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ZimbroAssociação Cultural Amigos da Serra da Estrela | Junho 2013

ASE

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Ficha Técnica

DirectorJosé Maria Serra Saraiva (presidente da ASE)

Corpo redactorialTiago PaisJosé AmoreiraRómulo Machado

ComposiçãoPaulo Silva

GrafismoBruno Veiga

Fotografia de capaNuno Trindade - http://www.nunotrindadephotography.com

Colaboraram neste númeroAndré AguiarAgostino LetardiCélia GonçalvesDaniel PinheiroDavina FalcãoFernando RomãoGonçalo M.RosaIván VásquezJosé SaraivaLiliana BarosaLúcia LopesLuis MorenoMaria José ProençaPaulo Bernardo FernandesRui Neves MadeiraSofia Pinto

A “ZIMBRO” é editada pela Associação Cultural Amigos da Serra da Estrela com distribuição é gratuita.

Sede e redacção:Rua General Póvoas, 7 - 1º6260 - 173 MANTEIGASwww.asestrela.orgASE: [email protected]

ASSOCIAÇÃO CULTURAL AMIGOS DA SERRA DA ESTRELA2

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4 | Editorial

10 | Biodiversidade natural da Guarda

18 | As ameaças invisíveis que silenciaram os anfíbios da Serra da Estrela

24 | O papel da educação pré-escolar na promoção e desenvolvimento da educação ambiental

26 | Aldeias de Montanha, testemunhos de vida e cultura

32 | Os documentários de história natural e o desenvolvimento

40 | Montanhas de imagens

46 | Neuropterida, uma evidência entomológica de épocas passadas, na Serra da Estrela

52 | Aves Estepárias, as silhuetas nas Planícies Alentejanass

62 | Arquitectos e gestores da paisagen, em xeque!

68 | Grande Rota da TransumânciaPaisagens com futuro

72 | Populações de Strigiformes no concelho de Gouveia

80 | Mais acessos ao cume = mais ou melhor turismo?

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José Maria Serra Saraiva

Notícias recentes avivam o regresso dos teleféricos à Serra da Estrela.Sem contar com a telecadeira das pistas de esqui, já foram anunciados para a zona do planalto superior 6 teleféricos. Quatro, directamente para o Malhão da Estrela (Torre). Um de Manteigas para as Penhas Douradas e um de Unhais da Serra para as Penhas da Saúde. Sem ignorar o disparate dos anunciados telesquis para a Candeeira e Covões de Loriga!Importa pouco referir as entidades proponentes. Será, porventura, mais interessante analisar a facilidade e a ausência de rigor com que se avança com tais “projectos”, na generalidade absurdos, tecnicamente. E, se quisermos ser mais sensíveis, pouco preocupados com a Serra e a preservação dos seus valores naturais. A ASE sempre considerou a estrada da Torre como o maior entrave ao desenvolvimento do turismo na serra da Estrela e o principal obstáculo à conservação do seu património natural. Também não ignora o significado que o ponto mais alto do continente tem nos portugueses, assim como a presença de neve naquela área por um período mais prolongado do ano. Com base nesse diagnóstico promoveu, em finais dos anos 80 do século passado, dois encontros, nas Pedras Lavradas

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(divisória dos distritos da Guarda e Castelo Branco), com os presidentes de Junta de Freguesia, abrangidos pela estrada nacional 230, a quem se apresentou a ideia de se melhorar e reduzir os quilómetros desta via e, o consequente encerramento da estrada da Torre. Convém recordar que depois da abertura da estrada da Torre, ouve uma redução do trânsito muito significativa na EN230, e o êxodo da população ultrapassou os 30%. Apenas uma Junta de Freguesia, em 13, se mostrou discordante, mais por desconfiança que de alguma manobra eleitoral se tratasse que contra a ideia em si. Do encontro saiu um documento subscrito por todos, menos um, que foi enviado às Assembleias Municipais de Seia e Covilhã, que o subscreveram e reforçaram com o envio ao governo de então.Como alternativa ao corte da estrada da Torre, a ASE propôs a construção de um teleférico (deixava-se em aberto a possibilidade de, tecnicamente, se optar por um outro meio mais eficaz quer do ponto de vista económico quer no impacte sobre o meio natural) cujo traçado aparece a verde no mapa. Em nenhum outro, dos projectos anunciados, é referida a questão da conservação e muito menos o encerramento da estrada da Torre.Do ponto de vista estritamente económico,

nenhum projecto terá viabilidade se não for tida em consideração o encerramento da Estrada 339, nomeadamente entre a Nave de Santo António e a Lagoa Comprida. Em relação à preservação do património natural, qualquer dos “projectos” anunciados irá agravar a situação se a estrada que rasga o planalto superior não for equacionada. Não cabe descrever, neste curto espaço, as vantagens e ou desvantagens turísticas que o encerramento da via implicaria. Importa talvez e, mais uma vez referir que, sem o consenso dos três municípios que confinam com o ponto mais elevado do país continente, Covilhã, Manteigas e Seia, toda e qualquer tentativa de fazer o que quer que seja na Torre está condenada ao fracasso. Como a procura de entreajuda nunca foi tentada, talvez a crise (económica e de projectos) seja uma oportunidade para que o turismo e a conservação da natureza convivam e se valorizem. Ou seja, é altura de a Covilhã, Manteigas e Seia se sentarem, promoverem um amplo consenso de ideais que resulte em algo que seja conciliador entre o desenvolvimento e a preservação do património natural. Já que até ao momento ninguém se lembrará de alguma vez isso ter sucedido, o que até parece inadmissível!

J. Maria Saraiva

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O majestoso voo de um bando de Abetardas dá forma à planície alentejana

foto de Iván Vázquez

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3º Prémio Desafio fotográfico ASESTRELA 2013Bruno Dias

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Barragem do Caldeirão

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O concelho da Guarda insere-se numa região de transição entre a área montanhosa da Serra da Estrela (1991 m) e a região planáltica da Meseta Ibérica, que faz parte das montanhas de dobramento antigo que se formaram durante a Orogénese Hercínica e são constituídas por rochas do antigo maciço Hespérico, caracterizadas pela presença de granito e xisto, e conservam cumes relativamente altos devido ao ritmo muito lento da erosão na zona granítica. Como consequência dos condicionalismos naturais (relevo, constituição geológica e clima) depara-se com uma densa rede hidrográfica de regime irregular, basicamente torrencial, com cheias na época de maior precipitação e no degelo, apresentando um caudal diminuto na época estival.As principais bacias hidrográficas que se encontram no concelho da Guarda são as dos rios Mondego, Douro e Tejo, que se separam próximo de Vale de Estrela.Os vales fluviais são profundamente encaixados na região serrana e, de direcção frequentemente rectilínea, Nordeste-Sudoeste, para os principais cursos de água.O rio Mondego assume no concelho da Guarda características de Regato de Montanha, caracterizado por águas muito rápidas e onde abundam cascatas, as quais formam poços profundos, que chegam a atingir os 3 a 4 m de profundidade. O fundo é constituído por calhaus e areias grossas. Por norma, a sua temperatura não excede os 10°C e são águas

muito ricas em oxigénio.O clima da Guarda, condicionante de toda a diversidade natural, tornou-se mais húmido, mesotérmico com défice de água moderado e moderada eficácia térmica no Verão. Após a construção da barragem do Caldeirão a humidade relativa do ar aumentou o que fez com que o número de dias com neve diminuísse

e que a temperatura do ar se elevasse um pouco na última década (associado ao fenómeno de aumento da temperatura global). Em relação à paisagem característica do concelho da Guarda, observam-se os vales agrícolas espraiados, com plataformas aluviais e encostas com socalcos de serra granítica. Na zona de sub-serra as características do relevo e paisagem são escarpadas e rugosas com visível erosão fluvial. As encostas têm características de montanha em blocos dissimétricos.O relevo e a vegetação são ditados por uma predominância essencialmente granítica, granito porfiróide de grão grosseiro, com zonas de transição (rocha férrea) para o xisto que tem menor expressão no concelho, apesar da sua dominância na zona de Videmonte.As plataformas aluviais do fundo dos vales, têm largura variável e encostas declivosas armadas muitas vezes em socalcos com muros

O relevo e a vegetação são ditados por uma predominância essencialmente granítica

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Caracterizada por uma paisagem natural diversificada, representada por matas de carvalhos e castanheiros, matas ribeirinhas de amieiros, salgueiros e azereiros, alcantilados e fragas das vertentes do alto Mondego, planaltos cerealíferos e de matagais, agricultura, fruticultura e pastorícia extensiva, a Guarda alberga ainda uma importante biodiversidade de valores naturais representativa destes ecossistemas.

Na década em que se celebra a Biodiversidade a nível internacional, é premente que se divulguem estes valores também localmente, pois a nossa realidade local inclui, igualmente, seres vivos exclusivos, ameaçados e pouco conhecidos.

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de suporte de pedra solta. Os solos graníticos são fortemente erosionáveis, por isso, as zonas inclinadas e despidas de vegetação encontram-se quase sempre em fases esqueléticas e delgadas. A zonagem ecológica é predominantemente sub-atlântica, transitando para sub-atlântica x oro-atlântica a Noroeste do Concelho, onde dominam os soutos e castinçais (Castanea sativa) nas zonas de solos férteis e profundos, que desde sempre suportaram a economia tradicional local. As influências mediterrânicas ocorrem no nível sub-montano de menor altitude, dominando neste andar o azinhal (Quercus rotundifolia). Sendo de referir também uma faixa de influência continental onde dominam os bosques de carvalho-negral (Quercus pyrenaica).

A vegetação natural é de reduzida expressão devido à intensa utilização do solo, mas este património natural acompanha ainda as linhas de água, encostas mais declivosas e pedregosas, taludes e caminhos rurais, pertencentes aos andares basal e intermédio.Os registos de floresta primitiva dividem-se pelo andar basal, onde encontramos um clima de expressão mediterrânica e onde se observam as espécies inicialmente dominantes como a Azinheira (Quercus rotundifolia) e o Azereiro (Prunus lusitanica). Das espécies que compõem o elenco florístico do azinhal destacam-se: Azinheira (Quercus rotundifolia) e, no estrato arbustivo o Lentisco-bastardo (Phillyrea angustifolia), a Estêva (Cistus ladanifer) o Zambujeiro (Olea europea var. sylvestris) e o Medronheiro (Arbutus unedo).

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As zonas declivosas são cobertas por matos de urzes (Erica spp.), carquejas (Pterospartum tridentatum), plantas aromáticas e medicinais, como a Bela-luz (Thymus mastichina), o Rosmaninho (Lavandula sp.), a Cidreira (Melissa officinalis), os giestais brancos e amarelos (Genista sp. e Cytisus sp.) que encantam a paisagem a partir de Março. E diversos arbustos de sub-bosque como o Azevinho (Ilex aquifolium), o Medronheiro (Arbutos unedo), o Folhado (Viburnum tinus) e o Alecrim (Rosmarinus officinalis).

Os planaltos e algumas encostas eram zonas essencialmente de sequeiro e de cultura de cereais como o centeio e o trigo, que intercalavam com os pinhais de pinheiro-bravo (Pinus pinaster) desde a primeira metade do Séc. XX. Também ali se encontravam alguns nutritivos pastos de Primavera que alimentavam os numerosos rebanhos locais e algumas rotas de transumância.As margens fluviais estão ainda, em grande parte, ocupadas por importantes bosques ribeirinhos de cuja vegetação se destacam os

Borboleta da espécie Anthocharis euphenoides

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salgueiros (Salix sp.), o Amieiro (Alnus glutinosa), o Freixo (Fraxinus sp.), o Loureiro (Laurus nobilis) e a relíquia da floresta pré-glaciar que é o Azereiro (Prunus lusitanica).Na maior parte do vale do alto Mondego, o rio e as suas margens encontram-se ainda pouco alteradas. A vegetação muito densa, quase natural, constitui um excelente habitat e refugio para uma grande diversidade de espécies, desde anfíbios e répteis a aves e mamíferos, alguns deles com estatuto de endémicos, raros, vulneráveis ou ameaçados. É por isso de extrema i m p o r t â n c i a

conservar e valorizar estes corredores fluviais sem alterar a sua vegetação natural. Todos estes ecossistemas são palco de uma vasta panóplia de fungos, nomeadamente cogumelos de grande valor nutritivo, económico e de fascínio, sobretudo na época de Outono. De entre essas espécies destacam-se os comestíveis como os Frades ou Tortulhos (Lepiota sp.) e os não comestíveis e perigosos, mas não menos belos, como algumas espécies de Amanitas (Amanita spp.).

As povoações rurais traduzem-se em aglomerados concentrados, como regra geral, mas aparecendo igualmente com ocupação linear ao longo das vias de comunicação e linhas de água, e mesmo zonas de povoamento disperso. Ao nível do suporte à economia tradicional encontramos os olivais (na zona de influência mediterrânica), os soutos e castinçais, os pomares e a utilização essencialmente agrícola de regadio, rodeada de encostas incultas (matos), pastos ou povoamentos florestais, essencialmente de pinheiro bravo.Os cursos de água e as albufeiras presentes no concelho da Guarda estão incluídos na definição das águas salmonícolas. A Truta-fário (Salmo trutta fario) da família Salmonidae, é a espécie mais abundante nestas águas, sendo esta zona caracterizada por “Zona da Truta”. Nesta zona ecológica pode encontrar-se além da truta, a Enguia (Anguila anguila), a Boga (Chondrostoma polylepis), o Barbo do Norte (Barbus bocagei), o Escalo (Leuciscus cephalus), o Bordalo (Rutilus alburnoides), a Pardela (Chondrostoma lemmingii), a Pardela-comum (Rutilus arcasii). Os peixes são, actualmente, o grupo de vertebrados mais ameaçado no nosso país, sobretudo devido à degradação da qualidade da água e à (ir)regularização dos cursos de água com a construção de barragens ou a impermeabilização do leito e das margens. De entre as numerosas espécies de répteis e anfíbios existentes na região destacam-se principalmente o Lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), o Sardão (Timon lepidus), a Cobra-de-ferradura (Hemorrhois hippocrepis), a Vibora-cornuda (Vipera latastei), a Salamandra-lusitanica (Chioglossa lusitanica), a Salamandra-dos-poços (Pleurodeles waltl), o Tritão-de-ventre-laranja (Lissotriton boscai), o Sapo-parteiro (Alytes obstetricans), o Sapo-corredor (Epidalea calamita) e a Rã-ibérica (Rana iberica).

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Borboleta da espécie Anthocharis euphenoides

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O grupo das aves é constituído por elementos interessantes dos quais convém destacar a Águia-cobreira (Circaetus gallicus), a Águia-caçadeira (Circus pygargus), a Sombria (Emberiza hortulana), a Laverca (Alauda arvensis), a Codorniz (Coturnix coturnix) e o Abelharuco (Merops apiaster), associados às terras altas e encostas rochosas ou de matagais; o Falcão-peregrino (Falco peregrinus), o Melro-das-rochas (Monticola saxatilis), a Andorinha-das-rochas (Ptyonoprogne rupestris), o Corvo (Corvus corax), verdadeiros representantes das vertentes escarpadas; das zonas mais baixas,

ribeirinhas e florestadas, realçamos o Guarda-rios (Alcedo atthis), o Melro-d’água (Cinclus cinclus), o Rouxinol (Luscinia megarhynchos), a Trepadeira-azul (Sitta europaea), o Tentilhão (Fringilla coelebs), o Pintassilgo (Carduelis carduelis), o Pica-pau-pequeno (Dendrocopos minor) e o Chapim-de-crista (Parus cristatus). Nesta região encontram-se várias espécies de mamíferos protegidos das quais se destacam a Toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus), o Musaranho-de-dentes-vermelhos (Sorex granarius), o Musaranho-de-água (Noemys anomalus), a Papalva ou Fuínha (Martes foina),

O Lagarto-de-água (Lacerta schreiberi) é um endemismo da Península Ibérica

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a Lontra (Lutra lutra), o Gato-bravo (Felis silvestris), a Gineta (Genetta genetta) e várias espécies de morcegos.Não menos importantes, mas muito menos conhecidos e considerados, os invertebrados, principalmente o grupo dos insectos, merecem também um destaque especial e uma chamada de atenção para a sua importância vital nos ecossistemas. Desde algumas centenas de espécies de borboletas, às libélulas, abelhas e vespas, aranhas…O concelho da Guarda mantém um vasto património natural, inalienável da sua

identidade cultural, que deve ser protegido e valorizado pela sua biodiversidade, pelo seu potencial turístico, gastronómico, pedagógico e científico.

O concelho da Guarda mantém um vasto património natural, inalienável da sua identidade cultural essencialmente granítica...

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Indivíduo adulto de sapo-parteiro-comum

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O estranho silêncio no topo da serra

Em 2009 soa o primeiro alarme! Dezenas de pequenos sapos são encontrados mortos

nas águas e margens da lagoa do Covão das Quelhas. Os pequenos indivíduos de sapo-parteiro-comum (Alytes osbtetricans) foram vistos pela Ibone Anza, uma estagiária do

O cenário tem sido este em algumas áreas da Serra da Estrela: um charco plantado de anfíbios mortos, com alguns indivíduos já em estado avançado de decomposição. Dentro ou fora de água, os cadáveres surgem de forma inesperada manchando a paisagem da área do país com maior biodiversidade.O que está a causar esta estranha mortalidade entre os anfíbios da serra? Porquê agora? Estas são as grandes perguntas à procura de resposta entre os vales e lagoas da Estrela...

Indivíduo de sapo-parteiro-comum morto na água

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CERVAS que naquela tarde de Verão ali passeava. As investigações deram então início para tentar desvendar o responsável e avaliar a dimensão dos estragos causados... aos poucos, os cantares emitidos pelos machos a lembrar “assobios” para atrair as fêmeas tornaram-se cada vez mais raros acabando por se silenciar no Planalto

Superior. Em todo o mundo, um terço de todas as espécies de anfíbios estão ameaçadas de extinção e muitos outras enfrentam graves declínios populacionais. A perda de habitat é a principal causa deste declínio, mas há uma preocupação crescente em torno da ameaça representada pelas doenças infecciosas. Os primeiros resultados do estudo na Estrela foram recentemente publicados na revista Animal Conservation apontando o dedo a um fungo aquático de nome quitrídio-dos-anfíbios (Batrachochytrium dendrobatidis). Este fungo microscópico é o agente causador da quitrídiomicose e fixa-se nas zonas queratinosas dos indivíduos: boca (no caso dos girinos) e pele dos pequenos sapos. A grande mortalidade ocorre nos primeiros dias após a metamorfose, quando estes terminam o estádio larvar e dão início a uma nova jornada em terra firme... acabando a maioria

por não chegar a sair das margens dos charcos. O fungo instalado na pele, afecta a respiração cutânea destes anfíbios bem como

o equilíbrio hídrico, levando eventualmente a uma paragem cardíaca.O sapo-parteiro-comum, espécie em que os machos cuidam e transportam ovos às costas, estava entre os anfíbios mais abundantes na Serra da Estrela, desaparecendo, em poucos anos, de quase 70% dos pontos onde habitava, com maior notoriedade na população das zonas altas. Este é o primeiro caso de declínio de anfíbios em Portugal mediado por uma doença.

Mas o pesadelo continua...

Novembro de 2011: novo surto, nova doença, cenário idêntico: dezenas de indivíduos mortos na água de um tanque perto da vila de Folgosinho (concelho de Gouveia). Deste vez a espécie alvo foi um pequeno tritão endémico da Península Ibérica.O tritão-de-ventre-laranja (ou Lissotriton boscai) encontra-se por quase todo o território continental. O seu nome advém do facto de apresentar uma coloração tipicamente laranja na região ventral que usa para assustar os predadores e os alertar da sua toxicidade quando ingerido. A espécie tem geralmente uma fase terrestre e uma fase aquática, que corresponde à época de reprodução, e o acasalamento ocorre na água envolvendo um complexo comportamento de corte com movimentos semelhantes a um flamenco.O fungo quitrídio foi a primeira suspeita, dado que no mesmo tanque já tinha sido detectado em girinos de sapo-parteiro que com os tritões partilham aquelas águas. No entanto, as análises aos cadáveres revelaram algo diferente...Inicialmente conhecida como “Red-leg disease” (doença da perna vermelha), o

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ranavírus parece ter evoluído a partir de um vírus de peixes que, posteriormente, se tornou capaz de infectar anfíbios e répteis. Os sintomas de uma ranavirose passam por vezes por um avermelhamento da pele, em particular sobre as patas traseiras (o que deu origem ao seu nome comum). No entanto, os tritões afetados pela doença não apresentam este sinal. Outros dois indícios são a ocorrência de hemorragias interna e ulcerações na pele, podendo os animais sofrer uma ou ambas.Embora as ranaviroses possam ser devastadoras em algumas espécies, os impactos da doença nas espécies da serra são ainda desconhecidos. Depois do surto observado em 2011, as populações têm sido acompanhadas de modo a perceber se se registou de facto um declínio ou se houve uma rápida e natural recuperação.Outros estudos indicam que o vírus estará relacionado com o mesmo encontrado em rãs e salamandras norte-americanas, e uma hipótese é que possa ter sido introduzido na Europa com anfíbios ou peixe de água doce não-nativos importados.

No entanto...

... a origem destas doenças é ainda desconhecida e o estudo segue agora para os museus com vista a resolver este mistério. O objectivo passa por descobrir anfíbios colectados na Serra de Estrela no passado, e perceber quando foram estes agentes patogénicos detectados pela primeira vez. Entre caves e salas enormes, normalmente fechadas ao público, com filas de armários uns a seguir aos outros, estão guardados frascos com sapos e salamandras preservados, alguns dos quais ostentando rótulos com

inscrições seculares. Os dados permitirão saber se estes agentes foram recentemente introduzidos ou se sempre co-habitaram pacificamente desde há longos anos com os nossos anfíbios sem causar mortalidades massivas, mas só recentemente se criaram condições (ambientais? climáticas?) para que se tornassem mortais para os seus hospedeiros.

E que futuro está reservado aos anfíbios da Serra da Estrela?

Os anfíbios que conhecemos são o grupo

Indivíduo de tritão-marmoreado com sinais de infeção por ranavírus

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de vertebrados terrestres mais antigo, tendo existido por centenas de milhões de anos e apresentando mesmo uma diversidade de espécies superior aos mamíferos e répteis com mais de 7000 espécies descritas. Novas doenças infecciosas têm emergido um pouco por toda a parte provocado enormes mortalidades e declínios, e afectando esta diversidade. Lidar com a crise que este frágil grupo enfrenta representa o maior desafio de conservação de espécies na história da humanidade.Os dados obtidos nos estudos da Serra da Estrela mostram grande vulnerabilidade das populações de anfíbios, em particular na

zonas de maior altitude. O acompanhamento e monitorização destas populações é crucial para a sua conservação, gerando um conhecimento mais aprofundado da dinâmica e evolução das doenças e a forma diferencial como afetam as espécies, permitindo assim ações de mitigação mais eficazes. Para além da componente de investigação a ser levada a cabo, é essencial uma boa comunicação entre as partes envolvidas na conservação, bem como uma boa divulgação e sensibilização junto das pessoas, para que a falta de conhecimento não seja desculpa para perdermos o brilho da Estela.

Indivíduo de tritão-marmoreado com sinais de infeção por ranavírus

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O Vivemos numa sociedade de consumo. Consumir pode, é certo, fazer-nos sentir bem, mas um consumo desenfreado acarreta contrapartidas negativas para o ambiente, devido à sobreexploração dos recursos naturais que não permite que os mesmos se renovem plenamente.Todos nós, diariamente, contribuímos, muitas vezes de forma inconsciente, para esse processo de sobreexploração, com atitudes pouco correctas. No entanto, não nos podemos esquecer que a Natureza é a fonte de toda a vida, sendo que a redução de desperdícios é importante, pois quanto

mais recursos naturais são desperd içados mais vida retiramos ao meio ambiente, e práticas como reciclar o lixo ou evitar o consumo desnecessário de energia e água são essenciais para diminuir a degradação do ambiente! A decisão de proteger o meio ambiente está, assim, nas decisões

que todos tomamos nas nossas rotinas diárias. Nesse sentido, a sensibilização ambiental é importantíssima para levar os cidadãos, as famílias, enfim, a sociedade, a adoptar atitudes mais amigas do ambiente.Todavia, essa sensibilização é mais difícil de fazer em grupos etários de idade mais elevada, na medida em que são mais reticentes e receosos à mudança, o que se deve a uma questão de Educação e à maneira de verem o Mundo.Daí que quanto mais cedo, desde a infância,

A Educadora,Maria José Carvalho Proença

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se sensibilizar o indivíduo melhor! É aqui que entra a Educação, mais c o n c r e t a m e n t e a Educação pré-escolar. Mas não só: o acto educativo não é exclusivo das famílias ou das instituições. É um processo interactivo e dinâmico, que deve procurar a plena formação da criança como pessoa, como figura singular na comunidade e na sociedade.Assim, o desenvolvimento e a promoção de uma verdadeira Educação Ambiental depende dessa complementaridade entre a escola, a família e a comunidade, que deverá ter como centro de actuação a criança.Ao Educador caberá, provavelmente, o papel principal. Isto porque a educação pré-escolar é a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da acção educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita relação,

favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário.Nestes termos, à Educação pré-escolar cabe fomentar a educação para a cidadania que, baseada no espírito crítico e na interiorização de valores, levará à educação ambiental com a aquisição de conhecimentos sobre a necessidade de preservação do meio ambiente e a importância de se adoptar atitudes amigas da Natureza.

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Aldeia do Sabugueiro foto de José Conde

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O Concelho de Seia é detentor de um conjunto de Aldeias de características únicas. São pequenos aglomerados representativos de um riquíssimo património cultural e ambiental da Região da Serra da Estrela, e acima de tudo um importante testemunho da vida e culturas desse território.

É com este espirito que aparece nas

prioridades estratégicas do Município de Seia, o Projeto de Dinamização da Rede de Aldeias de Montanha que tem como objetivo principal desenvolver de forma criativa e inovadora, um novo produto turístico, que assente nas potencialidades da cultura e tradições, e não menos importante nas sinergias do território.

Em plena Serra da Estrela, descobrimos

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uma montanha na sua forma mais pura, uma constelação de 9 aldeias autênticas e genuínas (Alvoco da Serra, Cabeça, Lapa dos Dinheiros, Loriga, Sabugueiro, Sazes, Valezim, Vide e Teixeira). Aqui sentimos a autenticidade da montanha e dos seus habitantes, que nos acolhem de uma maneira quase inesquecível. Caminhar pelos recantos da montanha, seguir os trilhos da água, ouvir histórias, vivenciar práticas e tradições

enquanto experiências turísticas, são algumas das propostas do Centro Dinamizador da Aldeias de Montanha para usufruir em pleno da Montanha. Aqui ficam as propostas de Escapadinhas de Montanha para o Mês de Junho

Caminhada à Serra 08 de Junho | 9:00h | Canariz | Fraga do

Tarroeiro | Portela | Porta Roda | Cascata da Fervença | Polidesportivo da Fonte dos Castelhanos

A caminhada à Serra que anualmente se realiza na aldeia do Sabugueiro, este ano, desenvolve-se a montante da aldeia permitindo visitar alguns dos mais extraordinários locais da freguesia, como sejam o Canariz, a Fraga do Tarroeiro, a Portela, a Porta Roda e a Cascata da Fervença. Estes locais, estão profundamente associados aos usos e costumes dos habitantes da aldeia, que no passado aqui conduziam os rebanhos para aproveitamento das pastagens da serra e cultivavam o centeio para o fabrico do pão.Terminado o percurso regressamos à aldeia, onde a Junta de Freguesia do Sabugueiro, tem a gentileza de oferecer o almoço a todos os participantes, pois neste dia também se comemora o dia da freguesia. Os donativos daí resultantes destinam-se à Associação de Beneficência do Sabugueiro (IPSS).O ponto de encontro para este passeio de montanha é junto à Capela da Srª. de Fátima.

Caminhada do Lampião– Alvoco da Serra22 de Junho | 22:00h | Concentração na Sede da Sociedade Recreativa de Alvoco da Serra

A Caminhada do Lampião surge, como auxiliar da memória colectiva da aldeia, que procura através de uma experiência única em contato com a natureza reviver os percursos que eram calcorreados durante a noite, com a ajuda da luz do lampião, para fazer a

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Manjedoura rústica

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gestão da água através dos “giros”. Os “giros da água” que determinavam o seu uso em cada uma das levadas eram uma necessidade natural, que com base na passagem oral de geração em geração, dispensavam contratos ou quaisquer formalismos, no entanto eram por todos respeitados. Estas levadas irrigavam, dia e noite, os terrenos agrícolas. Nesta caminha vamos conhecer os Giro da Vinha do Negas e da Carquejeira. Terminada esta experiência única em contato com a autenticidade da aldeia, e depois de todo o esforço despendido, será servido um retemperador repasto composto por deliciosas tiras de porco no espeto, caldo verde e arroz doce. Depois, pela noite dentro muitas histórias, e boa disposição…

21 de Junho a 30 de Junho Festa da transumância e dos Pastores

Em abril, derrete a neve da montanha e inicia-se um novo ciclo. A serra da estrela veste-se de cor e aguarda a chegada do gado.Em junho, pela altura do São João Batista, na aldeia da Folgosa da Madalena, os rebanhos acompanhados do pastor, desfilam em volta da capela. Vêm a pé das aldeias, e o gado vem enfeitado com os melhores e maiores chocalhos. É no fim de semana a seguir a esta romaria, ou seja a 29 de junho, que se junta o gado em rebanhos, chegando a atingir mil cabeças, e se sobe para a serra em busca de melhores pastos, é o apogeu da pastorícia na montanha.Cada pastor para além do seu gado, tem à sua guarda mais ovelhas, que cada dono marcou com um sinal nas orelhas.Mas, este ano o Pastor que sobe à Serra

e o Município de Seia, no âmbito do Projeto “A GRANDE ROTA DA TRANSUMÂNCIA”, convidam-nos a descobrir uma das mais simbólicas atividades do pastoreio, a transumância, enfim uma verdadeira experiência que traduz a essência de uma vida dura, simples mas repleta de magia e encanto.

Programa21 de junho a 30 de junho| Mostra de Gastronomia nos Restaurantes “Os Aromas e Sabores da Transumância”23 de junho| 19h Romaria das ovelhas à Festa de São João Batista na aldeia da Folgosa da Madalena;29 de Junho| Subida do Gado à Serra08h30 A saída do gado da cidade (Largo da Câmara)10h30 A merenda do Alforge13h30 Almoço – A Montanha, os Pastores e os Chefs 16h00 Continuação da subida do gado18h30 Chegada do gado ao Sabugueiro e Animação na aldeia https://www.facebook.com/aldeiasmontanha?fref=ts

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Tambopata, Peru

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Nos últimos anos a produção de documentários de história natural em território português tem dado passos importantes e tende a consolidar-se ao longo do tempo se continuar a existir uma produção constante.

Várias produções nacionais e internacionais foram realizadas tendo como alvo as nossas espécies e habitats, e existem já vários profissionais no país dedicados a esta área tanto em ambientes terrestres como aquáticos. É por isso uma boa oportunidade para que uma pequena industria se

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Estuário do Sado

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desenvolva nesta área, à semelhança do que acontece noutros países europeus, aproveitando também a grande evolução que se tem registado na fotografia de natureza em Portugal. Além dos profissionais das disciplinas técnicas ligadas ao som e imagem na

produção e pós-produção dos filmes, estes trabalhos envolvem também, cientistas e especialistas de diversas áreas conferindo por vezes visibilidade às suas próprias pesquisas de campo, ao divulgarem factos e fenómenos por eles estudados e comprovados.

Estes documentos audiovisuais têm como primeira missão dar a conhecer e informar o público sobre a biodiversidade e geodiversidade existentes, num contexto cinematográfico, alertando igualmente para a sua conservação. Os documentários de vida selvagem constituem também uma das formas mais eficazes de comunicar ciência ou informar as audiências acerca de matérias, por vezes complexas, de uma forma acessível e visualmente atrativa, sendo por isso uma mais valia. Podem retratar, de forma genérica: fenómenos biológicos, geológicos e até mesmo antropológicos, introduzindo a relação do homem com o seu meio, com parte integrante dos ecossistemas quando assim se justifica.

A receptividade por parte do público a este tipo de documentários de produção nacional tem sido excelente, com audiências bastante boas em televisão. Durante muito tempo estivemos habituados a ver, quase exclusivamente, documentários de outros pontos do globo, fazendo crescer uma vontade em ter as nossas espécies e paisagens retratadas nos mesmos formatos. Existe portanto um mercado crescente para explorar onde as televisões nacionais tem uma importante missão a desempenhar. As

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plataformas digitais assumem também um papel cada vez mais relevante na divulgação deste suporte. Recentemente este género de produções começou também a ter o devido reconhecimento e aceitação em alguns festivais de cinema nacionais, obtendo vários prémios nas disciplinas documentais.Portugal tem um mosaico de paisagens e ecossistemas bastante variado sendo um dos países mais ricos em biodiversidade no contexto europeu. Aqui residem muitos endemismos Ibéricos, principalmente de flora, alguns dos quais são exclusivos do nosso País. Temos também uma grande variedade de vertebrados, principalmente de aves e anfíbios que o grande público desconhece. Já o ambiente marinho tem um potencial à escala global, sendo o Atlântico adjacente às ilhas da Madeira e Açores um hotspot mundial nesta matéria. Toda esta riqueza intrínseca do nosso país deve ser explorada, mostrada ao público e igualmente incluída num plano estratégico de divulgação de Portugal no exterior, mostrando regiões, paisagens e espécies que podem potenciar o turismo nas regiões abordadas, em particular um turismo ambiental sustentável.

Casos práticos

Em 2011 realizei o documentário de vida

selvagem “Mondego”. A ideia de produzir um documentário de vida selvagem sobre a biodiversidade de um rio português surgiu como projecto final do meu mestrado em Produção de Documentários de Vida Selvagem realizado na Universidade de Salford, Reino Unido. Para este fim, a

Universidade tinha parcerias em Cuba, Costa Rica, Serra Leoa e Reino Unido, entre outros, mas desde o início que tive como finalidade filmar em Portugal. Razões como: proximidade,

logística, um possível retorno para projetos futuros no meu país e, o mais importante, o potencial da biodiversidade e paisagens, não me ofereceram quaisquer dúvidas e decidi avançar nesse sentido.Escolhi o Mondego pela grande diversidade de paisagens que atravessa no seu percurso, e pela relação especial que tenho com o rio. Também em termos de narrativa e fotografia, a história clássica de um rio desde a nascente até à foz permite incluir uma grande diversidade de paisagens e de espécies, tornando a história mais interessante. O documentário assentou por isso num conceito de viagem pelo rio, que pode ser dividida em quatro grandes áreas/ecossistemas: alta montanha (Serra da Estrela), o planalto (aproximadamente de Celorico da Beira até Coimbra), os campos do Baixo Mondego (de Coimbra à Figueira da Foz) e finalmente o estuário e

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O documentário assentou por isso num conceito de viagem pelo rio (Mondego)

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o encontro com o Atlântico. Tentei incluir espécies tipo de cada habitat que fossem representativas das dinâmicas dos mesmos. Com esta estratégia foi também possível fazer referência a algumas actividades sócio-económicas ligadas ao rio.Numa primeira fase, o documentário teve bastante aceitação por parte do público na Internet e redes sociais, passando posteriormente pela transmissão televisiva na SIC e a participação em festivais de cinema nacionais, tendo alcançado vários prémios. Sendo um projecto académico, o “Mondego” não teve retorno económico directo. O retorno que tive ao realizar este documentário foi uma visibilidade nacional

e o reconhecimento do público e várias entidades que me abriram as portas a outros projectos em que participo actualmente em Portugal e no Brasil.Factos relevantes alcançados com o “Mondego”:Cerca de 200 000 vistas no Vimeo e Youtube Emissão na SIC com 31% de share (cerca de 800 000 espectadores)Emissão na SIC Internacional USAPrémio Seeds of Science Especial 2012 na Gala da Ciência1º prémio na categoria Nature and Wildlife no Arrábida Film Festival1º prémio na competição Lusófonia-Panorama Regional no Cine’Eco

Nascente do Mondego

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3º prémio na categoria Documentário no Festival de Curtas Metragens de FaroFinalista no Madeira Film FestivalExibido no Pavilhão de Portugal da Cimeira RIO+20, United Nations Conference of Sustainable Development, Rio de Janeiro 2012, representando a biodiversidade portuguesa.Notíciado nos media: SIC, SIC NOTÍCIAS, RTP1, ESECTV, Antena 1, Expresso, JN, Diário as Beiras, Ciência Hoje etc...Exibições do documentário em várias conferências e eventos em Portugal e na Anglo Portuguese Society em Londres. Entidades envolvidas: ICNF, QUERCUS, LPN, FNAC, Universidade de Coimbra, Universidade de Lisboa, Instituto Politécnico de Coimbra, Embaixada Portuguesa no Reino Unido, CISE, SETA e dezenas de Escolas Secundárias.

Em 2012 realizei o documentário “Entre o céu e as marés” sobre as aves do estuário do Sado. Uma encomenda do ICNF Reserva Natural do Estuário do Sado e da Tróia-Natura. Um dos principais objectivos destas entidades ao produzir um documentário de natureza, foi a divulgação da avifauna do estuário. Deste modo, procurou-se promover o turismo ambiental, em particular o Birdwatching, aproveitando esta vertente riquíssima que o estuário oferece. O projecto assentou numa ideia chave: “Aqui podem ser observadas mais de metade das espécies de aves existentes em Portugal Continental”.Um case study mundial de ecoturismo

e o impacto da Televisão no seu desenvolvimento, é o Tambopata Research Center, no Peru, onde tive oportunidade de participar num documentário em 2011. Integrado na Reserva Nacional Tambopata-Candamo e cobrindo uma área de 15 000 Km2 na amazónia Peruana, é um santuário mundial de psitacídeos (papagaios), particularmente a arara escarlate, Ara macao. O projecto é constituído por duas vertentes: a científica, representada pelo Macaw Project - Projecto de investigação e conservação liderado por Donald Brightsmith da Universidade do Texas, e a vertente turística representada pela Rainforest Expeditions - Operadora de ecoturismo. Gere 3 lodges na Reserva de Tambopata tirando daí grande parte dos dividendos económicos que conferem sustentabilidade ao projecto de conservação. Os

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Rio Sado

media tiveram uma importância decisiva ao divulgar o projecto num contexto global, primeiro em 1994 com um artigo na National Geographic Magazine e depois com a cobertura em inúmeros documentários de vida selvagem em particular na série Life of Birds da BBC.

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Legenda

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Fotógrafo, Setúbal

Fotografia | nasceu em Nampula (Moçambique), em 1973, sendo licenciado em Organização e Gestão de Empresas.Apaixonado pela fotografia desde muito cedo, foi apenas em 2003, ano em que adquiriu uma bridge da Sony (F-828), que começou a desenvolver a técnica,

www.nunotrindadephotography.com

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especialmente na fotografia de paisagem natural e urbana. No ano seguinte, deu asas a essa paixão durante uma viagem à volta ao Mundo, na qual fotografou com bastante intensidade.Em 2008, adquiriu finalmente uma SLR (Nikon D700), tendo começado a aperfeiçoar outras vertentes da fotografia, para além da paisagem.Passados 3 anos, passou a olhar para a fotografia com outros olhos, tendo realizado algumas exposições e começado a desenvolver um projeto de expedições fotográficas, que permite conjugar duas das suas grandes paixões de sempre: fotografar e viajar. Atualmente, é freelancer, estando envolvido em projetos de fotografia muito interessantes, alguns deles ainda por desvendar.Com muitas solicitações na área do Turismo, tem vindo também a efetuar projetos na área do património monumental nacional.Uma das suas exposições atuais, “Olhares sobre Ordesa”, é sobre uma região pela qual nutre um enorme carinho: os Pirinéus. Poderão seguir-se outras exposições sobre o nosso país, na sequência de vários convites que teem surgido. Um dos seus grandes sonhos é o de um dia poder vir a trabalhar para a National Geographic.Tem vindo a expor o seu trabalho numa página pessoal de fotografia no Facebook (www.facebook.com/NunoTrindadePhotography), que conta neste momento com perto de 25000 seguidores, bem como noutros sítios como o 500px, Retina e Olhares. Inaugurará em breve a sua nova página de internet (www.nunotrindadephotography.com).Casado e com três filhos, vive atualmente em Setúbal.

“frase..”

Maciço centralImagens de Nuno trindadeTodos os direitos reservados

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“frase..”

Legenda

Covão d’Ametade

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Entre as árvores

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Poço do Inferno

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A quase 2000 metros acima do nível do mar, perto da Torre, no ponto mais alto da Serra da Estrela, entre Junho e Julho, é comum encontrar o vôo de um insecto com a coloração de uma borboleta diurna e o movimento de uma libélula, chamado de Libelóide-comum e cujo nome científico é Libelloides longicornis (Linnaeus, 1764). Por trás da imagem espetacular deste animal, há um grupo não muito numeroso, mas diversificado, de insectos pertencentes às ordens agrupadas em Neuropterida e que podem ser observados em diferentes ambientes presentes no Parque Natural da Serra da Estrela. Estes contam uma longa história de centenas de milhões de anos, com traços que remontam ao período geológico Permiano, entre 250 e 300 milhões de anos. Juntamente com os Coleoptera, com a qual estão estreitamente relacionados em termos de filogenética evolutiva, os neurópteros representam uma das linhagens mais antigas dos Holometabola (insectos que passam de uma fase larvar para a vida adulta através da reconstrução total do corpo, chamado “estágio de pupa”, tal como as lagartas dos lepidópteros ou borboletas que emergem do casulo pupal e esticam as suas asas aparentando ser já uma borboleta adulta), que aparece com os primeiros traços fósseis em rochas com cerca de 280 milhões de

anos.Esta longa história evolutiva fez com que os Neuropterida se diversificassem de um modo absolutamente extraordinário, tanto do ponto de vista estrutural como das estratégias do ciclo de vida. No entanto, ao contrário dos “primos” coleópteros, os Neuropterida não tiveram um especial

“sucesso evolutivo”, em termos de número de espécies e indivíduos (actualmente consideradas vinte famílias, deste grupo de insetos, em cerca de 6000 espécies em todo o mundo) e, além disso, a sua “idade de ouro”, de acordo com os fósseis até agora conhecidos, praticamente desapareceu de alguns grupos, como famílias de Raphidioptera (incluindo um fim em Neuropterida) e Nevrorthidae (uma pequena família em termos numéricos) são muitas vezes considerados os verdadeiros “fósseis

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vivos”. Apenas em traços fósseis destes insectos foi possível encontrar exemplos de um passado distante de estratégias evolutivas que hoje em dia encontramos em grupos de insectos também filogeneticamente muito distantes. Assim, na Era Mesozóica,

entre 100 e 200 milhões de anos atrás, floresceu uma família de Neuropterida que se extinguiu, os Kalligrammatidae, cuja aparência morfológica das suas asas fazem lembrar algumas das borboletas mais belas dos nossos dias. Possuíam também peças bucais especializadas para se alimentar das estruturas geradoras de pólen e outras, de plantas gimnospérmicas já extintas. Outros neurópteros do Mesozóico (pertencentes a grupos já extintos), mesmo antes da explosão

das plantas angiospérmicas, já possuíam estratégias de camuflagem adaptativa para se defenderem dos predadores (provavelmente dinossáurios insetívoros), imitando com as suas próprias asas a morfologia das folhas das plantas gimnospérmicas que

dominaram os habitats em que viviam, à semelhança do que muitos insectos fazem hoje em dia, entre os quais também o neuropterida moderno (basta pensar na imitação foliar perfeita do hemerobídeo, Drepanepteryx phalaenoides). Mas o testemunho da ligação mais conhecida entre o Neuropterida e o registro fóssil é provavelmente a história do Raphidioptera (o qual se pode observar na Estrela, especialmente na vegetação em torno de

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Manteigas, Atlantoraphidia maculicollis (Stephens 1836), um grupo de Neuropterida cuja rica e diversificada fauna Mesozóica é drasticamente simplificada e reduzida para a transição entre o Cretáceo e Terciário, em conexão com este evento de extinção em massa catastrófica (último evento de extinção em massa natural, antes da actual antrópica ...) conhecido por ser o momento final do domínio dos dinossauros, então, substituído nesta função por mamíferos da presente fauna.Mas voltando aos Neuropterida no Parque Natural da Serra da Estrela, podemos referir aspectos interessantes relacionados com o estudo destes insectos em Portugal continental. Embora a primeira menção a este grupo de insetos data a partir do início do século XIX, com a descrição de uma espécie apenas dedicada a Portugal, o nemoptérido Nemopteryx lusitanica (Leach, 1815), agora conhecido pelo nome de Nemoptera bipennis (Illiger, 1812), poucos estudos se lhe têm dedicado no país, tanto que ainda hoje uma das poucas publicações vêm do lado espanhol da Península Ibérica. No entanto, o papel da entomopredatori de algumas famílias destes insectos (Chrysopidae, Hemerobiidae, Coniopterygidae e Raphidiidae), o estudo destas espécies de insectos de âmbito agrário está bastante difundida. Do ponto de vista da natureza, por vezes as “descobertas” acontecem de forma ocasional: graças a uma viagem exploratória no final do século passado,

resultou num encontro, na área da Lagoa dos Cântaros, com um pequeno grupo peculiar de Neuropterida, com estágio larvar aquático,

da família Sialidae, ordem Megaloptera, citado em 1800 por alguns Portugueses, mas nunca avaliado no país, de modo que os mais recentes trabalhos monográficos dedicados a estes insetos e primeiras versões da Fauna Europeia (http://www. faunaeur.org ) não relataram a presença destes insectos, facto bastante comum e muito popular em Portugal.

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Nota-se com satisfação que a situação do conhecimento “naturalista” destes insetos em Portugal mudou recentemente graças ao projeto NaturData (http://naturdata.com), onde fotógrafos apaixonados e naturalistas portugueses podem contactar com os especialistas, permitindo um rápido aumento do conhecimento sobre os Neuropterida de Portugal. No que diz respeito ao Parque Natural da Serra da Estrela, no GeObserver - Sistema de Informação Geográfica da Serra da Estrela (http://www.geobserver.org) foi recentemente possível inserir as

observações feitas no decorrer de uma investigação realizada em 2011. No total, 15 espécies pertencentes a sete famílias de Neuropterida são actualmente conhecidas da área do Parque Natural da Serra da Estrela.Referências bibliográficasBadano, D.; Almeida, J.; Letardi, A. 2011. Redescoberta de Megaloptera em Portugal Continental após um século, uma ordem “renascida” para o país. Arquivos Entomolóxicos 5:53-54.Engel, M. S.; Grimaldi, D. A. 2007. The Neuropteroid fauna of Dominican and

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Mexican Amber (Neuropterida: Megaloptera, Neuroptera). Am. Mus. Novitates, 3587: 1-58.Haring, E.; Aspock, H.; Bartel, D.; Aspock,

U. 2011. Molecular phylogeny of the Raphidiidae (Raphidioptera). Systematic Entomology, 36: 16-30.Letardi, A.; Almeida, J.M.; Silva, R.R.; Badano, D.; Andrade, R.; Machado, E. 2011. Coalition of the willing. Towards a checklist of Portuguese Neuropterida through Naturdata project.. XI Symposium on Neuropterology Book of Abstracts: 19.Monserrat, V. J.; Triviño, V. 2013. Atlas de los neuropteros de la Peninsula Iberica e Islas Baleares (Insecta, Neuroptera: Megaloptera, Raphidioptera, Planipennia). Monografias de la Sociedad Entomologica

Aragonesa 13: 1-154.Pantaleoni, R. A. 2007. Perspectivas del uso de Raphidioptera y Neuroptera Coniopterygidae como agentes de control

biologico. In: Rodriguez-del-Bosque, L. A.; Arredondo-Bernal, H. C. (eds) 2007. Teoria y aplicacion del control biologico. Sociedad Mexicana de control biologico, Mexico: 93-114.Wang, Y.-j.; Liu, Z.-q.; Wang, X.; Shih, C.-k.; Zhao, Y.-y.; Engel, M. S.; Ren, D. 2010. Ancient pinnate leaf mimesis among lacewings. PNAS, 107(37): 16212-16215.Winterton, S. L.; Wiegmann, B. M. 2009. Lacewings (Neuroptera). In: Hedges, S. B.; Kumar, S. (eds) 2009. The timetree of lige. Oxford University Press: 290-292.

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Abetarda (Otis tarda)

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Não será fácil ver Abetardas, Sisões ou Peneireiros-das-torres na Serra da Estrela. Não digo que seja “impossível” porque no mundo das aves essa é uma palavra a usar com precaução, já que as suas asas por vezes as levam até sítios improváveis e as tornam raridades em determinado local. A verdade é que estas três espécies, reunidas com uma série de outras, preferem paisagens com um relevo mais suave, dominado por planícies e com poucas árvores, as chamadas pseudo-estepes ou estepes cerealíferas. Este habitat, tão característico da “fotografia” alentejana que nos povoa a memória e/ou a imaginação, derivou em Portugal da já tão antiga agricultura extensiva praticada por estas terras, baseada na rotação entre as extensas searas de cereal de sequeiro e os pousios (em que o solo “repousa” para recuperar a fertilidade e que se usam como pastagens) muito semelhante às verdadeiras estepes mas com origem na acção humana. Acompanhando as centenárias mudanças nas terras, também muitas espécies se adaptaram a este habitat e criaram laços entre si, num ecossistema completamente dependente dos métodos agrícolas extensivos, e ao qual pertencem as chamadas aves estepárias. Este é o ecossistema terrestre com maior proporção de aves ameaçadas, com cerca de 80% destas espécies a apresentarem um estatuto de conservação preocupante. Dentro da União Europeia, a Península Ibérica é

actualmente a região mais importante para as aves estepárias sendo aqui que grande parte da comunidade destas aves ocorre e onde se verificam, para a maioria das espécies, as principais populações. Portugal alberga uma grande diversidade de espécies de aves estepárias e, apesar da escassa informação concreta, crê-se que, em

tempos idos, a maioria das espécies seria muito mais abundante e com uma distribuição mais ampla, correspondente à quase totalidade do território

nacional. Nos dias de hoje, apenas o Alentejo mantem uma importância significativa para este emblemático grupo de aves e, mesmo aqui, são cada vez menos e menores os redutos com habitat favorável a estas espécies, sendo em alguns casos limitados a pequenas “bolsas” de habitat estepário entre outros habitats distintos.

A comunidade de aves estepárias partilha entre si adaptações morfológicas, fisiológicas, ecológicas e comportamentais a estes ambientes, que podem ser tão inóspitos, desabrigados e até hostis. Estas aves apresentam, portanto, características realmente incríveis e algumas delas funcionam como “espécies-bandeira”, tendo-se tornado as “caras” mais populares do grupo das aves estepárias.Dificilmente encontraremos um amante das aves ou da fotografia de natureza

A comunidade de aves estepárias partilha entre si adaptações morfológicas, fisiológicas, ecológicas e comportamentais...

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que se desloque ao Alentejo e não vá em busca da “rainha” da estepe, a Abetarda (Otis tarda). A ave voadora mais pesada da Europa – os machos podem atingir os 16kg! – desperta a curiosidade pelo seu tamanho, pela sua belíssima e (in)confundível plumagem e pelas incríveis paradas nupciais executadas pelos machos, realizadas em áreas específicas, de “lek”, e em que demonstram efectivamente que são os “reis” da pseudo-estepe, com intensas lutas e exibições nupciais. As abetardas alimentam-se essencialmente de plantas verdes espontâneas, sementes e invertebrados,

dando preferência aos insectos durante a fase de crescimento dos juvenis. As posturas dos ovos são feitas em searas ou pousios altos, e as crias são nidífugas, ou seja, abandonam o ninho pouco tempo após nascerem, seguindo a progenitora.Bem mais pequeno que a Abetarda, mas igualmente interessante e pertencente à família dos Otitídeos, temos o Sisão (Tetrax tetrax). Esta ave não ultrapassa o quilograma de peso, as fêmeas são ligeiramente mais pequenas que os machos e estes, durante a primavera, exibem-se com uma plumagem distinguida pela “gravata” preta com

Abetarda em parada nupcial

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barras brancas em torno do pescoço. Os machos emitem um assobio sibilante muito característico – é mais fácil escutar um Sisão do que vê-lo! - que se produz com o bater do vento numa das penas primárias, e que esteve na origem do nome “Sisão”. Alimentam-se igualmente de plantas verdes, sementes e invertebrados (as crias preferem os insectos), os machos realizam as paradas nupciais em

zonas de “lek” e as fêmeas colocam 3 a 4 ovos directamente no solo, em pastagens com vegetação alta e densa. Já o Peneireiro-das-torres (Falco naumanni) pertence a uma família diferente, à dos Falconídeos, e é uma pequena ave de rapina migratória e colonial. Deve o seu nome vulgar à sua fantástica capacidade de “peneirar”, um modo de voo que, com

Peneireiro-das-torres (Falco naumanni) a peneirar

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rápidos e circulares movimentos das asas, lhes permite ficarem literalmente parados no ar enquanto buscam as suas presas. Mais pequeno que o seu “primo” Peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus), difere dele também na coloração, tendo os machos o dorso liso oposto ao dorso malhado dos Peneireiros-vulgares, e nos comportamentos: o Falco naumanni estiva em Portugal, passando o Inverno em África, e nidifica em cavidades de construções humanas, como os montes alentejanos, onde as fêmeas colocam 3-5 ovos. Verifica-se dimorfismo sexual, ou seja, os machos diferem das fêmeas ao apresentarem a cabeça e cauda cinzentas e ao serem ligeiramente mais pequenos. Este falcão alimenta-se de insectos, sobretudo de gafanhotos e de grilos-ralos, apesar de

também poder caçar pequenos mamíferos, outras aves, répteis e anfíbios.

Apresentadas as aves, é tempo de perceber porque estão tão ameaçadas: a Abetarda está considerada “Em Perigo” e o Peneireiro-das-torres e o Sisão apresentam o estatuto de conservação nacional de “Vulnerável”! Temos ainda, por exemplo, o Rolieiro

(Coracias garrulus) “Criticamente em Perigo” e o Cortiçol-de-barriga-preta (Pterocles orientalis) “Em Perigo”. Todas estas aves são extremamente sensíveis às alterações das práticas agrícolas que, num passado recente, conduziram à perda e fragmentação do seu habitat por toda a Europa. Referimo-nos, nomeadamente, à intensificação da agricultura e à florestação de terras agrícolas, mas as mudanças na agricultura não são os únicos problemas que estas aves enfrentam. As ameaças à sua conservação incluem o abandono do meio rural, a colisão com linhas eléctricas e vedações, a electrocussão nos postes de energia, a fragmentação das populações causadas por cercas e estradas, a perturbação humana, a predação e - o tão aclamado e actual tema - as alterações climáticas.A intensificação da agricultura e aumento da pressão humana são os principais factores que levaram ao declínio das populações destas aves. Destes factores resultaram grandes perdas e fragmentação de habitat através do desaparecimento dos pousios, o aumento da densidade de gado, florestação de zonas agrícolas, aumento dos regadios, conversão de culturas arvenses em vinhas ou olivais e proliferação de estradas, linhas eléctricas, vedações e valas de drenagem. Outros factores, como a mecanização agrícola, a utilização de pesticidas, herbicidas e fertilizantes, os fogos e a predação, contribuem para o aumento da mortalidade de ovos, crias e juvenis. A falta de locais de nidificação para o Peneireiro-das-torres, originada com a obstrução ou destruição de cavidades durante remodelações e demolições dos edifícios onde as aves nidificam, é outra das ameaças mais prementes para esta espécie.

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Tartaranhão-caçador (Circus pygargus)

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Apesar da protecção legal existente, a pilhagem de ninhos continua também a ser uma ameaça para este falcão.As vedações das propriedades podem ser barreiras intransponíveis, principalmente para as crias não voadoras, ao impedirem a sua livre circulação e o acesso a alimento e água. Nas áreas de “lek” de Abetarda, a colocação de novas vedações pode levar à extinção desses locais (os machos de Abetarda necessitam de espaços amplos sem barreiras onde consigam caminhar para exibir a sua plumagem às fêmeas ou para lutarem entre si e estabelecerem hierarquias no bando). Para além do efeito barreira que provocam, existe ainda o perigo por vezes mortal de colisão das aves com as fiadas de arame farpado existentes nas vedações.As linhas de transporte e distribuição de energia eléctrica representam um perigo para as aves, que frequentemente morrem por colisão com os cabos condutores ou por electrocussão nos apoios, sendo o Sisão e a Abetarda das que mais sofrem os impactos destas estruturas (no caso desta última, a colisão com linhas eléctricas está identificada como uma das principais causas de mortalidade para a espécie).As crescentes alterações climáticas, provocadas pela actividade do Homem, são actualmente um facto cientificamente comprovado, sendo perceptível um efeito negativo bastante acentuado nos ambientes e recursos naturais, devido ao aumento

da frequência das secas extremas ou de fenómenos climáticos intensos fora de época. Com consequências ao nível da qualidade do habitat e da sobrevivência das aves, particularmente das crias pequenas, as alterações no clima são também encaradas,

hoje em dia, como uma das principais ameaças à biodiversidade, incluindo às aves estepárias.

Para procurar contrariar e solucionar

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Casal de peneireiros-das-torres

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estas problemáticas, a LPN – Liga para a Protecção da Natureza (www.lpn.pt) tem desenvolvido vários projectos de conservação, particularmente na Zona de Protecção Especial (ZPE) de Castro Verde. Este espaço da Rede Natura 2000 tem sido alvo de diversas medidas, especialmente implementadas através do Programa LIFE da Comissão Europeia (CE). Essas acções incluem a gestão cinegética e agrícola favorável à protecção da avifauna estepária e do seu habitat, sinalização e colocação de passagens para a fauna em vedações, sinalização e modificação de linhas eléctricas, aquisição de terrenos sensíveis para a Abetarda, construção de paredes e torres de nidificação e monitorização das colónias do

Peneireiro-das-torres, recuperação de aves feridas, estudos de impacto das alterações climáticas e implementação de medidas de minimização dessas, participação pública e sensibilização ambiental. O último projecto desenvolvido foi o LIFE Estepárias, e poderá encontrar mais informações sobre os seus detalhes em www.lifeesteparias.lpn.pt.

Talvez as medidas apresentadas anteriormente nos soem um pouco “fora de alcance para um comum mortal” mas a verdade é que todos podemos, sempre, colaborar na conservação das espécies. Gestos simples como a não perturbação de ninhos ou a sensibilização ambiental - mesmo em ambientes informais como uma

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Sisãofoto de Thijs Valkenburg

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conversa de café – têm um elevado valor na preservação das aves. Se durante um passeio no campo encontrar uma ave ferida (ou qualquer outro animal selvagem) contacte as entidades responsáveis e encaminhe-a para um centro de recuperação de fauna selvagem. No caso das aves estepárias do Baixo Alentejo, os indivíduos que necessitam de cuidados são encaminhados para o RIAS – Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens, em Olhão, que é gerido pela Associação ALDEIA (também responsável pela gestão do CERVAS, em Gouveia).

É a diversidade de habitats e de espécies que neles (sobre)vivem que pode contribuir

para o equilíbrio essencial à vida de todos: deste os 1993m de altitude da Torre na Serra da Estrela às baixas planícies de 300m do Alentejo, desde a pequena Ferreirinha-alpina (Prunella collaris) à enorme Abetarda. As teias existentes nos ecossistemas, e as similaridades apesar das diferenças, acabam por tornar transversais tanto as problemáticas como as soluções… Afinal, e assim sendo, pode não ser assim tão descabido falar de aves estepárias numa revista da Serra da Estrela…

Liliana Barosa, Bióloga (LPN – Liga para a Protecção da Natureza)

A intensificação da agricultura e o aumento da pressão humana são os principais factores que levaram ao declínio das populações destas aves.

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Vale do rio Beijames

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Temos vindo a assistir a um conjunto de notícias que dão conta da intensão do governo em por todos os agricultores, mesmo os que praticam uma agricultura familiar, a declarar ao fisco a sua actividade. É sobre estes últimos que quero trocar um conjunto de informações porque, creio, a generalidade das pessoas deve achar perfeitamente normal, dado as carências actuais e as (des)informações que alastram pelo país que, se todos pagam, tam-bém estes devem pagar ao fisco pelo produto das suas vendas.

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Se uma determinada família desenvolve uma agricultura familiar, trabalha de Sol a Sol, Sábados e Domingos, sustenta-se e aos seus descendentes, com o rendimento do seu esforço e consegue vender parte ou

a totalidade dos produtos nos mercados tradicionais obtendo, um rendimento superior a 10.000 euros, deverá ter um tratamento idêntico ao de uma empresa que foi estruturada para desenvolver um

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outro tipo de agricultura?Comecemos pela parte económica para podermos apreciar o quanto os agricultores, que refiro, contribuem para o equilíbrio da balança comercial. A sua produção reduz a importação de bens essenciais, significando com isso menos importações e menos saída de divisas.Uma outra questão, a mais significativa, que os mentores de tais medidas não devem ter tido em consideração e que poderá ter consequências

muito negativas, é a do valor criado e mantido por estas famílias na diversidade da paisagem, na manutenção de ecossistemas muito concretos, afinal de contas do conjunto de elementos humanizados que

os promotores turísticos não se cansam de exibir e que pode desaparecer ou reduzir-se imenso se, tais medidas não forem ponderadas.Apresento um caso concreto para melhor perceber o que poderá estar em causa com a aplicação das medidas de tentar procurar dinheiro, mesmo onde não o há!A foto, que ilustra o texto, é a propriedade de um casal. Nenhum sabe ler nem escrever. Ele, para compensar o orçamento familiar, sai de casa todos os dias às 6 da madrugada e regressa depois das 19, após percorrer 140 quilómetros e um dia a cortar mato nas florestas. A esposa sai antes de nascer o sol, faz 4kms a pé, para cada lado, ordenha as cabras de manhã e volta a fazê-lo ao final do dia, regressando à povoação já depois do sol se ter posto. Entretanto, conduz as cabras pelos matos e lameiros e vai tratando dos terrenos onde desenvolve uma agricultura de sobrevivência, já que não possui outros recursos, nem estão inseridos nas medidas do Rendimento Mínimo de Inserção ou Fundo do Desemprego, ou seja, não gastam nada ao Estado!

A Olívia e o marido, como não sabem ler nem escrever, não têm luz eléctrica e também não têm tempo para ver as notícias, ignoram o que os Ministros e Secretários de Estado lhe estão a preparar e, um dia, é muito provável que recebam em sua casa um papel das Finanças com a aplicação de uma multa que pode chegar aos 75€ por não ter declarado o início ou alteração da actividade.Convém ter em atenção que a Olívia e o marido, apesar de ainda não serem assim tão entrados na idade, o que é uma mais-valia muito pouco valorizada, dado o quadro

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calamitoso que se vive com o abandono dos nossos campos, se tivessem de vender uns ovos, uma couve, um ramo de salsa… e não passassem factura, estariam sujeitos a coimas que poderiam ir de 150 a 3750 euros, de acordo com a legislação que está anunciada!Quando a Olívia e o marido se virem confrontados com o fisco não vão querer saber nem de papéis, nem da propriedade e esta terá o fim de tantas outras que marginam a sua. O crescimento dos matos e o ar de abandono que o tempo se encarregará de causar deixará o caminho aberto para os defensores da florestação, até com eucaliptos, dos terrenos, inclusive dos solos agrícolas.Penso que os governantes, antes de tributar o quer que fosse, deviam saber e ser capaz de valorizar o trabalho de quem, ainda, é capaz de assumir o legado dos seus antepassados, manter a arquitectura e a biodiversidade desse mesmo património, afinal de contas um dos melhores cartazes da promoção do país. Quem desenha tamanhas artimanhas devia procurar saber, antes de mais, qual o valor da paisagem que, a custo zero, a Olívia e o marido, juntamente com muitos outros, preservam e cultivam. Promover a sua atitude perante um país, cada vez mais urbano e desconhecedor dessa realidade, seria uma atitude digna. A recente atribuição do Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, a mais importante distinção da Arquitectura Paisagista, ao Arquitecto Gonçalo Ribeiro

Telles, é unívoco do erro que tem vindo a ser seguido pelas autoridades portuguesas ao longo das últimas décadas relativamente à agricultura e paisagem rural.Mas o contributo da Olívia e do marido e de muitos mais não se fica por aqui. Quanto vale o seu trabalho para que os incêndios não se desenvolvam e tenham no esforço destes, a melhor e mais eficiente barreira à dinâmica das chamas? Quanto gasta o Estado para

manter um aceiro limpo? Quanto é dado a este e outros casais por esse mesmo trabalho? Os lameiros que a foto mostra estão contemplados nas medidas agro-ambientais e as ajudas poderão ir quase aos €200 (ha)/ano, o que seria um bom apoio para quem os possui e trata. Mas como é isso possível se essa informação e ajuda nunca chegou aos

interessados?O Parque Natural da Serra da Estrela que, desde a sua existência, nunca falou com a Olívia, tem uma boa oportunidade para cumprir uma sua função importante, a de manter e promover essa riqueza, perfeita simbiose entre o meio natural e a intervenção humana – temática que também esteve na origem da sua criação – ajudando-a e aos outros a aproveitar todas as ajudas disponíveis, inclusive das medidas agro-ambientais, disponibilizando os seus quadros para o efeito.

...como não sabem ler nem escrever, não têm luz eléctrica e também não têm tempo para ver as notícias, ignoram o que os Ministros e Secretários de Estado lhe estão a preparar hectares

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A façanha da circulação de gentes e de gados, o abalar e o voltar, delineou no espaço uma rede produtora de complementaridades proporcionando uma fluidez de permutas materiais e espirituais e de percepcionar as terras e os homens. A palavra transumância, etimologicamente advém do radical trans com o significado de “além de” unido a humus, “terra”. Esta singularidade do «ir além da terra», encerra toda uma determinante componente da existência que construiu uma cartografia de cooperações muito própria.A GRANDE ROTA DA TRANSUMÂNCIA é um tributo à memória das viagens e paragens dos pastores

e rebanhos que calcorreavam estes caminhos recordando, também, toda a cultura inerente a cada local e às suas gentes que eram periodicamente atravessados. Tradições e costumes, canções, formas de falar, danças e outras manifestações, enraizavam ao longo desse eixo cultural avivado e vincado pela transumância.

A primeira viagem da GRANDE ROTA DA TRANSUMÂNCIA recriou , simbolicamente, o percurso de subida de pastores e rebanhos à Serra da Estrela. Outras se seguirão materializadas em percursos que interligam paisagens e identidade culturais e naturais da planície e da montanha, das campanhas da Idanha no

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GeoPark do Tejo Internacional, passando pela Paisagem Protegida da Serra da Gardunha até à montanha maior, em pleno Parque Natural da Serra da Estrela. Este é aliás o território que consubstancia a Estratégia de Eficiência Colectiva Buy Nature: Turismo Sustentável em Áreas Classificadas, numa cooperação efectiva em torno do foco temático do Turismo de Natureza, cuja coordenação estratégia é liderada pela Agência de Desenvolvimento Gardunha 21.

Todos os programas da primeira viagem foram direcionados para as vivências das ancestrais actividades dos pastores nas suas lidas do dia a dia. Dias marcados por sentires, viveres e saberes de pastores, na recolha e transformação das matérias-primas produzidas pelos rebanhos, nas criações artesanais, nos seculares produtos gastronómicos e na enorme capacidade de adaptação ao que a Natureza lhes ofereceria. E é essa componente cultural que temos de continuar a preservar. Com efeito, a relação estreita que sabiamente se estabeleceu ao longo de milénios entre homens e animais, equilibrando o território e os recursos ritmados pela doçura ou pela agrura das estações, perfila-se na velocidade

contemporânea, como um caminho a ser retomado, recuperando e aprofundando uma cada vez mais necessária, mas tantas vezes esquecida, simbiose ecológica entre o homem e o seu ambiente. Uma junção que contemple sempre a visibilidade das memórias, das heranças e dos saberes em conjugação com os novos usos da paisagem. As palavras transumância e transcendência têm, na sua raiz, uma essência comum. O ir para “além de”, “para lá de” mapeia uma direcção que conduz até outra dimensão, indicando outro rumo às recordações das nossas raízes.A GRANDE ROTA DA

TRANSUMÂNCIA é afirmação da eficiência de um programa concertado de cooperação e estratégia intermunicipal na Beira Interior. Todos transumamos vontades para fruição das nossas ancestrais paisagens e isso é uma certeza do futuro da nossa interioridade comum.

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Mocho-d’orelhas

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Os habitats humanizados, nomeadamente os rurais, agrícolas e as áreas envolventes, são reconhecidamente ricos do ponto de vista da biodiversidade. O mosaico agrossilvopastoril presente em todo o país, principalmente no interior, associado aos núcleos populacionais humanos, é tido como essencial para a conservação de algumas espécies de aves. As aves de rapina noturnas (Aves, Ordem Strigiformes), em particular a Coruja-das-torres (Tyto alba), Mocho-galego (Athene noctua), Coruja-do-mato (Strix aluco) e Mocho-d’orelhas (Otus scops), estão bastante ligadas a essas áreas, sendo particularmente importantes para a agricultura, no controle de pragas de roedores e insectos. Para estas aves de rapina noturnas as condições oferecidas por este tipo de habitats trazem um conjunto de benefícios ao assegurar áreas

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Mocho-galego

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de repouso e nidificação, nomeadamente as próprias construções humanas e áreas florestais envolventes aos núcleos populacionais, bem como as áreas agrícolas e as zonas de transição destas com as áreas florestais, no caso da alimentação. As áreas humanizadas também poderão trazer algumas desvantagens, principalmente devido à pressão humana a que estão sujeitas, traduzindo-se isso em escassez de alimento, devido ao abandono progressivo da agricultura tradicional e ao uso de químicos, e na progressiva redução de locais apropriados à nidificação. Por ação direta

do Homem, a perseguição e colisões com automóveis são grandes factores de ameaça. As aves de rapina noturnas são um grupo muito pouco estudado, muito provavelmente devido aos seus hábitos noturnos. De forma a contrariar esta tendência, foram realizadas duas teses de mestrado com este grupo de aves, numa parceria entre o Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro e o CERVAS/ALDEIA, com os seguintes objetivos: conhecer a sua distribuição, densidade e abundância destas espécies; estudar a relação entre a distribuição e habitat;

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estudar a relação entre as espécies. A área de estudo foi o concelho de Gouveia, mais concretamente as áreas rurais e agrícolas do concelho, tendo sido realizado um censo dirigido às quatro espécies referidas acima, estando os resultados em relação à distribuição representados nos mapas.O Mocho-galego distribui-se por toda a área de estudo de uma forma mais ou menos regular, tendo sido a espécie mais detectada durante este estudo com 90 contactos, sendo considerados 69 territórios com uma área de 7,45 ha. Foram estimados 225 casais de Mocho-galego na área de estudo, sendo que a densidade obtida na área real prospectada foi de 2,4 casais/km2. O Mocho-d’orelhas foi a segunda espécie mais detectada, com 88 contactos correspondentes a 71 territórios com uma

área de 14,8 ha, distribuídos regularmente pela área de estudo. Estima-se que existam cerca de 180 casais de Mocho-d’orelhas no concelho de Gouveia, com uma densidade de 1,4 casais/km2. A Coruja-do-mato apresenta já uma distribuição mais restrita, aparentando estar ausente no norte e nordeste do concelho de Gouveia, tendo sido detectados 52 indivíduos desta espécie, correspondendo a 30 territórios com uma área de 80,1 ha. Foram estimados 80 casais desta espécie com uma densidade de 0,5 territórios/km2. A Coruja-das-torres foi a espécie menos detectada na área de estudo, tendo sido obtidos 23 contactos desta espécie, sendo considerados 15 territórios com uma área de 379,45 ha. Apesar desta distribuição restrita, quase todas as freguesias eram abrangidas por um território desta espécie. Assim foram estimados 32 casais, com uma densidade de 0,2 casais/km2 na área prospectada.Em relação à preferência de habitat a distribuição do Mocho-galego revela

a importância das áreas agrícolas como habitat de caça e de nidificação, sendo que a presença de olival e vinha possibilita inúmeros pousos para a caça. A relação negativa com as florestas de resinosas poderá dever-se a estratégia de defesa de predadores. O Mocho-d’orelhas parece evitar áreas florestadas extensas, pois esta espécie deve utilizar as orlas das manchas florestais ou as manchas mais pequenas, preferindo englobar maiores áreas abertas no seu território. A presença de Coruja-do-mato aparenta estar relacionada com a disponibilidade de áreas florestais de folhosas, habitat típico da espécie. A influência do tecido urbano na presença desta espécie dever-se-á a uma maior abundância de estruturas adequadas à nidificação, sendo que isto deverá ter

Coruja-do-mato

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implicações negativas para o Mocho-galego e Coruja-das-torres. As culturas de sequeiro deverão constituir o habitat de caça para a Coruja-do-mato quando esta ocorre em áreas agroflorestais.Em termos de relações intraespecíficas, a Coruja-das-torres e Coruja-do-mato são as que apresentam menor percentagem de sobreposição de territórios conspecíficos, apesar de estas espécies possuírem os territórios com maiores dimensões. Estas espécies apresentam também as maiores distâncias aos vizinhos conspecíficos mais próximos. O Mocho-galego é uma espécie territorial, sendo a sobreposição de territórios conspecíficos menor durante a época reprodutora. Apesar disso, neste trabalho foram detectados 72,5% de territórios conspecíficos sobrepostos.

No caso do Mocho-d’orelhas, tal como o Mocho-galego, parece apresentar uma tendência de agregação na área de estudo. No que diz respeito às relações interespecíficas, a Coruja-do-mato aparenta ser a espécie mais evitada pelas Strigiformes de menor dimensão, o que poderá estar relacionado com um mecanismo de defesa de forma a evitarem um possível predador. As sobreposições entre os territórios de Coruja-do-mato e Coruja-das-torres dever-se-á ao tamanho dos respectivos territórios e, além disso, poderá ser reflexo da Coruja-do-mato, nas áreas humanizadas, usar alguns recursos essenciais para a Coruja-das-torres, podendo ser uma das causas da baixa abundância desta última na área de estudo.

Foi com estas teses de mestrado que nasceu o Projeto BARN – Conservação e Estudo da Distribuição das Aves de Rapina Noturnas – tendo dedicado o seu estudo na fase inicial às aves de rapina noturnas no concelho de Gouveia em 2008/2009, com o objectivo essencial de aumentar o conhecimento deste grupo em Portugal e, consequentemente, na Europa. Numa primeira fase o BARN está a ser desenvolvido no concelho de Gouveia, mas tem como objectivos não só alargar a área de estudo para toda a zona da Serra da Estrela como ampliar o leque de espécies estudadas. Inicialmente, as espécies alvo do projeto começaram por ser as que ocupam habitats agrossilvopastoris, ou seja, Coruja-das-torres, Mocho-galego, Coruja-do-mato e Mocho-d’orelhas, sendo todas espécies protegidas e três delas encontram-se em declínio moderado na Europa. No final de 2010, o leque de espécies alvo foi alargado para todas as aves que ocupam habitats agrícolas e agro-florestais.Em relação às aves de rapina noturnas,

Coruja-das-torres

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os principais objectivos deste projeto são identificar e monitorizar os locais de presença e nidificação deste grupo de aves, bem como potenciar a reprodução e fixação destas espécies através da colocação de caixas-ninho. Este último objectivo é bastante importante, tendo em conta que estas espécies não constroem ninhos, mas sim ocupam cavidades de árvores e de construções humanas (torres de igrejas, celeiros, casas abandonadas, etc.), que são cada vez mais raros devido à pressão humana.

Para complementar todo o processo de conservação das aves de rapina noturnas

Monitorização de caixa-ninho de Coruja-dad-torres

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é necessário que a população em geral esteja sensibilizada e para isso o BARN tem uma forte componente de educação e sensibilização ambiental, com o intuito de suprimir mitos relacionados com as aves de rapina noturnas e mostrar às populações locais a importância destas espécies

no combate a pragas, nomeadamente, de roedores e insectos. A realização de cursos e workshops é também uma parte importante da divulgação do projeto dentro da comunidade científica e do público em geral, podendo captar novos investigadores interessados no estudo deste grupo de aves.

Ação de educação ambiental no âmbito do projeto BARN

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Durante 4 dias lavrou um fogo na margem direita do rio Beijames, entre a terra das batatas e o Cabeço do Lobo.Apesar de na zona quase toda a gente prognosticar a autoria da ocorrência, importa pouco para a análise que aqui se pretende fazer.A área ardida atingiu zonas de mato, pinheiro bravo e azinheiras. O valor, do ponto de vista económico, tem pouco significado mas o mesmo já não acontece se quisermos colocar a questão do ponto de vista ecológico. A erosão irá acentuar-se, agravada pelas ingremes vertentes sobranceiras ao rio Beijames. Trata-se de uma área dominada pela pastorícia (caprinicultura), com as redondezas completamente desertas de pessoas e de actividade agro-pastoril. Os que ficaram fazem pela vida. Daí a queimada, para as cabras pastarem, porque os matos, outrora devorados numa luta intestina entre a procura e a escassez, para a agricultura e camas para os gados, são hoje o maior obstáculo à circulação de pastores e animais. Nem o autor destas linhas nem o leitor faria de maneira diferente se estivesse em jogo a sua sobrevivência e da família. Nada de falsos moralismos porque quando o estomago está “vazio” importa pouco invocar a razão.Mas, num país onde vagueia a lógica de que não há dinheiro para nada, importa falar de casos concretos para se ter a noção de quão falsa pode ser esta denúncia. Procuremos analisar, ainda que sem o rigor dos números porque não tenho os meios nem o saber para os determinar, quanto pode ser a diferença

entre combater um fogo e diligenciar para a sua inexistência, promovendo a prevenção, em contraste com o fogo e as suas consequências. No combate ao fogo andaram dois helicópteros, um deles, bombardeiro. Marcaram presença diversos autotanques num fogo onde apenas se justificava o trabalho sapador por causa das inacessibilidades. Registei a origem de algumas das corporações dos bombeiros: Castelo Branco, Proença-a-Nova, Cernache de Bonjardim, Fundão, Covilhã, Belmonte… 3 pelo menos, a mais de 100 quilómetros de distância. Havia mais corporações mas não as consigo referenciar todas.Não tenho a mínima pequena ideia de quanto custou o combate a este fogo. Sei, no entanto, quanto poderia custar o trabalho de 10 pessoas, durante 3 meses, a ganhar um salário de €500 mensais para limpar toda a encosta dos matos, permitindo assim que o gado e pastores circulassem e os pastos se renovassem. Com todas as despesas, mais equipamento de corte €30.000 seriam suficientes e gerava emprego temporário. Não se pensando assim, o ciclo repete-se e o fogo regressa e com ele a erosão. Ou seja, o problema não será a falta de dinheiro mas falta de estratégia!

J. Maria Saraiva

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Montanhas de Ben Nevis

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O monte mais alto do Reino Unido é o Ben Nevis, na Escócia. Apesar da sua reduzida altitude (apenas 1300 m), é, em termos de desnível, parecido com a serra da Estrela, pois a sua base encontra-se ao nível do mar. É também uma montanha antiga, com cumes arredondados pela erosão. Como está muito mais a norte, o clima é mais severo: mais frio, neva mais e mais frequentemente, mais gelos e mais duradouros, etc. O Ben Nevis é um destino turístico importante. Todos os anos, cerca de 150.000 pessoas sobem ao cume. No entanto, não há estradas nem teleféricos ou outros acessos “diretos e confortáveis” que facilitem a subida. Os que sobem a montanha, têm que a subir a pé. A ascenção demora cerca de seis horas, o que obriga frequentemente a uma dormida num dos muitos hotéis, pensões ou parques de campismo situados nas localidades no sopé do monte. Assim, por regra, quem vai ao Ben Nevis não vai de

manhã para regressar a casa à tarde. Também por isso, a atividade turística no Ben Nevis

é intensa e alimenta um sem número de negócios (hotelaria, restauração, comércio de equipamento desportivo, guias de montanha, etc). Se houvesse estradas ou teleféricos até ao cume do Ben Nevis, talvez o topo fosse ainda mais visitado. Mas, porque as estradas ou os teleféricos o permitiriam (até o encorajariam), decerto mais turistas fariam o tipo de visita, rápida e pouco rentável para a economia local, que caracteriza o turismo da serra da Estrela.

Os Picos da Europa são as montanhas (relativamente baixas – 2600 m – mas muito escarpadas) que separam as Astúrias de Castela-Leão, na vizinha Espanha. Nenhuma estrada asfaltada atravessa esta cadeia montanhosa, é necessário circundá-la. Os seus cumes não dispõem de teleféricos. No entanto, durante o Verão toda a região fervilha de turistas, praticando canoagem, passeios a pé ou a cavalo, escalada, BTT... Um dos atrativos mais populares dos Picos da Europa é a chamada Ruta del Cares, um trilho pedestre que quase atravessa a cordilheira de norte a sul, sepenteando ao longo do apertado vale do rio Cares. O passeio tem a extensão de cerca de 12 km (mais 12 km para o regresso), e normalmente é completado em cerca de cinco a oito horas (ida e volta). Ao percorrê-lo, constantemente nos cruzamos com outros caminheiros, de todas as nacionalidades, de todas as classes sociais, todas as idades... Como no Ben

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Nevis, esta atividade é tão demorada que quase todos os que a realizam passam pelo menos uma noite na região. Se a ruta del Cares fosse asfaltada, permitindo o usufruto mais confortável daquelas arrebatadoras paisagens, talvez fosse pecorrida por mais pessoas. Mas muitos mais visitantes se limitariam a simplesmente passar, tirar umas fotos e seguir caminho.

Na verdade, os “acessos rápidos e confortáveis” que por cá cremos tão indispensáveis (e sempre insuficientes) ao desenvolvimento do turismo são uma particularidade muito específica da serra da

Estrela. São raras as montanhas da Europa com estradas de asfalto pelo cume. Alguns minutos com o googleearth mostram que a serra da Estrela tem mais estradas asfaltadas do que a maioria das cordilheiras importantes de Espanha, para não ir mais longe. Vejam-se os Picos da Europa, a serra Nevada, a Cordilheira Central, a serra de Gredos e de Béjar, ... Veja-se até a serra do Gerês! E, no entanto, essas serras têm turismo também, e mais dinâmico e melhor distribuído ao longo do ano que o da serra da Estrela.

Como se vê, a análise das condições de

Ruta del Cares

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outras regiões da Europa mostra que o turismo de montanha pode perfeitamente desenvolver-se sem estradas asfaltadas montanha acima. Aliás, os exemplos de asfaltações recentes cá na serra da Estrela (a estrada de S. Bento, de perto de Loriga até à Lagoa Comprida e, mais antiga, a estrada de S. Romão) mostram também que, claramente, essa via não leva automaticamente ao desenvolvimento do turismo.

Em resumo: temos exemplos de como a ausência de estradas e de teleféricos para o alto dos montes não impede o desenvolvimento do turismo de montanha; temos também exemplos de como as estradas para as zonas altas não se traduzem necessariamente em desenvolvimento do turismo de montanha. Será então razoável continuarmos, ainda hoje, a usar o argumento do desenvolvimento do turismo de montanha para defender ainda mais asfaltações de caminhos e a construção de teleféricos e de funiculares pela serra acima?

Serra da Estrela

Serra da Estrela

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