Karinne Rodrigues dos Santos Viana
Rhayne Ravanne Nunes de Oliveira
OS POBRES DESERDADOS:
Invisibilidade Social no Distrito Federal, nas Regiões Administrativas de
Brasília, Taguatinga e Ceilândia
Projeto de Pesquisa para o Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) apresentado ao curso de Comunicação Social da
Universidade Católica de Brasília como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de bacharel em Jornalismo.
Orientadora: MSc. Maria Bernadete Brasiliense
Brasília – DF
Novembro/2014
“A fotografia, antes de tudo é um
testemunho. Quando se aponta a câmara
para algum objeto ou sujeito, constrói-se
um significado, faz-se uma escolha,
seleciona-se um tema e conta-se uma
história, cabe a nós, espectadores, o
imenso desafio de lê-las.”
Ivan Lima
RESUMO
OLIVEIRA, Rhayne Ravanne N; VIANA, Karinne R.S. Os pobres deserdados: A
invisibilidade social em Brasília, Ceilândia e Taguatinga. 44 páginas. Memorial descritivo
referente à produção do livro Os pobres deserdados: A invisibilidade social em Brasília,
Ceilândia e Taguatinga (Comunicação Social – Jornalismo) Universidade Católica de Brasília,
Taguatinga, 2014.
Este trabalho é o memorial de produção do livro Os pobres deserdados: A invisibilidade social
em Brasília, Ceilândia e Taguatinga. O livro, baseado no estilo preto e branco de Sebastião
Salgado, retrata a realidade das Regiões Administrativas (RA´s) de Brasília, Ceilândia e
Taguatinga. Essa realidade inclui a pobreza, o abandono e a dor daqueles que vivem nas ruas
dessas regiões. O preto e branco é uma forma de enfatizar o drama do que vai ser retratado.
PALAVRAS – CHAVE: Invisibilidade social; População de rua; Desigualdade Social
ABSTRACT
OLIVEIRA, Rhayne Ravanne N; VIANA, Karinne R.S. Poor disinherited: The social
invisibility in Brasilia, Ceilândia and Taguatinga. 44 pages. Descriptive memorandum on the
production of the book The poor disinherited: The social invisibility in Brasilia, Ceilândia and
Taguatinga (Social Communication - Journalism) Catholic University of Brasilia, Taguatinga,
2014.
This work is the book's production memorial Poor disinherited: The social invisibility in Brasilia,
Ceilândia and Taguatinga. The book, based on black and white style of Sebastião Salgado,
portrays the reality of Administrative Regions (RA´s) of Brasilia, Ceilândia and Taguatinga. This
reality includes poverty, abandonment and the pain of those living on the streets in these regions.
The black and white is a way to emphasize the drama of what will be portrayed.
KEY - WORDS: social invisibility; Homeless; Social inequality
SUMÁRIO
UMA INTRODUÇÃO AO TEMA
1- ENQUADRAMENTO TEÓRICO METODOLÓGICO.......................................................5
2- FOTOGRAFIA E JORNALISMO..........................................................................................6
2.1 Inspiração : olhares que nos encantam.............................................................................8
2.1.1 O instante decisivo: Henri Cartier Bresson...................................................................9
2.1.2 Economia e fotografia: Sebastião Salgado..................................................................11
2.1.3 Arte, documentário ou fotojornalismo?......................................................................12
3- INVISIBILIDADE SOCIAL...................................................................................................13
3.1 Desigualdade social e educação......................................................................................15
3.2 A capital da esperança....................................................................................................16
3.3 A população em situação de rua.....................................................................................18
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................19
5- OS POBRES DESERDADOS: A TRAJETÓRIA.................................................................21
REFERÊNCIAS...........................................................................................................................26
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UMA INTRODUÇÃO AO TEMA
O projeto “Os pobres deserdados” reflete sobre o modo de vida daquelas pessoas que
vivem nas ruas, que te imploram por uma moeda para inteirar o dinheiro do almoço, que tocam
seu coração ao colocar seus filhos nos braços e pedir “uma ajuda”, que se rastejam pelas ruas
atrás de migalhas no chão e por ali mesmo passam a noite sobre um papelão expostos aos mais
diferentes perigos e situações. Essas pessoas são seres humanos, com os mesmos direitos de
qualquer outro que vem ao mundo. Olhar para essas pessoas é o mesmo que me olhar, ele sou eu
e eu sou ele, somos todos um só e daí decorre o incômodo que nos leva à pesquisa em pauta.
É comum atualmente andarmos por Brasília e cidades satélites e nos depararmos com essa
realidade. É o pobre pedindo esmola, comendo restos de comidas em latas de lixos, tomando
banho em espelhos d’água, dormindo em qualquer lugar. Cada dia é uma nova cena. Quando
você pensa que já viu de tudo, aparece algo que te surpreende. A partir disso, vimos que esses
fatos poderiam ser mostrados a partir da fotografia como documento e instrumento de pesquisa.
Analisamos que a fotografia se encaixaria perfeitamente em nosso objetivo de mostrar esse
cenário atual, os atores da cena e o contexto de toda a história.
A desigualdade social, a indiferença com que certos seres humanos são tratados, a falta de
recursos básicos de sobrevivência e o uso de drogas por crianças são questões que aqui serão
comprovadas por meio da apresentação de um livro fotográfico com imagens da cidade Brasília,
tão perto do poder, mas tão longe das soluções básicas de cuidado com o ser humano, de
Taguatinga, que abriga grande número de moradores de rua e Ceilândia conhecida pela pobreza e
violência que assola as ruas. Por serem questões bastante discutidas na área do jornalismo,
sempre trazer debate crítico e despertar o interesse dos leitores de jornais e telespectadores,
escolhemos esse tema, que traz os moradores de rua como objeto de estudo e que não só chama
atenção, mas que fazem as pessoas valorizarem o seu modo de vida e contribuírem de alguma
forma para a diminuição dessa realidade.
No livro serão apresentadas 33 imagens em preto e branco da invisibilidade social, e vem
com a intenção de mostrar histórias tristes e causar mais impacto pelas imagens que servem como
denúncia. Em cada capítulo retrataremos uma das cidades escolhidas. Esperamos que esse livro
possa de alguma forma sensibilizar e despertar no leitor o desejo de mudança, para que de alguma
forma contribuam para transformar essa triste realidade.
3
A questão que nos move à realização deste trabalho é saber mostrar através da fotografia a
realidade das pessoas pobres que vivem nas ruas e como se sentem perante a sociedade da qual
fazem parte. Vamos trazer essa realidade pra mais perto com a intenção de chocar e trazer as
imagens, ou melhor, as pessoas que lá estão, para uma reflexão e a discussão sobre a situação de
abandono, pobreza e fome que estão ao nosso lado e que, por nos chocar, fazemos passar
despercebidas. Porque as políticas públicas não alcançam essas pessoas? Como se identificam a
partir desse suposto abandono? Como se pensam como seres humanos? Que consciência têm de
sua situação?
Foto: Karinne Rodrigues
Setor Comercial Sul
4
As imagens acima, por exemplo, retratadas por nós comprova muito bem isso. Na
primeira imagem um homem aparentemente jovem, dorme no chão sobre um papelão sem se
importar com a sujeira à sua volta (restos de comidas, latinhas de refrigerantes, roupas velhas
rasgadas e grande excesso de lixo). O local é conhecido como “Buraco do Rato”, um ponto de
tráfico de drogas onde é possível ver grande movimentação de pessoas. A construção dessa
fotografia nos faz pensar sobre várias hipóteses que levou o homem a estar nessas condições e
nos faz refletir sobre a condição em que ele dorme.
Nesta segunda imagem, retratamos algo desumano que nos comoveu bastante. Um
homem se alimentava de restos de comida no lixo. A foto traz a reflexão e uma questão a ser
pesquisada: a situação de vida desse homem, que não tem sequer um real para comprar um pão e
que devido a isso se recorre aos lixos dos restaurantes da Rodoviária para saciar a fome.
Segundo Kossoy (2001), que nos embasa para um pensar acadêmico sobre o uso da
imagem como fonte de pesquisa, a fotografia serve como uma linha documental e de
investigação. E nós, ao utilizarmos essa ferramenta, iremos seguir essas pessoas no seu dia-a-dia,
Rodoviária do Plano Piloto
Foto: Rhayne Ravanne
5
sua trajetória pela cidade, seus deslocamentos, e para isso precisamos estar atentas a três
elementos que são essenciais para realizar tais documentos imagéticos:
[...] o assunto, o fotógrafo e a tecnologia. São estes os elementos constitutivos
que lhe deram origem através de um processo, de um ciclo que se completou no
momento em que o objeto teve sua imagem cristalizada na bidimensão do
material sensível, num preciso e definido espaço e tempo (KOSSOY, 2001, p.
37).
1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO METODOLÓGICO
Assim como Sebastião Salgado e Henri Cartier-Bresson, vamos utilizar a técnica do preto
e branco e do “Momento Decisivo” para retratar a realidade de algumas Regiões Administrativas
(RA’s) que são as subdivisões do Distrito Federal.
Desde janeiro de 2012, com a criação da região administrativa da Fercal, existem 31
Regiões Administrativas (RA´s). O Distrito Federal não possui prefeitos ou vereadores, pois a
Constituição Federal de 1988, artigo 32, proíbe expressamente que o Distrito Federal seja
dividido em municípios, sendo considerado uno. Contudo, o Distrito Federal é dividido em RA’s.
Uma pesquisa realizada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal
(CODEPLAN) em 1.º de outubro de 2012, chegou à conclusão de que as três RA’s mais
populosas são Ceilândia, Taguatinga e Brasília. A partir daí podemos observar que por este fato,
são as mais críticas, o que pode apresentar uma série de problemas sociais, entre eles muitas
pessoas abaixo da linha da pobreza e a desigualdade social como o que fotografamos. Com base
nisso, resolvemos então trabalhar com as RA’s, Ceilândia, Taguatinga e Brasília por também ser
uma excelente oportunidade de pesquisa para ver suas dificuldades. O quadro abaixo da Pesquisa
Distrital por Amostra de Domicílios 2010/2011 comprova esse fato listando as 10 RA’s mais
populosas e o número populacional em cada uma delas.
Posição R.A. População
1 Ceilândia 398 374
2 Taguatinga 221 909
3 Brasília 214 529
4 Planaltina 200 000
5 Samambaia 193 485
6
6 Recanto das Emas 160 000
7 Águas Claras 135 685
8 Gama 127 121
9 Santa Maria 123 956
10 Guará 112 989
Fonte: CODEPLAN
A alta população em uma região pequena como o DF, que tem cerca de 5 779,999 km²,
pode gerar, além de uma elevada taxa de desemprego, o aumento da criminalidade e a
desigualdade social. Brasília, por exemplo, apresenta a maior desigualdade de renda comparada
às outras capitais. É possível observar a dualidade em ricos e pobres, de um lado “os que têm”
casas, transportes, comida; do outro lado “os sem” direitos, teto e comida. Além disso, segundo o
levantamento feito pelo Sistema de Informação de Mortalidade Infantil (SIM) do Ministério da
Saúde no ano de 2012, a capital é uma das que registram a maior taxa de homicídio para cada 100
mil habitantes, o que leva em conta o crescimento da população.
As RA´s Taguatinga e Ceilândia, conhecidas em noticiários de televisão como as líderes
em tráfico de drogas, apresentam elevado número com questões envolvendo a violência. Dados
da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio – PDAD, realizadas no ano de 2013 com a
população de Taguatinga e Ceilândia, mostram que o roubo é o delito mais observado nessas
regiões. Em Taguatinga, 52,84% da população declarou ter sido vítima de roubo e em Ceilândia
45,51%. Ceilândia se destaca ainda pelo baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) de
0,784, gerado também pela baixa escolaridade.
Vimos então que a partir desses fatores o trabalho de campo nessas Regiões seria possível
e que não seria difícil encontrar essas pessoas que vivem nas ruas por falta de recurso como
mostrado.
2. FOTOGRAFIA E JORNALISMO
A fotografia teve um papel fundamental como possibilidade inovadora de informação e
conhecimento na Revolução Industrial e, mais tarde, como forma de expressão artística. À
medida que o consumo dessa inovação crescia, a imagem ficava mais sofisticada e mais pessoas
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podiam usufruir dessa novidade. Diversas descobertas ao longo dos anos possibilitaram
desenvolver a fotografia que se conhece hoje.
Desde o surgimento da fotografia, na primeira metade do século XIX, houve uma série de
teorias acerca do assunto. Há diversos livros sobre fotografia que trazem aspectos sobre a história
e o fazer fotográfico. Como exemplo, tem-se a câmara obscura, os efeitos ópticos, as reações
químicas que permitem a impressão da luz e a fixação da imagem, entre outros.
As primeiras experiências de capturar uma imagem com materiais sensíveis à
luz de que se tem notícia foram realizadas por um litógrafo e inventor francês,
Joseph Nicéphore Niepce, em 1826. Ele cobriu uma chapa de bronze com asfalto
contendo uma solução de prata e colocou a placa resultante dentro da câmara
obscura de um artista, um dispositivo então comumente utilizado para desenhar
paisagens e projetos arquitetônicos nas perspectiva correta." (ROSE, 1998,
pg.4).
Com a invenção da fotografia, a imagem dos objetos na câmara obscura já podia ser
gravada diretamente pela ação da luz sobre determinada superfície sensibilizada quimicamente.
Ao longo dos anos, a partir dos avanços científicos, a fotografia foi se aperfeiçoando com novos
materiais para suporte, novos processos químicos que encurtassem o tempo de exposição, na
obtenção de fotos coloridas, entre outros.
A fotografia é uma técnica que permite arquivar um momento. Ao longo da história
contemporânea, a fotografia foi considerada uma representação fiel da realidade justamente por
sua capacidade de “congelar’ ou ‘recortar” um pedaço da vida. “É a fotografia um intrigante
documento visual cujo conteúdo é a um só tempo revelador de informações e detonador de
emoções”. (KOSSOY, 2001, p. 28).
O filósofo Vilém Flusser (1983), em sua obra ‘A filosofia da caixa preta - Ensaios para
uma futura filosofia da fotografia’, trata do poder da imagem, da supervalorização da fotografia.
Fala ainda do poder que a imagem assume no contexto social moderno, pois se no início era
utilizada como apoio ao texto impresso, hoje chega em alguns casos a superar o texto e se tornar
o centro da comunicação visual. Quando esta comunicação é potencializada por meio da união
imagem mais texto escrito, muitas vezes o texto é que possui o papel de ilustrar a imagem.
Jornais, revistas e até mesmo as páginas de sites de notícias associam suas matérias com a
imagem para levar mais credibilidade ao leitor. A comprovação dos fatos vem através da
fotografia, por isso ela é o seu diferencial na mídia em geral. Sendo um texto visual, o
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fotojornalismo requer, além do processo técnico, uma diversidade de conhecimentos jornalísticos,
o compromisso com a verdade e com a ética.
O jornalismo, pelo menos enquanto pretensão geral, utiliza a fotografia como
prova e testemunho do real. Embora use tantas imagens meramente ilustrativas
ou até publicitárias e mesmo ficcionais, a grande justificativa é o registro do
real. (BUITONI, 2011, p. 27).
Sendo um recurso bastante utilizado na comunicação, a fotografia foi inserida no
jornalismo, na publicidade e propaganda e nas pesquisas em geral como antropológicas e
sociológicas, dentre muitas outras. Deste modo, a publicidade também se apropriou e faz
inestimado uso da fotografia. No universo multimídia de hoje ela ainda é utilizada como um dos
principais suportes do meio publicitário. Distribuídas em anúncios, folders e outdoors, a
fotografia publicitária é um dos maiores elementos utilizados para a elaboração de campanhas.
Ela é responsável por criar o desejo de consumo nas pessoas. Enfim, a fotografia foi aceita como
fonte de informação, comunicação, atestação e recolha de dados em muitas outras pesquisas que
se apropriaram dela para nos mostrar “verdadeiramente” o real recortado pelo pesquisador.
2.1 Inspiração: olhares que nos encantam
Há autores que são referenciais para o estudo da fotografia. Em nossa concepção não
podemos deixar de lado o francês Roland Barthes, que se voltou à análise de fenômenos da
comunicação e deixou uma obra clássica, ‘A câmara clara’ (1984), que discorre sobre a
fotografia, mas reclama de sua obscuridade. Essa obra traz a visão de Barthes acerca da natureza
da fotografia. Para o autor, ela nos traz “o real infatigável” (1984, p.13), o real como não
conseguimos ver. O que fotografamos nunca mais vai se mostrar da mesma forma, pois assim que
tomamos uma fotografia, aquilo que lá está transformou-se em passado. A fotografia faz com que
o passado seja tão real quanto o presente. Barthes discute, também, acerca da diferença do ver e
do olhar. O olhar é algo que vai além da visão, tomado por algo interior, isto é, os sentimentos, a
subjetividade. O ver é aquilo que está lá para ser visto, é algo objetivo.
Um autor também importante no contexto da fotografia é o filósofo Vilém Flusser, que
discute os princípios ontológicos do processo fotográfico. Os textos de Flusser trazem temáticas
que vão da teoria da linguagem verbal aos gestos humanos. Ficou conhecido em todo o mundo
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como o teórico da mídia, principalmente por suas teorias sobre a pós-história e as imagens
técnicas. O filósofo definiu que “a função das imagens técnicas é a de emancipar a sociedade da
necessidade de pensar conceitualmente. Elas devem substituir a capacidade conceitual por
capacidade imaginativa” (FLUSSER, 1983, p.33). Nesse sentido, as imagens técnicas vieram ao
mundo não para representá-lo, mas para representar novos conceitos em relação a ele, podendo
serem usadas de forma a disseminar uma ideia sobre determinada cultura, por exemplo. Flusser
nos faz enxergar a necessidade de imagens interessantes e informativas, de forma a usarmos a
nossa imaginação para ilustrar, num mundo tão cheio de imagens, aquelas que possam significar
algo e que possam adquirir valor pelo receptor.
2.1.1 O instante decisivo: Henri Cartier Bresson
Um dos fotógrafos mais significativos do século XX, em nossa opinião, foi o francês
Henri Cartier-Bresson. Entrou para a história da fotografia sendo considerado por muitos
profissionais o pai do fotojornalismo. Reuniu vários de seus retratos na obra ‘Tête à Tetê’ (1999),
que traz o registro de rostos anônimos e de personalidades como Marilyn Monroe, Pablo Picasso,
Coco Chanel, Jean-Paul Sartre, Truman Capote, Che Guevara, entre outros. O historiador de arte,
Jean Clair, oferece uma introdução à obra ‘Henri Cartier-Bresson’ (2011) e fala a respeito do
fotógrafo:
A primeira vez em que deparei com Cartier-Bresson, fiquei impressionado com
seu olhar azul, transparente e vago pairando sem gravidade sobre tudo o que
cercava, parecendo nada privilegiar, mas permanecendo, contudo,
perpetuamente à espreita. É ao apreço dessa contínua disponibilidade do olhar
que se estabelecerá uma cumplicidade entre ele e o mundo, uma conjunção, uma
conjuração até, cuja mola é de ordem efetivamente metafísica. (CLAIR, Jean. In
Bresson, 2011, p.6).
Seu conceito de fotografia baseava-se no que ele chamava de “o momento decisivo”, o
qual definiu como o momento exato em que a foto deveria ser tirada, que nos traz o
acontecimento em milésimos de segundo, assim como o que estamos assistindo, juntamos, então,
fragmentos momentâneos essenciais à sua compreensão. Bresson desprezava fotografias
arranjadas e cenários artificiais, trabalhava sempre com uma lente 50 mm, uma lente mais versátil
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onde o ângulo de visão é parecido com o do olho humano, pois para ele precisamos tirar uma foto
exatamente como a enxergamos. Podemos considerar também que a fotografia é um meio de
expressão que fixa para sempre o instante preciso e transitório. Esta é a essência de sua tese, o
momento decisivo. Segundo ele, nós temos dúvidas quanto ao momento a ser fotografado, mas
aos poucos vamos entendendo estes dilemas da fotografia.
Nas figuras acima, ambas tiradas em Paris, Bresson utilizou a técnica do instante decisivo.
A figura 1 registra o momento em que um homem pula a água na estação de trem Saint Lazare e
seu salto é refletido pelo espelho d´água e a figura 2 retrata o momento romântico de um casal
jovem sentado do lado de fora de um bistrô.
Figura 1 – Casal em Paris
Cartier-Bresson, 1968
Figura 2 – Estação de trem Saint Lazare
Cartier-Bresson, 1932
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2.1.2 Economia e fotografia: Sebastião Salgado
A beleza, a desigualdade, o êxodo, a infância perdida e, acima de tudo, a falta de
dignidade do ser humano. Com suas imagens sempre em preto e branco, Sebastião Salgado capta
a essência humana em toda sua visão. Considerado um dos maiores fotojornalistas do mundo,
Sebastião Salgado nasceu em 1944 na cidade de Aimorés, Minas Gerais. Graduou-se em
economia em 1967. Foi em um de seus trabalhos como economista, na Organização Internacional
do Café - OIC, em 1973, que Salgado descobriu a fotografia como forma de mostrar a realidade
econômica de diversos locais do mundo. Ele decidiu, então, trocar a economia pela fotografia, ou
melhor, trazer a fotografia para mostrar a economia do planeta. Trabalhou para as agências
Sygma (1974- 1975) e Gamma (1975-1979). Trabalhou em Paris como freelancer em
fotojornalismo e contribuiu com diversas organizações humanitárias como o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), Médicos sem Fronteiras (MSF), Organização Mundial da
Saúde (OMS) e Anistia Internacional.
Salgado cobriu guerras na Angola e no Saara espanhol, o atentado contra o presidente
norte-americano Ronald Reagan e o sequestro de israelitas em Entebbe, antiga capital de Uganda,
localizada no leste da África. Viajou pela América Latina onde capturou imagens de povoados
remotos para a exposição e para o livro ‘Outras Américas’. Entre suas obras publicadas estão:
‘Sahel: O homem em agonia’ (1986), ‘Trabalhadores’ (1996), ‘Terra’ (1997), ‘Serra Pelada’
(1999), ‘Outras Américas’ (1999), ‘Êxodos’ (2000), ‘O Fim do Pólio’ (2003), ‘O Berço da
Desigualdade’ (2005), ‘Gênesis’ (2014). Suas imagens já ganharam inúmeros prêmios e são
reconhecidas pela profunda dignidade que despertam no interlocutor. Ele procura fazer as pessoas
refletirem sobre a situação econômica do local retratado por meio de imagens da pobreza, do
choque, da fome. Em sua obra ‘Êxodos’, Sebastião diz:
Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há diferenças de
cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os sentimentos e reações das
pessoas são semelhantes. Pessoas fogem das guerras para escapar da morte,
migram para melhorar sua sorte, constroem novas vidas em terras estrangeiras,
adaptam-se a situações extrema (SALGADO, 1999, p. 15).
Através de suas lentes ele aborda temas como desigualdade social e globalização, trabalho
e migrações, campos de refugiados e cidades. Sua intenção é expor essas questões da forma mais
12
clara possível em suas fotografias. O fotógrafo deseja que aquele que observa a foto concentre-se
na clareza da situação retratada. O que importa é o contexto, o impacto do momento retratado. O
trabalho de Sebastião Salgado é influenciado pela técnica do "momento decisivo" do então
fotógrafo francês, Henri Cartier Bresson. Para Salgado, essa abordagem resulta em um trabalho
elegante, dramático e eficaz.
2.1.2.1 Arte, documentário ou fotojornalismo?
Apesar das fotos de Salgado serem realizadas de maneira objetiva, elas nos levam a um
mundo subjetivo, no qual percebemos a interface entre o que sentimos ao ver a foto e o que
Sebastião Salgado sentiu ao fazê-la. Podemos dizer que seus trabalhos são um estudo científico
por retratar situações conhecidas ou não, mas que afetam o mundo inteiro. É também uma
expressão artística porque Salgado expressa seus sentimentos no momento de fotografar,
levando-o a produzir imagens que chocam. Suas fotografias nos levam a um universo que não
estamos acostumados. Seu trabalho traz para os olhos da sociedade a realidade dos excluídos, dos
esquecidos do mundo. Ele traz cenas de pessoas que muitos preferiam não conhecer, cenas de
pessoas sem nenhum amparo e que são deixadas em condições de miséria.
Figura 3 - Mulher aparentemente desnutrida, África
Sebastião Salgado, 1986
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As três figuras acima foram trabalhos realizados por Salgado. A figura 3 faz parte de seu
livro ‘Sahel: O homem em agonia’, cuja temática foi a seca na região africana de Sahel. Essa
imagem mostra o sofrimento de uma mulher, a nosso ver, desnutrida em um hospital de Mali, na
África. A figura 4, uma das mais famosas do fotógrafo, retrata a imagem de uma menina sem-
terra num acampamento, no Paraná. O olhar provocativo da menina ganhou a capa do livro Terra
(1997). A figura 5 é fruto de um trabalho em que Salgado fez com tribos africanas no sul do
Sudão, em que ele registrou a imagem de uma mulher dinka.
3. INVISIBILIDADE SOCIAL
Na sociedade moderna, a expressão invisibilidade social é um conceito que significa ser
inexistente ou insignificante. Esse conceito abrange muitos fatores que levam a uma
Figura 4 – Menina sem-terra
Sebastião Salgado, 1997
Figura 5 - Mulher dinka, Sudão
Sebastião Salgado, 2006
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invisibilidade como, por exemplo, social, cultural e, principalmente, econômico. Com efeito,
diversos sentimentos estão ligados ao sentimento central de ser invisível: a vergonha, o desprezo,
a humilhação, o isolamento. Tais sentimentos podem levar os indivíduos que sofrem com isso à
aceitação da condição de ser um “ninguém”.
A invisibilidade social está relacionada à lógica da sociedade de consumo. A ideia de que
para ser alguém reconhecido é preciso possuir bens de consumo, acaba marginalizando aqueles
que não se enquadram no padrão de consumidor. Muitos são os indivíduos que sofrem com a
invisibilidade social como, por exemplo, garotas de programa, usuários de drogas, portadores de
necessidades especiais e moradores de rua. O motivo de tanta indiferença para com esses
indivíduos é o hábito de simplesmente passar por eles e fingir que não os viu.
Cotidianamente estabelecida, a invisibilidade social tornou-se algo comum, a qual a
sociedade acostumou-se com ela. Passar por um pedinte na rua ou até mesmo por uma criança
cheirando cola, já não é mais tão chocante. É algo que se tornou comum na vida social.
Indivíduos prostrados no solo, vistos como qualquer outra coisa, menos como um ser humano,
que invadem as calçadas, cheiram mal e incomodam. A imagem abaixo retrata essa situação em
que um morador de rua dorme na calçada em meio ao movimento da cidade e permanece ali
como um objeto esquecido.
Ceilândia Centro
Foto: Karinne Rodrigues
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3.1 Desigualdade social e educação
O conceito de desigualdade social refere-se à distribuição diferenciada das riquezas
materiais e simbólicas produzidas por uma determinada sociedade. Nascimento (2000) afirma
que a desigualdade social, na sociedade moderna, apresenta dois tipos de conotação:
Tem uma conotação positiva, na medida em que nela reside o processo de
concorrência e desenvolvimento, onde se situa o eixo da inovação tecnológica e
do dinamismo social e econômico. A mobilidade que caracteriza a sociedade
moderna faz com que cada indivíduo se veja como responsável pelo lugar que
ocupa na escala social, sendo por isso estimulado a mudá-la, ascendendo
socialmente. Mas existe uma conotação negativa, na medida em que a
desigualdade, ao crescer, diferenciando os homens, coloca em risco a construção
do espaço da igualdade (NASCIMENTO, E. In. Bursztyn, 2000, p.63).
Uma análise de KLIKSBERG (2001) relata que a desigualdade social acarreta a exclusão
de diversas sociedades da América Latina, que se explica pelo não acesso a ativos produtivos,
créditos, educação de boa qualidade e rendas adequadas. “Essas exclusões se reforçam
mutuamente e conduzem a ‘círculos perversos’ que deixam extensos grupos humanos
desprovidos de capacidades de funcionamento básicas” (KLIKSBERG, 2001, p.31).
Mas o que gera todo esse problema? Segundo o autor o maior problema é a educação.
Não é a falta dela na sociedade e sim à evasão de alunos, repetência e a qualidade da educação:
A grande maioria das crianças em idade escolar, iniciam o ensino fundamental,
porém, segundo estimativas, menos da metade o concluem. Também a maioria
dos que iniciam o ensino médio não o completam. Forma-se assim um amplo
grupo de crianças e jovens com ensino fundamental incompleto e ensino médio
incompleto (KLIKSBERG, 2001, p.50).
Desse modo, sem escolaridade, acabam não tendo lugar no mercado de trabalho que exige
um grau de escolaridade completo e qualificações. “Excluídos da educação formal e com
dificuldades importantes para inserir-se no mercado de trabalho, constituem um extenso grupo
social que não tem acesso a aspectos básicos da vida na sociedade” (KLIKSBERG, 2001, p.51).
Todos esses fatores podem ser explicados pela pobreza. A carência de recursos alimentícios vai
impedir o bom rendimento escolar da criança e a pressão pela busca de uma qualidade de vida
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provoca a evasão dessas crianças que são obrigadas a trabalhar desde muito novas em busca de
recursos básicos.
Uma reportagem publicada pelo jornal online Jornal do Brasil1, em 25 de outubro de
2011, intitulada ONU: políticas públicas causaram a redução de favelas no Brasil, mostra que “o
Brasil é considerado pela ONU (Organização das Nações Unidas) o pior da América Latina em
termos de desigualdade.” Revelaram ainda que Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza e Goiânia, em
relação a desigualdade, ficam atrás apenas de três capitais africanas como Buffalo City,
Johannesburgo e Ekurhuleni.
3.2 A capital da esperança
O sonho de se ter uma cidade sem contrastes sociais, onde não existiriam comunidades
pobres e todos teriam habitações decentes e condições econômicas dignas, não pôde ser
concretizado. Araújo (2000) diz que Brasília, por muito tempo, foi o símbolo da modernidade no
Brasil. “Viveu quase que exclusivamente do setor público e da construção civil e exibiu suas
potencialidades de crescimento em um ritmo acelerado. Entretanto, esse crescimento trouxe
consigo as contradições econômicas e sociais do tipo de desenvolvimento implementado no
Brasil ao longo de sua história econômica. Nesses termos, Brasília não poderia mais conter sua
utopia, não mais poderia ser a cidade idealizada pelos urbanistas” (ARAÚJO, C. In. Bursztyn,
2000, p.95).
Dados do Ipea revelaram que a população no Distrito Federal e no seu entorno passou de
761 mil em 1970, para 2,9 milhões de moradores em 2000. Esse crescimento demográfico foi
consequência da migração daqueles que buscavam melhores condições de vida e, não
encontrando o que vieram buscar, integravam-se aos miseráveis que aqui habitavam. Marcel
Bursztyn (1997) realizou uma pesquisa no DF, nos meses de maio e junho de 1996, na qual
entrevistou 150 famílias que vivem nas ruas e que migraram para Brasília após 1º de janeiro de
1995. Nessa pesquisa de campo, o autor pôde constar que 44% dos migrantes vinham do
nordeste. Em relação aos motivos que os levaram a mudar de sua cidade natal:
1 Reportagem publicada no endereço eletrônico
http://www.jb.com.br/pais/noticias/2010/03/19/onu-politicas-publicas-causaram-a-reducao-de-favelas-no-brasil/
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Quase 85% dos migrantes afirmaram que migraram para o Distrito Federal
porque estavam passando fome, estavam em uma situação de miséria absoluta.
Não tinham o suficiente para sobreviver. Portanto, a grande causa da migração
dos excluídos para a capital do país é a fome (BURSZTYN & ARAÚJO, 1997,
p.81).
Araújo (2000) explica que a exclusão espacial acabou consolidando-se com o aumento da
população na capital. Depois do plano piloto, surgiram as cidades-satélites e assentamentos sem a
menor infraestrutura. Na visão dele, “Brasília exibe os mesmos contrastes socioeconômicos de
qualquer outro grande centro urbano. O que era para ser apenas uma cidade administrativa
tornou-se uma metrópole, onde a desigualdade e a exclusão aumentam” (ARAÚJO, C. In.
Byrsztyn, 2000, p.96).
Uma pesquisa feita pelo IBGE mostra que Brasília é a unidade federativa na qual se
verifica a maior diferença entre a renda dos mais pobres e dos mais ricos. Pode-se observar essa
diferença através do Índice de Gini, um instrumento utilizado para medir o grau de concentração
de renda em determinado grupo. Brasília é dona de uma das maiores rendas per capitas do país,
porém abrange duas realidades muito diferentes. De um lado são mansões, carros luxuosos e
servidores públicos com salários “gordos”. De outro, são péssimas condições de vida, com
brasilienses que mal ganham um salário mínimo. Essa triste realidade tem sido o motivo da
crescente desigualdade social no DF. Por mais que possua uma das maiores rendas, a capital não
consegue resolver os problemas crônicos das regiões administrativas mais distantes do centro.
Uma pesquisa realizada em 2009 pelo PNAD mostra o índice de desigualdade social entre os
estados do Brasil. O quadro abaixo mostra que os valores mais próximos de 1, no caso do Distrito
Federal, são os mais desiguais.
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3.3 A população em situação de rua
O Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a
População em Situação de Rua, define esse termo com um grupo populacional heterogêneo que
possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares fragilizados ou rompidos e a
inexistência de moradia convencional regular. As saídas de campo permitiram que as autoras
deste trabalho confirmassem esse decreto. São diferentes as circunstâncias que levam as pessoas
a viverem na rua: problemas familiares, drogas, desemprego, entre outros. Há diferenças também
em suas formas de sobrevivência, seja pedindo esmola ou trabalhando precariamente como
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flanelinhas, lavadores de carros, vendedores de guloseimas. Conclui-se que a situação de pobreza
a que estão submetidos é o ponto mais forte que os encaixa dentro de um mesmo grupo social.
O Programa de Providência de Elevação da Renda Familiar, juntamente com pesquisadores
da Universidade de Brasília, criaram o Projeto Renovando a Cidadania, iniciado em março de
2010. Esse projeto teve como objetivo fazer um estudo das pessoas em situação de rua no Distrito
Federal, para compreender a condição de rua vivenciada por um número considerável de
cidadãos nesta Unidade da Federação. Esse estudo engloba pesquisas de campo para
levantamentos censitários dessa população, para identificar os motivos que levaram essa
população a tal condição, entre outros. Dentre as pesquisas realizadas no DF, foram levantados os
seguintes dados:
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste trabalho buscamos nos aproximar e compreender um pouco mais da
realidade daqueles que fazem das ruas o seu local de sobrevivência, seja por opção ou não. Seres
humanos, vítimas do preconceito, da indiferença e do desprezo. Observamos que sem as mínimas
condições de uma vida digna, eles estão divididos entre usuários de drogas, alcoólatras, doentes e
Crianças que se encontram em situação der rua 82%
Adultos que se encontram em situação de rua 61,2%
Que são do sexo masculino 74,6%
Negros 40,4%
Possuem o ensino fundamental incompleto 86,4
Com idade entre 22 e 30 anos 30,2%
Não exerce o direito de cidadania elementar que
é o voto
82,4%
Adolescentes que vivem na rua há mais de 5 anos 26,6%
Não possuem documento de identificação 78%
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que existem aquelas pessoas que estão em situações extrema de pobreza e desamparo social e por
isso vivem nas ruas. A invisibilidade social é um fenômeno que ainda se faz muito presente em
nosso dia-a-dia, sendo consequência de atitudes discriminatórias quando, por exemplo, olhamos
para um mendigo e o enxergamos como um indivíduo violento, um usuário de drogas, como
alguém que deve ser evitado, ou simplesmente como um mero objeto jogado no chão. A
invisibilidade dos moradores de rua talvez seja a mais evidente em nosso cotidiano.
A população em situação de rua é um dos reflexos dessa exclusão social que, como
citamos anteriormente, já era perceptível com a periferização em Brasília que se deu com a
migração na década de 1970. Esse processo migratório, ao longo do tempo, veio atingindo uma
quantidade maior de pessoas que não conseguiram se adaptar às mudanças da sociedade
capitalista, a qual hoje está cada vez mais individualista e exigente.
A nosso ver, frente a esse cenário, torna-se necessária uma política pública mais eficiente
que não apenas venha suprir as necessidades básicas desses indivíduos, mas que possa dar-lhes
condições para saírem da situação de miséria, resgatar os seus valores que foram perdidos e
possibilitar o seu reconhecimento como cidadão. Mas, o pior de tudo é observar que a sociedade
e o Estado, não se preocupam e não querem se preocupar com essa população de rua, resumindo:
eles já se acostumaram ou simplesmente preferem ignorar essas pessoas.
Por meio deste trabalho vamos divulgar mais essa realidade ignorada que nos incomoda.
Por mais que essas pessoas tentem um trabalho digno, um acesso à educação, muitas vezes não
conseguem, por que não são reconhecidos como seres humanos, e sim como moradores de rua.
Muitos não possuem documentos de identificação, o que dificulta a tentativa de uma matrícula no
ensino público. Mas o nosso trabalhou possibilitou um alargamento dos horizontes do que é a
invisibilidade social e nos permitiu aqui dar um rosto seguido de seus nomes (àqueles que não se
incomodaram de conversar conosco), portanto de uma identidade, comprovando que são sujeitos
sociais que fazem parte do senso dos país. Portanto, devem ter os mesmos direitos que nós. Eles
não são invisíveis, a fotografia comprovou isto, eles têm falta de nosso apoio e dos serviços
básicos do Estado: saúde, educação, ensino público de qualidade e emprego.
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5. POBRES DESERDADOS: A TRAJETÓRIA
A primeira cidade que visitamos foi Taguatinga, no dia 5 de abril, por volta das 09h da
manhã de sábado. Nos concentramos bem no centro, região em que é possível encontrar
moradores de rua em maior quantidade e em situações mais precárias. Porém para achar a
primeira pessoa a ser retratada encontramos dificuldades, muitos resistiam ao ver uma câmera, se
sentiam ameaçados ou por vezes envergonhados.
O primeiro personagem apareceu depois de muito tempo em observação, ficamos em uma
banca de revista perto de onde há grande concentração de pessoas em situação de rua, depois de
observarmos fomos até eles e nos apresentamos. Após explicar o propósito de nosso trabalho,
dois dos moradores de rua que ali estavam se dispuseram a uma conversa. Com gravador e
câmera tivemos a chance de registrar a realidade deles e cumprir 2% do nosso trabalho.
Feito isso fomos em busca de mais moradores, assim encontramos dois que dormiam. O
primeiro era um senhor, estava deitado em um canteiro gramado e embrulhado em uma coberta
velha e o segundo era um jovem que encontramos um pouco mais distante do centro,
aparentemente usuário de drogas. Ele dormia sob um pedaço de papelão, perto da janela de um
salão de beleza. No caminho de volta encontramos um senhor sentado em frente à padaria, ele
almoçava em uma marmita de alumínio, nos autorizou a tirar fotos dele, porém percebemos que
ele não estava gostando muito de ser fotografado, então pediu para que fôssemos mais breves,
talvez fosse a fome. Logo paramos. Mas, claro, com todo o registro da reação de incômodo desse
morador.
No segundo dia de trabalho, 12 de abril, por volta das 14h fomos ao mesmo lugar. Um
homem sentado sob um papelão chamou a nossa atenção, ele estava se alimentando, comia em
uma vasilha de plástico, parecia ser sobras de comida. O morador de rua, ao nos ver com a
câmera na mão lamentava a sua situação, desse modo já conseguimos saber um pouco de sua
história. A triste realidade pôde nos tocar e assim a retratamos.
Próxima parada: Rodoviária do Plano Piloto, às 10h do dia 10 de maio. Lugar onde todos
os dias passam milhares de pessoas, de classes e raças diferentes; onde é possível ver todo tipo de
cena. Andando por lá tivemos a oportunidade de gravar diferentes cenas para mostrar a realidade
da cidade, capital da república a alguns passos do poder. O primeiro choque tivemos quando
encontramos um homem que procurava comida de lixeira em lixeira, ele aparentava ter uns 40
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anos de idade. Ficamos acompanhando seu comportamento de longe, mas quando ele foi até o
contêiner de lixo fomos retratar de perto, e claro com a sua autorização. São cenas marcantes, que
não parecem ser reais.
Nesse vai e vem de pessoas encontramos também uma mulher, ela parecia estar drogada,
não sabíamos como fazer a abordagem, mas de mansinho chegamos até ela que pediu para que a
fotografássemos. Não precisamos de muitos esforços para convencê-la a nos deixar mostrar o
mundo dela, a sua realidade. Muito alterada por conta das drogas, não conseguimos saber da sua
história de vida.
A caminho do shopping Conjunto Nacional, próximo à rodoviária do Plano Piloto nos
deparamos com muitas pessoas pedindo moedas na calçada perto do shopping, grande maioria
portadores de necessidades especiais, cadeirantes. Paramos para fotografar um deles, que se
encontrava sentado no chão debaixo de um guarda sol. Com câmera na mão, gravador e emoção
tivemos a chance de retratá-lo e saber a sua história de vida.
É importante lembrar que em nenhum momento desses nos sentimos ameaçadas pelo fato
de estarmos com a câmera a mostra. Com muita atenção e cuidado soubemos a hora certa de
fotografar e manusear a máquina. Sempre há um estudo do local e o planejamento do trabalho no
dia antes de iniciarmos.
Para a realização do trabalho utilizamos a câmera Canon EOS Rebel T2i, com a lente EF-
S 18-55mm IS. Essa lente possui a tecnologia de estabilizador de imagem ótico da Canon, o que
garante imagens claras e nítidas, mesmo com luminosidade fraca. A Rebel T2i possui uma faixa
ISO de 100-6400, que pode ser expandida para o equivalente a 12800 quando necessário. Não foi
necessária a utilização de Flash, porque fizemos as fotos durante o dia e em lugares bem
iluminados e abertos.
2.ª etapa
De volta ao trabalho fomos até o Setor Comercial Sul, muito conhecido pelo seu famoso
comércio muito movimentado durante os dias de semana. Fomos em um sábado pela manhã, não
encontramos o comércio agitado, mas em compensação outra realidade, a que fomos buscar
mostrar de fato. Primeiramente encontramos um homem muito sujo, aparentava ser novo e
também estar sob efeito de drogas.
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O seguimos e foi aí que nos deparamos com cenas marcantes. Esse homem entrou numa
espécie de estacionamento subterrâneo, vimos de longe que tinham muitos moradores de rua lá e
usuários de drogas, logo, não tivemos a coragem de entrar. Ao observarmos o local, o homem
saiu logo em seguida e fomos atrás dele novamente, dessa vez conseguimos uma aproximação
maior que deu origem a uma conversa onde pudemos perceber que ele não estava bem, mas
muito drogado.
Ao nos aproximar da figura, começamos a retratá-la e logo fomos surpreendidas por
policiais militares que faziam ronda no local. Um deles nos chamou, perguntou o que estávamos
fazendo e de qual faculdade que éramos. Após a resposta ele disse: “Cuidado com a câmera, eles
vão toma-la de vocês para trocar por drogas”. Daí já ficamos bastante preocupadas, mas ele nos
ofereceu ajuda para chegar no local que não tivemos coragem de entrar sozinhas. Entramos no
camburão e seguimos com eles que nos levaram ao Buraco do Rato, o tal lugar que nos assustou.
Já na entrada nos deparamos com muitas mulheres, jovens, algumas prostitutas, outros travecos e
os moradores daquele local. Alguns dormiam no chão em situação precária de higiene, outros
tomavam banho ali mesmo, estendiam as roupas “lavadas”, e faziam literalmente daquela rua,
suas casas. Com a segurança dos policiais que nos acompanhavam tivemos a chance de trazer
essa realidade, que parecia impossível, para o nosso público.
Essa foi a etapa em que abrimos mais a cabeça e preparamos mais o nosso olhar, para as
imagens que chocam. Retratamos muitas cenas que estão ocultas no nosso cotidiano, “por
debaixo dos panos” fazendo o nosso objetivo para a construção do livro.
Utilizamos a câmera Canon EOS Rebel T3i que nos proporcionou tirar fotos com mais
qualidade de nitidez devido ao sensor de 18 Megapixels e o processador de 14 bits, que ela
carrega. Em locais escuros como o “Buraco do Rato”, a utilização dessa câmera fez-se de grande
utilidade, como por exemplo, as mãos de um garoto que escondia nelas um cachimbo usado para
consumir crack. Assim, foi possível ver com nitidez esses detalhes em local pouco iluminado.
3ª etapa
Nossas últimas fotografias foram realizadas em Ceilândia, vista como uma cidade
perigosa por conta de muitos casos de furto, roubo e tráfico de drogas. As primeiras fotos foram
tiradas em uma manhã de sábado, no centro de Ceilândia, uma área movimentada, com muitos
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comércios e camelôs. Chegando lá ficamos com receio de tirar as câmeras da mochila, então
resolvemos pedir ajuda aos policiais que trabalhavam num posto ali perto. Três deles se
disponibilizaram a nos ajudar, então fomos caminhando em direção aos principais pontos que,
segundo os policiais, se encontravam moradores de rua. Nos aproximamos de um grupo de
desabrigados que estavam dormindo em frente a uma agência bancária e tiramos algumas fotos.
Três deles estavam cobertos por lençóis sujos e um fez uma espécie de “quarto”, onde um pedaço
de papelão servia como parede para protegê-lo do frio. Os policias os acordaram e disseram que
não poderiam permanecer em frente à agência. Quando nos viram com as câmeras, alguns logo
pegaram suas coisas e saíram de perto, outros ainda permaneciam sonolentos, porém
desconfiados. Demos mais algumas voltas pelo centro, mas não conseguimos encontrar mais
nenhum morador de rua.
Os policiais disseram que não poderiam nos acompanhar em outros locais mais distantes
porque estavam sem a viatura. Então nos alertaram a tomarmos cuidado e a não andarmos
sozinhas com as câmeras à mostra, pois chamava muita atenção. Com isso, resolvemos não
fotografar mais naquele dia, pois não tinha ninguém disponível para nos acompanhar. No dia
seguinte pudemos contar com a ajuda de dois parentes que nos levaram em certos locais de
Ceilândia. Voltamos lá no domingo, por volta das 14h30, com um sol forte. Neste dia,
encontramos outros moradores de rua e usuários de crack em frente à mesma agência bancária do
dia anterior, porém eles não nos permitiram a tirar fotos deles, nem mesmo escondendo seus
rostos. Caminhamos por comércios próximos à feira da Ceilândia e encontramos um homem
sentado no chão em frente a um estacionamento. Nós o abordamos e pedimos sua permissão para
tirar as fotos. Com um sorriso ele aceitou ser fotografado, porém sem mostrar o rosto. À medida
que tirávamos as fotos dava para perceber o seu olhar de tristeza e vergonha por estar ali naquela
condição precária. Um olhar que nos faz sentir vergonha de nós mesmos, vergonha pelas vezes
que somos tão egoístas e lamentamos o nosso modo de vida. Olhar esse que faz você voltar pra
casa e repensar as suas atitudes em relação ao seu semelhante menos favorecido.
O tempo fechou, começaram os chuviscos e, após essa triste cena desse homem, fomos de
carro até a estação de metrô da Ceilândia Sul. De longe, avistamos alguns desabrigados em
barracas improvisadas rodeadas de lixo. A chuva engrossou, o que dificultou o nosso trabalho,
mas mesmo assim continuamos a procurar os nossos personagens e tentamos tirar as fotos de
dentro do próprio carro. Encontramos indivíduos em frente ao hospital de Ceilândia sob papelões
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cobertos por sacos de lixo, que tentavam se esquivar da chuva forte. A câmera Canon EOS Rebel
T3i, a mesma que utilizamos para fotografar no setor comercial sul, nos permitiu tirar boas fotos
em movimento.
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REFERÊNCIAS
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