, a moral kantiana pode justificar qualquer coisa, pois
o seu princpio de validao to somente a no-contraditoriedade subjetiva. Segundo Hegel,
s possvel definir o valor moral de uma ao quando a mesma considerada dentro de um
contexto determinado, pois o princpio do dever, ao contrrio do que pensava Kant, modifica-
se de acordo com o contexto histrico.
Palavras-chave: Kant. Hegel. Moral.
1. A fundamentao da moral kantiana
A filosofia crtica kantiana nasce da pretenso investigativa de encontrar
fundamentos inabalveis, de certeza apodtica, para os diversos problemas filosficos
levantados, principalmente, pelo ceticismo moderno. Neste sentido, o empreendimento
kantiano ganhou destaque, sobretudo, na fundamentao transcendental do conhecimento
possvel, bem como na sistematizao dos princpios puros da moral. No que concerne ao
conhecimento, Kant estabelece um sistema de condies a priori que asseguram as
possibilidades e os limites do entendimento humano. A legitimidade crtica destas
categorias transcendentais garantida por meio de dedues: uma deduo metafsica
que estabelece o inventrio completo das categorias como condies a priori,
encontradas na prpria natureza transcendental do entendimento humano; e uma deduo
transcendental que assegura, por sua vez, a aplicabilidade destas condies
transcendentais s condies puras (espao e tempo) da sensibilidade. No que tange
moral, e este o problema fundamental a ser abordado neste ensaio, o objetivo kantiano
encontrar um fundamento puro, totalmente depurado de tudo o que possa ser somente
emprico (KANT, 1992, p.15), para a filosofia moral. Sistematicamente articulada com a
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filosofia terica apresentada na Crtica da Razo Pura, a filosofia prtica pergunta-se
sobre o princpio supremo da moralidade1. Na obra Fundamentao da Metafsica dos
Costumes torna-se evidente, pela primeira vez na filosofia crtica, o embasamento
apriorstico da moral kantiana. Os princpios fundamentadores do agir moral no podem
ter origem emprica, pois o mbito da experincia somente expressa o que , no o que
deve ser. O dever moral s pode apoiar-se em princpios totalmente puros, as leis morais
com seus princpios, em todo conhecimento prtico, distinguem-se portanto de tudo o
mais em que exista qualquer coisa de emprico, e no s se distinguem essencialmente,
como tambm toda a filosofia moral assenta inteiramente na sua parte pura (KANT,
1992, p. 16). Num sistema em que a moralidade pretende ser essencialmente pura, a
questo a ser colocada por Kant a seguinte: em que consiste o valor moral de uma ao?
Em outras palavras, como definir uma vontade moralmente boa2? A resposta kantiana a
esta questo traz nfase a noo de lei moral como fundamento puro da ao
moralmente boa. Neste sentido, a mxima subjetiva da ao deve ter como nico
interesse a lei moral, pela qual o simples querer subjetivo torna-se objetivamente
vlido, ou seja, universalmente aceito.
Uma aco praticada por dever tem o seu valor moral, no no propsito que com ela
se quer atingir, mas na mxima que a determina; no depende portanto da realidade
do objecto da aco, mas somente do princpio do querer segundo o qual a aco,
abstraindo de todos os objectos da faculdade de desejar, foi praticada (KANT, 1992,
p. 30).
O dever, que Kant define como sendo a necessidade de uma ao por respeito
lei (KANT, 1992, p. 31), faz da ao moral um princpio puramente formal, no
dependendo, portanto, da realidade do objeto da ao, nem muito menos dos efeitos
produzidos. O princpio do agir moral prescreve o simples dever pelo dever, eliminando
1 No prefcio da Fundamentao da Metafsica dos Costumes, Kant, ao reportar-se aos objetivos da obra, assim
expressa: A presente Fundamentao nada mais , porm, do que a busca e fixao do princpio supremo da
moralidade, o que constitui s por si no seu propsito uma tarefa completa e bem distinta de qualquer outra
investigao moral. (KANT, 1992, p. 19). 2 Neste mundo, e at tambm fora dele, nada possvel pensar que possa ser considerado como bom sem
limitao a no ser uma s coisa: uma boa vontade (KANT, 1992, p. 21).
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totalmente qualquer influncia ou inclinao externa lei moral. A moral configura -se,
deste modo, como sendo o respeito lei moral pelo simples dever.
O valor moral da aco no reside, portanto, no efeito que dela se espera; tambm
no reside em qualquer princpio da aco que precise pedir o seu mbil a este efeito
esperado. Pois todos estes efeitos (a amenidade da nossa situao, e mesmo o
fomento da felicidade alheia) podiam tambm ser alcanados por outras causas, e
no se precisava portanto para tal da vontade de um ser racional, na qual vontade
e s nela se pode encontrar o bem supremo e incondicionado (KANT, 1992, p.
31).
No trecho supracitado, evidente que a ao moral no pode ser definida pelos
efeitos externos (mas somente pela mxima subjetiva da ao), como tambm no deve
ter qualquer interesse externo, pois as circunstncias so sempre contingentes, no
podendo assim determinar necessidade alguma. A ao moral deve, portanto, seguir a
frmula de um imperativo categrico que ordena incondicionalmente, a saber: age
apenas segundo uma mxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei
universal (KANT, 1992, p. 59). A mxima subjetiva, na ao moral, pode ser tomada
como universalmente vlida, pelo que a determinao subjetiva segue, como nico
interesse, a simples forma da lei racional. A lei moral, por sua vez, encontra-se
relacionada com a liberdade transcendental. Segundo Kant, a liberdade uma capacidade
pura da razo que, como tal, possibilita iniciar uma ao de modo totalmente
incondicionada. Esta capacidade da razo pura o fundamento do conceito de autonomia:
uma ao autnoma na medida em que determinada livremente, sem influncia de
fatores empricos. A liberdade, assim entendida, s pode ser transcendentalmente
concebida, pois sua caracterstica essencial a capacidade de iniciar uma ao de modo
incondicionada, sem a influncia de qualquer outro fator. De modo bastante simplificado,
pode-se perfeitamente dizer que a liberdade transcendental, relacionada lei moral, o
fundamento do sistema moral kantiano. Evidentemente, trata-se de uma concepo moral
essencialmente formal, a priori, na qual o valor moral relaciona-se imediatamente (e to
somente) com a mxima do agente. Este assento estritamente formal e subjetivo, que
assegura a necessidade e a universalidade da moral kantiana, na anlise de Hegel, pode e
deve ser duramente criticado.
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2. A Crtica de Hegel ao formalismo kantiano
Segundo Hegel, o sistema moral kantiano tem seus mritos por ter fundamentado
o dever na autodeterminao da vontade. Neste ponto, a teoria kantiana deve ser louvada
por ter sido a primeira a estabelecer a autonomia da vontade como critrio de moralidade.
Porm, os louros de Kant terminam por ai. A insuficincia kantiana em superar os limites
entre conhecer e pensar, a posteriori e a priori, matria e forma, que nada mais do que
um reflexo da separao entre fenmenos e noumenon, converte todo o bnus da
autonomia moral em mero formalismo. Nas palavras de Hegel:
de ressaltar que a autodeterminao da vontade a raiz do dever. Por seu
intermdio o conhecimento da vontade alcanou na filosofia kantiana, pela primeira
vez, um fundamento e um ponto de partida firme com o pensamento de sua
autonomia infinita. Mas na mesma medida, o permanecer no mero ponto de vista
moral, sem passar ao conceito da eticidade, converte aquele mrito em um vazio
formalismo e a cincia moral em uma retrica acerca do dever pelo dever mesmo
(HEGEL, 1975, p. 166).
A insuficincia kantiana, em superar o limite entre matria e forma, faz da
autonomia moral um dever pelo dever, uma simples frmula analtica que no define a
matria dos deveres particulares. Para Hegel, a investigao kantiana, acerca da
autonomia moral, limitou-se a uma mera anlise transcendental (to somente formal) das
condies subjetivas do agente. O que Kant faz, em sua teoria prtica, apenas
fundamentar filosoficamente (formalmente) princpios particulares, j existentes na moral
comum. O dever kantiano nada mais do que uma simples concordncia subjetiva. O
princpio da autonomia moral regido pela pura no-contraditoriedade formal do agente,
no sendo assim um princpio sinttico a priori, como imaginava Kant3 (Cf. KANT,
1992, p. 85), mas to somente analtico. Uma das crticas mais severas que Hegel tece ao
imperativo categrico, a qual pode ser enquadrada como uma das consequncias nocivas
do formalismo kantiano, diz respeito incondicionalidade do agir moral. Segundo Hegel,
3 Na Fundamentao da Metafsica dos Costumes, Kant defende que o Imperativo moral deve ser sinttico a
priori: que esta regra prtica seja um imperativo, quer dizer que a vontade de todo o ser racional esteja
necessariamente ligada a ela como condio, coisa que no pode demonstrar-se pela simples anlise dos
conceitos nela contidos, pois se trata de uma proposio sinttica; teria que passar-se alm do conhecimento dos
objectos e entrar numa crtica do sujeito, isto da razo prtica pura; pois esta proposio sinttica, que ordena
apodicticamente, tem que poder reconhecer-se inteiramente a priori (KANT, 1992, p. 85).
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por ser uma simples frmula, o imperativo categrico pode justificar toda e qualquer
ao: no h nesse princpio nenhum critrio que permita decidir se um contedo
particular que se apresenta ao agente ou no um dever. Pelo contrrio, todo modo de
proceder injusto e imoral pode ser justificado dessa maneira (HEGEL, 1975, p. 166). O
problema levantado por Hegel questiona a incapacidade efetiva da moral kantiana. A
moral do dever pelo dever no considera, segundo Hegel, as circunstncias4 nem, to
pouco, os efeitos ou consequncias da ao. Este vazio formalismo converte a moral em
pura abstrao, no possuindo assim nenhuma efetividade prtica que possa determinar
aes particulares. Kant no se pronuncia quanto ao ser efetivo da ao moral, sua teoria
permanece ao nvel do dever puro e incondicionado. Analisando sistematicamente o
projeto crtico kantiano, notvel que esta insuficincia, que se manifesta no mbito
moral, na medida em que um simples efeito da separao entre fenmenos e noumenon,
sustenta a estabilidade do empreendimento filosfico kantiano. importante ressalta
isso, pois a acusao de formalismo moral, apresentada por Hegel, tem como pano de
fundo a insuficincia kantiana em superar os limites entre ser e pensar, mantendo-se num
sistema essencialmente dualista. Para Hegel, s pode-se definir o contedo moral de uma
ao se for considerado, alm da autonomia subjetiva, o seu contedo efetivo. Neste
caso, as circunstncias e as consequncias da ao, que em Kant eram contrrias
necessidade e universalidade do agir, agora se tornam determinantes. A moralidade se
define em contextos concretos, pois s nestes casos que a contingncia torna possvel
uma contradio. Tento em vista os exemplos kantianos da aplicabilidade do imperativo
categrico, Hegel afirma:
Que no haja nenhuma propriedade no contem por si nenhuma contradio, nem
to pouco o fato de que este povo singular ou esta famlia no exista, ou que em
geral no viva nenhum homem. E por outro lado se admite e supe que a
propriedade e a vida humana devem existir e serem respeitadas, ento cometer um
roubo ou um assassinato uma contradio. Uma contradio s pode surgir com
algo que ; com um contedo que subjaz previamente como princpio firme (1975,
p. 167).
4 Para Kant, o valor moral da aco no reside, portanto, no efeito que dela se espera; tambm no reside em
qualquer princpio da aco que precise de pedir o seu mbil a este efeito esperado (KANT, 1992, p. 31).
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No havendo determinao, ento impossvel que haja contradio. Ao no
permitir a contradio, a moral kantiana assume uma postura analtica, insuficiente para
determinar o valor objetivo de uma ao. Para que uma ao possa ser apreciada como
moral, necessrio considera-la num contexto concreto, pois somente inserida em
determinadas circunstncias, com contedo e consequncias objetivas, possvel avaliar
o valor moral de uma ao. Para Hegel, o dever s pode ser determinado de acordo com o
contexto, ele um conceito histrico e circunstancial: momentos e locais diferentes
podem apresentar diferentes concepes de dever. Deste modo, Hegel pretende superar a
subjetividade abstrata da moral deontolgiaca e assim estabelecer uma moral objetiva.
Esta deve contemplar, alm da determinao subjetiva, a inevitvel eticidade
intersubjetiva. Neste sentido, a moralidade possibilita a determinao da ideia de
liberdade. Segundo Hegel, a concepo kantiana de liberdade, como uma simples ideia
transcendental, incondicionada e subjetiva, precisa ser superada. Mas, para super-la,
antes necessrio neg-la: ao determinar a liberdade em instituies (famlia, sociedade
civil, estado) a simples ideia transcendental kantiana negada, porm esta negao (que
tambm uma conservao) condio para a superao, pois, nesta dialtica, a simples
ideia de liberdade subjetiva transforma-se em liberdade (intersubjetiva) efetiva. A crtica
hegeliana filosofia prtica de Kant, ao denunciar um formalismo moral que se
fundamenta num dualismo terico, pressupem uma nova concepo de verdade. Hegel
supera os limites sensveis (espao e tempo) da verdade kantiana, tornando assim o todo
verdadeiro. Esta superao de limites possibilita a articulao de um sistema no qual o
universal e o particular no esto separados, em domnios distintos, como em Kant. A
moralidade, portanto, supera o formalismo abstrato e efetiva-se na objetividade sem,
contudo, eliminar a subjetividade.
Referncias:
ALLISON, Henry E. El idealismo trascendental de Kant: una interpretacin y defensa.
Prlogo e traduo de Dulce Mara Granja Castro. Barcelona: Anthropos; Mxico:
Universidad Autnoma Metropolitana Iztapalapa, 1992.
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HEGEL, G. W. F. Principios de la filosofia del derecho o derecho natural y ciencias
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Morujo. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989.
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70, 1992.
MLLER, Rudinei. O Formalismo kantiano. In: Filosofazer. Passo Fundo, n. 31, jul./dez.
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1999. (Col. Filosofia, 87).
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A CRTICA DE NIETZSCHE AOS ELEMENTOS ESTTICOS DO DRAMA
WAGNERIANO: LEITMOTIV E UNENDLICHE MELODIE Felipe Thiago dos Santos
UNESP/FAPESP
Resumo: Nosso objetivo nessa exposio entender as crticas de Friedrich Nietzsche ao
compositor Richard Wagner a partir das obras musicais do compositor alemo. Assim, nossa
inteno realizar uma leitura das partes internas constituintes dos dramas wagnerianos, a
saber, os motivos condutores e a melodia infinita (leitmotiv e unendliche Melodie).
Tentaremos compreender o que so as ideias musicais do compositor alemo, de modo que
essa leitura nos habilite entender qual a similaridade existente entre Wagner e a dcadence, no
contexto do pensamento nietzscheano. Para o cumprimento de nossos objetivos nos
utilizaremos de fragmentos da partitura de O Anel do Nibelungo (Der Ring des Nibelungen),
de Wagner e, tambm, de O Caso Wagner (Der Fall Wagner) de Nietzsche.
Palavras-chave: Nietzsche. Wagner. Leitmotiv. Unendliche Melodie.
Introduo: O Caso Wagner
Escrito nos ltimos anos da produo filosfica de Nietzsche (1888), O Caso
Wagner soa-nos, primeira vista, quase como uma obra panfletria. Estilisticamente
divergente dos outros escritos do filsofo, esse manifesto tem um objetivo em toda sua
argumentao: atacar Wagner e tudo aquilo que se expandira na Europa na segunda
metade do sculo XIX como wagnerianismo. Porm, numa anlise mais depurada do
texto, mostraremos que Wagner apenas um bode expiatrio, ou seja, um fio condutor
que permite Nietzsche denunciar outro personagem: a modernidade. Assim,
evidenciaremos aqui algumas similitudes que possam unir num nico eixo problemtico a
modernidade e a msica de Wagner. A tarefa de reconhecer na msica wagneriana um
sintoma de degenerescncia esttica que fosse anlogo quele embotamento moral que
Nietzsche salientara no decorrer de suas obras - acerca da modernidade, foi possvel,
pois um novo elemento conceitual permitira que Nietzsche unisse o ncleo de ambas as
crticas. Esse conceito unificador o de dcadence. Influenciado pelas leituras do crtico
literrio Paul Bourget, Nietzsche faz uso do termo em questo para apontar um processo
por meio do qual uma dada organicidade da hierarquia vital posta em um movimento de
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dissoluo anrquica, ou seja: a dcadence promove a degenerescncia formal ao minar
toda base de coeso, como uma doena que toma o enfermo. A dcadence pode ser
entendida tanto como um sintoma artstico como fisiolgico. Tais possibilidades no se
anulam, mas se complementam. A dcadence artstica, que nos interessa agora,
entendida por Nietzsche em termos anlogos fisiolgica, mas aqui ela se concentra na
prpria obra de arte, em outras palavras, na composio de cada elemento que permeia o
todo na criao. Portanto a acusao que perpassa todo O Caso Wagner refere-se ao
principio fragmentrio que a msica de Wagner toma para si, um princpio, portanto, de
dcadence artstica. Assim, o fato de Wagner travestir em um princpio a sua
incapacidade de criar formas orgnicas (NIETZSCHE. F. 1999, p, 23) encobre sua
verdadeira finalidade: ele Wagner quer o efeito. (IBID. p, 26). Uma arte
fragmentada como esta nos impossibilita compor auditivamente um fluxo continuo e
consistente de seu interior, pois Wagner cria apenas pequenas preciosidades (IBID. p,
27), sendo por isso chamado por Nietzsche de mestre miniaturista. Cada som deixa de
relacionar-se organicamente dentro de uma dada estrutura, na medida em que eles no
mais se organizam hierarquicamente, mas sim arbitrria e desordenadamente. Desse
modo, a gramtica sonora da melodia wagneriana abandona a subsuno regra,
tornando-se, por isso, simples jogo anrquico de tomos. So inmeros os elementos
inovadores que Wagner utilizou em seus dramas, e, sem exceo, todos so vistos por
Nietzsche como sintomas da dcadence. So eles: os motivos condutores (leitmotive),
isto , motivos musicais que agregam a si um sentido associativo dentro de uma
composio dramtica ou cnica. A melodia sem fim (unendliche Melodie),
caracterizada por uma inconstncia meldica, de forma que ela iguala ao carter
aparentemente no-melodioso e amorfo de suas linhas vocais e instrumentais e com as
propores interminveis de suas peras (MILLINGTON. 1995, p, 262).
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I. Leitmotiv
O primeiro recurso cnico-musical que iremos tratar aqui o motivo condutor
(Leitmotiv). Sobre esse recurso esttico musical, usaremos uma definio ao menos
provisoriamente de Thomas S. Grey:
A verdadeira inovao de Wagner, tendo inicio com O Ouro do Reno, foi a criao
de um tecido musical contnuo, urdido de forma mais ou menos consistente a
partir de ideias musicais em forma de motivos, introduzidas seja na orquestra ou
na parte vocal de forma a estabelecer certas associaes dramticas, emocionais,
visuais ou conceituais. (In: MILLINGTON. B, (org.) 1995, p. 92)
Portanto, os motivos condutores so como eixos que permitem um
reconhecimento da forma musical wagneriana. Sua importncia consiste, assim, em
conceder a esse tecido musical certa coerncia. Todavia, no falamos aqui de uma
coerncia apenas musical, mas antes de tudo, dramtica. Os motivos aparecem, pois
filiados a personagens, cenas, expresso de um sentimento, um objeto, um
acontecimento, entre outros. Wagner compe, todavia, motivos que se fecham em sua
forma ordenadora dramtica (no so fixos). Pode-se ouvir um motivo em O Ouro do
Reno (por exemplo, o motivo da Espada) se repetir fortuitamente no segundo drama da
tetralogia wagneriana, As Valqurias. Alm disso, um motivo sofre, s vezes, uma
pequena variao meldica e adquire outra significao, assim, o tema de Siegfried
como heri, por exemplo, seria uma variante do Toque da Trompa. (DAHLHAUS. 1900,
p, 98). A variao motvica em Wagner est sempre agregada a um contedo semelhante,
de modo que uma ideia instrumental equivale ao seu significado dramtico. Para efeito de
explicao: o tema da Necessidade dos Deuses1, composto na tonalidade de mi menor
(Em) e metrificado em compasso quaternrio (figura 2), se identifica com o tema de
Erda2 (figura 3), que por sua vez mantm a estrutura de compassos em 4/4, tal como a
melodia em escala menor; mas sua tonalidade varia para o d sustenido menor (C#m).
1 As Valqurias. Ato II. Cena II.
2 O Ouro do Reno. Cena III.
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Figura 1: Tema da Necessidade dos Deuses
Figura 2: Tema de Erda
Assim, Wagner parece manter elementos musicais anlogos para representar
Erda, deusa da terra3, pois tal seria uma personagem chave para o desalento de Wo tan.
Tambm um motivo pode ter sua ligao cnica modificada s vezes um motivo que
num drama se filia a um estado emocional de alegria, vitria ou esplendor, adquire em
outro drama a expresso da raiva, fria ou desalento. Portanto:
(...) a ideia de um Leitmotiv como uma forma musical fixa, recorrente, semelhante
s frmulas peridicas em Homero, simplista a ponto de ser falsa [...] os motivos
so variados incessantemente, isolados e fundidos entre si ou transformados um nos
outros, e se aproximam ou se afastam gradualmente na medida que se modificam.
(DAHLHAUS. C, 1988, p. 96).
A essa variao na qual os motivos so imersos, Yara Caznk d o nome
constelao de motivos. (CAZNK. Y. 2000, p, 30). Assim, os motivos no sendo
como mostramos aqui formas fixas, tampouco estruturas cnico-musicais imutveis,
tem sua funo organizadora fragmentada. Wagner utilizava esse recurso no intento de
possibilitar que o espectador formasse uma unidade auditiva enraizada nessas ideias
motvicas. Contudo, a recolocao dos leitmotive em momentos, situaes, emoes e
personagens diferentes, elimina essa possibilidade, pois, o fato desses motivos (...) no
se darem de forma previsvel e direcional obriga-nos a quebrar, internamente, com a
3 Erde no alemo significa Terra.
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linearidade da audio concreta. (IBID. p, 33) Voltemos, momentaneamente para
Nietzsche. Dentre os diversos caminhos argumentativos que poderamos tomar aqui,
vamos retomar O Caso Wagner tendo em vista duas caractersticas acerca dos Leitmotive
que do vazo para Nietzsche chamar a arte wagneriana de dcadent e hipntica: a
primeira seria a funo dramtica dos motivos condutores de Wagner e a segunda
caracterstica se refere fragmentao auditiva. Wagner se tornou para Nietzsche
mais um orador, um homem do teatro do que um msico. Buscar a semitica de sons
para os gestos significa, justamente, transferir a legitimao do discurso musical para a
cena, ou seja, tir-la da msica. O leitmotiv, ou nas palavras de Nietzsche, as pequenas
unidades, so, inicialmente, substratos sonoros e musicais, mas, posteriormente elas
perdem essa caracterstica. Enquanto matria (o som instrumental propriamente dito) o
leitmotiv reconhecido dentro da partitura musical como parte fundamental da estrutura
composicional wagneriana, mas seu fundamento modifica-se quando ele o som do
motivo se filia cena. O sentido sonoro se legitima, aqui, num objeto cnico, assim, os
motivos se tornam visveis. Mas os sons no se agregam semanticamente apenas aos
gestos, mas tambm ao enredo. A forma como cada clula musical construda tem uma
relao diretamente vinculada ao sentido da estria mesma. Sabemos que os motivos
wagnerianos no so figuras de reconhecimento dramtico pois no so fixos e que,
em verdade, existe uma determinada expansividade, progressividade e flexibilidade na
utilizao quase arquetpica dos Leitmotive. Para Nietzsche, aquilo que faz da msica
wagneriana um corpus coeso, precisamente aquilo que elimina, isto , ou compromete
sua coeso. Entendamos da seguinte forma: o sentido musical de um drama de Wagner
articulado pelos motivos e atinge, assim, certo tlos. Isso porque os motivos se
desenvolvem orientados por metas no intuito da correlacionar cenas, perodos e at
mesmo atos inteiros (talvez um drama todo). Esse mtodo de Wagner possibilita a coeso
dramtica. Mas ao mesmo tempo, segundo Nietzsche, essa coeso transferida da msica
para cena. Enquanto homem do teatro Wagner um gnio, mas enquanto homem da
msica ele um anarquista musical. Tornar a cena, o ato e o drama coesos, significa
tornar a msica apenas
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II. A melodia wagneriana: a melodia sem fim
Para tratar da fragmentao da audio na msica de Wagner, utilizemos o
compositor Bach (figura 4) como contraponto da msica wagneriana. Tentemos juntar,
pois, argumentativamente, as trs citaes. No Minueto em Sol maior (G) de J. S. Bach
do Pequeno livro de Anna Magdalena Bach - encontramos um mtodo composicional
to tpico do compositor como do perodo em que est inserido: o Barroco. Aqui vemos
uma composio relativamente simples. Expe-se um tema (tema A: do compasso 1 ao
16), que sai de sua tnica, o sol (G: compasso 1), e termina num primeiro momento em
sua dominante, num r (D: compasso 8). A dominante aqui, tem o papel de criar uma
tenso dissonncia - para que o tema seja reexposto, terminando, num segundo
momento, na tnica, resolvendo, assim, uma tenso que foi criada. Depois o Minueto
apresenta outro tema (tema B) fazendo o mesmo processo. Essa forma simples que
contm 16 compassos, subdivididos em 8 compassos em cada parte (forma AB), expressa
uma forma estrutural em que cada elemento e parte se relacionam diretamente com o
todo. Sua consequente apreciao, por sua vez, se estabelece na audio da hierarquia
formal existente entre esses elementos.
Figura 3: Minueto em Sol Maior (G) de J. S. Bach
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De modo geral, essa anlise musical do Minueto bachiano pode nos ser til para
entender como a audio da msica de Bach nos leva a uma sensao de delineamento
temporal, que se desenvolve a partir de um som hierarquicamente mais fundamental (a
tnica), se abre num momento para a expectativa de resoluo (dominante) e, por fim, se
contrai em sua resoluo (volta para a tnica). Com ouvidos nietzscheanos: aqui no
minueto - o todo vive absolutamente, a estruturao de um arco meldico guiado por
um estado de audio que se pauta em expectativa e satisfao nos fornece a
possibilidade de percepo de uma organizao sonora. Uma msica assim no nos soa
como uma anarquia sonora, do contrrio, a harmonia da qual ela se utiliza um corpus
terico extremamente coerente e sistematizado e encerra em si uma viso de mundo
hierarquizada. (CAZNK. 2000, p, 21). Ou seja, o Minueto de Bach, seguindo a linha
de interpretao de Nietzsche, no dcadent, pois concentra em si uma unidade que nos
possibilita apreciar toda sua manifestao.
Figura 4: Entrada de As Valquirias (partitura para o Violino II)
A to conhecida abertura de As Valqurias nos leva para outro estado de audio:
o fragmentado. Se l em Bach acompanhamos temporalmente um fluxo de ideias
musicais estabelecidos pelo jogo hierrquico de notas, aqui experimentamos a dvida,
o desconforto, o sobressalto. Se l a dissonncia tem momentos de aparecimento e
funes bem estabelecidos, aqui as dissonncias se reafirmam, adiam a resoluo, evitam
a previsibilidade, so pela pulsao de sua metragem rasgadas. O resultado,
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musicalmente falando, de uma audio que se imersa paradoxalmente numa in-
concluso. Incapacidade de criar formas orgnicas o mesmo de tomar a
decomposio como um princpio de composio. Aqui reside, segundo Nietzsche, o
instrumento para que Wagner possa dar seu passe hipntico. Entende-se hipnose como
um processo por meio do qual o ouvinte no pode mais visualizar o todo e, por isso,
fica preso ao instante, processo esse em que as notas no se deixam vincular mais a frase,
que a frase no se sujeita mais ao tema e que o tema no mais se atrela
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