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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO DE JANEIRO
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
KIERKEGAARD E DERRIDA
Dbora Gill Fernandes
Rio de JaneiroDezembro / 2011
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Introduo
Este trabalho tem como objetivo discutir a atmosfera do segredo, do secreto. Por meio
da obra Temor e Tremor (1843/1974), de Johannes de Silentio, pseudnimo de
Kierkegaard, na qual em seu prprio nome se carrega o silncio que ser o tema
principal deste estudo; junto s obras de Derrida, Il faut bien manger ou le calcul du
sujet (1989) e o captulo terceiro da obra Dar a morte (1992/2000), A quin dar
(saber no saber). Silentio nos diz que o que para ns oculto e silencioso, onde os
outros no podem alcanar, que no faz parte do geral; o espao do paradoxo, o jogar-
se no eterno, a crena absoluta no absoluto, o que nos traz angstia e tremor. Este o
lugar do cavaleiro da f, que por meio da histria do Abrao e Isaac poderemos
compreender um pouco melhor a difcil tarefa daquele que sozinho, para si e para Deus,
tem uma relao absoluta com o absoluto. neste espao de segredo e silncio que
Derrida vai discutir a responsabilidade, o sacrifcio, a alteridade.
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1. O tremor e o temor do paradoxo de Abrao
Silentio discute sua obra Temor e Tremor por meio da histria de Abrao e
seu filho Isaac. Deus pede a Abrao que sacrifique seu filho Toma o teu filho, o teu
nico filho, aquele que amas, Isaac; vai com ele ao pas de Morija e, ali, oferece-o em
holocausto sobre uma das montanhas que te indicarei (SILENTIO, 1974, p.255).
Silentio nos apresenta a atmosfera onde muitas possibilidades poderiam se dar aps o
pedido de Deus Abrao. No entanto, parece que ningum entenderia Abrao, no h
explicao para o que ia fazer, qual o sentido para esta prova de Deus? Parece ser uma
constante tenso.
Abrao sozinho deve se jogar ao eterno, mas ainda resguardar o temporal,
mesmo aps ter-lo renunciado. O movimento da f, o movimento de Abrao, em
virtude do absurdo, porm resguardando o mundo finito. Abrao acreditou, sem
duvidar, acreditou no absurdo, se tivesse duvidado poderia ter contato aos demais e
desistido, seria assim, provavelmente admirado, contar era uma possibilidade, [...] mas
uma coisa suscitar justa admirao e outra ser a estrela que guia e salva o angustiado.
(SILENTIO, 1974, p.262). Pela f fez-se Abrao, e pela f outro poderia se assemelhar
a ele. Sem a f ele um vulgar assassino, aos olhos de qualquer outro ele um
assassino. O prprio autor da obra nos diz que toda vez que tentou entender a figura de
Abrao se paralisou diante de tal paradoxo.
Como poderamos entender melhor esta crena no absurdo? Segundo Silentio,
Abrao acreditou no absurdo porque seu feito no fazia parte do clculo humano, nada
que dissesse poderia explic-lo, mas ainda sim, precisava fazer. Abrao est na f, pois
ama a Deus com f, reflete-se no prprio Deus, diferente seria se amasse Deus sem f,
pois refletiria sobre si mesmo. O absurdo est para aquele que acredita no impossvel,
na possibilidade da impossibilidade. E para isso precisa de paixo diz o autordinamarqus, todo infinito se efetua apaixonadamente, um salto apaixonado, onde no
h razo que possa segurar ou faz-lo ter dvidas.
A resignao infinita o ltimo estdio que precede a f, pois ningum a
alcana antes de ter realizado previamente esse movimento; porque na resignao
infinita que, antes de tudo, tomo conscincia do meu valor eterno, e s ento se pode
alcanar a vida deste mundo pela f. (SILENTIO, 1974, p.277) Quem acredita no
impossvel, na dor da resignao, est no caminho da f. No entanto, apenas aresignao no implica a f, pois a resignao me traz a conscincia eterna, que um
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movimento filosfico. A conscincia eterna meu amor para com Deus, nos diz
Silentio.
Para entendermos um pouco melhor o paradoxo em que ns sempre recamos
quando tentamos entender o feito de Abrao, necessrio que compreendamos o que o
autor entende por moral, indivduo, geral e suas relaes com o secreto, o oculto.
Silentio vai afirmar que o indivduo o ser imediato, sensvel e psquico e que possui
seu telos no geral. Por isso sua tarefa moral, que tarefa aplicvel a todos, despojar-se
de seu carter individual para alcanar a generalidade. Aquele que quer se manter no
individual comete um pecado. No entanto, na f o indivduo est acima do geral, numa
relao absoluta com o absoluto, escapando, dessa maneira da mediao do geral, um
paradoxo inacessvel ao pensamento, razo. O autor faz uma distino do heri trgico
e do cavaleiro da f, o primeiro ficaria ainda preso na esfera da moral, do geral, e esta
a sua grandeza; j o segundo tem seu telos para alm da moral. A moral tentadora,
estar na esfera do geral tentador. Abrao se cala e por isso recusa a generalidade.
Quem no entenderia um heri trgico, quem no choraria com ele? Questiona o autor.
Agora, quem vai chorar com Abrao? Abrao suspende a teleologia da moral, tal
paradoxo recusa a mediao pelo geral, no h como explicar seu feito, no h como
entend-lo. Abrao age por amor a deus e por amor a si prprio.
O cavaleiro da f, Abrao, sabe o quo bom e reconfortante ser mediado pelo
geral e sabe que h um caminho solitrio, estreito e terrvel, e que sofre uma provao e
uma tentao. Ele sabe o quo magnfico ser acolhido pelo geral, seno qualquer
pssaro livre ou vagabundo seria um cavaleiro da f. E este o paradoxo, a angstia e a
tribulao, a terrvel responsabilidade. O autor faz uma distino entre o dever da moral
e o dever absoluto.
O heri trgico renuncia ao desejo para cumprir o dever. Para o cavaleiro daf desejo e dever so igualmente idnticos, mas encontra-se na necessidade
de renunciar a um e a outro. Assim, quando quer resignar-se, renunciando aodesejo, no encontra repouso, porque ele prprio o objeto do dever. Se querpermanecer no dever e no desejo, no se torna o cavaleiro da f; porque odever absoluto exige precisamente que renuncie ao dever. O heri trgicoexprime um dever superior, mas no absoluto. (SILENTIO, 1974, p.298)
No problema III, Silentio ainda acrescenta que a tarefa moral implica na
libertao do secreto, do oculto do individuo, para se manifestar no geral. A moral aqui
encarada pelo autor de maneira semelhante tica. E por isso a esfera tica,
semelhante a moral, no gosta do silncio e do segredo, gosta do heri trgico, do
homem puro, conhecido por todos, daquele que se arrepende, que sai do silncio e
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retorna ao geral. O silencio e o segredo da ordem do demonaco e do divino. O
silncio a armadilha do demnio; quanto mais ele mantido mais o demnio
terrvel; mas o silncio tambm um estdio em que o Indivduo toma conscincia da
sua unio com a divindade.(SILENTIO, 1974, p.305)
O autor discute tambm a esfera esttica, mas no vamos nos deter a ela neste
estudo, basta apenas que saibamos que a esttica est sempre preocupada com a sua
magnanimidade, sua ilusria magnanimidade.
A tribulao e a angstia do paradoxo residem no silncio, em no poder falar. E
por isso Abrao no conta a ningum, nem a Sara, sua mulher, nem a Isaac. Mesmo
quando ele pergunta sobre o cordeiro para o sacrifcio, Abrao fala, mas no conta e
tambm no mente, ele no diz nada, mantm o segredo. Meu filho, Deus prover-se-
ele prprio do cordeiro para o holocausto. (SILENTIO, 1974, p.322) Sua resposta se
reveste de ironia afirma o autor, pela ironia que se pode falar sem dizer nada.
Dessa maneira, vemos que em toda a obra Temor e tremor, o autor nos coloca
numa atmosfera de segredo e silncio em que se encontra o cavaleiro da f. Tentar
entender o feito de Abrao impossvel, mesmo para o autor. O cavaleiro da f caminha
na angstia e no tremor do paradoxo, na solido, no no poder ser compreendido, mas
no dever absoluto de provar por Deus e por si mesmo.
2. Derrida, o segredo e Kierkegaard
Derrida discute o texto de Kierkegaard, Temor e Tremor, trazendo a
responsabilidade e o sacrifcio da ordem do secreto, do segredo e do silncio. Porque
para o autor argelino essa atmosfera oculta importante? Na entrevista, Il Fault bien
manger, ou le calcul du sujet, Derrida impelido a responder quem vem depois do
sujeito, quem ocuparia o lugar aps a desconstruo do sujeito, pergunta realizada porJean-Luc Nancy. Para Derrida este lugar, no seria exatamente um lugar, pois no
localizvel, mas ao mesmo tempo necessrio. Dessa maneira, Derrida nos conta de uma
outra possibilidade de se olhar a estrutura quem, quem quem? Quem pergunta pelo
quem? Ele nos faz pensar. Existe uma outra possibilidade para o autor, que seria a
estrutura do sim sim. Ela a aquiescncia, o antes de toda a possvel autonomia do
quem-sujeito, j haveria resposta antes de ser. Este sim sim da ordem do outro, da
alteridade, isto da differance, do rastro. O primeiro sim a abertura, a receptividadeprimeira, e o segundo recebe a herana do outro, invadido pelo outro, o outro seriam
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rastros, efeitos, indicaes, referencialidades indicativas, e no coisas. E a differance a
diferenciao desses rastros, que no so coisas, no so fechados em si. Se no
houvesse essa differance seria tudo igual, uma homogenia, [...] cest partirde cette
affirmation disloque (donc sans ni ) que quelque chose comme
Le sujet, lhomme ou qui que ce soit, peut prendre figure.(DERRIDA, 1989, p.276) . O
rastro e a differance determinam a reapropriao como uma ex-apropriao, isto , voc
se dasapropria daquilo que sempre outro, da ordem da alteridade, porm nunca tem
como se apropriar desse outro, se encerrar, se totalizar, por isso ex-propria.
A partir dessa discusso inicial, podemos perceber o no-lugar em que tudo se
encontra, no h coisas fechadas, no h coisas. Algo da ordem do oculto, do aberto, do
secreto. Por isso no h um quem, pois quem pergunta por esse quem j vem aps o
sim sim. Ao longo da discusso de Derrida com o texto de kierkegaard poderemos
compreender melhor o sacrifcio e a responsabilidade para o autor argelino, e seu
interesse pela obra Temor e Tremor.
Il ny a jamais eu pour personne Le sujet, voil ce que je voulais commencerpar dire. Le sujet est une fable, tu las trs bien montr, et ce nest pas cesserde la prendre au srieux (Il est le srieux meme) que de sintresser cequune telle fable suppose de parole et de fiction convenue. (DERRIDA,1989, p.279)
Segundo Derrida, um segredo sempre nos faz tremer, compara este momento de
seduo pr-ebulio da gua, una agitacin preliminar y visible (DERRIDA,
2000, p.81). Afirma sobretudo que do tremor que o medo, a angstia e o terror
comeam. Silentio nos diz em Tremor e Temor que pela angstia pode-se tomar
conscincia da responsabilidade do indivduo, do oculto, do sagrado, ela pode suscitar-
se o obscuro impulso que se oculta em toda a vida humana.(SILENTIO, 1974, p.313)
O geral seria a esfera que suprime a responsabilidade. Ser to claro que do temor que
a angstia pode comear? Ou ele seria uma possibilidade diante da angstia? Visto que
Haufniensis, autor de o Conceito de angstia nos lembra que a angstia a realidade
da possibilidade para a possibilidade.
Este momento de segredo surge no sabemos muito bem de onde e tampouco
para onde se encaminha. Derrida nos diz que quando queremos saber o que suceder lo
que viene en este venir permanece virgen, inaccesible an, invisible en el fondo.
(DERRIDA, 2000, p.82). O instante pode se repetir continuar, parar. No h garantias,
tremo ante o secreto, o oculto, o desconhecido que me faz tremer. Nem mesmo sei
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porque me faz tremer, porque me traz esse sintoma, um descontrole dos membros e um
tremor da pele e msculos.
A causa deste tremor no esta na causa ltima, como Deus ou a morte, tampouco
na circunstncia, ou causa prxima, mas a causa mais prxima de nosso corpo, aquilo
que nos faz tremer antes que outra coisa; o que se prefigura. O mysterium tremendum
que nos faz tremer,
es el don del amor infinito, la disimetra entre la mirada divina que me ve y
yo mismo que no veo aquello mismo que me mira, la muerte dada y
soportada de lo irremplazable, la desproporcin entre el don infinito y mi
finitud, la responsabilidad como culpabilidad, el pecado, la salvacin, el
arrependimiento y el sacrificio. (DERRIDA, 2000, p.83)
Tememos e trememos pois j estamos ante o olhar de Deus, no conhecemos
suas razes, tememos e trememos ante o segredo inacessvel de Deus que decide porns, mesmo quando somos livres e responsveis. A associao a este lugar sem lugar,
ao inacessvel, ao que a razo no pode responder, a atmosfera do segredo, que nos faz
tremer. Derrida parece estar sempre nesta posio, num entre, no h como responder
seno pelo entre, caso contrario recaio na metafsica.
Nattends ps de moi une rponse la dimension dune formule.Je crois que
nous somme un certain nombre travailler qu cela, nous laisser
travailler par cela, qui ne peut avoir lieu que lors dun long et lent trajet.
Cela ne dpend pas dun dcret spculatif, encore moins dune opinion.
Peut-tre meme ps seulement de la discursivit philosophique. (DERRIDA,1989, p.281)
Segundo Derrida a primeira explicao de Temor e Tremor que os discpulos
devem trabalhar por sua salvao no diante da presena de Deus, mas da ausncia, sem
ver nem saber, sem entender as razes de sua lei. Sin saber de donde viene la cosa ni
lo que nos espera, se nos abandona en la ms absoluta soledad. (DERRIDA, 2000,
p.84) Ningum pode falar por ns mesmos ou fazer por ns mesmos, e esse parece ser
nosso carter de responsabilidade diante da solido que ns mesmos estamos, somos.
Derrida aqui faz uma analogia ao ser-para-morte de Heidegger, que pertence a cada um,
e apenas a ele. Deus, assim, permanece oculto, secreto, no tem como dividir conosco
suas decises, seno no seria Deus. Inclusive, o autor argelino nos faz pensar, pois
tampouco o outro nos fala tudo sem segredo algum, isso seria uma homologia. Aqui
podemos pensar novamente na differance de Derrida. O segredo guarda nossa
responsabilidade pelo sim sim, pela aquiescncia do outro, da alteridade, da
differance.
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Derrida nos mostra mais uma vez a relao entre a responsabilidade e o segredo,
o secreto. Aquele que em silncio sabe seu nome, um nome verdadeiro e no um nome
prprio, de patrimnio pblico, em que se divide com os demais. Aquele sim, pode-se
afirmar ser responsvel. A experincia de responsabilidade para o autor argelino est
relacionada ao sim sim um dever, uma resposta antes de ser. Por isso afirma que no
h conceito adequado para responder sobre a responsabilidade. Ela da ordem do outro,
da alteridade, do ilocalizvel, do indecidvel. A relao de responsabilidade com o
secreto, o segredo est clara, ou melhor, oculta, e podemos v-la na passagem a seguir.
celle-ci [responsabilit] porte en elle, et doit le faire, une dmesure essentielle. Elle ne
se rgle ni sur le prncipe de raison ni sur une comptabilit quelconque. (DERRIDA,
1989, p.287)
Lorigine de lappel qui ne vient de nulle part, dont lorigine en toutcas nest
ps encore un divin ou humain, institue une responsabilit qui se
trouve la Racine de toutes les responsabilits ultrieures (morale,
juridique, politique), de toutes les imperatif categorique. (DERRIDA, 1989,p.290)
Em Tremor e temor, Derrida nos diz que parece ter havido a experincia
mesma do sacrifcio. O sacrifcio daquilo que no pode ser substitudo, do mais valioso,
do que vincula o sagrado com o sacrifcio e o sacrifcio com o secreto. Em Il fault bien
manger ou le calcul du sujet, Derrida nos fala de um sacrifcio do outro, isto ,
tendemos a sacrificar o outro quando o localizamos, o fechamos num conceito, numa
verdade. Por isso nos aponta a necessidade de sacrificar o sacrifcio, sacrifcio da lei
soberana sacrificial, e assim abrir um espao. A lei sacrificial vai ocorrer e no h como
escapar, estamos sempre sacrificando, mas h a possibilidade de pensarmos um outro
espao. Talvez seja possvel pensar o sacrifcio do sacrifcio sendo o espao daquilo que
vincula o sagrado ao sacrifcio e o sacrifcio ao secreto. Pois a atmosfera de
responsabilidade que estamos tentando pensar aqui a do segredo, a do oculto, a da
prpria responsabilidade da alteridade. E devemos nos atentar a ela, e a se encontra o
sacrifcio do sacrifcio.
Abrao transgride a tica ao guardar o segredo, pois a tica para kierkegaard nos
vincula aos demais, aos nossos prximos. Todo o discurso de Abrao mediado pelo
silncio, quando seu filho pergunta pelo cordeiro, Abrao fala, mas no fala o que no
pode falar. Por isso fala e no fala. Responde sem responder, fala sem dizer nada, mas
tambm no mente, no diz o no verdadeiro. Essa atmosfera de ironia, Derrida parece
tambm valoriz-la, no documentrio Derrida, o filme (2002), em que vemos na palestra
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realizada na frica do sul aps o Apartheid, na qual um ouvinte o questiona alegando
que est sendo irnico diante de um assunto muito srio, ele responde dizendo que a
ironia importante para se quebrar uma atmosfera muito rgida, um campo conceitual,
uma idia fechada, poderamos dizer.
No dizendo o essencial Abrao se mantm ilhado, sozinho, assume esta
responsabilidade. A linguagem nos tira dessa solido, divide com os demais algo em
comum, traduz o universal, recai na tica. Talvez pudssemos dizer que a linguagem
um instrumento da tica. Ao falar perde-se o direito e a possibilidade de decidir, pois
agora todos decidem.
Segundo Derrida os destinos da linguagem so me livrar de minha singularidade,
que suspensa pela palavra leva junto minha liberdade e minha responsabilidade. A tica
de Kierkegaard, nesse sentido, pode nos lembrar o impessoal de Heidegger, no qual de
inicio e na maioria das vezes me encontro sob a responsabilidade de todos e de
ningum.
La exigencia tica est regulada, segn Kierkegaard, por la generalidad; y
define, pues, una responsabilidad que consiste en hablar, es decir, en
introducirse en el elemento de la generalidad para justificarse, para rendir
cuentas de la propia decisin y responder de los propios actos. (DERRIDA,2000, p.88)
O que nos ensina Abrao com esta aproximao do sacrifcio? Pergunta Derrida.
Diferentemente do que assegura a filosofia e o sentido comum, a tica nos empurra a
irresponsabilidade, dissolvendo minha singularidade na palavra e na linguagem, me
substituindo pelo geral.
A responsabilidade deve, ento, dizer no a repetio, a substituio e manter-se
no silncio, no secreto. O que se diz de responsabilidade o mesmo pode-se dizer da
deciso, afirma Derrida. Para o autor argelino deciso fazer algo sem a idia de um
conhecimento que te leve at l, conhecer esta idia isso seria clculo. Segundo Derrida,
Kierkegaard nos diz que a tica a tentao. O autor argelino afirma que devemos,
desse modo, resistir a ela, e no recair no desejo de se justificar. Por isso Derrida vai
afirmar que existe um paradoxo na tica, se por um lado o senso comum, a filosofia e as
cincias me dizem que devo me justificar e falar, o que ele chama de responsabilidade
geral; por outro devo me manter em silncio e injustificvel, como se mantm Abrao, e
estaramos, assim, na responsabilidade absoluta ante Deus. E esta a responsabilidade
inconcebvel, mesmo antes do conceito de responsabilidade, j h responsabilidade e
por isso irresponsavelmente responsvel. Abrao no fala porque no pode falar, no
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tem explicao para o que vai fazer. El secreto es, en el fondo, tan intolerable para la
tica como para la filosofa o la dialctica en general, de Platn a Hegel. (DERRIDA,
2000, p.89)
Na tica necessrio a manifestao, isto , o imediatamente sensvel e psquico.
O individuo o ser oculto e deve ser manifestado, caso contrario comete um pecado e
permanece em crise. A manifestao a verdade. No h segredo para o filosfico, o
tico ou o poltico. No entanto, no h manifestao que possa abarcar o oculto, o
cavaleiro da f, Abrao no fala porque no pode falar, no tem explicaes
justificveis. O dever absoluto do cavaleiro da f est para alm do dever (que
Kierkegaard chama dever da generalidade) e da dvida. Nesta dimenso se anuncia o
dar a morte que responde ao dever absoluto. Onde o amar e o odiar esto juntos,
equiparveis. O sacrifcio s pode ser realizado com aquele que amo, seno no
sacrifcio. Debo llegar a odiar lo que amo, en el mismo momento, en el instante de
darles (la) muerte. (DERRIDA, 2000, p.89) Devo odiar-los porque os amo. Deus no
pediria Isaac se no soubesse do amor incomensurvel de Abrao pelo filho.
O instante da deciso a loucura, e este o paradoxo, que exige a temporalidade
de um instante, intemporvel, que no se pode acessar, apreender e nem compreender,
entender pelo senso comum e pela razo, mas tampouco negar. E este o instante do dar
a morte, do sacrifcio. Ao mesmo tempo que trai a tica deve-se reconhec-la, a
contradio e o paradoxo so suportados no instante. Para haver sacrifcio a tica deve
ter seu valor, seno seria apenas um ato sem crime tico, sem responsabilidade absoluta,
a total perdio, um pssaro livre ou um vagabundo.
O sacrifcio de Isaac o paradoxo do dever e da responsabilidade absoluta que
nos coloca em relao com o outro, no caso Deus. Sou responsvel ante o outro e nosso
vnculo esta ligado ao sacrifcio absoluto. Sem poder ceder a tentao tica. Segundo
Derrida La paradoja, el escandalo y la aporia no son outra cosa que el sacrifcio: la
exposicin del pensamiento conceptual a su lmite, a su muerte y finitud. (DERRIDA,
2000, p.95) Desde o momento em que estou em relao com o outro sei que no posso
respond-lo sem sacrificar a tica. Todos os dias a cada instante levanto a faca para
aquele que amo, sobre o outro, aquele que devo fidelidade absoluta. Abrao o filho de
Deus porque trai todos os outros. Derrida exemplifica dizendo que estar agora como
filsofo escrevendo em francs e no em outra lngua sacrifica todas as outras
obrigaes. [...] en lo que se refiere a los otros otros que no conozco o que conozco,miles de mis [] (DERRIDA, 2000, p.96)
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Sacrifico a todos a todo instante em virtude de algo que decido. No posso
responder a um, a outro, sem sacrificar o outro. E nunca poderei justificar porque
prefiro um a outro. No poderia justificar porque filsofo e escreve em francs, ele
poderia tentar, mas nenhuma de suas respostas abarcaria a totalidade de seu sacrifcio
aos demais. A cada instante me sacrifico e nunca posso me justificar, apenas me calar.
Derrida pergunta: Como justificaramos el sacrificio de todos los gatos del mundo al
gato que alimentamos en casa todos los das durante aos, mientras que otros gatos
mueren de hambre a cada instante? (DERRIDA, 2000, p.98) No h como justificar
nossa responsabilidade ltima que nos conduz ao sacrifcio absoluto, aquele que os
vincula com qualquer radicalmente outro. Estou aqui a nica resposta que pode dar
aquele que te chama. a nica auto-presentaao que supe toda responsabilidade. Deus
pergunta por Abrao, onde estas? E ele responde: estou aqui. Esta a nica resposta
responsvel que poderia ter.
Segundo Derrida a deciso de Abrao absolutamente responsvel, responde de
si ante o outro absoluto, mas tambm paradoxalmente irresponsvel, pois no esta
guiada por nenhuma tica, nenhuma razo ou senso comum. No entanto, para Derrida
Deus esta em todas as partes onde haja qualquer radicalmente outro, e todo qualquer
radicalmente outro infinitamente outro em sua singularidade absoluta. Derrida afirma,
lo que se dice de la relacin de Abraham com Dios se dice de mi relacinsin relacin con cualquier\radicalmente otro como cualquier\radicalmente
otro, en particular con mis prjimos o con los mos que me son tan
inaccesibles, secretos y transcendentes como Yahv. Cualquier otro (en el
sentido de todos los otros es radicalmente otro (absolutamente otro)
(DERRIDA, 1999, p.104).
O prprio Derrida entende que o discurso de Kierkegaard no tolera tal analogia
de Deus aos outros, a todo e qualquer\radicalmente outro. E dessa maneira Derrida
acrescenta que assim, como cavaleiros da f, que devemos dar a morte
qualquer\radicalmente outro que nos pea a cada instante, e dessa forma nos
comportarmos com responsabilidade. Isso vale para qualquer\radicalmente outro em sua
relao com qualquer\radicalmente outro, j no sabemos quem se chama Abrao e nem
ele sabe nos dizer. O Abrao incomunicado, ilhado, solitrio e isto ns compartilhamos
com ele, afirma Derrida. Compartimos com Abrao um segredo de que no sabemos
nada e ele tampouco, compartir um segredo compartir no se sabe o que, isto , nada
que possa se determinar, nada que possa ser da ordem do sabvel.
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3. Referencias bibliogrficas
SILENTIO, J. (KIERKEGAARD), Temor e tremor, So Paulo: Abril S.A. 1974.
DERRIDA, J. A quin dar (saber no saber) In. Dar la muerte . Pars Galile (1999).
Trad Cristina de Peretti y Paco Vidarte. Barcelona/Buenos Aires/Mxico, Paids. 2000.
DERRIDA, J. Il faut bien manger ou le calcul du sujet, 1989.
Derrida. (filme) Kirby Dick e Amy Ziering Kofman. Estados Unidos: Jane dow Films.2002. DVD. 84min. Stereo, Color.