8/17/2019 Langer, J. a nova história cultural: origens, conceitos e críticas
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ISSN 1807-1783 atualizado em 02 de fevereiro de 2012
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A Nova História Cultural: Origens, Conceitos e Críticas
por Johnni Langer
Sobre o autor*
O historiador britânico Peter Burke, um dos mais importantes
representantes da Nova História Cultural. Fonte:
http://diariodonordeste.globo.com
A denominada história cultural é uma das práticas
historiográficas mais comuns e difundidas nos dias de hoje. Mas, apesar de seu
sucesso, seus conceitos e sua história não possuem uniformidade entre os
http://www.historiaehistoria.com.br/quem_det.cfm?id=40http://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=resenhashttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=artigoshttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=professoreshttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=perspectivashttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=arqueologiahttp://www.historiaehistoria.com.br/quem_ind.cfmhttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=editorialhttp://www.historiaehistoria.com.br/index.cfmhttp://www.historiaehistoria.com.br/index.cfmhttp://www.historiaehistoria.com.br/index.cfmhttp://www.historiaehistoria.com.br/index.cfmhttp://diariodonordeste.globo.com/http://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=newsletterhttp://www.historiaehistoria.com.br/cadastro.cfmmailto:[email protected]://www.historiaehistoria.com.br/destaques.cfmhttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=linkshttp://www.historiaehistoria.com.br/instituicoes.cfmhttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=curtashttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=eventoshttp://www.historiaehistoria.com.br/quem_det.cfm?id=40http://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=resenhashttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=artigoshttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=reportagenshttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=entrevistashttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=professoreshttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=perspectivashttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=arqueologiahttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=alunoshttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=historiadoreshttp://www.historiaehistoria.com.br/quem_ind.cfmhttp://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=editorialhttp://www.historiaehistoria.com.br/index.cfm
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historiadores. Procuraremos neste ensaio analisar as diferenças e as
semelhanças nas suas interpretações.
O termo nova história cultural foi difundido a partir dos anos
1980, mas entre alguns autores que analisaram a sua definição, ela possui dois
eixos de identificação: os que defendem que está ligada diretamente, como
herdeira e ao mesmo tempo questionadora, de uma história cultural que tem
raízes desde o século XVIII; em segundo, aqueles que acreditam que este
“movimento” possui raízes mais recentes, vinculadas objetivamente na tradição
historiográfica francesa, conhecida como história das mentalidades, surgida após
os anos 1960. Examinaremos cada uma em detalhes. Em seguida, concederemos
um panorama sintético dos debates conceituais envolvendo a disciplina, e por
último, algumas críticas teóricas e metodológicas efetuadas tanto pelos
opositores como pelos adeptos da nova história cultural.
As origens
No final dos anos 1980, o historiador britânico Peter Burke
realizou uma conferência no Brasil, onde procurava determinar os mais recentes
paradigmas da historiografia, especialmente os advindos da França e
relacionados aos Annales. Sob o epíteto de “a nova história”, caracterizou esta
tendência como algo situado entre a história total e a estrutural. Esse movimentoseria basicamente ocasionado por uma crise geral dos paradigmas,
especialmente concentrados em algumas críticas: a política pensada além das
instituições e a história pensada além da política; uma preocupação maior com
as estruturas do que com a narrativa dos acontecimentos; deslocamento do
interesse pela vida e obra dos grandes homens e grandes datas para as pessoas
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e acontecimentos comuns; a necessidade de se ir além dos documentos escritos
e registros oficiais; a história não seria objetiva, mas sujeita a referenciais
sociais e culturais de um período.[1] Tentando determinar como e de que maneira
surgiu essa nova história, Burke retorna ao início dos Annales, com Bloch e
Febvre e sua oposição aos rankenianos, para em seguida ir ainda mais para trás,
chegando a Jacob Burckhardt e aos acadêmicos do século XVIII que pensavam ahistória muito além da política, considerando as maneiras de pensar de uma
sociedade, o chamado “espírito da época”. Na realidade, Burke estava sendo
influenciado naquele momento pela obra de Jacques Le Goff, que publicou uma
coletânea em 1978 com o nome de A Nova História. Para Le Goff essa
denominação remetia essencialmente a uma continuidade da historiografia
francesa, onde os annalistas ocupavam uma posição central, em pelo menos três
gerações de pesquisadores oferecendo novas perspectivas metodológicas,temáticas e problematizadoras – toda forma de história nova seria uma tentativa
de história total, sendo a mais fecunda das perspectivas a longa duração. [2]
Posteriormente, em 1991, o texto de Burke foi modificado para servir de
introdução ao livro A escrita da História, publicado três anos depois de sua
palestra inicial. Nele, as recentes tendências investigativas recebiam influências
de outras partes, como Inglaterra e Estados Unidos e questões como a do
relativismo cultural, a micro-história e o construtivismo apontavamdirecionamentos muito além da tradição francesa.
Um pouco antes da publicação do livro de Burke, em 1989, a
historiadora norte-americana Lynn Hunt realizou uma coletânea utilizando o
termo que definiria e popularizaria esta tendência historiográfica em ascensão: a
nova história cultural. Segundo Hunt, além da terceira e quarta geração dos
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Annales, o interesse pelas práticas simbólicas foi também enfatizado por autores
marxistas, antropólogos, críticos literários (narrativa e linguagem) e filósofos
(análise do discurso), todos apontando que as relações econômicas e sociais são
campos de produções culturais. Também os documentos não seriam simples
reflexos transparentes do passado, mas ações simbólicas com significados
diferentes conforme os autores e suas estratégias. Era o início da supremacia dosestudos culturais na historiografia.[3]
Em outro texto publicado em 1997, novamente procurando
definir as origens da história cultural, Peter Burke se distancia muito mais de
uma ligação direta e única com a historiografia francesa. Tentando se desvincular
de uma perspectiva linear e de continuidade, ele recorre aos antecedentes dos
motivos culturais na Europa, ainda com os humanistas do Renascimento,
estudando a língua e a literatura, até chegar à história da música e das artes
durante o Setecentos.[4] Durante o século XIX, surge o que ele denomina de
história cultural clássica, especialmente na Alemanha, onde se percebe um
interesse das elites pela cultura – aqui como sinônimo de arte, filosofia e
literatura. Com relação aos historiadores da primeira metade do século XX,
aponta algumas deficiências em comum: ignoram a sociedade e a economia; seu
postulado de unidade cultural é injustificado; a idéia de tradição é muito
tradicional e fixa e o conceito de cultura é equiparado com o produzido pela elite.
[5]
Essas idéias seriam aprofundadas e organizadas em uma
concepção mais esquemática, no livro O que é história cultural?, publicado em
2004. Aqui Peter Burke concebe quatro fases para esse movimento
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historiográfico: a fase clássica, durante o Oitocentos; a história social da arte na
década de 1930; a história da cultura popular nos anos 1960; e finalmente, a
nova história cultural posterior aos anos 1970. Entre todos os antecessores, dois
mereceram maior atenção com seus clássicos: Jacob Burckhardt ( A cultura do
renascimento na Itália, 1860) e Johan Huizinga (O outono da Idade Média, 1919),
mas também a obra de Aby Warburg e Ernest Gombrich, ambos trabalhando coma noção de esquemas ou fórmulas culturais de origem psicológica, que foram
fundamentais para as gerações seguintes. Mas a maior influência acadêmica que
Burke aponta para o surgimento da história cultural praticada durante a década
de 1970 e 1980, teria vindo das confluências com os estudos de antropologia,
tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.[6]
Com uma perspectiva mais restrita ao âmbito francês, um
estudo de Ronaldo Vainfas e outro de Roger Chartier, vinculam diretamente o
surgimento da nova história cultural como resposta e continuidade à história das
mentalidades. Esse movimento recusaria o conceito de mentalidades, o
considerando muito fluido, ambíguo e pouco preciso, sem articulações entre o
psicológico e o social. Mas não negam o mental, nem os vínculos com a
antropologia e a longa duração: “É lícito afirmar, portanto, que a história cultural
é, neste sentido, um outro nome para aquilo que, nos anos 1970, era chamado de
história das mentalidades”.[7] Outros dois elementos vão caracterizar a nova
história cultural: a preocupação com o resgate do popular e a busca pelo coletivo
(estratificações e conflitos). Mas, reafirmando seu caráter plural e a
multiplicidade de enfoques, Ronaldo Vainfas apresenta ao menos três vertentes
atuais: 1. A praticada por Carlo Ginzburg, com suas noções de cultura popular e
circularidade cultural; 2. A história cultural de Roger Chartier e seus conceitos de
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representação e apropriação; 3. A produzida por Edward Thompson e seus
estudos sobre movimentos sociais e cotidianos das classes populares.[8]
Seguindo esta mesma perspectiva de que a nova história
cultural foi criada em torno da oposição dos conceitos da história das
mentalidades, Roger Chartier questiona o posicionamento de Lynn Hunt de 1989 –
de que este movimento historiográfico seria unificado e coerente. Para Chartier,
a diversidade dos objetos de investigação, das perspectivas metodológicas e os
conceitos teóricos apresentam, pelo contrário, um movimento totalmente sem
unidade de abordagem, mas construído em torno de um intercâmbio de debates,
especialmente recusando a redução da história a uma só dimensão e o primado
político-social na historiografia.[9]
A mais recente reconstituição histórica também é originada deum francês, mas ao contrário de Roger Chartier e Ronaldo Vainfas, percebe o
movimento concomitantemente em torno de dois eixos de estudos culturais, um
anglo-saxão e outro francês. O estudo de Pascal Ory entende a prática de história
cultural, no caso francês, situada à margem da denominada história das
mentalidades, vinculando o movimento a partir do artigo teórico de Georges
Duby, Histoire culturelle, originalmente de 1969, mas republicado na coletânea
Por une histoire culturelle (1997). Emblemático, o texto de Duby conclama paraum inventário do fenômeno cultural, seus símbolos e signos, vocabulários, gestos
rituais, enfim, da relação entre os mecanismos mentais e sua articulação em um
imaginário de base histórica.[10] Mas apesar de sua importância, o texto de Duby
foi pouco conhecido e comentado, num período em que os debates sobre a
estrutura eram centrais na historiografia francesa. Foi somente a partir dos anos
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1980 que as perspectivas antropológicas e culturalistas teriam penetrado de
forma incisiva na academia da França.[11] Na tradição anglo-saxônica, os estudos
deste tema teriam se iniciado com a contrapartida britânica do artigo de Duby,
Em busca da história cultural , de Ernest Gombrich, publicado em 1969, seguido
de diversas obras de Natalie Zemon Davis, Peter Burke e Robert Darnton.[12]
Os conceitos
Sendo originadas de diferentes heranças e tradições, a nova
história cultural vem privilegiando objetos, domínios e métodos bem diferentes,
sendo difícil realizar um levantamento completo. Assim, identificaremos algumas
questões comuns, lembrando que as abordagens são diversas.[13]
A – A representação e o imaginário.
São as matrizes que geram as práticas sociais e os
comportamentos, que dão coesão e explicação para a realidade. Geram
identidade tanto para o indivíduo quanto para o grupo e são portadoras do
simbólico, que é construído social e historicamente – portanto, a “realidade do
passado só chega ao historiador por meio de representações”. [14] Para Chartier,
o conceito de representação permite articular três modalidades da relação com o
mundo social: a delimitação e classificação das múltiplas configurações
intelectuais; as práticas de reconhecimento de uma identidade social; as formas
institucionalizadas que marcam a existência de um grupo.[15] Assim, não existem
práticas ou estruturas que não sejam produzidas pelas representações.[16] Todo
tipo de narrativa pode ser lida culturalmente, além das formas, sendo que o
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leitor pode participar da construção de seu sentido, originando a historicidade dos
textos.[17]
Para a historiadora Sandra Pesavento, isso acabou englobando
até mesmo as narrativas do passado como sendo representações, sendo a
história cultural “uma representação que resgata representações, que se incumbe
de construir uma representação sobre o já representado”. E a partir daí, passou-
se a empregar um novo conceito, o de imaginário, que seriam as idéias e
representações de uma determinada época, criadas para dar sentido ao mundo.
Com isso, pesquisadores como Jacques Le Goff e Cornelius Castoriadis pensam
que todo o campo da experiência humana pode ser abarcado pelo imaginário.[18]
Mas, o historiador britânico Peter Burke, ao contrário de Sandra
Pesavento, percebe que houve um movimento contrário – primeiro ocorreram asteorizações do imaginário social, para em seguida passar-se às idéias de
representação e construtivismo na nova história cultural. Inicialmente os estudos
de imaginário tiveram dois trabalhos paradigmáticos na historiografia francesa, a
obra As três ordens ou o imaginário do feudalismo (1978), de Georges Duby, e O
nascimento do purgatório (1981), de Jacques Le Goff. Estes trabalhos pensavam
como as representações tiveram o poder de modificar a realidade, não sendo
simples reflexos da estrutura social. Para Burke, com o tempo, os conceitos deimaginário e representação tornaram-se limitados, e os historiadores culturais
passaram a pensar que toda a realidade era produzida por meio de
representações – portanto uma influência das idéias construtivistas, comuns na
filosofia e crítica literária, atrelada também a outros conceitos pós-modernos,
como o relativismo e o subjetivismo. É a construção social da realidade, não
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existindo praticamente o indivíduo e o mundo real fora das representações. [19]
B – A cultura popular.
Tradicionalmente, os historiadores trataram a cultura popular
como um sistema simbólico coerente e autônomo, enquanto outros, dependentes
de um sistema de dominação e desigualdade social, compreenderam a culturapopular a partir de suas dependências em face à cultura dos dominados. No
primeiro caso, a cultura popular é pensada como independente, e no segundo,
totalmente definida pela sua distância em relação aos dominantes. Assim, Carlo
Ginzburg definiu seu conceito de cultura popular tanto pela oposição à cultura
letrada, mas ao mesmo tempo, pela relação que mantém com a cultura
dominante, filtrada pelos seus próprios interesses e valores. [20]
Para Roger Chartier, houve uma recusa nestes esquemas
categóricos. O poder dos modelos culturais dominantes não anularia a recepção
dos dominados, sendo que na distância das normas e dogmas, existem as
resistências e apropriações, campo próprio das tradições partilhadas.[21] Chartier
rejeita o modelo ginzburgiano de dicotomia da cultura popular/cultura erudita,
adotando uma visão mais abrangente e não homogênea de cultura.[22] Alguns
antropólogos aceitam que as culturas populares não são totalmente dependentes,
nem completamente autônomas, nem simples imitações ou totalmente criativas.
Como qualquer cultura, elas não são homogêneas e são construídas em uma
situação de dominação, por serem grupos sociais subalternos.[23] Adotando certa
influência de Chartier, mas percebendo que é impossível abandonar o modelo
binário de popular e erudito (sem eles seria difícil analisar as interações), Peter
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Burke recomenda o seu emprego sem muita rigidez, colocando os dois termos
em uma estrutura mais ampla.[24]
C – Os discursos e a linguagem.
No mundo contemporâneo, existem duas crises relacionadas
entre si e que influenciaram muitos dos debates da nova história cultural: a damodernidade e a crise da História. A primeira é referente às problemáticas
elaboradas após os anos 1960 à cultura moderna, à visão racionalista de origem
oitocentista sobre a História e as raízes iluministas sobre o conhecimento da
realidade. A crise da História seria relacionada tanto ao seu objeto quanto as
suas formas tradicionais de conhecimento e método. Em ambas houve as críticas
sobre o conhecimento “real” (objetivo) da natureza. Quanto ao linguistic turn
(giro ou virada lingüística), situado também após os anos 1960, seria o encontrode diversas correntes teóricas que tinham como pressuposto comum, a filosofia
da linguagem: Hayden White, Michel Foucault, Michel de Certeau, Ankersmit, Paul
Veyne, entre outros, tendo essencialmente a idéia de que “nada existe fora do
texto ou da linguagem”.[25] A maior influência metodológica destas assertivas foi
de que as fontes passaram a ser vistas não mais como textos inocentes e
totalmente transparentes, sendo escritas com diferentes estratégias e
finalidades.[26]
Contra esse uso incontrolado do referencial de texto, alguns
historiadores culturais conclamaram que a experiência não pode ser reduzida à
ordem do discurso. Natureza e realidade estão imbricadas a toda experiência
narrativa, sendo que “o que está fora do texto, está também dentro dele” e o
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combate da noção de prova histórica como sendo positivista seria um ponto de
vista totalmente ingênuo dos pós-modernistas. Os dados empíricos devem ser
investigados em sua interação com a narrativa.[27] E nem sempre as estratégias
dos discursos são totalmente parecidas com os processos práticos, pois as
linguagens disponíveis são mais limitadas que os recursos que os indivíduos e os
grupos sociais possuem. Na prática histórica dos dias de hoje, exige-se acompreensão conjunta de como os discursos constroem as relações de
dominação, e como eles mesmos são dependentes de interesses contrários,
separando o poder de legitimação das representações que asseguram a
submissão.[28]
D – As práticas culturais.
Para os novos historiadores culturais, as relações econômicas,sociais e mentais são campos de práticas e produções culturais.[29] As práticas
envolvem todo o espaço da experiência vivida e a cultura permite ao indivíduo
pensar essa experiência, ou seja, criar as formulações da vivência. Todo
simbolismo é fator de identidade, e toda cultura é cultura de um grupo: “a
história é, ao mesmo tempo e indissociavelmente, social e cultural”. [30] Assim, o
estudo das práticas tornou-se um dos paradigmas da nova história. Ao invés de
se estudar apenas as instituições, as correntes filosóficas, teológicas, as teorias,parte-se para a história da experiência humana em todos os seus sentidos.
Dentre todos os campos investigados, a prática religiosa é uma das que mais
vem preocupando os especialistas em história das religiões, por exemplo. Mas
entre as formas mais populares da história das práticas, certamente é a história
da leitura, passando por pesquisadores como Carlo Ginzburg, Michel de Certeau e
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principalmente, Roger Chartier.[31]
Imbricada a este campo, são os estudos da vida cotidiana,
sendo a encruzilhada de abordagens recentes da sociologia e da filosofia. Ambas
tem como ponto em comum o mundo da experiência humana, sendo os
comportamentos e valores aceitos como centrais em uma sociedade. Atualmente
os historiadores tentam abordar as regras latentes da vida cotidiana, indo de
encontro tanto da história social quanto à cultural. O cotidiano inclui ações,
atitudes, hábitos e rituais. O desafio maior aos pesquisadores é tentar determinar
as relações entre as estruturas do cotidiano com as mudanças e os grandes
acontecimentos:[32] “o cotidiano só tem valor histórico e científico no interior de
uma análise de sistemas históricos que contribuam para explicar seu
funcionamento (...) fórmula vazia que a cada época serve para preencher um
conteúdo diferente”.[33]
As críticas
As maiores críticas externas à prática da nova história cultural
vieram inicialmente, de autores vinculados a um referencial marxista, como Ciro
Flamarion Cardoso. Inicialmente, ele considera que os usos dos conceitos de
cultura são polissêmicos demais e muitas vezes, totalmente opostos. Mas
também as aplicações da metodologia antropológica seriam diferenciadas,
conforme o autor. A principal idéia que Cardoso mantém sobre a história cultural,
especialmente a francesa, é de seu radicalismo: que o conhecimento humano não
passaria de um conjunto de idéias e representações, sem base material,
econômica e social. Cardoso não nega o valor e a importância das produções
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simbólicas, mas considera que elas são criadas a partir de respostas sociais e
materiais a eventos de ordem histórica e não podem fazer parte de uma natureza
humana (que é irreal e idealizada) e desprovida de dimensão histórica.[34]
Apesar de se concentrar bibliograficamente na tradição francesa, como em Roger
Chartier, o historiador Ciro Cardoso muitas vezes generalizou o movimento da
nova história cultural como derivado diretamente do pós-modernismo. Um eoutro seriam indissociáveis, especialmente nas questões de relativismo,
subjetividade e construtivismo.[35] Na realidade, o autor acaba omitindo os
referenciais de outros importantes expoentes, como o britânico Peter Burke e o
italiano Carlo Ginzburg, este último radicalmente oposto ao não realismo
epistemológico contemporâneo e à virada lingüística.
Outro historiador brasileiro, Ronaldo Vainfas, percebeu com
mais sutileza a pluralidade desta prática historiográfica, mas do mesmo modo
que Cardoso elaborou críticas teóricas para a vertente francesa. O referencial de
representação de Roger Chartier, faz com que o social só tenha sentido dentro
das práticas culturais, nos símbolos de construção da realidade, enfim, o que
Vainfas denomina de ‘tirania do cultural”.[36] Os excessos do conceito de
representação também foi percebido por outro historiador, Pierre Vilar, que
considera válido ao historiador recuperar os diferentes sentidos sociais que as
simbolizações ocupam nos mais variados espaços temporais.[37]
Quanto às críticas internas, elas vieram logo em meados dos
anos 1980. Lynn Hunt enfatizou a falta de teorias unificadas e programas
objetivos.[38] Peter Burke neste período, enumerou pelo menos quatro campos
de problemas. Primeiro, com as definições, ocasionadas por campos inéditos aos
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historiadores, como em relação à cultura popular: quem é o povo? Quais são
suas fronteiras ou divisões? Com relação às fontes, como superar as limitações
das fontes escritas e oficiais? Os dois últimos problemas seriam a falta de
explicações e sínteses, devido à fragmentação disciplinar que a história se
encontrava nesta época.[39] Seis anos depois, em 1997, Burke reforçava as
críticas para os exageros da teoria das representações e do construtivismo: “Ainvenção jamais está livre de coerções”. O problema essencial para os
historiadores, segundo ele, seria “revelar uma unidade subjacente sem negar a
diversidade do passado”. Mas ao mesmo tempo, evitar cair em uma excessiva
simplificação – a de que as culturas são homogêneas, sem diferenças ou
conflitos.[40]
Um dos mais completos balanços internos do movimento,
porém, foi publicado por Burke em 2004. Entre os vários pontos de discussão, ele
alega que a idéia de construção cultural, apesar de ter sido uma saudável reação
contra o determinismo social e econômico, em alguns casos foi muito excessiva.
Outros pontos já haviam sido detectados antes, mas agora haviam se tornado
mais claros, entre eles a falta de definição de cultura e dos métodos a serem
seguidos, além do perigo de fragmentação. Apesar das conquistas do
construtivismo cultural, seria necessária uma história social da cultura: “Pode ter
muito bem ter chegado o tempo de ir além da virada cultural (...) A NHC pode
estar chegando ao fim de seu ciclo”.[41]
No Brasil, alguns historiadores diretamente envolvidos neste
movimento historiográfico, como Sandra Jatahy Pesavento, apresentam nítidas
contradições. De um lado, defende o conceito de que história é uma forma de
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ficção controlada – influenciada objetivamente por Hayden White e a virada
lingüística – mas em questões metodológicas, nega qualquer tentativa de apagar
as fronteiras entre história e literatura ou mesmo de que é impossível o
distanciamento entre o pesquisador e seu objeto, como apregoa o subjetivismo
pós-modernista. Ao mesmo tempo, defende o caráter científico da disciplina, o
que é inviável dentro deste contexto de “sensibilidade do indivíduo”.
[42]
Concordando com vários posicionamentos de Ciro Cardoso, o
historiador Ronaldo Vainfas reitera que a história pós-modernista exagerou,
criando uma justificativa contrária ao determinismo da estrutura, porém,
também radical, a de “teorias voluntaristas da consciência”, incapazes de
fornecer generalizações consistentes.[43] Os embates dos paradigmas continuam,
e mais do que nunca, podemos afirmar que a prática da nova história cultural
vem apresentando inovações, contribuições extremamente importantes para a
historiografia, mas que não são uníssonas, unindo pesquisadores díspares e de
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plural 2, 2008, pp. 181-186.
VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: VAINFAS,
Ronaldo & CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. SP: Campus,
2011, pp. 117-154.
VAINFAS, Ronaldo. Caminhos e descaminhos da história. In: VAINFAS, Ronaldo &
CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. SP: Campus, 2011, pp.
337-345.
WEINSTEIN, Barbara. História sem causa? A nova história cultural, a grande
narrativa e o dilema pós-colonial. História 22(2), 2003, pp. 185-210.
* Pós-Doutor em História Medieval pela USP, professor da UFMA. Coordenador do
NEVE, Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (www.nevevikings.tk). E-mail: [email protected]
[1] BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: A
escrita da história: novas perspectivas. SP: Unesp, 1992, p. 7-16.
[2] LE GOFF, Jacques. A história nova. SP: Martins Fontes, 1993, p. 26-67.
[3] HUNT, Lynn. História, cultura e texto. A nova história cultural . SP: Martins
Fontes, 2006, p. 1-29.
[4] BURKE, Peter. Origens da história cultural. Variedades de história cultural .
SP: Civilização Brasileira, 2006, p. 13-37.
[5] BURKE, Peter. Unidade e variedade na história cultural. Variedades de
mailto:[email protected]://www.nevevikings.tk/
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história cultural . SP: Civilização Brasileira, 2006, p. 233-251.
[6] BURKE, Peter. O que é história cultural? RJ: Zahar, 2008, p. 48-60.
[7] VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In:
VAINFAS, Ronaldo & CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. SP:
Campus, 2011, p. 137.
[8] VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In:
VAINFAS, Ronaldo & CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. SP:
Campus, 2011, p. 139-140.
[9] CHARTIER, Roger. A nova história cultural existe? In: PESSAVENTO, Sandra.
História e linguagens. RJ: 7Letras, 2006, pp. 29-44.
[10] DUBY, Georges. A história cultural. In: RIOUX, Jean-Pierre & SIRINELLI,Jean-François (orgs.). Para uma história cultural . Lisboa: Editorial Estampa,
1998, p. 405.
[11] ORY, Pascal. A história cultural tem uma história. Revista de História
Regional 15, 2010, p. 14. Mas o texto de Ory omite um importante colóquio
promovido em 1977 em Tihany, Objetos e métodos da história da cultura, no qual
o próprio Georges Duby apresentou um texto, que foi republicado numa coletânea
de 1988. Cf. DUBY, Georges. Problemas e métodos em história cultural. Idade
Média, idade dos homens: do amor e outros ensaios. SP: Cia das Letras, 1989, p.
214.
[12] ORY, Pascal. A história cultural tem uma história. Revista de História
Regional 15, 2010, p. 15-28.
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[13] O historiador José Barros diferencia noção de conceito, e afirma que muitas
palavras utilizadas pela história cultural ainda são noções que estão sendo
elaboradas, mas preferimos conservar o termo conceito pelo amplo uso deste na
bibliografia especializada. BARROS, José D´Assunção. A história cultural francesa
– caminhos de investigação. Fênix : revista de história e estudos culturais 2(4),
2005, p. 13.
[14] PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural . SP: Autêntica, 2008,
p. 42.
[15] VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In:
VAINFAS, Ronaldo & CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. SP:
Campus, 2011, p. 143.
[16] CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos avançados 11(5),1991, p. 177.
[17] CHARTIER, Roger. A nova história cultural existe? In: PESSAVENTO, Sandra.
História e linguagens. RJ: 7Letras, 2006, p. 35.
[18] PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural . SP: Autêntica, 2008,
p. 43-45. “Nenhuma sociedade vive fora do imaginário e que é uma falsa questão
separar os dois mundos, o do real e o do imaginário (...) o imaginário é capaz desubstituir-se ao real concreto, como um seu outro lado, talvez ainda mais real,
pois é por ele e nele que as pessoas conduzem a sua existência”. PESAVENTO,
Sandra Jatahy. História e história cultural . SP: Autêntica, 2008, p. 47; 48. “O
imaginário não é, como se poderia pensar, um mundo à parte da realidade
histórica, uma espécie de nuvens carregadas de imagens e representações que
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pairam sobre nossas cabeças, mas não fazem parte de nosso mundo e de nossas
vidas”. PAIVA, Eduardo França. História e imagens. SP: Autêntica, 2006, p. 26.
[19] BURKE, Peter. O que é história cultural? RJ: Zahar, 2008, p. 84-116.
[20] VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In:
VAINFAS, Ronaldo & CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. SP:
Campus, 2011, p. 140-141.
[21] CHARTIER, Roger. A nova história cultural existe? In: PESSAVENTO, Sandra.
História e linguagens. RJ: 7Letras, 2006, p. 37-38.
[22] VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In:
VAINFAS, Ronaldo & CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. SP:
Campus, 2011, p. 144.
[23] CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. SP: Edusc, 2002, p.
148-149.
[24] BURKE, Peter. O que é história cultural? RJ: Zahar, 2008, p. 42.
[25] FALCON, Francisco. História cultural . RJ: Campus, 2002, p. 7-31.
[26] HUNT, Lynn. História, cultura e texto. A nova história cultural . SP: Martins
Fontes, 2006, p. 18.
[27] GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. SP: Cia das
Letras, 2002, p. 60, 74, 114.
[28] CHARTIER, Roger. A nova história cultural existe? In: PESSAVENTO, Sandra.
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História e linguagens. RJ: 7Letras, 2006, p. 39-40.
[29] HUNT, Lynn. História, cultura e texto. A nova história cultural . SP: Martins
Fontes, 2006, p. 9.
[30] PROST, Antoine. Social e cultural indissociavelmente. In: RIOUX, Jean-Pierre
& SIRINELLI, Jean-François (org). Para uma história cultural . Lisboa: Editorial
Estampa, 1998, p. 134-137.
[31] BURKE, Peter. O que é história cultural? RJ: Zahar, 2008, p. 78-84.
[32] BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: A
escrita da história: novas perspectivas. SP: Unesp, 1992, p. 23-24.
[33] PRIORE, Mary Del. História do cotidiano e da vida privada. In: VAINFAS,
Ronaldo & CARDOSO, Ciro Flamarion (orgs). Domínios da história. SP: Campus,2011, p. 249.
[34] CARDOSO, Ciro Flamarion. Um historiador fala de teoria e metodologia. SP:
Edusc, 2005, p. 55-72, 162, 282.
[35] “A Nova História Cultural, em qualquer de suas variantes – que, no entanto,
apresentam diferenças consideráveis entre si -, entra com frequencia em
contradição consigo mesma na sua própria prática historiográfica” CARDOSO,Ciro Flamarion. Um historiador fala de teoria e metodologia. SP: Edusc, 2005, p.
160.
[36] VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In:
VAINFAS, Ronaldo & CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. SP:
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Campus, 2011, p. 144.
[37] RIBEIRO JÚNIOR, Florisbaldo Paulo. Representação e narrativa: usos e
abusos. Em tempo de histórias 8, 2004, p. 8-9.
[38] HUNT, Lynn. História, cultura e texto. A nova história cultural . SP: Martins
Fontes, 2006, p. 12-13.
[39] BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: A
escrita da história: novas perspectivas. SP: Unesp, 1992, p. 19-37.
[40] BURKE, Peter. Unidade e variedade na história cultural. Variedades de
história cultural . SP: Civilização Brasileira, 2006, p. 251-267.
[41] BURKE, Peter. O que é história cultural? RJ: Zahar, 2008, p. 147, 162.
[42] PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural . SP: Autêntica, 2008,
p. 71, 81, 93, 118.
[43] VAINFAS, Ronaldo. Caminhos e descaminhos da história. In: VAINFAS,
Ronaldo & CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. SP: Campus,
2011, p. 344.
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