LETRAS LIBRAS|1
LÍNGUA
PORTUGUESA E
LIBRAS
teorias e práticas
5
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
Reitor
RÔMULO SOARES POLARI
Vice-Reitora
MARIA YARA CAMPOS MATOS
Pró-Reitor de Graduação
VALDIR BARBOSA BEZERRA
Coordenadora do UFPBVIRTUAL
RENATA PATRICIA LIMA JERONYMO
Diretor do CCHLA
ARIOSVALDO DA SILVA DINIZ
Chefe do Departamento de Letras Clássicas Vernáculas
MÔNICA MANO TRINDADE
Diretor da Editora Universitária
JOSÉ LUIZ DA SILVA
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL
Coordenadora
EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA
Vice-Coordenadora
MARIA CRISTINA DE ASSIS
L755
UFPB/BC
Língua portuguesa e LIBRAS: teorias e práticas 4 / Evangelina
Maria Brito de Faria, Maria Cristina de Assis
(organizadoras). - João Pessoa: Editora Universitária da
UFPB, 2011.
304 p.: Il.
ISBN: 978-85-7745-847-9
1. Linguística. 2. Libras. 3. Teorias da tradução. 4. Educação –
Política e Gestão. 5. Currículo. 6. Escrita de Sinais. I. Faria,
Evangelina Maria Brito de. II. Assis, Maria Cristina de.
2.
CDU : 801
Os artigos e suas revisões são de responsabilidade dos autores.
Direitos desta edição reservados à: EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB
Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária – João Pessoa – Paraíba – Brasil
CEP: 58.051 – 970 - www.editora.ufpb.br
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Foi feito depósito legal
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LÍNGUA
PORTUGUESA E
LIBRAS
teorias e práticas
5
Evangelina Maria Brito de Faria
Maria Cristina de Assis
Organizadoras
Editora da UFPB
João Pessoa
2012
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© Copyright by CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL, 2012
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL
Coordenadora
EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA
Vice-coordenadora
MARIA CRISTINA DE ASSIS
Projeto gráfico e editoração eletrônica
DAVID FERNANDES
MÔNICA CÂMARA
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APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................................. 07
DIDÁTICA DA LIBRAS ...................................................................................................................................... xx
LIBRAS VI ........................................................................................................................................................ xx
TEORIA DA TRADUÇÃO II ............................................................................................................................. xxx
ESTÁGIO SUPERVISIONADO I ...................................................................................................................... xxx
SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA ....................................................................................................................... xxx
ESCRITA DE SINAIS II .................................................................................................................................... xxx
SUMÁRIO
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Evangelina Faria e Maria Cristina de Assis
Caro (a) aluno(a)
Neste quarto semestre do Curso de Letras/LIBRAS Virtual, serão ministradas as disciplinas:
Libras III, Teoria da Tradução I, Sintaxe, Currículo e Trabalho Pedagógico, Política e Gestão da
Educação e Escrita de Sinais.
Em Libras III, você irá aprofundar os conhecimentos já iniciados no período anterior e
adquirir novas expressões em Libras. O curso está estruturado em quatro unidades: (1) o uso do
espaço na Libras; (2) tipos de classificadores que se aplicam ao seu uso; (3) o papel dos
classificadores na língua de sinais; (4) os verbos complexos classificadores. Esperamos que esses
conteúdos ajudem a ampliar sua competência na Libras.
Em Teoria da Tradução I, aprofundam-se os conhecimentos em tradução geral e, mais
especificamente, as abordagens teóricas dos processos de tradução em línguas de modalidades
diferentes. Serão discutidos os problemas da tradução do Português para a Libras e da Libras para
o Português e as questões éticas no processo de tradução.
Em Sintaxe, você vai ter acesso à diversidade de abordagens que analisam a línguagem e
ver a contribuição que perspectivas distintas podem imprimir ao ensino da língua. Essa disciplina é
permeada por uma tentativa de dialogar com aspectos linguísticos da Lingua Brasileira de Sinais,
vislumbrando possíveis convergências entre as estruturas e respectivas funções sintáticas de
Libras e da Língua Portuguesa.
Em Currículo e Trabalho Pedagógico, você verá uma retomada histórica das primeiras
sistematizações que subsidiaram a organização curricular (escolar e pedagógica), passando pelos
diferentes enfoques e possibilidades de leitura do termo currículo até chegar aos seus usos,
desdobramentos e ênfases no campo educacional. Seguindo essa linha de discussão, serão
APRESENTAÇÃO
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destacadas algumas das principais teorizações sobre o currículo, assim como o projeto político-
pedagógico e as políticas que determinam e subsidiam sua elaboração. No final do percurso, você
refletirá sobre a possibilidade de produzir a diferença surda no currículo e sobre uma inclusão
escolar menos excludente dos surdos no ensino regular.
Em Gestão e Política da Educação, você encontrará subsídios para entender políticas de
educação voltadas para o outro e condizentes com o tempo de hoje, com as recomendações de
uma Educação para todos. Além disso, refletirá sobre o significado de educar o ser humano no
contexto de uma atualidade tão complexa como a que vivemos. Essa reflexão envolverá
discussões teóricas e atividades práticas.
Finalmente em Escrita de Sinais, você vai iniciar uma nova caminhada. Para muitos, trata-se
de um novo conhecimento. A disciplina vai desenvolver-se em quatro capítulos: Desenvolvimento
da linguagem escrita pela criança surda; A escrita da língua de sinais; Estrutura básica da escrita de
sinais 1; Estrutura básica da escrita de sinais 2. A princípio, você pode pensar na complexidade
dessa nova escrita, mas com ajuda da professora e dos tutores todo obstáculo será superado.
Queremos mais uma vez lembrar que o aprendizado no curso virtual depende muito da
organização do seu tempo. Bom estudo!
As organizadoras
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LIBRAS IV
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LIBRAS IV
Ronice Müller de Quadros
O texto de Libras IV apresenta aspectos encontrados em várias línguas de sinais que estão
relacionados com a modalidade visual-espacial específica dessas línguas. Neste material, vamos
explorar a diferença entre gestos e sinais, aspectos da modalidade visual-gestual-espacial das
línguas de sinais, descrições visuais (classificadores), espaços de sinalização usados pelo sistema
linguístico das línguas de sinais e os espaços de sinalização topográficos.
1 Gesto e sinal
Alguns pesquisadores acreditam que os gestos representam uma forma mais básica da
linguagem. Como os surdos não acessam a fala, os gestos fluem e são sistematizados tornando-se
uma língua. Isso acontece quando mais de um surdo se encontra. Por outro lado, alguns linguistas
questionam o fato de os gestos não se transforem em línguas em pessoas com a capacidade de
falar. Se gesto seria uma forma de linguagem mais básica, por que os seres humanos optaram em
falar? Bem, nós não vamos nos preocupar com isso. Nosso objetivo será discutir como os gestos e
os sinais (ou a fala) se complementam e como eles se distinguem.
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Na verdade, os sinais e os gestos interagem, assim como a fala e os gestos fazem. A
diferença básica está nas modalidades que acabam interferindo de forma mais direta nas formas
de produção dos sinais e da fala. A fala está associada ao gesto em diferentes modalidades. A fala
usa o canal vocal produzindo combinações de sons para formar palavras e frases. Os gestos são
visuais produzidos pelo corpo. Quando o gesto é produzido junto com a fala, facilmente o
identificamos. Por exemplo, no gesto a seguir, a pessoa está descrevendo uma pulseira que tem
uma presilha diferente, simultaneamente, ela produz o gesto com a sua fala:
P: A pulseira que ganhei tem uma presilha especial que não engancha e não aparece, mas é super firme.
Os sinais estão na mesma modalidade dos gestos, ou seja, também são produzidos com o
corpo. Os articuladores dos sinais, muitas vezes, se sobrepõem aos articuladores dos gestos.
Assim, os sinais e os gestos nem sempre são facilmente distinguidos, como percebemos na
produção da fala. Vamos conhecer um pouco mais sobre o que já foi estudado sobre gestos.
1.1 Gestos
Quadros & Lillo-Martin (2007) realizaram um estudo sobre a interface entre o gesto e o
sinal no desenvolvimento da linguagem em crianças surdas, filhas de pais surdos. As autoras
identificaram produções gestuais já identificadas em crianças ouvintes (Mayberry & Nicoladis e
Nicoladis, Mayberry & Genesee 1999):
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(1) emblemas
(2) dêiticos
(3) gestos icônicos
(4) gestos de repetição (beat gestures)
(5) gestos relacionados com ‘alcançar, dar, pegar’ (reaching gestures)
Os emblemas são gestos mais convencionalizados. A seguir apresentamos exemplos de
emblemas usados no Brasil:
‘positivo’
‘sorte’ ou ‘torcida
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‘silêncio
‘bater-palmas auditiva’
‘bater-palmas visuais
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Os emblemas são produções estáveis utilizadas em diferentes culturas. Veja o vídeo a seguir para
ver emblemas usados em diferentes países:
Mayberry & Nicoladis (2000) e Nicoladis, Mayberry & Genesee (1999) analisam a transição
dos gestos para os sinais em crianças surdas e ouvintes e confirmam a proposta da existência de
um contínuo de McNeil (1992) que conclui a existência de uma “quebra cataclística” entre as
produções gestuais e as produções em sinais (Singleton, Goldin-Meadow & McNeill 1995). Esse
contínuo vai da gesticulação (os gestos de repetição, metafóricos e icônicos), passa pela linguagem
gestual (a que comunica sem informação verbal), pelos emblemas (gestos convencionalizados
pelos adultos) e chega às línguas de sinais (línguas formais). Ou seja, do menos convencional ao
convencional e linguístico.
Quadros e Lillo-Martin (2007) analisam os gestos convencionais, ou seja, excluem a
produção mimética. A produção dos gestos de alcançar (reaching gestures) é considerada típica
nas primeiras produções das crianças surdas, assim como observadas nas produções das crianças
ouvintes. Os emblemas são reconhecidos como gestos convencionais usados pelos adultos e pelas
crianças e são contabilizados como sinais, pois apresentam padrões fonológicos específicos das
línguas de sinais, por exemplo, a marcação aspectual observada em outros sinais, embora sejam
anotadas como emblemas. As produções corporais e faciais concomitantes com os sinais foram
anotadas podendo expressar jogo de papéis e ações construídas. Os dêiticos que são produzidos
por meio da apontação são contabilizados como sinais quando associados a outro sinal.
Volterra, Iverson e Castrataro (2006) analisaram a criança surda que cresce sem contato
com a língua de sinais e observaram algumas características nas suas produções, são elas: (1)
desenvolvimento de produção gestual dêitica e representacional e (2) transição entre gesto
individual e combinações de dois elementos. No entanto,o desenvolvimento geral acontece mais
lentamente (a arrancada do vocabulário acontece mais tarde).
Vídeo ilustrando formas não-verbais de comunicar por pessoas de três países diferentes (as formas usadas representam emblemas em cada um destes países)
http://www.youtube.com/watch?v=kn3NwMtAEHs&feature=related
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Goldin-Meadow e colegas apresentam dados de crianças surdas com pais ouvintes, não
expostas a língua de sinais. Eles constatam que a organização gestual destas crianças é diferente
da produção gestual dos adultos. Foi observado que o uso da produção gestual é mais complexo
do que das crianças adquirindo apenas a língua falada. No entanto, mais simples do que as
produções de crianças ouvintes, filhas de pais surdos.
Os gestos parecem dar uma base para o desenvolvimento de alguns elementos da
linguagem. Goldin-Meadow (2003) têm estudado profundamente as crianças surdas com pais
ouvintes em contextos nos quais as crianças não são expostas a língua de sinais. Os níveis de perda
auditiva destas crianças não possibilitam um bom desempenho no processo de aquisição da língua
oral, mesmo com todo o treinamento. Embora pareça que estes contextos privam a criança de
relações sociais, essas crianças crescem com todo o suporte das famílias obtendo um suporte
social ajustado. O que é interessante é que estas crianças desenvolvem um sistema gestual
individual enquanto sistema de comunicação (conhecido como “sinais caseiros”) para utilizar com
sua família. Goldin-Meadow observou que estes sistemas apresentam regularidades estruturais
características das primeiras produções gestuais observadas nas crianças em geral: uso de um
gesto de forma consistente (palavra), o usos de estruturas recursivas (uso de estruturas
subordinadas ou de sentenças coordenadas), e uma morfologia interna dos gestos. Embora não
seja um sistema linguístico completo, os sistemas de sinais caseiros apresentam propriedades
essenciais das línguas humanas. Esta pesquisa sugere que na ausência de um input linguístico
convencional as crianças desenvolvem um sistema do tipo linguístico. No entanto, o fato de
sistemas de sinais caseiros não serem estruturalmente complexos como as línguas de sinais indica
que o ambiente apresenta um papel significativo no desenvolvimento de certas propriedades
linguísticas.
Já as crianças surdas que crescem com a língua de sinais, segundo Volterra, Iverson e
Castrataro (2006) envolvem outros aspectos a serem considerados: (1) a distinção entre sinal e
gesto é mais difícil do que entre gesto e palavra falada, porque estamos falando de duas coisas
usando a mesma modalidade e (2) há uso de gestos por crianças surdas. As autoras observaram
que a aquisição das crianças surdas é similar às crianças ouvintes, até a produção de sinais
combinados. Essas crianças produzem gestos corporais/gestos faciais simultaneamente a
produção em sinais. No entanto, as fronteiras são difíceis de serem estabelecidas entre apontação
e o uso dos classificadores das línguas de sinais e o seu uso gestual observados em crianças
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ouvintes. De qualquer forma, parece haver uma transição entre gesto dêitico e a apontação
gramatical nas línguas de sinais.
O desenvolvimento dos gestos, segundo Volterra, Iverson e Castrataro (2006) começa com
gestos dêiticos (9 a 13 meses), do tipo ‘dar’, ‘mostrar’ e ‘apontar’ expressando intenção
comunicativa, mas o seu significado depende do contexto. A apontação é o gesto mais frequente
na produção da criança nesta fase inicial. Depois, elas começam a produzirem gestos
representacionais paralelamente às primeiras produções (gesto de ‘comer’ com a produção oral
‘papá’). As crianças fazem uso equivalente das modalidades gestual e vocal quando se comunicam
e o tamanho dos repertórios de gestos e de palavras são similares. Os gestos dêiticos precedem o
uso de termos dêiticos e os gestos representacionais aparecem mais em torno dos 20 meses. Aos
12 meses, as crianças produzem mais gestos (29) do que palavras (8). A partir dos 12 meses,
começam a ter mais palavras havendo uma equiparação com o uso de gestos. Entre 16 a 17
meses, a produção é mais equiparada entre gestos (40) e palavras (32). Com a expansão do
vocabulário, há uma mudança no padrão do uso dos gestos.
O gesto passa por uma transição que é marcada pela combinação de duas palavras.
Interessantemente, não é observada a combinação de dois ou mais gestos. Todas crianças passam
pelos seguintes estágios:
Crianças combinam um gesto com uma palavra (12 a 14 meses)
Crianças combinam duas palavras (16 a 20 meses)
Não há combinação de dois gestos
O objetivo da produção gestual é reforçar a comunicação de forma redundante ao que está
sendo dito. A produção gestual da mãe ou babás muito similar à produção da criança.
As autoras observaram em crianças ouvintes, filhas de pais ouvintes, que o uso de gestos
simbólicos facilitou o desenvolvimento verbal. A exposição à gestos simbólicos desenvolve a
função simbólica (sinais e fala). Parece que as crianças adquirindo sinais produzem os primeiros
sinais muito antes do que as crianças adquirindo uma língua falada.
Observa-se que tanto nas línguas faladas como nas línguas sinalizadas, o papel da
produção gestual é importante para a comunicação. Todas as crianças produzem gestos,
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independentemente da modalidade de língua que elas estejam expostas. No entanto, a
diferenciação entre a fala e os gestos é mais clara do que entre os sinais e os gestos.
Quadros e Lillo-Martin (2007) diferenciaram o gesto do sinal apresentando os seguintes
critérios:
a) Os gestos de alcançar (dêiticos) são considerados gestos, pois tem significado determinado pelo contexto (as
vezes significam ‘me-dá’, ‘me-alcança’, ‘quero-aquilo’, ‘pega-isso’, ‘me-pega-no-colo’ e assim por diante.
Esses gestos são usados por todas crianças, independente de serem expostas ou não a uma língua de sinais.
b) Os emblemas são formas que apresentam um significado constante tanto na comunidade ouvinte como na
comunidade surda, mas parecem não ser tão precisos quanto os sinais quanto a configuração de mão, o
movimento e a locação (em alguns casos pode se apresentar com a extensão completa do braço, o que não é
comum nas produções dos sinais e, algumas vezes, a mão não-dominante é usada para produzi-lo com maior
frequência do que quando se produzem sinais. Quando os emblemas são estáveis, eles são anotados como
emblemas, mas são contabilizados como sinais (por exemplo, quando contamos o MLU, ou seja, quando
medimos a quantidade de sinais ou morfemas produzidos em cada enunciado).
c) Os sinais apresentam formas mais precisas e apresentam formas derivadas ou flexionadas (podem ter
aspecto e incorporarem os pontos estabelecidos no espaço, por exemplo). Os sinais são combinados com
outros sinais.
d) Os sinais e os emblemas podem incorporar pontos estabelecidos no espaço de sinalização e podem
apresentar ênfase.
e) Os gestos faciais e corporais podem co-ocorrer com a mímica e algumas vezes com classificadores e verbos
manuais.
f) A apontação pode ser gestual ou fazer parte do sistema linguístico em língua de sinais. É difícil estabelecer a
fronteira entre os dois usos da apontação, mas o fato de tocar ou não no que está sendo apontado é um dos
critérios adotados para analisar a produção como gestual ou como sinal. Se há o toque nos objetos, a
apontação é considerada gestual. A apontação para primeira e não-primeira pessoa sempre é contabilizada
como fazendo parte do sistema linguístico, embora possa haver ocorrências exclusivamente gestuais. Assim,
são excluídas as apontações que estão estejam associadas com outros sinais.
g) A intuição de falantes nativos de línguas de sinais é considerada na tomada de decisão quanto a classificação
das produções como sinais ou gestos.
h) As produções que sejam similares às produções gestuais da comunidade ouvinte são consideradas gestuais.
i) As características dos movimentos que podem ser combinados com a produção manual com elementos
fonológicos específicos das línguas de sinais são elementos que podem determinar a inclusão da produção na
categoria de sinais.
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Considerando estes critérios, Quadros e Lillo-Martin observaram as produções de crianças
surdas e observaram que os gestos constituem 1/4 dos ‘predicados’ das crianças. Os gestos
usados na comunidade ouvinte são também usados pelas crianças surdas. As autoras observaram
também que os gestos não substituem os sinais. Eles podem ser usados junto com os sinais que
elas produzem e não para substituir algum sinal que desconheçam. Por exemplo, as crianças
podem produzir o gesto de ‘sentar’ e em seguida o sinal de SENTAR. O gesto parece que apresenta
um valor comunicativo importante e complementar aos sinais.
Estes estudos com crianças e suas produções gestuais evidenciam a interação entre os
gestos e a fala/os sinais que vai se estender ao longo da vida. Os gestos fazem parte da
comunicação humana e integram a linguagem humana. Mesmo assim, as línguas apresentam
autonomia linguística em relação aos gestos por representarem estruturas mais
convencionalizadas, mesmo quando são consideradas icônicas.
A iconicidade, ou seja, a similaridade/identidade existente entre o símbolo e o que o
motiva (o objeto ou a ação em si), é algo que faz parte da linguagem humana. No entanto, as
línguas perdem a relação icônica ao longo de sua existência. Por exemplo, nas línguas de sinais é
muito comum se falar em sinais icônicos, ou seja, sinais que parecem ser motivados pela forma do
objeto ou pela ação em si. Na Libras, o sinal de CASA parece ser motivado pelo formato do telhado
de uma casa, embora ele seja usado para o sinal de MORAR que pode ser usado para moradia em
diferentes formatos de residência (cabanas, choupanas, embaixo da ponte, apartamento, entre
outros). Embora o sinal represente um tipo específico de telhado e possa ter sido motivado na sua
criação por este tipo de casa, ele passou a ser usado de forma muito mais abrangente e não
remonta mais o tipo de casa que possa ter motivado a sua criação. Isso é muito comum nas
línguas de sinais. Os sinais passam a ser signos linguísticos altamente arbitrários e são adquiridos
pela criança com este estatuto passando a integrar o léxico da língua em aquisição. Portanto,
assim como observado pelos pesquisadores que trabalham com gestos, há sim diferenças entre os
gestos e os signos linguísticos, sejam eles falados ou sinalizados. Há uma fronteira que num
contínuo vai do menos convencional para o mais convencional, do menos padronizado ao mais
padronizado. Reconhecemos, no entanto, que neste contínuo, algumas vezes é difícil estabelecer
o que deixou de ser gesto e passou a ser um sinal. Talvez isso aconteça porque realmente é
ambíguo (fuzzy).
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1.2 Expressões faciais1
A comunicação humana pode ocorrer de diferentes formas. Nem sempre recorremos à
linguagem verbal (seja ela falada ou sinalizada) para nos expressarmos. Esse pode ser o caso
quando duas pessoas não falam a mesma língua. Elas vão ter que encontrar outra forma para se
comunicar, como apontar para objetos, fazer desenhos, usar gestos para tentar expressar suas
idéias. Até mesmo falantes de uma mesma língua, em determinadas situações, podem lançar mão
de outros recursos para se fazer entender. Quando um guarda de trânsito faz um determinado
movimento com os braços, as pessoas são capazes de compreender se devem parar, se podem
prosseguir, se devem retornar, entre outros comandos.
As expressões faciais também fazem parte da comunicação humana. Através delas,
podemos revelar emoções, sentimentos, intenções para nosso interlocutor. Elas são utilizadas em
todas as línguas. No caso das línguas de sinais, as expressões faciais desempenham um papel
fundamental e devem ser estudadas detalhadamente.
Podemos separar as expressões faciais em dois grandes grupos: as expressões afetivas e as
expressões gramaticais. As primeiras são utilizadas para expressar sentimentos (alegria, tristeza,
raiva, angústia, entre outros) e podem ou não ocorrer simultaneamente com um ou mais itens
lexicais. Conforme dito anteriormente, não são exclusivas das línguas de sinais. Nas línguas
faladas, as pessoas também expressam suas emoções por meio de expressões faciais. Já as
expressões gramaticais, estão relacionadas a certas estruturas específicas, tanto no nível da
morfologia quando no nível da sintaxe e são obrigatórias nas línguas de sinais em contextos
determinados.
A seguir apresentamos exemplos de expressões faciais afetivas:
1A seção sobre “Expressões Faciais” inclui partes do texto publicado no material didático do Curso de Letras Libras da Universidade
Federal de Santa Catarina, organizado por Pizzio, A. L.; Rezende, P. N. e Quadros, R. M. de. Língua Brasileira de Sinais II.
Universidade Federal de Santa Catarina. 2008. Agradeço às colegas pela autorização na sua publicação neste volume.
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Em virtude de serem específicas das línguas de sinais, as expressões faciais gramaticais
serão analisadas com mais detalhes a seguir.
1.2.1 Marcações não-manuais: expressões faciais gramaticais
Nível morfológico
As expressões faciais gramaticais fazem parte do conjunto de marcações não-manuais e
acompanham determinadas estruturas, tendo um escopo bem definido. No nível morfológico,
algumas marcações não-manuais estão relacionadas ao grau e apresentam escopo sobre o sinal
que está sendo produzido.
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Por exemplo, os adjetivos podem estar associados ao grau de intensidade como ilustrado a
seguir2:
BONITO
MAISBONITO BONITÃO
COITADINHO COITADO MAISCOITADO
POBREZINHO POBRE MAISPOBRE PROBREZÃO
2Ilustrações da Prof. Ana Regina Souza e Campello, retiradas do material de Libras II, publicado pela Universidade Federal de Santa
Catarina, no contexto do Curso de Letras Libras EAD.
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As expressões faciais podem ter função adjetiva, pois podem ser incorporadas ao
substantivo independente da produção de um adjetivo. Nesse caso, os substantivos incorporam o
grau de tamanho conforme apresentado nos exemplos a seguir:
CASINHA CASA MANSÃO
BEBEZINHO BEBÊ BEBEZÃO
CARRINHO CARRO CARRÃO
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Veja que a marcação de grau apresenta um padrão de expressões faciais que apresenta
uma variação gradual, conforme os exemplos apresentados no quadro a seguir:
Grau de intensidade
Normal Mais intenso do que o normal Muito mais intenso
Grau de tamanho
(1) (2) (3) (4) (5)
(1) Muito menor do que o normal
(2) Menor do que o normal
(3) Normal
(4) Maior do que o normal
(5) Muito maior do que o normal
Vocês podem observar que esses tipos de marcações não manuais são graduais, ou seja,
eles não apresentam uma expressão fixa, mas são produzidos com diferentes gradações de
intensidade e tamanho. A esses tipos de marcações é muito comum haver modificações de outra
ordem na produção dos sinais, isto é, os sinais podem sofrem alguma modificação que é associada
à intensidade ou grau. Por exemplo, nos sinais apresentados como exemplos de marcação de
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intensidade e de grau aparecem modificações na configuração de mão. Vejamos em detalhes o
exemplo da gradação de BONITO.
Quando o sinal é produzido para expressar algo com uma intensidade específica análoga ao
português à palavra BONITINHO, o sinal pode ser produzido com a configuração de mão 5 com os
dedos mais aproximados. Veja o sinal:
BONITO BONITINHO
Nível da sintaxe
No nível da sintaxe, as marcações não-manuais são responsáveis por indicar determinados
tipos de construções, como sentenças negativas, interrogativas, afirmativas, condicionais,
relativas, construções com tópico e com foco. Esses tipos de estruturas serão abordados com
maiores detalhes na seção seguinte (baseado em Quadros & Karnopp, 2004).
Sentenças negativas – São aquelas em que a sentença está sendo negada. Normalmente, possuem um
elemento negativo explícito, como NÃO, NADA, NUNCA, NINGUÉM. Na língua de sinais, podem estar
incorporadas aos sinais ou expressas apenas por meio da marcação não manual.
Sentenças interrogativas – São aquelas formuladas com a intenção de obter alguma informação
desconhecida. São perguntas que podem requerer informações relativas aos argumentos por meio de
expressões interrogativas: O QUE, COMO, ONDE, QUEM, POR QUE, PARA QUE, QUANDO, QUANTO, etc.
Também há interrogativas formuladas simplesmente para obter confirmação ou negação a respeito de
alguma coisa, por exemplo, VOCÊ QUER COMER? Se espera ter a resposta positiva ou negativa (SIM ou
NÃO).
Sentenças afirmativas – São sentenças que expressam idéias ou ações afirmativas. Por exemplo, EU VOU
FACULDADE.
Sentenças condicionais – São sentenças que estabelecem uma condição para realizar outra coisa, por
exemplo, SE CHOVER, EU NÃO IR. A condição desta sentença é não chover, para que a pessoa vá a festa.
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Sentenças relativas – São aquelas em que há uma inserção dentro da sentença para explicar, para
acrescentar informações, para encaixar outra questão relativa ao que está sendo dito. Nessas sentenças,
normalmente utiliza-se QUE na língua portuguesa; na língua de sinais há uma quebra na expressão facial
para anunciar a sentença relativa que é produzida com a elevação das sobrancelhas. Por exemplo, A
MENINA QUE CAIU DA BICICLETA ESTÁ NO HOSPITAL.
Construções com tópico – É uma forma diferente de organizar o discurso. O tópico retoma o assunto
sobre o qual se desenvolverá o discurso. Por exemplo, FRUTAS, EU GOSTAR MAÇA. Então, o tópico é
FRUTAS, sobre o qual será definida aquela de preferência do falante/sinalizante.
Construções com foco – São aquelas que introduzem no discurso uma informação nova que pode
estabelecer contraste, informar algo adicional ou enfatizar alguma coisa. Por exemplo, se alguém diz que
a MARIA COMPRAR CARRO NOVO e esta informação está equivocada, o falante/sinalizante seguinte
pode fazer uma retificação: NÃO, PAULO COMPRAR CARRO NOVO. Paulo aqui será o foco.
Dentre as expressões faciais utilizadas gramaticalmente estão os movimentos de cabeça
(tanto afirmativo quanto negativo), a direção do olhar, a elevação das sobrancelhas, a elevação ou
o abaixamento da cabeça, o franzir da testa, o piscar dos olhos, além de movimentos com os
lábios para indicar negação, para diferenciar os tipos de interrogativas e assim por diante. Ainda
não há estudos exaustivos sobre as marcações não manuais na Libras, mas estaremos fazendo um
levantamento com base em alguns dados e vocês poderão, também, ajudar a delinear algumas
marcações recorrentes nessa língua. Cada uma dessas expressões está associada a uma
determinada estrutura sintática e apresenta um escopo bem definido. Em uma mesma sentença é
possível ter mais de uma marcação não-manual e a sua ausência pode deixar uma sentença
agramatical (como será observado na próxima seção). A seguir são apresentados exemplos do uso
gramatical das expressões faciais.
a) Negação (neg)
Segundo Arrotéia (2005), existem duas formas de indicar a negação não-manual em Libras.
Na primeira forma pode ser realizado o movimento da cabeça para os lados indicando a negação,
mas este movimento não é obrigatório na língua de sinais e está ligado a questões discursivas. Na
segunda, utilizamos expressões faciais de negação em que há modificação no contorno da boca
(abaixamento dos cantos da boca ou arredondamento dos lábios), sempre associada ao
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O asterisco ‘*’ indica que a sentença é agramatical.
abaixamento das sobrancelhas e ao leve abaixamento da cabeça. Diferentemente do movimento
de cabeça, as expressões faciais são obrigatórias para marcar a negação, estando relacionadas a
questões sintáticas.
A autora ainda afirma que o uso do movimento de cabeça para a negação apresenta uma
distribuição mais ampla do que as expressões faciais. É possível realizá-lo apenas junto ao
marcador ‘não’, junto ao sintagma verbal, junto a toda sentença e ainda pode se estender para
além do último sinal realizado, como pode ser visto nas glosas dos exemplos3 abaixo.
a. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef
b. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef
c. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef
d. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef
Já as expressões faciais negativas têm uma distribuição mais restrita. Elas não podem acompanhar
a sentença toda, nem podem se limitar ao marcador de negação. Elas necessariamente devem co-ocorrer
junto a todo o sintagma verbal, conforme ilustrado a seguir.
a. IX<1>NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef
b. *IX<1> NÃO 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>aef
c. *IX<1>NÃOef 1ENCONTRARa JOÃOa IX<joão>a
3 Como estamos tratando de dois tipos diferentes de marcação não-manual de negação, elas serão representadas por uma linha
horizontal acima e abaixo da sentença. A marcação de movimento de cabeça será representada pelas letras ‘mc’ e a marcação de
expressão facial, pelas letras ‘ef’.
mc
mc
mc
LETRAS LIBRAS|28
Os sinais manuais que acompanham as marcações não-manuais acima citadas são os
seguintes (ilustrações de Arroteia, 2005).
NINGUÉM
NADA
NADA, NINGUÉM, NENHUM
b) Afirmação (afirm): são realizados movimentos para cima e para baixo com a cabeça indicando
afirmação. Geralmente, a marcação não-manual de afirmação está relacionada a construções com
foco. Veja abaixo as glosas com os exemplos:
JOÃO VIAJAR <PODER>afirm
JOÃO LIVRO <CONHECER>afim
JOÃO TELEVISÃO <ENTENDER>afim
JOÃO MECÂNICA <SABER>afim
LETRAS LIBRAS|29
c) Interrogativas: há 4 diferentes marcações não-manuais para as sentenças interrogativas,
dependendo do tipo de pergunta que está sendo feita.
i) Interrogativa QU (qu): há uma pequena elevação da cabeça, acompanhada do franzir da
testa.
Glosas com exemplos desse tipo de interrogativa:
<O QUE JOÃO PAGAR>qu
<QUEM JOÃO CONHECER>qu
<O QUE JOÃO SABER>qu
<QUEM JOÃO NAMORAR>qu
<O QUE JOÃO LER>qu
<O QUE JOÃO ESTUDAR>qu
ii) Interrogativa S/N (sn): há um leve abaixamento da cabeça, acompanhado elevação das
sobrancelhas.
Glosas com exemplos desse tipo de interrogativa:
< JOÃO COMPRAR CARRO>sn
<JOÃO GOSTAR VÔLEI>sn
<JOÃO TRABALHAR FÁBRICA>sn
<JOÃO GOSTAR CERVEJA>sn
<JOÃO NAMORAR MARIA>sn
<JOÃO TER FILHOS>sn
iii) Interrogativa que expressa dúvida e desconfiança (pode ser feita com uma ou duas
mãos): lábios comprimidos ou em protrusão, olhos mais fechados e testa franzida, leve inclinação
dos ombros para um lado ou para trás.
Glosas com exemplos desse tipo de interrogativa:
[JOÃO BANHEIRO TRANCADO Q-e]dúvida
[IX(ELES) REUNIÃO ESCONDIDO. IX(1) PENSAR Q-e ESCONDIDO]dúvida
[ESCOLA PROFESSOR ENSINAR LÍNGUA DE SINAIS Q-e]dúvida
LETRAS LIBRAS|30
iv) QU que aparece em sentenças subordinadas sem a marcação não-manual
interrogativa: os sinais para O-QUE e QUEM dentro da sentença são realizados com a marcação
não manual da própria sentença, ou seja, será afirmativa ou negativa:
Glosas com exemplos desse tipo de interrogativa:
<EU SEI QUEM ROUBOU>afirmativa
<EU NÃO SEI QUEM ROUBOU>negativa
d) Direção do olhar (do): direcionar a cabeça e os olhos para uma localização específica
simultaneamente com um e/ou mais sinais, para estabelecer a concordância.
<TVb>do <ELEa>do <aASSISTIRb>do
Glosas com exemplos de direção do olhar:
ELE AJUDAR(ela)
EU ENTREGAR(ele) LIVRO
TU TELEFONAR(para ela)
ELE AVISAR MAMÃE
e) Elevação das sobrancelhas (top): a elevação das sobrancelhas é a marca associada ao tópico e
por isso é representada pelas letras ‘top’.
Glosas com exemplos de elevação das sobrancelhas:
<ANIMAIS>top EU GOSTAR GATO
<PARIS>top EU VOU
<MARIA>top JOÃO GOSTA ELA
<JOÃO>top MÃE CUIDAR
<BRASIL>top NÓS AMAMOS
<CARRO>top ELE GOSTAR AUDI
<LIVRO>top ELA GOSTA ROMANCE
Leite (2008) analisou alguns aspectos da conversação na Libras e observou um conjunto de
marcadores não manuais. O autor faz o primeiro levantamento de um repertório de recursos
manuais e não manuais que constitui uma referência inicial para a segmentação do discurso na
LETRAS LIBRAS|31
Libras em termos gramaticais associados à informação prosódica. Há poucas referências à
prosódia4 nos estudos das línguas de sinais, no entanto, muitos pesquisadores de línguas de sinais
fazem referência às marcações não manuais como gramaticais. Intuitivamente, vários sinalizantes
afirmam tacitamente que essas marcações fazem parte da gramática da língua, no entanto, não há
estudos detalhados de como se explicam essas marcas na língua. A prosódia, portanto, se torna
um campo de estudos profícuo nas línguas de sinais, podendo contribuir, de forma mais
abrangente, para os estudos linguísticos de modo geral. Veja que no caso das línguas faladas,
houve a tendência de separar a língua das marcações gestuais e entoacionais, enquanto que nas
línguas de sinais sempre houve dificuldade em descolar uma coisa da outra, evidenciando que a
língua incorpora elementos manuais e não manuais de forma intrínseca.
A seguir é apresentada a síntese de Leite (2008:256-257) com os marcadores não manuais
identificados, considerando o contexto conversacional:
Marcas formais prosódicas de segmentação na Libras
Nível Tipo Função Prosódica
Manual
Alongamento final
a) manutenção da suspensão pós-golpe ou da suspensão independente
b)reiteração dos movimentos repetitivos internos ao golpe
c) transformação de uma fase expressiva formada por suspensão independente em
uma fase expressiva formada por golpe
Marcação de disjunção na cadeia de fala, delimitando
fronteiras entre UPs e/ou trechos maiores de discurso
Reduções fonético-fonológicas
a) sobreposição da fase expressiva de um sinal com a fase de preparação de outro sinal
b) elisão de movimentos repetitivos internos ao golpe
c) retenção bastante breve da suspensão independente nas fases expressivas sem golpe
Marcação de junção na cadeia de fala, fortalecendo
a coesão interna da UP
4Prosódia (originário do grego προςωδία) é o estudo do ritmo, entonação e demais atributos correlatos na fala. Ela descreve todas
as propriedades acústicas da fala que não podem ser preditas pela transcrição ortográfica (ou similar). Entonação é a variação da altura utilizada na fala que incide sobre uma palavra ou oração, e não de fonemas ou sílabas. Entonação e ênfase são elementos da prosódia, elemento da Linguística. As funções linguísticas da entonação são exercidas em instâncias superiores às dos fonemas e palavras, sendo considerada, portanto, um componente linguístico suprasegmental. Muitas línguas usam a entonação sintaticamente, por exemplo, para expressar surpresa ou ironia, e, mais comumente, para distinguir uma declaração de uma interrogação; o português e o inglês pertencem a este grupo. (Definições disponíveis em http://pt.wikipedia.org/wiki/Prosódia e http://pt.wikipedia.org/wiki/Entonação , consultadas em 15/08/2008). No caso das línguas de sinais, a prosódia é marcada por marcações não manuais. Por exemplo, a entonação pode ser marcada por meio de expressões faciais, se eu quiser ser irônico em sinais, eu posso usar a expressão facial de olhos semi-abertos com olhar de canto. Leite identificou algumas marcações prosódicas na libras, coforme sintetizado no seu quadro.
LETRAS LIBRAS|32
d) assimilação da configuração de mão do sinal subseqüente pelo sinal inicial
e) abreviação dos movimentos repetitivos internos ao golpe
Gestos atencionais coesos
a) espacialização dos sinais
Delimitação de UPs e/ou trechos maiores de discurso
Não-manual
Sinais não-manuais
a) piscada de olhos b) acenos de cabeça
c) retomada do contato visual
Marcação de disjunção na cadeia de fala, delimitando
fronteiras entre UPs e/ou trechos maiores de discurso
d) espraiamento de imagens bucais
Marcação de junção na cadeia de fala, fortalecendo
a coesão interna da UP
Gestos atencionais coesos
a) expressões faciais b) posicionamentos e/ou movimentos da cabeça
c) orientações e/ou movimentos do tronco
d) direcionamento e/ou movimentos do olhar
Delimitação de UPs e/ou trechos maiores de discurso
Tabela 1. Síntese das marcas formais de salientação da Libras no âmbito do discurso Leite (2008; p. 256)
Marcas formais prosódicas de acentuação na Libras
Nível Tipo Função Prosódica
Manual
Modulação das fases do gesto (preparação mais longa, seguida de suspensão pré-golpe
e golpe mais rápido e longo)
Salientação de um item informacional
numa UP
Não-manual
Breves deslocamentos do olhar, de um padrão estável para pontos discretos no curso de uma UP
Salientação de item informacional e/ou facilitação da percepção de uma
soletração manual
Tabela 2. Síntese das marcas formais de salientação da Libras no âmbito das UPs Leite (2008; p. 257)
1.3 Apontação
A apontação entra no conjunto dos dêiticos, ou seja, seu significado depende da
referência atual dentro do discurso.
LETRAS LIBRAS|33
A dêixis (ou díxis) designa o conjunto de palavras ou expressões (expressões dêiticas) que têm como função "apontar" para o contexto situacional (exófora) de uma dada interação.
Disponível em: http://educacao.uol.com.br/portugues/este-esta-isto-esse-essa-isso-pronomes-demonstrativos-deixis-anafora-e-catafora.jhtm
O gesto de apontar na foto a seguir mostra a criança apontando para o imã da geladeira à
sua esquerda (e não ao da direita). A apontação é específica e determinada pelo
falante/sinalizante no ato discursivo.
Na foto a seguir, a menina aponta para o seu interlocutor. Esta apontação é produzida
gestualmente, mas pode passar a incorporar o sistema linguístico das línguas de sinais.
Quadros (1997) apresenta os estudos de Petitto & Bellugi (1988) e Petitto (10987) a
respeito do uso da apontação. Essas autoras observaram uma transição do uso gestual da
apontação para o uso linguístico da apontação em crianças surdas, filhas de pais surdos,
adquirindo uma língua de sinais. As autoras observaram que as crianças surdas com menos de 2
LETRAS LIBRAS|34
anos não fazem uso dos dispositivos indicativos com função pronominal para as pessoas do
discurso. As crianças omitiam essas apontações até quando imitavam seus pais. Normalmente, as
crianças surdas com menos de 1 ano, assim como as crianças ouvintes, apontam frequentemente
para indicar objetos e pessoas. No entanto, quando a criança entra no estágio de um sinal, o uso
da apontação com função pronominal desaparece. Petitto (1987) sugere que nesse período parece
ocorrer uma reorganização por parte da criança que requer a mudança do conceito da apontação
gestual (pré-linguística) para a apontação gramatical específica das línguas de sinais com função
linguística.
Petitto (1986) observou que por volta dos dois anos de idade ocorrem 'erros' de reversão
pronominal, assim como ocorrem com crianças ouvintes. As crianças usam a apontação
direcionada ao receptor para referirem-se a si mesmas. Esse tipo de erro e a evitação do uso dos
pronomes são fenômenos diretamente relacionados com o processo de aquisição da
linguagem.Petitto (1987) concluiu que, apesar da aparente relação entre forma e significado da
apontação, a compreensão dos pronomes não é óbvia para a criança dentro do sistema linguístico
da língua de sinais. A aparente transparência da apontação é anulada diante das múltiplas funções
linguísticas que apresenta.
Petitto afirma que aspectos da estrutura linguística e da sua aquisição parecem envolver
conhecimentos específicos da linguagem. Ela conclui que, apesar da relação entre a forma e o
símbolo, a apontação e seu significado, a compreensão das funções da apontação dos pronomes
não é óbvia para a criança dentro do sistema linguístico da língua de sinais. A ideia de que a
gesticulação pode funcionar linguisticamente é tão forte, que anula a transparência indicativa da
apontação.
1.4 O que é transcrito como gestos e sinais nas pesquisas que desenvolvemos com a Libras?
Nos estudos da Libras, temos usado algumas padronizações para nos referir aos sinais e
aos gestos (Lillo-Martin; Quadros & Chen-Pichler, 2009). Acordamos em diferenciar o uso de
sinais com glosas de identificadores de sinais padronizados com letras maiúsculas e gestos com a
inicial ‘g’ e uma descrição do gesto utilizado. Como já vimos, também há emblemas que são gestos
convecionalizados. Os emblemas são indicados com a inicial ‘e’ e sua descrição entre parênteses.
LETRAS LIBRAS|35
Como usamos o sistema ELAN Eudico de transcrição (http://www.lat-mpi.eu/tools/elan/), sempre
usamos hífen entre as palavras que representam um único gesto ou único sinal.
O ELAN é uma ferramenta de anotação que permite que você possa criar, editar, visualizar
e procurar anotações através de dados de vídeo e áudio. Foi desenvolvido no Instituto de
Psicolinguística Max Planck, Nijmegen, na Holanda, com o objetivo de produzir uma base
tecnológica para a anotação e a exploração de gravações multimídia.
ELAN foi projetado especificamente para a análise de línguas, da língua de sinais e de gestos, mas
pode ser usado por todos que trabalham com corpora de mídias, isto é, com dados de vídeo e/ou
áudio, para finalidades de anotação, de análise e de documentação destes.
O ELAN é um sistema que permite criar trilhas de anotação de acordo com as necessidades
de cada usuário. Nós temos transcrições básicas que incluem uma trilha para os enunciados e mais
algumas trilhas para as unidades sintáticas, os itens individuais e as traduções. Nas trilhas de
enunciados, temos a transcrição dos sinais e dos gestos. É muito importante convecionalizar de
forma padronizada a forma das glosas dos sinais e a forma de anotar os gestos.
O Identificador das Glosas é um sistema que visa a padronização das glosas usadas pelos
transcritores de Libras. O ID também reuni, organiza e permiti a busca dos sinais e/ou das glosas
de um corpus de Libras (http://www.idsinais.libras.ufsc.br/).
Os gestos não são incluídos no Identificador de Sinais da Libras. Assim, precisamos acordar
como iremos referi-los. Em nossos estudos, temos usado uma lista de gestos e emblemas, mas
sempre podemos usar a inicial com a descrição, caso haja um item não listado. Segue a lista que
usamos:
Mímica facial
g(expressão-facial-de-brabo)
Mímica
g(senta-com-as-pernas-para-cima)
Ações
Pegar um objeto – e.g. ‘dirigir’ enquanto segura a direção do carro
g(dirigir)
g(bater-palmas)
LETRAS LIBRAS|36
Cabeça
Movimento da cabeça
Não são incluídos na transcrição quando acompanhados de sinais; somente quando ocorrem sozinhos eles
são codificados como gesto: g(sim); g(não)
Alcançar
g(me-dá)
Localização
g(coloca-aqui)
g(senta-aqui)
Interjeições ou expressões que acompanham o gesto que aparecem também nos falantes de português
g(hey)
g(hmm)
g(huh)
g(não) [movimentando a mão inteira]
g(oh)
g(oops)
g(não-sei)
Emblemas (gestos convencionalizados que entram na língua de sinais, mas também são usados
acompanhando a fala em português) transcrever como emblemas e(xxx)
e(vir) - Vem cá
e(vir) - Vem comigo
e(ficar) - Fica aí
e(parar) - Parar
e(esperar) - Esperar
e(silenciar)– Silenciar
LETRAS LIBRAS|37
Os sinais são transcritos com glosas que representam palavras do português emprestadas
para identificar os sinais. As glosas devem ser usadas para identificar um sinal de forma
consistente. Este será o nome do sinal. Glosas multi-palavras são conectadas com hífen, com
espaços indicando sinais separados na linha do enunciado.As glosas podem ou não refletir o
significado do sinal no contexto.
Apontação para pessoas, objetos, localizações está indicado por IX (referentes), e.g., IX(mãe). Hífens são usados nas palavras dentro dos parênteses. Possessivos ou reflexivos são usados indicado por POSS(referente) ou SELF(referente). Os verbos de indicação são usados simplesmente com a ID glosa do verbo sem incluir a informação sobre os referentes. Por exemplo, transcrever DAR, não DAR(1); VIR, não VIR(aqui). Os chamados “classificadores” são referidos como verbos descritivos. Para os eventos descritos, usamos DV seguido de uma descrição do evento entre parênteses, com hifens entre as palavras. A glosa deve descrever a ação de forma geral. Por exemplo, DV(veículo-move-baixo-cima-caminho-sinuoso) ao invés de DV(carro-honda-viajar-sul-Florida). Deve haver três elementos incluídos na glosa: o que a configuração de mão representa (por exemplo, veículo), sua ação (p.ex., move-baixo-cima) e o qual elemento espacial envolvido (p.ex., caminho sinuoso). Os verbos descritivos podem ser identificados (i.e., verbos descritivos diferente de verbos lexicais) pelas seguintes coisas: * configuração de mão específica estabelecida como morfema (configuração de mão para veículos de quatro rodas) * uma ação ou estado a ser descrito
LETRAS LIBRAS|38
Há diferentes produções soletradas durante a sinalização (p.ex., soletração cuidadosa de
uma palavra ou soletração de apenas uma letra). Sempre que a soletração é usada, usamos
FS(palavra). A palavra soletrada ocorre entre parênteses, sem hifenização. Por examplo, usar
FS(rio) or FS(ap).
Quanto ao tempo do sinal, _ e + são os símbolos usados quando um sinal é produzido de
forma mais longa do que usualmente.
_ significa que o sinal é estático, i.e., o sinal é realizado no espaço sem movimento, como se o sinal fosse congelado, o sinal persevera por mais tempo. Por exemplo, se MÃE fica sinalizado no nariz sem movimento por um tempo mais longo deve-se transcrever da seguinte forma: MÃE_ .
+ significa que o sinal contém reduplicação (ou sequência repetida de movimentos) e que algo ocorreu com o padrão de movimento do sinal. Por exemplo, o sinal de MÃE tem dois movimentos em direção ao nariz. Se houver mais movimentos, então você deve glosar MÃE+. O mesmo se aplica a uma quantidade maior de movimentos. Somente um + é marcado no sinal para indicar esta repetição.
Os sinais e os gestos são transcritos na trilha dos enunciados, pois se complementam na
produção dos enunciados.
2 Modalidade visual-gestual-espacial5
O que é diferente e o que é igual?
Na sua grande maioria, os lingüistas têm se ocupado em identificar o que é comum entre as
línguas de sinais e as línguas faladas. Parte-se dos referenciais já propostos para as línguas faladas
e os universais linguísticos que também foram estabelecidos a partir de estudos com várias línguas
faladas e propõem-se análises das línguas de sinais.Esta linha investigativa justifica-se também,
uma vez que na década de 60 havia um movimento intenso no sentido de “provar” que as línguas
de sinais eram, de fato, línguas naturais.
Atualmente, não há dúvidas em relação ao estatuto lingüístico das línguas de sinais. Assim,
principalmente a partir da década de 90, iniciaram-se investigações com o intuito de identificar 5Este item apresenta os efeitos de modalidade que foram publicados em forma de artigo em Quadros (2006).
LETRAS LIBRAS|39
não apenas o que era “igual”, mas também o que era “diferente” com o objetivo de enriquecer as
teorias linguísticas atuais.
A pergunta que antes era “Como a linguística se aplica às línguas de sinais ou dá conta das
línguas de sinais?” passou a ser “Como as línguas de sinais podem contribuir para os estudos
linguísticos?”
A mudança, aparentemente sutil, abre novos caminhos investigativos no campo da
linguística buscando explicações para o que é diferente entre estas modalidades de língua,
inclusive com o exercício de olhar as línguas de sinais a partir delas mesmas enquanto línguas
visuais-espaciais.
Os estudos clássicos das línguas de sinais
Os estudos dos últimos 40 anos revelam similaridades profundas entre as línguas faladas e
línguas sinalizadas tanto no nível da estrutura da frase, quanto no nível do processamento
linguístico e, também, quanto à aquisição da linguagem. A seguir, apresentamos uma síntese de
alguns estudos considerados clássicos em relação às línguas de sinais:
Stokoe (1960) apresentou a primeira análise linguística da língua de sinais americana com
evidências de que um sinal era resultado de combinações de unidades menores: a configuração da
mão, o local de articulação e o movimento. Stokoe apresenta uma análise com base na
simultaneidade, ou seja, as unidades são combinadas simultaneamente para a produção do sinal.
Battison (1974) inclui a orientação da mão como parâmetro na fonologia das línguas de sinais com
base na existência de pares mínimos em sinais que apresentam mudança de significado apenas na
produção de distintas orientações da palma da mão
Battinson (1978) apresenta as restrições fonológicas na produção de diferentes tipos de sinais que
restringem a complexidade dos sinais (por exemplo, a condição de simetria e a condição de
dominância com sinais produzidos com duas mãos).
Klima & Bellugi (1979) evidenciaram que o conjunto possível das unidades que constituíam os
sinais poderia variar de língua para língua, mas de forma bastante restrita. Também apresentam
uma análise detalhada do sistema derivacional e flexional da língua de sinais americana.
LETRAS LIBRAS|40
Baker (1976) e Liddell (1980) apresentam uma descrição dos adjetivos, dos advérbios e de
expressões faciais que co-ocorrem com os sinais manuais de forma sistemática. Tais autores
argumentam que tais expressões faciais são lexicais, uma vez que são altamente restringidas ao
contexto dessas classes de palavras.
Liddell (1984) apresenta uma análise da sequencialidade dos sinais através da representação
interna da estrutura do sinal e as relações de dependências entre os seus segmentos. Além disso,
aponta que os sinais co-ocorrem com expressões faciais e movimentos do corpo que são
interpretados como advérbios ou informações gramaticais adicionais.
Fischer (1973); Klima & Bellugi (1979); Fischer & Gough (1978); Supalla (1982) e Padden (1983)
analisam as diferentes classes de verbos na língua de sinais americana: os verbos simples (plain
verbs) que aceitam apenas a flexão de aspecto; os verbos de movimento (verbs of motion) que
não flexionam para pessoa, número e nem aspecto, mas apresentam uma morfologia complexa e
os verbos com flexão (inflecting verbs) que flexionam para pessoa, número e aspecto. Estes
autores apresentam análises da sintaxe espacial.
Liddell e Johnson (1989) e Sandler (1989) desenvolvem modelos que não são apenas simultâneos,
mas apresentam uma seqüência estrutural, por exemplo, um sinal pode ter duas CM ou L em uma
seqüência. Esta proposta tornou possível uma análise do morfema de concordância consistindo de
traços de locação como afixo independente que é ajuntado ao verbo não especificado para a
locação.
Lillo-Martin (1991) apresenta uma análise da sintaxe da língua de sinais com respaldo no processo
de aquisição da linguagem em crianças surdas filhas de pais surdos. A autora evidencia que a
língua de sinais americana é analisável segundo os princípios e parâmetros propostos pela teoria
gerativa.
Neidle, Kegl, MacLaughlin, Bahan & Lee (2000) apresentam a sintaxe da língua de sinais
americana. Os autores apresentam marcações manuais e não manuais como expressões de traços
sintáticos abstratos. Desenvolvem uma análise da estrutura da língua de sinais com base na teoria
gerativa.
LETRAS LIBRAS|41
Ferreira-Brito (1995) apresenta uma breve descrição linguística da língua de sinais brasileira
incluindo, principalmente, alguns aspectos fonológicos e morfológicos. A autora menciona que o
estudo de uma língua em uma modalidade visual-espacial pode afetar as teorias linguísticas
quanto aos preceitos teóricos, quanto à gramática ao se rever a noção de arbitrariedade, a noção
de linearidade e a noção do que seja central em uma determinada língua (p.11-12).
Karnopp (1994, 1999) apresenta um estudo mais voltado para a representação fonológica da
língua de sinais brasileira. Analisa, inclusive, as implicações de processos fonológicos na aquisição
da língua de sinais brasileira.
Quadros (1995, 1999) desenvolve uma análise da estrutura da língua de sinais brasileira. Sua
proposta decorre da classificação dos verbos nesta língua que apresentam ou não concordância.
Quadros e Karnopp (2004) apresentam uma descrição linguística da língua de sinais brasileira nos
níveis fonológico, morfológico e sintático.
Os estudos em busca de efeitos da modalidade
Alguns estudos têm se ocupado no sentido de identificar e analisar os efeitos da
modalidade da língua na estrutura linguística. As evidências têm sido identificadas como
consequências das diferenças nos níveis de interface articulatório-perceptual. Algumas
investigações têm ainda levantado algumas hipóteses quanto à possíveis diferenças no nível da
interface conceptual implicando em uma semântica enriquecida em função de propriedades
visuais-espaciais. A seguir, apresentamos alguns dos estudos que representam a identificação dos
efeitos da modalidade das línguas de sinais:
Padden (1988) apresenta a discussão sobre o papel do espaço nas línguas de sinais. Espaço na
língua de sinais não é apenas uma entidade semântica, um espaço mental, mas um dos elementos
que faz parte de uma unidade lexical. A pergunta formulada pelos pesquisadores diante dos
pontos espaciais estabelecidos no discurso das línguas de sinais é de como tais pontos podem ser
representados na gramática. Onde estes pontos espaciais (pronomes) são especificados no léxico?
LETRAS LIBRAS|42
Lillo-Martin e Klima (1986) propõem uma análise para este problema: há apenas uma entrada
para pronome com locação não específica (uma variável), mas com a interpretação determinada
através do discurso.
Liddell (1990, 1995) sugere que os pontos no espaço devem ser descritos como entidades mentais
(pictóricas). Segundo sua análise, tais entidades não podem fazer parte do sistema linguístico, pois
envolvem espaços reais contendo uma representação mental do objeto/referência em si. Assim,
não há necessidade de definir o locus fonológica e morfologicamente. Além disso, a concordância
verbal deixa de existir enquanto concordância do ponto de vista linguístico.
Rathmann e Mathur (2002) analisam a proposta de Liddell e mostram que o problema se
apresenta considerando os níveis de variação fonética dos locus em línguas de sinais, sendo eles
formal e de determinação de fronteiras. No primeiro caso, se se estabelecesse um ponto no
espaço para JOÃO no lado esquerdo, se tenta voltar ao mesmo ponto ao referir JOÃO durante o
discurso. No segundo caso, um ponto diferente do ponto estabelecido para JOÃO pode ter um
significado diferente. Uma vez que há correspondência entre o ponto e o referente, cada locus
deve ser listado no léxico.Apesar dos locus de não-primeira pessoas fazerem parte de um conjunto
que apresenta “ligação” dentro do discurso, o critério do léxico que determina listabilidade não é
observado. Assim, o problema de infinitude está relacionado com a listabilidade. Os autores
destacam também evidências linguísticas (e psicolinguísticas) de que concordância existe na língua
de sinais americana. Apesar da existência destes classificadores, parece que o sistema linguístico é
ordenado de forma linear em algum nível que obviamente não é trivial.
Lillo-Martin (2002) justifica a existência de concordância nas línguas de sinais como elemento
gramatical a partir de vários aspectos linguísticos, entre eles, a autora menciona os seguintes: as
formas para primeira pessoa e não-primeira pessoa são diferentes; a presença de marcação de
número nos verbos apresenta múltiplas formas em diferentes línguas de sinais; a existência de
auxiliar em algumas línguas de sinais que expressam a relação sujeito-verbo-objeto nas
construções com verbos que não marcam concordância. No entanto, Lillo-Martin destaca que há
um tipo de construção, os verbos chamados de verbos manuais e/ou verbos classificadores, que
parece romper com todas as regras na língua de sinais em todos os níveis de análise (sintático,
LETRAS LIBRAS|43
morfológico e fonológico), uma vez que apresenta um comportamento completamente incomum
considerando as análises clássicas de um item lexical.
Liddell (2000) tende a analisar tais construções como expressões de ordem não sintática. Esse viés
é retomado nas suas análises mais atuais excluindo por completo uma análise de ordem sintática
nos termos analisados até então considerando a teoria linguística e os estudos das línguas em
geral. Sua proposta segue um rumo alternativo. Sua versão, na verdade, resulta de uma atenção
especial às diferenças, uma vez que assim poder-se-ia estar adentrando nos limites da teoria
linguística. Liddell (1990, 1995) considera que os pontos estabelecidos no espaço que são
incorporados pelos verbos no que vem se chamando de concordância, não podem ser analisados
morfologicamente, uma vez que tais pontos são indeterminados. A partir de suas análises, ele
conclui que não há concordância verbal na língua de sinais americana. Para o autor, o que
acontece é uma indicação de natureza gestual combinada com elementos de ordem linguística dos
sinais.
Lillo-Martin (2002) e Quadros (2002) apresentam evidências quanto ao status da concordância na
língua de sinais brasileira. As autoras apresentam exemplos para ilustrar que não há uma
ordenação caótica nas sentenças incluindo os verbos manuais. Isso indica que, apesar das
características essencialmente visuais e espaciais, há restrições quanto à ordenação dos
constituintes na estrutura. Tais construções seguem o mesmo padrão: todas ocupam a posição
final da sentença. Com os classificadores, o predicado complexo inteiro que inclui o verbo ocupa
esta posição. Todos os exemplos estão ou associado com a marcação não-manual de concordância
ou com a marcação não manual de tópico. Em termos estruturais, a posição final também é
ocupada pelo foco que usualmente está associada com o movimento da cabeça, mas têm-se
exemplos de que há restrições de tal posição ser ocupada por argumentos oracionais. Uma
hipótese possível seria considerar estas construções manuais tendo relação em alguma instância
com as construções de foco, mas tais argumentos oracionais serem considerados pela sintaxe
nucleares, uma vez que morfologicamente apresentam características de um único sinal. Assim, a
sintaxe sendo cega a informação semântica oracional, a estrutura seria derivada de qualquer
forma apresentando a devida interpretação na interface que do ponto de vista fonológico
apresentaria uma interpretação equivalente a um único sinal que pode ser analisado em unidades
menores (cf. Suppala, 1982, 1986).
LETRAS LIBRAS|44
Considerando esses estudos, parece haver efeitos de modalidade que se refletem na
própria estrutura da língua. Segundo Liddell (1995), a informação sobre a relação entre a atividade
e o objeto envolvido é claramente expressada de forma espacial num sentido pictórico. Um
exemplo seria o seguinte:
WOMAN PIE PUT-IN-OVEN A Mulher colocou a torta no forno. (Liddell, 1980:89-91) BALL JOHN SWING-A-BAT John bateu na bola com um taco. FENCE CAT SLEEP O gato dormiu na cerca sentado. (Liddell, 1980:91-100)
Interessantemente, tais exemplos na língua de sinais brasileira apresentam estes verbos
manuais/classificadores na posição final:
JOÃO PAREDE PINTAR-ROLO
João pinta a parede com o rolo.
JOÃO CARRO [CL(carro)-BATER-POSTE – ]cl
O João estava de carro e deu uma batidinha no poste.
JOÃO MARIA [CL(pessoa)-CRUZAR-UM-PELO-OUTRO]
O João cruzou pela Maria.
CENTRO PESSOAS [CL(pessoas)-CRUZANDO-ENTRE-SI
No centro, várias pessoas cruzam entre si.
Ao que tudo indica, as derivações visuais-espaciais seguem a mesma lógica das derivações
orais-auditivas, no sentido de observar restrições na organização sintática que delimitam as
possibilidades existentes na derivação de sentenças. No entanto, as observações de Liddell são
pertinentes, em especial, quanto à organização morfológica das palavras classificadoras, apesar de
haver argumentos favoráveis a uma análise nos padrões clássicos (Suppala, 1982, 1986). Lillo-
LETRAS LIBRAS|45
Martin (2002) apresenta a partir dessas considerações a seguinte questão: as línguas de sinais
podem oferecer alguma informação nova quanto ao nível de interface articulatório-perceptual?
Nesse sentido, cabe considerar o estabelecimento de pontos no espaço. Do ponto de vista
de Liddell, tais pontos não podem ser analisados como representações gramaticais, mas sim
pictóricas. De fato, tais pontos não seguem os padrões de análise morfológico clássicos, no
entanto, as evidências sintáticas acomodam as análises dentro da perspectiva da teoria linguística.
Aqui surge ainda outra questão, as informações gramaticais atreladas às marcas não-
manuais que também apresentam um caminho de possibilidades de contribuições para o
entendimento das interfaces. Rathmann e Mathur, acomodando a versão de Liddell, propõem que
as marcações chamadas neste trabalho como ‘manuais’ (ou gestuais por Rathmann e Mathur, ou
ainda representações espaciais mentais pictóricas por Liddell) podem ser classificadas como
concordância no sentido sintático, mas apresentar repercussões no nível articulatório-perceptual.
Muitas pesquisas sobre a estrutura das línguas de sinais têm considerado tais questões,
mas ainda tem-se muito a ser investigado. Por um lado, existe uma preocupação em relação aos
efeitos das diferenças na modalidade fazendo com que os estudos das línguas de sinais sejam
extremamente relevantes. Por outro lado, as similaridades encontradas entre as línguas faladas e
as línguas sinalizadas parecem indicar a existência de propriedades do sistema linguístico que
transcendem a modalidade das línguas. Nesse sentido, o estudo das línguas de sinais tem
apresentado elementos significativos para a confirmação dos princípios que regem as línguas
humanas.
(...) sign languages resemble spoken languages in all major aspects, showing that
there truly are universals of language despite differences in the modality in which the
language is performed.
(FROMKIN & RODMAN, 1993)
3 Descrição visual (classificadores)
Muitas línguas de sinais em várias partes do mundo usam esse a descrição visual (depicting
constructions), também chamadas de classificadores. Essas construções podem ser categorizadas
comoadjetivaisou verbais.
LETRAS LIBRAS|46
As descrições visuais adjetivais podem ser diferenciadas em três tipos:
a) descrições adjetivais visuais nominalizadas: por exemplo, o sinal de CASAe o sinal de EDIFÍCIO na
Libras
b) descrições adjetivais de forma e tamanho especificadas: por exemplo, a forma retangular
arredondada de um lap-top ou os detalhes de uma moldura de um quadro com formato que
apresenta linhas que se estreitam e se alargam ao longo da sua extensão nos dois ângulos do
quadro (nesses exemplos, as mãos e os dedos movem-se para acompanhar os traçados
descritos visualmente)
c) descrições adjetivais estendidas que envolve mudança no volume ou na quantidade de alguma
coisa (ou seja, naquilo que tem dentro de um container, ao invés do container em si). Por
exemplo, os dedos se movem para indicar o estado gasoso da água evaporando ao ser fervida.
As descrições visuais verbais descrevem ações e se dividem em dois grupos:
a) descrições sem agente, ou seja, sem nenhuma pessoa por trás da ação realizada, em que há
locativos e/ou movimento. Neste caso, podemos ter a descrição indicando a posição ocupado
e o possível movimento que possa ocorrer com este objeto. Por exemplo, um carro parado na
frente da casa indicando a sua posição. O mesmo carro pode começar a se mover, mesmo que
não tenha um motorista (por exemplo, no caso de estar em uma lomba e começar a descê-la).
Nesses casos, não há um agente (pessoa) diretamente envolvida no estado ou evento descrito.
b) descrições com agente (pessoa) envolvido no evento descrito. Neste caso, o agente está sendo
descrito. Por exemplo, a pessoa que está andando agachada para se escapar de outra pessoa
sem ser vista.
Outro tipo de descrição verbal agentiva é os que expressam a manipulação de algo. Neste
tipo, a mão representa ela mesma (e não o instrumento) descrevendo a forma na qual segura um
determinado objeto. Por exemplo, ao segurar um pincel para pintar um quadro ou um pincel para
pintar uma parede, a mão estará segurando os objetos elencados de forma diferente. Essa forma
de segurar é uma forma de descrever visualmente a ação por meio da mão de forma direta.
Conforme Pizzio, Campello e Quadros (2006), o classificador é um tipo de morfema,
utilizado através das configurações de mãos que podem ser afixado a um morfema lexical (sinal)
LETRAS LIBRAS|47
para mencionar a classe a que pertence o referente desse sinal, para descrevê-lo quanto à forma e
tamanho, ou para descrever a maneira como esse referente se comporta na ação verbal
(semântico).
A autoras apresentam vários exemplos de classificadores que apresentam esta função
descritiva. A seguir transcrevemos algumas delas, com base em Supalla 1982:
VEJA OS EXEMPLOS EM LIBRAS NO DVD
Categoria Exemplos de CL:
Humano – 1 pessoa
PESSOA/RÔBO/ET-PASSANDO-UMA-PELA-OUTRA
PESSOA/RÔBO/ET-PASSANDO
PESSOA/RÔBO/ET-ANDANDO
PESSOA-CAINDO
PESSOA-DEITADA
PESSOA-PARADA
Humano – 2 pessoas 2-PESSOAS/RÔBO/ET-PASSANDO
Humano – 3 pessoas 3-PESSOAS/RÔBO/ET –PASSANDO
Humano – 4 pessoas 4-PESSOAS/RÔBO/ET-PASSANDO
Humano – 5 ou mais
pessoas
PLATÉIA-EM-AUDITÓRIO
MUITAS-PESSOAS-CAMINHANDO
MUITAS-PESSOAS-VINDO
Animal andando ELEFANTE-ANDANDO
CACHORRO-ANDANDO
GATO-ANDANDO
AVES-ANDANDO
Animal nadando PEIXE-NADANDO
GOLFINHO-NADANDO
Animal rastejando JACARÉ-RASTEJANDO
COBRA-RASTEJANDO
LESMA-RASTEJANDO
Animal voando
BORBOLETA-VOANDO
PÁSSARO-VOANDO
Animal pulando COLEHO-PULANDO, SAPO-PULANDO
LETRAS LIBRAS|48
Veículos em geral em
locomoção
AVIÃO-LOCOMOVENDO-SE
ÔNIBUS-LOCOMOVENDO-SE
TREM-LOCOMOVENDO-SE
METRÔ-LOCOMOVENDO-SE
CAMINHÃO-LOCOMOVENDO-SE
Veículos de duas rodas
em locomoção
MOTO-LOCOMOVENDO-SE
BICICLETA-LOCOMOVENDO-SE
A categoria humano inclui todos os seres que apresentam a configuração física humana,
mesmo não sendo necessariamente humanos de fato, tais como, robôs, seres extraterrestres, etc.
A seguir apresentamos alguns exemplos de classificadores manuais (descrições com
agente) (baseado em Sandler e Lillo-Martin, 2006 e Ferreira-Brito, 1995):
VEJA OS EXEMPLOS EM LIBRASNO DVD
Categoria de verbos
manuais
Exemplos de CL:
PINCELAR
PEGAR-LÁPIS
PEGAR-FOLHA
PEGAR-LIVRO
PUXAR-PRATEIRA
PASSAR-ROUPA
PINTAR-COM-PINCEL-GROSSO
PINTAR-COM-ROLO
COZINHAR
VARRER
PEGAR-CELULAR
PASSAR-ESCOVA-SAPATO
LETRAS LIBRAS|49
Todos estes exemplos são vistos em várias línguas de sinais e são descritos como
classificadores ou como descrições visuais.
4 Explorando os espaço de sinalização
As relações espaciais nas línguas de sinais são muito complexas. Na LIBRAS, assim como
verificado na ASL (Siple, 1978), as relações gramaticais são especificadas através da manipulação
dos sinais no espaço. A produção discursiva em sinais ocorre dentro de um espaço definido, na
frente do corpo, em uma área limitada pelo topo da cabeça e que se estende até os quadris. Nesse
espaço, os sinalizantes podem estabelecer diferentes referentes, além de estabelecer relações
gramaticais.
Segundo Quadros (1997), os mecanismos espaciais são fundamentais nas línguas de sinais
pois determinam relações sintáticas e semânticas/pragmáticas. No processo de aquisição de
línguas de sinais observa-se que o domínio dessas relações é considerado tardio (por volta dos 5-6
anos) porque tais relações são, de fato, altamente complexas. Basicamente, tais relações
dependem do domínio do espaço, pois toda a língua se processa espacialmente, especialmente o
estabelecimento nominal, o sistema pronominal e a concordância verbal (com os verbos que
apresentam essa possibilidade). Além desses usos do espaço, os sinalizantes podem descrever
relações espaciais, ao que chamamos de uso do espaço topográfico. A seguir, iremos discutir em
mais detalhes esses usos do espaço que fazem parte da Libras.
4.1 Espaço topográfico
Bellugi e Klima (1990) apresentam uma análise dos estudos realizados no campo da
neurociência com o objetivo de desvendar a natureza da especialização cerebral para a linguagem
a partir de surdos usuários da língua de sinais. Uma vez que a língua de sinais integra relações
espaciais e linguísticas dentro de um mesmo sistema, o estudo com sinalizantes surdos com lesões
cerebrais oferece um campo de investigações interessante para a compreensão das funções
cognitivas do cérebro. Assim, os autores aplicaram vários testes em adultos surdos com lesões no
LETRAS LIBRAS|50
cérebro. Foram utilizados sinalizantes surdos que apresentavam lesão no hemisfério esquerdo e
outros com lesão no hemisfério direito do cérebro.
Os resultados encontrados foram muito interessantes. Os pacientes surdos com lesão no
hemisfério direito, mesmo com uma lesão extensa, não apresentaram deterioração no seu uso de
língua de sinais. Eles se mostraram fluentes, com gramática estruturada e raros erros de
sinalização. Entretanto, apesar da linguagem preservada, eles mostraram déficits no
processamento de relações espaciais não linguísticas (como descrever a organização dos objetos
em um aposento), ou seja, o uso topográfico do espaço. Aos paciente, era mostrado uma figura ou
era solicitado a eles descreverem um aposento de suas casas, como na figura abaixo. Para fazer a
descrição espacial deste espaço, eles tinham muitas dificuldades.
Desta forma, o hemisfério direito não é responsável pelo uso do espaço gramatical da
língua de sinais, apesar de ser responsável pelas relações visual-espaciais. O que se percebe é que
a representação mental para relações espaciais entre objetos reais é diferente daquela
organização espacial para conceitos gramaticais abstratos.
Em contrapartida, os pacientes surdos com lesão no hemisfério esquerdo apresentaram
um bom desempenho nos testes de percepção espacial, mas demonstraram sua língua de sinais
amplamente afetada, com efeitos parecidos com aqueles encontrados em ouvintes afásicos. Um
LETRAS LIBRAS|51
Exemplo: Uma das pessoas que participou da pesquisa com lesão no hemisfério direito, aodescrever o seu quarto, empilhou toda mobília no lado direito, deixando o lado esquerdo dasinalização completamente vazio. Por outro lado, quando usou a estrutura espacial para asintaxe da língua de sinais, ela estabeleceu os pontos no espaço de sinalização e mantevereferências consistentes nestes locais espaciais de forma consistente.
fato que chamou a atenção foram as diferenças de padrão nos déficits linguísticos destes
pacientes. Um deles mostrou agramatismo, não utilizando os sinais adequados, não usando
flexões gramaticais nem uma ordem sintática coerente. Outros dois pacientes, aparentemente,
mostraram fluência na produção, mas com diferentes prejuízos. Um deles usava estrutura
coerente, mas apresentava erros na configuração de mão (como o equivalente a troca de sons na
fala), além de não especificar os referentes no discurso e apresentar problemas de compreensão.
O outro paciente apresentava muitos erros gramaticais, de flexão e de uso do espaço. Estes dados
mostram que lesões no hemisfério esquerdo não causam danos uniformes na língua de sinais:
danos em diferentes regiões afetam diferentes componentes linguísticos.
Os autores observaram dois usos espaciais na língua de sinais, o sintático e o topográfico.
Para as funções sintáticas, os locais espaciais e as relações entre estes locais são usados para
estabelecer relações gramaticais. Já o topográfico, se refere ao mapeamento espacial, ou seja, o
espaço dentro do qual os sinais são realizados pode ser usado para descrever o traçado do objeto
no espaço. A descrição topográfica feita pelos sinalizantes com lesões no hemisfério direito era
muito distorcida. Em contraste, a descrição linguística dos sinalizantes com lesões no hemisfério
esquerdo apresentava problemas, mas não as suas descrições topográficas. Quando foram
solicitadas informações sintáticas, os usuários com lesões no hemisfério direito conseguiram
processá-las, enquanto que os com lesões no hemisfério esquerdo, não conseguiram.
Com base nos dados, os autores concluíram que o hemisfério esquerdo é usado para a
linguagem tanto na sua forma visual-espacial, como na sua forma oral-auditiva. O fato de que a
informação gramatical na língua de sinais seja transmitida por meio da manipulação espacial, não
altera a especialidade hemisférica para a linguagem. Uma vez que a língua de sinais envolve uma
integração entre as relações visuais-espaciais e linguísticas, o estudo apresenta uma nova
perspectiva na combinação entre as mãos e o cérebro.
LETRAS LIBRAS|52
4.2 Espaço linguístico
O espaço de sinalização das línguas de sinais é restringido. Os sinalizantes usam o espaço a
sua frente para compor o discurso, estabelecer os referentes, retomar estes referentes e
estabelecer relações gramaticais entre eles de forma específica restringida pelo sistema linguístico
visual-espacial. O espaço geral de sinalização se apresenta conforme ilustrado por Quadros e
Karnopp (2004):
Normalmente, os sinais são produzidos dentro deste espaço podendo ser um pouco mais
abrangente ou ainda menos abrangente dependendo do contexto discursivo. Em situações menos
formais, usualmente este espaço pode ser alargado. Já, em contextos mais formais, a tendência é
restringi-lo. O gênero textual também determina a flexibilização deste espaço. Em narrativas, por
exemplo, é possível alargar mais este espaço, estendendo mais o ângulo dos braços. Por outro
lado, em um texto essencialmente informativo, a tendência é estender menos os braços
restringindo o espaço da sinalização.
Neste espaço, os sinais podem ser produzidos associados a pontos específicos
estabelecidos previamente.
O estabelecimento de pontos no espaço de sinalização segue algumas regras básicas. Os
pontos no espaço devem ser estabelecidos de forma contrastiva, ou seja, um ponto se
LETRAS LIBRAS|53
estabelecido à direita, irá contrastar com um segundo ponto estabelecido à esquerda. Mais
pontos podem ser estabelecidos no espaço, mas normalmente, não há mais de quatro pontos
estabelecidos simultaneamente, pois há restrições cognitivas em processá-los de forma não
ambígua.
No exemplo a seguir, está ilustrada o estabelecimento de dois locais no espaço de
sinalização, um a esquerda e outra a direita.
Neste exemplo, a sinalizante poderia estar referindo um espaço para um bairro da cidade a
direita e outro bairro a esquerda. Ela poderia voltar a falar sobre estes espaços de sinalização para
voltar a referir a este ou aquele bairro. Veja que a sinalizante direciona o olhar ao estabelecer
cada ponto no espaço. A direção do olhar associada ao sinal de localização do bairro são
combinadas para o estabelecimento dos pontos no espaço. Isso é importante, pois a direção do
olhar pode ser usada anaforicamente ao longo do discurso para referir a um dos espaços
estabelecidos. O ponto a direita ou a esquerda podem ser indicados por meio da apontação que
passa a ter uma função dêitica pronominal. Ao invés de repetir o sinal em cada lado, o sinalizante
pode direcionar o olhar, pode apontar e ainda pode realizar outros sinais empilhados neste ponto
ou naquele para associar o discurso ao ponto estabelecido.
LETRAS LIBRAS|54
A seguir é apresentado um texto por meio de glosas para exemplificar isso. O símbolo <d>
indicará o ponto no espaço a direita e o símbolo <e> indicará o ponto a esquerda:
IX<eu> MORAR BAIRRO J-O-A-O P-A-U-L-O<d>. PENSAR MELHOR BAIRRO S-A-M-B-A-Q-U-I<e>.
IX<d> BOM MAS PROBLEMA AGORA TER PRÉDIO+ MOVIMENTO CARROS CL<carros-passando-uns-
pelos-outos>. IX<e> DIFERENTE, NÃO-TER PRÉDIOS+ NADA. MELHOR, CALMO. CRIANÇAS
CAMINHAR CL<área-espalhada>. TER ESCOLA MUNÍCIPIO BOM. PODER CAMINHAR PRAIA, TER
OSTRAS, TER RESTAURANTES, CALMO. IX<eu> PENSAR <e>MELHOR-DO-QUE<d>.
No exemplo acima, há o uso sintático do estabelecimento dos espaços de sinalização para
estabelecer as relações gramaticais. Por exemplo, ao incorporar os pontos do espaço ao sinal
MELHOR-DO-QUE, iniciando na posição do Bairro Sambaqui e terminando o sinal na posição do
Bairro João Paulo, há a relação comparativa estabelecida pelo sinal incorporando os dois
elementos na relação estabelecida de superioridade.
Abaixo, temos um outro exemplo em que JOÃO é estabelecido a esquerda e MARIA a
direita (vejam que nas mesmas posições que no exemplo anterior, evidenciando que estas
posições são as mais comuns ao serem estabelecidos dois referentes no espaço de sinalização).
Depois de serem estabelecidos, a sinalizante usa um auxiliar de estabelecimento de relação que é
iniciado na posição do JOÃO em direção a MARIA seguido do sinal DESEJAR.
JOAO<e> MARIA<d><e>AUXILIAR<d> DESEJAR
LETRAS LIBRAS|55
Agora, o sentido do auxiliar inicia na MARIA e vai na direção do JOÃO, direção oposta do
exemplo anterior. Neste caso, a MARIA não gosta do JOÃO.
<d>AUXILIAR<e> DESEJAR-NÃO
A sentença composta é a seguinte:
JOAO<e> MARIA<d><e>AUXILIAR<d> DESEJAR
<d>AUXILIAR<e> DESEJAR-NÃO
‘João deseja a Maria, mas Maria não deseja o João.
As relações sintáticas entre o sujeito e objeto são determinadas pela direção do auxiliar
incorporando o sujeito na posição inicial e o objeto na posição final para indicar as relações
existentes no primeiro e no segundo caso.
No exemplo a seguir, apresentamos o verbo AJUDAR que está sendo sinalizado da posição
do JOÃO na direção da MARIA. O verbo inicia o seu movimento do lado esquerdo incorporando a
posição do JOÃO e se direciona e orienta na direção do lado direito incorporando a posição da
MARIA.
<e>AJUDAR<d>
‘O João ajuda a Maria’
LETRAS LIBRAS|56
Aqui, o sujeito e o objeto foram omitidos, mas são facilmente recuperados pelas posições
inicial e final do verbo que incorpora as posições que foram estabelecidas previamente de forma
explícita no discurso.
O estabelecimento nominal, ou seja, o estabelecimento dos referentes no espaço de
sinalização, é um mecanismo discursivo utilizado em várias línguas de sinais. Depois dos pontos no
espaço serem estabelecidos, eles são reutilizados ao longo do discurso com função anafórica. Eles
podem ser retomados por meio da apontação explícita, por sinais que se sobrepõe ao ponto
estabelecido, pela apontação ou por meio da flexão verbal, que é o caso ilustrado por meio do
verbo AJUDAR acima. O verbo AJUDAR pertence ao conjunto de verbos chamados de verbos com
concordância, pois eles incorporam os pontos do espaço. A essa incorporação chamamos de
flexão verbal com marcação da concordância com o sujeito e/ou o objeto da sentença.
Lembramos que há outro conjunto de verbos na Libras que não marcam concordância (por
exemplo, GOSTAR, AMAR, NAMORAR, SONHAR, etc.). Quando estes verbos são usados, a Libras
vai estabelecer a relação gramatical por meio da apontação explícita ou por meio do auxiliar
associado ao verbo.
LETRAS LIBRAS|57
Nestes exemplos, fica muito claro o papel do estabelecimentos dos pontos no espaço. Eles
servem para estabelecer os referentes do discurso, podem ser indexados discursivamente com
função anafórica e podem ser incorporados nos sinais (nomes, verbos e auxiliares) para
estabelecimento das relações sintáticas (sujeito e objeto) e semânticas (fonte, alvo e tema).
Neste material, nós abordamos aspectos relacionados com a modalidade visual-espacial da
linguagem humana. Diferenciamos gesto do sinal e aprofundamos os recursos visuais-espaciais
usados gramaticalmente nas línguas de sinais. Vimos diferentes elementos que compõem o
discurso na Libras:
1) o estabelecimento de pontos no espaço
2) a apontação
3) a flexão verbal
4) a sobreposição do espaço com outros sinais
5) o uso da descrição visual (classificadores)
Todos estes elementos são usados em diferentes línguas de sinais, pois refletem a
modalidade específica destas línguas, ou seja, a modalidade visual-gestual-espacial. Os gestos se
diferenciam dos sinais, em função da estruturação da língua de sinaisenquantoparte do sistema
linguístico, bem como, pela estabilização semântica convencional que os sinais passam a ter. Os
gestos, que se apresentam na mesma modalidade das línguas de sinais, fazem parte da linguagem
humana e complementam os sentidos produzidos pelos discursos em sinais, assim como nas
línguas faladas.
Sugestões de Leitura
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Anais do Congresso Nacional do INES de 2002.
FELIPE, Tanya; MONTEIRO, Myr na. LIBRAS em Contexto: Curso Básico: Livro do. Professor. 4. ed. Rio de
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QUADROS, R. M. de. Educação de surdos:a aquisição da linguagem. Artes Médicas. Porto Alegre. 1997.
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LETRAS LIBRAS|62
DIDÁTICA
DA LIBRAS
LETRAS LIBRAS|63
LETRAS LIBRAS|64
DIDÁTICA DA LIBRAS
Ronice Müller de Quadros
INTRODUÇÃO
O texto base da disciplina está voltado para a didática do ensino de Libras. O objetivo é
compreender o que está implicado no ensino de línguas como L1 e como L2 no contexto da
educação bilíngue para surdos no Brasil. O texto está dividido em cinco partes. A primeira situa as
políticas linguísticas e o planejamento linguístico relativo à Libras no contexto brasileiro. Esta
unidade é importante para situar o ensino de Libras no país, pois ele faz parte de um
planejamento linguístico organizado por meio do Decreto 5626/2005. Assim, iniciamos com o
endentimento do que seja políticas linguísticas e o planejamento linguístico no que concerne a
Libras, em nosso país. Na segunda unidade, estudaremos o ensino de línguas, ou seja, a
terminologia específica relativa ao ensino de línguas no contexto de L1 e L2 e estudaremos as
questões centrais que tem sido debatidas entre os professores e pesquisadores que trabalham
com o ensino de línguas. Esse capítulo é a base dos capítulos seguintes, pois servem como
pressupostos sobre como ensinar Libras como L1 e como L2, temas tratados nas unidades
seguintes.
1 Políticas linguísticas e planejamento linguístico relativo à Libras no contexto brasileiro6
O Brasil ainda é considerado um país monolíngue, um país que tem o português como língua
oficial. No entanto, há vários grupos falantes de outras línguas caracterizando-se de fato um país
plurilíngue. 6Partes desta seção foram publicadas em Quadros (2009).
LETRAS LIBRAS|65
No Brasil são faladas cerca de 210 línguas por cerca de um milhão de cidadãos
brasileiros que não têm o português como língua materna, e que nem por isso são
menos brasileiros. Cerca de 190 línguas são autóctones, isto é, línguas indígenas
de vários troncos linguísticos, como o Apurinã, o Xokléng, o Iatê, e cerca de 20 são
línguas alóctones, isto é, de imigração, que compartilham nosso devir nacional ao
lado das línguas indígenas e da língua oficial há 200 anos, como é o caso do
alemão, do italiano, do japonês. (Oliveira 2005)
Todas estas línguas são brasileiras e isso precisa ser reconhecido de fato por meio de políticas
linguísticas que favoreçam a preservação das mesmas como línguas dos cidadãos brasileiros
(Oliveira 2005). No entanto, são mais ou menos tímidas as políticas que incentivam o uso e
manutenção das diferentes línguas do país. Observa-se que o movimento linguístico do Brasil
ainda é similar ao que foi ou ainda é observado em alguns países europeus em que se favorece
alguma língua em detrimento de outras, assim como propriamente descrito por Grosjean (1982)
em relação a diferentes países europeus.
Um dos maiores mitos, de natureza autoritária, que dominam o pensamento de
certos setores da elite brasileira, é o de que vivemos numa sociedade
homogênea, dotada de apenas poucos grupos étnicos (negros, brancos, índios e
mestiços), e com o predomínio de apenas um idioma, ou seja, a língua
portuguesa. Pior ainda, este mesmo mito, decantado desde a nossa entrada na
escola, ainda prega a idéia que a nossa língua oficial, a língua portuguesa, é um
idioma de características únicas na nação, malgrado o fato de existirem dezenas
de dialetos diferenciados da língua portuguesa em todo o território nacional.[...]
O reconhecimento eleitoral do caráter multilingüista do Brasil, é condição
indispensável para a efetivação da cidadania aos não falantes da língua originária
da nossa colonização lusitana. (Miranda 2005)
Tanto Oliveira (2005) como Miranda (2005), ressaltam a necessidade da política linguística
brasileira reconhecer a existência das várias línguas brasileiras. Nesse contexto, a política
linguística tem a tendência de “subtrair” ao invés de utilizar um política de “adição” (no sentido de
Cummins 2003), ou seja, perpetua-se a ideia equivocada de que uma língua compromete o
desempenho na outra língua (“subtrai”). Assim, historicamente não se investe muito em políticas
que favorecem o desenvolvimento de outras línguas além do português. Esta situação vem sendo
transformada nos últimos anos, apesar de envolver um processo de mudança com impacto a
médio e longo prazo. Algumas proposições de políticas linguísticas “aditivas” têm sido
LETRAS LIBRAS|66
implementadas nas fronteiras do país, nas escolas indígenas e na educação de surdos. Por
exemplo, a constituição brasileira de 1988 incorporou o reconhecimento dos povos indígenas
brasileiros acarretando uma série de consequências em relação às línguas indígenas. Desde então,
os direitos linguísticos dos índios passaram a ser considerados nas diferentes instâncias da
sociedade, entre elas, na educação. Várias escolas indígenas foram estabelecidas tendo a língua
do povo indígena como a língua de instrução e o português como segunda língua. Observam-se
também algumas ações específicas com as línguas alóctones em cidades em que a questão
linguística torna-se um bem “patrimonial” e torna-se interessante a adoção de políticas
linguísticas assumidas pelo Estado que se refletem na educação. Em relação à educação de surdos,
as políticas linguísticas começam a ser implementadas caracterizando um contexto bilíngue no
Brasil.
A língua de sinais brasileira é a língua que se constituiu na comunidade surda brasileira. É
uma língua que expressa todos os níveis linguísticos de quaisquer outras línguas, ou seja,
apresenta uma gramática com estrutura própria usada por um determinado grupo social
(Quadros/Karnopp 2004). No Brasil, as associações de surdos sempre mantiveram intercâmbios
possibilitando contatos entre surdos do país inteiro favorecendo a passagem da língua de geração
em geração entre os próprios surdos, familiares e amigos de surdos. As festas, os jogos, os
campeonatos, os pontos de encontro são formas de interação social e linguística que perpetuam a
língua de sinais brasileira. Essas práticas linguísticas, no entanto, ainda não se refletem na
educação de surdos, por representarem movimentos de resistência à um sistema que negou a
língua de sinais por muitos anos (Skliar/Quadros 2005).
As escolas de surdos brasileiras, as classes especiais, as escolas regulares com alunos surdos
incluídos e seu respectivo atendimento especializado, por muitos anos não permitiram o uso da
língua de sinais em sala de aula.7 O processo educacional era baseado na terapia de fala
objetivando o ensino do português. Atualmente ainda são sentidos reflexos dessas políticas
educacionais para surdos. Ainda nos discursos, nas políticas educacionais, nos professores, nas
salas de aulas e nos próprios alunos surdos percebe-se a reprodução de uma longa história com
7 Em grande parte do país, as crianças surdas estão inseridas nas escolas regulares de ensino em um ambiente em que a língua
portuguesa é a língua de instrução, sendo ensinada com metodologia de ensino de língua materna. No entanto, há algumas escolas
regulares que contam com a presença de intérpretes de língua de sinais e há, também, algumas escolas de surdos que permitem ou
não o uso da língua de sinais. Neste artigo, o foco será o contexto de escola regular de ensino com uma política de educação de
surdos.
LETRAS LIBRAS|67
Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira deSinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-secomo Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que osistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituemum sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades depessoas surdas do Brasil. (Lei 10.436 de 2002).
base na desqualificação de um grupo social perante o outro traduzidos, também, na
desqualificação da língua de sinais em favor da língua portuguesa (política de “subtração”).
Apesar disso, há várias ações que indicam um processo de transformação. Nas décadas de
80 e 90, algumas escolas de surdos passaram a utilizar a língua de sinais na escola, começando a
resgatar o espaço escolar como um ambiente favorável para o seu desenvolvimento. Em 2002, foi
aprovada a Lei Federal 10.436 que reconhece a língua de sinais brasileira como uma das línguas
dos surdos brasileiros.
Essa lei foi regulamentada por meio do Decreto 5626 de 2005 determinando uma série de
ações que instauram políticas linguísticas e educacionais para preservação e disseminação dessa
língua. O Decreto prevê a realização de exames de proficiências anuais da língua brasileira de
sinais por 10 anos, além de cursos específicos de formação. Essa legislação garante a inclusão do
ensino dessa língua em todos os cursos de formação de educadores e a criação de cursos de
graduação para formar professores bilíngues (língua brasileira de sinais e língua portuguesa) para
atuarem na educação básica (primeiros anos de escolarização), cursos de graduação de letras
língua brasileira de sinais para formar professores dessa língua e cursos de tradução e
interpretação para formar tradutores e intérpretes de língua brasileira de sinais.
A Lei de Libras 10436/2002 é um grande marco nas políticas linguísticas da Libras. A lei é um
instrumento legal que reconhece e afirma a Libras como uma das línguas brasileiras usadas por
uma comunidade surda do Brasil. A Lei de Libras representa um marco, pois resulta dos
movimentos sociais surdos aliados às produções acadêmicas referentes à Libras (Quadros, 2009).
Segundo Calvet (2007), as políticas linguísticas são as grandes decisões referentes às
relações entre as línguas e a sociedade e tornam-se inseparáveis do planejamento linguístico, que
são as implementações ou aplicações dessas decisões. Ainda de acordo com Calvet, não existe
LETRAS LIBRAS|68
planejamento linguístico sem um suporte jurídico. É necessário, portanto, destacar, que a língua
brasileira de sinais com o seu Decreto também está representando um campo importante para a
organização de novas políticas linguísticas voltadas às comunidade surdas. Não se pode esquecer,
a despeito de aspectos de fragilidades que o texto legal apresente em termos de proposição, que
a oficialidade de Libras tem um efeito direto em seu status linguístico, consequentemente, na sua
correlação de forças com as demais línguas. É inegável que o Decreto 5.626 destacou um conjunto
de referências no campo da legislação que possibilitou trazer para o centro do debate a
necessidade da sociedade brasileira de encontrar medidas para transformar o quadro de exclusão
social dos surdos brasileiros, não apenas no âmbito do ensino formal, mas também em suas
relações com o trabalho.
Os meios de comunicação passaram a veicular alguns programas com interpretação
simultânea, os políticos começaram a disponibilizar intérpretes de língua de sinais em seus
discursos, as escolas passaram a “permitir” o uso da língua de sinais na comunidade escolar e nas
salas de aula por meio de intérpretes de língua de sinais, algumas universidades passaram a
oferecer a opção da língua de sinais nos cursos de línguas e disponibilizar intérpretes de línguas de
sinais para alunos surdos. Vive-se, portanto, um momento politicamente favorável para ações
linguísticas afirmativas considerando o reconhecimento do statuslinguístico da língua de sinais
brasileira, bem como as leis de acessibilidade e de inclusão social. A partir desses movimentos, a
língua de sinais brasileira vem se tornando uma língua reconhecida não somente pelos surdos,
mas também na sociedade em geral.
Também houve eco dos estudos que foram realizados com a Libras no Brasil (tais como,
Ferreira Brito, 1995; Quadros, 1997; Quadros e Karnopp, 2004). As pesquisas desenvolvidas
apontam para o reconhecimento do status da Libras enquanto língua que apresenta todos os
níveis de análise que fazem parte de quaisquer línguas. A Libras passa, então, a ser reconhecida no
nível acadêmico, enquanto língua, especialmente no campo da Linguística. A criação dos primeiros
cursos de Letras Libras também causam impacto nas representações sociais da comunidade
brasileira. As pessoas reconhecem a Libras como língua, também por causa desta
institucionalização da Libras por meio das produções acadêmicas, bem como pela criação destes
cursos como um curso de Letras.
As representações da língua de sinais brasileira de não-língua instituídas ao longo dos anos
por meio de sua proibição em uma lógica subtrativa (uma língua em detrimento da outra),
LETRAS LIBRAS|69
finalmente, cedem espaço para a sua valorização enquanto língua para os próprios surdos. Os
usuários da língua de sinais brasileira passam a ter orgulho da própria língua desencadeando uma
série de ações para resguardá-la e multiplicá-la. As organizações de surdos brasileiras começam a
oferecer cursos de língua de sinais abertos para a comunidade em geral. Além disso, propõe
políticas linguísticas para a sociedade brasileira e para a educação, no sentido de assegurar o
reconhecimento de sua língua e de seus direitos linguísticos (Revista da FENEIS – Federação
Nacional de Educação e Integração de Surdos - 2006).
Por outro lado, para muitos surdos o português passa a ser representado como uma
ameaça, gerando um movimento de negação da língua falada como uma forma de autoproteção.
Se a lógica é de uma política de “subtração”, então a língua de sinais deve se sobrepor à língua
portuguesa. O reconhecimento da língua de sinais inverte a lógica instituída até então, assim o
português passa a ser negado pelos surdos.
Alguns surdos que já não consideram a língua falada como uma ameaça a sua língua, passam
a utilizar o português como língua enquanto instrumento de poder. As políticas de assimilação
tanto de um lado como de outro, se transformam em políticas “aditivas” (uma língua somada a
outra). Ter mais de uma língua não representa mais um problema com diferentes repercussões,
mas sim mais poder, mais elasticidade cognitiva, mais flexibilidade social, etc. Isto é, não se vê
mais como desvantagem se apropriar da outra língua, mas sim como vantagem em vários sentidos
(cognitivo, social, cultural, político e lingüístico). Os surdos intelectuais gradativamente passam a
estabelecer este tipo de relação com o português. Instaura-se, portanto, o espaço de negociação.
As línguas são bem-vindas, mas em um processo constante de negociação quanto às suas
respectivas funções sociais, políticas e educacionais. Gradativamente reconhece-se a condição
bilíngue do aluno surdo, bem como de seus professores e intérpretes de língua de sinais.
As políticas linguísticas desencadeadas pela Lei de Libras exigem planejamento linguístico.
De certa forma, o Decreto 5626 representa este planejamento. Esse documento implementa
ações importantes que determinam a valorização da Libras no Brasil, por meio de sua difusão e
ensino. As instituições brasileiras conseguiram um instrumento legal imprescindível para respaldar
a viabilização de políticas públicas voltadas à consolidação da Libras. Quando se estabelece uma
política para a língua de sinais, aos poucos começa a ocorrer a revitalização do olhar para a
construção visual dos sentidos como direito à cidadania. Se antes a presença da língua de sinais
ficava circunscrita às associações de surdos e a questões relacionadas ao lazer e ao esporte, o que
LETRAS LIBRAS|70
também é fundamental para o ser humano, hoje ela passa a ocupar lugares oficiais como as
universidades e as escolas. A transferência dessa relação cultural que acontece nas associações de
surdos e que são fundamentais para sua subjetividade passam a adquirir legitimidade formal a
partir do reconhecimento de Libras.
Libras passa a figurar como uma língua no meio acadêmico, tornando os surdos visíveis no
país. Há uma política linguística que começa abrir circuitos sociais e culturais gradativamente. Com
isso, os surdos passam a figurar em diferentes espaços sociais.
Não se pode negar, por exemplo, o efeito de visibilidade que ocorre quando uma palestra
em um determinado ambiente está sendo interpretada em Língua de Sinais. A interpretação
simultânea é um sinal de que há a presença do surdo no ambiente, de que o direito à
informação está colocado em foco, e também de que uma política linguística está se traduzindo e
se efetivando. A disseminação de materiais traduzido para a Libras em diferentes espaços
educacionais, também tornam o direito de acesso à Libras legítimo. O próximo passo é constituir a
educação bilíngue para surdos em escolas públicas brasileiras. Para isso, o governo federal acenou
que teremos como prioridade a elaboração de um plano linguístico educacional para nortear o
estabelecimento de escolas bilíngues em todo o país. Esses exemplos de visibilização da Libras
ilustram a política linguística instaurada no país. Tendo o norte de que a educação bilíngue seja
implementada no Brasil, alguns aspectos importantes precisam ser considerados no planejamento
linguístico relativo à Libras, entre os quais, citamos os seguintes:
a) a aquisição da Libras pelas crianças surdas (L1)
b) o ensino da Libras para as crianças surdas (ensino de L1)
c) o ensino da Libras para os colegas ouvintes das crianças surdas (ensino de L2)
d) o ensino da Libras para a comunidade escolar (ensino de L2)
e) o ensino da Libras para os futuros professores da área da educação (ensino de L2)
f) a formação de professores de Libras como L1 e como L2
Nestes pontos, observa-se que sempre está implicada a questão do tipo do ensino de
língua envolvido, ou seja, se é L1 ou L2. Isso se dá porque a Libras é a L1 dos surdos, enquanto
que, normalmente, é a L2 dos ouvintes. Considerando que os contextos de ensino da Libras
podem envolver as duas situações no Brasil, temos que discutir sobre as duas formas de ensinar
LETRAS LIBRAS|71
línguas, como L1 (também chamada de ensino de língua materna) e como L2 (também chamada
de segunda língua ou língua estrangeira). Nas próximas seções, vamos nos deter a discutir estas
questões dentro do contexto da educação de surdos e formação de professores de Libras no
Brasil.
2 O ensino de línguas: L1 e L2
2.1 Terminologia específica relativa ao ensino de línguas (conceitos elaborados com base em
Ellis, 1994; Sharwood-Smith, 1994; Gass &Selinker, 1994; Quadros, 1997)
a) Aquisição da primeira língua (AL1)
Aquisição da primeira língua se refere à língua maternal ou língua nativa. Dependendo do contexto
em que a criança cresce, ela pode ter mais de uma primeira língua, pois pode crescer com duas ou
mais línguas nativas
b) Aquisição de segunda língua (AL2)
Uma pessoa tem acesso a outra língua além da sua primeira língua que configurará a sua segunda
língua. Ela está adquirindo competencia em mais de uma língua que não seja a sua primeira língua.
c) Aquisição de terceira língua
Algumas vezes, há a distinção entre segunda e terceira línguas, ou até mesmo da quarta língua. No
entanto, o termo segunda língua é geralmente usado para quaisquer outras línguas que sejam
adquiridas além da primeira língua.
d) Aquisição de língua estrangeira
A distinção entre segunda língua e língua estrangeira está relacionada com a forma de acesso às
línguas. O ensino de uma língua estrangeira se dá de forma institucionalizada ou em contextos em
que a língua não faz parte da comunidade na qual a pessoa está inserida. Nesse caso, a pessoa
aprende a língua estrangeira em um curso de ensino de línguas. No entanto, o termo segunda
língua pode abarcar o termo língua estrangeira, isto é, uma língua estrangeira sempre é uma
segunda língua. No Brasil, o inglês e a língua de sinais Americana, por exemplo, são consideradas
línguas estrangeiras. No entanto, a Libras, ainda que seja uma segunda língua para os ouvintes, não
é considerada uma língua estrangeira, por fazer parte das línguas usadas no Brasil. Da mesma
forma, a Língua Portuguesa é considerada uma segunda língua para os surdos, mas não é uma
língua estrangeira.
e) Língua alvo (LA)
A língua não native, ou seja, a segunda língua é a língua alvo do ensino e aprendizagem.
LETRAS LIBRAS|72
f) Língua nativa (língua maternal)
A(s) língua(s) adquirida(s) pela criança no contato com os adultos de forma natural e espontânea.
g) Falante nativo
Falante nativo é o falante (ou sinalizante) que fala uma ou mais línguas como línguas nativas. Por
exemplo, a criança, filha de pais surdos usuários de Libras, é sinalizante nativa da Libras.
h) Falante não nativo
Falante não nativo é o falante (ou sinalizantes) que usa uma ou mais línguas que não foram
adquiridas desde a infância, ou seja, o falante/sinalizante de segunda língua ou de língua
estrangeira é considerado não nativo destas línguas. Por exemplo, a pessoa que mora no Brasil e
aprendeu inglês é considerada falante não nativa do inglês.
i) Interlíngua (IL)
IL normalmente refere ao sistema linguístico usado pelos falantes/sinalizantes não nativos
aprendizes de uma segunda língua. O uso do termo IL sugere a existência de um sistema autônomo
entre a primeira língua e a língua alvo. Os estudos mostram que a IL pode também apresentar
elementos que não fazem parte nem da primeira língua nem da língua alvo.
j) Fossilização
Fossilização refere ao congelamento de uma forma aprendida. Esta forma, traço, regra ou outro
aspecto linguístico fica estabelizado de forma permanente na IL do aprendiz de segunda língua
como uma forma desviante da norma da língua alvo. As pesquisas mostram que a fossilização não é
superada mediante exposição à língua. Esta forma continua a ser apresentada pelo
falante/sinalizante da segunda língua até que haja intervenção explícita e monitoramente
constante por parte do aprendiz para superá-la.
k) Metalinguagem
Metalinguagem é usar a língua para falar sobre ela. Para falar sobre a língua, o usuário da língua
precisa desenvolver a consciência sobre ela. A língua neste caso, passa a ser o objeto da fala.
l) Input
O input é o que o aluno de línguas ouve/vê da língua que está aprendendo. É a experiência que o
aluno de línguas está tendo na língua alvo em todas as suas modalidades de expressão. O input da
língua alvo é o que está disponível ao aluno.
m) Intake
É a parte do input que realmente é processada pelo aluno e se torna conhecimento linguístico.
n) Produção
O aluno aprendiz de uma língua produz a segunda língua, embora possa fazê-lo de forma não
precisa durante o processo de aquisição da segunda língua. Embora o aluno de línguas possa não
produzir a língua alvo de forma apropriada, ele pode compreender muito mais as informações
disponíveis no seu input.
LETRAS LIBRAS|73
o) Aquisição de segunda língua natural versus ensinada
A distrinção entre aquisição natural de línguas e ensino de língua é relevante. Essa distinção se dá
porque a língua adquirida de forma natural depende da interação espontânea da criança com
adultos. Por outro lado, o ensino de uma língua vai acontecer observando metodologias de ensino
em um ambiente linguístico diferenciado, ou seja, o ambiente de sala de aula ou ambiente voltado
para o ensino de línguas. Normalmente neste contexto, o aluno está interagindo com outros
colegas que também estão aprendendo a nova língua, ou seja, falantes não nativos da língua alvo e
contam com um professor que usa a língua alvo e aplica estratégias de ensino para que os alunos
aprendam a nova língua.
p) Aquisição-aprendizagem-desenvolvimento-ensino
Alguns pesquisadores fazem a distinção entre “aquisição” e “aprendizagem”. O primeiro processo
refere a um processo mais inconsciente de acesso à língua, no qual a pessoa vai adquirindo a língua
de forma espontânea mediante a exposição à ela. Aprendizagem de uma língua seria aplicado ao
contexto de ensino. Desenvolvimento é o termo que foca no processo, ou seja, o que acontece na
pessoa que está adquirindo ou aprendendo uma língua. É importante separar estes termos de
“ensino” de línguas que refere às didáticas que são aplicadas para tornar a aprendizagem mais fácil,
mais acessível aos alunos.
A diferença entre aquisição e aprendizagem é muito pertinente ao contexto das pessoas surdas,
pois as línguas de sinais são acessíveis aos surdos para que a aquisição da linguagem aconteça;
enquanto o português, só poderá ser aprendido pelos surdos se lhes for ensinado.
q) Erros e enganos
Erros são formas incorretas produzidas pelos alunos de línguas.
Enganos são erros não sistemáticos que os alunos de línguas produzem. Esses são corrigidos pelo
próprio aluno.
r) Competênciacomunicativa versus performance comunicativa
A competência comunicativa inclui o conhecimento que os falantes/ouvintes (sinalizantes/videntes)
tem do que constitua a forma apropriada da língua em relação aos seus objetivos comunicativos. A
performance comunicativa consiste em usar este conhecimento para entender e produzir os
discursos na outra língua.
s) Conhecimento e controle
Conhecimento linguístico envolve o conunto de representações mentais sistematizadas que
sustentam o uso da língua. É o conhecimento linguístico que o falante/sinalizante tem. O
conhecimento não necessariamente envolve o mesmo conhecimento do falante/sinalizante nativo.
O controle refere aos controles de percepção e produção da língua que o falante/sinalizante da
língua possui. O controle baixo do conhecimento refere ao conhecimento que está disponível, mas
que só pode ser acessado em condições específicas. Fluência, proficiência ou habilidade em uma
língua inclui a idéia de ser hábil em controlar efecientemente o que o falante/sinalizant já conhece.
LETRAS LIBRAS|74
2.2 O que as crianças adquirem e o que o aluno de línguas aprende
A questão fundamental para o ensino de línguas é compreender como as crianças
aprendem. Steinberg (1993) fez uma síntese sobre esses aspectos que são apresentadas a seguir.
Steinberg levanta questões relacionadas com o desenvolvimento da compreensão e
produção, a interação entre mãe e filho usando uma fala adequada à criança, chamada também
de “manhês” e o papel da imitação e da correção. As questões que o autor levanta como centrais
são as seguintes:
Como a linguagem entra nas nossas mentes?
Como aprendemos a produzir e entender o que as pessoas falam/sinalizam?
Por volta dos quatro anos de idade, as crianças já tem um vocabulário, uma sintaxe (regras
gramaticais e estruturas) e a pronúncia da língua a qual está exposta. No caso de segunda língua,
a pronúncia das crianças é considerada nativa, enquanto os adultos que estão aprendendo uma
segunda língua ficam anos e anos tentando lidar com o seu sotaque marcado influenciado pela sua
primeira língua. Se consideramos a criança surda, ela também adquire a língua de sinais mediante
contato com usuários de Libras. Elas produzem os sinais e já começam a marcar as formas
manuais e não manuiais relacionadas com as estruturas específicas da Libras de forma muito
apropriada.
Steinberg apresenta o ramo da psicolinguística que busca explicar o que acontece com a
criança em fase de aquisição. Por exemplo, a produção da fala por crianças ouvintes que
adquirem uma língua falada acontece por meio do controle da articulação que é exercitado pelos
bebês. Esse exercício é chamado de balbucio. Essas vocalizações envolvem produções que
lembram a fala por meio dos sons, das vogais, das combinações de vogais com consoantes
apresentando padrões silábicos reconhecíveis na língua a qual a criança está exposta. Da mesma
forma, o balbuio aparece em bebês surdos, filhos de pais surdos, com articulações manuais
combinando movimentos e configurações de mãos, por exemplo (Petitto & Marantette, 1991). A
entonação vai sendo adquirida pelos bebês desde o princípio. As crianças chegam então nas
produções de uma palavra com valor de enunciados, fase que chamamos de período
“holofrásico”. A criança produz uma palavra (falada ou sinalizada) e as pessoas compreendem
como uma sentença. Veja o exemplo a seguir:
LETRAS LIBRAS|75
Bebê: ÁGUA
Mamãe: VOCÊ ÁGUA QUERER
O bebê diz apenas o sinal de ÁGUA neste exemplo, mas a mãe sabe que ele está pedindo
água.
As pesquisas variam quanto à idade exata na qual os bebês começam a produzir as
primeiras palavras, mas de maneira geral, aceita-se que isso ocorre por volta dos 12 meses.
Apesar das crianças começarem a produzir as palavras por volta de um ano de idade, elas já
entendem muitas palavras que são dirigidas a ela. A compreensão, portanto, precede a produção.
Isso é muito importante quando ensinamos línguas. Sempre precisamos lembrar que a
compreensão precede a produção dos nossos alunos.
Uma palavra é usada pela criança para diferentes fins, entre eles, foram identificados os
seguintes:
nomear objetos
pedir alguma coisa
enfatizar ações
expressar situações mais complexas
Como as crianças ainda não dominam a língua de forma completa, elas usam os recursos
disponíveis para se comunicar, por isso elas começam com palavras isoladas para expressar todas
estas situações. Isso pode acontecer com os alunos de línguas. As vezes, ensinamos a Libras para
ouvintes e eles só conseguem usar sinais isolados, pois é o que eles tem para expressar o que
pensam ou o que querem. Precisamos ter paciência e, de certa forma, ajudá-los a produzirem o
que estão querendo produzir repetindo os sinais nos contextos específicos com as sentenças
apropriadas. Eles começam a ver e ver os sinais contextualizados, compreendem e ao longo da
aprendizagem começarão a produzir estas sentenças.
Aos poucos as crianças já começam a produzir enunciados com duas a três palavras. Isso
acontece por volta dos 18 meses, é estágio ‘telegráfico’. O que é mais interessante nesta etapa da
aquisição é que os enunciados produzidos expressam uma variedade de intenções e a
complexidade das idéias (para pedir, para chamar atenção, para recusar, para perguntar, para
LETRAS LIBRAS|76
reclamar, para responder e para informar). As habilidades conceituais e de pensamento são
admiráveis nesta etapa, pois as crianças ainda são muito pequenas. Elas já expressam idéias
relacionadas com quantidade (‘mais’), posse (‘meu’), negação (‘não’), localização (‘boneca cama’)
e atributo (‘grande’, ‘azul’). Nesta fase, a criança ainda entende muito mais do que é capaz de
produzir. Gramaticalmente, elas não usam as palavras funcionais (artigos, preposições, auxiliares,
modais e flexões verbais e nominais). Elas usam basicamente nomes, verbos e adjetivos que
aparecem nos enunciados. Essas palavras são chamadas de ‘palavras de conteúdo’, pois elas
carregam uma informação semântica muito clara e mais concreta para a criança.
Por volta dos dois a três anos de idade, as crianças começam a elaborar as palavras
funcionais, tais como, as preposições, os artigos e os auxiliares, assim como as flexões para marcar
o tempo e o plural. Parece que há um ordem na aquisição destes componentes funcionais.
O desenvolvimento das sentenças mais complexas, incluindo enunciados mais longos
acontece de forma gradativa, do mais simples para o mais complexo. As crianças começam a
produzir sentençaas negativas, interrogativas, interrogativas e relativas a partir dos quatro a cinco
anos de idade, fase na qual é considerada praticamente adquirida a língua (ou línguas) que a
criança está exposta.
A compreensão é a base da produção. As crianças precisam estar expostas a pela menos
uma língua, para poder adquirir a linguagem e aprender a língua. Esse princípio se estende ao
ensino de línguas, os alunos de línguas precisam ouvir ou ver as línguas que estão aprendendo.
Eles precisam ter oportunidade de entender essas línguas para começarem a produzirem nestas
línguas. As crianças não vão falar ou sinalizar se não ouvirem ou verem a língua na qual estão se
desenvolvendo. Nesse sentido, o ambiente tem um papel fundamental. É preciso ter contato com
pessoas que usem a língua que a criança está adquirindo. Da mesma forma para os alunos de
línguas, é preciso ter pessoas usando a língua que eles estão aprendendo.
As crianças começam a aprender palavras com sentido mais abstrato quando elas tem
oportunidade de observar a fala associada à situações e eventos no ambiente que possam ser
relacionados as experiências e processos mentais. A criança precisa vivenciar as situações para
associá-las à linguagem.
As experiências vivenciadas pela criança são lembradas por meio da linguagem. A criança
identifica as palavras, generaliza as regras da língua do seu uso e relaciona a fala ao ambiente e às
experiências mentais. A memória apresenta também um papel muito importante neste processo,
LETRAS LIBRAS|77
pois ela precisa lembrar de um monte de palavras e associá-las de forma apropriada a significados
com base na sua compreensão. Essa capacidade de armazenamento de informações é que
viabiliza a reanálise gramatical que a criança faz fazendo com que a língua seja internalizada.
A fala (ou sinais) dirigida à criança é muito importante. Os pais e as pessoas que convivem
com a criança conversam com ela sobre o que está acontecendo evitando falar de coisas abstratas
e não acessíveis diretamente à criança. As sentençaas são mais curtas e simples, o vocabulário
tende a ser mais simples também. A conversa é mais lenta com entonações específicas e mais
pausas do que quando feita entre adultos. O adulto usa mais palavras com entonação marcaca e
com mais ênfase do que usaria com seus pares adultos quando se dirige à criança. Essa adequação
da conversa à criança contribui para a sua compreensão e aquisição. Há também adequação do
vocabulário, com palavras como ‘au-au’ ou ‘mama’ para cachorro e mamadeira, respectivamente,
apresentando um padrão silábico repetido. Os enunciados são mais simples aproximando-se das
produções telegráficas das crianças. Também há uso de nomes próprio ao invés de pronomes.
A imitação parece ter um papel importante na aquisição; embora não explique a
compreensão das crianças e o uso criativo da linguagem pelas crianças. De qualquer forma, as
crianças imitam parte do que ouvem.
Correção não é muito importante no processo de aquisição da linguagem, pois os pais não
fazem muito uso dessa estratégia. Os pais não prestam muita atenção nas falhas gramaticais das
crianças. Na verdade, o foco fica muito mais no valor de verdade do que é dito, na forma social
apropriada de dizer algo ou ainda na forma mais inteligente da criança dizer algo. O foco,
portanto, está mais no conteúdo e não nos ‘erros’ gramaticais. As próprias crianças corrigem seus
erros gramaticais ao longo do processo de aquisiçãoo, sem intervenção direta dos seus
interlocutores.
No caso específico do ensino de línguas, o papel da imitação e da correção pode ter outras
funções. O foco no conteúdo sempre apresenta um papel mais proeminente, mas as correções
gramaticais podem ser relevantes quando apresentam uma função de monitoramento. Depois
voltaremos a falar sobre isso.
LETRAS LIBRAS|78
2.3 Aspectos sobre o ensino de línguas: conhecimento dos professores acerca das línguas
Todos os professores tem uma teoria da aprendizagem da linguagem. Isto é, eles vão seguir
princípios e preparar suas aulas seguindo esta base teórica, mesmo que inconscientes. Muitas
vezes, os professores de línguas nem se dão contam de que estejam reproduzindo uma ou outra
forma de pensar o ensino de línguas. Por exemplo, alguns professores de Libras ensinam usando
listas de vocabulário. Essa forma de ensino, de certa forma, reproduz a base de ensino usada com
eles próprios quando aprenderam português e manifesta uma visão de ensino de línguas.
Para ajudar os professores de língua a tornarem explícitas as teorias de ensino de línguas,
esta seção objetiva trazer informações mais objetivas para que os professores possam ser mais
críticos e menos resistentes a mudanças. As teorias de ensino que sejam mais explícitas e abertas
a revisões parecem ser mais eficientes, do que aquelas que sejam implícitas e reproduzidas de
forma mais insconciente. Consciência sobre a açãopermite que o processo de ensinar e aprender
seja mais eficiente permitindo o desenvolvimento de aulas de ensino de línguas, com uma ação
mais crítica por parte do professor, bem como com o entendimento sobre a aquisição de segunda
língua. Tem vários aspectos implicados na aquisição de segunda língua que precisam estar claros
para o professor de línguas. Entre eles, sintetizamos os seguintes:
a) FONOLOGIA – O professor de línguas precisa saber qual é o sistema fonológico das línguas que o
aluno já usa. Ele precisa saber que sons/gestos que seu aluno já domina ou possa ter dificuldade de
dominar. O professor deve identificar quais os fonemas que podem ser de difícil aquisição para o
seu aluno, uma vez que o mesmo provavelmente não tenha desenvolvido na sua língua nativa. Por
exemplo, os alunos de Libras podem ter dificuldades em usar determinadas configurações de mão
por não usarem uma outra língua de sinais e nem fazer parte da produção gestual associada à
língua que falam.
b) SINTAXE – Os alunos sabem que podem ou não produzir determinadas sentenças em sua língua
nativa, mas não sabem que esse conhecimento não pode ser aplicado de forma irrestrita a nova
língua. Eles podem acabar produzindo os sinais na ordem das frases do português, tornando a
sentença estranha considerando a estrutura da Libras. Isso acontece porque é mais fácil partir de
algo que já se conhece como base para tentar se arriscar na outra língua. Por exemplo, os alunos
podem produzir os sinais da seguinte forma: EU VOU IR PARA PORTO ALEGRE N-A SEGUNDA-FEIRA.
Em sinais, seria mais apropriada a seguinte produção: SEGUNDA-FEIRA, EU IR PORTO ALEGRE. Se o
LETRAS LIBRAS|79
professor conhece a forma como as sentenças são organizadas na língua nativa do aluno, ou seja, o
português, vai ser mais fácil intervir e ajudar o aluno a produzir nas formas mais apropriadas em
Libras.
c) MORFOLOGIA e LÉXICO – O estudo da morfologia está relacionado com a formação de palavras.
Muitas vezes, as palavras são produzidas a partir de uma parte (raíz). Temos, basicamente, dois
tipos de morfemas: os morfemas livres e os morfemas dependentes, como des- (em português que
é um morfema preso em palavras como desligar, desfazer, desconstruir ...) e feliz como um
morfema livre (em português pode aparecer sozinho ou em outras palavras tais como, felicidade,
felizardo, felizmente ...). Em Libras temos morfemas presos como L (para os sinais
VIDEOCONFERENCIA, HIPERMIDIA, AMBIENTE-VIRTUAL) e morfemas livres como NAMORAR. As
palavras em uma língua ou outra podem ser criativamente criadas a partir do conhecimento das
regras que permeiam o sistema morfológico daquela língua. Aqui temos, de certa forma, efeitos da
modalidade, pois os sistemas ariticulatórios impõem sistemas complementamente diferentes,
embora os princípios de formação e derivação de palavras possam coincidir. Por exemplo, para
expressar concordância verbal na Libras, o sinalizante deve estabelecer referentes no espaço e
incorporar os pontos estabelecidos como sujeito e objeto. No português, há também concordância
verbal, mas a forma de expressá-la restringe-se ao sujeito da sentença. Aspectos como esse são
importante serem compreendidos pelo professor de línguas.
d) SEMÂNTICA – O estudo da semântica refere ao estudo do significado. As vezes, a estrutura pode
não estar adequada, mas é possível compreender o significado do falante. O contrário também é
possível, as vezes, é possível expressar uma estrutura adequada, mas o significado não ficar claro.
Os alunos de línguas podem fazer isso quando estão aprendendo uma nova língua. O professor de
línguas precisa lembrar que nem sempre algo em uma língua seja claro suficiente na outra língua.
Por exemplo, a palavra COPO e BEBER em Libras podem estar combinadas em um único sinal, mas
isso não necessariamente fique claro em português. Em Libras, é importante estabelecer os
referentes no espaço para a compreensão das relações semânticas. Isso precisa ser ensinado pelos
professores, uma vez que os alunos que estão aprendendo a Libras podem não se dar conta da
importância que a a referência espacial toma nessa língua.
e) PRAGMÁTICA – Essa é uma parte da linguagem que o aluno de línguas precisa aprender: como a
língua deve ser usada em determinados contextos, ou seja, a pragmática da língua. Por exemplo,
em português você diz para as pessoas irem na sua casa em estruturas como a seguinte: ‘Oi, que
bom ver você, aparece lá em casa uma hora dessas’. Esse tipo de estrutura não representa um
convite real, mas uma intenção de ver a pessoa. Com esta frase, ninguém vai efetivamente ir na
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casa da outra a não ser que um convite explícito com data e hora marcada seja expresso. Essa
mesma sentença dita em Libras é tomada ao pé da letra e a pessoa vai se sentir convidada a ir na
casa da que está usando a expressão. O que muda é o valor pragmático da sentença em cada
língua. Isso precisa ser ensinado aos alunos de línguas.
Além desses conhecimentos, é importante que o aluno de L2 procure se apropriar dos
conhecimentos de subjazem o conhecimento gramatical. Os discursos trazem muito além do que é
a gramática que consitui uma língua, pois carregam as culturas implicadas nas produções que
imprimem conhecimentos que os falantes/sinalizantes constituem e reproduzem por meio da
linguagem. As línguas são produzidas de diferentes formas em cada grupo social e por cada
falante/sinalizante porque carrega esse conhecimento subjetivo construído socialmente.
2.4 Objetivos das investigações de segunda língua (Ellis, 1994)
Os objetivos das investigações sobre segunda língua estão relacionados com a descrição e
explicação da competência linguística e comunicativa dos alunos de segunda língua. As perguntas
centrais dessas preocupações serão sintetizadas a seguir.
a) O que os alunos de L2 adquirem?
Essa questão é motivada pelo reconhecimento de que os alunos de segunda língua não conseguem
produzir sentenças na outra língua de forma correta. A produção destes alunos, geralmente, inclui
estruturas que não correspondem as construções gramaticais da língua que estão aprendendo.
Nesse sentido, um dos objetivos é identificar o sistema linguístico que os alunos estão produzindo
para compreender como eles aprendem a segunda língua. Nesse sentido, há pesquisas analisando
as produções dos alunos, chamando de “interlíngua”, o sistema linguístico produzido pelos alunos
aprendendo uma nova língua, com forma própria que pode incluir elementos da primeira e da
segunda língua, além de elementos independentes.
O objetivo específico em responder a esta questão caracteriza-se pela documentação dos tipos
linguísticos produzidos pelos alunos de L2; pelo estabelecimento/determinação de onde e como
são manifestadas as regularidades de algum tipo e definição das mudanças padrões que ocorrem
durante o processo de aquisição da segunda língua.
LETRAS LIBRAS|81
b) Como os alunos de L2 adquirem a segunda língua
Essa questão apresenta um caráter explanatório, ou seja, objetiva buscar explicações do processo
de aquisição/aprendizagem da L2. Por que os alunos apresentam erros? Por que estes erros são
regulares entre os alunos? Por que os sistemas linguísticos produzidos apresentam
sistematicidades ao longo do processo? Responder a estas perguntas implica em compreender
como o processo de aquisição/aprendizagem acontece com base nas produções dos alunos. A
explicação desses aspectos ajuda a compreender os processos mentais envolvidos (tipo converter o
input em conhecimento); como os alunos usam o conhecimento que já possuem (por exemplo,
partindo de sua língua nativa ou de estratégias próprias de aprendizagem) para internalizar a nova
língua. A explicação do processo ajuda a compreender como os alunos constroem a interlíngua e
outros processos que vão contribuir para resolver as dificuldades de comunicação (por exemplo,
estratégias de comunicação).
Ainda no sentido de buscar explicações ao processo de aquisição/aprendizagem da segunda língua,
surge a questão de como os fatores externos e internos se interrelacionam. Essa questão está
relacionada com fatores individuais do aluno, tais como, questões afetivas e motivações para
apreder uma nova língua.
Com base em Ellis (1994), apresentamos uma comparação entre aquisição e aprendizagem
de uma segunda língua.
Aquisição de segunda língua Ensino de segunda língua
Área que foca na aquisição de uma perspectiva
teórica
Área que investiga problemas mais práticos do ensino
de L2 em uma perspectiva aplicada
Visa compreender o que os alunos
sabem/conhecem e aprendem em diferentes
estágios da aprendizagem.
Visa compreender o que os alunos sabem comparados
aos falantes nativos para preparer estratégias de
ensino mais eficazes.
Faz parte das ciências cognitvas (investigam a
linguagem humana).
Faz parte das ciências sociais (usar o conhecimento
produzido para ser aplicado socialmente)
LETRAS LIBRAS|82
Qual a contribuição dos estudos de segunda língua para a pedagogia do ensino de línguas?
a) pode melhorar o entendimento geral dos professores sobre as capacidades cognitivas
subjacentes a aquisição e uso da segunda língua
b) oferece ao professor conhecimentos importantes sobre as habilidades e conhecimento dos
alunos de segunda língua
c) conhecer sobre o processo de aquisição de segunda língua como input para auxiliar na
proposição de materiais e propostas de ensino (não somente quanto a metodologia, mas
quanto ao que as pessoas tem em suas mentes)
d) possibilita o acesso aos conhecimentos sobre os processos naturais de aquisição e
aprendizagem de línguas que podem facilitar o ensino de línguas, por exemplo, como as
línguas são armazenadas
Como as diferenças entre os alunos podem interferir na aprendizagem da segunda língua?
a) os alunos podem ser muito diferentes entre si em termos de como aprender, de como se
portar diante do ensino e de como enfrentar desafios na outra língua
b) o estudos das diferenças individuais precisa ser aprofundado para documentar os fatores
que contribuem para haver esta variação
Como os efeitos do ensino afetam a aprendizagem da outra língua? (por exemplo, ensino da
gramática)
Não há uma formula para o ensino de línguas que possa ser seguida para garantir o ensino e
aprendizagem da segunda língua. O que as pesquisas tem indicado são possibilidades que são
determinadas em cada context e com diferentes grupos de alunos. Os professores precisam
aprender com os resultados das pesquisas, no sentido de identificar alternativas e estratégias
que podem ser usadas ou não dependendo dos alunos com os quais se deparam.
Essas são questões que norteiam as pesquisas com o ensino de línguas. Os resultados das
pesquisas realizadas nos ajudam a definir formas de ensinar e compreender as formas de
aprender dos diferentes alunos com os quais podemos nos deparar.
LETRAS LIBRAS|83
2.5 Crenças sobre o ensino aprendizagem de línguas: fatos e opiniões (baseado emLightbown &
Spada, 2000)
a) Línguas são aprendidas por meio da imitação (as pesquisas mostram que a imitação não é a base
da aprendizagem de línguas, mas sim a interação significativa é que vai sustentar o processo de
ensino aprendizagem de línguas); os alunos produzem muito mais sentenças do que ouvem ou
vêem, eles são capazes de internalizar muito mais do que eles ouvem ou vêem, muito além do que
seria possível memorizar ou imitar; isso não significa que imitação não tenha um papel importante
no ensino de línguas, mas as crianças não imitam tudo que ouvem ou vêem, elas frequentemente
selecionam algumas coisas para imitar, assim como os alunos de segunda língua.
b) Os pais corrigem suas crianças quando elas cometem erros. Há uma grande variedade entre a
forma de intervenção dos pais nas produções de seus filhos; mas, normalmente, os pais focam no
conteúdo e não na forma. Assim, as crianças não dependem dessa intervenção para desenvolverem
a sua língua. Os alunos de segunda língua podem adquirir muita coisa da língua que estão
aprendendo sem a intervenção explícita por parte do professor. Os alunos de segunda língua
podem persistir com algumas formas agramaticais por muitos anos, por isso, neste caso,
recomenda-se a internvenção explícita para que haja o monitoramento da forma produzida pelo
aluno.
c) Pessoas inteligentes são bons alunos de segunda língua. O teste de inteligência pode ser um bom
indicador do processo de apendizagem formal, mas não interfere nas práticas de ensino com base
na interação. Pesquisas evidenciam que alunos de diferentes níveis de inteligência podem aprender
línguas.
d) Um dos fatores mais importantes da aquisição de segunda língua é a motivicão. Todos concordam
que os nem sempre os alunos mais motivados são aqueles que tem mais facilidade em aprender
uma língua. A diferença no sucesso da aprendizagem de uma segunda língua está mais relacionada
com as diferenças nas atitudes diante da nova língua e em como o ensino interage com os estílos
de aprendizagem de cada um, bem como, nas preferências de aprendizagem.
e) Enquanto mais cedo for introduzida a segunda língua nos programas escolares, mais chance há no
sucesso da aprendizagem da segunda língua. Isso depende dos objetivos do programa de línguas
em determinados contextos sociais e escolares. A performance nativa na segunda língua depende
de uma exposição mais precoce às línguas estrangeiras. No entanto, o bilinguismo pode ter
LETRAS LIBRAS|84
consequências negativas. As pesquisas mostram que uma boa base na primeira língua, incluindo
uma base na alfabetização na primeira língua, serve como sustenção para as segundas línguas. As
habilidades básicas de comunicação dos alunos pode ser eficiente também mesmo com o início
mais tardio no ensino de línguas. Crianças com 10 anos de idade conseguem alcançar rapidamente
as crianças que iniciaram o ensino de línguas mais cedo com apenas algumas horas de ensino por
semana. Uma a duas horas por seana por sete ou oito anos não garantem o acesso a segunda
língua de forma eficiente.
f) A maioria dos erros que os alunos de segunda língua fazem advém da interferencia da sua primeira
língua. Os padrões de transferência de uma língua para outra representam apenas uma das razões
que justificam os erros produzidos pelos alunos de segunda língua. As generalizações de regras na
segunda língua também podem ocorrer.
g) Os professores deveriam apresentar as regras gramaticais da nova língua uma de cada vez e os
alunos deveriam praticar exemplos de cada regra antes de seguirem para a próxima. O ensino de
línguas não pode ser simplificado a uma didátiva linear de ensino. Por exemplo, os alunos podem
estar aprendendo a usar o espaço de sinalização com a introdução de referentes presentes e
conjugar verbo em sinais e acabar estendendo a classe de verbos com concordância, incluindo
aqueles que não são de concordância. Língua na verdade integra regras em um sistema e que não
pode ser ensinada uma a uma. O sistema é complexo.
h) Os professores deveriam ensinar formas mais simples para depois ensinar formas mais complexas.
As pesquisas tem evidenciado que não interessa muito como a língua é apresentada aos alunos,
pois sempres haverá algumas estruturas que os alunos vão aprender antes de outras (eles precisam
estar expostos à língua em formas reais de interação). Além disso, não há dúvida de que os alunos
de segunda língua são beneficiados do contato com pessoas nativas e bilíngues nativos da língua
que estão aprendendo, pois eles sabem ajustar naturalmente a sua fala ao nível do aluno de
segunda língua ( de certa forma, é um tipo de “manhês”, mas na língua estrangeira, produzido
pelos falantes nativos que se esforçam em serem compreendidos pelos alunos da língua
estrangeira). Os professores, assim como os pais, parecem desenvolver uma habilidade em
aumentar a complexidade da língua, a medida em que o aluno desenvolve sua habilidade na língua.
Os professores precisam sim estarem atentos às formas linguísticas usadas, pois estas são sempre
oportunidades dos alunos a receberem como input.
i) Os erros dos alunos poderiam ser corrigidos assim que são produzidos para serem evitados pelo
aluno e para não se tornarem parte de sua produção. Os erros fazem parte das produções dos
LETRAS LIBRAS|85
alunos de segunda língua. Eles revelam padrões da interlingua dos alunos que está em
desenvolvimento. Podem revelar também influência da primeira língua, bem como, regras que
estejam sendo aplicados nas suas produções. A correção excessiva pode ter um efeito negativo no
processo de aprendizagem da segunda língua tornando-se fator de desmotivação para o aluno.
Assim, a correção deve ser feita pontualmente e quando for objetivo do processo de ensino de
línguas.
j) Os professores deveriam usar materiaisl para expor os alunos exclusivamente às estruturas que
estarão sendo ensinadas durante as aulas. Os alunos precisam lidar como os materiais preparados
para o ensino e verdadeiros textos da língua que está sendo ensinada. Normalmente, os
verdadeiros textos não vão conter apenas o que é alvo do ensino. Portanto, o professor deve
ensinar seus alunos a buscar compreender os textos lidos por eles. Quando apropriado, o professor
pode produzir materiais específicos com o fim de ensinar algum aspecto específico da língua, mas
sempre será pertinente apresentar também textos reais que possam incluir os aspectos
trabalhados, além dos aspectos que sempre estarão presentes nos textos de forma independente
dos objetivos de ensino.
k) Quando os alunos estão interagindo livremente com outros colegas, eles estão aprendendo os erros
dos colegas. Já há evidências de que é bom realizar trabalhos em grupo para praticar a fala e
participar de conversas. Esse tipo de atividade é mais eficiente do que o trabalho centrado no
professor. Os grupos de trabalho combinam habilidades individuais e habilidades interativas com
papel importante no desenvolvimento de habilidades comunicativas. Portanto, é muito importante
interagir com os colegas, mesmo que eles produzam alguns erros.
l) Os alunos aprendem o que a eles é ensinado. Os alunos de segunda língua podem aprender a língua
a qual estão expostos, mas eles provavelmente não aprendem tudo o que é ensinado ou aprendem
somente o que lhes é ensinado.
Quando os professores sabem mais sobre a aquisição/aprendizagem da segunda língua,
eles passam a contar com informações que podem ajudá-los a pensar sobre sua experiência de
ensinar línguas. O ensino de línguas pode sofrer efeitos de vários fatores. Entre eles, há fatores de
ordem pessoal que afetam a forma de aprender do aluno, as estruturas das diferentes línguas
presentes no ensino de segunda língua, as oportunidades de interagir na nova língua e o acesso à
correção e ensino focado na forma. O melhor entendimento sobre estes aspectos pode permitir
ao professor e aos alunos tornar o ensino aprendizagem de segunda língua mais eficiente.
LETRAS LIBRAS|86
2.6 Fatores individuais dos alunos de segunda língua
Há vários fatores individuais que podem afetar o ensino aprendizagem da segunda língua.
Entre eles, vamos estudar a motivação, as aptidões dos alunos, as estratégias de aprendizagem e a
idade partindo de Cook (1991).
MOTIVAÇÃO
a) Motivação integrativa: aprender uma língua faz parte da cultura de sua comunidade. A motivação
integrativa reflete se o aluno se identifica ou não com a cultura e as pessoas de alguma forma.
b) Motivação instrumental: aprender uma língua faz parte dos planos profissionais ou práticos do
aluno. A motivação instrumental reflete se o aluno está aprendendo a língua por alguma razão
especial ou por razões independentes que o motive a usar a língua.
A motivação integrativa pode ser associada à motivação instrumental. Por outro lado, alunos que
não tem nem uma ou nem outra motivação, normalmente, apresentam dificuldades em aprender a
nova língua. Eles podem ter aulas de línguas porque os pais querem que ele aprenda a nova língua.
Os professores precisam lidar com este tipo de contexto e procure despertar a motivação nos
alunos para facilitar o ensino de línguas.
c) Bilinguismo aditivo: o aluno de L2 combina as capacidades de aprendizagem. Os alunos que tem
esta característica sentem que estão aprendendo alguma coisa que passa a integrar novas
habilidades e experiências trazidas pela nova língua, sem perder nada do que já sabe.
d) Bilinguismo subtrativo: o aluno de L2 perde habilidades de uma língua em favor da outra língua.
Nessa perspectiva, o aluno parece perder habilidades na sua língua ao aprendê-las na outra língua.
Importante mencionar que os alunos de segunda língua, que apresentam sucesso ao aprender a
nova língua, são bilíngues aditivos.
Há algumas implicações no ensino que são determinadas pelas motivações dos alunos para
aprender uma nova língua. Por exemplo, é importante que o professor reconheça a variedade e
natureza das motivações dos alunos. O professor precisa, então, trabalhar com materiais que vão
ao encontro da motivação dos alunos.
LETRAS LIBRAS|87
APTIDÕES
As aptidões dos alunos estão relacionadas com a habilidade em aprender a segunda língua
no contexto acadêmico. Há alunos que tem uma memória muito boa, eles conseguem guardar
informações que facilitam a aprendizagem dos aspectos gramaticais da nova língua. Há alunos que
são mais analíticos e isso também favorece a aprendizagem de aspectos gramaticais, mais do que
os alunos de boa memória. Por outro lado, há alunos que são essencialmente comunicativos.
Diante desses diferentes casos, os professores precisam adequar as formas de ensino para
aproveitar estas aptidões. Agrupar os alunos de acordo com suas habilidades pode favorecer o uso
de estratégias de ensino que permitam explorar estas aptidões para o desenvolvimento mais
eficaz da segunda língua.
ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM
Os alunos escolhem diferentes estratégias para aprender a nova língua. Algumas dessas
estratégias favorecem realmente a aprendizagem. Os professores precisam identifica-las para
explorá-las no ensino da segunda língua. Algumas estratégias consideradas eficientes são as
seguintes:
a) encontrar o estilo de aprendizagem que combina com o aluno (bons alunos de segunda língua
estão conscientes quanto a forma de aprender que combina consigo)
b) envolver o próprio aluno no processo de ensino da língua (o aluno não pode estar passivo no
processo, mas ativo e disposto a aceitar formas que o levem a se envolver pela língua)
c) desenvolver consciência sobre a língua tanto quanto no nível da forma, quanto no nível
comunicacional (a consciência não somente de que a língua envolve um sistema complexo de
regras, mas também de suas funções no uso)
d) prestar atenção na expansão do conhecimento sobre a língua (tanto no nível da língua como do seu
conteúdo)
e) desenvolver a L2 como um sistema separado da primeira língua (procurar usar a L2 sem misturar
com a L1)
f) estar consciente das demandas implicadas na aprendizagem da L2 (o aluno de L2 deve se dar conta
de que aprender uma nova língua exige empenho de sua parte).
LETRAS LIBRAS|88
Os professores de línguas devem oportunizar aos alunos o desenvolvimento de estratégias
de aprendizagem. Devem propiciar que o aluno desenvolva autonomia no seu processo de ensino
aprendizagem para que criem independência nas formas de aprender. Os professores devem
incentivar os alunos a tornarem-se conscientes de suas estratégias de aprendizagem para adotá-
las de forma mais controlado para potencializar o seu ensino e aprendizagem da segunda língua.
IDADE
A idade é um dos fatores que pode influenciar a aprendizagem de uma língua. Há pesquisas
que evidenciam que as crianças parecem estar mais predispostas a aprenderem línguas. Por outro
lado, algumas pesquisas mostram que os fatores individuais podem ter um papel determinante no
processo de aprendizagem de línguas. De qualquer forma, nesta seção vamos discutir sobre a
hipótese de período crítico e sobre o ensino por imersão.
a) A hipótese do período crítico
Há pesquisas que apresentam evidências da existência de um período crítica para a aquisição da
linguagem que podem também afetar a aprendizagem de segunda língua. Este período estaria
compreendido entre dois anos de idade e a puberdade, por volta dos 9 a 12 anos de idade
(Lenneberg, 1967).Esse período é chamado de crítico porque seria aquele mais sensível à aquisição
da linguagem. O autor analisa biologicamente este período concluindo que o cérebro humano
inicialmente tem representação bilateral das funções da linguagem e, mediante o processo de
aquisição, na puberdade apenas um hemisfério se torna mais dominante em relação às funções da
linguagem completando o período de aquisição da linguagem. Caso a criança não adquira
linguagem nesse período, seu desenvolvimento lingüístico será prejudicado.Nesse sentido, o
período crítico pode ser entendido como o “pico” do processo de aquisição da linguagem. Isso não
significa que não possa haver aquisição em outros períodos da vida. As evidências para a existência
desse período vêm de crianças que, por alguma razão, foram privadas de acesso à linguagem
durante esse período evidenciando dificuldades (e impossibilidade) de aquisição da linguagem,
especialmente, da sintaxe (em nível de estrutura).
Na aquisição das línguas de sinais, vários estudos têm se debruçado na ‘aquisição
tardia’. Isso acontece porque há uma incidência significativa de crianças surdas com pais
LETRAS LIBRAS|89
ouvintes que não adquirem a língua de sinais no período comum de aquisição da
linguagem.
Singleton e Newport (2004) verificaram que crianças surdas expostas à língua de
sinais americana depois dos 12 anos, comparadas àquelas expostas desde a mais tenra
idade, apresentaram dificuldades em relação a alguns tipos de construção. Meier (2002)
menciona que a aquisição da concordância verbal, bem como, a de outros aspectos da
morfologia está sujeita ao período crítico. Dados de aquisição de segunda língua também
indicam que as crianças expostas à língua estrangeira atingem melhor competência do que
pessoas que adquirem línguas após o período crítico. Quadros, Cruz e Pizzio (2007)
também observaram alguns atrasos no desenvolvimento da linguagem de surdos com
aquisição tardia.
Estudar crianças que não têm input ou que têm input mínimo é difícil, devido à
inexistência destes casos. No caso específico da criança surda, infelizmente, estes casos
podem ainda ser encontrados. Na ausência do input, espera-se que a criança não ative sua
capacidade para a linguagem. Por outro lado, mesmo diante de um input pobre, em função
da existência dessa capacidade, a criança pode ativar a linguagem de forma adequada.
Os casos mais extremos de estudos realizados envolvem crianças que foram
privadas de qualquer forma de input durante todo o período de aquisição. Nesses casos, as
crianças também apresentam problemas de ordem cognitiva, perceptuais e privação social.
Os casos de crianças selvagens foram muito bem documentados (por exemplo, Itard, 1932;
Lane, 1979), crianças que cresceram sem contato humano têm evidenciado que a privação
completa de input durante os primeiros anos de vida deixa seqüelas sérias no
desenvolvimento da linguagem. Vejam que estes casos são de privação total do contato
com outros seres humanos.
Talvez os casos mais extremos de privação lingüística sem privação social envolvem
os estudos de surdos sem input convencional. Os pais das crianças surdas tendem a educar
seus filhos utilizando uma linguagem oral proibindo o uso da língua de sinais. Goldin-
Meadow (2003) tem estudado profundamente as crianças surdas com pais ouvintes nestes
contextos. Por uma opção dos pais, estas crianças não são expostas a língua de sinais. Os
níveis de perda auditiva destas crianças não possibilitam um bom desempenho no
processo de aquisição da língua oral, mesmo com todo o treinamento. Embora pareça que
LETRAS LIBRAS|90
estes contextos privam a criança de relações sociais, essas crianças crescem com todo o
suporte das famílias obtendo um suporte social ajustado. O que é interessante é que estas
crianças desenvolvem um sistema gestual individual enquanto sistema de comunicação
(conhecido como “sinais caseiros”) para utilizar com sua família. Goldin-Meadow observou
que estes sistemas apresentam regularidades estruturais características das primeiras
produções gestuais observadas nas crianças em geral: uso de um gesto de forma
consistente (palavra), o uso de estruturas recursivas (uso de estruturas subordinadas ou de
sentenças coordenadas), e uma morfologia interna dos gestos. Embora não seja um
sistema lingüístico completo, os sistemas de sinais caseiros apresentam propriedades
essenciais das línguas humanas. Esta pesquisa sugere que na ausência de um input
lingüístico convencional as crianças desenvolvem um sistema do tipo lingüístico. No
entanto, o fato de sistemas de sinais caseiros não serem estruturalmente complexos como
as línguas de sinais indica que o ambiente apresenta um papel significativo no
desenvolvimento de certas propriedades lingüísticas.
Quadros, Cruz e Pizzio (2007) realizaram um estudo experimental para avaliar o
desenvolvimento de crianças/adolescentes surdos diante de diferentes idades de acesso à
língua de sinais (input); analisar o desenvolvimento da linguagem nessas crianças surdas,
considerando os contextos de aquisição da língua de sinais; e verificar se os resultados
desta pesquisa sustentam a hipótese do “input empobrecido” e a hipótese do “período
crítico/sensível”.
Assim como nos estudos desenvolvidos por Singleton e Newport, o fato das
crianças/adolescentes surdos estarem diante de input empobrecido/confuso/inadequado;
e dessas crianças/adolescentes surdos adquirirem a língua de sinais tardiamente, não
tendo acesso a nenhuma outra língua no período inicial de aquisição da linguagem, tornam
este estudo muito interessante para análise do impacto do input, bem como do período
crítico para o desenvolvimento da linguagem.
Quadros, Cruz e Pizzio (2007), apresentaram resultados interessantes em relação à
aprendizagem tardia de L1 em língua de sinais. Em sua pesquisa, as autoras verificaram que
não só a idade de aprendizagem da língua de sinais como L1 interfere no desempenho de
compreensão e produção dos indivíduos surdos, mas também o tempo de exposição à
língua de sinais é determinante para um bom/mau desempenho da L1.
LETRAS LIBRAS|91
No caso específico de L2, os estudos mostram que as crianças podem ter mais
facilidade de desenvolver uma segunda língua, especialmente no que concerne a fonologia
e prosódia na L2. No entanto, adultos determinados a aprender uma segunda língua
podem ser muito bem sucessidos na empreitada, embora as questões fonológicas possam
não ser resolvidas nem com o tempo de exposição à segunda língua. Os estudiosos de
segunda língua preferem usar o termo “período sensível” para a aquisição de segunda
língua, pois há uma variação muito grande entre os alunos de L2 quanto ao sucesso na
aquisição/aprendizagem de uma segunda língua.
b) Ensino por imersão
O ensino por imersão envolve um currículo de ensino de L2 de imersão, ou seja, em que os alunos
entram em um mundo na outra língua. O ensino por imersão surge a partir da idéia de que,
normalmente, as crianças adquirem uma segunda língua quando estão imersam no ambiente
linguístico na outra língua. Elas são filhas de pais brasileiros que vão morar nos Estados Unidos, por
exemplo. Nesse contexto, a pessoa acaba adquirindo a língua por osmose, muito mais próximo do
que acontece na aquisição da linguagem. Há várias pesquisas que apontam que este currículo
apresenta várias vantagens. Se as crianças e adultos são comprados em ambientes similares de
aquisição, ou seja, em programas de imersão, não necessariamente a criança apresenta vantagens
em relação ao adulto. Na verdade, os resultados apontam que em contextos de sala de aula com
programas de imersão, os adultos são melhores do que as crianças. Isso coloca em questão o fator
‘idade’ apresentado pela hipótese do período crítico. De qualquer forma, o desempenho na
pronúncia sempre é melhor em crianças quando comparadas com adultos.
2.7 Diferenças entre L1 e L2
Segundo Richard-Amato (1996), há similaridades e diferenças entre L1 e L2 que precisam
ser consideradas. Por exemplo, na sala de aula precisamos pensar em um ambiente linguístico
apropriado para a aquisição de uma língua. As crianças adquirem sua L1 em ambientes linguísticos
ricos, com a presença de pessoas que usam a língua que está adquirindo. Da mesma forma, a sala
de aula deve se tornar um ambiente linguístico rico na língua que é alvo da aprendizagem.
Condiserando as teorias de aquisição da linguagem, tanto na L1 como na L2 estamos
pressupondo a existência de conhecimentos específicos da linguagem que constituem os seres
LETRAS LIBRAS|92
humanos. Asssim, tanto o bebê adquirindo sua L1, como o aluno de L2 possuem este conhecimento.
Por outro lado, o bebê não tem nenhuma língua quando começa a adquirir linguagem, enquanto o
aluno de L2 já parte do conhecimento pré-existente constituído com a sua aquisição da L1. Aí,
portanto, temos uma diferença clara entre a aquisição de L1 e a aprendizagem da L2.
As pesquisas também identificaram que algumas estratégias usadas pelos alunos de L2
aparecem no processo de aquisição da L1. Por exemplo, os alunos de L2 supergeneralizam regras
aplicando regras já constituídas na L1 ou aprendidas na L2. Esse processo de supergeneralização é
comum entre crianças adquirindoa sua L1 e alunos de L2. Por outro lado, os alunos de L2
transferem regras ou outros conhecimentos adquiridos na L1 para a L2 gerando a interlíngua.
Tanto a supergeneralização como a transferência são estratégias usadas pelo falante/sinalizante
para simplificar o sistema linguístico. Esse processo caracteriza-se como um processo
eminentemente linguístico em que os princípios de economia são aplicados por meio da aplicação
de sistemas linguísticos já incorporados. O aluno de L2, assim como a criança adquirindo a L1,
procura regulariza, fazer analogias e simplificar o sistema linguístico com o objetivo de comunicar.
Tanto as crianças adquirindo sua L1, como os alunos de L2 desenvolvem as línguas em
estágios de aquisição que são esperados seguindo uma ordenação comum. Em geral, aspectos
específicos de uma língua ou de outra são adquiridos em uma certa ordem tanto na L1 quanto na
L2. Por exemplo, os elementos funcionais aparecem de forma mais consistente depois dos
elementos de conteúdo.
A fala dirigida a criança que está adquirindo sua L1 é específica, assim como a fala dirigida
aos alunos de L2. Há uma produção mais simplificada, com sentenças mais curtas, recorrência de
vocabulários, correção indireta, uso de gestos e foco no conteúdo, tanto na produção dirigida à
criança, como ao aluno de segunda língua.
Uma diferença importante é a idade, pois normalmente alunos de segunda língua são mais
velhos do que as crianças que estão adquirindo sua primeira língua. Nesse sentido, os alunos de L2
apresentam algumas vantagens, pois já conhecem mais sobre o mundo e já estão desenvolvidos
cognitivamente. Além disso, eles apresentam mais controle sobre o input que recebem e são ágeis
em aprender e aplicar as regras que pode facilitar a sua aprendizagem. Os alunos de segunda
língua tem uma primeira língua e poder transferir estratégias já aplicadas à sua experiência
linguística prévia. Eles também tem mais flexibilidade cutlural ampliando o acesso às informações
e às diferentes formas discursivas respectivas às línguas que conhece.
LETRAS LIBRAS|93
Por outro lado, o fato de serem mais velhos pode representar uma desvantagem, pois os
alunos de L2 já possuem autocrítica e podem ficar mais intimidados a usarem a nova língua, pois
usar a nova língua envolve expor-se diante dos demais e isso pode levar o aluno a não se arriscar a
usar a nova língua. Há algumas pesquisas que falam sobre o período do silêncio na aquisição de
L2. Isso normalmente acontece com os alunos que ficam mais intimidados a produzirem na nova
língua.
Os alunos de L2 apresentam um sistema chamado de “interlíngua”. Esse sistema é o que é
produzido pelo aluno, mas que já não é mais a L1 e, tão pouco a L2. A interlíngua apresenta alguns
elementos da L1 e da L2, além de elementos próprios que não são encontrados em nenhuma das
duas línguas. Parece ser um estado intermediário progressivo pelo qual o aluno de L2 passa
inclunido aspectos da fonologia, da sintaxe, da semântica e da pragmática da segunda língua. Esse
estágio avança na direção da competência nativa da língua, no entanto, parece não ser linear. Os
alunos de L2 avançam e retrocedem na composição dos diferentes elementos da língua alvo. No
entanto, parece que há momentos em que o aluno de segunda língua atinge um platô no processo,
apresentando formas mais estáveis, podendo representar a “fossilização” de algumas formas.
Frequentemente isso acontece em falantes/sinalizantes de L2 apresentando formas fossilizadas que
não implicam em problemas de comunicação, mas podem ser formas agramaticais produzidas
naturalmente. Quando há fossilização, parece ser muito difícil remediar a situação. No entanto, há
evidências de que a instrução e a conscientização sobre o uso destas formas pode servir como
monitoramento para revê-la e aprender a forma gramatical que a substitui de forma apropriada.
3 O ensino de língua de sinais como L1
Quando pensamos no ensino de língua materna, a idéia mais popular está relacionada ao
“letramento”. No entanto, o objetivo desta unidade ao abordar o ensino da língua materna
envolve um conceito muito mais amplo deste termo, um processo de interação com a língua e
com o meio envolvendo o ensino da Libras, enquanto primeira língua, L1.
Quando usamos o artigo definido “a língua” e “o meio”, estamos nos referindo à língua e
ao meio que a criança surda interage de forma natural e espontânea, ou seja, a Libras, sua L1, sua
língua materna, e pessoas que saibam esta língua.
LETRAS LIBRAS|94
Não vamos discutir aqui as formas distorcidas de comunicação em que crianças surdas
estão expostas; tais como, português sinalizado e quaisquer outro tipo de comunicação que não
envolva uma verdadeira língua. A razão desse encaminhamento reflete a postura diante da Libras,
“a” língua em que a comunidade surda expressa suas idéias, pensamentos, poesias e arte. “A”
língua que é usada como meio e fim de interação social, cultural e científica. Os falantes nativos
desta língua conversam, planejam, sonham, brigam, contam estórias explorando meios
riquíssimos e complexos que são próprios de uma língua de sinais, no caso do Brasil, da Libras.
O ensino de L1 deve ser entendido enquanto processo; portanto, só faz sentido se
acontece na Libras, a língua que deve ser usada na escola para aquisição da língua, para aprender
através dessa língua e para aprender sobre a língua. A primeira questão que surge é a seguinte:
Qual é o nível de proficiência na própria língua das crianças surdas em fase escolar?
Então discutamos sobre o desenvolvimento da Libras nas crianças pré-escolares. Não
existe ainda produção científica suficiente sobre o processo de aquisição da Libras, bem como não
dispomos de muitos intrumentos que avaliem o estágio em que a criança se encontra na sua
produção em sinais (ver Quadros e Cruz, 2011 para avaliar a compreensão e a produção em
crianças surdas na Libras).
Por volta dos 2 anos de idade, as crianças estão produzindo sinais usando um número
restrito de configurações de mão (sugere-se que tal número corresponda a sete configurações de
mão), bem como simples combinações de sinais expressando fatos relacionados com o interesse
imediato, com o “aqui” e o “agora”. As crianças nesta fase começam a marcar sentenças
interrogativas com expressões faciais concomitante com o uso de itens lexicais para expressar
questões (QUEM, O QUE e ONDE). Neste período também é verificado o início do uso da negação
não manual através do movimento da cabeça para negar, bem como o uso de marcação não
manual para confirmar expressões comuns na produção do adulto. Também é observado que as
crianças começam a introduzir classificadores nos seus vocabulários.
Por volta dos 3 anos de idade, as crianças tentam usar configurações mais complexas para
produção de sinais, mas frequentemente tais tentativas acabam sendo expressas através de
configurações de mãos mais simples (processos de substituição). Os movimentos característicos
dos sinais continuam sendo simplificados, embora já se observe o uso da direção com êxito em
alguns contextos. Classificadores são usados para expressar formas de objetos, bem como o
movimento e trajetórias percorridos por tais objetos. Aspecto começa a ser incorporado aos sinais
LETRAS LIBRAS|95
para expressar diferenças entre ações (por exemplo, CORRER devagar, CORRER rápido). A criança
começa a extender as marcas de negação sobre sentenças assim como os adultos fazem, inclusive
omitindo o item lexical de negação. As crianças incorporam as questões de razão (POR QUE).
Neste período, as crianças começam a contar estórias que não necessariamente estejam
relacionadas aos fatos do contexto imediato. Elas falam de algum fato ocorrido em casa, sobre o
bichinho de estimação, sobre o brinquedo que ganhou etc. No entanto, as vezes não fica claro o
estabelecimento dos referentes no espaço, o que dificulta o entendimento das estórias.
Por volta dos 4 anos de idade, as crianças já têm condições de produzir configurações de
mãos bem mais complexas, bem como uso do espaço para expressar relações entre os
argumentos, ou seja, as crianças exploram os movimentos incorporados aos sinais de forma
estruturada. A partir deste período, as crianças começam a combinar unidades de significado
menores às palavras com consistência. Neste período começam a ser observadas a produção de
sentenças mais complexas incluindo topicalizações. As expressões faciais são usadas de acordo
com a estrutura produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas, das topicalizações
e negações são produzidas corretamente. As crianças ainda não conseguem conservar os pontos
estabelecidos no espaço quando contam suas estórias, apesar de já se observar tentativas com
sucesso. Aos poucos, se torna mais claro o uso da direção dos olhos para concordância com os
argumentos, bem como o jogo de papéis desempenhado através da posição do corpo explorados
para o relato de estórias. Na verdade, em nossas análises da produção das crianças adquirindo ASL
e Libras observamos que a direção dos olhos é usada constantemente por volta dos 2 anos de
idade. O uso da concordância verbal através do olhar é uma das informações que garante a
compreensão do discurso da criança durante este período tão precoce8.
Considerando essa evolução, o ensino da L1 se inicia naturalmente. Duas chaves preciosas
desse processo são o relato de estórias e a produção de literatura infantil em sinais9. O relato de
estórias inclui produção espontânea das crianças e do professor, bem como produção de estórias
existentes; portanto, de literatura infantil.
8 Lillo-Martin, Mathur e Quadros (1999) verificaram que crianças surdas adquirindo língua de sinais manifestam o uso de
concordância verbal muito mais cedo do que havia sido reportado até o presente. 9 Partimos do pressuposto que as crianças estejam tendo acesso a língua de sinais brasileira e, em hipótese nenhuma a qualquer
coisa que “tente” estabelecer relação de comunicação sem estrutura lingüística (neste sentido nos reportamos a sistemas de
comunicação artificiais, português sinalizado, ou qualquer outra coisa que não seja língua).
LETRAS LIBRAS|96
A comunidade surda tem como característica a produção de estórias espontâneas, bem
como de contos e piadas que passam de geração em geração relatadas por contadores de estórias
em encontros informais, normalmente em associações de surdos. Infelizmente, nunca houve
preocupação de registrar tais contos. Pensando em alfabetização, tal material é fundamental para
esse processo se estabelecer. A produção de contadores de estórias naturais, de estórias
espontâneas e de contos que passam de geração em geração são exemplos de literatura em sinais
que precisam fazer parte do processo de alfabetização de crianças surdas. A produção em sinais
artística não obteve a atenção merecida nas escolas de surdos, uma vez que a própria língua de
sinais não é a língua usada nas salas de aula pelos professores. Desta forma, estamos
reproduzindo iletrados em sinais. A Libras é “a” língua e merece receber o tratamento de ser “a”
língua. Sendo assim, recuperar a produção literária da comunidade surda é um aspecto urgente
para tornar eficaz o processo de alfabetização. Literatura em sinais é essencial para tal processo.
Os bancos escolares devem se preocupar com tal produção, bem como incentivar seu
desenvolvimento e registro. O que os alunos produzem hoje espontaneamente, pode se
transformar em fonte de inspiração literária dos alunos de amanhã. O que os professores relatam
hoje, podem ser aperfeiçoado no dia de amanhã.
A Libras é uma língua espacial-visual e existem muitas formas criativas de explorá-la.
Configurações de mão, movimentos, expressões faciais gramaticais, localizações, movimentos do
corpo, espaço de sinalização, classificadores são alguns dos recursos discursivos que tal língua
oferece para serem explorados durante o desenvolvimento da criança surda e que devem ser
explorados para um processo de alfabetização com êxito.
Algumas investigações realizadas em escolas bilíngües americanas têm evidenciado a
importância de explorar tais aspectos observando o nível de desenvolvimento da criança. Os
relatos de estórias e a produção literária, bem como a interação espontânea da criança com
outras crianças e adultos através da Libras devem incluir os aspectos que fazem parte desse
sistema lingüístico. A seguir, listamos alguns dos aspectos que precisam ser explorados no
processo educacional:
estabelecimento do olhar
exploração das configurações de mãos
LETRAS LIBRAS|97
exploração dos movimentos dos sinais (movimentos internos e externos, ou seja, movimentos do próprio
sinal e movimentos de relações gramaticais no espaço)
utilização de sinais com uma mão, duas mãos com movimentos simétricos, duas mãos com movimentos
não simétricos, duas mãos com diferentes configurações de mãos
uso de expressões não manuais gramaticalizadas (interrogativas, topicalização, focus e negação)
exploração das diferentes funções do apontar
utilização de classificadores com configurações de mãos apropriadas (incluem todas as relações descritivas
e preposicionais establecidas através de classificadores, bem como, as formas de objetos, pessoas e ações
e relações entre eles, tais como, ao lado de, em cima de, contra, em baixo de, em, dentro de, fora de, atras
de, em frente de, etc.)
exploração das mudanças de perspectivas na produção de sinais
exploração do alfabeto manual
estabelecimento de relações temporais através de marcação de tempo e de advérbios temporais (futuro,
passado, no presente, ontem, semana passada, mês passado, ano passado, antes, hoje, agora, depois,
amanhã, na semana que vem, no próximo mês, etc.)
exploração da orientação da mão
especificação do tipo de ação, duração, intensidade e repetição (adjetivação, aspecto e marcação de
plural)
jogos de perguntas e respostas observando o uso dos itens lexicais e expressões não manuais
correspondentes
utilização de “feedback” (sinais manuais e não-manuais específicos de confirmação e negação, tais como, o
sinal CERTO-CERTO, o sinal NÃO, os movimentos de cabeça afirmando ou negando)
exploração de relações gramaticais mais complexas (relações de comparação, tais como, isto e aquilo, isto
ou aquilo, este melhor do que este, aquele melhor do que este, este igual àquele, este com aquele;
relações de condição, tais como, se isto então aquilo; relações de simultaneadade, por exemplo, enquanto
isto acontece, aquilo está acontecendo; relações de subordinação, como por exemplo, o fulano pensa que
esta fazendo tal coisa; aquele que tem isso, está fazendo aquilo)
estabelecimento de referentes presentes e não presentes no discurso, bem como, o uso de pronominais
para retomada de tais referentes de forma consistente
exploração da produção artística em sinais usando todos os recursos sintáticos, morfológicos, fonológicos
e semânticos próprios da Libras (tais recursos incluem, por exemplo os aspectos mencionados até então).
LETRAS LIBRAS|98
A proposta é de tornar rica e lúdica a exploração de tais aspectos da Libras que tornam tal
língua um sistema lingüístico complexo. As crianças precisam dominar tais relações para explorar
toda a capacidade criativa que pode ser expressa através de uma língua e tornar possível o
amadurecimento da capacidade lógica cognitiva. Através da língua, as crianças discutem e pensam
sobre o mundo. Elas estabelecem relações e organizam o pensamento. As estórias e a literatura
são meios de explorar tais aspectos e tornar acessível à criança todos os recursos possíveis de
serem explorados.
As relações cognitivas que são fundamentais para o desenvolvimento escolar estão
diretamente relacionadas à capacidade da criança em organizar suas idéias e pensamentos através
de uma língua na interação com os demais colegas e adultos. O processo de alfabetização vai
sendo delineado com base neste processo de descoberta da própria língua e de relações
expressadas através da língua.
A riqueza de informação se torna fundamental. A interação passa a apresentar qualidade e
quantidade que tornam o processo educacional rico e complexo. A alfabetização passa, então, a
ter valor real para a criança.
Algumas formas de produção artísticas em Libras que podem ser incentivadas para a
utilização de todos os recursos são:
produção de estórias utilizando configurações de mãos especificadas, por exemplo, as configurações de
mãos mais comuns utilizadas na língua; as configurações de mãos do alfabeto; as configurações de mãos
dos números
produção de estórias na primeira pessoa
produção de estórias sobre pessoas surdas
produção de estórias sobre pessoas ouvintes
O ensino de L1 continua através do registro das produções das crianças. Surge, então,
outra questão: quais são as formas de registro? As formas de registros iniciais são essencialmente
visuais e precisam refletir a complexidade da Libras. Explorar a produção de vídeos de produções
literárias de adultos, bem como das próprias produções das crianças, é uma das formas mais
tranqüilas de garantir um registro da produção em sinais com qualidade. A filmagem de adultos
produzindo estórias, bem como dos próprios alunos são instrumentos valiosos no processo de
reflexão sobre a língua, além é claro de serem intrumentos que as crianças curtem. No entanto,
LETRAS LIBRAS|99
uma forma escrita da língua de sinais torna-se emergente para a continuidade do processo de
alfabetização. O sistema escrito de sinais expressa as configurações de mãos, os movimentos, as
direções, a orientação das mãos, as expressões faciais associados ao sinais, bem como relações
gramaticais que são impossíveis de serem captados através de sistemas de escrita alfabéticos. Tal
sistema tende a sistematizar a língua de sinais, assim como qualquer outro sistema de escrita, o
que faz parte do processo.
O sistema escrito de sinais é uma porta que se abre no processo de alfabetização de
crianças surdas que dominam a língua de sinais utilizada no país. Este sistema envolve a
composição das unidades mínimas de significado da língua compondo estruturas em forma de
texto.
A seguir apresentamos um exemplo em que está registrado uma relação de significação
estabelecida utilizando vários recursos da língua de sinais brasileira10:
Nesta sentença, temos a marcação não manual, o establecimento do referente JOHN à
direita do sinalizador, o estabelecimento do referente MARY à esquerda do sinalizador, o uso de
um auxiliar que estabelece a relação gramatical entre MARY, o sujeito desta frase, com JOHN, o
objeto direto, enfatizada através da direção do corpo para o objeto direto e do olhar para o JOHN
e o verbo GOSTAR. Uma tradução aproximada para o português pode ser: O John, a Mary gosta.
Obviamente que este exemplo não é simples, minha intenção é enfatizar a complexidade da língua
e como tal complexidade é captada pelo sistema de escrita de sinais11.
A criança surda que está passando por um processo de alfabetização imersa nas relações
cognitivas estabelecidas através da língua de sinais para organização do pensamento,
10
Essa sentença faz parte dos dados analisados por Quadros (1999).
11 Mais informações sobre tal sistema de escrita podem ser obtidas através da homepage do Sign Writing www.signwriting.com ,
bem como em Quadros (1998).
LETRAS LIBRAS|100
naturalmente passa a registrar as relações de significação que estabelece com o mundo. Diante da
experiência com o sistema de escrita que se relaciona com a língua em uso, a criança passa a criar
hipóteses e a se alfabetizar. Experiência com o sistema de escrita significa ler esta escrita. Leitura
é uma das chaves do processo de alfabetização. Ler sinais é fundamental para que o processo se
constitua. Obviamente que este processo de leitura deve estar imerso em objectivos pedagógicos
claros no desenvolvimento das atividades. Eu menciono alguns dos objetivos a serem trabalhados
pelo professor (em sinais):
desenvolver o uso de estratégias específicas para resolução de problemas
exercitar o uso de jogos de inferência
trabalhar com associações
desenvolver as habilidades de discriminação visual
explorar a comunicação espontânea
ampliar constantemente vocabulário
oferecer constantemente literatura impressa na escrita em sinais
proporcionar atividades para envolver a criança no processo de alfabetização como autora do próprio
processo
Consideramos que a literatura impressa em sinais seja um dos pontos críticos do processo
de alfabetização, uma vez que a literatura está impressa em português e não dispomos de
literatura escrita em sinais. Mesmo as crianças que têm acesso a Libras precocemente apresentam
problemas no processo de alfabetização com as letras e palavras do português. A escrita alfabética
não capta as relações de significação da língua de sinais, tornando impossível o registro dos
pensamentos e significados da criança de forma completa. A criança estabelece relações com as
letras e palavras do português e, a partir daí, há uma interrupção do processo, pois tal sistema
escrito não consegue expressar a língua que a criança organiza o pensamento, a língua de sinais12.
Vamos explorar um pouco mais a questão da interação comunicativa antes de entrar mais
precisamente na relação que a criança establecede entre o mundo que ela significa e as formas de
registro. As oportunidades que as crianças têm de expressar suas idéias, pensamentos e hipóteses
12
Isso não significa que a criança não deva ser exposta à escrita alfabética do português. Na verdade, consideramos
importantíssimo a criança surda interagir com a escrita alfabética do português para o seu processo de alfabetização em português
acontecer de forma eficiênte. No entanto, para que tal processo ocorra, será fundamental que a criança seja alfabetizada na sua
própria língua, ponto que está sendo enfatizado aqui.
LETRAS LIBRAS|101
sobre suas experiências com o mundo são fundamentais para o processo de aquisição da leitura e
escrita. Pensando no contexto das crianças surdas, os professores devem ser experts na língua de
sinais, além, é claro, de terem habilidade de explorar a capacidade das crianças em relatar suas
experiências. Este é um dos métodos mais efetivos para o desenvolvimento da consciência sobre a
língua. Por exemplo, as crianças não precisam dizer que uma sentença com oração subordinada é
uma sentença complexa de tal ou tal tipo, mas elas precisam ter milhares de oportunidades de
usar tais sentenças, pois esse uso servirá de base para o reconhecimento da leitura e elaboração
da escrita com significado. São as oportunidades intensas de expressão que sustentam o
conhecimento gramatical da língua que dará suporte para o processo da escrita, em especial, da
alfabetização na segunda língua, o português, considerando o contexto escolar da criança surda.
Quando a criança já registra suas idéias, estórias e reflexões através de textos escritos,
suas produções servem de base para reflexão sobre as descobertas do mundo e da própria língua.
O professor precisa explorar ao máximo tais descobertas como instrumento de interações sociais
e culturais entre colegas, turmas e outras pessoas envolvidas com a criança. Tais produções
precisam apresentar significado soció-cultural das relações que as crianças estabelecem.
Manter uma videoteca é essencial, pois é um recurso de reflexão sobre a língua viva que pode ser
usado constantemente no processo de alfabetização como instrumento lúdico e didático.
Vamos explorar mais, a partir deste ponto, o processo mais consciente da aquisição da
leitura e escrita, isto é, a etapa mais meta-lingüística deste processo. Falar sobre a língua através
da própria língua passa a ter uma representação social e cultural para a criança que são elementos
importantes do processo educacional13. Portanto, vamos conversar sobre “aprender sobre a
Libras” usando e registrando as descobertas através desta língua.
Aprender sobre a língua é uma conseqüência natural do processo de alfabetização. Os
alunos passam a refletir sobre a língua, uma vez que textos podem expressar melhor ou pior a
mesma informação. Ler e escrever são processos complexos que envolvem uma série de tipos de
competências e experiências de vida que as crianças trazem. As competências gramatical e
comunicativa das crianças são elementos fundamentais para o desenvolvimento da leitura e
escrita. Ler e escrever são atividades que decorrem de experiências interativas reais que as
13
Não vamos abordar aqui de forma aprofundada a aquisição do português, mas registramos que o desenvolvimento mais
metalingüístico do processo de alfabetização em sinais servirá de base sólida para o processo de alfabetização da segunda língua,
neste caso, do português.
LETRAS LIBRAS|102
crianças experienciam. Proporcionar diferentes e criativas formas de interações sustentarão o
processo de aquisição do código escrito em forma de texto. Quando o leitor é capaz de
reconhecer os níveis de interações comunicativas reais, ele passa a ter habilidades de tranpor este
conhecimento para a escrita. O objetivo é falar sobre tais interações de forma consciente e este
exercício precisa acontecer em sinais. As crianças precisam internalizar os processos de interação
entre quem escreve e quem lê para atribuir o verdadeiro significado à escrita.
Falar sobre os processos de interações comunicativas e sobre a língua de sinais são formas
de desenvolver a conscientização do valor da língua e sua complexidade. Este exercício apresenta
valor inquestionável para a sustentaçãao do processo de aquisição da escrita em sinais, bem como
para o desenvolvimento da leitura e escrita do português como segunda língua.
Os textos produzidos pelos alunos em sinais e literatura geral em sinais são fontes
essencias para o desenvolvimento deste processo. Essas produções podem ser arquivadas através
de uma videoteca, pois tal recurso é fundamental para avaliação das produções de outras pessoas,
bem como das próprias produções. Esse processo de avaliação deve ser interacional, constante e
criativo.
Como os alunos expressam o reconhecimento do valor da própria língua no processo de
aprendizagem? A base da expressão dos alunos se constituem na medida em que eles passam a
ser autores do processo. Algumas sugestões são apresentadas a seguir:
apreciar a Libras enquanto língua espacial-visual através de produções artísticas
explorar o reconhecimento das funções da Libras
ampliar o vocabulário
participar da comunidade surda enquanto membro crítico e criativo
ajustar a produção de acordo com a audiência com o fim de comunicar efetivamente através da língua
desenvolver a habilidade de reconhecer as variações e dialetos da própria língua, bem como, a habilidade
de reconhecer padrões socias e culturais associados a tais variações
utilizar os estudos sobre a estrutura da língua, convenções socio-lingüísticas, linguagem figurativa e
técnicas de produção para criar, discutir e criticar em forma de texto escrito e não escrito
reconhecer as relações gramaticais complexas no texto escrito e falar sobre elas
As atividades propostas passam por um processo mais consciente de aprendizagem. Na
verdade, tais atividades já foram exploradas anteriormente no processo de alfabetização de forma
espontânea e voltam a ser exploradas de forma mais reflexiva. O ensino da língua de sinais é um
LETRAS LIBRAS|103
processo de reflexão sobre a própria a língua que sustenta a passagem do processo de leitura e
escrita elementar para um processo mais consciente. Quanto a criança lida de forma mais
consciente com a escrita, ela passa a ter poder sobre ela desenvolvendo; portanto, competência
crítica sobre o processo. A criança passa a construir e reconhecer o seu próprio processo, bem
como, refletir sobre o processo do outro.
Para concluir essa seção sobre o ensino de Libras como L1, listamos alguns problemas
emergentes na educação de surdos que contribuem para um processo de des-educação dos
alunos surdos:
inexistência de profissionais surdos atuando nas escolas
professores que desconhecem a Libras ou usam sistemas distorcidos de comunicação atuando no processo
educacional
desconhecimento da escrita da língua de sinais
inexistência de literatura em sinais registrada em vídeo e escrita em sinais
falta de planejamento, avaliação e reflexão constante do processo educacional com a participação efetiva
de profissionais surdos
necessidade de elaboração de um currículo educacional com base na Libras e em concepções sociais e
culturais da comunidade surda brasileira
necessidade de elaboração de um currículo para o ensino de Libras
Estamos diante do reconhecimento da língua de sinais, da escrita da língua de sinais, da
riqueza cultural que a comunidade surda traz com suas experiências sociais, culturais e científicas.
Este reconhecimento precisa envolver pelo menos três verbos: PARAR, PENSAR e AGIR. Fazer
diferente. Se não somos compententes na língua usada pela comunidade surda e desconhecemos
a riqueza cultural que pode ser produzida de forma Surda, precisamos buscar este conhecimento.
Temos muito a fazer sobre o ensino da língua de sinais para garantir o processo educacional das
crianças surdas.
4 O ensino de língua de sinais como L2
Com a inclusão de Libras nos currículos dos cursos de Pedagogia, Licenciaturas e
Fonoaudiologia, o ensino de Libras como L2 tem ocupado a maior parte dos professores de Libras
no Brasil. O ensino de Libras passa a ser pensado dentro do contexto do ensino de línguas
LETRAS LIBRAS|104
incluindo o ensino na segunda modalidade. A Libras é uma língua organizada gestual-espacial,
portanto, uma segunda modalidade para os alunos.
No contexto de ensino de L2, o ensino de Libras ocupa os espaços como segunda língua
(L2) e como segunda modalidade (M2). A maioria dos alunos de Libras são pessoas que não
tiveram contato com uma língua de sinais antes de iniciar as aulas de Libras. Esse contexto justifica
a necessidade de pensar em formas de ensino que desenvolvam a segunda modalidade, ou seja, a
aprendizagem de uma segunda língua que é visual-gestual-espacial.
Vimos que há vários estudos sobre segunda língua, mas não temos muitas produções
sobre segunda modalidade. Como será o “sotaque” modal dos alunos de L2/M2?
Interessantemente que os surdos comentam que a pessoa tem um jeito ouvinte de sinalizar.
Talvez isso seja uma indicação de alunos que estejam adquirindo uma língua M2. Chen-Pichler
(2009) apresenta um estudo sobre os sinalizantes L2 M2. A autora contextualiza os poucos
estudos realizados com alunos nestes contextos observando alguns fatores comuns, tais como:
o não uso da marcadores não-manuais e de articulação bucal associada a produção em sinais
as escolhas lexicais não apropriadas
falta de fluência prosódica
falta de acuracidade no uso de movimentos, configurações de mão e locação
Alguns autores observaram erros no uso de movimentos e proximalização (Mirus et al.
2001). Os autores perceberam que os sinalizantes adultos fazem o mesmo tipo de erros
observados em crianças adquirindo a língua de sinais. Por exemplo, quando produzem um sinal
em que a articulação envolvida está nos dedos, eles o produzem com a articulação no pulso (a
articulação mais anterior na direção da última articulação que é a que envolve o ombro). Um
exemplo da Libras para ilustrar seria o sinal NAMORAR sendo produzido com a droba do punho,
ao invés do dedo médio. Isso acontece em bebês surdos adquirindo uma língua de sinais por
razões de imaturidade motora. No entanto, no caso dos adultos isso se dá, pois eles ainda não
desenvolveram este tipo de atividade motora linguística. Esses articuladores envolvem um
conjunto novo de articuladores usados para a comunicação por meio de um sistem linguístico
motor.
Esse estudo também comparou surdos com ouvintes adquirindo uma segunda língua na
modalidade visual-gestual-espacial. Mirus et al. observou que os surdos sinalizantes de uma língua
LETRAS LIBRAS|105
de sinais adquirindo outra língua de sinais (portanto L2/M1) proximalizam muito menos do que os
ouvintes adquirindo uma segunda língua de sinais M2.
Portanto, esses estudos evidenciaram que bebês adquirindo uma língua de sinais L1 e os
adultos adquirindo uma língua de sinais L1/M2 tendem a proximalizar os articuladores envolvidos
na produção dos sinais. Adultos surdos quando adquirem uma segunda língua de sinais (M1),
tendem a proximalizar muito menos que os adultos ouvintes L2/M2. O ensino de L2/M2, portanto,
deve incluir estratégias de conscientização dos articuladores que fazem parte da produção dos
alunos. A proximalização dá a idéia de que os sinais estão sendo produzidos de forma “agressiva”
ou “gritada”. Assim, ensinar os alunos sobre isso, vai ajuda-los a perceber esses elementos que
fazem parte das línguas de sinais e que acabam marcando o “sotaque” do aluno de L2/M2.
Outro estudo busca explicar as razões que levam os alunos de L2/M2 a produzirem erros
em sinais. Rosen (2004) observou que os erros produzidos pelos adultos aprendendo uma língua
na segunda modalidade acontece por causa de problemas com a percepção. Além disso, parece
haver uma falta de destreza na produção dos sinais que implicariam, por exemplo, em escolhas de
configurações erradas ou ainda na formação incompleta dos sinais.
Chen-Pichler (2009) observou que parece haver fatores de transferência e graus de
marcação dos sinais que afetam as produções dos alunos de L2/M2 adquirindo uma segunda
língua na segunda modalidade. A autora observou que os falantes de inglês que estão aprendendo
a língua de sinais americana (ASL) parecem aproveitar o conhecimento prévio de produções
gestuais produzidos em gestos associados à fala. Os alunos trocam configurações de mão mais
marcadas por configuração menos marcadas já conhecidas por eles. Por exemplo, eles conhecem
a configuração de mão de A para o gesto que expressa vitória e usam-na para sinalizar sinais com
configurações de mão similares e marcadas, como no sinal de SAPATO da ASL que utiliza a
configuração de mão S. Esse padrão de substituição de configurações de mãos foram observados
em vários sinais produzidos pelos adultos que estão aprendendo a ASL.
A transferência de conhecimento prévio dos alunos de L2/M2 é observada como um dos
fatores que determinam o “sotaque” de ouvinte observados pelos surdos em seus comentários ao
se referirem aos ouvintes que estão aprendendo uma língua de sinais. Eles reconhecem nos
sinais, as configurações de mãos já usadas em sua produção gestual e usam este conhecimento
para produzir os sinais que estão aprendendo. As configurações de mão mais marcadas já não
caem neste tipo de associação e reconhecimento, uma vez que não são comuns em produções
LETRAS LIBRAS|106
getuais e envolvem configurações de mão mais complexas, além de movimentos e locação. Os
erros produzidos com sinais com estas configurações mais complexas parecem, portanto, estarem
associados à destreza motora e controle motor. Os erros associados ao movimento e à orientação
da mão parecem estar relacionados com a percepção.
Portanto, parece haver vários fatores que determinam a produção de sinais em alunos de
L2/M2, entre eles, as pesquisas identificaram os seguintes:
marcação das configurações de mãos (mais marcadas à menos marcadas, ou seja, mais
complexa às mais simples)
complexidade do sinal alvo
destreza motora
percepção visual dos sinais
O ensino de segunda língua, portanto, precisa considerar estes fatores e incluir estratégias
que favoreçam os alunos de L2/M2 identificarem estes elementos. Atividades e jogos podem ser
produzidos com configurações de mãos, exercícios motores finos e mais amplos não associados à
sinais e depois associados aos sinais; espelhamento de movimentos de colegas e assim por diante,
vão favorecer o desenvolvimento da destreza e da percepção dos elementos que constituem os
sinais.
5 A língua portuguesa como segunda língua para surdos
Até o momento a aquisição do português escrito por crianças surdas foi baseado no
ensino do português para crianças ouvintes que adquirem o português falado naturalmente. Esse
fato fica claro, quando se percebe que o que de fato ocorre é que a criança surda é colocada em
contato com a escrita do português para ser alfabetizada em português. Várias tentativas de
alfabetizar a criança surda através do português já foram realizadas, desde a utilização de
LETRAS LIBRAS|107
métodos artificiais de estruturação de linguagem até o uso do português sinalizado14. Apesar de
todas essas tentativas, evidencia-se o fracasso da aquisição do português por alunos surdos15.
A partir dos vários estudos sobre o estatuto de diferentes línguas de sinais e seu processo
de aquisição, muitos autores passaram a investigar o processo de aquisição por alunos surdos de
uma língua escrita que representa a modalidade oral-auditiva (por exemplo, Quadros, 1997). A
aquisição do sueco, do inglês, do espanhol, do português por alunos surdos é analisada como a
aquisição de uma segunda língua. Esses educadores e pesquisadores pressupõem a aquisição da
língua de sinais como aquisição da L1 e propõem a aquisição da escrita da língua oral-auditiva
como aquisição de uma L2.
Desconhecendo ou ignorando a representação escrita das línguas de sinais, os
precursores dessa discussão acenaram a possibilidade de alfabetizar surdos na escrita da língua
oral-auditiva considerando tal sistema suficientemente autônomo para tornar possível a
alfabetização visual (Ferreira-Brito, 1993). No entanto, observa-se que esse processo não está
acontecendo naturalmente. Alfabetizadores percebem que quando a criança surda atinge o nível
silábico de sua produção escrita, ela se apóia na leitura labial da palavra. Esse processo acontece
até a criança precisar passar do nível da palavra para o nível textual, nível em que os problemas
com o português escrito permanecem tendo em vista a limitação da leitura labial. “Parece” que a
criança surda não ultrapassa a interface do léxico com a sintaxe no português, isto é, do nível da
palavra para o nível da estrutura dessa língua. Isso acontece devido a forma como o processo vem
sendo reproduzido apresentando, portanto, tais resultados.
O processo de aquisição de L2 pressupõe a natureza da faculdade humana para a
linguagem. As pesquisas de Berent (1996) apresentam alguns mecanismos de aquisição do inglês
que são acionados por alunos surdos no seu processo de aprendizagem. Tais mecanismos refletem
os princípios da Gramática Universal (Chomsky, 1995). Partindo disso, ao se pensar
especificamente sobre a aquisição da L2 por alunos surdos apresentam-se alguns aspectos
fundamentais:
14
No Brasil, os métodos artificiais de estruturação de linguagem mais difundidos são a Chave de Fitzgerald e o de Perdoncini.
Português sinalizado é um sistema artificial adotado por escolas especiais para surdos. Tal sistema toma sinais da LIBRAS e joga-os
na estrutura do português. Há vários problemas com esse sistema no processo educacional de surdos, pois além de desconsiderar a
complexidade lingüística da LIBRAS, é utilizado como um meio de ensino do português. Para mais detalhes ver Quadros (1997). 15
Para mais detalhes sobre a produção escrita do português de alunos surdos ver Fernandes (1990) e Göes (1996).
LETRAS LIBRAS|108
(a) o processamento cognitivo espacial especializado dos surdos;
(b) o potencial das relações visuais estabelecidas pelos surdos;
(c) a possibilidade de transferência da Libras para o português;
(d) as diferenças nas modalidades das línguas no processo educacional;
(e) as diferenças dos papéis sociais e acadêmicos cumpridos por cada língua,
(f) as diferenças entre as relações que a comunidade surda estabelece com a escrita tendo em vista sua
cultura;
(g) um sistema de escrita alfabética diferente do sistema de escrita das línguas de sinais; e
(h) a existência do alfabeto manual que representa uma relação visual com as letras usadas na escrita do
português.
Sugere-se que a aquisição da leitura e escrita do português pela criança surda envolva
atividades propostas pelos professores que explorem todos os níveis de conhecimento da língua: o
lexical, o sintático, o semântico e o pragmático. Importante também é que esse processo
apresente um significado social. O processo para chegar-se a compreensão deverá envolver
discussões exaustivas sobre o assunto e a concepção de mundo inerentes ao texto. Também
deverá envolver discussões sobre a língua – o ensino metalingüístico. Isso se aplica da mesma
forma à aquisição da escrita. A criança surda vai precisar desenvolver uma relação direta entre a
palavra, a estrutura gráfica/texto escrito e o seu significado de forma contextualizada. Sua
aquisição não será baseada no som.
LETRAS LIBRAS|109
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LETRAS LIBRAS|112
LETRAS LIBRAS|113
TEORIA
DA TRADUÇÃO II
LETRAS LIBRAS|114
LETRAS LIBRAS|115
TEORIA DA TRADUÇÃO II
Janaína Aguiar Peixoto
Kátia Michaele Fernandes Conserva
Prezados (a) alunos (a),
Sejam bem vindos à disciplina Teorias da Tradução II.
Nesta etapa continuaremos estudando uma ferramenta fundamental para o professor
bilíngue, que atuará no ensino da LIBRAS como língua materna para pessoas surdas e como
segunda língua para pessoas ouvintes: a tradução.
O conteúdo a ser abordado consiste em três unidades como veremos a seguir:
UNIDADE 1 – A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA TRADUÇÃO PARA O PROFESSOR BILÍNGUE
1.1 A atuação do professor de Libras
1.2 A Formação do professor de Libras
UNIDADE 2 – TRADUÇÃO E INTÉRPRETAÇÃO NO CONTEXTO CULTURAL DA COMUNIDADE
SURDA
2.1 Artefatos culturais do povo surdo
2.1.1 – Artefato cultural: experiência visual
2.1.2 – Artefato cultural: linguístico
2.1.3 – Artefato cultural: literatura surda
LETRAS LIBRAS|116
2.2 – A interpretação interlinguística, intermodal e intersemiótica
2.2.1 – Tradução intralingual
2.2.2 – Tradução interlingual
2.2.3 – Tradução intersemiótica
2.3 – Interpretação de músicas compostas em Língua Portuguesa para a LIBRAS
2.4 – Interpretação versão voz
2.4.1 – O que é uma interpretação versão voz?
2.4.2 – Como proceder antes da interpretação?
2.4.3 – Como proceder durante a interpretação?
2.4.4 – Como proceder após a interpretação?
UNIDADE 3 – O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS (TILS)
3.1 – Histórico profissional do TILS
3.2 – Perfil deste profissional
Embarque nesta viagem ao mundo da tradução e não deixe de assistir o vídeo e praticar
com os exercícios propostos.
LETRAS LIBRAS|117
UNIDADE I
A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA TRADUÇÃO PARA O PROFESSOR BILÍNGUE
Fonte: asgfsurdos.org.br
Estamos num curso formado por alunos surdos e ouvintes, então, partindo desta realidade,
gostaríamos de introduzir o tema desta disciplina lançando a seguinte questão: a tradução e
interpretação para a LIBRAS é realizada apenas por pessoas ouvintes ou pode ser feita também
por pessoas surdas?
Com base no contexto em que vivemos atualmente no Brasil podemos afirmar que a
comunidade surda já possui excelentes produções literárias. Com certeza muitas ainda virão, pois
há uma longa caminhada a percorrer, mas a literatura visual já possui traduções, adaptações e
produções feitas pelos surdos, como vimos no 3º período na disciplina Literatura Visual.
Com isto é de extrema relevância para a formação de um aluno do curso de Licenciatura
Plena em LETRAS: LIBRAS/Língua Portuguesa, futuro professor bilíngue, estudar as teorias da
tradução de uma forma contextualizada com a prática. Mas inicialmente precisamos definir quem
é este professor bilíngue que está sendo formado; quais os parâmetros legais para esta formação;
qual a atuação deste profissional e porque a tradução é importante neste contexto prático.
1.1 A atuação do professor de LIBRAS
Fonte:librascursopedagogia.blogspot.com
LETRAS LIBRAS|118
Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória noscursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nívelmédio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino,públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o cursonormal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso deEducação Especial são considerados cursos de formação de professores eprofissionais da educação para o exercício do magistério.
§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos deeducação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicaçãodeste Decreto.
O capítulo II do Decreto 5626/2005 que regulamenta a Lei 10.436/2002 declara que:
Então o quê este decreto considera curso de formação de professores?
LIBRAS
FonaudiologiaFormação de Professores
Ensino Superior
Ensino Médio
Ensino Privado Ensino Público
Municipal Federal
Estadual
LETRAS LIBRAS|119
Isto implica dizer, que ao se formar você poderá dar aula no curso de Fonoaudiologia e
nestes cursos acima citados. Você percebeu quantas licenciaturas o professor de LIBRAS poderá
trabalhar? Exatamente. TODAS! Então, as pessoas que cursam Licenciatura em Química, por
exemplo, terão uma disciplina obrigatória de LIBRAS.
Além disso, você, futuro professor de LIBRAS poderá também ministrar a LIBRAS como
disciplina optativa nos demais cursos, como por exemplo: Administração, Direito, Ciências da
computação, Engenharia, Nutrição...Enfim, todos os cursos superiores. Sendo assim, várias
oportunidades de trabalho surgiu com esta abertura na lei. Mas com isto, surge também um
problema que o decreto previu: a formação destes professores.
1.2 A formação do professor de LIBRAS
FONTE: http://librasitz.blogspot.com
Formação de Professores
Licenciaturas Todas
Matemática
Biologia
Física
...todasNormal
Médio
Superior
Pedagogia
Educação Especial
LETRAS LIBRAS|120
O capítulo III do Decreto 5626/2005 regulamenta a formação do professor de Libras e perfil
mínimo para a atuação nesta área como veremos a seguir. A partir do Decreto dois cursos de
graduação surgiram:
Licenciatura plena em Letras: Libras
Curso à distância e presencial iniciado em 2006 pela UFSC com diversos pólos em todo o Brasil.
A primeira turma formou-se em 2010. Nesta turma pioneira tivemos a representação da Paraíba
com alunos formados no pólo de Fortaleza, sendo 5 surdos e 2 ouvintes.
Licenciatura plena em Letras:Libras/Língua Portuguesa
Curso à distância iniciado em 2010 pela UFPB com diversos pólos em toda a Paraíba. Vários
alunos de Estados vizinhos são contemplados por esta formação. A formatura da turma pioneira
será em 2014. Você faz parte desta construção histórica!
Enquanto não há pessoas formadas suficientes para a atuação, o decreto determinou o
perfil mínimo exigido para o exercício da profissão de professor de LIBRAS:
I - professor de Libras, usuário16 dessa língua com curso de pós-
graduação ou com formação superior e certificado de proficiência em
Libras17, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da
Educação;
II - professor ouvinte bilíngue: Libras - Língua Portuguesa, com pós-
graduação ou formação superior e com certificado obtido por meio de
exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da
Educação.
Agora que compreendemos o processo de formação do professor de LIBRAS (surdo e
ouvinte) gostaria de lançar uma pergunta para que juntos possamos refletir: Para quem serão
ministradas as aulas de LIBRAS nos cursos citados? Que público é este?
Exatamente. Trata-se de alunos ouvintes!
Então a metodologia de ensino que deverá ser utilizada para este público é voltada para o
ensino da LIBRAS como segunda língua (L2), pois a língua materna destes alunos é a Língua
Portuguesa (L1). Neste contexto a tradução de textos será a ferramenta mais utilizada pelo
professor de LIBRAS. Inclusive para a elaboração de uma aula, o professor, que utilizará como
Língua de instrução a LIBRAS, precisará preparar seus slides utilizando recursos para facilitar o 16
O termo “usuário da língua” refere-se à pessoa surda. 17
PROLIBRAS: Exame realizado anualmente, promovido pelo MEC e organizado pela UFSC em todo o Brasil.
LETRAS LIBRAS|121
entendimento do aluno ouvinte numa aula ministrada em LIBRAS, isto inclui recursos da língua
materna na sua modalidade escrita.
Entendemos então que o objetivo desta disciplina não é preparar Tradutores e Intérpretes
de Língua de Sinais, embora estudaremos um pouco sobre este profissional que faz parte do
contexto bilíngue atual em que vivemos, e sim, apresentar a tradução como uma prática
pedagógica do professor de LIBRAS.
Mesmo no caso de professores surdos que não se interessam pelo ensino da Libras como
L2 e preferem investir no ensino desta língua como L1 nas escolas bilíngues, a tradução é também
uma ferramenta no processo de aprendizagem da criança surda.
Você pode estar se perguntando: Eu, enquanto professor, farei as traduções dos meus
materiais didáticos sozinhos?
Não. Pois a presença dos intérpretes em escolas bilíngues é obrigatória. Os planejamentos
quanto ao conteúdo, bem como a elaboração dos materiais são realizados em conjunto. Além
disso já existem várias adaptações e traduções prontas18:
18
Leia a reportagem em http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2011/10/literatura-em-libras-estimula-inclusao-e-
desenvolvimento-de-criancas-surdas.html, disponível também no ambiente virtual desta disciplina.
RESUMINDO
O professor utilizará a tradução como ferramenta tanto no ensino da Libras como primeira língua (L1), neste caso alunos surdos, quanto no ensino da Libras como segunda língua (L2), neste caso ouvintes.
Exemplo de tradução: Pinóquio. FONTE: portallibras.com.br
Exemplo de adaptação: A cinderela surda feneisrs.blogspot.com
LETRAS LIBRAS|122
EXERCITANDO
1) O que aborda o Capítulo II do Decreto 5.626/2005?
(a) A formação do Professor de Libras;
(b) A Inclusão da Libras como disciplina curricular;
(c) O perfil mínimo para o exercício da profissão.
2) O que o Decreto considera Formação de Professores? (a) Todos os cursos superiores.
(b) Fonoaudiologia e Pedagogia.
(c) Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de
nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial.
3) Você considera a tradução como uma ferramenta útil para o professor de Libras? ( )Sim ( )Não. Por quê? _____________________________________________________________________________
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_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
_______________________________________________
4) A disciplina poderá ser inserida como disciplina numa Escola Municipal, no 7º ano, por exemplo? ( ) Sim ( ) Não Jusifique: _____________________________________________________________________________
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_____________________________________________________
5) Pesquise materiais Didáticos que servirão como instrumentos para o ensino da LIBRAS como: Obras produzidas por surdos, traduções de clássicos para a Libras e adaptações feitas para a cultura surda e liste abaixo: _____________________________________________________________________________
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_____________________________________________________________________________
_______________________________________________
LETRAS LIBRAS|123
UNIDADE II
TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO
NO CONTEXTO CULTURAL DA COMUNIDADE SURDA
Viver por meio de mensagens traduzidas é a realidade do dia-a-dia da pessoa com
Identidade Surda. Esta identidade que revela o “jeito surdo de ser”, parte da identificação com a
língua de sinais que revelam a participação política e a militância pelo direito de vivenciar o
mundo de uma forma visual. A divulgação destes discursos mencionados para a sociedade
majoritária formada por ouvintes depende de uma tradução. Na realidade, no contexto atual,
onde o multiculturalismo é uma realidade, as traduções culturais são estratégias de sobrevivência.
2.1 ARTEFATOS CULTURAIS DO POVO SURDO
Este termo, “povo surdo”, não parte do objetivo de segregar as pessoas com surdez ou ir
de encontro com a inclusão, como esclarece Strobel19 (2008, p:33):
Mas isto não quer dizer que o povo surdo se isola da comunidade ouvinte, o que estamos explicando é que os sujeitos surdos, quando se identificam com a comunidade surda, estão mais motivados a valorizar a sua condição cultural e, assim, passam a respirar com mais orgulho e autoconfiantes na sua construção de identidade e ingressam em uma relação intercultural, iniciando uma caminhada sendo respeitado como sujeito “diferente” e não como deficiente.
19
A Doutora em Educação Karin Strobel é diretora-presidente da FENEIS - Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos.
Protagonista de muitos dos momentos históricos e culturais do povo surdo brasileiro, tanto como surda quanto como profissional.
LETRAS LIBRAS|124
Ao ver os surdos como eles são, dentro do contexto sócio-histórico, estamos
reconhecendo-os como integrantes de um povo sem demarcação geográfica, porém com
qualidades em comum que os caracterizam. Strobel (2008, p.8), define povo surdo como um
grupo de:
Sujeitos surdos que não habitam no mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de evolução lingüística, tais como a língua de sinais, a cultura surda e quaisquer outros laços.
Nesse sentido, ao abordar a identidade cultural do povo surdo tratamos de uma cultura
que possui artefatos20, que segundo Strobel21 (2008), divide-se em oito artefatos culturais:
experiência visual, linguístico, familiar, literatura surda, vida social e esportiva, artes visuais,
política, materiais22.
Dentre os oito artefatos citados, destacamos três que são fundamentais para o
entendimento da importância da tradução nesta cultura e suas peculiaridades: experiência visual,
linguístico e literatura surda.
2.2 .1 - Artefato cultural: experiência visual
Nascer em determinado contexto social, em determinada época e pertencer a
determinado grupo, já diz muito sobre quem você é e sua forma de pensar. Os indivíduos não
agem da forma que quer deliberadamente, sempre existe por traz uma construção simbólica com
raiz cultural transmitida de geração para geração. Isso nos faz retomar o fato de que os surdos
20
Segundo constatamos em diversos autores nos campos dos Estudos Culturais, o conceito “artefatos” não se referem apenas a
materialismos culturais, mais àquilo que na cultura constitui produções do sujeito que tem seu próprio modo de ser, ver, entender
e transformar o mundo. (STROBEL,2008;P:37)
21 A Doutora em Educação Karin Strobel é diretora-presidente da FENEIS-Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos.
Protagonista de muitos dos momentos históricos e culturais do povo surdo brasileiro, tanto como surda quanto como profissional.
22 Quando a cultura surda é abordada em muitos trabalhos acadêmicos ou palestras a definição resume-se a citação de artefatos
culturais materiais como TDD (telefone para surdos) e campainha luminosa, por exemplo. Acredito que a intenção da autora ao
citar este artefato como o último em sua obra objetiva ressaltar que ele não é o principal da lista. Minimizar a cultura surda à
apenas um artefato, seja ele qual for, é o mesmo que dizer que a cultura brasileira resume-se ao carnaval, ou que a cultura
indígena resume-se ao arco e flecha, que são nada mais nada menos que artefatos culturais materiais.
LETRAS LIBRAS|125
Os ouvintes são acometidos pela crença de que ser ouvinte é melhor que sersurdo, pois na ótica ouvinte, ser surdo é o resultado da perda de uma habilidade‘disponível’ para a maioria dos seres humanos. No entanto, essa parece ser umaquestão de mero ponto de vista.
compartilham da mesma nacionalidade e naturalidade dos ouvintes e vivenciam experiências
comuns, porém também possuem uma cultura própria.
Nesse sentido, entender a Cultura Surda como multicultural é o primeiro passo para
admitir a existência da mesma. Partindo desta abordagem multiculturalista é possível afirmar que
a comunidade surda partilha com a comunidade ouvinte do mesmo espaço, do mesmo tipo de
vestuário e alimentação, dentre outros hábitos e costumes, mas possui uma experiência visual de
mundo que sustenta os aspectos peculiares da sua cultura.
A constatação que o surdo elabora sua construção de mundo através de experiências
visuais e os ouvintes através de experiências sonoras é apenas o ponto inicial para diferenciar as
duas culturas. Ressalto que neste cenário multicultural, onde estas duas culturas convivem num
contexto comum, no nosso caso, o território brasileiro, é de extrema relevância ressaltar que não
há melhores nem piores e sim diferentes, como afirma Salles (2004; P: 36):
Vemos um exemplo disso na história contada pela autora:
Um menino surdo demorou a perceber que era diferente, pois todos os integrantes da sua família eram como ele. Como brincava com seus irmãos, demorou a sentir necessidade de fazer amigos fora deste círculo. Ao iniciar uma amizade com uma amiguinha vizinha, começou a estranhar a falta de habilidade da mesma em comunicar-se na língua de sinais e tentava ao máximo ajudá-la com esta dificuldade criando artifícios para que comunicação fosse possível.
Certo dia, este menino, muito preocupado, pergunta a sua mãe qual era o problema da sua amiguinha. Ele queria entender porque ela às vezes movimentava os lábios quando estava perto da mãe e a mãe também correspondia da mesma forma, e por que ela tinha tanta dificuldade em comunicar-se. Foi então que a mãe explicou ao menino que ela não tinha problema algum, porém era diferente dele, pois se comunicava com os movimentos dos lábios e não com as mãos.
Ao fazer a afirmação que a família vizinha era ouvinte e não surda como a deles, o menino indagou a mãe se apenas a família vizinha era assim ou se havia mais pessoas como eles. Então sua mãe explicou que na realidade a maioria das pessoas é ouvinte e a minoria é formada por pessoas surdas, fato que ele ainda não tinha atentado. (SALLES,2004; P:37,38).
LETRAS LIBRAS|126
O interessante desta experiência é que para este surdo congênito a sensação de perda era
inexistente, para ele, eram os vizinhos que tinham uma perda e um problema de comunicação.
Com isto, entendemos que a sensação de perda auditiva na realidade vem do outro e não de si
mesmo.
Já Strobel (2008, p:40) cita uma situação totalmente inversa: o fato de uma criança surda
filha de pais ouvintes que pensa que vai morrer por nunca ter visto um surdo adulto. Isto nos faz
refletir que um surdo nascido numa família onde todos são ouvintes e apenas ele é o diferente,
precisa ter contato com outros surdos para não sentir-se eternamente deslocado sem a sensação
de pertencimento.
No caso de um surdo congênito nascido em família de ouvintes ao ter contato com a
cultura surda posteriormente, ele se identificará com o que nesta cultura constitui produções do
sujeito que tem seu próprio modo de ser, ver, entender e transformar o mundo. Isto acontece
através da substituição de informações sonoras, para as informações visuais.
A autora ainda relata varias situações vivenciadas por ela e por outros surdos que
exemplificam de forma esclarecedora o que significa o artefato cultural denominado experiência
visual, dentre elas selecionamos o relato a seguir:
Uma vez meu namorado ouvinte me disse que iria fazer uma surpresa para mim pelo meu aniversário; falou que iria me levar a um restaurante bem romântico. Fomos a um restaurante escolhido por ele, era um ambiente escuro com velas e flores no meio da mesa, fiquei meio constrangida porque não conseguia acompanhar a leitura labial do que ele me falava por causa da falta de iluminação, pela fumaça da vela que desfocava a imagem do rosto dele, que era negro; e para piorar, havia um homem no canto do restaurante tocando música, que sem poder escutar, me irritava e me fazia perder a concentração por causa dos movimentos dos dedos repetidos de vai-e-vem com seu violino. O meu namorado percebeu o equívoco e resolvemos ir a uma pizzaria! (STROBEL, 2008;P:38)
LETRAS LIBRAS|127
Ler é traduzir. Culturas são traduzidas em atos de leitura, quemovimentam significantes os quais passam a operar em várioscircuitos sociais. A trama do texto se confunde com os sujeitos que seenredam em seus nós e tentam fazer laços com a história. Os atosperformáticos das culturas surdas são materiais inéditos que temmuito a narrar sobre as zonas de contato que se tecemcotidianamente e instauram lógicas diferentes de operar com ossentidos.
2.1.2 Artefato cultural: linguístico
A cultura do povo surdo é reescrita historicamente através do fortalecimento que acontece
de geração para geração, e a maior característica desta vivência de mundo visual compartilhada
por este povo é a sua forma de comunicação, a língua de sinais.
Como exemplo deste artefato fundamental cito mais uma vez um relato da autora:
Um fato interessante é que a Língua de sinais por muitos anos foi considerada ágrafa, ou
seja, uma língua que não possui sua modalidade escrita, mas atualmente existe a ELS (Escrita em
Língua de Sinais) ou Sign Writing trazida para o Brasil pela doutora surda Marianne Stumpf em
1996.
2.1.3 - Artefato cultural: literatura surda
Massutti (2007, p:110), destaca a importância das produções literárias dos surdos para o
fortalecimento e reconhecimento desta cultura quando afirma:
Em escola de ouvintes, além de muitas outras disciplinas, eu tinha aula de religião que não entendia muito, as únicas coisas que sabia era que Deus era muito importante e, se morresse iria ficar de frente com Ele, e isto me incomodava, me deixando muito ansiosa. Minha mãe percebeu e me questionou, expliquei a ela através de gestos e vocabulários isolados que, se eu morresse como Deus iria me entender? Não sabia falar. Minha mãe explicou que Deus entendia qualquer língua.
LETRAS LIBRAS|128
Um traço cultural marcante, é o fato de que em toda cidade onde existe surdo, existe um
“point de encontro” onde os surdos de todo credo, idade, gênero e status social reúnem-se para
conversar em LIBRAS. Normalmente um surdo quando viaja para determinada cidade, além dos
pontos turísticos, gosta também de conhecer este “point”. Em João pessoa este local é o
“Shopping Tambiá”, no centro da cidade. Além deste local neutro, outras instituições, inclusive
ambientes religiosos servem de espaço para o desenvolvimento das manifestações culturais da
comunidade surda, como ressalta Strobel (2008; p:34):
O que sucede é que quando os sujeitos surdos estão em comunhão entre eles e
quando compartilham suas metas dentro da associação de surdos, federações,
igrejas e outros locais dá o sentido de estarem em comunidades surdas.
Desta socialização surgem piadas e poesias surdas que exploram a expressão facial e
corporal e que em sua grande maioria abordam temáticas que refletem a incompreensão dos
surdos em relação à cultura ouvinte e vice-versa. Como em toda piada existe uma vítima, assim
como acontece na piada do brasileiro que a vítima é sempre o português, nas piadas de surdos a
vítima é sempre o intérprete de língua de sinais, por ser o ouvinte mais próximo deles.
A literatura surda ou literatura visual, que contém estas poesias, piadas, fábulas e
anedotas, é produzida em língua de sinais por atores e poetas surdos e distribuída em DVD ou em
CD-ROOM. Estas literaturas de estudos científicos e autobiografias produzidas por escritores
surdos têm contribuído para a representação da cultura surda no espaço literário. Dentre estes
escritores é possível destacar os seguintes nomes, Gladis Perlin (As Identidades Surdas -1998),
Ronice de Oliveira (Meus sentimentos em folha-2006), Marianne Stumpf (Sistema Signwriting: por
uma escrita funcional para o surdo - 2005), Shirley Vilhalva (Recortes de uma vida: Descobrindo o
Amanhã-2001).
2.2 - A INTERPRETAÇÃO INTERLINGUÍSTICA, INTERMODAL E INTERSEMIÓTICA
Roman Jakobson, linguista russo classifica a tradução em três tipos: intralingual, a tradução
interlingual e a tradução intersemiótica.
LETRAS LIBRAS|129
2.2.1 - Tradução intralingual: ou paráfrase, que é reescrever um texto a partir dos signos de uma
mesma língua.
2.2.2 - Tradução interlingual: é a interpretação de signos verbais por meio de uma segunda língua,
ou seja, “passar” o texto de uma língua para outra.
2.2.3 - Tradução intersemiótica: ou transmutação, que é a interpretação de signos textuais por
outros signos não-verbais, ou seja, a interpretação de um sistema de signos para outro. Por
exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura.
Fonte: baixaki.com.br
Exemplos no português de variação linguística (geográfica):
Na LIBRAS: Sobrinho, cunhado, feriado (veja no vídeo da disciplina).
Na Língua Portuguesa:
Aipim (Rio de Janeiro), Mandioca (São Paulo) e Macaxeira (Paraíba)
FONTE: altino.blogspot.com
Exemplo: Alemão para o Português
Agora nos
comunicaremos
apenas em LIBRAS,
portanto, é proibido
falar em Português.
TEXTO EM LÍNGUA PORTUGUESA DESENHO DE SÍMBOLOS
TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA
LETRAS LIBRAS|130
Partindo desta base teórica, Segala (2010, p:29), destaca a utilização de um termo fruto de
estudos recentes:
Os Estudos da Tradução aplicados aos Estudos Surdos e de Língua de Sinais é
muito recente. As pesquisas teóricas estão apenas começando e, por isso, o uso
do termo Tradução Intermodal (interlinguística) ainda não foi reconhecido na
pesquisa da comunidade surda. Esse termo é uma expressão que pode definir
esse tipo de tradução relacionando uma língua oral-auditiva a uma língua
cinésico/visual ou visual/espacial.
Então, a tradução/interpretação que envolve duas línguas de modalidade diferentes, como
a Língua de Sinais, que utiliza o canal visual-espacial e a Língua Portuguesa, que utiliza o canal oral-
auditivo, pode ser denominada de Intermodal, uma nomenclatura que reflete ainda mais a
especificidade em questão.
Sendo assim, a tradução/interpretação de uma língua oral para a uma língua de sinais é
Interlingual, Intermodal e poderá ser Intersemiótica se o tradutor envolver algum outro tipo de
informação visual tais como: ícones, desenhos, fotos, pintura, vídeo, slides (muito utilizado por
professores de Libras), dança, dentre outros.
FONTE: http://amarparaincluir.blogspot.com/2011/08/os-tres-porquinhos.html
Como vimos na figura acima a tradução dos três porquinhos pode ser classificada como
intermodal, interlingual e intersemiótica, visto que foram utilizados diversos desenhos. Neste
caso, foi então explorada a arte visual, com o objetivo educacional de servir como ferramenta no
aprendizado da língua materna (L1) de crianças surdas.
LETRAS LIBRAS|131
No próximo tópico praticaremos um pouco sobre este tipo de tradução ao explorarmos a
música como ferramenta no ensino de alunos ouvintes, pois da mesma forma que um aluno ao
aprender o Inglês, como segunda língua, por exemplo, gosta de praticar treinando por meio de
traduções de músicas românticas, o aluno ouvinte que aprende a Libras como segunda língua tem
o mesmo interesse, pois faz parte de sua cultura.
2.3 - INTERPRETAÇÃO DE MÚSICAS COMPOSTAS EM LÍNGUA PORTUGUESA PARA A LÍNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS
Figura: Jéssica (Surda de Campina Grande-PB traduzindo o Hino Nacional Brasileiro no Encontro Estadual de Surdos na Bahia).
FONTE: Foto das autoras
Para uma boa interpretação de música faz-se necessário antes de qualquer coisa “ligar o
botão da criatividade”. Este componente é fundamental para a beleza de uma interpretação de
música para a Língua gestual-visual, a Língua de Sinais.
Podemos observar a relevância da criatividade no ato de uma interpretação quando, por
exemplo, ao invés de simplesmente interpretar a palavra amor com o sinal equivalente, o
intérprete opta por fazer a dactilologia da palavra em forma de um coração, no ritmo da música e
com uma expressão facial que destaca o sentido poético do sinal inserido neste contexto.
Observe este exemplo no vídeo.
Entendendo então que a beleza de uma música sinalizada depende de vários fatores,
propomos quatro etapas que norteiam uma boa interpretação de músicas compostas
em Língua Portuguesa para a Língua Brasileira de Sinais.
LETRAS LIBRAS|132
Dica para ouvintes e surdos com resíduos auditivos
que têm o hábito de ouvir músicas
Experimente colocar uma música com um estilo marcante como rock ou frevo por exemplo.Coloque um fone de ouvido e tente passar para um surdo qual o estilo musical que você estáouvindo, sem utilizar os sinais, apenas através dos movimentos de mãos e cabeça e de expressãofacial e corporal. Vale ressaltar que a ideia não é dançar, mas seguindo o ritmo da música vocêperceberá que é possível mostrar visualmente as mãos subindo e descendo enquanto vocêinterpreta aquela música, com isto o surdo identificará a característica marcante do frevo.
Apresentação de uma música em Libras realizada num casamento (estilo sacro).
Dica para ouvintes e surdos com resíduos auditivos que têm o hábito de ouvir músicas
Pratique separadamente esta etapa, isto te ajudará a
sentir a ideia da música. Escolha uma música e não faça
nenhum sinal, apenas pense em qual você usaria
e utilize a ENM do sinal que você pensou.
Intensificador da ENM
1ª Etapa: Encontre o estilo musical
Busque transmitir o estilo da música. Exemplos de estilos musicais (Sacra, Romântica, Rap, Rock, Reage,
Forró, Funk, Salsa, etc).
Veja esta dinâmica no vídeo da disciplina!
2ª Etapa: Respeite a expressão facial e corporal ou ENM-Expressão não Manual de cada sinal
Isto é fundamental, pois ao interpretar uma música para a LIBRAS muitos TILS supervalorizam o ritmo da
música e esquecem de preservar a clareza da língua respeitando os parâmetros da mesma que são CM:
Configuração de mãos, L: Locação, M: Movimento, Or: Orientação da palma da mão e ENM: Expressão não
manual. Destacamos então a ENM, por ser a mais prejudicada neste processo, pois o fato de demonstrar o
estilo musical, citado na 1ª etapa não significa que um sinal como PARADO e SILENCIOSO, por exemplo,
serão realizados “dançando”. Como podemos ver no vídeo desta disciplina.
LETRAS LIBRAS|133
No vídeo da disciplina veremos o exemplo disto com este trecho da música de Lulu
Santos: Como uma onda
3ª Etapa: Traduza a letra da música
Nesta etapa temos várias armadilhas, pois uma tradução de música, poesia ou qualquer tipo de
produção artística, independente da língua, requer uma interpretação intercultural da obra em
questão. Você não poderá simplesmente repassar termos de forma descontextualizada, metáforas
não traduzidas, simplesmente por ser belo na língua fonte, pois você poderá produzir ideias
equivocadas na mensagem que chegará à língua alvo.
4ª Etapa: Encontre a harmonia da música sinalizada
Nesta etapa final da tradução de uma música escrita em Língua Portuguesa para Libras, você
combinará todas as etapas anteriores. É o momento que vamos harmonizar o Estilo (ritmo) + ENM
+ Letra que estudamos separadamente.
Observe o exemplo no vídeo
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo
Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
LETRAS LIBRAS|134
2.4- INTERPRETAÇÂO VERSÃO VOZ
2.4.1- O que é uma Interpretação Versão Voz23?
É a interpretação da LIBRAS para o Português. Isto acontece quando a mensagem está em
Língua de Sinais (língua fonte)24 e o TILS deverá interpretá-la para a Língua Oral do País.
Vale ressaltar que é fundamental ter um bom vocabulário nas duas línguas para que a
interpretação não seja prejudicada, pois se o intérprete cometer erros de concordância, omissões,
distorções ou trocas de fonemas, bem como equívocos linguísticos, dentre outras, a mensagem
inicial chegará prejudicada e em determinados casos causará descaso e desânimo no ouvinte
receptor da mesma.
2.4.2- Como proceder antes da interpretação?
Ciente de que nenhuma interpretação ou tradução terá 100% de integridade com a
mensagem inicial25 o TILS deverá tomar algumas providências para minimizar os possíveis
prejuízos.
1º - Prévia do conteúdo: Faz-se necessário que o intérprete apresente-se ao emissor surdo que
poderá ser, por exemplo, um professor, pastor, conferencista, palestrante, entrevistado, dentre outros,
para que, com este primeiro contato, algumas informações sobre o conteúdo sejam compartilhadas. Em
algumas destas situações a pessoa surda já leva um resumo por escrito da sua palestra, ou envia por e-mail
com antecedência, fato este que favorece a qualidade do serviço de interpretação.
2º - Sinais específicos: O intérprete não é especialista em todas as áreas do conhecimento, portanto
têm alguns termos específicos de determinadas áreas que o mesmo desconhece, então neste momento de
preparação, o TILS deverá aproveitar a oportunidade para perguntar se o palestrante utiliza algum sinal
específico para os termos em questão. Além disso, ainda devemos lembrar do regionalismo, com os
famosos “sotaques”, que precisam ser identificados para que não hajam equívocos na interpretação.
3º - Local para a interpretação: É preciso haver um acordo entre o emissor sinalizador e o
intérprete quanto ao melhor local de posicionamento tanto do palestrante como do intérprete, para que a
23
A maioria das dicas e orientações dadas para esta modalidade de interpretação servem também para a interpretação
“sinalizada” da Língua Portuguesa par Língua de Sinais.
24 Geralmente neste caso a mensagem é expressada por uma pessoa surda ou por uma pessoa ouvinte fluente em LIBRAS.
25 Leia o artigo Tradução 100% não existe disponível em http://fidusinterpres.com/?p=149 e no ambiente virtual desta disciplina.
LETRAS LIBRAS|135
visualização dos sinais seja clara, sem impedimentos como, por exemplo, arranjos de flores nas mesas, ou
câmera de vídeo. Para tanto, o intérprete deverá estar sentado ou em pé, de frente, numa distância que
garanta esta visualização.
Vale ressaltar, que cabe ao intérprete também verificar se o local do seu posicionamento
está ao alcance de um microfone. Além disso, providenciar ou solicitar água para sua hidratação,
evitando assim o transtorno das ocorrências de rouquidão ou tosse no momento da interpretação.
4º - Selecionar alguém para o apoio: Este item assim como os outros é de extrema relevância. Solicite
que outro intérprete sente ao seu lado. Isto não significa não que você seja inferior a este em capacidade,
mas que enquanto profissional você zela pela qualidade do serviço. Então solicite com antecedência a
outro profissional que seja o seu apoio para te auxiliar de uma forma geral, como por exemplo, com os
sinais que sofrem variações linguísticas, sinais técnicos, dúvidas corriqueiras, dentre outras. Esta pessoa
que servirá como apoio, poderá te substituir nos possíveis imprevistos,
2.4.3 - Como proceder durante a interpretação?
1º O intérprete precisa passar a intenção de quem faz o discurso: Através da entonação e volume da voz
bem como a seleção do vocabulário adequado o intérprete deverá refletir as ideias emitidas em sinais pelo
emissor surdo.
2º A importância da imparcialidade: O intérprete não deverá fazer correções da mensagem proferida pelo
emissor. Nem demonstrar sua opinião pelo tom de voz ou expressão facial/corporal. É importante lembrar
que embora seja a sua voz, ao interpretar não são as suas ideias, crenças ou opiniões que o receptor espera
ouvir naquele momento enquanto você desempenha o papel de intérprete.
Gildete Amorim interpretando Vanessa Vidal (surda) no concurso Miss Brasil. FONTE: csjonline.web.br.com
Janaína interpretando uma palestra de Robson Peixoto (surdo) em ambiente religioso.FONTE: Foto da autora
POSIÇÃO: EM PÉ POSIÇÃO: SENTADA
LETRAS LIBRAS|136
3º O intérprete não pode interagir com a plateia: A invisibilidade do intérprete não é algo fácil de ser
administrado no caso de uma interpretação versão voz. Em alguns casos o ouvinte que está assistindo uma
palestra ministrada por um surdo dirige-se ao intérprete e diz: “Qual a opinião dele (o palestrante) ...”. Esta
situação é bastante delicada, pois gera uma desconcentração e do palestrante. Nesta situação, o intérprete
de apoio orienta ao ouvinte que ele deve levantar a mão e direcionar-se ao palestrante. Em outros casos,
principalmente em reuniões, o intérprete em atuação que deseja emitir sua opinião, deverá pedir que
outro intérprete assuma a interpretação substituindo-o para que assim ele possa expor suas ideias.
2.4.4- Como proceder após a interpretação:
1º - O intérprete deverá ficar posicionado (a) próximo ao palestrante surdo, pois alguém poderá abordá-lo
(a) e necessitará dos serviços de interpretação.
2º - O intérprete responde quanto à interpretação. Não deverá receber elogios ou críticas quanto à palestra
ou mensagem, ele foi intérprete e não expositor das ideias, então o mesmo deverá encaminhar os méritos
do conteúdo ministrado para o palestrante.
EXERCITANDO
1) Elabore dois slides com uma tradução intersemiótica das seguintes frases:
a) A Língua de Sinais não é universal.
b) O intérprete transmite uma mensagem oral para uma língua gestual que é recebida
visualmente.
RESUMINDO
O Povo surdo possui artefatos culturais que não resume-se aos materiais de adaptações das informações sonoras para visuais.
A tradução de uma Língua Oral para uma Língua de Sinais além de ser Interlingual e Intermodal ela poderá ser somada a uma tradução Intersemiótica, quando além das Línguas utiliza-se imagens filmadas, fotografadas ou desenhadas.
LETRAS LIBRAS|137
Em vários países há tradutores e intérpretes de língua de sinais. A história daconstituição deste profissional se deu a partir de atividades voluntárias queforam valorizadas enquanto atividade laboral na medida em que os surdosforam conquistando o seu exercício de cidadania.
UNIDADE III
O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS (TILS)
FONTE: librasitz.blogspot.com
3.1 HISTÓRICO PROFISSIONAL DO TILS
Numa perspectiva histórica, a tradução é vista por diversos olhares que buscam seu
delineamento. Além de ser compreendida como arte, também é estudada como um processo
complexo, envolto por nuances entre a sensibilidade do tradutor e o conhecimento técnico.
Em seu livro, Os Tradutores na História, DELISLE e WOODSWORTH (2003) realizam um
resgate sobre a atuação dos tradutores e sua contribuição social. Em muitas comunidades, o
tradutor realiza toda a formação de uma língua por meio da análise linguística dos signos e muitas
vezes, em situações extremas, construindo até o alfabeto daquela língua.
Nesta perspectiva, a tradução é uma importante ferramenta para a disseminação do
conhecimento, pois contribui para a apreensão intelectual e cultural da humanidade. Conforme
Quadros (2004, p.13)
LETRAS LIBRAS|138
Mediante pesquisas realizadas podemos constatar que em vários países a trajetória da
profissionalização do intérprete de língua de sinais percorre espaços semelhantes: maior
participação dos surdos nas discussões sociais e políticas e a oficialização das línguas de sinais.
A oficialização das línguas de sinais assegurou aos surdos o direito à acessibilidade
linguística através do intérprete, que buscou a profissionalização mediante os espaços que atuava.
Quadros (2004, p. 13, 14) relata a trajetória de alguns países:
Estados Unidos – Desde 1815, destaca-se a atuação de Thomas Gallaudet como intérprete de
Laurent Clerc, surdo francês, que foi aos Estados Unidos para promover a educação de surdos
naquele país. Anos depois, em 1964, foi fundada uma organização nacional de intérpretes para
surdos, atualmente chamada RID26, a fim de estabelecer normas para a atuação do intérprete de
língua de sinais americana. Em 1972, o RID organizou um exame de proficiência com o objetivo de
oferecer um registro para os intérpretes aprovados.
Ainda hoje, o RID27 exerce as seguintes funções: selecionar os intérpretes, certificar os intérpretes
qualificados; manter um registro; promover o código de ética; e oferecer informações sobre
formação e aperfeiçoamento de intérpretes.
Suécia: Neste país, a atuação de intérpretes de língua de sinais sueca é registrada em trabalhos
religiosos em 1875. O reconhecimento da profissão aconteceu em 1938 quando o parlamento
sueco estabeleceu cinco cargos de conselheiros para surdos com a ampliação dos cargos para mais
vinte pessoas atuarem como intérpretes. Logo, em 1947 o país tinha vinte e cinto intérpretes para
atender aos surdos suecos.
Em 1968, a Associação Nacional de Surdos junto à Comissão Nacional de Educação e à Comissão
Nacional para Mercado de Trabalho criaram o primeiro curso de treinamento para intérpretes.
No Brasil, segundo a autora, o exercício da atividade do tradutor/intérprete iniciou no campo
religioso durante os anos 80. Com o intuito de discutir a atuação profissional, uma série de ações
foi desenvolvida: a FENEIS28 promoveu em 1988 o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de
Sinais; e em 1992, foi realizado o II Encontro Nacional, no qual foi discutido e votado o regimento
interno do Departamento Nacional de Intérpretes.
26
Registry of Interpreters for the Deaf.
27 Maiores informações no site http://www.rid.org
28 Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos.
LETRAS LIBRAS|139
Art. 2o O tradutor e intérprete terá competência para realizar interpretação das 2 (duas)línguas de maneira simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação daLibras e da Língua Portuguesa.
O art. 4º estabelece diretrizes para sua formação tanto em nível médio quanto em nívelsuperior. Em nível médio, a formação pode ter a estrutura de cursos de educação profissionalreconhecidos pelo Sistema que os credenciou; cursos de extensão universitária; e cursos deformação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituiçõescredenciadas por Secretarias de Educação.
Semelhante aos outros países, a oficialização da língua de sinais brasileira por meio da lei
nº 10.436, de 24 de abril de 2002, impulsionou uma série de reivindicações e conquistas
referentes à acessibilidade linguística dos surdos (QUADROS, 2007).
O reconhecimento da Libras como língua oficial do país conferiu aos surdos o respeito à
diferença linguística. A conceituação da surdez transitou da perspectiva biológica para a
psicossocial, reconstruindo também o papel das pessoas ouvintes sinalizantes para intérpretes de
Libras.
Tal fato promoveu grande impulso sobre a produção e interpretação de textos e materiais
didáticos. Percebe-se uma crescente iniciativa de projetos de interpretação dos mais diversos
trabalhos, dentre eles, a tradução/interpretação de obras literárias.
Enfim, no dia 1º de setembro de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sanciona a lei
nº. 12.319 que regulamenta o exercício da profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira
de Sinais (Libras), além de definir critérios para sua formação e atuação:
No parágrafo único vemos que “A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser
realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o
certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III”.
Conforme o art. 5º, a certificação para atuação em nível superior pode ser obtida através
do Exame Nacional de Proficiência em Tradução e Interpretação (Prolibras) até o dia 22 de
dezembro de 2015.
Atualmente, a comunidade surda tem vivido uma era de conquistas em que a expansão do
ensino da libras, como também a formação de profissionais intérpretes tem alcançado proporções
cada vez maiores. Os critérios estabelecidos pela lei são necessários para diferenciar o
profissional tradutor / intérprete de ouvintes usuários da libras sem as competências necessárias
ao tarefa de interpretação.
LETRAS LIBRAS|140
3.2 Perfil deste profissional
Segundo Quadros (2007, p. 27) o intérprete de língua de sinais é o profissional que domina
a língua de sinais e a língua falada do país e que possui competência linguística para realizar a
tradução/interpretação das línguas envolvidas.
Quanto a isto, o linguista Jakobson, contribui ao identificar aspectos norteadores às
atividades de tradução e interpretação. Tais parâmetros orientam a análise da tradução em um
contexto linguístico atribuindo ao tradutor/intérprete competências necessárias ao exercício
profissional. São elas: competência linguística e competência referencial.
Já Chomsky contribui ao definir competência linguística como a capacidade que o falante
tem de produzir um número infinito de enunciados partindo de um número finito de parâmetros.
Outra competência essencial à tarefa tradutória é a competência referencial. Neste
contexto o termo referencial faz alusão ao conceito de signo, elaborado por Saussure,
“combinação de um conceito com uma imagem”. O desenvolvimento desta competência ocorre
quando o intérprete ao conviver com pessoas surdas conhece sua cultura, adquirindo tanto
domínio linguístico, como conhecimento de questões culturais. (VASCONCELLOS e BARTHOLAMEI,
2009).
O tradutor deve buscar a competência nas duas línguas que traduz, entendendo que o fato
de ser nativo da língua não o constitui usuário competente. O tradutor/intérprete de língua de
sinais deve buscar elevar sua competência linguística por meio de estratégias de busca, como
também ser competente linguisticamente em relação às competências: lexical; gramatical;
semântica; fonológica.
Além das competências citadas, o intérprete deve agregar ao desempenho de sua função
uma conduta moral regida por princípios éticos. O código de ética do TILS em seu artigo 1º declara
que “O intérprete deve ser uma pessoa de alto caráter moral, honesto, consciente, confidente e
de equilíbrio emocional. Ele guardará informações confidenciais e não poderá trair confidências,
as quais foram confiadas a ele”. (Quadros, 2004, p. 31,32).
O intérprete deve estar atento à formação e à conduta profissional, a fim de pautar suas
ações na ética e no conhecimento técnico, pois a transmissão do texto aliada à fidelidade constitui
uma importante tarefa para o tradutor/intérprete.
LETRAS LIBRAS|141
MITOS SOBRE O TILS
- Professores de surdos são intérpretes de língua de sinais
Não é verdade que professores de surdos sejam necessariamente intérpretes de língua de
sinais. Na verdade, os professores são professores e os intérpretes são intérpretes. Cada
profissional desempenha sua função e papel que se diferenciam imensamente. O professor de
surdos deve saber e utilizar muito bem a língua de sinais, mas isso não implica ser intérprete de
língua de sinais. O professor tem o papel fundamental associado ao ensino e, portanto,
completamente inserido no processo interativo social, cultural e lingüístico. O intérprete, por
outro lado, é o mediador entre pessoas que não dominam a mesma língua abstendo-se, de
interferir no processo comunicativo.
- As pessoas ouvintes que dominam a língua de sinais são intérpretes.
Não é verdade que dominar a língua de sinais seja suficiente para a pessoa exercer a profissão
de intérprete de língua de sinais. O intérprete de língua de sinais é um profissional que deve ter
qualificação específica para atuar como intérprete.
Muitas pessoas que dominam a língua de sinais não querem e nem almejam atuar como
intérpretes de língua de sinais. Também, há muitas pessoas que são fluentes na língua de sinais,
mas não têm habilidade para serem intérpretes.
- Os filhos de pais surdos são intérpretes de língua de sinais
Não é verdade que o fato de ser filho de pais surdos seja suficiente para garantir que o
mesmo seja considerado intérprete de língua de sinais. Normalmente os filhos de pais surdos
intermediam as relações entre os seus pais e as outras pessoas, mas desconhecem técnicas,
estratégias e processos de tradução e interpretação, pois não possuem qualificação específica
para isso.
Os filhos fazem isso por serem filhos e não por serem intérpretes de língua de sinais.
Alguns filhos de pais surdos se dedicam a profissão de intérprete e possuem a vantagem de ser
nativos em ambas as línguas.
Isso, no entanto, não garante que sejam bons profissionais intérpretes. O que garante a
alguém ser um bom profissional intérprete é, além do domínio das duas línguas envolvidas nas
interações, o profissionalismo, ou seja, busca de qualificação permanente e observância do
código de ética. Os filhos de pais surdos que atuam como intérpretes têm a possibilidade de
discutir sobre a sua atuação enquanto profissional intérprete na associação internacional de
filhos de pais surdos (www.coda-international.org). (QUADROS, 2004, p: 29,30)
LETRAS LIBRAS|142
EXERCITANDO
2) Qual o fato no histórico do profissional TILS você achou mais interessante?
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3) Você conhece o código de ética do TILS? Na sua opinião qual o ítem mais difícil de ser cumprido?
_________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4) Cite os mitos sobre o profissional TILS: _____________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
RESUMINDO
A medida que cresce a participação dos surdos nas discussões sociais e políticas cresce também o reconhecimento ao profissional Tradutor e Intérprete de Libras por parte da sociedade majoritária formada de ouvintes.
Além das competências citadas, o intérprete deve agregar ao desempenho de sua função uma conduta moral regida por princípios éticos registrados no Código de Ética do TILS.
LETRAS LIBRAS|143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tradução é uma atividade que abrange a interpretação do significado de um texto em
uma língua e a produção de um novo texto em outra língua, desde que exprima o texto original da
forma mais exata possível na língua destino. O texto resultante também se chama tradução. Quem
desconhece o processo de tradução quase sempre trata o tradutor como mero conhecedor de
dois ou mais idiomas.
Como vimos no atual contexto dos estudos da tradução, percebe-se um deslocamento do
eixo da linguística para o eixo dos estudos culturais e a crescente configuração como uma
interdisciplina. Portanto, o conhecimento da língua não é isolado, mas dialoga com a cultura dos
usuários da língua.
Esperamos que o estudo desta disciplina possa ter contribuído com um acréscimo de
conhecimento que auxilie a vocês na prática de ensino da Libras como primeira e/ou segunda
língua.
LETRAS LIBRAS|144
REFERÊNCIAS
DELISLE, J. Os Tradutores na História. São Paulo: Ática, Tradução Sérgio Bath, 1998.
MASUTTI, M. L. Tradução cultural: desconstruções logofonocêntricas em zonas de contato entre surdos e
ouvintes. Florianópolis: Ed. UFSC, 2007.
QUADROS, R. M. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa. Secretaria de
Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos - Brasília: MEC ; SEESP, 2004.
SACKS, O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SALLES, H. M. M. L. Ensino de língua portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Brasília:
MEC; SEESP, 2004.
SEGALA, R. R. Tradução intermodal e intersemiótica/interlingual: Português brasileiro escrito para Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis: Ed. UFSC, 2010. SKLIAR, C. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 2005.
SOUZA JÚNIOR, J. E. G. Teoria e prática de tradução e interpretação da língua de sinais. São Paulo: Know
How, 2010.
STRÖBEL, K. L. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.
VASCONCELLOS, M. L. Estudos da Tradução I. UFSC: Santa Catarina, 2009.
LETRAS LIBRAS|145
ESCRITA
DE SINAIS II
LETRAS LIBRAS|146
LETRAS LIBRAS|147
ESCRITA DE SINAIS II
Severina Batista de Farias Klimsa29
Bernardo Luís Torres Klimsa30
APRESENTAÇÃO
Prezado(a) aluno(a)
Sejam bem vindo(a)s à disciplina de ESCRITA DE SINAIS II.
Vamos iniciar, a partir de agora novos estudos em escrita de sinais que serão uma
continuidade da disciplina anteriormente cursada. São conhecimentos novos e bem práticos para
que você possa de fato começar sua caminhada na aquisição da escrita da língua brasileira de
sinais.
29
Professora Assistente da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Doutoranda do programa de pós-graduação em
Linguística da UFPB. Mestre em Educação com proficiência no uso e ensino de Libras. E-mail: [email protected]
30 Professor temporário da UFRPE na disciplina de Libras. Professor efetivo de Libras da Secretaria de Educação de PE e gestor do
CAS – Centro e Apoio ao Surdo. Mestrando em Ciências da Linguagem com proficiência no uso e ensino de Libras. E-mail:
LETRAS LIBRAS|148
Os assuntos foram escolhidos com bastante cuidado e esperamos que você aproveite cada
um para que em posterior a sua formação acadêmica você seja um profissional diferenciado e
qualificado.
Para que você tenha uma visão melhor de como trabalharemos na disciplina veja como
ficou organizado o conteúdo programático que serão estudados durante 60 horas.
I – Conteúdo programático
1 A história da escrita
2 Sistema de notação em escrita de sinais
2.1 O sistema de notação de Stokoe
2.2 O sistema de François Neves
2.3 O sistema de Hamnosys – 1989
2.4 O sistema D’Sign de Paul Jouison – 1990
2.5 Novas configurações de mãos
3 Movimentos
3.1 Movimento circular – plano parede
3.2 Movimento circular – plano chão
3.3 movimento circular – lateral
4 Formas de transcrição em escrita de sinais
5 Símbolos de movimentos de dedos
5.1 Dedo flexionado na articulação medial
5.2 Dedo estendido na articulação medial
5.3 Dedo flexionado na articulação proximal
5.4 Dedo estendido na articulação proximal
5.5 Dedos flexionados e estendidos na articulação proximal conjuntamente
5.6 Dedos flexionados e estendidos na articulação proximal separadamente
LETRAS LIBRAS|149
6 Dinâmica de movimentos
6.1 Movimento alternado
6.2 Um depois do outro
6.3 Tipos de movimentos
6.4 Configurações e orientação da mão
6.5 Flechas e outros símbolos de movimentos
7 Novas flechas de movimentos
8 Novas configurações de mãos
9 Tipos de movimentos de rotação
10 O que é a alfabetização em língua de sinais americana e inglês
11 Vocabulários em escrita de sinais
11.1 Calendário
11.2 Alimentos
11.3 Frutas
11.4 Verduras
11.5 Higiene
11.6 Estados brasileiros
11.7 Áreas do conhecimento
11.8 Meios de transportes
11.9 Meios de comunicação
11.10 Animais selvagens
II Metodologia
Em cada uma das unidades serão adotados os seguintes procedimentos: exposição de
conteúdos, levantamento de pontos para reflexão e discussão, apresentação de vários exemplos
LETRAS LIBRAS|150
para ilustrar os conteúdos, apresentação de texto para leitura obrigatória e roteiro de análise.
Esse encaminhamento metodológico será feito através da filmagem das unidades contidas no
texto-base da disciplina. As atividades individuais e/ou em grupos devem ser realizadas por todos
os alunos, conforme as unidades vão sendo trabalhadas e postadas posteriormente no ambiente
virtual.
III Processo Avaliativo
A avaliação será realizada por meio das atividades realizadas no ambiente virtual (moodle)
e provas presenciais.
Abraços a todos e bons estudos!
Profª Severina Klimsa e Bernardo Klimsa
Professores autores
LETRAS LIBRAS|151
UNIDADE I
1 A história da escrita
A necessidade de registrar os acontecimentos surgiu com o homem primitivo no tempo das
cavernas, quando este começou a gravar imagens nas paredes.
Durante milhares de anos os homens sentiram a necessidade de registrar as informações e
construíram progressivamente sistemas de representação. Desenvolvida também para guardar os
registros de contas e trocas comerciais, a escrita tornou-se um instrumento de valor inestimável
para a difusão de idéias e informações. Foi na Antiga Mesopotâmia, há cerca de seis mil anos
atrás, que se desenvolveu a escrita ideográfica, um dos inventos na progressão até a escrita
alfabética, agora usada mundialmente.
Em época bastante remota, homens e mulheres utilizam figuras para representar cada
objeto. Esta forma de expressão é chamada pictográfica. A fase pictórica apresenta uma escrita
bem simplificada dos objetos da realidade, por meio de desenhos que podem ser vistos nas
inscrições astecas presentes em cavernas, ou nas inscrições de cavernas do noroeste do Brasil.
Exemplos de escrita pictográfica
Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/
LETRAS LIBRAS|152
Após, surgiu à escrita ideográfica, que não utilizava
apenas rabiscos e figuras associados à imagem que se queria
registrar, mas sim uma imagem ou figura que representasse
uma ideia, tornando-se posteriormente uma convenção de
escrita. Os leitores dependiam do contexto e do senso comum
para decifrar o significado. As letras do nosso alfabeto vieram
desse tipo de evolução. Algumas escritas ideográficas mais
conhecidas são os hieróglifos egípcios, as escritas sumérias,
minóica e chinesa, da qual provém a escrita japonesa.
Depois essa escrita passa a associar símbolos
fonéticos, ainda sem nenhuma vogal, com os seus referentes:
é a chamada escrita fonética.
Escrita Alfabética
Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/
Primeiro surgiram os silabários, conjunto de sinais
específicos para representar as sílabas, isto é, os sinais
representavam sílabas inteira sem vez de letras individuais. Os
fenícios inventaram um sistema reduzido de caracteres que
representavam o som consonantal, característica das línguas
semíticas encontrada hoje na escrita árabe e hebraica.
Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/
LETRAS LIBRAS|153
Em seguida, os gregos adaptaram o sistema de escrita fenícia agregando as vogais e
criando assim a escrita alfabética.
(Alfabeto, palavra derivada de alfa e beta, as duas primeiras letras do alfabeto grego.)
Posteriormente, a escrita grega foi adaptada pelos romanos, constituindo-se o sistema
alfabético greco-romano, que deu origem ao nosso alfabeto. Esse sistema representa o menor
inventário de símbolos que permite a maior possibilidade combinatória de caracteres, isto é,
representação dos sons da fala em unidades menores que a sílaba.
Além da forma, a direção da escrita também é vista como elemento diferenciador de
sistemas de escrita.
Os chineses e japoneses escrevem da direita para a esquerda e em colunas. Os árabes
escrevem também da direita para a esquerda, mas em linhas de cima para baixo. O grego antigo
era escrito em linhas com direção alternada: uma linha da direita para a esquerda e a linha
seguinte da esquerda para a direita, invertendo a direção das letras; a terceira linha equivalia a
primeira e a quarta a segunda e assim sucessivamente. Esse método é chamado de
boustrophedon, uma palavra grega que significa “da maneira como o boi ara o campo”. Os
romanos instituíram a escrita da esquerda para a direita em linhas, que vigora até os dias de hoje
no nosso sistema alfabético.
A escrita é um método de registrar a memória cultural, política, artística, religiosa e social
de um povo. Instrumentaliza a reflexão, a expressão e a transmissão de informações, entre outras
necessidades sociais. Nesse sentido, a invenção do livro, sobretudo da imprensa, são marcos na
História da humanidade, passando a informação do domínio de poucos para o do público em
geral.
A escrita também mudou de outras maneiras, além da grafia, pois os materiais exigiam
abordagens diferenciadas. Os primeiros livros surgiram há cinco mil anos e eram feitos de barro, como
se fossem pequenas lajotas. Eles foram encontrados na Mesopotâmia e tiveram formas variadas: eram
quadrados, redondos, ovais ou retangulares e eram numerados para facilitar a consulta.
Os livros surgiram a partir da invenção da escrita. Cada povo escrevia seus livros em
materiais variados, conforme a disponibilidade. Quando se escrevia em materiais rígidos (barro,
madeira, metal, osso, bambu), os livros eram feitos de lâminas ou placas separadas. Quando se
escrevia em materiais flexíveis (tecido, papiro, couro, entrecasca de árvores), eram feitos em
dobras e rolos.
LETRAS LIBRAS|154
Livro em Bambu
Os chineses utilizavam tiras de bambu como material para
escrita. As tiras eram obtidas do caule da planta, raspadas
internamente e colocadas para secar. Depois, para formar o
livro, as fichas eram furadas nas extremidades se unidas por fios
de seda.
Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/
Papiro
Apesar de o bambu haver sido usado antes dos
papiros, a evolução da escrita está intimamente
ligada à utilização do papiro pelos escribas. As
folhas de papiro escritas eram emendadas e
formavam rolos. Os rolos de papiro, criados pelos
egípcios, eram chamados Volumem (rolos). O
volumem dificultava a leitura, pois o leitor tinha
de mantê-lo aberto, utilizando as duas mãos. O
título do livro era escrito no final do rolo.
Pergaminho
O pergaminho, um outro tipo de suporte à escrita, é
obtido a partir do couro cru esticado. Era um material
mais resistente, fino e durável que o papiro, além de
permitir a escrita em suas duas faces. Lavado ou lixado,
permitia escrever diversas vezes.
Foi o pergaminho que possibilitou o desenvolvimento
do códex (ancestral do livro contemporâneo), por meio da costura pelo vinco, sem que as folhas
se rasgassem ou se desgastassem pelo manuseio. Assim, os manuscritos foram evoluindo e
desenvolvendo novos suportes, até chegarem ao papel tal qual hoje o conhecemos.
Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/
LETRAS LIBRAS|155
Os primeiros manuscritos eram feitos pelos escribas. O escriba ocupava uma posição de
destaque na civilização, passava por um aprendizado básico em escolas e freqüentava cursos
superiores. No Egito, era o elo de comunicação entre os faraós, os sacerdotes e o povo. Durante a
Idade Média os escribas tornaram-se fonte de referência das leis e doutrinas que regiam a época.
Os manuscritos produzidos pelos escribas e copiados pelos copistas eram guardados em
bibliotecas nos mosteiros ou em outros estabelecimentos eclesiásticos, aos quais somente a Igreja
e os reis tinham acesso, o que assegurava à Igreja o monopólio quase integral do livro e da
informação. As principais atividades dos copistas eram copiar e multiplicar os textos, assim como
encadernar e organizar os livros manuscritos.
O esforço para multiplicar o livro durou séculos. Desde os copistas da Idade Média até o
surgimento da imprensa mantinham-se as mesmas preocupações: o uso da mesma caligrafia para
que um pedaço de um livro não ficasse diferente do outro e a possibilidade de expansão dos
conhecimentos.
Esses pressupostos contribuíram para que em 1450, na Alemanha, Gutenberg inventasse
a imprensa. Coma invenção dos caracteres móveis e da tipografia foi possível a reprodução
ilimitada de textos e imagens idênticos. Em vários pontos do mundo, diferentes pessoas podiam
ler as mesmas informações, graças ao processo de impressão. A partir dessa invenção foi aberto o
caminho para a popularização do livro, para o desenvolvimento da imprensa e para a
democratização da educação.
A criação de Gutenberg veio garantir de modo irreversível a leitura individual e silenciosa.
No que diz respeito ao leitor, pode-se dizer que ele passa a contar com uma série de vantagens
como: a separação das palavras, a paragrafação, a numeração e a titulação de capítulos. De um
leitor intensivo que dispunha apenas de um mínimo de diversidade de livros, vemos hoje um leitor
potencialmente extensivo e autônomo, que dispõe de uma variedade de títulos para se apropriar,
comparar e criar novos textos, a partir dos próprios comentários e das próprias reflexões.
2 Sistema de notações em escrita de sinais
São vários os sistemas de notações para a escrita de sinais da comunidade surda. Alguns
possuem centenas de símbolos. Os mais conhecidos são aqui apresentados resumidamente.
LETRAS LIBRAS|156
2.1 O sistema de notação de Stokoe
Stokoe (1919 – 2000) a quem atribuímos os estudos iniciais de caráter linguísticos da
língua de sinais, e sua equipe da Universidade de Gallaudet também iniciaram estudos criando um
sistema de notação a partir de cinco elementos.
01 – o lugar onde nos encontramos com 12 posições
02 – as configurações de mãos num total de 10 símbolos
03 – os 22 movimentos que indicam ação
04 – A orientação com quatro indicações
05 – os sinais diacríticos com duas possibilidades
O objetivo sistema que foi criado por Stokoe não era de ser utilizado pela comunidade
surda americana, mas de facilitar seus estudos linguísticos da língua de sinais americana.
Configurações de mãos de Stokoe
Fonte: http://www.signwriting.org.
LETRAS LIBRAS|157
2.2 – O sistema de François Neve
Pesquisador da Universidade de Liége (1996), François Neve cria um sistema mais
complexo, mas é derivado daquele de Stokoe. Com a utilização de códigos torna-se possível uma
numeração e tratamento informatizado dos signos. A escrita destes símbolos é feita em colunas
verticais de cima para baixo em uma única coluna quando a não dominante sinaliza ou em duas
colunas quando se utilizam as duas mãos. Os símbolos são organizados na seguinte ordem:
Configuração - (CO)
Localização – (LO)
Orientação – (ORI)
Ação – (ACT)
Fonte: http://www.signwriting.org.
O site da notação de Stokoe contem informações e exemplos designos escritos. http://www.signwriting.org/forums/linguistics/ling006.html
Saiba
mais
LETRAS LIBRAS|158
2.3 O sistema Hamnosys – 1989
Inventado na Universidade de Hamburgo, Alemanha, por Prillwitz, Vollhaber e seus
colaboradores. Esse sistema foi objeto de diversas versões para a informática. Distingue
principalmente:
As configurações de mãos
As orientações de dedos e da palma
As localizações sobre a cabeça e o tronco
Os tipos de movimentos
A pontuação
As modalidades de formas básicas de movimentos
Fonte: http://www.signwriting.org.
FIQUE LIGADO
O site de HamNoSys contém informações e exemplos como os signos escritos dos sinais.
http://www.sign-lang.uni-hamburg.de/Projekte/HamNoSys/HamNoSysErklaerungen/englisch/Contents.html
LETRAS LIBRAS|159
2.4 – O sistema D’Sign de Paul Jouison – 1990
É um sistema muito elaborado. Infelizmente seu criador morreu antes de poder explicar
completamente seu método. Segundo a Dra. Brigitte Garcia (2000), que recuperou suas notas e
escreveu uma tese sobre a pesquisa lingüística da Língua de Sinais Francesa - LSF incluindo o
estudo do trabalho de Jouison, a representação escrita proposta por ele não é uma simples
notação isolada, mas visa a ser uma autêntica escrita. O autor dá exemplos de frases sinalizadas
inteiramente transcritas em D`Sign. Sua ambição foi a de trabalhar sobre longas seqüências de
discursos sinalizados espontaneamente em filme, de descobriras unidades constitutivas da LSF,
que, segundo ele, não são nem os signos convencionais, nem os parâmetros de Stokoe que se
limita a uma descrição de sua forma visual.
Suas unidades-símbolos se organizam em famílias:
A escolha dos dedos
A escolha dos braços
As imagens
Os eixos de rotação
Os deslocamentos
As zonas do corpo e do espaço
Fragmentos do Sistema D’ Sign
Fonte: http://www.signwriting.org.
LETRAS LIBRAS|160
2.5. Novas configurações de mãos
Fonte: http://www.signwriting.org.
LETRAS LIBRAS|161
3. Movimentos
3.1 – Movimento circular – plano parede
O Signo escrito inclui símbolos que mostram movimentos circulares de vários tipos. Aqui
no exemplo, a mão e o antebraço se movem como uma unidade, com um movimento circular.
A ponta da flecha indica o lugar de inicio e a direção do movimento. Dentro deste tipo de
movimento circular, vamos distinguir três planos.
Fonte: http://www.signwriting.org.
Quando a mão se move em círculos é igual ao movimento que realizamos ao limparmos
uma janela.
O movimento é representado com esta flecha e encontra-se no plano parede.
LETRAS LIBRAS|162
3.2 – Movimento circular – plano chão
Quando a mão se move em círculo igualmente ao movimento que realizamos ao limpar
uma mesa, este movimento é representado com esta flecha.
A haste da flecha é mais grossa quando a mão está perto do corpo, e mais fina quando a
mão se afasta do corpo.
Fonte: http://www.signwriting.org.
3.3 – Movimento circular – lateral
Quando a mão se move em círculo igual ao que realizemos quando remamos um barco,
este movimento se representa com esta flecha.
A haste da flecha é mais grossa quando a mão está perto do corpo, e mais fina quando a
mão se afasta do corpo.
LETRAS LIBRAS|163
Fonte: http://www.signwriting.org.
4. Formas de transcrever em SignWriting
Conforme o Manual de SignWriting (1996) há três formas de se escrever os sinais
utilizando o sistema SignWriting.
1. Escrita com o corpo inteiro: utiliza a figura completa do corpo, uma forma mais fácil de ser entendida
pelos iniciantes. Esta forma é utilizada na Dinamarca pelas crianças surdas, intérpretes e familiares.
Também foi utilizada para criar dicionários na Dinamarca. O diagrama a seguir ilustra sinais dinamarqueses
escritos através de um programa chamado TegnBank desenvolvido pela lingüista Karen Albertsen do Centro
Surdo de Comunicação Total:
Fonte: http://www.signwriting.org.
2. Escrita de língua de sinais padrão em SignWriting: utiliza a figura com símbolos tornando o sinal uma
unidade visual. É a forma considerada padrão no uso da escrita da língua de sinais que vem sendo usada
nos Estados Unidos e em outros países como obras Il.
LETRAS LIBRAS|164
Exemplos do Hino Nacional – transcrição padrão
Fonte: http://www.signwriting.org.
3. Escrita simplificada ou escrita à mão: é uma forma simplificada da escrita padrão que exclui alguns
símbolos de contatos de maneira a facilitar a redação escrita a mão. A escrita simplificada não é baseada
em nenhuma língua de sinais. É um sistema genérico simplificado para anotar qualquer movimento ou
posição do corpo rapidamente. Pode ser definido como uma notação estenográfica, onde apenas os
elementos indispensáveis uma decodificação posterior são anotados. Assim, se você escreve uma língua de
sinais, no sistema simplificado, quando depois for ler suas notas, vai precisar de um anterior conhecimento
dos sinais da língua, porque a verdadeira natureza das anotações simplificadas dos movimentos é a de
deixar fora algumas informações que aparecem na escrita padrão em favor da rapidez.
LETRAS LIBRAS|165
Escrita simplificada
Fonte: http://www.signwriting.org.
Quanto à pergunta de quando se deve e quanto tempo se leva para aprender a escrita
simplificada Sutton coloca que costuma organizar a aprendizagem em três etapas:
• Escrita do SignWriting
• Literatura em SignWriting
• Escrita simplificada
Sutton conclui dizendo que coloca a escrita simplificada no final, quando a pessoa
consegue escrever uma história em SignWriting.
LETRAS LIBRAS|166
O sistema SignWriting é apresentado por seus criadores como uma escritura alfabética.
Essa afirmação sempre causa perplexidade devido à natureza espacial das línguas de sinais.
Boutora (2003) responde a esse questionamento dizendo que SignWriting é um sistema
elaborado sob duas influências fonéticas. Aquela de ter sido elaborada dentro de uma cultura
onde a escrita da língua oral é fonética e a segunda, dentro de um marco teórico onde os
componentes mínimos da LS são semelhantes a fonemas, o que conduz a ver a semelhança entre
os elementos gráficos mínimos e as letras. Assim se olharmos um símbolo veremos que ele
comporta de um lado elementos que indicam a articulação do signo gestual e de outra parte,
possibilitará diretamente o acesso ao sentido pela percepção global do símbolo gráfico.
As línguas de sinais são flexionadas como as línguas orais. Assim como um verbo em
português pode ser flexionado assim também os símbolos escritos. Se numa frase em SignWriting
há um verbo direcional flexionado, a direção do movimento e a orientação das mãos jogam um
papel funcional. Em um mesmo símbolo escrito nós podemos encontrar informações lexicais e
gramaticais. Ainda assim notamos que o sistema comporta elementos ideográficos como os sinais
de pontuação e que certos elementos gráficos de um símbolo se relacionam fortemente com o
princípio ideográfico. Coloca então, a autora, a hipótese de que o sistema se caracteriza como
ideofonográfico Isso aproxima o sistema das escrituras ocidentais de dominância fonética.
Ao concluir sua tese, Boutora afirma que o sistema SignWriting, para escrita das línguas
de sinais dos surdos, satisfaz os critérios que definem um sistema de escritura:
É uma forma gráfica que está apta a assegurar as funções da escrita, da possibilidade de distanciamento da língua, passando pelo armazenamento e transmissão de informação. Sua evolução acontecerá pelos objetivos de adaptação às novas práticas e situações. Veremos com o tempo se o sistema se adapta às novas línguas ou se são as línguas que se adaptarão à escrita. (Boutora, 2003, p.95).
LETRAS LIBRAS|167
5. Símbolos de movimentos de dedos
Os movimentos de dedos são compostos por seis símbolos.
Fonte: http://www.signwriting.org.
5.1 – Dedo flexionado na articulação medial
Quando a articulação média do dedo fecha (flexiona) este movimento do dedo fechando
é escrito com um ponto preto (preenchido).
O ponto é colocado perto da articulação do dedo que faz o movimento. Dois pontos
representam dois movimentos de flexão.
Fonte: http://www.signwriting.org.
LETRAS LIBRAS|168
5.2 – Dedo estendido na articulação medial
Quando a articulação média do dedo abre (estende), este movimento do dedo abrindo é
escrito com um ponto branco (não-preenchido). O ponto é colocado perto da articulação do dedo
que faz o movimento. Dois pontos representam dois movimentos de extensão.
Fonte: http://www.signwriting.org.
5.3 – Dedo flexionado na articulação proximal
Quando a articulação proximal do dedo flexiona, este movimento da articulação fechando
é escrito com uma pequena seta que aponta para baixo. A seta é colocada perto da articulação
proximal que faz o movimento. Duas setas indicam dois movimentos de flexão.
Fonte: http://www.signwriting.org.
5.4 – Dedo estendido na articulação proximal
Quando a articulação proximal do dedo estende, este movimento da articulação abrindo
é escrito com uma pequena seta apontando para cima. A seta é colocada perto da articulação
proximal que faz o movimento. Duas setas indicam dois movimentos de extensão.
Fonte: http://www.signwriting.org.
LETRAS LIBRAS|169
5.5 – Dedos flexionados e estendidos na articulação proximal conjuntamente
Os dedos se movem juntos na mesma direção, como um só. As articulações proximais dos
dedos estendem e flexionaram (para cima ou para baixo). Este movimento da articulação proximal
de abrir-fechar é escrito uma série de pequenas setas conectadas apontando para cima e para
baixo.
Fonte: http://www.signwriting.org.
5.6 – Dedos flexionados e estendidos na articulação proximal separadamente
Os dedos não se movimentam juntos como um só. Eles se movem em direções opostas.
Um se move para cima, enquanto os outros se movem para baixo (alternados). O símbolo do
movimento alternado da articulação proximal é escrito com duas séries de pequenas setas
apontando para cima e para baixo.
Fonte: http://www.signwriting.org.
6. Dinâmica de movimentos
Os símbolos de dinâmicas são pequenos símbolos colocados acima ou próximo dos
símbolos de movimento para representar intensidade, velocidade ou a “qualidade” do
movimento.
LETRAS LIBRAS|170
Simultaneidade: ambas mãos movem-se ao mesmo tempo (movimento simultâneo).
Fonte: http://www.signwriting.org.
6.1 – Movimento alternado
A direita se move numa direção, enquanto a esquerda se move na direção oposta.
Fonte: http://www.signwriting.org.
6.2 – Um depois do outro
Uma mão move enquanto a outra está imóvel – a mão direita move, enquanto a
esquerda mantém-se imóvel. Quando a esquerda move, à direita mantém-se imóvel.
LETRAS LIBRAS|171
Fonte: http://www.signwriting.org.
6.3 – Tipos de movimentos
LETRAS LIBRAS|172
RESUMINDO... Quando é você quem sinaliza a outra
pessoa, vê os sinais desde tua própria
perspectiva. A isto se chama “Perspectiva do
sinalizador”.
Fonte: http://www.signwriting.org.
LETRAS LIBRAS|173
6.4 – Configurações e orientação da mão
Fonte: http://www.signwriting.org.
6.5 – Flechas e outros símbolos de movimentos
Fonte: http://www.signwriting.org.
LETRAS LIBRAS|174
7. Novas flechas de movimentos
Fonte: http://www.signwriting.org.
8. Novas configurações de mãos
LETRAS LIBRAS|175
Fonte: http://www.signwriting.org.
9. Tipos de movimentos de rotação
Alguns movimentos circulares tem sua origem no pulso. O antebraço fica fixo e a mão gira
desde o pulso. Estas flechas representam os movimentos em três planos.
Fonte: http://www.signwriting.org.
LETRAS LIBRAS|176
Movimentos retos em que o pulso fica fixo e a mão se move é escrito desta forma.
A linha curta representa o pulso, o qual não se move, e a mão se move nas direções
indicadas pelas flechas.
Fonte: http://www.signwriting.org.
10. Desafios na alfabetização de surdos
No decorrer dos anos diferentes visões a cerca da pessoa surda foram surgindo, assim como
metodologias de trabalho. Durante muito tempo via-se a surdez como “patologia” e, portanto a
pessoa surda era excluída do grupo social por ser considerada um doente. Todos os esforços eram
no sentido de “curá-la” para que pudesse tornar-se o mais uniforme possível dos ouvintes,
inclusive no setor educacional este era um dos principais objetivos da educação: normalizar o
surdo.
E é justamente na escolarização dos surdos que se apresentam alguns obstáculos, e um
destes é processo de alfabetização. Embora se reconheça hoje que a pessoa surda tem uma
linguagem diferenciada e que se utiliza da mesma para poder comunicar-se, várias barreiras
apresentam-se, como por exemplo o desconhecimento da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).
Contudo, este é um dos caminhos necessários para um efetivo trabalho pedagógico de
alfabetização dos alunos surdos, por resultar em um aprendizado mais significativo para ele, uma
vez que está se respeitando sua linguagem .
A busca por uma alfabetização de qualidade requer dos educadores uma constante
elaboração e reelaboração de suas práticas, além da procura por caminhos que oportunizem aos
alunos surdos viverem em um ambiente mais solidário e cidadão, com direito a uma educação que
LETRAS LIBRAS|177
satisfaça suas necessidades tanto cognitivas quanto afetivas. “A respeito de suas necessidades
educativas é fundamental não desconsiderar sua interdependência com as demais necessidades
humanas, como aquelas citadas por Maslow”.(Mazzotta 1981p.35). Sendo assim, necessidades
fisiológicas, de segurança, de participação social, de estima ou reconhecimento e auto-realização
estão intricadas nas necessidades educacionais comuns e especiais cuja realização inclui a atuação
competente das escolas.
Investigar o processo de alfabetização de crianças surdas torna-se relevante na medida em
que esta etapa de escolarização incorpora neste indivíduo uma série de novas relações e
habilidades, como é o caso da aquisição da palavra escrita e da leitura que é oportunizada por
meio do contato deste indivíduo com o mundo das letras. Além disso, esta etapa da aprendizagem
é um momento de inicialização de caminhos a serem percorridos pela criança e que refletirão em
sua vida pessoal, social, psicológica e educacional.
É oportuno considerar que desde seu nascimento a criança encontra-se imersa em relações
sociais, sendo a família o primeiro grupo social base a estabelecer vínculos com a mesma. Dentro
deste grupo de relações a linguagem é o instrumento com o qual se torna possível o
estabelecimento e a imersão da criança no mesmo. De acordo com Góes: o modo e as
possibilidades dessa imersão são cruciais na surdez, considerando-se que é restrito ou impossível,
conforme o caso, o acesso a formas de linguagem que dependam de recursos de audição.
Sobretudo nas situações de surdez congênita ou precoce, em que há problemas de linguagem
falada, a incorporação da língua de sinais mostra-se necessária para que sejam configuradas
condições mais propícias à expansão das relações interpessoais. (1996 p.38).
A língua de sinais apresenta-se como o elemento indispensável nas relações sociais no qual
a criança está inserida e também em sua escolarização, pois será o meio de linguagem da criança
surda entre si e com as demais pessoas, sendo também importante no trabalho de alfabetização.
Tendo em vista que a LS é significativa no processo de alfabetização desses alunos, infelizmente
nossas escolas, ainda encontram-se despreparadas no sentido de um ambiente adequado, pois
necessitam, primeiramente, conhecer a LS, contar com a presença de um instrutor surdo que
servirá além de modelo de identidade surda também irá realizar a correspondência, do que está
sendo ensinado, em Língua de Sinais à criança.
É possível confirmar, segundo Bueno que uma das características mais relevantes no
processo de alfabetização de surdos é a seguinte:
LETRAS LIBRAS|178
O ensino da leitura e escrita para deficientes auditivos esbarrou sempre nos problemas relacionados com sua dificuldade de comunicação em geral. Como a escrita foi sempre ensinada às crianças ouvintes em correspondência com a linguagem oral, este também foi o caminho seguido pelos educadores de crianças surdas.(1982 p.38).
Confirma-se que o objetivo principal dentro do contexto de alfabetização é a aprendizagem
e a compreensão da escrita e da leitura, porém alfabetizar implica compreender, também, todos
esses fatores: físicos, cognitivos e os sociais. Quando a criança chega à escola, já possui muitos
conhecimentos acerca da escrita e da leitura, porém passa a utilizar esses conhecimentos num
contexto diferenciado daquele natural e cotidiano, com o qual está familiarizada, ou seja, depara-
se com uma linguagem nova, formal e padronizada, a fim de que possa escrever e compreender
textos escritos (descontextualizar). Buscando exemplificar é oportuno as seguintes questões:
como ocorre essa troca de contextos com o aluno surdo? Será que podemos fazer alguma
comparação com o aluno ouvinte?
Ao entrar na escola a criança ouvinte traz consigo uma bagagem lexical e as estruturas
lingüísticas quase todas estruturadas ao passo que o surdo, devido a sua condição poderá tardar a
sua aquisição. Mas, isto não quer dizer que se encontra menos capacitado que o ouvinte ou em
desvantagem e, é exatamente neste aspecto que reside um grande desafio na alfabetização
desses alunos que é a aquisição da leitura e da escrita em seu sentido mais amplo e complexo.
Os conhecimentos lingüísticos das crianças surdas podem apresentar sérias deficiências no
que se refere ao domínio de suas estruturas, sobretudo na produção escrita, caso não sejam
mediados adequadamente. De acordo com Fernandes essas deficiências podem ser demonstradas
por:
Dificuldades como léxico, falta de consciência de processos de formação de palavras,
desconhecimento da contração de preposição com o artigo, uso inadequado das preposições,
omissão de conetivos em geral e de verbos de ligação, troca do verbo ser por estar, uso indevido
dos verbos estar e ter, colocação inadequada do advérbio na frase, falta de domínio e uso restrito
de outras estruturas de subordinação. (1990 p.34).
Porém, pesquisas nesta área afirmam que alguns familiares de alunos surdos em fase de
alfabetização percebem que o uso dos sinais para eles pode ativar a sua competência lingüística,
facilitando a aprendizagem do Português na modalidade escrita, principalmente por aumentar a
compreensão.
LETRAS LIBRAS|179
Vygotsky (1996) em seus estudos relaciona a apropriação da linguagem escrita com o
amadurecimento da representação simbólica; para ler e escrever, as crianças não necessitam
restringir-se aspecto sensorial da fala e do significado das palavras, trabalhar com o símbolo que é
fundamental.
A Língua de Sinais pode, nesse sentido, viabilizar a interação entre os sujeitos, de modo a
favorecer um contexto propício para a aquisição da linguagem escrita pelo surdo. As atividades
lúdicas podem, também, intermediar o processo de aprendizagem, pois permitem à criança a
apropriação de códigos culturais compartilhados por ela e pelo grupo dando sentido ao que está
aprendendo. Além disso, o aluno surdo descobre-se como um ser autônomo e responsável, capaz
de produzir seu próprio conhecimento em reciprocidade com seu grupo de sala de aula, seja de
ouvintes ou de surdos.
No processo de alfabetização, o despertar para a escrita e a maneira como concretizar isso
são fatores que devem ser levados em consideração pelo professor, a partir do interesse da
criança pelo o que está sendo proposto. Nesse sentido, Battistel salienta, “a importância de se
planejar seu ensino de modo que este se torne necessário e tenha significado para a criança, que
seja incorporado a uma atividade necessária e relevante à vida. Que não se desenvolva como uma
simples habilidade de mãos e dedos, mas como uma atividade cultural complexa”, (1994, p.53).
Sendo assim, não pode ocorrer aprendizagem se esta não se encontrar contextualizada com o
ambiente sócio-cultural e nas relações com os demais, pois aprendemos na troca, nas experiências
socializadas com as pessoas com as quais convivemos.
Em relação ao aluno usuário da LS, torna-se necessário considerar que essa língua irá ser a
mediação entre ele e seus pares, contribuindo para o processo de construção do conhecimento,
que não ocorre afastado da utilização da linguagem seja ela de sinais ou não. Pode-se constatar na
realidade atual, que a Língua de Sinais vem tomando espaço na sala de aula caracterizando-se,
portanto como fundamental no contexto escolar. Alunos e professores demonstram estarem
empenhados a contribuir para que se solidifique e oportunize um contexto lingüístico favorável a
uma educação comprometida e de qualidade aos educandos. É preciso ressaltar ainda, que para a
concretização deste ambiente é de fundamental importância a presença do instrutor surdo no
ambiente escolar.
Valorizar os conhecimentos prévios dos alunos na etapa de alfabetização torna-se
componente imprescindível, porque cada criança traz consigo diferentes vivências e que na
LETRAS LIBRAS|180
maioria das vezes é na escola, principalmente na sala de aula, que se manifestam os valores
oriundos de sua situação sócio-cultural. Realizar um diagnóstico a fim de conhecer os saberes que
nossos alunos trazem consigo antes de iniciar o processo de alfabetização é um aspecto básico,
conforme aponta Ferreiro & Teberosky (1979). Neste trabalho, as autoras afirmam que as crianças
não chegam à escola vazias, sem saber nada sobre a língua. De acordo com a teoria, toda criança
passa por quatro fases até que seja alfabetizada:
- Pré-silábica: não consegue relacionar as letras com sons da língua falada;
- Silábica: interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada letra;
- Silábico-alfabética: mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas;
- Alfabética: domina, enfim, o valor das letras e sílabas.
Respeitar o nível de desenvolvimento e a maneira pela qual a criança adquira o
conhecimento a respeito da leitura e escrita é importante para que o professor saiba como agir
em sua prática. Cabe a este educador organizar atividades que contribuam a reflexão da criança
sobre a escrita, pois é atribuindo sentido e significados ao está fazendo é que ela aprende. Quanto
ao respeito à diversidade dos alunos, no que se refere a alunos surdos, é oportuno destacar
algumas considerações de Góes:
A deficiência não torna a criança um ser que tem possibilidades a menos; ela tem possibilidades diferentes. A deficiência não deve ser concebida como falta ou fraqueza, já que o indivíduo pode encontrar, a partir das relações sociais, outras formas de desenvolvimento com base em recursos distintos daqueles tipicamente acessíveis na cultura. (1996 p.35).
A ênfase encontra-se em trabalhar com as competências, com o que a criança é capaz de
nos proporcionar e não se restringir a um trabalho que está voltado somente às falhas e erros das
crianças. Por outro lado, não apontar os “erros” pode torna-se um processo passivo em que o
educador está cumprindo um papel de espectador e não de desafiador dos progressos das
crianças, respeitando-as e encorajando-as a progredirem em seus estágios de maturação.
No processo de ensino da leitura e escrita ao surdo, é fundamental que a LS, como primeira
língua dos surdos, favoreça as estruturas cognitivas que o ato de ler e escrever demandam. Da
mesma maneira, quanto mais precoce for o aprendizado da LS, maior será sua contribuição no
momento da escrita e, em seguida, essa escrita dará ferramentas indispensáveis para o
enriquecimento do léxico em LS. Sacks ressalta que:
LETRAS LIBRAS|181
A língua de sinais deve ser introduzida e adquirida o mais cedo possível, senão seu
desenvolvimento pode ser permanentemente retardado e prejudicado, com todos os problemas
ligados à capacidade de “proposicionar” *...+ no caso dos profundamente surdos, isso só pode ser
feito por meio da língua de sinais. Portanto, a surdez deve ser diagnosticada o mais cedo possível.
As crianças surdas precisam ser postas em contato primeiro com pessoas fluentes na língua de
sinais, sejam seus pais, professores ou outros. Assim que a comunicação por sinais for aprendida,
e ela pode ser fluente aos três anos de idade, tudo então pode decorrer: livre intercurso de
pensamento, livre fluxo de informações, aprendizado da leitura e escrita e, talvez, da fala. Não há
indícios de que o uso de uma língua de sinais iniba a aquisição da fala. De fato, provavelmente,
ocorre o inverso. (1998 p. 44):
Dessa forma percebe-se que a instauração de um trabalho eficiente de alfabetização
demanda o reconhecimento de que a língua de sinais é importante e imprescindível por
possibilitar o domínio lingüístico e a capacidade de expressar-se de forma plena e segura; e a
aprendizagem da leitura ou escrita em Português possibilitará a comunicação com o meio. Nesta
perspectiva, a escrita representa o direito de exercer cidadania, através da participação da vida
política, social e econômica do lugar em que vive. É importante destacar o papel da família no
processo evolutivo da criança, devendo proporcionar um ambiente de afeto, apoio e aceitação de
seu filho, somente assim ele poderá desenvolver-se de maneira a ter uma vida ativa, exercendo
seus direitos enquanto cidadão.
Diante deste enfoque, precisamos refletir sobre as práticas pedagógicas que estão sendo
utilizadas, tendo em vista conhecermos diferentes estudos e enfoques que tem permeado as
discussões sobre a alfabetização de surdos, no Brasil e no mundo. Considerando que a educação
de qualidade para todo e qualquer indivíduo é um direito, cuja responsabilidade para sua
efetivação real cabe a cada um de nós, a LS assume o caminho principal para a efetivação de uma
educação de qualidade a esses alunos.
Acrescento que um dos fatores essenciais do desenvolvimento humano a nível social reside
na tolerância e respeito à heterogeneidade das pessoas, que transferindo para a sala de aula, são
as trocas interpessoais que irão favorecer a criança surda enquanto cidadã o processo de
desenvolvimento de relações sociais.
A escola, enquanto instituição formal de ensino aprendizagem, deverá considerar o
desenvolvimento das crianças surdas como um processo social, assim como suas experiências de
LETRAS LIBRAS|182
linguagem concebidas como instâncias de significação e de mediação em suas relações culturais,
nas trocas com o outro. Além disso, a LS dentro do processo de alfabetização configura-se como
instrumento mediador e cultural neste ato educativo. Referindo-me as questões metodológicas na
alfabetização de surdos, é peculiar que o educador tenha uma nova postura de trabalho, ou seja,
que esteja inserido dentro de um contexto atual de educação e que busque o aprimoramento de
seus conhecimentos em Educação Especial.
Conclui-se que os desafios dentro do processo de alfabetização de crianças surdas são
complexos, mas que gradualmente podem ser superados, desde que não estejamos arraigados a
uma concepção de surdo como um deficiente na esfera lingüístico-comunicativa ou então de
construção de uma identidade social, pois assim nosso trabalho pedagógico não se tornará
diferenciado, uma vez que estará impregnado por estes fatores. Devemos conceber que não são
nossos traços ou características deficitárias que nos tornam diferentes, mas sim o processo de
construção de identidade de cada um de nós.
11. Vocabulário em escrita de sinais
11.1 – Calendário
LETRAS LIBRAS|183
11.2 - Alimentos
LETRAS LIBRAS|184
11.3 - Frutas
11.4 – Verduras
LETRAS LIBRAS|185
11.5 – Higiene
11.6 – Estados Brasileiros
LETRAS LIBRAS|186
11.7 – Áreas do conhecimento
LETRAS LIBRAS|187
11.8 – Meios de transportes
11.9 – Meios de comunicação
LETRAS LIBRAS|188
11.10 – Animais selvagens
Fonte: http://rocha.ucpel.tche.br/signwriting/dicionario-basico/dicionario-basico.htm
Referências
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LETRAS LIBRAS|190
LETRAS LIBRAS|191
SEMÂNTICA
E PRAGMÁTICA
LETRAS LIBRAS|192
LETRAS LIBRAS|193
LETRAS LIBRAS|194
SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA
APRESENTAÇÃO
Olá, prezad@ alun@!
Neste módulo estudaremos duas disciplinas: Semântica e Pragmática. Sempre que
iniciamos uma disciplina, nós, como alunos, desejamos logo alguma definição precisa. Trata-se de
um desejo natural, pois é a partir dessa definição que nos situarmos em nossa caminhada por toda
a disciplina. A definição chega a ser um roteiro de viagem, chega a ser até mesmo as “lentes” por
meio das quais observaremos um determinado conjunto de fatos. Toda definição, vale lembrar, é
limitante, mas alguns limites são necessários e, no nosso caso, didaticamente desejáveis.
Uma definição possível para Semântica é “o estudo do significado”. Não só possível como
também muito corrente. Não obstante, essa definição é um modo vago de apresentar a disciplina,
pois a pragmática também é o estudo do significado.
A semântica é uma disciplina que perpassa várias outras e, para alguns linguistas, a
exemplo dos cognitivistas, chega até mesmo a ser o núcleo da gramática, ainda que a separação
dos componentes de uma gramática em disciplinas seja uma questão antes de tudo didática, pois
na prática linguística cotidiana não conseguimos separar tais componentes facilmente. Isentando-
nos de maiores discussões, assumamos que a disciplina semântica é o estudo do significado
linguístico.
A pragmática, ao seu turno, comumente não é vista como uma componente da gramática.
Geralmente é assumida como o uso linguístico que nos dá a habilidade de interpretar e produzir
LETRAS LIBRAS|195
significados em situações de interação (real ou virtual). Consequentemente, a disciplina
pragmática é o estudo do significado construído pelo uso linguístico.
No momento, basta-nos essas duas definições para seguirmos em frente. Durante o estudo
das unidades, você verá um pouco do que cada uma dessas disciplinas tratam. E, à medida que
formos avançando nos estudos, as definições de tais disciplinas se mostrarão claras.
Em alguns momentos, você certamente vai dizer a si mesm@ que semântica e pragmática
são duas “viagens”. Não vou tentar convencer você de que não são. Pode até ser que sejam, mas,
se forem, são viagens que precisam ser orientadas por boas bases teóricas, para que possamos
chegar a resultados significativos e interessantes.
Para que possamos então, com a unidade I, iniciar nossos estudos, quero registrar meus
agradecimentos a algumas pessoas que contribuíram de formas diversas e significativas na
elaboração deste módulo:
- A Nilton Barbosa de Souza Filho, Luciana Walesca de Souza Moura e Mônica da Silva Lima, nossos
assessores, pelos julgamentos de gramaticalidade de nativos a respeito dos exemplos usados em Libras
e por se disporem a serem fotografados para tais exemplos;
- A Alexandre Baracuhy Grisi Barbosa por fotografar e editar os exemplos em Libras;
- A Regina de Fátima Freire Valentim Monteiro, nossa tutora, pela pronta ajuda e organização nas
fotografias e nas gravações.
- À Profa. Nayara de Almeida Adriano pelos julgamentos de gramaticalidade e pelo valioso e
incansável trabalho de gravação do material.
Cordiais saudações,
MAGDIEL MEDEIROS ARAGÃO NETO
LETRAS LIBRAS|196
UNIDADE I
SIGNIFICADO
Na introdução deste módulo, apresentei a Semântica31 como o estudo do significado
linguístico e a Pragmática como o estudo do significado construído pelo uso linguístico. Mas o que
é o significado? O que podemos entender por significado? Ao colocar essas duas questões em
cena, estamos pressupondo que existe algo que seja “o significado”. As respostas possíveis, como
você verá ao longo deste capítulo, dependem de quais lentes usarmos, ou seja, de a qual
perspectiva nos filiarmos.
Na filosofia antiga, como mostra Platão, os gregos já se questionavam sobre o que é o
significado. Essa questão girava em torno de outra: existe uma relação natural entre as palavras e
as coisas ou essa relação é convencional?
Os naturalistas acreditavam que existia uma relação entre as palavras e as coisas. Assim,
assumia-se, por exemplo, que existia uma relação natural entre a palavra casa e o objeto que
utilizamos como moradia, i.e., uma relação natural entre casa e um objeto do mundo.
Os não naturalistas, chamados de convencionalistas, negavam a existência de tal relação e
o argumento apresentado era e é muito convincente: se houvesse uma relação natural entre casa
e (alg)uma casa do mundo, então não poderiam existir house, domus, maison, うち etc. para
nomear o mesmo objeto, pois a relação ocorreria necessariamente entre uma única palavra e um
único objeto, ou seja, de um para um. Assim sendo, uma vez que o objeto estivesse relacionado a
uma palavra, ele não poderia relacionar-se a mais nenhuma outra. Além do mais, que relação
poderíamos perceber entre uma casa e qualquer uma das palavras que significam “casa”? Por mais
que queiramos, de fato é difícil imaginar essa relação.
Alguns estudiosos, a exemplo do filólogo alemão Walter Porzic, tentaram sustentar uma
possível relação natural entre as palavras e as coisas tomando como base as onomatopéias, que
são palavras ditas serem fiéis aos sons que representam: tic-tac para o som de alguns relógios de
parede, au-au para o latido, oinc oinc para o grunhido, e por aí vai. Esse, no entanto, acredita-se
31
Para conhecer um pouco da história da semântica, consulte: TAMBA-MECZ, Irène. A semântica. São Paulo: Parábola, 2006.
LETRAS LIBRAS|197
não ser um argumento muito forte, pois, ainda que os sons não sejam os mesmos no mundo
inteiro, as onomatopéias não são as mesmas em todas as línguas: em inglês tem-se tick tock para o
som de alguns relógios de parede, bow wow para o latido, oink oink para o grunhido; e em francês
respectivamente tic tac, auf auf e groin groin. Como se pode ver, há semelhanças e diferenças
entre onomatopéias de mesmos sons em línguas diferentes. Assim, mesmo se percebendo certa
relação natural, ou seja, motivação entre as onomatopéias e os sons que elas representam, não
podemos falar em motivação total.
Oposta à relação natural, a convencionalidade não ocorre de forma manifesta, pois não há
uma ocasião em que os falantes de uma língua reúnem-se para convencionar a quais objetos as
palavras devem “se prender”. Trata-se então de uma convencionalidade não explícita, i.e., de uma
relação arbitrária, como assumira o linguista suíço Ferdinand de Saussure. Não obstante, como
também demonstra Saussure, há signos cuja motivação não podemos negar, ainda que eles
tomem como base signos não motivados: dezesseis é um bom exemplo de signo não arbitrário,
pois é motivado de dez, e e seis, ainda que estes três signos não sejam eles próprios motivados. As
onomatopéias, como vimos, também são bastante motivadas, embora não plenamente.
O resultado de toda a discussão acerca da naturalidade ou não da relação entre as palavras
e os objetos é que hoje em dia os linguistas assumem tranquilamente que nas línguas naturais não
há uma relação natural entre as palavras e os objetos. Essa conclusão nos leva a assumir que o
signo linguístico é arbitrário, ou, mais especificamente, que a relação entre significante e
significado é arbitrária.
Pensemos agora nas línguas de sinais. Elas indubitavelmente são línguas naturais, mas,
como mostram Trevor Johnston e Adam Schembri (2007), elas apresentam muita iconicidade, o
que nos leva a repensar a questão da arbitrariedade do signo. Lembremos que o contexto
saussureano era outro, e uma língua tal como Libras seria, naquele contexto, considerada apenas
uma linguagem.
Ao se reconhecer o estatuto de língua natural para as línguas de sinais, é preciso também
reconhecer que há línguas que são bem mais motivadas que outras, ou seja, menos arbitrárias que
outras, ainda que essa motivação não tenha permanecido muito transparente e ainda que tais
línguas não sejam totalmente motivadas. Parcimônia é necessário e não devemos ser extremistas
nem para as línguas oralizadas nem para as línguas sinalizadas.
LETRAS LIBRAS|198
Reconhecemos que entre a palavra espelho e objeto espelho não há uma relação natural,
mas temos que reconhecer uma relação natural entre a palavra espelho em Libras32 e o objeto
espelho, essa relação inclusive se mantém presente em outras línguas de sinais, como ASL33 e
Auslan34. O mesmo se pode dizer do signo para casa35 em Libras, mas ele é parcialmente distinto
dos seus equivalentes em ASL36 e Auslan37 que, além de serem o mesmo signo, também
apresentam uma relação natural como o objeto casa.
Por outro lado, não é porque há uma relação natural entre o signo para casa e o objeto casa
que podemos assumir que em Libras e nas outras línguas de sinais a relação entre as palavras e os
objetos dá-se sempre de forma natural. Lembremos do signo para amarelo em Libras38 e tentemos
estabelecer alguma relação natural, alguma motivação, para essa palavra e o objeto que ela
nomeia: a tentativa será vã. Se algum dia houve uma motivação, ela hoje já não é mais
transparente. Se compararmos o signo para amarelo em Libras com as respectivas versões em
ASL39 e Auslan40, veremos que os três sinais são diferentes e talvez o único que ainda apresente
alguma aparente motivação seja o sinal em Auslan, que para alguns talvez lembre um sol. Neste
ponto você pode argumentar que a não motivação do sinal para amarelo nas línguas citadas é
decorrente do fato de não haver no mundo uma forma específica para a cor amarela. Esse de fato
é um argumento consistente, mas cuidado para não cair no oposto e deduzir que todos os signos
que denotam entidades concretas têm motivação transparente. Se essa dedução fosse adequada
os signos para sapato e para lápis não teriam realizações diferentes nas três línguas em questão.
Os dados mostram então que até mesmo para línguas de sinais, que apresentam maior
iconicidade e, por conseguinte, maior motivação e menos arbitrariedade, é inadequado assumir
que o significado de uma palavra é o objeto que ela nomeia. Assim sendo, voltamos então à
questão inicial: “O que é o significado?”.
32
Disponível em < http://www.acessobrasil.org.br/libras/ >. Acesso: 09 dez. 2011.
33 Disponível em < http://www.signingsavvy.com/sign/MIRROR >. Acesso: 09 dez. 2011.
34 Disponível em < http://www.auslan.org.au/dictionary/words/mirror-1.html >. Acesso: 09 dez. 2011.
35 Disponível em < http://www.acessobrasil.org.br/libras/ >. Acesso: 09 dez. 2011.
36 Disponível em < http://www.signingsavvy.com/sign/HOUSE >. Acesso: 09 dez. 2011.
37 Disponível em < http://www.auslan.org.au/dictionary/gloss/house1a.html?lastmatch=out-1 >.
38 Disponível em < http://www.acessobrasil.org.br/libras/ >. Acesso: 09 dez. 2011.
39 Disponível em < http://www.signingsavvy.com/sign/yellow >. Acesso: 09 dez. 2011.
40 Disponível em < http://www.auslan.org.au/dictionary/words/yellow-1.html >. Acesso: 09 dez. 2011.
LETRAS LIBRAS|199
Uma boa resposta, aceita por diversos linguistas, é apresentada pelo filósofo e matemático
alemão Gottlob Frege (1978 [1892]). Frege diz que o significado é uma entidade composta de três
partes: o sentido, a referência e a representação. Como a representação é uma parte do
significado muito pessoal, que diz respeito a como o indivíduo concebe as coisas do mundo, Frege
assume que ela interessa à psicologia e não aos estudos da linguagem. Assim sendo, o significado
linguístico resta constituído de duas partes: o sentido e a referência.
No caso das palavras, a referência diz respeito a cada um dos objetos a que nos referimos: a
referência de livro, por exemplo, é qualquer um dos objetos que caibam no conjunto dos livros, ou
seja, é um objeto do tipo livro. Assim sendo, a referência estabelece-se numa relação entre língua
e mundo, mais precisamente na relação entre uma palavra e um objeto do mundo.
O sentido, ao seu turno, é uma forma linguística de apresentarmos um referente, ou seja, é
uma forma de apresentarmos um objeto. Por ser uma forma linguística, o sentido é
necessariamente comum a uma comunidade linguística, pois ele não pertence exclusivamente ao
indivíduo. Podemos, por exemplo, apresentar o objeto/referente casa como “construção destinada
a moradia” ou como “lugar onde residem pessoas”. Essas duas formas de apresentação do objeto
casa são sentidos da palavra casa. Mas podemos também apresentar o mesmo objeto como
“prédio”, “lar” e “residência” essas outras três formas de apresentação também são outros
sentidos de casa. O sentido, como você pede perceber, é comum a uma comunidade linguística
porque essa comunidade o assume como pertinente e não tem dificuldade para entendê-lo.
As noções de significado, referência e sentido podem ser resumidas pela fórmula em (01) e
visualizadas no quadro abaixo.
(01) SIGNIFICADO = SENTIDO + REFERÊNCIA
SIGNO
SIGNIFICADO
SENTIDO REFERÊNCIA
- construção destinada a moradia; - lugar onde residem pessoas; - prédio; - lar; - residência; - ...
Frege, matemático e lógico que era, restringia seus estudos da língua ao âmbito da filosofia
e não tinha muito interesse por questões das línguas naturais. Ele estava mais interessado em uma
LETRAS LIBRAS|200
máquina de linguagem isenta de ambiguidades. No âmbito da linguística, o trabalho de Frege
influencia o trabalho do britânico John Lyons (1968), que sistematiza outra noção de significado ao
afirmar que o significado semântico é composto de sentido e denotação. O linguista mostra que o
sentido de que Frege tratava interessa à semântica, mas a referência interessa à pragmática
porque diz respeito a entidades específicas que só (re)conhecemos por meio do contexto de
enunciação. Considerando (02) um enunciado a expressão o livro refere-se a um único livro do
mundo: ao livro específico que é citado no contexto de uso.
(02)
O livro está sobre a mesa.
Para complementar a noção de sentido e completar a de significado, Lyons (1968)
assume a noção de denotação presente no trabalho de Platão. A denotação de uma palavra é
o conjunto de todos os elementos aos quais a palavra pode fazer referência. Assim sendo, o
termo livro não denota um livro específico, mas sim qualquer livro do mundo, i.e., qualquer
um dos objetos que caiba no conjunto dos livros. Considerando (02) uma sentença, a
expressão o livro não denota um objeto específico, mas qualquer objeto do conjunto dos
livros. A noção de denotação é interessante porque nos permite falar de livros em geral e não
apenas de livros específicos.
Após a reformulação de Lyons (1968), a noção de significado passa a ser definida pela
equação em (03) e pode ser visualizada no quadro abaixo.
(03) SIGNIFICADO = SENTIDO + DENOTAÇÃO
SIGNO
SIGNIFICADO
SENTIDO DENOTAÇÃO
- construção destinada a moradia; - lugar onde residem pessoas; - prédio; - lar; - residência; - ...
LETRAS LIBRAS|201
41
e mais qualquer uma das outras casas do mundo.
Tanto a abordagem de Frege (1978 [1892]) quanto a de Lyons (1968) se enquadram no
escopo da semântica formal. Essa semântica também se interessa por outra unidade de análise
diferente da palavra: a sentença. Sentença é uma unidade abstrata situada fora de contextos de
uso, ou seja, é uma unidade que não foi usada em situação efetiva de comunicação. As sequências
em (04) e (05) são exemplos de sentenças. Ao analisá-las, a semântica não observa em quais
contextos elas podem ser efetivamente usadas.
(04)
João beijou Maria.
(05)
Que horas são?
No nível da sentença, a semântica formal é também chamada de semântica verifuncional.
Tal semântica assume que o significado das sentenças desse tipo, assim como o das palavras, é
composto de sentido e denotação. No entanto, como avalia a denotação das sentenças em termos
de condições de verdade, estabelece que a denotação de uma sentença não é uma coisa ou
evento do mundo, mas sim as suas condições de verdade. Atrelada à sentença há também a noção
de proposição, que é um específico estado de coisas do mundo. Proposição, como lembra Yan
41
Disponível em: <http://www.google.com.br/search?q=foto+de+casas&hl=pt-BR&client=firefox-a&hs=6jC&rls=org.mozilla:pt-BR:official&prmd=imvns&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=C3fyTpeEE4TDgQeL5OGlAg&ved=0CDgQsAQ&biw=1276&bih=670>. Acesso em: 09 dez. 2011.
LETRAS LIBRAS|202
Huang (2007), é uma noção mais abstrata que a sentença, porém, é por meio de sentenças que a
proposição se manifesta. Se houver, por exemplo, um estado de coisas específico em que um
indivíduo chamado João comeu um determinado bolo, esse estado de coisas só consegue se
manifestar linguisticamente por meio de alguma proposição. Isso, no entanto, não significa que é
por meio de uma única sentença que uma proposição se apresenta, o estado de coisas
mencionado acima pode, por exemplo, ser expresso por pelo menos as três sentenças diferentes:
(06), (07) e (08) abaixo.
(06)
João comeu o bolo.
(07)
O bolo foi comido por João.
(08)
O bolo, João comeu.
Observemos ainda que toda proposição precisa necessariamente receber um valor de
verdade, seja verdadeiro seja falso. Por exemplo: a proposição expressa por (06), (07) e (08) será
verdadeira se for enunciada em uma situação na qual João realmente tenha comido o bolo. Já a
proposição, ou estado de “existir uma presidenta do Brasil e ela ter sido presa política”, em (09)
abaixo, é verdadeira se (09) for enunciada hoje, mas se (09) houvesse sido enunciada em 2009 a
proposição seria falsa porque não havia alguém que servisse de referência para a presidenta do
Brasil.
LETRAS LIBRAS|203
(09)
A presidenta do Brasil foi presa política.
A noção de proposição é muito importante, por exemplo, para o trabalho como intérprete.
Ao interpretar sentenças de uma língua para outra, o intérprete deverá transportar uma
proposição da língua fonte para a língua alvo. Se a proposição não se mantiver entre as duas
línguas, o profissional não terá feito um bom trabalho porque terá adulterado o conteúdo
traduzido.
Se as proposições têm valor de verdade, o mesmo não vale para as sentenças, estas têm
condições de verdade. As condições de verdade de uma sentença “*...+ são as condições que o
mundo precisa apresentar para que a sentença seja verdadeira.”42 (HUANG, 2007, p. 15). Assim, as
condições para a sentença (09) acima ser verdadeira são: 1) que exista um Brasil; 2) que exista
alguém que seja a presidenta do Brasil; e 3) que essa mesma pessoa tenha sido presa política. Se
tais condições forem satisfeitas, a sentença será verdadeira. Uma sentença será verdadeira apenas
se todas as suas condições forem satisfeitas em algum mundo possível. Se, porém, pelo menos
uma das condições para a sentença ser verdadeira não for satisfeita em algum mundo possível, a
sentença será falsa.
Há uma fórmula “fixa” para se começar a estabelecer as condições de verdade de uma
sentença: “A sentença X é verdadeira se e somente se...(condições)”. Observe na prática como isso
é feito para a sentença (09) acima: a sentença ‘A presidenta do Brasil foi presa política’ é
verdadeira se e somente se em determinado momento simultâneo ao da minha enunciação/fala
(pois a sentença está no presente): 1) existe uma entidade tal que essa entidade seja o Brasil; 2)
existe um indivíduo tal que esse indivíduo seja a presidenta do Brasil e tenha sido preso político. Se
considerarmos que todas essas condições são satisfeitas, diremos que a sentença verdadeira. Se,
por outro lado, considerarmos que pelo menos uma das condições não é satisfeita, diremos que a
sentença falsa.
42
“*...+ are the conditions that the world must meet for the sentence to be true.” (HUANG, 2007, p.15).
LETRAS LIBRAS|204
Há, porém, uma observação muito importante que não devemos esquecer: ao
estabelecermos as condições de verdade de uma sentença, estamos apenas avaliando as
condições nas quais a sentença pode ser considerada verdadeira, não estamos verificando no
mundo se a sentença é de fato verdadeira. Isso implica podermos considerar uma sentença
verdadeira ou falsa sem precisarmos checar no mundo se ela é verdadeira ou não. Isso é possível
porque, como sentenças são unidades que não fazem parte do uso efetivo da língua, podemos
apenas prever sob quais circunstâncias elas podem ser verdadeiras ou falsas. Já as proposições,
quando enunciadas, devem receber um valor de verdade, pois uma vez enunciadas elas fazem
parte do uso efetivo da língua e sua verdade pode ser checada no mundo.
A abordagem formal, também chamada denotacional, referencial ou extensional, consegue
dar conta de uma série de questões, mas, segundo alguns linguistas, ela deixa a desejar quando
nos lembramos que há expressões que são não referenciais como de, talvez, no entanto e muito.
Sem dificuldade alguma podemos observar que “Essa palavras certamente contribuem no
significado das sentenças nas quais elas ocorrem e assim ajudam as sentenças a denotarem, mas
elas próprias não identificam entidades no mundo.”43 (SAAED, 2009, p. 26). Outro caso de palavras
não referenciais são as que nomeiam entidades que não existem neste mundo biofísico em que
vivemos, como unicórnio, Saci Pererê e Wolverine.
Também na semântica formal, como lembra Pires de Oliveira (2001), a interpretação de
conectivos pode ser simplificada em excesso. Este é o caso de e e mas que, mesmo tendo sentidos
distintos, recebem a mesma interpretação em semântica formal, o que implica em ter-se que
considerar as sentenças (10) e (11) sinônimas, quando claramente percebemos que não são.
(10)
João chegou e Maria saiu.
43
“*...+ This words do of course contribute meaning to the sentences they occur in and thus help sentences denote, but they do not
themselves identify entities in the world.” (SAAED, 2009, p. 26).
LETRAS LIBRAS|205
(11)
João chegou mas Maria saiu.
Segundo Oswald Ducrot (1987) o significado, ou mais precisamente a significação, é o valor
semântico da frase e o sentido é o valor semântico do enunciado. A frase, assim como a sentença,
é uma entidade abstrata que, por não pertencer ao contexto de comunicação, serve de objeto
apenas para a análise linguística. Frase e sentença44, porém, não são noções que se recobrem:
sentença diz respeito a uma sequência sintática bem-formada que comporta necessariamente um
núcleo verbal que a estrutura, a exemplo de (10) e (11) acima, a frase, ao seu turno, pode ter essa
mesma estrutura, mas pode também se apresentar sem um núcleo verbal, como (12) e (13)
abaixo. Assim sendo, a noção de frase comporta a de sentença, mas o contrário não é verdadeiro.
(12) (13)
Silêncio! Beijo!
Segundo a semântica argumentativa, as pessoas não se comunicam por meio de frases,
mas sim de enunciados. Os enunciados são as manifestações concretas de frases, são entidades
linguísticas pertencentes à situação real ou virtual de comunicação. Em (10)–(13) temos apenas
quatro frases, se, porém, essas frases forem usadas em uma situação de comunicação, elas, por
meio da enunciação, serão transformadas em enunciados.
A enunciação é, então, o processo pelo qual uma sentença se transforma em um
enunciado numa determinada situação de uso. Podemos imaginar, seguindo a figura abaixo, que a
enunciação é uma máquina na qual entra uma frase, e, depois de um processo interno da tal
“máquina”, essa frase se transforma em enunciado e em seguida sai da máquina para o uso.
44
Ducrot não trabalha com a noção de sentenças, apenas de frase. Faço a comparação para vermos que há pontos em comum
entre as duas teorias.
LETRAS LIBRAS|206
Na semântica formal, quando analisamos sentenças e até mesmo textos, geralmente não
nos preocupamos em observar como tais sentenças e textos poderiam de fato ser usados. A
semântica argumentativa, ao contrário, interessa-se pelo uso linguístico, mas sempre busca ter
como base e finalidade estratégias linguísticas e discursivas, e não elementos do mundo em si.
Disso decorre que, para a semântica argumentativa, se a frase não é uma entidade linguística em
uso, seu valor semântico, seu significado, é bastante estável. Assim sendo, por estar fora de
contexto, a frase em (14) vai sempre significar a mesma coisa: “No presente momento, o relógio
marca 10 horas.”.
(14)
São 10 horas.
Como para a semântica argumentativa a língua não é essencialmente descritiva, mas
essencialmente argumentativa, a crença que permeia toda a teoria é que a língua é um
instrumento do qual nos valemos para realizar os constantes jogos de persuasão e
convencimento. Esses jogos não visam a convencer o outro de alguma verdade do mundo, visam
antes a fazer o outro aceitar ou rejeitar os pontos de vista que colocamos em cena por meio dos
nossos enunciados. Assim, ao enunciarmos, sempre realizamos o ato de argumentar, que se dá
por meio da apresentação de argumentos pelos quais tentamos levar nosso interlocutor a
determinadas conclusões.
Se então a finalidade dos enunciados é argumentar, quando a sentença em (14) é
enunciada na Situação 01 a seguir seu sentido é “Ainda está cedo.”. Esse sentido funciona como
LETRAS LIBRAS|207
argumento a fim de persuadir o locutor A a ficar mais um pouco na festa, ou seja, funciona como
argumento contra a conclusão “Vamos embora.”.
Situação 01:
A quer ir embora de um jantar mas B quer ficar.
A: Vamos embora?
B: Ah, vamos ficar mais um pouco! São 10 horas.
Quando, porém, a sentença em (14) é enunciada na Situação 02, seu sentido, que é
dinâmico, é “Está tarde.”. Esse sentido funciona como uma adesão à proposta de A para ir
embora, ou seja, funciona como argumento a favor da conclusão “Vamos embora.”.
Situação 02:
A e B querem ir embora de um jantar.
A: Vamos embora?
B: Vamos sim. São dez horas.
A dinamicidade do sentido é resultante de um postulado da semântica argumentativa:
cada enunciado é único. Isso significa que, toda vez que (14) passar pelo processo de enunciação,
o resultado será um novo enunciado porque das variáveis que compõem o processo de
enunciação (quem, onde e quando), pelo menos uma será sempre distinta: o quando, pois o
tempo não para. A unicidade do enunciado não implica, porém, que cada novo enunciado deverá
necessariamente ter um sentido diferente dos demais, implica apenas que cada enunciado pode
ter um sentido diferente.
Se, para a semântica formal, (10) e (11) , repetidas a seguir, são sinônimas, para a
semântica argumentativa elas são argumentativamente diferentes: em (10) e apenas relaciona
dois enunciados João chegou e Maria saiu; no entanto, em (11) mas, além de relacionar os dois
LETRAS LIBRAS|208
enunciados, apresenta a chegada de João como um evento frustrado devido à saída de Maria que,
provavelmente, foi motivada pela chegada de João.
Por meio da análise de sentenças como (10) e (11) e de possíveis enunciações para (14), a
semântica argumentativa mostra que, em alguns casos, é pouco dinâmico o caráter fortemente
referencial e verifuncional da semântica formal.
Como você já deve ter percebido, não há uma abordagem semântica que dê conta de todas
as questões que existem na língua. Isso, é bom lembrar, não é um défict específico da semântica
ou da linguística, é a condição própria de toda ciência e disciplina. Para se convencer, veja, por
exemplo, que existem diversas físicas, dentre elas: a física nuclear, a física de partículas
elementares, a física quântica, a biofísica e a física estatística. Tudo seria mais simples se uma
única abordagem teórica explicasse todos os fenômenos de sua área, mas o fato é que o mundo e
a língua são maiores do que qualquer teoria.
Das três formas de conceber o significado apresentadas neste capítulo, a primeira
corresponde a uma abordagem filosófica e as duas últimas correspondem a duas correntes
semânticas muito difundidas no Brasil: a formal e a argumentativa. Ao estudá-las, percebemos que
as diversas semânticas não são apenas formas diferentes de abordar o significado e as questões a
ele relativas, elas apresentam também diferentes noções de significado e, por conseguinte,
significados distintos para a palavra significado. Isso implica que, ao darmos uma única resposta
para o que é o significado e o que significa significado, acabamos por assumir algum
posicionamento teórico. Convido você para, na maior parte deste módulo, assumir comigo a
perspectiva de Lyons (1968) de que: SIGNIFICADO = SENTIDO + DENOTAÇÃO. No entanto, por
agora, deixarei em suspenso a noção de significado no âmbito da pragmática. Quando
começarmos a estudar a pragmática, trataremos desse ponto.
LETRAS LIBRAS|209
REFERÊNCIAS
DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas, SP: Pontes, 1987.
FREGE, Gottlob. Logica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cultrix, 1978 [1892].
JOHNSTON, Trevor; SCHEMBRI, Adam. Australian sign language. Cambridge: Cambridge University Press,
2007.
HUANG, Yan. Pragmatics. Oxford: Oxford University Press, 2007.
LYONS, John . Introduction to theoretical linguistics. Cambridge: Cambridge University Press, 1968.
PIRES DE OLIVEIRA, Roberta. Semântica formal: uma breve introdução. Campinas−SP: Mercado de Letras,
2001.
LETRAS LIBRAS|210
UNIDADE II
VARIAÇÃO DE SIGNIFICADO
Em algum momento de sua vida escolar você escutou seu/sua professor(a) de língua
portuguesa ou de Libras dizer coisas como “Escreva sem ambiguidades.”, “Seu texto está muito
ambíguo.”, “Você poderia ser menos vago(a) quando escreve.”. Se você levou em consideração
essas observações, tomou uma atitude adequada. Devemos procurar, pelo menos nos textos
(escritos e orais) acadêmicos e técnicos, ser o mais pontual possível, não só para ganhar a simpatia
do nosso interlocutor, mas principalmente para ele perceber o mais claramente possível do que
de fato estamos tratando e não fazer interpretações que não desejamos. Ainda a respeito das
observações do seu/da sua professor(a), é possível também que em algum momento você tenha
se sentido traído pelas palavras, como se você quisesse dizer uma coisa, e as palavras dissessem
outra. Não ache que isso acontece só com você, mas mesmo assim tome muito cuidado porque as
palavras não são muito “obedientes.”
Apesar de poder parecer que tudo seria mais fácil se as palavras tivessem apenas um
sentido45, a maioria delas apresenta algum tipo de variação de sentido. A monossemia,
propriedade de uma palavra ter apenas um sentido, não é o que prevalece na língua. Palavras
como alfirme, bolotar e xibaro, que são monossêmicas e não vagas, não são tipos de palavras que
mais usamos. Cotidianamente nos valemos, com muita naturalidade, de palavras semanticamente
mais complexas, seja porque têm mais de um sentido, seja porque são ortográfica e/ou
foneticamente idênticas a(s) outra(s), seja porque são vagas. O fato inexorável com o qual temos
de lidar é que as palavras das línguas naturais, em sua maioria, apresentam alguma forma de
variação de sentido: ambiguidade ou vagueza.
A ambiguidade não só é algo inerente às línguas naturais; é também algo muito curioso.
Ela é a possibilidade de mais de uma interpretação que uma determinada expressão46 linguística
45
Se as palavras tivessem apenas um sentido, teríamos de aprender bem mais palavras do que sabemos para nos comunicar com a
mesma proficiência que fazemos. 46
Você lembra o que eu disse ser uma expressão linguística no capítulo passado?
LETRAS LIBRAS|211
pode apresentar. Não se tem notícia de uma língua natural que não apresente ambiguidades. Isso
é tão verdadeiro que em qualquer língua pupulam textos ambíguos orais ou escritos que geram
interpretações pouco, muito ou totalmente diferentes das esperadas.
“Sem pensar”, diga-me, por favor, o que (01) e (02) significam.
(01) (02)
Agora, pensando, diga-me o que (01) e (02) significam.
Viu que curioso? Quando começamos a pensar, parece que as palavras ganham mais
significados. Na verdade, em “testes” como esse que eu acabei de fazer com você, as palavras não
ganharam mais significados, eles já existiam. Nós apenas paramos para pensar sobre eles e, por
isso, eles começaram a emergir do conhecimento que temos a respeito do léxico/vocabulário de
Libras.
(01) e (02) são exemplos de casos que chamamos de polissemia. Polissemia é a
propriedade que um signo, não necessariamente uma palavra pois pode ser também um afixo,
tem de possuir mais de um significado relacionados entre si. Veja que, por se tratar de mais de um
significado, esses significados são diferentes, senão fossem não seriam mais de um. Ser diferente,
no entanto, não significa ser totalmente diferente, significa “apenas” ter alguma diferença. Por
outro lado, esses distintos significados necessariamente têm alguma relação semântica entre si.
Veja que há pelo menos três sentidos para (01): 1) “pessoa adulta do sexo feminino”; e 2)
“esposa”; e 3) “homem afeminado”. Você percebe que os três sentidos apresentados para (01)
são diferentes entre si, pois apresentam algum valor semântico a mais ou a menos? Você percebe
também que os três sentidos estão relacionados porque todos eles dizem respeito a uma pessoa
do sexo feminino? Semelhanças e diferenças de sentidos também ocorrem com (02), como vimos
no capítulo 01.
Outro fenômeno que podemos categorizar como sendo ambiguidade lexical é a
homonímia. Homonímia é a relação de identidade formal entre pelo menos dois signos distintos,
conforme podemos observar em (03).
LETRAS LIBRAS|212
(03)
Se eu fizesse o mesmo teste agora e pedisse para você me dizer, sem pensar, um
significado para (03) você poderia dizer-me “fruto da laranjeira.” Essa não seria uma resposta
ruim, pelo contrário, seria uma boa resposta. Mas outra pessoa poderia responder-me “sétimo dia
da semana”. Essa também seria outra boa resposta. Mas o que semanticamente o fruto da
laranjeira tem a ver com o sétimo dia da semana? Será que sábado é o dia de chupar laranja? Ou
será que laranjas devem ser chupadas no sábado? Ou laranjas são mais gostosas quando chupadas
no sábado? A resposta você sabe: é não para as três alternativas e qualquer outra equivalente a
essas. Como não conseguimos perceber nenhuma relação entre os dois sentidos, dizemos que a
forma em (03) representa dois sinais distintos: sábado e laranja. Apesar de em (03) termos
absolutamente a mesma forma, os seus sentidos, “fruto da laranjeira” e “sétimo dia da semana”,
não estão relacionados entre si.
Como resultado, a homonímia lexical acaba por algumas vezes gerar sentenças homônimas
como (04), que pode significar tanto “eu gosto de sábado” quanto “eu gosto de laranja”.
(04)
Não há porém motivo para nos preocuparmos em excesso. Claro que devemos ter muito
cuidado com nossos textos orais e escritos, mas os contextos linguístico e extralinguístico
resolvem a maior parte das ambiguidades. Há inclusive quem, a exemplo de Luciano Oliveira
(2008), diga que a ambiguidade só existe em frases fora de contextos. Desse modo, são os
contextos então que nos informam quando (04) significa “eu gosto de sábado” ou “eu gosto de
laranja”.
LETRAS LIBRAS|213
Pensando no contexto linguístico, se a partir de (04) formarmos (05), a única interpretação
possível para (04) será “Eu gosto de laranja”.
(05)
Eu gosto de laranja porque tem vitamina C.
Como sabemos então que “laranja” é a melhor interpretação para a ocorrência de (03) em
(05)? Por meio de algo chamado isotopia semântica, que é a força composicional segundo a qual
os elementos linguísticos atuam uns sobre os outros e apontam os sentidos possíveis para a
combinatória. Em (06) a isotopia semântica entre (03) e (06) que nos faz interpretar (03) como
“laranja” mas não como “sábado”, pois nosso conhecimento léxico-enciclopédico nos diz que
laranja tem vitamina C mas sábado não tem vitamina C.
(06)
vitamina C
Agora veja que se a partir de (04) formarmos (07), (03) significará apenas “sábado”, porque
(08) não diz respeito a frutas, diz respeito apenas a tempo, e sábado é um período de tempo.
LETRAS LIBRAS|214
(07)
Eu gosto de sábado porque é quando durmo até tarde.
(08) quando
A homonímia, nos exemplos que vimos, é chamada de perfeita porque são tanto
homófonos quanto homógrafos, em razão de tanto a forma fonológica quanto a forma ortográfica
serem as mesmas. Mas nem sempre esse é o caso. Há também a homonímia em que apenas a
forma fonológica ou a forma ortográfica são a mesma. Quando apenas as formas fonológicas
coincidem, dizemos que se tratam de homônimos homófonos; quando apenas as formas
ortográficas coincidem, dizemos que se tratam de homônimos homógrafos. Esses dois tipos de
homonímia são mais facilmente percebidos em línguas orais.
A abordagem que até o presente momento utilizamos neste capítulo pode ser chamada de
semântica lexical, pois estuda a semântica de itens lexicais levando em consideração suas relações
com outras palavras, seja fora de contexto, seja em contextos de ocorrência virtuais ou reais.
Ademais, percebe-se facilmente que a semântica lexical vale-se de uma abordagem sincrônica. Foi
por isso que explicitamos a distinção entre polissemia e homonímia nos valendo apenas da
sincronia, ou seja, toda a explicação ocorreu olhando-se para um determinado estado da Libras: o
estado atual. Não obstante, poderíamos recorrer a uma abordagem diacrônica e compararmos
distintos estados da Libras, do português ou de qualquer outra língua para definir como
polissêmicos signos, a exemplo de bofe e bicho, que através do tempo foram incorporando
distintos significados. Na abordagem diacrônica, o que mais importa é a história do signo, seus
significados podem inclusive não mais apresentar nenhuma relação transparente entre si, como,
por exemplo, diversos significados de fazer: “construir”, “arrumar”, “comportar-se”, “percorrer”,
“fingir”, “proferir”, “celebrar” etc.
LETRAS LIBRAS|215
Já palavras homônimas, na abordagem diacrônica, são as formas idênticas que apresentam
étimos distintos, ou seja, palavras que, a despeito da forma idêntica, apresentam origens distintas,
a exemplo de: manga1, que vem do latim manica e significa “parte de vestimenta”; manga2, que
vem do malaiala manga e significa “fruto da mangueira”; manga3, que vem do espanhol47 manga
e significa “cercado feito em curral ou à beira de rios para direcionar o gado”; e manga4, que é a
terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo mangar cuja etimologia é incerta.
A abordagem diacrônica já foi critério central e até mesmo critério único para a distinção
entre polissemia e homonímia, mas perdeu sua centralidade com o advento do estruturalismo.
Aliás, para alguns pesquisadores, ela não só perdeu a centralidade como a relevância, pois
relações semânticas e etimológicas que algum dia existiram podem não existir mais. Sem contar
que nem sempre temos registrada a história das palavras, como fazia, por exemplo, a semântica
histórica de Michel Bréal, que traçava uma “biografia” de cada palavra48. A união das duas
abordagens é uma boa alternativa para casos em que apenas a sincronia não nos possibilita dizer
com clareza se estamos diante de um caso de polissemia ou de homonímia. Mesmo assim,
sabemos que as línguas não são “bem-comportadas” e mesmo uma abordagem mista pode não
vir a dar as respostas suficientes.
Para alguns pesquisadores também é possível, ao se distinguir a polissemia da homonímia,
complementar o critério semântico com o morfossintático por meio das classes
morfossintáticas/morfológicas. Por esse critério, uma classe é um “local” onde agrupamos
elementos da mesma espécie, as línguas subordinam-se bem à formação de classes de palavras, e
as palavras estão necessariamente em uma classe ou outra, mas não em duas ao mesmo tempo.
Como nos lembra a física, um mesmo corpo não pode estar em dois locais ao mesmo tempo.
Assim sendo, uma palavra polissêmica pertence exclusivamente a uma classe e nunca a duas, três
ou mais classes.
Por outro lado, o caso da homonímia é diferente. Por se tratar de mais de uma palavra,
com a mesma forma mas sentidos não relacionados entre si, ela pode tanto estar na mesma classe
47
A palavra manga do espanhol vem do latim manica. Assim sendo, manga3 vem do latim, de forma indireta, por meio do
espanhol.
48 Hoje podemos fazer semântica histórica de um outro modo e com um outro objetivo: não mais olhando para a palavra isolada,
mas sim para ela em seus contextos não só de uso, também em seus contextos sociocognitivos. Dessa maneira, não mais com o
intuito de buscar apenas uma história para as palavras e, sim, as causas pelas quais uma palavra pode nascer, morrer e,
principalmente, as causas pelas quais ela pode se modificar.
LETRAS LIBRAS|216
quanto em classes diferentes. Esse é o caso da forma manga, vista acima, que não deixa dúvida
alguma que engloba quatro palavras diferentes, pois seus significados não apresentam relação
alguma. As quatro palavras que a forma manga engloba podem ser classificadas em apenas duas
classes: numa, a dos substantivos, manga1, manga2 e manga3; na outra, a dos verbos, manga4.
Algumas abordagens chegam a tomar a classificação gramatical/morfológica como um
critério decisivo. Esse é o caso da gramática tradicional, que classifica cozido como um caso de
homonímia: cozido1 (verbo no particípio) e cozido2 (substantivo); jogo1 (verbo) e jogo2
(substantivo). Considerar, porém, as classes de palavras como um critério decisivo para a distinção
entre polissemia e homonímia não é um bom método, porque nem sempre as línguas apresentam
classes de palavra bem delimitadas; Libras é uma dessas línguas.
Ainda dentro do escopo da variação de significado, diga-me agora uma coisa: você acha a
Madonna velha? E o Thiago Lacerda, ele é bonito? Você pode responder “sim” às duas questões,
outra pessoa pode responder “não” e mais outra pode responder “mais ou menos”. Por que isso
acontece? Será que não sabemos o que é uma pessoa velha ou bonita? Será que não sabemos
qual o significado de velha e bonito? Certamente sabemos.
Palavras como velho, bonito, bom, gordo, alto, fácil, barato etc. são exemplos de vagueza.
Ou seja, são palavras que denotam propriedades que não temos como medir precisamente. Não
existe um conjunto de propriedades X que se alguém as tiver poderá se classificado como bonito.
Não existe uma idade que uma vez atingida alguém seja considerado sempre velho. É por isso que
Thiago Lacerda é considerado bonito por algumas pessoas, mas não por outras. Mas notemos que
raramente encontraremos alguém que o considere feio, ainda que algum homem machista diga “E
eu lá acho homem bonito!” Assim sendo, podemos dividir nossas opiniões achando o Thiago
Lacerda bonito ou mais ou menos, mas sabemos que ele não é feio.
A mesma vagueza vale para o ser velha ou não da Madonna. Pode ser que para você, que
tem vinte e poucos anos, ela, como seus cinquenta e tantos anos, seja uma coroa ou uma velha. Já
para a minha avó de 92 anos, a Madonna não é velha, é até jovem. Contudo, para nenhum de nós
a Madonna é uma jovenzinha. Por outro lado, para o meu sobrinho de três anos, você, de vinte e
poucos anos, é velho. Com base nessas avaliações, percebemos outra propriedade importante da
vagueza: por não termos uma medida específica para o atributo que uma palavra vaga expressa, a
verdade ou a falsidade desse atributo pode variar dependendo do ponto de vista que tomarmos
como referência. O seu ponto de vista, o da minha avó de 92 anos e o do meu sobrinho de três
LETRAS LIBRAS|217
anos são diferentes. Daí, se uma palavra é vaga, os pontos de vista começam a interferir no
sentido. Aliás, observe que até a própria palavra vaga é vaga.
Literalmente, alguém está vivo ou não, é pai ou não; um vegetal é uma laranja ou não, é
uma jaca ou não; e um objeto é um celular ou não, é uma xícara ou não. E também literalmente
alguém pode ser velho para uma pessoa mas não para outra; um vegetal pode ser gostoso para
uma pessoa mas não para outra; e um objeto pode ser barato para uma pessoa mas não para
outra. A escalaridade e a comparação são outras propriedades da vagueza. Literalmente alguém
pode estar mais velho do que da última vez que o vimos, pode também ser mais velho do que
outra pessoa, mas não pode ser mais morto; um vegetal pode estar mais gostoso temperado de
determinado modo, pode também ser mais gostoso do que outro, mas não pode ser mais laranja
(referindo-se à fruta); um objeto pode estar mais barato hoje do que ontem, pode também ser
mais barato do que outro, mas não pode ser mais xícara.
Perceba então que a vagueza não se trata de uma questão de mudança do significado das
palavras ao nosso gosto. Bonito significa “alguém de aparência bonita ou atraente” e, sendo
sinceros, só atribuiremos esse predicado a quem realmente achamos bonito. Por reconhecermos
intuitivamente a vagueza, muitas vezes para nos resguardarmos de possíveis acusações, é comum
dizermos: “Na minha opinião,...”, a exemplo de “Na minha opinião, a Madonna não é velha.” ou
“Na minha opinião, o Thiago Lacerda é bonito.”
Com o uso de expressões que marcam opinião (na minha opinião, no meu ponto de vista,
eu acho etc.), fica claro que as palavras vagas não só expressam uma propriedade como um ponto
de vista. Como utilizamos constantemente palavras vagas, podemos concluir que não existe
discurso neutro. Nem mesmo o discurso científico. A neutralidade da língua é apenas uma
miragem pela qual alguns se deixam enganar. Ou você assume um ponto de vista, ou assume
outro. É impossível, como afirma a semântica argumentativa, falarmos sem assumir um ponto de
vista.
Diante do exposto até aqui, você pode concluir que há quatro tipos de palavra
semanticamente distintos: monossêmicas, polissêmicas, homônimas e vagas. Monossemia,
polissemia, homonímia e vagueza são sim quatro fenômenos diferentes, contudo curiosamente
mais de um deles pode se apresentar em uma mesma forma de palavra, e a única combinação
impossível é entre monossemia e polissemia. Assim sendo, antes de finalizarmos este capítulo,
vejamos alguns exemplos.
LETRAS LIBRAS|218
Com os dois tipos de variação de sentido aqui estudados – ambiguidade e vagueza –,
espero ter ficado claro para você o porquê de toda língua natural ser ambígua e porque tão
frequentemente produzimos e nos deparamos com sentenças e enunciados ambíguos e/ou vagos.
Você, como intérprete de Libras-português, não pode deixar de prestar muita atenção em
fenômenos como a polissemia, a homonímia e a vagueza para não ocorrer o risco de “trair” do
texto (oral ou escrito) que você esteja interpretando. Deve também ter em mente que nem
sempre o autor/locutor de um texto que esteja interpretando produz um texto ambíguo e/ou
vago por “maldade” ou por inabilidade. A variação de sentido faz parte da língua e, associada a
diferentes contextos e diferentes conhecimentos de mundo, produz em maior ou menor escala
diferentes leituras para diferentes interlocutores e intérpretes.
Agora, convido você para, no próximo capítulo, estudarmos dois processos de expansão
semântica que tornam as palavras (mais) polissêmicas e, por conseguinte, (mais) ambíguas: a
metáfora e a metonímia.
REFERÊNCIA
OLIVEIRA, Luciano Amaral. Manual de semântica. Petrópolis: Vozes, RJ: 2008.
LETRAS LIBRAS|219
UNIDADE III
EXPANSÃO DE SIGNIFICADO
Os diferentes aspectos de significado constituem o campo propício para a mudança
linguística no que tange à semântica. A mudança semântica pode ocorrer em duas direções: a
subtração de significado, quando um item torna-se menos lexical e mais gramaticalizado, e a
adição de significado, quando um item torna-se mais polissêmico. As principais causas para
mudança de significado, segundo Stephen Ullmann (1964), são seis: 1) linguísticas; 2) históricas; 3)
sociais; 4) psicológicas; 5) influência estrangeira; e 6) necessidade de um nome novo. Apesar de
muito interessantes, por questões de tempo e espaço, não estudaremos tais causas neste módulo
de semântica e pragmática, indico a leitura de Ullmann (1964) a todos que quiserem conhecer em
detalhe tais causas. Estudaremos, em vez disso, dois processos de expansão semântica, i.e. dois
processos de adição de significado: a metáfora e a metonímia.
A metáfora e a metonímia têm sido estudadas sob várias perspectivas, a mais tradicional
diz que ambos os processos são desvios de significado. Considerados desvios, esses significados
são concebidos como não literais e são chamados de figurativos, porque em tal abordagem tanto
a metáfora quanto a metonímia são simplisticamente vistas como figuras de linguagem, que têm a
finalidade de, com fins estilísticos e retóricos, criar figuras/imagens para ornar o discurso. Segundo
a mesma abordagem, a palavra leão, em (01), não está com seu sentido literal49 de “felino
selvagem natural de savanas, cujo macho tem juba”, mas, por um desvio de significado, está com
o sentido metafórico de “bravo” e/ou de “forte”.
(01)
49
Sentido literal, na abordagem tradicional, diz respeito ao sentido expresso exclusivamente pelas letras/palavras.
LETRAS LIBRAS|220
A abordagem tradicional, apesar de parecer consistente, é falha em dois pontos: 1) faz-nos
supor que a metáfora não é um processo comum ao nosso dia a dia, mas restrito a campos
discursivos tais como a literatura e a propaganda; e 2) não é explicativa o suficiente para dar conta
das relações cognitivas existentes na metáfora.
Na década de 1980, porém, os estudos sobre a metáfora ganham uma nova roupagem com
as análises de George Lakoff e Mark Johnson (2002)50. Para os autores, a metáfora é o processo
cotidiano por meio do qual compreendemos e experienciamos uma entidade em termos de outra.
Esse processo, dizem Lakoff e Johnson, não pertence exclusivamente ao sistema linguístico, mas a
todo o sistema conceptual e, por ser baseado em nossas experiências com o mundo, é um modo
de estruturação do pensamento. Assim sendo, usar/produzir uma metáfora não mais é entendido
como desviar o sentido de uma palavra, porque “*…+ A essência da metáfora é compreender e
experienciar uma coisa em termos de outra *…+” (2002, p. 47−48, itálicos dos autores).
Segundo a abordagem da semântica cognitiva, na sentença em (08) acima existe a
metáfora ‘PESSOAS SÃO ANIMAIS’ e por meio dessa metáfora João é entendido em termos de outra
entidade que é o leão, esse entendimento é possível porque se percebem propriedades comuns
entre João e um leão, quais sejam: bravura e/ou força.
Lakoff e Johnson classificaram as metáforas em três tipos: estruturais, orientacionais e
ontológicas. As metáforas estruturais são aquelas que estruturam um conceito a partir de
outro(s). Desse tipo é (08) acima, em que, como já afirmado, o conceito JOÃO é compreendido a
partir do conceito de LEÃO e seus subconceitos BRAVURA e FORÇA. As metáforas orientacionais são
aquelas nas quais se organizam um sistema conceptual em termos de outro(s). Nesse grupo se
enquadram as metáforas que se fundamentam em oposições binárias de orientações espaciais tais
como: DENTRO–FORA, PARA CIMA–PARA BAIXO etc. A partir da metáfora ‘FELIZ É PARA CIMA’ tem-se uma
orientação que pode produzir expressões tais como (02) abaixo. Essa metáfora, como podemos
observar, é resultado da nossa experiência com o nosso corpo: observe que quando você está feliz
sua coluna fica mais ereta e sua cabeça se posiciona para cima em simetria com a linha do
horizonte; mas quando você está para baixo, i.e. triste, sua coluna tende a se curvar e você olhar
para baixo.
50
Original: LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metaphors we live by. Chicago: University of Chicago Press, 1980.
LETRAS LIBRAS|221
(02)
As metáforas ontológicas, por sua vez, são aquelas resultantes das experiências que
vivenciamos com objetos físicos, sendo o nosso corpo o principal desses objetos. Tais experiências
físicas (cf. Lakoff e Johnson, 2002, p. 76) possibilitam-nos atribuir a eventos, atividades, emoções
etc. o caráter de substâncias e entidades. Em (03), a metáfora ‘AMOR É UM BEM MATERIAL’ concebe
um sentimento, o amor, como sendo uma substância do tipo bem material já que apenas bens
materiais são passíveis de compra.
(03)
Segundo Lakoff e Johnson (2002) a metáfora ontológica apresenta ainda um subtipo: a
personificação, que é o entendimento de objetos físicos como sendo pessoas, permitindo
conceber entidades não humanas como sendo portadoras de características e atividades
humanas. Metáforas como ‘CAMISA É UMA PESSOA’ e ‘QUADRO É UMA PESSOA’ permitem-nos usar, por
exemplo, sentenças como (04) e (05), que não apresentam nenhuma estranheza ainda que ser gay
e ser alegre sejam propriedades inerentes a pessoas.
(04)
(05)
LETRAS LIBRAS|222
Neste ponto, é necessário termos em mente que as sentenças (01)–(05) não são elas
próprias as metáforas, mas são “apenas” metafóricas. A metáfora está “dentro” dessas sentenças,
pois é o processo de: em (01) compreendermos que ‘PESSOAS SÃO ANIMAIS’; em (02)
compreendermos que ‘FELIZ É PARA CIMA’; em (03) compreendermos que ‘O AMOR É UM BEM MATERIAL’;
em (04) compreendermos que ‘CAMISA É UMA PESSOA’; e em (05) compreendermos que ‘QUADRO É
UMA PESSOA’. A metáfora, segundo Lakoff e Johnson (2002), é sempre um processo de
compreensão, ou seja, um processo cognitivo.
Além de ser um processo de compreensão e experienciação de um conceito x em termos
do conceito y, a metáfora é também um processo de expansão semântica, porque o uso constante
de uma metáfora tende a fortalecer essa relação entre os dois conceitos x e y e, quanto mais forte
for a relação, maior será a probabilidade de x se tornar mais polissêmico e incorporar o conceito
de y. Por exemplo: a compreensão constante do conceito LEÃO em termos dos conceitos BRAVO e
FORTE é tão comum que leão se tornou polissêmico, pois incorporou os sentidos metafóricos de
“bravo” e “forte” e, agora, não mais significa apenas “felino selvagem natural de savanas, cujo
macho tem juba” ou “o rei dos animais”. Outros casos como as expressões para baixo, para cima,
por fora, por dentro etc. são também exemplos de polissemia em que pelo menos um dos sentidos
é metafórico, respectivamente: “triste”, “alegre”, “desconhecedor” e “conhecedor”.
Além da metáfora outro processo de expansão semântica é a metonímia, que é um
processo referencial que objetiva o entendimento através da representação de uma entidade por
outra. É um processo no qual podemos usar uma entidade x para nos referirmos a uma entidade y
com a qual x mantém alguma relação. Podemos, a exemplo de (06), usar o nome do autor para
fazer referência a algum livro seu. Podemos, a exemplo de (07), usar o nome de uma cidade para
fazer referência aos seus habitantes (mesmo que não em sua totalidade).
(06)
(07)
LETRAS LIBRAS|223
Sabemos que em (06) se faz referência a algum livro do Saussure e não ao próprio
Saussure, porque ler é um verbo que toma como complemento um objeto que seja do tipo leitura
e humanos não são entidades desse tipo. Assim sendo, a metonímia consiste em no lugar de se
especificar qual o livro, especificar-se o autor, já que há relação entre o autor e sua obra. Já em
(07), há uma metonímia porque se faz referência à população de João Pessoa, mas em vez de se
especificar que trata da população, pois o verbo votar toma como sujeito uma entidade do tipo
humano, especifica-se a cidade na qual a população vive e, por conseguinte, com a qual tem
relação.
No entanto, no que diz respeito às línguas de sinais, o tipo de metonímia mais produtivo
parece ser a parte pelo todo, pois, nesse caso, por meio de uma parte faz-se referência ao todo.
Esse é geralmente o processo metonímico pelo qual as pessoas, cidades e instituições são
nomeadas. Veja em (08), (09) e (10) que os sinais fazem referência a alguma parte das entidades
que eles nomeiam.
(08)
O sinal de Amy
Winehouse faz
referência aos seus
cabelos.
(09) O sinal da UFPB faz
referência às três tochas
e três linhas do logotipo
da UFPB.
(10)
O sinal de Florianópolis
faz referência à Ponte
Hercílio Luz.
LETRAS LIBRAS|224
A metonímia parte pelo todo está também presente em muitos sinais nos quais se
reconhece alguma iconicidade. Veja em (11) que o sinal para casa faz referência apenas a uma
parte da casa: o telhado. Veja também em (12) que o sinal para pássaro faz referência apenas a
uma parte do pássaro: o bico.
(11) (12)
Ainda em língua de sinais é comum o que podemos chamar de metonímia movimento pela
entidade. Neste caso, o sinal de uma pessoa, objeto ou ação faz referência a algum movimento
comum a alguém ou alguma ação realizada com algum objeto. Esse é o caso do sinal para Michael
Jackson em (13), para xícara em (14) e para dançar em (15).
(13)
O sinal de Michael Jackson
faz referência a um dos seus
movimentos de dança.
(14)
O sinal de xícara faz
referência ao movimento de
levar a xícara do pires à
boca.
(15)
O sinal de dançar faz
referência a um dos
movimentos da dança.
LETRAS LIBRAS|225
Assim como a metáfora, a metonímia contribui para a expansão semântica tornando as
palavras (mais) polissêmicas. Palavra, por exemplo, por meio da metonímia parte pelo todo pode
significar “fala”, “ensinamentos” e “discurso”. Universidade, empresa e igreja são exemplos em
que a metonímia instituição pela(s) pessoa(s) e prédio(s) é responsável pela polissemia. Cabeça,
por exemplo, literalmente significa “extremidade do corpo acima do pescoço”, mas significa
“cérebro” e “inteligência” por metonímia e “inteligente” por metáfora.
Veja, por fim, que as expressões cabeça e cobra com o significado metafórico de
“inteligente” são conotativamente positivas e socialmente indicam fala de pessoas geralmente
jovens, daí, ainda que possa ter o significado social associado a gírias, é elogioso dizer que alguém
é cabeça ou cobra. Mas quando cobra tem o significado de “perigoso” ou “falso” sua conotação é
negativa, disso decorre que é grosseiro dizer que alguém é uma cobra. Aspectos semelhantes
ocorrem com bicho nas sentenças em (01) e (02) anteriormente analisadas.
Tanto a metonímia quanto a metáfora, por serem processos que utilizamos com muita
frequência nas interações linguísticas diárias, são interpretadas de forma tão natural que no(s)
nosso(s) vernáculo(s) raramente paramos para refletir sobre as interpretações em jogo. Como
prova, leia abaixo a tirinha do Chico Bento e veja que, ao ignorar a metonímia parte pelo todo o
personagem instantaneamente cria o efeito de humor.
51
Por fim, antes de partirmos para o próximo capítulo, veja, no uso da palavra progresso no
último quadro da tirinha do Papa-capim, como a metáfora “PROGRESSO É DESTRUIÇÃO” é uma boa
estratégia para demonstrar a tristeza dos nossos simpáticos personagens e para nos fazer refletir
51
Disponível em: <http://www.monica.com.br/cookpage/cookpage.cgi?!pag=comics/tirinhas/tira309>. Último acesso em: 21 dez.
2011.
LETRAS LIBRAS|226
sobre como compreendemos o progresso e se para nós ele tem uma conotação negativa ou
positiva.
52
REFERÊNCIAS
LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. Campinas−SP: Mercado de Letras; São
Paulo: Educ, 2002.
ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1964.
52
Disponível em: <http://www.monica.com.br/comics/tirinhas/tira200.htm>. Último acesso em: 21 dez. 2011.
LETRAS LIBRAS|227
UNIDADE IV
NEXOS DE SIGNIFICADO
Há diversos nexos de significado e todos eles são muito interessantes, no entanto não
teremos tempo de abordar todos eles neste módulo. Por isso, selecionei alguns que são
considerados os mais essenciais e os agrupei em dois capítulos. Neste capítulo vamos tratar da
sinonímia, da hiponímia, da hiperonímia, da antonímia, da contradição e da contrariedade.
Acredito que você irá gostar bastante de refletir sobre eles de forma mais explícita.
A sinonímia é um nexo entre expressões que têm significados semelhantes: casa e
residência, são bons exemplos. Mas veja, eu falei em significados semelhantes, não falei em
significados totalmente idênticos. Tratar expressões sinônimas como semelhantes nos possibilita
reconhecer que entre sinônimos geralmente existe alguma diferença de significado e que nem
sempre uma das expressões poderá substituir a outra, compare os pares abaixo:
(01) a. A casa de João é aconchegante.
b. A residência de João é aconchegante.
(02) a. João comprou uma casa.
b. ? João comprou uma residência.
Veja que em (01) casa e residência podem substituir uma a outra sem nenhum problema
semântico. Já em (02) a substituição de casa por residência resulta em uma sentença
relativamente estranha, e para alguns é até mesmo semanticamente inaceitável. Compare agora
os dois pares que seguem.
LETRAS LIBRAS|228
(03) a.
Maria é velha.
b.
Maria é idosa.
(04) a.
Minha casa é velha.
b. *
* Minha casa é idosa.
Considerando o sentido literal, em (03) velho e idoso podem intercambiar-se sem nenhum
problema semântico, mas (04) esse intercâmbio não é possível. Exemplos desse tipo são muito
bons para nos ajudar a desfazer o mito de que sempre podemos substituir uma palavra por
qualquer um dos seus sinônimos. A sinonímia geralmente é imperfeita.
Há, porém, casos de sinonímia perfeita, mas são casos raros e geralmente se
circunscrevem a contextos técnicos. Lyons (1987) lembra o caso de cecite e tiflite que significam
“inflamação do ceco”. Tal tipo de sinonímia é um fenômeno raro, porque parece pouco produtivo
LETRAS LIBRAS|229
a língua ter mais de uma palavra para significar exatamente a mesma coisa. Dessa
improdutividade decorre que quando acontece sinonímia perfeita, uma das palavras tende a
desaparecer: este é o caso de amplexo (palavra do século XIV) que, por significar exatamente a
mesma coisa de abraço (palavra do século XV), caiu em desuso.
A sinonímia caracteriza-se como identidade de significado e, por conseguinte, duas ou mais
palavras são ditas sinônimas quando significam (mais ou menos) a mesma coisa. Em Libras (05a) e
(05b) são sinônimos, mas perceba, comparando as sentenças em (06a) e (06b), que são sinônimos
imperfeitos pois o uso de (05b) em (06b) é semanticamente estranho.
(05) a. b.
Velh@ Idos@
(06) a.
O livro de Maria está velho.
b. *
*O livro de Maria está idoso.
A sinonímia é um nexo de significado que pode estar presente apenas no nível lexical,
apenas no nível sentencial ou em ambos. Vale, no entanto, atentarmos para três pontos. O
primeiro é que a sinonímia lexical pode resultar em sinonímia sentencial se duas ou mais
sentenças, a exemplo dos pares em (01) e em (03) acima, diferem entre si apenas em palavras que
LETRAS LIBRAS|230
são sinônimas uma da outra. O segundo é que não é necessário duas ou mais sentenças
apresentarem sinonímia lexical para que sejam sinônimas entre si, como mostra o par em (07)
abaixo. O último ponto é que há casos de sentenças que não são sinônimas apesar de
apresentarem palavras sinônimas, como é o caso de (08). Das três observações podemos então
concluir que a sinonímia lexical não implica a sentencial nem vice-versa.
(07) a.
Semântica não é pragmática.
b.
Semântica é diferente de pragmática.
(08) a.
João viu Maria.
b.
Maria enxergou João.
LETRAS LIBRAS|231
Há dois outros nexos de significados lexicais bem interessantes e que comumente são
confundidos com a sinonímia: a hiponímia e a hiperonímia. Tanto hipo quanto hiper vêm do grego,
o primeiro significa “abaixo” e o segundo “acima”. Onímia também vem do grego e significa
“nome”. Assim sendo, numa taxonomia hipônimo é um nome que está abaixo de outro e
hiperônimo é um nome que está acima de outro. Analisemos essas relações na taxonomia a
seguir, que adaptei da biologia.
Além da taxonomia lembrar das aulas de biologia, ela nos ajuda a visualizar as relações de
hiponímia e de hiperonímia lexicais. Veja que a categoria cão está abaixo da categoria canídeo.
Assim, se a categoria cão é nomeada pela palavra cão e a categoria canídeo é nomeada pela
palavra canídeo, então cão está abaixo de canídeo, logo cão é um hipônimo de canídeo e canídeo
é, por consequência, um hiperônimo de cão. E cão em relação a pinscher é hipônimo ou
hiperônimo? Basta olhar mais uma vez a taxonomia e você achará a resposta: cão é hiperônimo de
pinscher porque cão está numa posição mais alta.
Poderíamos também observar as relações de hiponímia e hiperonímia por meio de
conjuntos, como o que segue abaixo.
LETRAS LIBRAS|232
ser vivo
pla
nta
animal
hu
man
o
não-humano av
e
p
eixe
mamífero
equ
ídeo
felíd
eo
canídeo
cão
lab
rad
or
pin
sch
er
...
lob
o
ra
po
sa
...
...
...
...
...
Valendo-se de conjuntos identificamos a hiponímia e a hiperonímia por meio das relações
de continência: continente e contido. O hipônimo é o conjunto contido e o hiperônimo é o
conjunto que contém, i.e. o continente. Veja que o conjunto dos seres vivos contém dois
subconjuntos: o das plantas e o dos animais. Logo, o ser vivo é hiperônimo de planta e animal. Por
outro lado, planta e animal são hipônimos de ser vivo porque as plantas e os animais estão
contidos no conjunto dos seres vivos. Assim sendo, você consegue perceber que uma vez que o
conjunto dos cães está contido no conjunto dos canídeos, cão é hipônimo de canídeo? Se sim,
você também deve já estar percebendo que cão é hiperônimo de labrador e pinscher porque o
conjunto dos cães contém os conjuntos dos labradores e dos pinscheres.
LETRAS LIBRAS|233
Neste ponto vale lembrar que hipônimos não mantém nexo apenas com os respectivos
hiperônimos, existe também a co-hiponímia, que é o nexo que todos os hipônimos de um mesmo
hiperônimo mantém entre si. Por exemplo: 1) labrador e pinscher são co-hipônimos, porque
ambos são igualmente hipônimos de cão; e 2) equídeo, felídeo e canídeo são co-hipônimos porque
todos três são igualmente hipônimos de mamífero. Para você ficar mais expert em hiperonímia,
hiponímia e co-hiponímia, sugiro que observe um pouco mais como todos os subconjuntos do
conjunto acima se relacionam. Você chegará aos mesmos resultados se fizer a analise tanto
conjuntística quanto taxonômica.
De imediato podem parecer triviais e pouco práticas as relações de hiponímia e
hiperonímia. No entanto, em nossas interações linguísticas valemo-nos cotidianamente do
conhecimento internalizado que temos a respeito desses nexos. Eles são um dos responsáveis pela
coesão textual.
Para finalizarmos este capítulo, vejamos agora três outros nexos de significado que são
muito utilizados no nosso dia a dia mas talvez você não tenha ainda parado para analisá-los com
um pouco mais de calma: a antonímia, a contradição e a contrariedade.
Antonímia ocorre quando duas ou mais palavras apresentam alguma oposição de
significado entre si a exemplo de bom e ruim. Segundo Oliveira (2008), de acordo com a oposição
realizada, a antonímia pode ser classificada em quatro tipos: oposição gradual/polar, oposição
contraditória/privativa, oposição conversa e oposição equipolente.
A oposição gradual (ou polar) ocorre entre itens que, além de estarem em oposição
semântica, são vagos, pois a vagueza possibilita que se reconheçam graus, ou seja, níveis
diferentes de uma determinada propriedade. Algo pode ser um pouco bom, bastante bom, ou
bom, por exemplo. Algo que é pouco bom está um pouco próximo de algo pouco ruim e vice-
versa. Já algo bom ou bastante bom está bem distante de algo ruim ou bastante ruim. A escala
abaixo mostra não apenas essa gradualidade, mas também a oposição entre bom e ruim,
situando-os em polaridades diferentes.
LETRAS LIBRAS|234
Outros exemplos de oposição gradual são quaisquer palavras que além de vagas têm um
oposto também vago como, por exemplo, bonito/feio, gordo/magro, velho/novo etc. Além de
adjetivos, advérbios podem também se apresentar em oposição gradual: fracamente/fortemente,
tristemente/alegremente etc.
A oposição contraditória (ou privativa) ocorre em pares cujos elementos são excludentes
entre si, não são graduais e a negação de um funciona como sinônimo do outro. No par
vivo/morto encontramos as três propriedades mencionadas: 1) são excludentes entre si, pois ou
alguém está vivo ou está morto; 2) não são graduais, logo literalmente alguém não pode estar
pouco vivo ou pouco morto; e 3) a negação de um é sinônimo do outro, não vivo é a negação de
vivo e sinônimo de morto. Outros exemplos são os pares partir/ficar, vida/morte etc.
A oposição conversa, como afirma Oliveira (2008), ocorre por meio de dois termos que
expressam o mesmo evento ou estado sob perspectivas diferentes. O curioso é que esse tipo de
antonímia gera uma paráfrase, pois uma perspectiva acarreta a outra. Esse é o caso de pai/filho(a)
em (09).
(09) a.
Nilton é pai de Dodô/Alexandre.
b.
Dodô/Alexandre é filho de Nilton.
Veja que a e b expressam o evento da paternidade sob duas perspectivas: a do pai e a do
filho. Essas duas perspectivas se acarretam mutuamente, pois se João é pai de Fábio então
necessariamente Fábio é filho de João e vice-versa.
LETRAS LIBRAS|235
Outros exemplos de oposição conversa são dar/ganhar, comprar/vender, antes de/depois
de etc.
A oposição equipolente é relação de incompatibilidade entre palavras que são co-
hipônimas, pois ao mesmo tempo que essas palavras se aproximam, por terem o mesmo
hiperônimo, elas se opõem devido ao fato de expressarem propriedades diferentes. Cão, lobo e
raposa são então equipolentes porque: 1) se opõem ao nomearem categorias distintas entre si;
mas 2) também têm alguma identidade: serem canídeos. O mesmo vale para os dias da semana:
sábado não tem como antônimo nenhum outro dia da semana específico, no entanto se opõe a
todos eles e por isso é um dia diferente, ainda que compartilhe com todos os outros dias a
propriedade de ser um dia da semana. Repetindo então: a oposição equipolente é a oposição
existente entre co-hipônimos.
Até agora tratamos de nexos de significados de oposições lexicais. Inseridos no nível da
sentença esses nexos provocam outros nexos de oposição a exemplo da contradição,
contrariedade, subcontrariedade etc. Aqui trataremos apenas da contradição e da contrariedade.
A contradição é o nexo entre duas sentenças que apresentam sentidos impossíveis de
serem verdadeiros ou falsos simultaneamente. Este é o caso de (10a) e (10b) abaixo.
(10) a.
João está morto.
b.
João está vivo.
Morto e vivo, como vimos, apresenta oposição entre si, mais precisamente a oposição
contraditória, logo se João está morto João não está vivo, e vice-versa. Noutros termos, se for
verdade que João está morto, é falso que João está vivo e vice-versa: ou a é verdadeira, ou b é
LETRAS LIBRAS|236
verdadeira, as duas juntas não podem ser nem verdadeiras nem falsas. Como as duas não podem
ser falsas juntas, necessariamente uma delas será verdadeira.
Analisemos agora o par em (11) em que sábado e domingo apresentam relação de
oposição equipolente.
(11) a.
Hoje é sábado.
b.
Hoje é domingo.
Se a for verdadeira, b será falsa e se b for verdadeira, a será falsa. Mas veja um detalhe
muito curioso: na contrariedade as duas sentenças não podem ser simultaneamente verdadeiras,
apenas uma pode ser verdadeira, mas não há nada que impeça ambas de serem falsas. Compare:
1) duas sentenças contraditórias não podem ser simultaneamente falsas; mas 2) duas sentenças
contrárias podem ser falsas ao mesmo tempo. Veja, por exemplo, que se hoje for segunda-feira, as
duas sentenças em (11) são ambas falsas; o mesmo ocorre se hoje for terça, quarta, quinta ou
sexta-feira. O mesmo padrão de valor de verdade de (11) vale para o par em (12) abaixo, pois que
bom e ruim por apresentarem oposição gradual constroem uma escala de opções. Consulte a
escala de oposição gradual acima e veja que um dia de chuva pode não ser bom nem ruim, por
exemplo.
(12) a.
Dia de chuva é bom.
LETRAS LIBRAS|237
b.
Dia de chuva é ruim.
Como você pode ver, os nexos de significados são muito interessantes e são
procedimentos utilizados com muita naturalidade e frequência no dia a dia. Se você está propenso
a se dizer “Pôxa, eu utilizava tudo isso sem saber!”, eu peço que não diga. Você, como nativo de
sua(s) língua(s), sabe, sim, utilizar todos esses nexos de significado, às vezes com um pouco mais
de desenvoltura, às vezes com um pouco menos, mas sabe. O que talvez você não soubesse ainda
era explicitar/explicar esses nexos de significado que fazem parte da sua proficiência em sua(s)
língua(s) mãe(s).
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Luciano Amaral. Manual de semântica. Petrópolis: Vozes, RJ: 2008.
LETRAS LIBRAS|238
UNIDADE V
PRESSUPOSIÇÃO
Imagine que eu tenho um amigo chamado Zé. Imagine também que hoje de manhã Zé me
liga e nós temos o seguinte diálogo:
Zé: Fala, rapaz! Como tu estás?
Eu: Beleza, e tu?
Zé: Eu estou bem também. Ei, te liguei para contar a nova.
Eu: É mesmo? O quê?
Zé: João parou de fumar.
Eu: João parou de fumar? Quem te disse isso?
Zé: Parou. Ele me disse agora há pouco.
Eu: Rapaz, já ouvi essa história antes. Te garanto que João não parou de fumar.
Se João parou de fumar eu mudo meu nome.
Zé: O médico disse que se ele realmente não parasse de fumar, o tratamento não ia ter
efeito nenhum e fazer químio só ia prejudicá-lo ainda mais.
Eu: Sabe, estou torcendo mesmo pra que ele tenha parado.
Zé: Eu também, cara. Então, vamos comemorar? João parou de fumar!
Eu: Viva! João parou de fumar! Hahaha!!!
Zé: Ei, acabou de chegar um cliente aqui, eu vou lá atender. Depois a gente se fala.
Eu: Tá certo. Abração!
A novidade posta em cena por Zé, “João parou de fumar.”, parece ser algo que tenha
exigido bastante esforço de João, não é? Ok, tudo bem! Você pode discordar de mim de que parar
de fumar tenha exigido muito esforço de João, pois você pode pensar ou saber, se você conhecer
bem João, que ele de fato nunca nem teve a intenção de parar de fumar, apenas fazia de contas
LETRAS LIBRAS|239
para agradar à esposa ou aos amigos. Mas um ponto de vista todos nós (Zé, eu e você)
compartilhamos: João fumava. Observe, porém, que em nenhuma parte do diálogo nós
encontramos a sentença ‘João fumava.’, ainda assim assumimos como verdadeira a informação de
que João fumava.
Você pode argumentar que a informação de que João fumava não está explícita no diálogo,
mas de alguma forma ela está lá, ou seja, você pode me dizer: “Ela está implícita.”. E eu posso
perguntar: “Como você sabe que essa informação está lá implícita?”. Você pode não querer
refletir sobre o assunto e me responder com “Ah, eu não sei. Mas está lá sim.”, ou você pode
refletir um pouco e me dizer “Eu sei por causa do verbo parar: é o verbo parar que mostra ou
ativa essa informação implícita. Se que eu digo que alguém parou de fumar é porque essa pessoa
fumava.”. Bingo para você!
A informação implícita que, por meio de um ativador, é apresentada como sendo
compartilhada e assumida como verdadeira em uma interação linguística é chamada, em
semântica e em pragmática, de pressuposto. Um ativador de pressuposição é um elemento
linguístico (afixo, palavra ou expressões em geral) que está presente no posto e coloca em cena,
i.e., ativa o pressuposto. Em complementaridade à noção de pressuposto existe a de posto, que é
a informação expressa de forma explícita em uma sentença, ou simplificadamente, é a própria
sentença enunciada. Assim sendo, no diálogo acima, (01) é o posto e (02) é o pressuposto. Ou,
dito de outra forma, (01) é a informação posta e (02) é a informação pressuposta.
(01) João parou de fumar.
(02) João fumava.
LETRAS LIBRAS|240
Do diálogo acima podemos retirar as sentenças em (03) abaixo.
(03) a. João parou de fumar. (Afirmativa)
b. João parou de fumar? (Interrogativa)
c. João não parou de fumar. (Negativa)
d. Se João parou de fumar eu mudo meu nome. (Condicional)
e. João parou de fumar! (Exclamativa)
As sentenças elencadas em (03) formam o que se chama família de sentenças, que são as
diversas formas gramaticais sob as quais uma relação predicativa pode apresentar-se. Veja quem
em (03) todos os elementos da família apresentam as mesmas relações predicativas internas: os
mesmos eventos de parar e de fumar, e o mesmo participante, João. Cada um dos membros da
família, no entanto, tem uma estrutura gramatical diferente, quais sejam: declarativa,
interrogativa, negativa, condicional e exclamativa53. O resultado das mesmas relações predicativas
que uma família compartilha é que se uma sentença é pressuposto de um elemento da família,
será igualmente pressuposto de toda a família. Se acima eu apresentei (02) como pressuposto de
(01), agora podemos perceber que (02) é pressuposto de toda a família em (03), ou seja, a
informação pressuposta é válida para qualquer membro da família, pois:
a) ‘João parou de fumar.’ pressupõe ‘João fumava.’;
b) ‘João parou de fumar?’ pressupõe ‘João fumava.’;
c) ‘João não parou de fumar.’ pressupõe ‘João fumava.’;
d) ‘Se João parou de fumar eu mudo meu nome.’ pressupõe ‘João fumava.’;
e) ‘João parou de fumar!’ pressupõe ‘João fumava.’.
Poderíamos perguntar o porquê de cada membro da família ter uma estrutura gramatical
diferente e ainda assim não apresentar pressupostos diferentes. A resposta é simples: em todos os
membros o(s) ativador(es) permanece(m) o(s) mesmo(s). No caso da família em (03) o ativador
53
A forma interrogativa negativa é outro membro da família: ‘João não parou de fumar?’
LETRAS LIBRAS|241
parar está presente em todos os membros. Veja, porém, que as sentenças em (04) e (05) abaixo
não pertencem à família em (03), ainda que a ela se assemelhem.
(04) João começou a fumar.
(05) João parou de comer.
É fácil perceber o motivo pelo qual (04) e (05) não pertencem à família em (03): elas não
são uma das diversas formas gramaticais sob as quais uma determinada relação predicativa pode
se realizar. São relações predicativas diferentes que, por consequência, denotam eventos e/ou
participantes diferentes: em (04) começar substitui parar, e em (05) comer substitui fumar. Como,
porém, tanto (04) quanto (05) têm ativadores de pressuposição, ambas apresentam pressupostos,
que são respectivamente (06) e (07), pois: a) se João começou a fumar, pressupõe-se que João não
fumava; e b) se João parou de nadar, pressupõe-se que João nadava.
(06) João não fumava.
(07) João comia.
LETRAS LIBRAS|242
Por outro lado, um mesmo pressuposto pode pertencer a sentenças e famílias diferentes.
O pressuposto em (02), por exemplo, pode pertencer à sentença em (08) abaixo e a sua respectiva
família, pois é pressuposto que se alguém continua a fazer algo é porque tal alguém já fazia esse
algo.
(08) João continua a fumar.
O fato de um pressuposto poder pertencer a mais de uma sentença, não implica que todo
pressuposto pertença a mais de uma sentença. O pressuposto (02) pertence tanto a (01) quanto a
(08), mas, como vimos, não pertence nem a (04) nem a (05).
É tão natural que um pressuposto valha não só para uma sentença mas sim para a toda a
família, que, no diálogo com que abrimos este capítulo, o pressuposto ‘João fumava.’ funciona
como um nexo entre os membros da família porque é ativado em cada parte do texto onde ocorre
algum desses membros. Disso decorre que esse nexo funciona também como um dos elementos
de coesão sobre os quais os interlocutores desenvolvem um diálogo a respeito do fato de João ter
parado de fumar por assumirem como compartilhada a informação implícita de que João fumava.
Um detalhe muito curioso é que se uma informação é compartilhada ela é do conhecimento pelo
menos dos interlocutores, ou seja, é uma informação “velha”, uma informação conhecida.
No entanto, é bom evitar afirmar que o pressuposto é uma informação compartilhada, ou
seja, velha. É melhor afirmar que o pressuposto é apresentado como uma informação assumida
como compartilhada, porque há casos em que essa informação não é velha, isto é, não é do
conhecimento de pelo menos um dos interlocutores. No entanto, ainda assim ela pode ser
apresentada como se fosse compartilhada, esta é, por exemplo, uma estratégia comum do
fofoqueiro.
Como a pressuposição é ativa por algum elemento linguístico, vejamos então uma breve
lista de ativadores de pressuposição.
LETRAS LIBRAS|243
1) Verbos de mudança de estado (Verbos que indicam mudança/alternância de estado.): parar,
findar, começar, iniciar etc.
(09) Posto: João parou de fumar.
Pressuposto: João fumava.
2) Verbos de permanência de estado (Verbos que indicam permanência ou continuidade de
estado.): continuar, permanecer etc.
(10) Posto: João continua/permanece fumando.
Pressuposto: João fumava.
3) Verbos factivos (Verbos que indicam fatos.): lamentar, saber etc.
(11) Posto: Pedro sabe que João parou de fumar.
Pressuposto: João parou de fumar.
4) Verbos implicativos (Verbos que indicam um evento/ação que dependem de outro
evento/ação.): conseguir – ter tentado; acordar – estar dormindo, fechar – estar aberto; abrir –
estar fechado etc.
(12) Posto: João conseguiu parar de fumar.
Pressuposto: João tentou parar de fumar.
5) Iterativos (elementos que indicam repetição): re-, de novo, novamente, outra vez etc.
(13) Posto: João parou de fumar de novo.
Pressuposto: João já tinha parado de fumar alguma vez.
6) Nomes próprios (Nomes que denotam entidades específicas): nomes de pessoas, instituições,
lugares etc.
(14) Posto: João Pessoa é uma cidade arborizada.
Pressuposto: Existe algo que seja João Pessoa.
LETRAS LIBRAS|244
7) Descrições de definidas (expressões que descrevem entidades): estruturas do tipo
“Determinante (+ expressão adjetiva) + Substantivo (+ expressão adjetiva).
(15) Posto: O filho de Maria é alto.
Pressuposto: Existe alguém que é filho de Maria.
Pelos tipos de ativadores de pressuposição listados acima você deve ter reconhecido mais
outra pressuposição presente em (01), (03), (04), (05) e (08): a pressuposição em (16) ativada pelo
nome próprio João. Não é nada raro uma sentença apresentar mais de uma pressuposição. Às
vezes elas apresentam uma quantidade relativamente grande de pressuposições.
(16) Existe um indivíduo chamado João.
Para finalizarmos, vamos nos centrar um pouco mais nas descrições definidas, que são
estruturas do tipo “Determinante (+ expressão adjetiva) + Substantivo (+ expressão adjetiva),
como podemos conferir no quadro abaixo.
SUJEITO PREDICADO
DESCRIÇÃO DEFINIDA SINTAGMA NOMINAL SINTAGMA
VERBAL DETERMINANTE EXPRESSÃO
ADJETIVA
SUBSTANTIVO ESPRESSÃO
ADJETIVA
O rapaz sorriu.
O tímido rapaz sorriu.
O Rapaz tímido sorriu.
O tímido Rapaz franzino sorriu.
O tímido Rapaz de azul
O tímido Rapaz que estava
falando com
Maria
sorriu.
O quadro acima mostra-nos que as descrições definidas não têm uma estrutura muito
rígida, apenas dois constituintes são essenciais: o determinante, comumente um artigo definido, e
LETRAS LIBRAS|245
o substantivo54. As expressões adjetivas são flexíveis não só no que diz respeito à posição e
possibilidade de não ocorrem, mas também no que tange à sua estrutura. Elas não têm estrutura
fixa, pois podem se manifestar sob diferentes estruturas sintáticas desde que tenham função de
adjetivo, no quadro acima: 1) os sintagmas adjetivais tímido e franzino; 2) o sintagma
preposicional de azul; e 3) a oração subordinada adjetiva que estava falando com Maria.
Como as descrições definidas e nomes próprios são ativadores de pressuposição dos quais
nos valemos com muita frequência no nosso dia-a-dia, o uso de pressuposições é uma prática
cotidiana. O pressuposto ativado pelas descrições definidas e pelos nomes próprios recebe um
nome específico: pressuposto de existência. Esse nome decorre do fato de que somos levados a
pressupor a existência das entidades que são nomeadas e/ou definidas pelos dois tipos de
ativadores em questão. Não obstante, é preciso estar atento a um fato: quando usamos um nome
próprio ou uma descrição definida não estamos atestando que algo ou alguém existe, estamos
apenas pressupondo que esse algo ou alguém exista. Para de fato atestarmos a existência dessas
entidades, precisamos olhar para o mundo, pois a língua não é um espelho do mundo, nem é
usada apenas para se falar sobre entidades e eventos que realmente existem no mundo biofísico
em que vivemos. Atestar a existência de entidades e eventos no mundo não é uma tarefa da
semântica, mas sim da metafísica, da física, da biologia etc. Assim sendo, veja que (24) abaixo
pressupõe, mas não atesta a existência de algum lobisomem. Para sabermos se ele existe,
precisamos pesquisar no mundo (Em todo caso, eu espero que nunca nos deparemos com
algum!).
(24) Maria viu o lobisomem semana passada.
A pressuposição é um fenômeno que muitos estudiosos assumem ser exclusivamente
semântico, pois é ativado por uma marca linguística. Outros, no entanto, assumem que ela é um
fenômeno de interface entre a semântica a pragmática pois pode ser pragmaticamente cancelada,
dentre estes linguistas encontra-se Heronides M. de M. Moura (2000).
54
Para alguns pesquisadores, uma descrição definida pode até mesmo se constituir de apenas um substantivo. Assim sendo, em
‘Rapazes geralmente gostam de malhar.’ pode-se reconhecer uma descrição definida: rapazes, que ativa o pressuposto “Existe algo
que seja equivalente a rapazes.”.
LETRAS LIBRAS|246
Segundo Moura (2000) a pressuposição é dinâmica e podemos cancelar uma pressuposição
por meio de algum encadeamento linguístico que façamos ao posto. Veja que (25) pressupõe (02),
abaixo repetido; mas se a (25) encadearmos ‘porque ele nunca fumou’ temos (26), uma sentença
cuja pressuposição foi cancelada.
(25) João não parou de fumar.
(02) João fumava.
(26) João não parou de fumar, porque ele nunca fumou.
Há muito mais coisas interessantes que podemos aprender a respeito da pressuposição.
Inclusive sob a relevante abordagem da semântica argumentativa de Oswald Ducrot (1987), que
trata a pressuposição como fonte de polifonia usada como instrumento de argumentação. Essa
abordagem, no entanto, fica para estudos futuros se você tiver interesse em se aprofundar sobre
o assunto. Não esqueçamos porém uma coisa: nossas interações linguísticas diárias não se
desenvolvem apenas sobre informações novas, mas também se desenvolvem sobre informações
assumidas como compartilhadas, sejam elas de fato compartilhadas ou não. Essas informações
implícitas assumidas como compartilhadas que chamamos de pressupostos são, assim, uma das
bases sobre as quais se desenvolve a interação linguística.
REFERÊNCIAS
DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas, SP: Pontes, 1987.
MOURA, Heronides M. de M. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica e
pragmática. FLorianópolis: Insular, 2000.
LETRAS LIBRAS|247
UNIDADE VI
ATOS DE FALA
Vimos, na introdução deste módulo, que é possível definir a Semântica como o estudo do
significado linguístico. Também vimos que a Pragmática é a ciência/disciplina que estuda o
significado em uso ou o significado do falante. Mais precisamente, essa definição de Pragmática
quer dizer que tal disciplina se interessa pelo significado em situações reais ou virtuais de uso, isso
implica então se tratar do significado que os falantes produzem e/ou reconhecem em uso, pois
não existe uso sem falante.
É importante termos em mente que para a Pragmática significado não tem o mesmo
significado que tem para a Semântica. Apesar da sua soberba, Humpty Dumpty, de Alice no país
dos espelhos, caminha por veredas pragmáticas ao afirmar que quando ele usa uma palavra ela
significa exatamente o que ele quer que ela signifique, nem mais nem menos. A personagem peca
pelo exagero, mas sua afirmação ecoa em 1953 nas Investigações filosóficas do austríaco Ludwig
Wittgenstein, que considerava que o significado de uma palavra era o seu uso. Essa definição é
muito interessante, mas lembrando que a unidade de trabalho da pragmática é o enunciado,
podemos dizer que o significado de um enunciado é o seu uso. Assim sendo, em Pragmática
significado significa “uso”; ou nos enquadrando na teoria dos atos de fala, podemos também dizer
que significado significa “ação”. Colocando em prática a noção pragmática de significado, eu
pergunto a você: qual o significado pragmático de (01) abaixo?
(01)
O enunciado (01) pode significar várias coisas: pedido, reclamação, repreensão etc. Ou
seja: o significado pragmático de (01) é cada um dos usos ou cada uma das ações que realizamos
LETRAS LIBRAS|248
ao utilizar tal enunciado. Se eu usar o enunciado em tela para pedir uma informação a respeito
das horas, esse enunciado significará um pedido; se nós usarmos o mesmo enunciado para
reclamar do atraso de um ônibus, tal enunciado significará uma reclamação; e se um diretor usar o
mesmo enunciado para repreender um subalterno que chegou atrasado, o mesmíssimo enunciado
significará uma repreensão. Desse modo, fica claro que o significado pragmático é cada um dos
usos que fazemos de um enunciado, ou, dito de outra forma, cada uma das ações de realizamos
ao enunciarmos algo.
Diante do exposto, você já percebeu que o contexto extralinguístico é muito importante
para a pragmática. Esse contexto envolve entidades como enunciado, enunciação, locutor,
alocutário e interlocutores55. Além de variáveis como quem, quando, onde, por que, como etc.
Como vimos no primeiro capítulo, o enunciado é a realização concreta de uma sentença/frase e a
enunciação é o processo pelo qual uma sentença se transforma em um enunciado.
O locutor, ao seu turno, é aquele que produz um enunciado e por ele se responsabiliza,
seja esse enunciado oral ou escrito. O alocutário é aquele para quem o locutor enuncia. Locutor e
alocutários são interlocutores entre si.
O processo pragmático de produção de enunciados pode ser resumido da seguinte forma:
com determinadas intenções interacionais em relação a seu alocutário (real ou virtual), o locutor
produz um enunciado situado temporal e localmente.
O processo pragmático de interpretação (e análise) pode ser resumido da seguinte forma:
o alocutário (ou analista) tenta identificar qual o significado de tal enunciado e para isso leva em
considerações variáveis como o que foi enunciado, onde e quando ocorreu o enunciado, quem o
enunciou e com que intenção o enunciou.
Tanto a produção quanto a interpretação e a análise podem parecer complicadas demais,
no entanto são processos que realizamos de forma muito natural nas nossas interações
cotidianas.
A pragmática, considerando esses processos, levantou uma série de questões muito
interessantes para os estudos da linguagem. Esses estudos, vale ressaltar, eram inicialmente
55
Existe também o enunciador, que aqui não abordaremos apesar de se tratar de uma figura muito cara especialmente à
semântica argumentativa.
LETRAS LIBRAS|249
realizados na filosofia (como sempre!), mais especificamente na filosofia da linguagem56. O grande
momento, porém, que a pragmática fez-se reconhecer como fundamental à linguística foi no início
dos estudos dos atos de fala, mais precisamente com a publicação de How to do things with
words57, do britânico John Langshaw Austin, em 1962.
A teoria dos atos de fala afirma que quando nos comunicamos automaticamente
realizamos diversos atos por meio da língua. Esses atos, vale enfatizar, não correspondem apenas
aos atos de comunicar pensamentos e sentimentos ou descrever o mundo, são de diversos outros
tipos a exemplo de convidar, ameaçar, declarar, pedir etc.
Austin não se deteve nas primeiras evidências e mostrou que cada enunciado não realiza
apenas um ato específico, porém três atos articulados entre si: locucionário, ilocucionário e
perlocucionário.
O ato locucionário é o ato de se dizer algo, de produzir uma locução, ou seja, o ato de
produzir um enunciado. Por exemplo, é o ato de enunciar (02) abaixo.
(02) Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!
O ato ilocucionário é a ação posta em cena por meio do ato locucionário, ou seja, a ação
realizada ao enunciarmos algo. Por exemplo, ao enunciar (02) acima o locutor não realiza só o ato
locucionário, que é ação de enunciar, realiza também um outro ato, o ilocucionário, que é a ação
de batizar.
O ato perlocucionário é a consequência do ato ilocucionário. Por exemplo, ao enunciar
(02) acima o locutor realiza os atos locucionário e ilocucionário já mencionados e como
consequência deste segundo ato tem-se o ato perlocucionário de alguém tornar-se batizado.
Há, porém, algo muito parecido com o ato perlocucionário: o propósito ilocucionário.
Como o ato perlocucionário é a consequência do ilocucionário, ele não dependente
exclusivamente do locutor. Quando, por exemplo, um assaltante ameaça a alguém, o propósito
ilocucionário do assaltante, ou seja, seu objetivo, é deixar esse alguém amedrontado para que
possa então roubar-lhe. Pode ser que esse alguém de fato fique amedrontado. No entanto, pode
56
Para conhecer um pouco da história da Pragmática, consulte: ARMENGAUD, Françoise. (2006) A pragmática. São Paulo:
Parábola.
57 Traduzido sob o título Quando dizer é fazer.
LETRAS LIBRAS|250
ser que esse alguém, em vez de se sentir amedrontado, fique indignado e bata no assaltante.
Nesta segunda situação o ato perlocucionário não é o ameaçado sentir-se amedrontado, mas sim
o ameaçado bater no assaltante (Espero que nunca passemos por uma situação assim, mas caso
ela aconteça não tente reagir ao assaltante!). O propósito ilocucionário é o que o locutor
pretende causar no alocutário. No exemplo do assalto acima observe que o propósito
ilocucionário é o mesmo se o alocutário sentir-se ou não ameaçado, mas o ato perlocucionário é
diferente em uma reação e na outra.
Apesar de os três atos de fala realizarem-se de forma articulada, o ato ilocucionário, além
de ser o eixo da teoria dos atos de fala, é o ato em função do qual os outros dois são originados,
pois: 1) o ato locucionário existe para por em cena o ato ilocucionário; e 2) o ato perlocucionário
existe como um produto do ato ilocucionário. O ato ilocucionário, vale ressaltar, não se realiza de
forma aleatória, ele é fruto de uma força chamada de força ilocucionária. Essa força se faz
reconhecível por meio de performativos, sejam eles explícitos ou não.
Um performativo explícito, ou direto, é um verbo que pode não só nomear uma ação mas
também realizá-la. Um enunciado que tem um verbo performativo é chamado de enunciado
performativo explícito. Esse verbo, no entanto, como já dito, precisa estar na primeira pessoa
(singular ou plural) do presente do indicativo, a exemplo de (02) acima e (03) abaixo.
(03) Eu prometo cumprir com a verdade.
Diferentemente, veja que ao enunciar sentenças como (04) e (05) abaixo, não se está,
simultaneamente à enunciação, prometendo algo nem fazendo um batismo, porque o verbo
performativo não se encontra no tempo propício para realizar a ação: o presente. Ao se enunciar
(04)–(07) abaixo, não se está, simultaneamente à enunciação, prometendo algo nem batizando
alguém, porque: 1) em (04) e (05) o tempo não é o adequado para realizar a ação, presente do
indicativo; e 2) em (06) e (07) a pessoa gramatical não é a adequada para realizar a ação, primeira
singular (eu) ou plural (nós/a gente).
(04) Eu prometi/prometerei cumprir com a verdade
(05) Eu te batizei/batizarei em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!
LETRAS LIBRAS|251
(06) Eles/vocês prometeram cumprir com a verdade
(07) Ele te batiza em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!
Podemos porém realizar promessas sem necessariamente usarmos as formas eu prometo
ou nós prometemos. Enunciados que realizam promessas e outras ações de forma indireta, são
chamados de performativos implícitos porque não têm nenhum verbo performativo.
Para realizarem atos, os enunciados performativos implícitos valem-se de diversos outros
recursos, sejam linguísticos-discursivos sejam suprasseguimentais. Espíndola (2010, p. 22) cita
[...]o modo imperativo do verbo (Devolva o dinheiro! ao invés de Eu ordeno que
devolva o dinheiro.); advérbios (Você viajará amanhã sem falta!) em que a
locução adverbial sem falta aumenta a força do que fora enunciado; uso de certas
partículas conectivas gera, de forma sutil, o efeito de um performativo (portanto
com a força de concluo que, contudo com a força de insisto que etc.); recursos
supra seguimentais (tom de voz, ênfase em determinado segmento do enunciado
etc.); recursos não verbais (gestos, sinais etc.) e as circunstâncias de
proferimentos.
Veja uma aplicação de dois desses recursos na tirinha abaixo: o tom da voz do Calvin
(gritos), e o uso verbos no imperativo pela mãe do Calvin.
Folha de São Paulo, 23 de maio de 2004.
Ainda que de alguma forma todos os enunciados sejam performativos e assumamos que
todo e qualquer enunciado apresenta os três atos de fala, não basta simplesmente enunciarmos
LETRAS LIBRAS|252
para realizarmos algo. É preciso que os enunciados atendam às chamadas condições de felicidade,
que são as condições sob as quais a ação realizável pelo enunciado se realiza de fato, ou seja, são
as condição sob as quais o enunciado obtém sucesso. Essas condições estão dividas em três
grupos:
A.1 – Deve haver um procedimento convencionalmente aceito, que apresente um
determinado efeito convencional e que inclua o proferimento de certas palavras, por
certas pessoas, e em certas circunstâncias; e, além disso, que
A.2 – as pessoas e as circunstâncias particulares, em cada caso, devem ser adequadas ao
procedimento específico invocado.
B.1 – O procedimento tem de ser executado por todos os participantes, de modo correto
e
B.2 – completo.
C.1 – Nos casos em que, com freqüência, o procedimento visa às pessoas com seus
pensamentos e sentimentos, ou visa à instauração de uma conduta correspondente por
parte de alguns dos participantes, então aquele que participa do procedimento, e o invoca
deve de fato ter tais pensamentos ou sentimentos, e os participantes devem ter a
intenção de se conduzirem de maneira adequada, e, além disso,
C.2 – devem realmente conduzir-se dessa maneira subseqüentemente. (AUSTIN, 1990,
p. 131)
As condições de felicidade têm o propósito de nos mostrar que não basta usarmos
performativos na primeira pessoa do presente do indicativo para sairmos por aí realizando os atos
que eles nomeiam, é preciso que os enunciados ocorram nos contextos adequados. Um padre ao
enunciar Eu vos declaro marido e mulher realiza de fato um casamento se e apenas se as
circunstâncias, procedimentos e envolvidos forem adequados, pois não basta ser padre para
realizar casamentos, outras condições precisam ser satisfeitas.
Veja, por exemplo, que um padre da igreja católica: 1) realiza casamentos em igrejas,
praias, casas, mas não em motéis, porque neste caso as circunstâncias são seriam adequadas; 2)
LETRAS LIBRAS|253
não realiza casamentos sem consultar se os nubentes aceitam serem casados nem sem estes
dizem o famoso Sim porque este seria um procedimento inadequado; nem 3) realiza casamento
entre pessoas do mesmo sexo, porque o catolicismo exige que o casamento ocorra entre pessoas
de sexos diferentes. Por outro lado, ainda que as circunstâncias, procedimentos e nubentes
envolvidos sejam totalmente adequados ao casamento católico, eu não realizarei casamento
algum se eu enunciar Eu vos declaro marido e mulher porque eu não sou uma pessoa adequada
para realizar esse ato, já que não sou padre. Eu posso até me atrever a pronunciar o enunciado em
questão quantas vezes eu quiser em alto e bom som, mas os nubentes não terão seu estado de
casados reconhecidos pela igreja, e, pior ainda, os nubentes poderão, juntamente comigo, serem
acusados de farsa.
Quando se viola alguma ou algumas das condições de felicidade gera-se uma infelicidade,
isto é, um insucesso. Esse insucesso pode ser uma falha ou um abuso. Uma falha ocorre quando
se viola alguma(s) das condições A.1, A.2, B.1 e B.2. Todos os exemplos do parágrafo
imediatamente acima constituem em falhas.
Um abuso, ao seu turno, ocorre quando se viola alguma ou as duas condições C.1 e C.2.
Comete abuso, por exemplo, aqueles que se casam no catolicismo e não cumprem os votos de
fidelidade. Comete abuso o padre que não respeita os votos de castidade. Comete abuso também
quem promete algo e não cumpre. Comete abuso o advogado que não segue a lei. Comete abuso
o político que não trabalha a favor do seu país. Ou seja, é muito comum as pessoas cometerem
abusos, porque geralmente se “esquecem” de se conduzirem de maneira adequada após
determinados atos. Veja que essa noção de abuso é tão curiosa que, se comprovado o abuso, o
ato que ele viola pode ser desfeito: um casamento pode ser cancelado e padres, advogados e
políticos podem ser destituídos de sua função (Pena que nestes três últimos casos as condições de
felicidade não sejam muito respeitadas.).
Para finalizarmos este capítulo, é válido observamos que a assunção, por parte de Austin,
de que há dois tipos de enunciados performativos implica em se reconhecer dois tipos de atos de
fala: os diretos e os indiretos. Ambos foram pormenorizadamente estudados pelo estadunidense
John Rogers Searle em Speech Acts58, de 1969.
58
Obra traduzida sob o título Atos de fala.
LETRAS LIBRAS|254
Os atos de fala diretos são aqueles que se realizam de forma direta por meio de um
performativo. Exemplos são o ato de prometer por meio do verbo prometer, em (03) acima, e o
ato de batizar por meio do verbo batizar, em (02) também acima.
Os atos de fala indiretos são aqueles que não se realizam de forma direta. Eles se realizam
por enunciados que não apresentam performativos e muitas vezes adquirem um significado
diferente do seu significado literal. A proposta de Searle é que os atos de fala indiretos contém
dois outros atos de fala: o primário e o secundário. (08) abaixo é um bom exemplo para explicitar
essa questão.
(08)
Estou com sede.
Quando utiliza um enunciado como (08), você realmente quer apenas informar ao seu
interlocutor que você está com sede? Sei que sua resposta foi Não (Dizem que semanticistas e
pragmaticistas às vezes “advinham” pensamentos!). Comumente, quando produzimos enunciados
do tipo de (08), mais do que informar a respeito da nossa sede, estamos fazendo um pedido.
Poderíamos realizar o mesmo pedido por meio do enunciado (09) abaixo. Essa possibilidade de
usar (09) em lugar de (08), mostra-nos: 1) que (08) e (09) são pragmaticamente sinônimas, mas
não são semanticamente sinônimas; e 2) que (08) não está sendo usada em seu sentido literal,
mas (09) está.
(09)
Me dê água.
A conclusão a que chegamos então a respeito de (08) é que esse enunciado realiza dois
atos ao mesmo tempo: 1) o ato de informar, que é um ato secundário, porque é o menos
LETRAS LIBRAS|255
importante para o contexto; e 2) o ato de pedir, que é um ato primário, porque é o mais
importante para o contexto, já que corresponde à real intenção do locutor. Assim sendo: como
(08) não apresenta um performativo, realiza um ato de fala indireto, que se desdobra em dois
outros: o primário, que é o ato mais importante porque corresponde à real intenção do locutor, e
o secundário, que é o ato menos importante porque não corresponde à real intenção do locutor.
Em um ato de fala indireto, o ato secundário é desencadeado pelo sentido literal do enunciado, e
o ato primário é desencadeado pelo sentido não literal.
Searle ficou curioso a respeito de como somos capazes de reconhecer um ato de fala
indireto primário e disse que “A estratégia inferencial é estabelecer, primeiramente, que o
propósito ilocucionário primário diverge do literal e, em segundo lugar, qual seja o propósito
primário.” (p. 53). O estabelecimento do propósito ilocucionário dá-se baseado nos princípios da
cooperação, que veremos no próximo capítulo, e da polidez.
O princípio da polidez mostra que nas mais diversas situações sociais cotidianas nos é
exigido que a interação ocorra de forma mais polida. Como, no entanto, nem sempre as pessoas
se sentem muito à vontade para usar (constantemente) expressões como por favor e por
gentileza, elas preferem utilizar os atos de fala indiretos e assim, por exemplo, fazer pedidos de
modo menos formal e dar ordens de modo menos autoritário. Se a Emy Winehouse estivesse viva
e fosse a secretária do diretor de uma empresa e este lhe dissesse (10) abaixo, você teria dúvida
de que, mas do que fazer um pedido, ele estaria dando uma ordem a ela?
(10) Srta. Winehouse, a senhorita pode fazer o relatório?
Precisaríamos de muito mais páginas pela frente para conhecermos de forma mais precisa
os tratamentos dados aos atos de fala. Não obstante, com o conteúdo aqui apresentado você já
tem plenas condições de seguir investigações sobre o tema. Por ora, peço que você analise (e
divirta-se com) a tirinha abaixo. Observe que nela o humor é construído pela infelicidade dos atos
ilocucionários do primeiro quadro: Hagar realiza diversos atos de fala que não atingem seus
propósitos ilocucionários, pois o único ato perlocucionário que eles desencadeiam na Helga é a
ordem que ela dá, ao então já cabisbaixo, viking.
LETRAS LIBRAS|256
Folha de São Paulo, 12 de outubro de 2000.
REFERÊNCIAS
AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990 [1962].
ESPÍNDOLA, Lucienne. Pragmática da língua portuguesa. In: ALDRIGUE, Ana C. de Souza; LEITE, Jan Edson
Rodrigues (orgs.). Linguagens: usos e reflexões. v. 6, João Pessoa: Editora da UFPB, 2010.
SEARLE, John R. Os actos de fala. Coimbra: Livraria Almedina, 1984 [1969].
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril, 1975[1957].
LETRAS LIBRAS|257
UNIDADE VII
MÁXIMAS CONVERSACIONAIS
Você gosta de cozinhar? Se sim, você pode achar a receita baixo bastante fácil. Se não,
você pode achar que a receita abaixo é complicada demais, pois, ao contrário das gelatinas de
caixinha, os ingredientes não vêm já precisamente dosados em um pacotinho.
Bolo de abacaxi59
Receita enviada por João Paulo De Sousa Lima
45min
1 porções
33 votos (opine)
Ingredientes
Massa:
1 xícara de manteiga
1 xícara de açúcar
3 ovos
1 xícara de Maizena
1 xícara de farinha de trigo
2 colheres (chá) de fermento
1 pitada de sal
1 colher (chá) de essência de baunilha
½ xícara de leite
Caramelo:
4 colheres (sopa) de açúcar
1 lata de abacaxi em calda, em fatias
100g de ameixas pretas, sem caroços
59
Disponível em: <http://tudogostoso.uol.com.br/receita/588-bolo-de-abacaxi.html>. Último acesso: 22 abr. 2009.
LETRAS LIBRAS|258
Tabela de conversão de medidas Imprimir lista de compras
Modo de Preparo
01 Bata a manteiga com o açúcar e os ovos até obter um creme esbranquiçado
02 Acrescente a Maisena, a farinha, o fermento, o sal e a essência de baunilha,
alternado
com o leite
03 Misture e reserve
04 Caramelize com o açúcar uma forma redonda grande
05 Arrume as fatias de abacaxi e coloque em cada orifício das rodelas, uma ameixa
06 Despeje delicadamente a massa por cima
07 Leve ao forno médio, cerca de 45 minutos
08 Deixe esfriar um pouco e desenforme, virando sobre um prato
Receitas culinárias, receitas médicas, manuais de instruções, livros didáticos, códigos
jurídicos são alguns gêneros textuais que comumente acreditamos serem pontais. Acreditamos
que quem produz um texto nesses gêneros é um locutor muito cooperativo com o seu
interlocutor, pois se não for: a receita pode dar errado, a montagem inadequada de um móvel ou
brinquedo pode acabar por estragá-lo, o estado de saúde do paciente pode agravar-se, o aluno
pode não saber o que um exercício solicita como resposta e um advogado pode perder uma causa
como consequência de uma interpretação inadequada. O mundo talvez fosse melhor se esses
problemas não acontecessem, mas eles acontecem. Mesmo em textos orais nos quais os
interlocutores estão face a face e os mal-entendidos podem ser desfeitos na mesma hora em que
surgem, é possível haver algum desencontro interpretativo entre os interlocutores em uma dada
interação.
A partir do que eu expus no parágrafo acima, você pode começar a imaginar que a
interação linguística é um caos, um cada um que se salve! Mas não é esse o real estado das nossas
interações linguísticas. Quando estamos cognitivamente sãos e em estado de auto-controle, e
queremos de fato nos comunicar com alguém, somos bastante cooperativos na produção dos
nossos textos.
De forma geralmente muito intuitiva, além de nos certificarmos quem é nosso interlocutor
(real ou virtual), “calculamos” qual o seu nível de conhecimento sobre o tema abordado, sobre a
língua usada, sobre as formas de interação e até mesmo sobre os gêneros textuais. A partir dessas
informações, produzimos nossos textos, orais ou escritos, focando um determinado tema,
LETRAS LIBRAS|259
evitando obscuridades, dosando a quantidade de informações e buscando apresentar evidências
para o conteúdo exposto. Ao realizarmos esses procedimentos, estamos praticando a interação
tomando como base o princípio da cooperação, um dos pontos fortes dos estudos pragmáticos.
O princípio da cooperação, desenvolvido pelo britânico filósofo da linguagem Herbert Paul
Grice (1982, p. 86), é o princípio de rege a comunicação e postula que se “*...+ Faça sua
contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou
direção do intercâmbio conversacional em que você está engajado.”. O princípio em questão
postula quatro categorias/grupos que colocam em cena algumas máximas para que a cooperação
realize-se de forma adequada.
A categoria da quantidade diz respeito à quantidade de informações apresentadas em
uma interação. Essa categoria fundamenta-se em duas máximas: “1. Faça com que sua
contribuição seja tão informativa quanto requerido (para o propósito corrente da conversação). 2.
Não faça sua contribuição mais informativa do que é requerido.” (Grice, 1982, p. 87).
A categoria da qualidade diz respeito à veracidade do que é dito. Essa categoria também
se fundamenta em duas máximas: “1. Não diga o que você acreditar ser falso. 2. Não diga senão
aquilo para que você possa fornecer evidência adequada” (Grice, 1982, p. 87).
A categoria da relação diz respeito ao tópico e foco da conversação. Tal categoria
fundamenta-se em apenas uma máxima: “Seja relevante” (Grice, 1982, p. 87).
Por fim, a categoria do modo diz respeito aos modos pelos quais deve ficar claro o que se
diz. Essa categoria fundamenta-se em quatro máximas: “1. Evite obscuridade de expressão. 2.
Evite ambiguidades. 3. Seja breve (evite prolixidade desnecessária). 4. Seja ordenado” (Grice,
1982, p. 88).
Segundo Grice, quando se obedece às quatro categorias apresentadas, a comunicação dá-
se de forma cooperativa. No entanto, como observa o próprio autor, nem sempre respeitamos tais
categorias. Às vezes o desrespeito é intencional, outras vezes é involuntário. O desrespeito
involuntário às máximas pode ser resultado da falta de habilidade textual, falta de conhecimento a
respeito da situação de uso, desatenção, instabilidade emocional e diversos outros fatores.
Voltemos agora à receita com que iniciamos este capítulo. Ao analisá-la tomando como
critério as máximas conversacionais, perceberemos que ela atende: 1) à máxima da relação, pois
realmente trata da elaboração de um bolo de abacaxi; e 2) à máxima qualidade, pois nela só se diz
o que se acredita ser verdade para que possamos produzir adequadamente o bolo em questão.
LETRAS LIBRAS|260
No entanto, no que diz respeito às máximas da quantidade e do modo, a recita ora
analisada apresenta algumas falhas. A máxima da quantidade é ferida em dois pontos específicos:
1) quando se fala em forno mas não se diz qual o tipo de forno (De lenha? De fogão? Elétrico?
Microondas?); e 2) quando se fala da medida “xícara” mas não se diz o tipo de xícara relevante
(Xícara de chá ou de café?). Essas informações podem parecer irrelevantes para quem sabe
cozinhar, mas para quem está apenas se aventurando pelo mundo da culinária informações desse
tipo precisam ser completas. Para argumentar a favor do que acabei de dizer, veja que quando a
medida “colher” é mencionada na receita, para evitar dúvidas, diz-se qual o tamanho da colher.
As falhas na máxima do modo, ao seu turno, são resultantes da vaguesa60 presente na
receita, que gera expressões obscuras para quem não tem bom conhecimento culinário. Exemplos
dessas expressões vagas são pitada (Qual a quantidade de uma pitada de sal?), esbranquiçado
(Esbranquiçado como o quê?), grande (Qual o tamanho de uma forma redonda grande?),
delicadamente (Como se despeja uma massa delicadamente?), médio (Qual a temperatura de um
forno médio?), cerca de (Quanto tempo é cerca de 45 minutos? 43 minutos? 48 minutos? 40
minutos?), um pouco (Quanto tempo leva para um bolo esfriar um pouco?).
Tendo observado as falhas nas máximas do quantidade e do modo, você sabe agora
possíveis motivos pelos quais muitas vezes tentamos seguir uma receita a risca mas no final não
conseguimos o resultado esperado. Analise outras receitas sob a perspectiva das máximas
conversacionais e você perceberá problemas semelhantes.
Pensando agora em receitas médicas, você já se deu conta de que muitas vezes o médico
escreve e/ou fala algo equivalente a Tomar um comprimido três vezes ao dia nas principais
refeições e quando chega a hora de tomar o medicamento você fica em dúvida? Esse é um
exemplo típico em que um médico fere na máxima da quantidade, pois ele acaba por não informar
tudo que é necessário: falta informar se é antes, durante ou depois das principais refeições que o
medicamento precisa ser tomado.
Outro exemplo muito comum de desrespeito não intencional às máximas é a fuga do tema
em redações. Quem foge ao tema, fere a máxima da relação porque produz um texto sem relação
com o tópico proposto.
60
Tipo de variação de sentido estudada no capítulo II.
LETRAS LIBRAS|261
Há, no entanto, casos em que ferimos as máximas intencionalmente. Quando fazemos isso
criamos uma implicatura conversacional, que é uma informação implícita decorrente da
desobediência intencional a pelo menos uma máxima conversacional. Observe o diálogo abaixo
entre namorado e namorada.
DIÁLOGO
Namorado:
Aquela casa é boa.
Namorada:
Você me ama?
Em princípio pode parecer que o diálogo acima não é o melhor exemplo de diálogo que se
possa imaginar, pois o namorado fala sobre uma casa e a namorada fala sobre amor. No entanto,
diálogos que, a exemplo desse, ferem a máxima da relação são comumente intencionais. Veja que
em um contexto em que o casal de namorados está passeando, o namorado enuncia Aquela casa
é boa e a namorada responde com Você me ama?, mais do que informar algo sobre uma casa, o
namorado pode estar realizando um pedido de casamento, e a namorada, mais do que estar
fazendo uma pergunta, pode estar estabelecendo uma condição para aceitar tal pedido.
Um exemplo muito comum de desrespeito intencional à máxima da relação é quando,
tentando ser polidos, refutamos a um convite falando sobre outra coisa como se o convite não
fosse o tópico da conversação. É exatamente isso o que acontece quando alguém propõe Vamos
ao cinema hoje! e nós respondemos Tenho que estudar para uma prova. Em situações assim, mais
do que realizarmos o ato de informar que temos de estudar para uma prova (ou de mentirmos
que temos de estudar para uma prova), nós estamos realizando o ato de rejeitar o convite feito.
Com esse procedimento, já que por delicadeza ou por covardia não preterimos claramente o
LETRAS LIBRAS|262
convite, deixamos a encargo do nosso interlocutor a tarefa de reconhecer a implicatura
conversacional.
Para finalizarmos este capítulo, analisemos na charge abaixo outro uso estratégico das
máximas conversacionais. Na charge, o interlocutor de Bento XVI considera, ou finge considerar,
que o Papa está listando o que a Igreja Católica não aceita e, para polemizar, pergunta ao Papa se
a pedofilia é aceita, já que, como sabemos, a Igreja muitas vezes tentou fazer vistas grossas no que
diz respeito a padres pedófilos. Sabiamente, para se livrar da pergunta embaraçosa, o Papa Bento
XVI solicita que seu interlocutor respeite a máxima da relação, i.e. não mude de assunto.
61
Diante do exposto, fica evidente a existência do princípio de cooperação e das máximas
propostos por Grice. Fica evidente também que, de alguma forma, estamos atentos a tais
máximas e, mesmo que inconscientemente, é comum tentarmos respeitá-las. Não obstante, há
situações nas quais deliberadamente desobedecemos às máximas com o intuito de gerar
implicaturas conversacionais por meio das quais realizamos atos de fala indiretos justificados, pelo
menos supostamente, pelo princípio da polidez.
61
Disponível em: <http://colunistas.yahoo.net/posts/6080.html>. Último acesso em: 01 nov. 2010.
LETRAS LIBRAS|263
Veja que para produzirmos um texto coerente e coeso precisamos estar atentos também
às máximas conversacionais. Independentemente de o texto ser oral ou escrito. Desrespeitar as
máximas, vale lembrar, constitui-se um problema textual apenas quando não é intencional nem
bem elaborado. Quando é intencional e bem elaborado o desrespeito às máximas torna-se um dos
recursos para a produção de textos criativos e eficientes. A criatividade e a eficiência textual, vale
lembrar, não é um “dom” exclusivo de chargistas, propagandistas e literatos, é um “dom” de todo
ser humano. No nosso dia a dia os textos geralmente são muito criativos e eficientes, prova disso é
que todos os dias produzimos textos novos (orais ou escritos) e geralmente conseguimos
estabelecer interações satisfatórias. Assim sendo, convido você, nas suas próximas produções
textuais, a usar de forma consciente das máximas conversacionais.
Ao findarmos este capítulo, findamos também o módulo de semântica e pragmática. Os
conteúdos das duas disciplinas, como você deve ter percebido, ora se aproximam ora se afastam.
Contudo, mesmo quando há afastamento, nunca é total, pois o interesse das duas disciplinas é o
significado: o significado linguístico para semântica e o significado do uso para a pragmática.
Findamos aqui o módulo de semântica e pragmática, mas os estudos do significado continuam
sendo campos profícuos para todos que neles queiram investir.
REFERÊNCIA
GRICE, Herbert Paul. Lógica e conversação. In: DASCAL, M (1982). Fundamentos metodológicos da
lingüística – v. IV: Pragmática. Campinas.
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ESTÁGIO
SUPERVISIONADO I
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ESTÁGIO SUPERVISIONADO I
Jailto Luis Chaves de Lima Filho Especialista em Libras – SOCIESC
Doutorando em Letras – PPGL/UFPB
Professor do Departamento de Letras - UEPB
Fernanda Barboza de Lima Doutoranda em Letras – PPGL/UFPB
Tutora de Letras/Libras - UAB/UFPB
INTRODUÇÃO
Estágio Supervisionado em LETRAS/LIBRAS
O Estágio Supervisionado é uma etapa de grande importância no processo de formação do aluno
nos cursos de licenciatura. Configura-se como o primeiro contato do futuro professor com a prática
profissional no âmbito escolar, oportunizando-o exercitar as teorias aprendidas. No curso de Letras/Libras,
o Estágio Supervisionado, seguindo os novos rumos dos estudos da linguagem, vem priorizando o caráter
sociológico da língua, através da ênfase nas atividades discursivas e no trabalho com os gêneros textuais.
O Estágio Supervisionado I faz parte do currículo como disciplina obrigatória para este curso de
Licenciatura em Letras/Libras, abrange 60 (sessenta) horas e possui 04 (quatro) créditos. Deve ser realizado
em reais situações de trabalho, em unidades escolares do Sistema de Ensino, sob a supervisão de um
profissional – professor – experiente no processo de ensino-aprendizagem na Escola Básica.
Considerando que ainda são poucas as escolas que têm projetos ou que já trabalham com práticas
inclusivas, recorreremos para este primeiro Estágio Supervisionado ao apoio dessas instituições de ensino,
LETRAS LIBRAS|268
que nos possibilitem investigar como funciona o ensino de Libras, nas escolas públicas, em especial as dos
polos que abrangem o nosso curso.
Procuramos, ao elaborar esse material, fazer não apenas com que o aluno reflita sobre a teoria,
mas, da mesma forma, proporcionar situações em que ele possa se questionar a partir da vivência no
processo de ensino-aprendizagem, que envolve a disciplina Libras, cujo ensino segue por diferentes
percursos de acordo com a comunidade pela qual a língua seria adquirida: como língua materna para a
comunidade surda ou como segunda língua para a comunidade ouvinte.
Temos, portanto, duas comunidades distintas quanto à recepção linguística, o que está
diretamente ligado à cultura, à identidade e, consequentemente, à forma com que participam do processo
de ensino-aprendizagem da língua. A partir dessas diferenças, surge, então, a necessidade de integração
entre essas culturas, envolvendo principalmente o contexto escolar, cujos principais agentes são os alunos,
surdos e ouvintes, o professor e o intérprete.
Essas comunidades participam dessa ação integradora chamada processo de inclusão. Nesse
patamar, levantam-se discussões acerca do que se trata e de como se deve proceder para que esse
processo obtenha êxito, tanto no âmbito governamental como no nível local.
Envolvemos aqui esse tema porque essa disciplina faz parte desse grande projeto que é a inclusão
e, portanto, faz-se necessário que nos situemos no atual quadro em que se encontram essas duas
comunidades, a de surdos e ouvintes, entendermos e adentrarmos na realidade em que tais comunidades
linguísticas estão envolvidas, considerando que estamos lidando com o ensino de uma determinada língua
que, por sua vez, reflete a cultura dessa sociedade.
Não podemos dissociar língua de sociedade, elas estão intimamente ligadas, até porque, para se
aprender/adquirir uma língua, é imprescindível conhecer/viver os costumes de tal comunidade. Aparecem
aqui nossos primeiros desafios: para quem estamos escrevendo? Para onde vamos levar nossos alunos? O
que vamos observar? A quem vamos observar? Que instituições estão comprometidas e como estão
comprometidas? Qual o percurso e quais os problemas enfrentados durante o trajeto que parte da teoria
até a prática? O que o governo sugere e o que a escola aplica? O que se pode fazer para contribuir com
esse panorama atual do processo de inclusão?
São desafios. Não encontraremos aqui soluções para todos os nossos questionamentos, mas
buscaremos lançar propostas de sistematizações para as práticas de ensino, aqui aplicadas ao ensino de
Libras, tanto como língua materna quanto como segunda língua. Por isso, não podemos deixar de
LETRAS LIBRAS|269
considerar o ensino de língua portuguesa, visto que estamos lidando com esse projeto de inclusão,
integração das culturas. Cabe então dizer que o ensino de uma é fundamental para a aquisição da outra
como segunda língua.
Trata-se de uma disciplina em construção, principalmente porque só agora as pesquisas sobre o
tema têm ganhado espaço, projetos sociais têm se desenvolvido no âmbito governamental, estimulando e
incentivando o interesse não só dos que fazem parte do sistema, mas também da sociedade, que até então
pouco havia sido questionada.
O foco do trabalho no Estágio Supervisionado é aprender a lecionar. Para o Estágio I, os alunos vão
se dedicar à avaliação tanto dos referenciais teóricos institucionais que norteiam as políticas pedagógicas
como também dos recursos didáticos voltados ao ensino de Libras no Ensino Fundamental, e observar a
aplicação desses conteúdos na sala de aula.
Para isso, procuramos situar na primeira unidade o atual quadro em que se encontra a Libras,
discutindo acerca das leis que fundamentam o Estágio Supervisionado, trazendo os aspectos mais
importantes da Lei que inclui Libras como disciplina curricular obrigatória e que rege acerca da formação do
professor de libras; dedicamo-nos na segunda unidade à fase de observação propriamente dita, listando os
aspectos que julgamos essenciais de serem examinados nessa fase, tais como a escola, o professor de
Libras, os alunos e o livro didático, além de apresentar características dos procedimentos docentes
importantes no processo de ensino-aprendizagem, tais como as habilidades de ensino e as práticas
avaliativas; já para a terceira unidade, julgamos pertinente apresentar algumas considerações
metodológicas para o ensino de Libras, tais como o trabalho com os temas transversais, a contribuição das
diversas formas de linguagem (visual, teatral e musical), e sugestões de atividades para o ensino de Libras a
partir dos gêneros textuais; e finalmente concluímos o nosso material com o modelo de plano de aula,
mostrando as etapas do plano, para dar suporte à prática da observação, e do relatório de observação que
será elaborado como prática avaliativa para essa disciplina de Estágio Supervisiona I.
Essa disciplina é, portanto, um convite para ousar e enveredar por novos caminhos, para fazer com
que os envolvidos nesse processo se questionem e colaborem com esse projeto, ajam e interajam, e
consigam construir e contribuir para o desenvolvimento de estudos científicos e principalmente
pedagógicos, considerando que as discussões sobre políticas públicas que incluam o aluno surdo nas
escolas de ensino regular se encontram em evidência.
LETRAS LIBRAS|270
UNIDADE I
O que é o Estágio Supervisionado?
O Estágio Curricular Supervisionado constitui disciplina obrigatória para o Curso de Licenciatura em
Letras e está fundamentado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB (9394/96), Art. 82, com
redação dada pela Lei nº 11.788 de 2008, que em seu capítulo I (definição, classificação e relações de
estágio), sanciona:
Art.1º Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. ........................................................................................................................ §2º O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.
O Estágio Supervisionado tem a intenção de auxiliar no processo de instrumentalização do
acadêmico para inserção no mercado de trabalho, bem como possibilitar ao professor em formação uma
reflexão sobre o espaço escolar e uma análise sobre a relação entre as teorias estudadas e sua prática
efetiva. É essa experiência acadêmica que permite o conhecimento dos saberes teórico-metodológicos
envolvidos nos processos de planejamento, elaboração, organização e execução das práticas pedagógicas.
PARA PENSAR: “O Estágio Supervisionado deve ser considerado um instrumento fundamental no processo de formação do professor. Poderá auxiliar o aluno a compreender e enfrentar o mundo do trabalho e contribuir para a formação de sua consciência política e social, unindo a teoria à prática” (KULCSAR, 1991).
LETRAS LIBRAS|271
E o Estágio Supervisionado de LIBRAS?
Atualmente, a inserção do ensino de Língua de Sinais nas escolas regulares é considerada
imprescindível, pois está envolvido com a própria construção da identidade surda e sua afirmação cultural
e linguística. A partir da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, observou-se não apenas a oficialização da
Libras como sistema linguístico, mas, também, a viabilização de seu ensino:
Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas
concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e
difusão da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS como meio de comunicação
objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.
Com o objetivo de regulamentar a Lei nº 10.436 e incluir a Libras como disciplina curricular
obrigatória, o Decreto de Lei Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, em seu texto, determina os cursos de
formação, os sistemas de ensino e os tipos de instituições que devem viabilizar esse processo, bem como,
esclarece os prazos e percentuais mínimos para inclusão da disciplina Libras na grade curricular dos cursos
do Ensino Superior, tais como Pedagogia, Educação Especial, Fonoaudiologia, e, em especial, as
licenciaturas.
O Decreto contempla várias ações a serem implementadas ao longo dos dez anos subsequentes à
sua promulgação, dentre elas, a formação de professores que deverão atuar no ensino de Libras desde o
ensino infantil do Ensino Fundamental até a educação superior.
O Estágio Supervisionado em Libras apresenta-se como componente fundamental no processo de
formação desses profissionais, uma vez que se constitui, assim como outros cursos de licenciatura, como o
momento de vivência das reais situações de trabalho dentro de uma unidade de ensino. Contudo, esse é
um campo de atuação cujas práticas são ainda mais desafiadoras, pois ao professor de Libras cabe mais que
a aquisição dos instrumentos metodológicos necessários aos processos de ensino-aprendizagem de uma
língua, cabe a este profissional construir as interações linguísticas em sala de aula e propiciar intercâmbio
das diferenças individuais e convívio das pluralidades humanas.
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Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005
Capítulo II – Da inclusão da Libras como disciplina curricular
Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.
§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Capítulo III – Da formação do professor de Libras e do Instrutor de Libras
Art. 4o A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua
RESUMO DO ÓPERA
1. O que dizem as leis que fundamentam o Estágio Supervisionado.
2. Quais os aspectos mais importantes da Lei que inclui Libras como disciplina curricular obrigatória.
3. O que rege acerca da formação do professor de libras
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UNIDADE II
Estágio Supervisionado I: fase de observação
O estágio de observação é o momento em que é possível a verificação local da rotina escolar e o
conhecimento dos agentes envolvidos nessa dinâmica. É o momento de diagnóstico do espaço de produção
do conhecimento, para uma futura intervenção e vivência das práticas pedagógicas pelo aluno/estagiário. É
a possibilidade de inserir-se como observador, num espaço onde as múltiplas atividades desenvolvidas por
diversos sujeitos relacionam-se para auxiliar a formação educacional de indivíduos. É também e
principalmente, um momento de reflexão e análise da realidade escolar, que permitem o conhecimento
dessa realidade e a compreensão dos inúmeros desafios que o aluno/estagiário enfrentará nas disciplinas
de estágio que sucedem o Estágio Supervisionado I, quando efetivamente poderá vivenciar as práticas
pedagógicas numa sala de aula. No estágio de observação é importante que o aluno/estagiário atente para
as particularidades da organização escolar, seus funcionários, espaços físicos, corpo docente e alunos que
frequentam a instituição.
O que observar?
A seguir, elaboramos um roteiro de observação, com os pontos que julgamos essenciais para serem
examinados nessa fase. Contudo, outros pontos importantes da experiência de observação podem ser
elencados, não sendo nossa intenção fecharmos aqui as possibilidades de análise.
A escola
1. Características físicas: relato dos ambientes que compõem a infra-estrutura da escola-campo
(salas de aula, sala de professores, sala da direção e coordenação, secretarias, refeitório,
banheiros, áreas de recreação, biblioteca, auditório, salas para aulas de computação, entre outros
espaços físicos). É importante que o aluno atente para a existência ou não de tais espaços na escola
e quais as condições desses espaços. É imprescindível, também, que o aluno observe e relate se a
acessibilidade é garantida em todas as dependências da escola.
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2. Atividades extracurriculares: relato das atividades extracurriculares oferecidas pela escola, como
aulas de idiomas fora do horário escolar, aulas de informática, brinquedotecas, oficinas de arte,
teatro, esportes, xadrez, entre outras. Observação de quais atividades extracurriculares são
realmente ofertadas, se a escola estimula a participação do aluno com necessidades especiais
nessas atividades, como ocorre a relação entre esses alunos e os demais alunos da escola nessas
atividades, quais as habilidades que essas atividades desenvolvem, e se essas práticas estimulam o
convívio do aluno surdo com outros alunos portadores de necessidades especiais.
3. Professores, gestores e funcionários: relato quantitativo da equipe de profissionais que compõe a
escola-campo. Verificação também, da habilitação profissional de professores, diretores,
coordenadores, secretários, auxiliares de limpeza, inspetores e cozinheiros. Observação do
relacionamento entre esses profissionais, entre eles e o professor de Libras, e a relação deles com
os alunos surdos e ouvintes. Entrevista com diretores e coordenadores sobre o Projeto Político
Pedagógico da escola.
Teatro. Fonte: http://teatroeduca.zip.net/ Informática. Fonte: http://imprensa.rioclaro.sp.gov.br/
Natação. Fonte:http://www.univille.edu.br/bisu/?p=2328 Xadrez. Fonte: http://mariofortuna.blogspot.com
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O professor de Libras
1. Habilitação profissional: descrição, a partir de entrevista, da sua formação escolar, da instituição
de Ensino Superior onde estudou, cursos feitos, ano de conclusão, participação em grupos de
pesquisa, disciplinas habilitado a ensinar, se tem cursos de capacitação, especialização ou pós-
graduação strictu senso (Mestrado ou Doutorado) na área em que ensina ou em outras áreas afins,
se é bilíngue, se tem proficiência em Libras, se ensina apenas na escola-campo pesquisada (e há
quanto tempo) ou se também trabalha em outras unidades de ensino.
2. Conteúdos trabalhados: detalhamento dos assuntos trabalhados na aula observada – se trabalhou
conteúdos gramaticais, quais conteúdos gramaticais foram trabalhados, se utilizou gêneros
textuais, quais gêneros textuais utilizou, se promoveu leituras de textos, quais leituras promoveu,
se promoveu produções textuais, quais produções textuais promoveu, quais os objetivos da aula
observada.
3. Recursos didáticos utiliza-dos:
observação da utilização de
materiais impressos, de
equipamentos, de objetos, de
recursos visuais, como livros digitais
com interpretação para a Língua de
Sinais62, entre outros.
62
Diversos livros digitais com interpretação para Língua Brasileira de Sinais estão disponíveis para compra, no site:
http://editora-arara-azul.com.br/novoeaa/. No catálogo é possível encontrar os seguintes livros: Dom Quixote, Peter
Pan, A ilha do tesouro, Alice no país das maravilhas, Iracema, Aladim, O alienista, A missa do galo, A cartomante, O
relógio de ouro, entre outros.
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4. Desenvolvimento da aula: relato da organização das atividades ministradas pelo professor,
observação da sequência da aula – introdução, desenvolvimento, conclusão; observação dos
exercícios aplicados.
5. Postura docente: análise do relacionamento estabelecido entre o professor de Libras e os alunos
(se é distante, próxima, amável, ríspida, formal, informal, permissiva); observação da liderança (se
é firme, impositivo, tolerante, intolerante, possui manejo para lidar com os problemas ou não),
percepção do tratamento despendido aos alunos surdos e aos alunos ouvintes.
6. Procedimentos metodológicos: análise das práticas e técnicas utilizadas pelo professor de Libras
(se sua abordagem é tradicional, estrutural, construtiva, comunicativa, cognitiva, funcional,
sociointeracionista, ou se utiliza abordagens diferentes para cada momento planejado).
Os alunos
1. Perfil dos alunos: relato quantitativo da sala de aula (número de alunos, número de alunos do sexo
masculino e do sexo feminino, número de alunos surdos), quantos alunos frequentam
assiduamente, quantidade de faltosos, observação do nível de interesse demonstrado à aula, da
participação dos alunos surdos e dos alunos ouvintes, do comprometimento com as atividades
propostas; descrição da classe social dos alunos e faixa etária, entre outras coisas.
2. Relacionamento entre os alunos: observação das ligações de coleguismo estabelecidas entre os
alunos (se alunos ouvintes relacionam-se com os alunos surdos, como ocorre a relação entre os
alunos surdos, como se organizam para realização de atividades em grupos).
O livro didático
1. Adequação do livro didático ao projeto político-pedagógico da escola e a sua realidade
sociocultural. É importante perceber se a proposta metodológica do livro didático é efetivada ao
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longo dos capítulos do livro, nos textos, nas atividades propostas e nas práticas de reflexão sobre a
linguagem.
2. Se existem objetivos/metas estabelecidos no livro didático para o ensino de Libras no ensino
fundamental e se estes são alcançados.
3. Se os textos e atividades do livro didático possibilitam o desenvolvimento da capacidade crítica e a
formação do pensamento autônomo.
4. Se os textos, ilustrações e exercícios colaboram para o conhecimento da identidade e cultura
surdas. Se alguns desses textos abordam os temas transversais: ética, pluralidade cultural, meio
ambiente, saúde e orientação sexual e tratam a questão da diversidade cultural e linguística,
estimulando assim, o convívio social, o respeito e a tolerância.
Fonte: http://www.google.com.br/imgres?q=libras+mãos
5. Se há textos complementares e como esses se apresentam e dialogam com outros textos e
atividades sugeridas.
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6. Quais os gêneros textuais trazidos no livro didático e quais situações didáticas são propostas a
partir desses gêneros. É importante perceber se o trabalho com os gêneros textuais estimula a
produção de sentidos dos alunos e se as situações didáticas exploram a relação autor/texto/leitor.
7. Se as atividades são sugeridas dentro de um contexto e com finalidades comunicativas e sociais
reais.
8. Como o livro didático está organizado (unidades, capítulos, módulos, seções, entre outros). Em
torno de quê se organizam as unidades (gêneros textuais, atividades propostas, reflexão sobre a
língua de sinais). Se os textos embasam as atividades propostas. Como é abordado o ensino das
estruturas gramaticais da Libras (a partir de sequências explicativas, nos exercícios propostos, entre
outros). Qual a vertente teórica que norteia as abordagens textuais e gramaticais (estruturalista,
cognitivista, sociointeracionista, entre outras).
9. Como se apresentam os aspectos gráfico-editoriais: organização de sumário, qualidade da
impressão (com ou sem falhas), tamanho de fonte e espaço entre linhas e entre palavras. Como as
ilustrações distribuem-se na página (bem distribuídas, muito juntas ou separadas). Como as
ilustrações relacionam-se com os exercícios e/ou textos (colaboram ou não para o melhor
entendimento desses). Se, a partir das ilustrações, é possível a plena compreensão dos sinais em
Libras apresentados.
10. Tipologia dos exercícios propostos: se são exercícios de repetição (memorização de conteúdos),
preenchimento de lacunas, estruturais (múltipla escolha), de reformulação, entre outros. Se esses
exercícios são contextualizados, se eles complementam o aprendizado trazendo dados novos ou
apenas reforçam os conteúdos gramaticais.
Acesse:
http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume3/numero1/p
lasticas/melissa-neli.pdf
Leia o texto:
O livro didático ao longo do tempo: a forma do conteúdo. Das
autoras: FREITAS, Neli Klix e RODRIGUES, Melissa Haag.
No texto você encontrará um breve histórico do livro
didático no Brasil e a evolução de seu aspecto visual.
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As habilidades de ensino
Diversos autores observaram e quantificaram as ‘habilidades de ensino’, que nada mais são, que a
reunião dos procedimentos docentes ou conduta dos professores, quando esses estão face a face com os
alunos. No Estágio Supervisionado I, fase de observação, é importante que o aluno/estagiário perceba
quais habilidades são demonstradas ou não, pelo professor de Libras observado, refletindo sobre a
importância dessas no processo de ensino-aprendizado, ou quais os prejuízos que a ausência de
determinadas habilidades traz para esse processo. Dentre as diversas habilidades já elencadas por vários
teóricos, destacamos dez habilidades, a saber:
1ª Habilidade – Habilidade de Introdução
A habilidade de introdução refere-se à iniciação da aula. Diz respeito à forma como o professor
introduz determinado conteúdo, chamando a atenção dos alunos para seu aprendizado e para os objetivos
a serem alcançados com aquela escolha metodológica. Determinadas maneiras de iniciar uma aula podem
motivar ou não o aluno. Muitas vezes, o entusiasmo do professor frente ao novo conteúdo apresentado
tem papel fundamental no estímulo ou desestímulo do aprendizado desse conteúdo. É importante
também, que o professor apresente em sua introdução, a organização de sua aula, relacionando o que vai
ser aprendido com o que já foi visto em aulas anteriores. Essa ação promove o conhecimento do novo, ao
mesmo tempo em que revisa o que já foi trabalhado em outro momento.
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2ª Habilidade – Habilidade de olhar para os alunos
É comum, principalmente no início da profissão, encontrarmos professores que ministram sua
disciplina, preocupando-se principalmente com o tempo da aula e o aproveitamento desse tempo para
transmissão de todo o conteúdo planejado. Dessa forma, concentram-se no material didático, nos recursos
que serão utilizados, mas se esquecem de
olhar para a turma. Outras vezes, é comum
que os professores concentrem sua
atenção em parte da turma, normalmente
aquela que se envolve mais com a
explicação e demonstra um maior
interesse.
É importante que o professor
atente para o olhar para o aluno. Perceba
pelo olhar, quem compreendeu a
explicação e quem ainda apresenta
dúvidas, quem gostaria de fazer uma
pergunta, mas é tímido, quem gostaria de
responder alguma questão posta pelo
professor, mas espera uma motivação
através do olhar. Ao esclarecer uma dúvida
Existem alguns recursos que podem ser utilizados na introdução de uma aula, com o objetivo de motivar os alunos. São alguns desses recursos:
- Utilizar gestos e contatos visuais;
- Utilizar recursos visuais;
- Mudar o padrão de interação professor–aluno na introdução da aula (surpreender o aluno com posturas inesperadas);
- Contar uma história que se relacione com o conteúdo que será ministrado, trazendo fatos que façam parte da realidade do aluno e sejam fenômenos concretos;
- Pedir exemplos relacionados à vida cotidiana dos alunos.
Autor: Ricardo Ferraz. Fonte:
http://www.planetaeducacao.com.br/acessodehumor/flog.asp
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de determinado aluno, é importante que o professor lance um olhar para toda a classe, com o fim de
perceber quem também está retirando dúvidas naquele momento, e quem está alheio e disperso.
3ª Habilidade – Habilidade de proporcionar feedback
O feedback é o retorno de uma mensagem formulada, ou seja, a resposta ou comentário sobre um
dado assunto. Numa aula, o feedback pode ser conseguido através de uma correção, reconhecimento,
repetição do dito, reformulação da mensagem, pedidos de esclarecimento ou mesmo, alguns sinais, como
o olhar, expressão facial ou movimento de cabeça que indicam que o aluno compreendeu ou não. O
feedback é um valioso instrumento de avaliação no processo de ensino-aprendizagem, pois através dessa
“resposta” ou “retorno” da mensagem, é possível avaliar se o aluno concorda, apoia, aprova, duvida ou
desconfia do que está sendo dito. O feedback do aluno pode e deve servir também, para que o professor
avalie a eficiência ou ineficiência de seus métodos, reinventando suas técnicas e utilizando novas posturas
de trabalho, quando necessário.
4ª Habilidade – Habilidade de ilustrar com exemplos
É comum, ao explicarmos determinado assunto, utilizarmos exemplos, que são amostras ou
representantes daquilo que desejamos informar. No
processo de ensino-aprendizagem, esse processo de
correlacionar deixa o conteúdo mais familiar,
estimulando a atenção. Ao ilustrar o assunto, é
PARA PENSAR: O contato visual é primordial para uma boa comunicação com uma pessoa surda. É considerado rude desviar o olhar e interromper o contato visual numa conversação. Na interação com ouvintes, é comum o desvio do olhar e a distração visual, uma vez que, para esse, muitas vezes, é desconfortável a manutenção do contato visual por longos períodos. Virar as costas numa conversação com o surdo é um insulto. Quando houver necessidade de desviar o olhar ou virar as costas, deve-se informar o interlocutor sobre isso.
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importante que o professor peça a participação do aluno, deixando-o apresentar exemplos de seu
cotidiano. Os exemplos trazidos por alunos devem ser utilizados pelo professor durante a explicação. Essa
habilidade relaciona-se diretamente com a habilidade de proporcionar feedback.
Principalmente em séries iniciais, é importante que o professor, ao exemplificar um conteúdo,
parta do concreto para o abstrato. Ou seja, traga exemplos antes de conceitos. Isso torna a explicação mais
clara e facilita a assimilação desses conceitos. Esse procedimento é chamado enfoque indutivo.
O professor pode escolher entre dois enfoques na utilização de exemplos em sua aula: 1. Enfoque
indutivo – a partir de determinados exemplos parte-se para a explicação. 2. Enfoque dedutivo – primeiro é
colocado o assunto e depois é apresentada a exemplificação que comprova o que se acabou de explicar. O
importante é que, ao escolher o enfoque, o professor reflita sobre algumas questões, como: esses
exemplos que trouxe são relevantes para o aprendizado de meus alunos? Os exemplos que escolhi
adéquam-se a faixa etária de meu público alvo? Estou fazendo conexões entre os conceitos dados e os
exemplos trazidos? Estou estimulando meus alunos a apresentarem exemplos sobre o assunto dado? Estou
explorando os exemplos trazidos pelos meus alunos?
No ensino de Libras, a habilidade de ilustrar com exemplos é essencial, uma vez que a apropriação
de ideias e conceitos é conseguida por meio da modalidade espaço-visual. É comum, em livros didáticos de
Libras, que a formulação de conceitos sobre determinado assunto parta do conhecimento dos campos
lexicais, normalmente ilustrados. Assim, o aluno pode primeiramente visualizar exemplos em Libras, para, a
partir daí, compreender determinadas acepções. O Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais, por
exemplo, ao tratar sobre o tema religião, traz o sinal, a ilustração e os parâmetros de lexias como: alma,
anjo, bíblia, Buda, católico, confissão, culto, Deus, islamismo, oração, umbanda, dentre muitos outros. A
partir desses exemplos, há a noção do tema ‘religião’.
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5ª Habilidade – Habilidade de execução e demonstração
Na educação, é comum a criação de situações em que se aplica a matéria estudada. Nessas
situações, o professor mostra modelos práticos, do que foi colocado através de conceitos. Em aulas de
química, por exemplo, não é incomum, que ao término de explicações sobre os conceitos de dado
fenômeno, demonstrem-se experiências reais, em que o aluno visualiza como ocorre tal fenômeno.
6ª Habilidade – Habilidade de organização do contexto
Essa habilidade refere-se ao planejamento da aula, desde a introdução do conteúdo até seu
fechamento. Um professor que possui habilidade de organizar o contexto explicita claramente quais são os
objetivos do estudo, localizando historicamente o conteúdo, e rememorando outros conteúdos que com
ele se ligam. Por isso, é importante que ao introduzir uma aula, o professor apresente o roteiro daquela
aula, preparando a turma para as etapas que se seguirão. Nessa habilidade também está incluída a
referência a materiais de consulta. É comum que o professor esqueça-se de explicitar suas fontes de
consulta e quais os materiais e recursos que utilizou para a preparação da aula. Contudo, essas informações
são importantes, pois orientam o aluno nos caminhos da pesquisa, estimulando-o a ser autor de seu
conhecimento.
7ª Habilidade – Habilidade de revisão
Quando pensamos na habilidade de revisão, vem a mente os momentos previamente estabelecidos
pelo professor para rever todo um conteúdo ministrado antes de uma avaliação. Contudo, a ação de revisar
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pode e deve fazer parte dos diversos momentos da aula. Antes de introduzir um novo assunto, por
exemplo, o professor deve rememorar o assunto que o antecedeu, tecendo uma ligação entre os
conteúdos. Ao propor uma atividade, deve revisar os principais pontos vistos, que servirão de base para a
execução da mesma. Ao elencar novos tópicos de um determinado assunto, deve sempre relacionar os
tópicos que o antecedem e foram vistos. E ao concluir a aula, deve fazer, brevemente, um apanhado geral
do que foi discutido. A revisão é um recurso importantíssimo na aula, pois, muitas vezes, é num momento
de revisão que acontece o aprendizado. Um professor que possui habilidade de revisão utiliza os
questionamentos dos alunos para tirar-lhes dúvidas, ao mesmo tempo em que revisa pontos das temáticas
que abordou em sua aula.
8ª Habilidade – Habilidade de variação de estímulos
Quando expomos um conteúdo, seja numa conversa, na apresentação de um seminário ou numa
aula, desejamos a atenção do outro. No contexto escolar, essa atenção é essencial no processo de
aprendizagem. Um professor que tem habilidade de variação de estímulos preocupa-se, a todo o
momento, se sua mensagem chega ao aluno e como chega, utilizando estratégias para conseguir o maior
tempo de atenção possível. Uma aula sem variação de estímulos costuma ser cansativa e não proveitosa,
por isso, é importante que o professor desenvolva essa habilidade.
A habilidade de variação de estímulos é comumente relacionada a: uso de materiais didáticos,
participação do professor, interação professor-aluno e pausas.
O material didático
deve ser usado sempre que
possível pelo profes-sor. Um
conceito é mais facilmente
assimilado quando é ilustrado,
exem-plificado. Assim, podem e
devem ser utilizados: objetos,
gravuras, pinturas, fotografias,
desenhos, mapas, infográficos e
histórias que se relacio-nem
com o tema a ser tratado. Da
mesma forma, o professor deve
Pinturas de artistas surdos.
Fonte:
http://diaslibras.zip.net/arch2007
-02-25_2007-03-03.html
LETRAS LIBRAS|285
fazer uso dos recursos materiais que tiver a sua disposição, como papéis, cartolinas, jornais, revistas,
aparelhagem de DVD ou de informática, enfim, tudo que a escola disponibilizar como materiais para
suporte didático.
Outra fonte de variação de estímulos é o próprio professor, que consciente disso pode buscar a
atenção do aluno e estimular sua participação, através da mudança no padrão de sua voz, alternância de
gestos, gesticulação em determinados momentos da explanação, combinada com variação do volume e
velocidade da voz, ação de movimentar-se pela sala de aula, percorrendo corredores e espaços não
comumente explorados.
Essa movimentação pode auxiliar a interação entre o professor e o grupo de alunos ou entre o
professor e um determinado aluno, ou mesmo estimular a interação entre os alunos. A interação é
essencial no processo de ensino-aprendizagem, contribuindo diretamente em seu resultado. A qualidade
estabelecida entre professor e aluno é fator determinante para o desenvolvimento dos processos
educativos.
Como última habilidade de variação de estímulo, temos a utilização da pausa. A pausa é um recurso
muito conhecido e utilizado por conferencistas e atores, mas pouco aproveitado por professores, no geral.
O momento do estabelecimento do silêncio provoca curiosidade e atrai a atenção para um ponto
importante da palestra. Principalmente em início de carreira, ansioso por cumprir o plano de aula, o
professor costuma “correr” com o assunto, para não perder nenhum minuto. Essa “corrida” nem sempre é
proveitosa, pois pausas bem colocadas entre blocos de conteúdos, ou em momentos em que se deseja a
efetiva atenção da turma, costumam incitar o interesse do público, despertá-lo de momentos de distração
ou mesmo criar tensões, que estimulam a procura por respostas.
Acesse:
http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009/07/jogos-educativos-
com-libras.html
Nesse site você encontrará diversos jogos educativos que
auxiliam o aprendizado de Libras.
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9ª Habilidade - Habilidade de reforço
Os professores, com o tempo e a prática, acabam por perceber a importância de incentivar seus
alunos nas diversas fases que compõem o processo de ensino-aprendizagem na escola. De forma geral,
quando as pessoas são reconhecidas por algo bom que realizam, sentem-se motivadas e encorajadas para
repetir a ação. Por isso, é interessante que o professor desenvolva sua habilidade de reforçar, através de
elogios, agradecimentos pelas ajudas recebidas, premiações, palavras de estímulo, gestos de aprovação,
aproximação do aluno, do ato de tocar-lhe com gentileza ou sorrir para ele, aceitação de suas ideias e
respostas, utilização das respostas equivocados para inserção de conflitos de ideias, sem inferiorizar ou
agredir ao fazer isso. Essas ações são conhecidas como reforços positivos e visam à manutenção e
repetição de atitudes desejáveis. O contrário disso, o reforço negativo, como ignorar o aluno, aplicar-lhe
punições ou negar-lhe o que pede, é aplicado para pôr fim a comportamentos indesejáveis. O reforço
positivo deve ser mais utilizado que o reforço negativo, pois o segundo, por ser desagradável, muitas vezes
fortalece o comportamento indesejável ou hostil criando distanciamento entre o professor e o aluno.
10ª Habilidade – Habilidade de fechamento da aprendizagem
Dizemos que houve fechamento da aprendizagem quando os objetivos planejados foram obtidos,
quando os pontos mais importantes do plano de aula foram cumpridos e a partir das avaliações realizadas
pelo professor verificou-se um nível aceitável de aprendizado. Quando nos referimos aos ‘pontos mais
importantes’ e ao ‘nível aceitável de aprendizagem’ consideramos que uma aula é um espaço dinâmico,
Exemplo de reforço positivo: Exemplo de reforço negativo:
abraçar, tocar, olhar para o aluno. ignorar, castigar.
Exemplo de reforço positivo: Exemplo de reforço negativo:
abraçar, tocar, olhar para o aluno. ignorar, castigar.
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onde as interações podem conduzir a mudanças do roteiro previsto, sendo por vezes, difícil, o
cumprimento total do planejamento e a mensuração exata da aprendizagem. Ao final de uma aula, é
interessante que o professor trace o panorama da aula, revisando os pontos principais que foram tratados
e incentivando a realização das atividades que foram propostas (se foram propostas). É importante
também, que ao conduzir à conclusão, o professor relacione os conhecimentos aprendidos, deixando o
espaço de extensão do conhecimento, de onde ele partirá no próximo encontro.
Práticas avaliativas
O ensino, a aprendizagem e a avaliação são práticas interdependentes, que devem auxiliar o
processo de desenvolvimento do aluno. É comum relacionarmos a avaliação a momentos e práticas
específicas, planejadas para o fim de um período de aprendizado. Contudo, a avaliação deve ser
compreendida com uma atividade sistemática, parte integrante das práticas pedagógicas e um recurso para
diagnóstico de problemas metodológicos. Assim, avaliar é perceber não apenas o desempenho e
aprendizado dos alunos, mas, principalmente, se as ações educacionais desenvolvidas estão contribuindo
para a formação desse aluno e quais as necessidades de mudanças e inovações nessas ações.
No ensino de Libras, a avaliação deve considerar o nível de desenvolvimento e aprendizado de cada
tipo de aluno, pois as diversas realidades determinarão as habilidades e competências para a aquisição da
Língua Brasileira de Sinais. Alunos surdos, filhos de pais surdos, possivelmente já possuem familiaridade
com a Libras, o que não ocorre necessariamente com alunos surdos, filhos de pais ouvintes. Nesse caso, é
comum que a Libras seja desenvolvida na escola. As práticas avaliativas, dessa forma, devem considerar o
ritmo de aprendizado e respeitar as diversidades linguísticas e perceptuais dos estudantes envolvidos no
processo de ensino.
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RESUMO DO ÓPERA
1. A escola, o professor de Libras, os alunos e o livro didático devem ser observados no Estágio Supervisionado I.
2. O aluno/estagiário deve refletir sobre as habili-dades de ensino.
3. A avaliação deve acontecer como prática integra-da ao processo de ensino-aprendizagem.
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UNIDADE III
Considerações metodológicas do ensino de Libras
O professor de Libras, ao planejar sua aula e escolher quais assuntos abordará, quais recursos
utilizará, e quais métodos avaliativos escolherá, deve considerar o perfil de sua sala de aula. Numa sala de
aula com alunos ouvintes e surdos aprendizes de Libras, há uma grande heterogeneidade linguística. É
possível que haja ouvintes que conhecem, por algum motivo, aspectos da Língua de Sinais e por isso não
sentirão dificuldades em seu aprendizado, enquanto para outros, será uma realidade linguística
completamente nova e particular. Da mesma forma, é possível que haja estudantes surdos que possuem
familiaridade com o idioma, enquanto para outros será o início desse aprendizado.
Algumas ações e posturas são essenciais no aprendizado de Libras. Alunos que possuam
familiaridade com a Libras vão apresentar essas ações e posturas, precisando apenas desenvolvê-la. Já
outros, precisarão adquiri-las com o tempo. Por isso, é importante que, inicialmente, toda a turma seja
incentivada a:
Manter o contato visual (olhar fixo no rosto do interlocutor), como pré-requisito para o
estabelecimento da comunicação;
Demonstrar atenção à expressão facial e corporal do interlocutor;
Inserir-se em atividades discursivas, e não apenas, em atividades que envolvam sinais isolados;
Participar de jogos interativos com adultos e crianças e comunicar-se com diferentes grupos,
usando gestos, sinais, expressões faciais e movimentos corporais, para expressar suas ideias,
intenções, vontades e sentimentos;
Resolver problemas, dúvidas e conflitos a partir do diálogo com outras crianças ou adolescentes
surdos e com adultos surdos.
Comunicar suas necessidades básicas como dor, frio, fome, sede, medo, através da Língua
Brasileira de Sinais.
LETRAS LIBRAS|290
Os Temas Transversais e o ensino de Libras
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa orientam que o trabalho de reflexão
sobre a língua pode e deve pautar-se nos seguintes temas: Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente,
Saúde e Orientação Sexual. Esses assuntos, por tratarem de questões sociais que permeiam toda a esfera
pública, exigem capacidade de análise crítica, reflexão sobre valores sociais e habilidade de participação.
Os conteúdos abordados a partir dos temas transversais também podem contextualizar o ensino de
Língua Brasileira de Sinais, por meio da criação de situações que permitam a investigação, seleção,
elaboração e debate de fatos e ideias que envolvam esses temas. Nesse sentido, cabe aos professores o
planejamento de atividades que propiciem o aprendizado de Libras a partir de produções textuais
contextualizadas, que abordem temáticas atuais, de interesse escolar e social.
Libras e as Linguagens
Em busca do desenvolvimento integral da criança ou adolescente, o ensino de Libras deve ser
organizado de modo a considerar as contribuições das diversas formas de linguagem. As linguagens
artísticas potencializam a criatividade, o imaginário, a afetividade e a cognição, contribuindo não apenas
com a aquisição da linguagem, mas com o desenvolvimento da percepção, atenção, sensibilidade e
expressividade.
a. Linguagem Musical
No universo do surdo, o som pode ser percebido por meio das vibrações. Mãos, pés ou outras
partes do corpo podem proporcionar ao aluno surdo a percepção musical através de movimentos
vibratórios ou trepidação. Embora seja óbvio, não é demais destacar que o surdo não experimenta a
música da mesma forma que o ouvinte. Essa especificidade deve ser levada em conta no planejamento de
atividades escolares que explorem a cultura musical. É importante que essas atividades sirvam para
aproximar o aluno ouvinte do aluno surdo, e levar o primeiro a vivenciar as experiências sensoriais que tem
o segundo frente à música.
LETRAS LIBRAS|291
Dessa forma, momentos que envolvam o trabalho com música devem ser prazerosos e
descontraídos, em que devem ser respeitados limites e posturas pessoais frente às atividades propostas.
Nas brincadeiras ou jogos que envolvam música, há a possibilidade de adaptação de letras de músicas à
Língua Brasileira de Sinais, bem como, a percepção dos timbres de instrumentos musicais e o aprendizado
dos sinais que o representam. Outra opção de atividade é o trabalho com músicas ilustradas. Esse exercício
consiste em mostrar uma sequência de figuras que ‘contam’ a história de algumas músicas e pedir para que
o aluno reconte em Libras. Essas sequências podem ser montadas em cartolina, papel ofício ou mesmo,
slides, dependendo dos recursos disponibilizados pela escola.
Com turmas mais avançadas em Libras, é possível propor a atividade de elaboração de letras de
canções em Libras pelos alunos. Esses momentos devem permitir a socialização das percepções frente à
atividade e a troca das diferentes sensações vivenciadas por alunos surdos e ouvintes.
É importante destacar que a música é um produto cultural e histórico, sendo imprescindível sua
inserção no currículo escolar. Professores de Libras podem e devem propiciar o conhecimento dos
movimentos musicais, dos músicos e das obras de diferentes épocas e culturas, bem como, a reflexão das
produções regionais, nacionais e internacionais, consideradas do ponto de vista da diversidade. Essas
atividades não apenas contribuem para o desenvolvimento comunicativo, mas, e principalmente, ampliam
a visão de mundo do indivíduo em formação.
1. Filhos do silêncio (Children of a
Lesser God, 1986)
Sinopse: Baseado em um sucesso da Broadway,
Filhos do Silêncio conta a vida de John Leeds,
um idealista professor de surdos e uma
decidida moça surda, chamada Sarah. Leeds sai
do mero “ensino de música” e mistura música
com dança e com percepção das vibrações.
2. Adorável professor (Mr. Holland’s
Opus, 1964).
Sinopse: Um músico decide lecionar para ter
mais dinheiro e assim, se dedicar a criação de
uma sinfônica. O nascimento de um filho surdo
o faz reinterpretar a música e seu ensino.
3. A música e o silêncio (Jenseits der
Stille, 1996)
Sinopse: Desde criança, Lara serviu de
intérprete para seus pais surdos. Adulta, ela
demonstra grande talento musical. É quando
surge um dilema em sua vida, pois, se quiser
abraçar uma promissora carreira, terá que
mudar-se para Berlim.
Sugestões de filmes sobre Música e Surdez
LETRAS LIBRAS|292
b. Linguagem Teatral
Ao utilizar a linguagem teatral nas atividades escolares, o professor proporciona um trabalho que
envolve, necessariamente, comunicação, movimento corporal e expressões faciais, visando à compreensão
e/ou expressão, dependendo da abordagem escolhida.
A criança e o jovem, a partir de dramatizações de histórias contadas na Língua Brasileira de Sinais,
podem aprender gestos, movimentos e expressões importantes para a comunicação em Libras, ampliando
seu vocabulário através de atividades que estimulam a imaginação e a criatividade. Para tanto, o professor
e/ou o aluno podem se utilizar de fantasias, adereços, máscaras e maquiagem, para criar enredos em
Libras. Outras atividades possíveis são: teatro de sombras, teatro de bonecos e fantoches e teatro com
animação de objetos. Essas atividades proporcionam, além da ampliação da capacidade comunicativa, o
conhecimento de códigos específicos da linguagem teatral, como: enredo dramatúrgico, características das
personagens, cenários, iluminação, figurino, entre outros.
É importante destacar que nenhuma dessas atividades deve envolver a linguagem oral e que o
trabalho com bonecos e fantoches deve ser realizado, apenas, com turmas mais avançadas em Libras, pois
se faz necessária a utilização de uma das mãos para manipular o fantoche e a outra para expressar-se em
Libras.
1
2
3
4
1. Teatro
2. Teatro de sombras
3. Teatro de bonecos
4. Teatro de fantoches
1. http://noeminascimentoansay.blogspot.com/2011/06/librasileiros-peca-de-teatro-em-libras.html
2. http://formasanimadas.wordpress.com/category/grupo-girino/ 3. http://teatro-de-bonecos.blogspot.com/
4. http://blogsentidos.blogspot.com/2011/01/oficina-de-teatro-com-bonecos-voltados.html
LETRAS LIBRAS|293
Atividades que envolvam a linguagem teatral devem estimular o conhecimento e apreciação de
produções e concepções estéticas, além de proporcionar a compreensão das propriedades comunicativas
das diversas formas de dramatização (teatro em palco, em circo, teatro de bonecos, entre outros).
c. Linguagem Visual
Ouvintes e surdos que desejam aprender a Libras devem desenvolver a habilidade de olhar com
atenção para o interlocutor, estimulando sua concentração visual. Diversas atividades podem ser
propiciadas pelo professor de Libras, com o intuito de explorar o sentido da visão. Essas atividades podem
envolver a apreciação e/ou produção de desenhos, pinturas, esculturas e fotografias, que permitem a
expressão de sensações e ideias em Língua de Sinais.
O trabalho com os elementos básicos da linguagem visual desenvolve o conhecimento sobre forma,
direção, tom, cor, textura, escala, dimensão e movimento, atuando na aquisição de repertório estético e na
reflexão, descrição e expressão desse repertório.
Maurício de Souza. A turma da Mônica (2002). Fonte: http://www.alienado.net/quadrinhos-turma-da-monica/
Dirceu Veiga. Charge.
Fonte: http://mabm1980.blogspot.com/
Propaganda anti-tabagismo.
Fonte: http://intervaloscomerciais.blogspot.com/
LETRAS LIBRAS|294
As atividades de apreciação de formas plásticas permitem a reflexão dos significados expressivos
dessas produções e suas especificidades regionais, nacionais ou internacionais. Esses momentos podem
propiciar um ensino de Libras contextualizado, onde é possível a discussão sobre as produções observadas,
os autores dessas produções, suas biografias e outras obras desenvolvidas.
Além disso, diversos gêneros textuais e/ou suportes textuais possibilitam o trabalho de leitura de
textos visuais, como é o caso das charges, cartum, tirinhas, quadrinhos, placas, cartazes, capas, cartões
postais, publicidade, entre outros. A partir desses gêneros é possível a elaboração de situações didáticas
que relacionem autor/leitor/texto e a promoção de um ensino de Libras que leva em conta que alunos
surdos e ouvintes compartilham os mesmos contextos sócio-históricos.
Libras e os gêneros textuais
Da mesma forma como acontece com a Língua Portuguesa, a Língua Brasileira de Sinais realiza-se
nas mais diversificadas esferas da atividade humana, manifestando-se através dos diversos gêneros
textuais produzidos nessas esferas. Dessa forma, as reflexões sobre a estrutura gramatical da Libras e seu
funcionamento linguístico (aspectos léxico-semânticos, fonéticos, morfossintáticos e discursivos) devem
pautar-se no trabalho com os gêneros textuais.
Para o ensino fundamental menor, é recomendável que o professor de Libras organize atividades
com gêneros textuais presentes nas seguintes esferas de circulação de textos: cotidiana, escolar,
jornalística e literária. Para o ensino fundamental maior, é interessante acrescentar gêneros textuais da
vida pública e profissional. A seguir, falaremos mais sobre cada uma das esferas de circulação de textos e
dos gêneros textuais produzidos em tais esferas, trazendo possibilidades de atividades para o ensino de
Libras a partir desses gêneros.
a. Gêneros da esfera de circulação cotidiana
São os gêneros presentes no dia a dia, no contexto familiar, informal. São exemplos desses
gêneros: conversa, relato, bilhete, recado, piada, regra de jogos e brincadeiras, instruções, receitas,
roteiros, mapa de localização, relato de experiência vivida, descrição de itinerário etc.
LETRAS LIBRAS|295
A partir desses gêneros, o professor de Libras pode:
Propor atividades em grupo, que estimulem o diálogo entre os alunos;
Dialogar com os alunos a respeito do seu dia a dia, do seu fim de semana, de algum tema
específico;
Mostrar imagens ou objetos e promover um debate sobre isso;
Trazer recursos visuais, como fotos, desenhos, objetos e pedir que os alunos os relacionem;
Trazer temas que permitam o relato de experiências pessoais, que propiciem a formulação de
perguntas e respostas sobre eles e assim, o diálogo entre os alunos;
Trazer jogos e explicar suas instruções. Exemplos: adivinhas e trava-dedos;
Apresentar vídeos de piadas em Libras.
No site:
http://www.atividadeseducativas.com.br/index.php?lista=libras
você encontrará jogos da memória para aquisição de vocabulário, jogos
para aprender o alfabeto de Libras, caça-palavras em Libras, entre
outros.
http://amigasdaedu.blogspot.com/2009/11/jogo-da-memoria-
em-libras-animais.html
você encontrará jogos para imprimir e brincar com os alunos.
LETRAS LIBRAS|296
b. Gêneros da esfera escolar
São os gêneros textuais que circulam principalmente na sala de aula, e que possuem caráter
didático, como: aula, seminários, exposições, debates e exercícios, bem como, aqueles que se encontram
nos livros didáticos ou em materiais didáticos utilizados numa aula, como: verbetes de dicionário e
enciclopédias, artigos científicos, biografias, depoimentos, relatos históricos, entre outros.
A partir desses gêneros, o professor de Libras pode:
Contar a história de personalidades nacionais e internacionais e propor atividades de pesquisa de
vida e obra dessas personagens. Fazer o mesmo com personalidades surdas;
ALGUMAS PERSONALIDADES SURDAS OU COM PROBLEMAS AUDITIVOS
Bill Clinton – 42º presidente dos
EUA. Tem perda parcial da audição e
usa aparelho auditivo.
Douglas Tilden – escultor surdo
mundialmente conhecido. Criou
a famosa escultura “The football
Players”.
Emmanuelle Laborit – atriz e
diretora de teatro surda. Tornou-
se embaxatriz da Língua de Sinais
Francesa.
Francisco de José Goya
Famoso pintor que perdeu a
audição aos 46 anos, mudando
seu estilo de pintar.
Marlee Matlin – atriz americana surda ganhadora do Oscar de melhor atriz pelo filme ‘Filhos do Silêncio’.
Thomas Edison – inventor americano surdo. Teve papel fundamental na indústria do cinema, inventando entre outras coisas, a máquina de filmar.
Ludwing van Beethoven – o
famoso músico alemão começou
a perder a audição aos 26 anos
de idade. Sua obra marcou a
história da música clássica.
Konstantin Tsiolkovsky – cientista surdo, pioneiro na
ciência dos foguetes. O russo
perdeu a audição devido a febre
escandinava.
LETRAS LIBRAS|297
Helen Keller nasceu em 1880 e tornou-se surda e cega aos 18 meses de idade. Alguns meses antes da americana completar 7 anos, Anne Sullivan, uma professora de vinte e um anos, foi morar em sua casa para ensiná-la. Anne havia estudado na Escola Perkins para Cegos, pois, quando criança tinha sido cega, mas recuperou a visão através de nove operações. Através do alfabeto manual, Helen aprendeu sobre as palavras e seus significados. Aprendeu braille e aprendeu a falar sentindo as vibrações das cordas vocais. Adulta, formou-se bacharel em filosofia pela universidade de Radcliffe, aprendendo paralelamente, latim, francês e alemão. Escreveu diversos artigos para revistas e dezenas de livros, que foram transcritos em diversas línguas. Fez visitas e realizou conferências em 35 países, inclusive no Brasil. Recebeu diversos prêmios e condecorações. Helen morreu em 1968, aos 87 anos. Sua vida é contada no filme O milagre de Anne Sullivan.
Trazer um tema para discussão e propor a pesquisa a dicionários e enciclopédias de Libras63 sobre
diversos léxicos que se referem àquele tema;
Sugerir a confecção de um roteiro de perguntas para entrevistar um convidado surdo sobre
determinado tema. Exemplo: propor o tema ‘o surdo e o mercado de trabalho’ e entrevistar um
professor, um atleta, um artista, alguém que trabalhe numa empresa etc.;
Discutir sobre temas transversais, trazendo depoimentos em vídeos que tenham interpretação em
Libras;
Elaborar atividades que se relacionem com as outras disciplinas dos alunos, proporcionando assim,
um diálogo interdisciplinar. Exemplo: se o professor de Geografia está trabalhando as regiões
brasileiras, o professor de Libras pode organizar uma atividade sobre determinados traços culturais
das regiões.
c. Gêneros da esfera jornalística
São os gêneros textuais produzidos com o objetivo de informar ou formar opinião. São os produtos
da atividade jornalística, como: manchete, crônica jornalística, editorial, artigo de opinião, capas de jornal
63 A Enciclopédia Digital da Libras contém uma base de dados de 5.600 sinais com respectivos verbetes em Português e Inglês, descritos e ilustrados
em sua estrutura quirêmica (forma do sinal) e significado (referente do sinal). O sistema de localização de sinais permite buscar e localizar os sinais
com base nos parâmetros (mãos, dedos, local, movimento e expressão facial), possibilitando ao consulente surdo, o resgate de um sinal, a partir
dos elementos da estrutura quirêmica do sinal, não precisando dessa forma, do léxico em língua portuguesa, como habitual.
LETRAS LIBRAS|298
ou revista, legenda, notícia, comentários, entrevista, reportagem, debate etc. A faixa etária da turma e o
nível de conhecimento da Língua de Sinais pelos alunos, devem ser determinantes na escolha das
atividades. Vídeos com temas que proporcionem uma reflexão mais madura devem ser trabalhados com
turmas mais avançadas em Libras.
A partir dos gêneros da esfera jornalística, o professor de Libras pode:
Selecionar imagens e fotografias de jornais e revistas e pedir para que os alunos expliquem o que
entenderam das matérias, a partir das ilustrações. O mesmo com matérias televisivas, que podem
ser passadas para os alunos interpretarem com base no que compreenderam das imagens;
Apresentar notícias jornalísticas em vídeo e pedir para que os alunos relacionem-nas a capas de
jornais e revistas que também discutam o evento;
Incentivar a discussão sobre os sentidos produzidos por capas de jornais;
Selecionar diversos jornais e pedir para que os alunos percebam a organização dos temas a partir
das fotografias, identificando assim, as diferenças entre os cadernos de política, esporte, cultura,
economia, moda etc.
Escolher temas da atualidade e levar vídeos de entrevistas, debates ou reportagens sobre eles,
orientando uma discussão ao final da apresentação;
Sugerir pesquisas a enciclopédias e dicionários de Libras, para esclarecimento de léxicos não
compreendidos em debates, notícias, entrevistas ou reportagens.
d. Gêneros da esfera literária
Já houve na história, várias classificações do gênero literário, sendo a mais comum, a que o divide
em três grupos: narrativo, lírico e dramático. São exemplos de textos narrativos: romance, fábula, novela,
conto, teatro, lenda, crônica, história em quadrinho, tiras etc. São exemplos de textos dramáticos: tragédia,
LETRAS LIBRAS|299
comédia, tragicomédia, drama etc. São exemplos de textos líricos: elegias (poesias que expressam
sentimentos tristes), idílios (poemas breves com temática pastoril), ode ou hino (canções) etc.
A partir desses gêneros, o professor de Libras pode:
Mostrar sequências de figuras ou fotos e narrar contos;
Contar histórias infantis na versão original e depois na versão adaptada para a comunidade surda e
perguntar quais as diferenças;
Apresentar uma história como O patinho feio e depois disso, apresentar O patinho surdo. Depois
disso, apresentar uma história como Os três porquinhos e pedir para que os alunos, em grupo,
recontem a história acrescentando personagens surdos;
Sugerir a criação coletiva de um enredo para uma peça de teatro;
Mostrar sequência de imagens de determinado filme e pedir para que os alunos elaborem a
sinopse do filme.
Recitar poesias de poetas surdos ou sugerir que
os alunos recitem;
Recitar poemas ou letras de músicas e pedir
para que o aluno desenhe e pinte sobre o que
compreendeu e sentiu. O professor pode
perguntar ao final da atividade, o porquê da
escolha dos desenhos e cores empregadas,
comentando sobre as relações que se
estabelecem culturalmente entre as sensações
e as cores;
Trazer quadrinhos, tiras e charges e promover o
“recontar” das histórias mostradas;
LETRAS LIBRAS|300
Trazer quadrinhos e ocultar os últimos quadros, pedindo para que os alunos apontem possíveis
desfechos, ou embaralhar os quadros e pedir para que os alunos apontem a sequência correta;
Levar cordéis de um tema específico, tipo: religião, futebol ou cangaço e promover “círculos de
interpretação” desses cordéis, que também podem ser encenados. Promover, a partir dessa
atividade, pesquisa sobre a variação regional da Língua Brasileira de Sinais.
e. Gêneros da esfera pública e profissional
Nessa esfera circulam gêneros importantes para a ampliação da consciência de direitos e deveres
para o pleno exercício da cidadania. São exemplos: debates, solicitações, leis, estatutos, entrevistas
profissionais.
A partir desses gêneros, o professor de Libras pode:
Pedir para que os alunos elaborem uma entrevista e façam-na com um adulto surdo;
Exibir debates políticos com interpretação em Língua de Sinais. Pedir para que os alunos assumam
uma posição diante do visto e discutam o tema;
Indagar sobre as intencionalidades existentes no debate exibido;
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=z8UobQ5btDE
LETRAS LIBRAS|301
Apresentar pontos importantes de estatutos e leis e pedir para que os alunos formulem perguntas
sobre o assunto;
Apresentar um estatuto e promover um debate sobre o tema;
Apresentar pontos importantes da legislação sobre a surdez, com o intuito de fazer os alunos
conhecerem seus direitos e questionarem sua aplicação;
RESUMO DA ÓPERA
1. Existem ações e posturas essenciais no aprendi-zado de Libras.
2. O trabalho de reflexão sobre a Libras deve pautar-se nos temas transversais.
3. Outras linguagens devem ser desenvolvidas no ensino de Libras, como a musical, a teatral e a visual.
4. O ensino de Libras deve ser contextualizado e partir do trabalho com os diversos gêneros textuais.
LETRAS LIBRAS|302
UNIDADE IV
Orientações acerca do plano de aula e relatório de observação escolar
O plano de aula
O plano de aula é, normalmente, consequência das orientações do plano de ensino detalhadas no
projeto político pedagógico da escola. É a organização das atividades de ensino em etapas sequenciais que
possibilita, de certo modo, a sistematização das intenções do professor e do modo de executá-las. Um
plano de aula deve apresentar de forma simples e funcional, os objetivos da aula, os conteúdos a serem
ministrados, a metodologia adotada, as atividades propostas, os recursos didáticos que serão utilizados e
os métodos avaliativos escolhidos.
1. Dos objetivos
Referem-se às metas que o professor deseja alcançar com a aula. Os objetivos devem ser claros e
precisos, de forma a diminuir as várias interpretações. Devem iniciar com verbos no infinitivo, que atendam
aos diferentes níveis do domínio cognitivo:
a. conhecimento (conhecer, descrever, classificar, identificar etc.);
b. compreensão (compreender, diferenciar, discutir, deduzir etc.);
c. aplicação (aplicar, desenvolver, estruturar, organizar, selecionar etc.);
d. análise (analisar, comparar, diferenciar etc.);
e. síntese (sintetizar, especificar, esquematizar, formular etc.);
f. avaliação (avaliar, decidir, escolher, medir, selecionar etc.).
LETRAS LIBRAS|303
Exemplos de objetivos retirados de planos de aula de Língua Brasileira de Sinais:
Possibilitar a ampliação do vocabulário em Libras por meio do trabalho com cores.
Reconhecer os sinais de figuras geométricas por meio de figuras, imagens e objetos.
Interpretar o vocabulário do texto, aplicando-o em frases com o uso da língua de sinais.
Propor um debate em Libras, depois da exibição de um filme.
2. Dos conteúdos
O conteúdo programático é o detalhamento dos assuntos a serem trabalhados na aula. Deve trazer
o tema a ser desenvolvido em consonância com os objetivos traçados. Para o ensino de Libras, conforme
orienta Quadros (2005), todo o currículo deve ser organizado numa perspectiva visual-espacial e deve
contemplar a história e os aspectos culturais dos surdos, não sendo apenas, uma tradução do currículo da
escola regular. Por isso, é importante que os conteúdos do currículo de Libras sejam organizados de forma
a ampliar o vocabulário em língua de sinais e propiciar o conhecimento da estrutura linguística da Libras,
tudo isso, em atividades discursivas e contextualizadas, que priorizem as atribuições de sentidos aos textos,
em detrimento de atividades mecânicas de memorização e repetição de sinais isolados.
3. Da metodologia
Esse tópico, no plano de aula, deve ser pensado em função dos objetivos traçados. É nesse item
que todo o planejamento é detalhado: conteúdos que serão trabalhados, atividades que serão realizadas,
recursos utilizados e tipos de avaliação escolhidos. É interessante que esse detalhamento apresente a
sequência da aula, servindo de roteiro para o professor. Na metodologia também devem constar a
introdução da aula, desenvolvimento do assunto, e fechamento, com aplicação de exercícios ou não. Esses
momentos devem ter a duração de tempo necessária para assimilação do conteúdo. Também podem ser
destacadas, nesse item, as finalidades específicas da aula: aula para exposição de conteúdo, aula para
discussão de temas, aula para trabalho em grupo, aula para estudo dirigido, aula de revisão para avaliação
etc.
LETRAS LIBRAS|304
4. Das atividades
O cronograma de atividades é o item do plano de aula onde devem ser colocadas todas as
atividades que o professor pretende desenvolver na aula. É interessante que as atividades para o ensino de
Libras sejam visuais e estimulem o trabalho com as diferentes linguagens e gêneros textuais. A seguir, três
exemplos de atividades para o ensino de Libras, a partir de gêneros textuais.
a. Trabalho com o gênero fábula.
Apresentar, em cartolinas ou slides (dependendo do recurso disponível), uma sequência de
imagens que narrem uma fábula. Depois disso, apresentação dessa fábula em sinais. A partir da discussão
sobre os sentidos produzidos com a leitura, o professor pode trabalhar aspectos do vocabulário e
gramática a sua escolha.
b. Trabalho com o gênero receita
Convidar um adulto surdo ou que se comunique em sinais, para preparar uma receita e ensiná-la
aos alunos, em Língua de Sinais. Essa atividade pode ser realizada na cozinha da escola, com prévia
autorização dos gestores. Outra possibilidade, é convidar a cozinheira da escola para ensinar uma receita
que será interpretada pelo professor de Libras.
Fonte: http://amigasdaedu.blogspot.com
LETRAS LIBRAS|305
c. Trabalho com o gênero poesia
Diversas poesias em Libras podem ser encontradas em vídeos na internet. O professor de Libras
pode fazer uma seleção de poesias interpretadas e exibir para seus alunos. É importante que se observe a
adequação das escolhas à faixa etária da turma e ao nível de proficiência em Libras. Em turmas avançadas,
o professor de Libras pode propor a elaboração individual ou coletiva de poesias em Libras, que devem ser
apresentadas à turma.
5. Dos recursos didáticos
Nesse item, devem ser incluídos os materiais e recursos que serão utilizados na aula. Esses devem
ser articulados em consonância com a metodologia. Na disciplina de Libras, as estratégias de ensino devem
ser vinculadas, principalmente, a recursos visuais. Assim, com o propósito de dinamizar sua aula,
incentivando o interesse e participação de seus alunos, é importante que o professor de Libras, além do
livro didático, utilize-se, sempre que possível, de imagens, fotografias e gravuras (em papéis, cartolinas,
projetores, slides), papéis, cola, tesoura, lápis de pintar, vídeos, objetos, jogos, entre outros recursos que
achar pertinente e adequado para a faixa etária de sua turma.
Alguns vídeos de poesias interpretadas disponibilizados na internet:
Mudanças. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=sHdy4Wmvj08.
O sapo não lava o pé. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=jIqwKCLsGeY&feature=related
As borboletas. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=7DRI58WeLHg&feature=related
Depois de um tempo. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?feature=fvwp&NR=1&v=AxqQUsV85sw
As estrelas. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=_ln2itDCpqA&feature=related
Homenzinho torto. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=4EBEBb0M7Yo&feature=related
LETRAS LIBRAS|306
6. Dos métodos avaliativos
A avaliação é uma estratégia de verificação do rendimento do aluno. Pode ser feita no início de
uma aula, com o propósito de diagnóstico do conhecimento do aluno sobre dado assunto e no
desenvolvimento e fim da aula, com o intento de acompanhar o processo formativo. Pode-se avaliar a
partir de métodos informais, como perguntas no transcorrer da aula, trabalhos individuais e em grupo,
exercícios de verificação da aprendizagem e a partir de métodos formais, com o propósito de atribuição de
notas e conceitos.
O relatório de observação
Formatação geral do texto
O formato do texto deve seguir as normas
da ABNT (Associação Brasileira de Normas
Técnicas). Por isso, deve: ser digitado em cor preta,
em papel no formato A4 (21 cm x 29,7 cm), em
margens (esquerda e superior de 3 cm e direita e
inferior de 2 cm), em fonte Times New Roman ou
Arial, tamanho 12. O texto deve ser digitado com
espaçamento 1,5 entre as linhas. Os títulos com
indicação numérica devem ser alinhados à
esquerda da página. Os títulos sem indicação
numérica, como sumário, referências e anexos
devem ser centralizados.
LETRAS LIBRAS|307
Elementos pré-textuais
a. Capa b. Folha de rosto
c. Sumário
LETRAS LIBRAS|308
Elementos textuais
a. Introdução
Esse item tem o propósito de orientar a leitura do relatório. Nele, o leitor deverá encontrar as
informações fundamentais que serão desenvolvidas nos itens que seguirão. Por isso, é importante que o
aluno cite qual a escola visitada e relate, brevemente, as atividades desenvolvidas durante o processo de
visitação e observação realizado. Na introdução devem figurar, também, os objetivos da atividade de
observação, a justificativa para realização de tal atividade e os procedimentos metodológicos utilizados.
O relatório de observação do estágio supervisionado I, por ser um relato pessoal, deve ser escrito
na primeira pessoa do singular, em uma linguagem técnico-profissional, uma vez que, o texto deve trazer a
narrativa da preparação profissional do aluno/estagiário.
b. Desenvolvimento (atividades realizadas)
O desenvolvimento tem o propósito de expor detalhadamente as atividades desenvolvidas na fase
de observação do estágio. É fundamental que o aluno, nesse item, relacione as teorias aprendidas às
práticas observadas, relatando a experiência de forma objetiva, ao mesmo tempo em que traz as leituras
realizadas e uma reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas.
Os elementos observados devem estar em subtítulos, que devem trazer: a descrição detalhada da
escola (características físicas, atividades extracurriculares desenvolvidas, perfil de gestores, coordenadores
e funcionários, Projeto Político Pedagógico), a descrição da sala de aula e o perfil dos alunos que a
compõem, o perfil do professor de Libras, a descrição das aulas de Libras observadas e as características do
livro didático.
Não é demais repetir que é importante que o relato da observação relacione-se com as teorias que
embasam as práticas pedagógicas. O aluno pode e deve, também, trazer, nesse item, aspectos importantes
das entrevistas que realizou (se realizou) e suas impressões e avaliações da experiência vivenciada.
LETRAS LIBRAS|309
c. Considerações finais
Nesse item é importante que o aluno analise a experiência de observação do estágio, como um
todo, retomando alguns pontos trazidos na introdução, como os objetivos e revelando se conseguiu, ou
não, alcançar as metas pretendidas. Também é interessante que o aluno apresente sua avaliação sobre o
estágio, apresentando, construtivamente, críticas positivas e negativas da vivência.
O aluno pode e deve trazer reflexões sobre a importância do estágio para sua vida profissional, e
quais as contribuições das teorias estudadas às atividades de observação e análise do espaço escolar.
Elementos pós-textuais
a. Referências
Nas referências, listam-se, em ordem alfabética, todas as obras consultadas para desenvolvimento
do relatório.
No site:
http://www.leffa.pro.br/textos/abnt.htm
você encontrará as normas da ABNT para formatação de citações e
referências de artigos, documentos, livros, dissertações, periódicos,
partes de publicações, jornais, filmes, sites, entre outros.
LETRAS LIBRAS|310
b. Apêndices
Conjunto de materiais que complementam o texto com o fim de contribuir para as argumentações
apresentadas (é um elemento opcional). Podem ser fotografias, tabelas, gráficos, roteiros de entrevistas,
fluxogramas ou qualquer outro material produzido pelo autor do texto. É importante que os materiais
trazidos nos apêndices realmente complementem o texto, auxiliando sua plena compreensão e não sejam
apenas decorativos.
c. Anexos
Normalmente, no relatório de observação de estágio supervisionado é comum que sejam trazidos
os modelos de documentos que foram apresentadas à escola observada ou foram recebidos com o fim de
comprovar a presença e frequência do acadêmico na escola. Exemplos: ficha de avaliação na escola-campo,
carta de apresentação do acadêmico, declaração da escola, ficha de frequência na escola-campo, termo de
autorização, entre outros documentos.
PARA PENSAR: Há uma certa confusão entre o que deve ser trazido nos apêndices e o que deve aparecer nos anexos. Contudo, a ABNT é clara: APÊNDICE é texto ou documento elaborado pelo autor, a fim de complementar sua argumentação. ANEXO é texto ou documento NÃO elaborado pelo autor, que serve de fundamentação, comprovação e ilustração.
RESUMO DA ÓPERA
1. O plano de aula é importante para a sistematização das intenções do professor e do modo de executá-las.
2. No plano de aula devem estar presentes objetivos, conteúdos, metodologia, atividades, recursos didáticos e métodos avaliativos.
3. Existem normas técnicas para formatação do relatório e uma sequência definida para elaboração de um relatório de estágio.
LETRAS LIBRAS|311
PALAVRAS FINAIS
Tivemos a intenção, com esse material de leitura, de acompanhá-lo nessa “aventura” que é o
primeiro contato com uma sala de aula e orientá-lo, na medida do possível, nesse caminho.
No Estágio Supervisionado I do curso de Letras/Libras, a palavra de ordem é OBSERVAR. Observar e
refletir sobre o ambiente escolar, sua estrutura física, atividades que nele acontecem, agentes envolvidos e
a complexidade das relações que esse ambiente comporta.
Não pretendemos, pois, apresentar um modelo estanque e fechado do que observar. Pelo
contrário, desejamos apenas ajudar-lhe com os primeiros passos, pois, aqui, VOCÊ é o pesquisador e é a
partir do seu olhar que compreenderemos sempre melhor a multiplicidade desse espaço de ensino-
aprendizagem chamado ‘escola’.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. LEI nº 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto Federal
nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclo do ensino fundamental: Língua
Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1997.
KULCSAR, Rosa. O estágio supervisionado como atividade integradora. In: FAZENDA, Ivani Catarina Arantes
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Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).
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