LITERATURA INFANTIL: AUXÍLIO AO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO1
Ana Lúcia Hennemann
RESUMO
A Literatura Infantil é um
dos caminhos que facilitam a
aprendizagem durante o
processo de alfabetização, além
de desenvolver a imaginação, a
criatividade e o proporcionar o
prazer da leitura. O universo da
Literatura Infantil é de suma
importância para a criança,
porém, cabe aos adultos que
lidam com ela, um olhar mais
apurado sobre essas produções
culturais. Neste sentido, a
proposta principal deste artigo é
investigar de que forma a
literatura infantil está sendo
abordada nos ambientes alfabetizadores. O presente estudo apresenta um breve
estudo do histórico da Literatura Infantil, a interação da mesma com o contexto
escolar e a função do professor como agente de leitura. Como elemento
complementar há o relato de uma pesquisa social feita com profissionais envolvidos
neste processo.
Palavras-chave: leitura, alfabetização, literatura infantil.
1 Artigo de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Especialização de Alfabetização – UNICID.
Publicação na Revista Santa PublicAção – ISSN: 2176-7823
1. INTRODUÇÃO
A Literatura Infantil é um fenômeno literário, atualmente destinado às
crianças, mas que sua proposta inicial era contemplar aos adultos. Com o passar do
tempo, estas obras literárias foram sofrendo modificações, passando a direcionar-se
também ao público infantil. Ela se faz presente na formação do indivíduo e no
desenvolvimento da aprendizagem durante os primeiros anos de vida e com maior
intensidade nos primeiros anos escolares. Atitudes como gostar de ler e interessar-
se pela leitura e pelos livros podem ser construídas no espaço familiar ou em outras
esferas de convivência em que a escrita circula.
A escola, local de grande democratização do saber, mostra-se como o local
onde este gosto pode ser maior incentivado, pois a inserção da criança na Literatura
Infantil propicia a interação entre o real e o imaginário enriquecendo e despertando a
fantasia, o lúdico e o simbólico, mas, para isso, é importante que a criança perceba a
leitura como um ato prazeroso e necessário, bem como perceba a interação dos
adultos com o universo literário.
Além de contribuir significativamente na alfabetização e letramento nas séries
iniciais, a Literatura Infantil disponibiliza elementos que o ser humano precisa
apropriar-se para compreender o mundo real, consolidar-se perante si e aos outros,
e até estruturar-se emocionalmente, então, faz-se necessária a integração do
professor com esta realidade, sendo ele promotor de entusiasmo, fantasia,
criatividade, cultura e demais ressignificações deste sentido.
No entanto, o professor deve ter um olhar mais apurado perante a escolha
dos livros propostos aos seus alunos, pois na atualidade a “informação” passa a ser
predominante, e a grande maioria dos livros apresentam cunho didático ou
informativo voltado ao público infantil, onde personagens, caracterizados pela figura
de animais, ensinam desde a escovar os dentes até regras de obediência e
comportamento na sociedade. Com isso, camufla-se a intenção informativa com uma
roupagem ficcional. Corsino2 (2009), ao afirmar que algumas obras não podem ser
classificadas como literatura, ressalta:
Quando há o predomínio de informação nos textos infantis, fecha-se o significado na unicidade do imediatamente compreensível que, ao vir acompanhado de explicações, se coloca na direção oposta à do texto
2 Doutora em educação pela PUC-Rio. Professora da Faculdade de Educação UFRJ. Professora do curso de
Especialização em Educação Infantil – Perspectivas de trabalho em creches e pré-escola – PUC-Rio.
literário. (CORSINO, 2009, p.68)
Nessa perspectiva, espera-se dos professores que tragam aos seus alunos
diversos contextos literários que promovam a riqueza literária aos educandos, uma
vez que a literatura infantil é uma das ferramentas fundamentais na constituição do
leitor. Carvalho3 (1987) aponta para o valor terapêutico da Literatura Infantil, sendo
que a mesma apresenta ações catalisadoras que ajudam no diagnóstico de
complexos e neuroses infantis. Segunda as palavras da referida autora,
A criança, que desperta para o mundo e para a vida, está ávida por descobrir e entender, e essa curiosidade, esse deslumbramento, esse mistério que a cerca vão aproximá-la do mundo dos símbolos, no qual ela se encontra e com o qual ela se identifica, graças ao seu realismo. A criança busca desvendar e compreender tudo que estimula a sua curiosidade. E é nessa curiosidade, nessa perplexidade, que está toda a motivação de seu crescimento; daí o dever de lhe oferecer estímulos sadios e enriquecedores. É fundamental para a criança a vida psicológica, que encontra ressonância no conto simbólico, suscitando o interesse de psicólogos e psicanalistas. (CARVALHO, 1987, p. 176)
Caracterizando-se por um papel formador de personalidade de forma negativa
ou positiva, no indivíduo, a literatura Infantil pode manifestar- se como um retrato da
sociedade, servindo de modelo para a construção de uma nova mentalidade. Sendo
assim, ela sintetiza uma realidade ajudando a conhecê-la melhor, e sem dúvida este
é também um papel da escola. E é através da exploração de determinados textos
literários, que se pode fazer uma transformação da sociedade e se estender às
diferentes visões e interpretações de mundo. Portanto, ao utilizar a Literatura Infantil
em sala de aula o educador está sendo um mediador, pois ele parte da realidade do
aluno, respeitando sua cultura, e assim criando condições para que a criança lide
com a história, a partir de seu ponto de vista identificando, fazendo interpretações e
ligações com o seu mundo real.
No entanto, os professores necessitam ampliar seus horizontes e reconhecer
que a literatura Infantil não deve ser somente voltada ao encantamento, à magia,
mas sim, sabiamente utilizada durante o processo de alfabetização como forma de
estimular futuros leitores. Sendo assim, pode-se afirmar que a Literatura Infantil
serve de ponte que liga letras, palavras, frases, textos e histórias, ao pensar, ao
duvidar, ao perguntar, questionar e refletir sobre novas possibilidades e
3 1915 – 2008. Durante sua atuação profissional como professora e como estudiosa do tema “literatura
infantil”, Carvalho teve uma significativa produção de textos escritos. Autora desde 1956, de artigos em
jornais e revistas, Carvalho também foi autora de antologias específicas para crianças em nível primário de
escolarização, obras de referência relacionadas língua portuguesa e livros sobre história e crítica da literatura
infantil brasileira.
interpretações formando assim sujeitos alfabetizados letrados, mas cabem ao
professor instrumentalizar seus alunos com literatura de qualidade, por isso faz-se
necessária uma pesquisa de campo para averiguar de que forma a Literatura Infantil
está sendo apresentada aos futuros leitores.
2. Breve Histórico da Literatura Infantil
Por volta do século XVIII, autores como La Fontaine e Charles Perrault
escreviam obras tendo os contos de fadas como enfoques principais. Seriam estes
os primeiros livros destinados ao público infantil. Aos poucos a Literatura Infantil foi
ocupando espaço e apresentando sua relevância, surgindo muitos autores tais
como, Hans Christian Andersen, os irmãos Grimm e na literatura brasileira Monteiro
Lobato tem forte destaque.
Nesta época, a Literatura Infantil era tida como mercadoria e destinava-se
principalmente a um público elitista. Entretanto com passar do tempo, fatores como o
crescimento da sociedade e a influência da industrialização fizeram com que a
produção de livros fosse se expandindo. Paralelamente a isso, o processo de ensino
também começa a ter maior abrangência e o laço entre a Literatura Infantil e a
escola começa a ser formado.
Neste período, surgiram enfoques relevantes na Literatura Infantil, pois a
mesma se tratava na verdade de uma literatura produzida para adultos e aproveitada
para a criança, baseava-se numa linha moralista, paternalista, centrada numa
representação de poder. A maioria das histórias estimulava à obediência, a regras
moralistas que distinguiam o que era bom e o que era mau. Sendo que os bons
sempre recebiam uma premiação no final da história. Dentro desses pressupostos
as crianças eram moldadas e educadas.
Em geral, nas duas primeiras décadas do século XX, a Literatura Infantil
apresentava-se na expectativa de moldar a criança de acordo com as expectativas
dos adultos, mesmo que recheada de fadas, princesas e príncipes, a ideologia oculta
induzia à obediência, aos princípios da moralidade. Havia poucas histórias que
visavam tornar a leitura como fonte de prazer, de companheirismo, de aventuras.
Por volta dos anos 70, a literatura passa por uma renovação, autores como
Monteiro Lobato, trazem novas maneiras de ver o mundo, a sociedade, a vida.
Rompem-se as imagens dos castelos e surgem os sítios, vilarejos e matas. Novos
personagens são incorporados ao universo infantil, porcos, bonecas, sabugos de
milho falantes, personagens da mitologia grega e muitos outros. Conforme
Zilberman4 (1981), Monteiro Lobato exerce função de destaque na Literatura Infantil:
O papel exercido por Monteiro Lobato no quadro da literatura infantil nacional tem sido seguidamente reiterado, e com justiça. É com este autor que se rompe (ou melhor, começa a ser rompido) o círculo da dependência aos padrões literários provindos da Europa, principalmente no que diz respeito ao aproveitamento da tradição folclórica. Valorizando a ambientação local predominante na época, ou seja , a pequena propriedade rural, constrói Monteiro Lobato uma realidade ficcional o que ocorre pela invenção do Sítio do Pica Pau Amarelo.(ZILBERMAN, 1981, p. 48)
Desde então, inicia-se uma nova era na literatura infantil e abre-se as portas
para novos autores que apresentam infinitas maneiras de escrever para o público
infantil. As histórias não apresentam mais um caráter único, mas sim, cada vez mais
variado e abordando diversos fatores do grande universo infantil.
3. Leitura de Mundo e de Escrita se dá Através da Literatura
O contato com livros infantis inicia-se muito antes dos bancos escolares,
geralmente ocorre através da narrativa de textos, onde algum familiar, pai, mãe,
avós ou outra pessoa conta os mais diversos tipos de histórias, que pode ou não vir
acompanhado do livro em si.
Na proporção em que a criança vai crescendo ela já é capaz de escolher a
história que quer ouvir. Atenta a tudo, identifica quando ocorrem mudanças nas
histórias já contadas anteriormente. E é dessa forma que o livro se faz presente no
mundo da criança, bem como o desejo de decodificar o que o mesmo está
oferecendo. Ao recordar que as primeiras narrativas ocorrem na infância, Corsino
4 Regina Zilberman é hoje uma das maiores especialistas em literatura infanto-juvenil. Possui mais de 20 livros
publicados e premiados na área pedagógica e educacional. Licenciou-se em Letra pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul(UFRGS), doutorou-se em Romanística na Universidade de Heidelberg e realizou pós-
doutoramento no Center for Portuguese & Brazilian Studies da Brown University. Foi professora de Teoria da
Literatura e Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica de RGS (PUCRS) e pesquisadora do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Pertenceu ao Conselho Estadual
de Ciência e Tecnologia do Estado do RGS, , dirigiu o Instituto Estadual do Livro do RGS e a Faculdade de
Letras da PUCRS (2002 e 2004). Recebeu, em 2000, na Universidade Federal de Santa Maria, o título de
Doutor Honoris Causa. Acaba de ser eleita presidente da Associação Internacional de Lusitanistas pela
segunda vez consecutiva.
(2009) nos lembra da importância das mesmas para a formação da nossa
subjetividade,
Ouvir e contar histórias que nos aconteceram e que aconteceram com o outro, reais ou imaginárias, vão formando a nossa subjetividade. Mesmo parcas ou fragmentadas, são elas que dão forma e conteúdo à nossa história, são elas que nos vão fazendo ser o que somos. (CORSINO, 2009, p. 57)
O aprender a ler se dá como conquista pessoal de cada indivíduo, entretanto
ele pode ser estimulado por todos que convivem com ele. Dessa forma podemos
dizer que o aprender a ler, se dá em sociedade, na relação entre os indivíduos, mas
ele se intensifica nas experiências pessoais, entretanto, devemos ir além deste
contexto individual. A curiosidade é impulsionada do processo de aprendizado, vindo
a se transformar em necessidade e esforço para “alimentar” o imaginário, desvelar
os mistérios do mundo e permitir ao leitor desenvolver um autoconhecimento através
de como e o que lê.
O processo de leitura acontece coletando experiências. À medida em que se
organizam os conhecimentos adquiridos, se estabelece as inter-relações entre essas
experiências e no processo de resolução dos problemas que se nos apresentam. De
acordo com Corsino (2009), ler o mundo, ouvir histórias são fatores que influenciam
na formação do leitor, uma vez que
A formação do leitor se inicia nas suas primeiras leituras de mundo, na prática de ouvir histórias narradas oralmente ou a partir de textos escritos, na elaboração de significados a partir de textos ouvidos e na descoberta de que as marcas impressas produzem linguagem. (CORSINO, 2009, p. 57)
Entretanto, um dos problemas que surgem nas séries iniciais é quando a
leitura aparece empobrecida, retirada de livros didáticos, escolhida aleatoriamente.
“A leitura não pode ser cartilhesca” (COSTA, 2008, p.14), ela deve envolver e levar
o leitor a algo a mais do que a realidade apresenta. Deve tirar o indivíduo do
analfabetismo funcional e transformá-lo num “letrado”.
Um leitor letrado é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar,
dentre os trechos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma
necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequada para
abordá-los de forma a atender a essa necessidade.
O ato de ler então, não representa apenas a decodificação, já que esta não
está imediatamente ligada a uma experiência, fantasia ou necessidade do indivíduo.
Em breve análise aos PCN’s (1997), a decodificação, aparece como uma das
várias etapas de desenvolvimento da leitura, mas se faz necessário a formação de
leitores competentes, sendo assim, a diversidade textual contribui significativamente
para que isso ocorra.
4. Educadores: Principais Agentes da Promoção da Leitura
Diversidade textual, incentivo ao letramento, criatividade, imaginação, são
alguns itens dos quais a Literatura Infantil deve primar em seu discurso. Saraiva
(2001, p. 81), no intuito de fazer articulações entre literatura e alfabetização, salienta
que “O domínio da leitura é uma experiência tão importante na vida da criança, que
determina o modo como ela irá perceber a escola e a aprendizagem em geral.”
Baseando-se nestes pressupostos podemos presumir que é essencial e
necessário que o processo de leitura ocorra desde a infância e se torne contínuo
pela vida de cada indivíduo. Destaca-se então aqui a figura essencial do educador,
que por muitas vezes tem falhado neste sentido. O contato com a literatura para
muitos educandos aparece sem prévio planejamento por parte do educador.
Contam-se histórias quando “sobrou um tempinho”, ou, sem nenhuma
contextualização com o assunto que está sendo estudado no momento.
Para muitas crianças, a escola é um dos únicos espaços que proporciona
esse contato com a literatura e, até mesmo, com o mundo da leitura e da escrita.
Britto (2005, p. 91) ressalta que “A leitura é mais que uma atitude é uma forma de
conhecimento e de inserção social que se articula com outros conhecimentos e
expressões de cultura.” Cabe, portanto aos educadores a tarefa de selecionar textos
e histórias, que venham ao encontro das necessidades apresentadas pelos
educandos tendo a Literatura Infantil como aliada no processo de alfabetização e
letramento, pois sabemos que os livros constituem um recurso pedagógico
importante nas séries iniciais.
Trabalhar com a Literatura Infantil deve ser um momento de prazer para o
aluno, ela não pode ser apresentada, somente com objetivos específicos, que fazem
parte do conteúdo a ser desenvolvido, ou seja, com finalidades puramente
pedagógicas. Não podemos esquecer que as histórias despertam momentos únicos
e mágicos em cada ouvinte ou leitor. É através das histórias que a criança projeta o
seu próprio mundo, a ao representá-lo, ela encontra maneiras de expressar o que
sente o que cria o que inventa e assim por diante. Podemos afirmar que a escola e a
Literatura são de caráter formativo, ou seja, estão voltadas a formação do indivíduo.
Entretanto, Carvalho (1987) nos traz a seguinte preocupação:
O problema está em saber escolher o que se oferece a essas criaturinhas. E então sentimos a grande e imprescindível necessidade de conhecer a Literatura que se identifica com a criança e desperta sua curiosidade estética, sua vida artística. (CARVALHO, 1987, p.19)
Muitas vezes a literatura aparece com uma simples narração de um livro, não
há encantamento, não há entusiasmo. Por outro lado há aqueles que reconhecem a
importância da literatura, porém não possuem recursos e incentivos na escola para
desenvolver um trabalho de qualidade aos educandos. Saraiva ( 2001, p. 75)
destaca que o professor deve utilizar critérios a fim de garantir uma boa seleção de
livros para crianças. Segundo a referida autora “É necessário que o professor esteja
munido de conhecimentos teóricos sobre a importância e a função da literatura
infantil na formação da criança”.
O uso da Literatura Infantil como instrumento no processo de alfabetização, é
uma grandiosa estratégia que pode ser usada pelo professor visando a formação do
alfabetizando, ampliando assim os seus saberes e tornado o caminho da
alfabetização mais prazerosa e significativa, valorizando o conhecimento, que ela já
tem, ampliando assim as práticas de letramento, que são desenvolvidas constituídas
diariamente. Nesse processo Saraiva(2001) afirma que:
A atuação do professor é de vital importância, uma vez que dele depende a instauração de nova mentalidade frente ao texto literário que vise à exploração de seu caráter formativo e estético. Critérios que orientem a seleção de textos adequados ao crescimento intelectual e humano dos receptores; métodos aptos a privilegiar o ludismo e os espaços de indeterminação dos textos, bem com atividades incentivadoras de manifestações criativas são essenciais para que o professor legitime o texto literário como fundamento de sua prática alfabetizadora, que é também formadora. (SARAIVA, 2001, p.19)
Uma das principais funções da Literatura Infantil dentro do contexto escolar é
a promoção da leitura, nesse sentido Costa (2008) enfatiza que, atualmente, os
professores, além das técnicas de alfabetização devem procurar novas maneiras de
incentivar a leitura. Portanto, o professor é um dos principais agentes da promoção
da leitura. Entretanto, a referida autora alerta para o fato de que são raros os
professores leitores proficientes, mas segundo ela “a inexistência da atividade da
leitura não se restringe aos docentes” (COSTA, 2008, p.49).
No Brasil, o índice de leitores é muito baixo comparado aos dos demais
países e a restrição de acesso ao livro se agrava na medida em que no Brasil não há
políticas culturais amplas e democráticas. Conforme colocações feitas por Corsino
(2009) nota-se o quão é agravante esta realidade,
Pesquisas revelam que a expansão do mercado editorial brasileiro não significa, necessariamente, um aumento do número de leitores porque o livro é produto caro e de difícil distribuição. Dos quase 6 mil municípios brasileiros apenas 600 possuem livrarias, que somam hoje 1200 lojas. Considerando a recomendação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO) de se ter uma livraria para cada 10 mil pessoas, esses números deixam descobertos 90% do território nacional, já que somos cerca de 170 milhões de brasileiros. (CORSINO, 2009, p. 53)
Como forma de mudanças nesse sentido, o Governo Federal tem incentivado
alguns projetos de leitura, trabalhando com a ideia de “leitura cidadã”. O projeto
“Literatura em minha casa” incentiva os estudantes do Ensino Fundamental, que
recebem gratuitamente livros para manter sob sua guarda, a tornarem-se cidadãos
leitores. Entretanto, muitos desses livros, não saem da escola, sob a alegação de
que muitos não saberão preservar o acervo ao qual estão recebendo. Sendo assim,
a própria escola proporciona a restrição da leitura e aos baixos índices da mesma.
4. Pesquisa de Campo
Procurando verificar de que forma a Literatura Infantil está sendo abordada
durante o período de alfabetização foi realizada uma pesquisa de campo baseada
em entrevista com 12 profissionais da área, que trabalham em instituições de ensino
da rede pública da cidade de Novo Hamburgo. Dos profissionais entrevistados 6
eram de Educação Infantil, uma vez que a mesma tem um trabalho de interação da
criança com o mundo letrado, em primeira instância, e os outros 6 profissionais
lecionavam no 1º ano do Ensino Fundamental.
As perguntas elencadas para esta pesquisa foram: 1) O que é para você
Literatura Infantil? 2) Ela se faz presente em suas aulas? Com que frequência? 3)
Quais os critérios que utilizados para a seleção da Literatura Infantil a ser utilizada
com teus alunos? 4) Existe biblioteca na tua escola? A mesma oportuniza a ida de
livros até o ambiente familiar do aluno? 5) No caso dos alunos poderem retirar livros;
de que forma é realizada alguma atividade em que eles possam falar sobre o livro?
6) Quais tipos de livros despertam maior interesse em teus alunos? 7) Na sua
opinião, os livros infantis contribuem para a formação de leitores? Ela serve de
auxílio no processo de alfabetização e letramento? Após análise dos dados obtidos,
procurou-se fazer uma síntese das respostas, uma vez que as mesmas poderiam
ser respondidas, partindo de informações pessoais e não tinham carácter
quantitativo Dentre as respostas obtidas, chegou-se as seguintes constatações:
- A pergunta inicial foi respondida paralelamente com a segunda e a terceira.
Todos os profissionais citaram que Literatura Infantil são livros de histórias
destinados às crianças, e que a mesma se faz presente nas salas de aula, sendo
que o grupo da Educação Infantil colocou que diariamente; as professoras do 1º ano,
relataram que a Literatura Infantil se faz presente na retirada do livro semanalmente
da biblioteca, ou de acordo com o projeto que estão trabalhando.
- Na questão seguinte, os profissionais envolvidos comentaram a significância
do conteúdo em relação ao projeto trabalhado em aula. Nenhum professor destacou
a importância de um bom texto, da qualidade gráfica, da significância do texto para
com a realidade de seus alunos.
- Na quarta pergunta, os entrevistados disseram que a biblioteca se faz
presente na realidade escolar de todos estes profissionais, porém, somente os
alunos de Ensino Fundamental retiram livros para levar para casa. Sendo que uma
das profissionais da Educação Infantil relatou que: “eles são muito pequenos para
levarem livros para casa, podem estragá-los”. Percebe-se aqui, um elo entre a
proposta “Literatura em minha casa”, citada anteriormente, sendo que a mesma não
vai para casa, pois a proposta não está sendo assimilada pelos docentes. Talvez, na
percepção dos mesmos, o ganho de manter um livro intacto é muito maior do que o
ganho de inserir toda uma família no contexto do letramento, no laço afetivo que se
faz ao ver um filho pedindo para que algum familiar olhe consigo o livro que veio par
sua casa. Quem sabe o livro não volte para a escola com a mesma perfeição com
que fora para casa, mas, neste caso, se terá a certeza de que ele foi, de alguma
forma, utilizado.
- Como resposta à quinta questão, os profissionais, que permitem aos alunos
levarem livros para casa relataram que nem sempre fazem algum trabalho que
oportunize ao aluno falar sobre o livro retirado, mas que notam que eles entre si
comentam os livros. Duas professoras, tiveram respostam mais positivas, relatando
que fazem sorteio de alunos para contar sobre o livro lido ou ler o título da história,
também há a “caixinha da leitura” contendo fichas com perguntas relativas ao livro ( -
sobre o que falava o livro? - quantos personagens havia na história? - que tipo de
texto há no livro: poesia...conto de fada...lenda....? ). A “caixinha da leitura”, vai
passando entre os alunos e conforme algum critério estabelecido, a mesma para em
um dos alunos, o qual deverá retirar uma pergunta e tentar respondê-la.
- Ao serem questionados sobre os tipos de livros escolhidos pelos alunos,
todos falaram sobre diferentes tipos de livros, entretanto comentaram que os alunos
observam muito a ilustração do livro. Três profissionais enfatizaram que quando
fazem a hora do conto, os alunos procuram pelo livro que a professora utilizou.
Costa(2008, p. 63) escreveu que “Uma das razões mais frequentes alegadas pelas
crianças e adolescentes para explicar porque preferiram este ou aquele livro é de
que tem muita ilustração”. Em contrapartida, há o relato das professoras que alegam
que as crianças retiram os livros que foram contados pelas mesmas, o que vem a
ressaltar sobre a importância no critério de seleção do livro que será apresentado
aos alunos.
- Finalmente, interrogadas quanto a questão dos livros infantis contribuírem
para a formação de leitores, todos enfatizaram que contribui muito, e que é muito
importante haver livros ao alcance dos alunos. Como auxílio a alfabetização e
letramento, a resposta padrão foi: “os livros auxiliam muito durante o processo de
alfabetização e letramento”. Um dos profissionais entrevistados enfatizou que a
Literatura Infantil é a base de todo processo de letramento, pois através dela a
criança constrói a sua leitura de mundo. Nesse sentido, Costa (2008) nos alerta
para o poder que a leitura exerce na vida de um indivíduo:
Ler as linguagens da realidade e, especialmente, ler os livros, implicam o resgate da cidadania, uma vez que conscientizem o leitor do poder de – ele também- criar sentidos para os textos que se apresentam a cada passo do cotidiano. Acordar esse poder transforma o casulo em borboleta.( COSTA, 2008, p. 51)
Durante a entrevista realizada foi possível a visitação da biblioteca escolar e
das salas de aulas destes profissionais, sendo que em todas se encontrava algum
recanto destinado a Literatura Infantil, seja por um simples “varal” de livros
pendurados, caixas de leitura ou uma estante com livros a disposição. Porém, em
duas salas da Educação Infantil além do “Cantinho da Leitura”, havia um espaço
com fantoches e roupas de personagens da Literatura Infantil. Todas as bibliotecas
apresentavam grande variedade de livros e em locais de fácil alcance aos alunos, o
ambiente apresentava-se bastante estimulador com painéis decorativos, fantoches,
roupas, chapéus, aventais para hora do conto, além de almofadas ou tapete que
motivavam a criança a sentar e folhear livros.
Todo este cenário descrito vem de encontro ao que propõe Costa (2008) ao
descrever sobre o ambiente da biblioteca:
A apresentação da biblioteca é muito importante;os alunos de todas as séries, levados à biblioteca, devem ser recebidos através de uma apresentação descontraída, afetuosa e, ao mesmo tempo, informativa. Esses leitores podem ser cativados e despertados seus interesses através de painéis, jornais (murais ou impressos) entrevistas.(COSTA,2008, p. 131)
5. Considerações Finais
A criança que houve histórias desde cedo, que tem contato direto com livros e
que é estimulada tem um desenvolvimento favorável ao seu vocabulário, bem como
a prontidão para a leitura. Zilberman (1981) aponta para o lado da realidade da
Literatura Infantil, sendo que esta aponta modelos de sociedade a qual vivemos. Por
exemplo, nos contos de fadas havia todo um contexto de como as meninas
deveriam se comportar, na atualidade os textos aparece renovados com
personagens diversificados, enfatizando que todos têm aparências, crenças e
saberes diferentes.
De acordo com Zilberman (1981) a leitura deve levar a criança ao
conhecimento do mundo e o do ser; nesse sentido, a criança estimulada ao ato de
ler sente-se motivada para “ler o mundo”, conhecer realidades diferentes, perceber
que há diferentes finais para um mesmo fato. No entanto, as famílias carecem de
tempo para estimular este hábito tão prazeroso, então, cabe ao professor
desempenhar esse papel importante: o de ensinar a criança a ler e a gostar de ler.
Os professores em sua grande maioria já estão abertos às mudanças, às
novas maneiras de interagir com a Literatura Infantil, talvez necessitem de maior
espaço para divulgar os trabalhos que vem sendo realizados neste sentido. O fato
da biblioteca escolar estar presente na maioria da realidade escolares e além disso
há profissionais que proporcionam um “cantinho da leitura” dentro da sala de aula
evidencia a preocupação com a promoção da leitura.
Costa (2008) nos lembra de um antigo hábito dos educadores escandinavos,
a figura do contador de histórias, que objetivava o reforço escolar e a dinamização
de bibliotecas, mas vai, além disso, pois essa “figura” mexe com e expectativa tanto
da criança quanto do adulto que ouve a história. Ela humaniza o ato da leitura. Faz
sonhar, acreditar, vibrar.
Portanto, desejamos que:
- educadores de hoje ofereçam doses diárias de leituras, das mais variadas
formas, nos mais variados lugares.
- o mundo da tecnologia não seja desculpa para o empobrecimento do hábito
da leitura, afinal de contas, existe o livro digital.
- os educadores consigam transportar as barreiras do “mundo eletrônico” e
adaptá-los ao mundo da literatura.
- os profissionais utilizem muito a “caixinha da leitura” como forma de
aproveitamento da leitura feita em casa, para que os alunos sintam-se valorizados e
tenham a oportunidade de compartilhar com todos sobre o livro que leram.
- profissionais da Educação Infantil tomem consciência de sua importância
para o processo de alfabetização e letramento, pois de acordo com as orientações
do MEC(2004), o processo de alfabetização se inicia muito antes do Ensino
Fundamental.
Nesse sentido, faz-se necessário salientar a importância de que o livro que
transita pela residência dos educandos contribui de forma positiva para o processo
de alfabetização e letramento. Proporciona, não somente ao educando, mas a toda
sua família, um contato com letras, números, realidades diferentes, valores, novas
formas de perceber o mundo. Faz-se necessário, no entanto, definir critérios de
qualidade para livros destinados aos educandos.
...o primeiro passo para se pensar a qualidade do livro é analisar forma e conteúdo simultaneamente, ou seja, entre o projeto gráfico como um todo e o texto. (CORSINO, 2009, p. 55)
Enfim, para que tenhamos futuros leitores os educadores precisam acreditar
que além de informar, instruir ou ensinar, o livro proporciona prazer ao educando. No
entanto, necessitamos de maior quantidade de professores leitores, de escolas que
permitam que o livro visite a residência dos estudantes, para que dessa forma
possamos dar passos significativos à estimulação da Literatura Infantil, pois
interesse e o hábito pela leitura é um processo que começa muito cedo,
aperfeiçoam-se na escola e continua pela vida inteira.
REFERÊNCIAS
BRITTO, Luiz Percival Leme. Letramento no Brasil. Curitiba: IESDE Brasil S.
A.,2005.
BRASIL. Ministério da Educação - PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL, Ministério da Educação - Ensino Fundamental de nove anos- Orientações Gerais. Brasília: MEC/ Secretaria de Educação Básica, 2004. CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. A Literatura Infantil: Visão Histórica e Crítica. 5 ed. São Paulo: Global,1987.
CORSINO, Patrícia. Prática Educativa da Língua Portuguesa na Educação Infantil. Curitiba: IESDE Brasil/A. 2009. COSTA, Marta Morais da. Literatura, Leitura e Aprendizagem. Curitiba: IESDE Brasil/A. 2008. SARAIVA, Juracy Assmann. Literatura e Alfabetização: do Plano do Choro ao Plano da Ação. Porto Alegre: Artmed,2001. ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 1981.
Top Related