Julia Quinn
Julia Quinn
Como casar-se com um Marquês
Agents for the Crown 02
O desespero da Elizabeth Hotchkiss por conseguir um marido rico parece chegar
a seu fim quando tropeça com uma cópia de Como casar-se com um marquês na
biblioteca de lady Dambury, para quem trabalha. Trata-se de um tentador guia de
sedução que explica justo o que a jovem necessita: casar-se com um homem rico. Já que,
na Inglaterra de 1815 não existem muitas opções para uma moça sem bens familiares
que, além disso, tem três irmãos menores que manter. Sua sorte parece melhorar ainda
mais quando James Sidwell, o sobrinho de lady Dambury, oferece-se como voluntário
para que Elizabeth aplique os conhecimentos que acaba de adquirir. E o que começa
como um jogo desatará uma verdadeira paixão entre eles, embora o que Elizabeth não
sabe é que os intuitos do amor podem ser bastante complicados, porque James,
administrador da propriedade, oculta um segredo sobre a nobreza de suas origens.
Disp em Esp: não tinha no arquivo
Envio do arquivo: Lisa de Weerd
Revisão Inicial: Ionara
Revisão Final: Matias Jr.
Formatação: Greicy
TWKliek
Comentário da Revisora Ionara: O livro é muito engraçado, gostei muito dos
personagens, todos, sem exceção, mais os meus preferidos sem dúvida foram Lady D. e seu
impagável gato Malcom, nossa eles conseguiram infernizar a vida de todos os personagens
da história. Me emocionei muito com a carta de Lady D. escreveu para os dois no final,
pois consegui captar o amor e carinho que ela sentia pelos protagonistas. Achei interessante
também a citação da autora sobre o livro anterior da série. Enfim recomendo a todos que
gostam de dar boas gargalhadas lendo um livrinho, me diverti muito enquanto fazia essa
revisão.
Comentário do Revisor Matias Jr.: Uma leitura que fazemos com um sorriso nos
lábios a maior parte do tempo. Nada exagerado, mas divertido. Uma mocinha atrapalhada e
uma tia determinada. Eis uma receita de uma boa leitura.
Capítulo 1
Surrey, Inglaterra.
Agosto de 1815.
Quatro, mais seis, mais oito, mais sete, mais um, mais um, mais um; vinte e nove,
ponha nove e leve dois... Elizabeth Hotchkiss repassou desde o começo a coluna de
números pela quarta vez, conseguindo a mesma soma que as três vezes anteriores, e
grunhiu.
Quando levantou a vista, três sombrios rostos a olhavam; os rostos de seus três
irmãos pequenos.
—O que é isso, Lizzie? —perguntou Jane, de nove anos.
Elizabeth sorriu fracamente enquanto tentava calcular como conseguiria dinheiro
suficiente para comprar carvão para esquentar sua pequena cabana esse inverno.
—Nós, ah..., não temos muito dinheiro, temo.
Susan, que só tinha quatorze meses menos que Elizabeth, franziu o cenho.
—Está segura? Devemos ter algo. Quando papai vivia, sempre...
Elizabeth a silenciou lhe cravando um olhar urgente. Havia muitas coisas que
tinham quando seu pai vivia, mas ele os abandonou sem nada ao que agarrar-se exceto uma
pequena conta bancária. Nenhuma renda, nenhuma propriedade. Nada, exceto lembranças.
E essas, ao menos, as que Elizabeth conservava, não eram das que esquentavam o coração.
—As coisas são diferentes agora—disse com firmeza, esperando pôr fim ao tema.
—Não pode as comparar.
Jane fez uma careta.
—Podemos usar o dinheiro que Lucas, esteve guardando em sua caixa de soldados
de brinquedo.
Lucas, o único menino do clã Hotchkiss, grunhiu.
—O que fazia bisbilhotando em minhas coisas? —voltou-se para Elizabeth com o
que se poderia denominar "um olhar áspero", o qual não favorecia o rosto de um menino de
oito anos. —Será que não há privacidade nesta família?
—Aparentemente não—disse Elizabeth em tom ausente, olhando fixamente para os
números diante dela. Fez algumas marcas com o lápis, enquanto tentava imaginar novos
métodos de economizar.
—Irmãs! —exasperou-se Lucas, parecendo excessivamente sufocado. —Estou
infestado delas.
Susan olhou fixamente o livro de contas de Elizabeth.
—Não temos nem um pouco de dinheiro? Algo que possamos estirar um pouco?
—Não há nada que estirar. Graças a Deus, o aluguel da cabana está pago, ou
jogariam-nos a chutes.
—De verdade estamos tão mal? —sussurrou Susan.
Elizabeth assentiu.
—Temos suficiente para o resto do mês, e depois um pouco mais quando receber
meu salário de Lady Dambury, e então... —Sua voz se foi apagando e desviou o olhar, não
queria que Lucas e Jane vissem as lágrimas que lhe ardiam nos olhos. Ela cuidou deles
durante cinco anos, desde que tinha dezoito. Dependiam dela para o alimento, o casaco e, o
mais importante, a estabilidade.
Jane deu uma cotovelada em Lucas, e quando não reagiu, beliscou-o no sensível
ponto entre o pescoço e os ombros.
—O que? —perguntou bruscamente, —isso dói.
—Que não é cortês—corrigiu-o Elizabeth automaticamente. —É preferível perdão.
A pequena boca de Lucas se abriu ultrajada.
—Não é cortês me beliscar como ela o fez. E te asseguro que não vou pedir seu
perdão.
Jane revirou os olhos e suspirou.
—Deve recordar que só tem oito anos.
Lucas sorriu falsamente atrás dela.
—Você só tem nove.
—Sempre serei mais velha que você.
—Sim, mas logo eu serei maior, e o sentirá.
Os lábios da Elizabeth se curvaram em um agridoce sorriso, enquanto os ouvia
discutir.
Vira a mesma discussão um milhão de vezes antes, mas também vira Jane
deslizar-se nas pontas dos pés até o quarto do Lucas para lhe dar um beijo de boa noite na
testa. Podiam não ser a típica família, só estavam os quatro, depois de tudo, e eram órfãos
há anos, mas o clã Hotchkiss era especial. Elizabeth conseguiu manter a família unida fazia
cinco anos, quando seu pai faleceu, e maldita fosse, se deixasse que sua atual escassez de
recursos os separasse agora.
Jane cruzou os braços.
—Deveria dar a Lizzie seu dinheiro, Lucas. Não está bem que o esconda.
O afirmou solenemente e abandonou a sala, sua pequena e loira cabeça inclinada
humildemente. Elizabeth jogou uma olhada a Susan e Jane. Também eram loiras, e com os
brilhantes olhos azuis de sua mãe.
E Elizabeth era como o resto deles, um pequeno exército loiro, sem dinheiro para
comida.
Suspirou de novo e olhou fixa e seriamente à suas irmãs.
—Vou ter que me casar. Não posso fazer outra coisa.
—Oh, não, Lizzie! — gritou Jane, saltando de sua cadeira e virtualmente subindo
pela mesa até o colo de sua irmã. —Isso não! Tudo menos isso!
Elizabeth olhava a Susan com expressão confusa, lhe perguntando silenciosamente
se sabia por que Jane se pôs assim. Susan sacudiu a cabeça e deu de ombros.
—Não é tão mau, —disse Elizabeth, revolvendo o cabelo de Jane. —Se me casar,
então provavelmente tenha um bebê, e você poderá ser uma titia. Não seria bonito?
—Mas a única pessoa que lhe tem proposto isso é o fazendeiro Nevins. E é horrível!
Simplesmente horrível!
Elizabeth sorriu pouco convincente.
—Estou segura de que poderemos encontrar a alguém mais, além do fazendeiro
Nevins. Alguém menos, ah... horroroso.
—Não quero viver com ele —disse Jane, cruzando amotinadamente os braços.
—Não quero. Prefiro ir a um orfanato. Ou a uma dessas horríveis casas de trabalho.
Elizabeth não a culpava. O fazendeiro Nevins era velho, gordo e mesquinho. E
sempre olhou a Elizabeth de uma forma que lhe provocava suores frios. E a verdade seja
dita, tampouco gostava de como olhava a Susan, além disso. Ou a Jane, se refletisse sobre
isso.
Não, não podia casar-se com o fazendeiro Nevins.
Lucas retornou à cozinha trazendo uma pequena caixa de metal. A estendeu a
Elizabeth.
—Economizei uma libra e quarenta em moedas de um centavo—disse—Pensava
utilizá-lo para... —deteve-se e tragou. —Não importa. Quero que você o tenha. Para a
família.
Elizabeth tomou silenciosamente a caixa e olhou em seu interior. Ali estavam a libra
e quarenta centavos do Lucas, quase tudo em centavos e meios centavos.
—Lucas, carinho—disse-lhe suavemente. —Estas são suas economias. Levou-te
anos juntar todas estas moedas.
O lábio inferior de Lucas tremeu, mas de algum jeito conseguiu endireitar seu
pequeno peito até que ficou firme como o de um de seus soldados de brinquedo.
—Agora sou o homem da casa. Preciso prover para ti.
Elizabeth assentiu solenemente e transpassou o dinheiro à caixa onde ela guardava
os recursos familiares.
—Muito bem. Podemos usá-lo para comprar comida. Possivelmente queira me
acompanhar a comprar na próxima semana, e possa escolher algo que você goste.
—Minha horta deve começar a produzir verduras logo—disse Susan
esperançosamente. —Suficientes para nos alimentar, e, possivelmente sobre algo que
possamos vender na aldeia ou trocar.
Jane começou a retorcer-se no colo de Elizabeth.
—Por favor, me diga que não plantaste mais nabos. Odeio os nabos.
—Todos odiamos os nabos, —replicou Susan. —Mas são muito fáceis de cultivar.
—Mas não tão fáceis de comer—resmungou Lucas.
Elizabeth exalou com força e fechou os olhos. Como chegaram a isto? Eles eram
uma antiga e honorável família, o pequeno Lucas inclusive era baronete! E, entretanto,
viam-se reduzidos a cultivar nabos, os quais todos detestavam, em uma horta.
Falhara. Pensou que podia criar a seu irmão e irmãs. Quando seu pai faleceu, foi a
época mais horrível de toda sua vida, e a única coisa que a manteve em pé foi o pensamento
de que precisava proteger a seus irmãos, mantê-los felizes e cuidados. Juntos. Enfrentou a
tias, tios e primos, todos que se ofereceram para cuidar de uma das crianças Hotchkiss,
geralmente Lucas, que com seu título de baronete, eventualmente podiam esperar casar com
uma moça de considerável dote.
Mas Elizabeth recusou. Mesmo quando seus amigos e vizinhos a aconselharam a
deixá-lo ir. Ela queria manter a sua família unida, disse-lhes. Era isso pedir muito?
Mas falhara. Não havia dinheiro para lições de música, ou tutores, nem para
nenhuma das coisas que Elizabeth dera por certeza quando ela era pequena. Só Deus sabia
como conseguiria enviar Lucas a Eton. E precisava ir. Todos os varões Hotchkiss, durante
quatrocentos anos, estudaram em Eton. Nem todos se graduaram, mas todos foram.
Teria que casar-se. E seu marido teria que ser muito rico. Era tão simples.
hhh
—Abraham gerou Isaac, e Isaac gerou a Jacob, e Jacob gerou a Judas...
Elizabeth clareou com cuidado a garganta e levantou o olhar com olhos
esperançados. Dormiu já Lady Dambury? Inclinou-se para diante e estudou o ancião rosto
da dama. Era difícil de dizer.
—...e Judas gerou a Phares e Zara de Tamar, e Phares gerou a Esrom...
Os olhos da idosa senhora estavam fechados um bom momento já, mas ainda assim
devia ser cuidadosa.
—...e Esrom gerou a Aram, e...
Era isso um ronco? A voz da Elizabeth desceu a um sussurro.
—...e Aram gerou a Aminadbab, e Aminadbab gerou a Nason, e ...
Elizabeth fechou a Bíblia e começou a retirar-se do salão nas pontas dos pés.
Normalmente não lhe importava ler a Lady Dambury; de fato, era uma das melhores parte
de sua posição como acompanhante da idosa condessa. Mas hoje precisava ir a casa. Sentia
espantosamente ao haver partido enquanto Jane estava ainda tão alterada ante a perspectiva
de que o fazendeiro Nevins fizesse parte de sua pequena família. Elizabeth lhe assegurou
que não se casaria com ele mesmo que fosse o último homem da terra, mas Jane seguia
insegura e...
THUMP!
A Elizabeth quase lhe parou o coração. Ninguém sabia fazer mais ruído golpeando
com uma bengala que Lady Dambury.
—Não estou adormecida! —trovejou a voz de Lady D.
Elizabeth girou e sorriu fracamente.
—Sinto muito.
Lady Dambury riu entre dentes.
—Não o sente absolutamente. Retorna aqui.
Elizabeth abafou um gemido e retornou a sua cadeira de respaldo reto. Gostava de
Lady Dambury. Realmente gostava. De fato, esperava o dia em que pudesse usar a idade
como desculpa e expressar-se com a característica franqueza de Lady D.
Só que realmente ela precisava voltar para casa, e...
—É uma enganadora—disse Lady Dambury.
—Perdão?
—Todos esses "gerou" escolhidos a propósito para fazer dormir.
Elizabeth sentiu que suas faces se esquentavam com um rubor de culpabilidade e
tentou dar a suas palavras um tom de inocência.
—O que quer dizer?
—Deste um salto na leitura. Deveríamos estar ainda na parte do Moisés e o grande
dilúvio, não na parte das gerações.
—Parece-me que não era Moisés o do dilúvio, Lady Dambury.
—Tolices. É obvio que era.
Elizabeth pensou que Noé entenderia seu desejo de evitar enredar-se em uma
prolongada discussão de referências bíblicas com Lady Dambury, e fechou a boca.
—De qualquer maneira, não importa a quem pegou o dilúvio. O ponto em questão é
que saltaste essa parte para me fazer dormir.
—Eu... ah...
—Oh, só admite, menina. —Os lábios de Lady Dambury se distenderam em um
conhecedor sorriso. —Em realidade, admiro-te por isso. Eu teria feito o mesmo a sua idade.
Elizabeth revirou os olhos. Se este não era um claro caso de, mau se não o fizer,
então não sabia que era. Assim simplesmente suspirou, tomou de novo a Bíblia, e disse:
—Que parte deseja que leia?
—Nenhuma. É um maldito aborrecimento. Não temos nada mais interessante na
biblioteca?
—Estou segura de que sim. Poderia comprová-lo, se quiser.
—Sim, faça-o. Mas antes, poderia me alcançar esse livro de contas? Sim, que está
sobre a mesa.
Elizabeth se levantou, caminhou até a mesinha, e agarrou o livro encadernado em
couro.
—Aqui tem—disse, entregando-lhe a Lady Dambury.
A condessa tomou o livro e o abriu com precisão militar, antes de voltar a olhar a
Elizabeth.
—Obrigado, pequena. Hoje vai chegar um novo administrador e quero ter
memorizados estes números, assim estarei segura de que não me oculta nada durante
meses.
—Lady Dambury—disse Elizabeth, com extremada sinceridade, —até mesmo ao
diabo lhe faltaria coragem para tentar extorqui-la.
Lady Dambury golpeou o chão com sua bengala a modo de aplauso e riu.
—Bem dito, pequena. É agradável ver uma jovem com cérebro na cabeça. Meus
próprios filhos... Bom, ora, não quero entrar nesse assunto agora, exceto para te contar que
a única coisa que conseguiu fazer meu filho com sua cabeça foi que ficasse presa entre os
barrotes da grade que rodeia o Castelo de Windsor.
Elizabeth tampou a boca com a mão em um esforço por sufocar a risada.
—Oh, adiante, ria—suspirou Lady Dambury. —Tenho descoberto que a única
forma de aguentar a frustração maternal é contemplá-la como fonte de diversão.
—Bem—disse Elizabeth cuidadosamente, —essa parece uma inteligente linha de
conduta...
—Seria uma estupenda diplomática, Elizabeth Hotchkiss—soprou alegremente
Lady Dambury. —Onde está meu bebê?
Elizabeth não se alterou. As abruptas mudanças de tema de Lady D. eram
legendários.
—Seu gato—enfatizou, —esteve dormindo sobre o divã durante a última
hora—disse, assinalando através do quarto.
Malcom levantou sua peluda cabeça, tentou enfocar seus sonolentos olhos azuis,
decidiu que o esforço não valia a pena, e claudicou.
—Malcom—arrulhou Lady Dambury, —vem com mamãe.
Malcom a ignorou.
—Tenho uma guloseima para ti.
O gato bocejou, reconheceu a Lady D. como sua fonte principal de alimentação, e
saltou do divã.
—Lady Dambury—repreendeu-a Elizabeth, —sabe que o gato está muito gordo.
—Tolices.
Elizabeth sacudiu a cabeça. Malcom pesava, pelo menos, uma tonelada, embora
uma boa parte desse peso fosse pelo. Ela passava um bom momento cada tarde, depois de
retornar a casa, escovando sua roupa. O que era, realmente, extraordinário, posto que a
presumida besta não se dignou nunca a deixá-la aproximar-se em cinco anos.
—Gatinho bonito—disse Lady D. estendendo os braços.
—Gato estúpido—murmurou Elizabeth, quando o listrado felino a olhou fixamente
para continuar depois com seu caminho.
—É uma coisinha muito doce. —Lady D. esfregou sua mão sobre seu peludo
ventre. —Uma coisinha muito doce.
O gato se estirou no colo de Lady Dambury, recostado de costas, com as patas
estendidas sobre sua cabeça.
—Isso não é um gato—disse Elizabeth. —É um pobre arremedo de tapete.
Lady D. arqueou uma sobrancelha.
—Sei que não o diz a sério, Lizzie Hotchkiss.
—Sim o faço.
—Tolices. Adora ao Malcom.
—Tanto como a Atila o Huno.
—Bom, Malcom te adora.
O gato levantou a cabeça e Elizabeth juraria que lhe mostrara a língua.
Elizabeth levantou-se soltando um grito indignado.
—Esse gato é uma ameaça. Vou à biblioteca.
—Boa ideia. Encontra um livro novo.
Elizabeth se dirigiu à porta.
—Nenhum que contenha "gerou" !
Elizabeth riu de si mesma e se dirigiu através do corredor à biblioteca. O som de
seus passos, desapareceu ao mesmo tempo que caminhava sobre o tapete, e suspirou. Por
Deus, havia um montão de livros! Por onde começar? Selecionou alguns romances, depois
acrescentou uma coleção de comédias de Shakespeare. Um pequeno volume de poesia
engrossou a pilha de livros, e, justo quando estava a ponto de cruzar o corredor para
retornar ao salão junto a Lady Dambury, outro livro chamou sua atenção.
Era muito pequeno, e encadernado em brilhante couro vermelho. Mas o mais
estranho, era que estava caído de lado na estante em uma biblioteca que dava um novo
significado à palavra "ordem". Nem sequer o pó se atrevia a posar nas prateleiras, e
certamente nenhum livro estava fora de seu lugar. Elizabeth apoiou o montão de livros que
levava nas mãos, e endireitou o volume caído. Estava com a lombada para o interior, assim
precisou tirá-lo da estante para ler o titulo.
"Como casar-se com um Marquês"
Deixou cair o livro, meio esperando que um raio a fulminasse, justo ali, na
biblioteca. Certamente aquilo era algum tipo de brincadeira. Ela acabava de decidir essa
tarde que precisava casar-se, e bem...
—Susan? —chamou em voz alta. —Lucas? Jane?
Sacudiu a cabeça. Estava sendo ridícula. Seus irmãos, apesar de quão atrevidos
podiam ser, não entrariam furtivamente na casa de Lady Dambury e poriam um livro falso
em sua biblioteca, e...
Bom, pensou dando voltas na mão ao fino volume vermelho, considerando bem, o
livro não tinha aspecto de ser falso. A encadernação parecia robusta, e o couro das tampas
parecia da mais alta qualidade. Jogou uma olhada ao redor para assegurar-se de que não
havia ninguém vendo-a, embora não estava muito segura de porquê se sentia tão
envergonhada, e cuidadosamente o abriu na primeira página.
A autora era uma tal Senhora Seeton e o livro foi impresso em 1792, o ano de
nascimento de Elizabeth. Uma divertida coincidência, pensou Elizabeth, embora ela não
fosse uma pessoa supersticiosa.
E certamente, não necessitava que um pequeno livro lhe dissesse como viver sua
vida.
Além disso, em realidade, o que é que essa tal Senhora Seeton sabia realmente?
Depois de tudo, se tivesse casado com um marquês, não se chamaria Lady Seeton...
Elizabeth fechou de um golpe o livro, com decisão, e o voltou a pôr na estante, de
lado, na mesma posição em que o encontrara. Não queria que ninguém pensasse que esteve
olhando essa tolice. Agarrou sua pilha de livros e cruzou o corredor até o salão, onde Lady
Dambury continuava sentada, acariciando a seu gato e olhando através da janela fixamente,
como se esperasse a alguém.
—Encontrei alguns livros—disse Elizabeth em voz alta. —Não acredito que
encontre nenhum "gerou" neles, embora possivelmente sim nos do Shakespeare.
—Não as tragédias, espero.
—Não, pensei que em seu atual estado de ânimo acharia as comédias mais
entretidas.
—Boa garota—disse Lady Dambury, de maneira aprovadora. —Algo mais?
Elizabeth piscou e baixou a vista aos livros que sustentava nos braços.
—Alguns romances, e um pouco de poesia.
—Queima a poesia.
—Perdão?
—Bom, não a queime; os livros são mais valiosos que o carvão. Mas, realmente,
não desejo escutá-la. Meu último marido deve ter comprado isso. Tamanho sonhador.
—Já vejo—disse Elizabeth, sobretudo porque pensou que esperava que dissesse
algo.
Com um repentino movimento, Lady Dambury clareou a garganta e agitou a mão no
ar.
—Por que não vai hoje cedo para casa?
A boca de Elizabeth se abriu da surpresa. Lady Dambury nunca a despedira cedo.
—Preciso tratar com esse maldito administrador, e, certamente, não te necessito
para isso. Além disso, se gostar das jovenzinhas bonitas nunca conseguirei que me
empreste atenção contigo aqui.
—Lady Dambury, não acredito...
—Tolices. É uma coisinha bastante atraente. Os homens adoram o cabelo loiro. Eu
sei. O meu estava acostumado a ser tão bonito como o teu.
Elizabeth sorriu.
—Ainda é bonito.
—É branco; isso é o que é—disse Lady Dambury com um sorriso. —É uma doçura.
Não deveria estar aqui, comigo. Deveria estar fora, encontrando um marido.
—Eu... ah... — O que responder a isso?
—É muito nobre de sua parte sua devoção a seus irmãos, mas você também tem
uma vida que viver.
Elizabeth só pôde permanecer olhando fixamente a sua patroa, horrorizada pelas
lágrimas que coalhavam seus olhos. Ela permanecera com Lady Dambury durante cinco
anos, e nunca falaram de tais temas.
—Eu... eu partirei então, posto que diz que posso partir antes.
Lady Dambury assentiu, parecendo estranhamente decepcionada. Esperava que
Elizabeth continuasse com o tema?
—Mas devolve o livro de poesia a seu lugar—mandou-lhe. —Estou segura de que
não o vou ler, e não posso confiar em meus criados para manter meus livros ordenados.
—Muito bem. —Elizabeth deixou o resto dos livros em um extremo de uma frágil
mesinha, recolheu suas coisas, e se despediu. Quando estava saindo do salão, Malcom
saltou silenciosamente do colo de Lady Dambury e a seguiu.
—Vê? —cantarolou Lady D. —Eu disse que ele te adorava.
Elizabeth olhou ao gato receosamente, enquanto se dirigia ao corredor.
—O que quer, Malcom?
O gato estalou a cauda, descobriu os dentes, e sibilou.
—OH! —exclamou Elizabeth, deixando cair o livro de poesia. —É uma besta me
seguindo aqui fora só para me desaprovar...
—Vais lançar o livro em meu gato? —perguntou gritando Lady D.
Elizabeth decidiu ignorar a pergunta e em seu lugar agitou seu dedo em direção a
Malcom, enquanto segurava o livro erguido.
—Retorna com Lady Dambury, criatura horrível.
Malcom elevou orgulhosamente sua cauda no ar e deu meia volta.
Elizabeth respirou profundamente e caminhou para a biblioteca. Dirigiu-se para a
seção de poesia mantendo-se escrupulosamente afastada do pequeno livro vermelho. Não
queria pensar nele, não queria olhá-lo...
Demônios, mas essa coisa virtualmente desprendia calor. Jamais em sua vida se
sentiu Elizabeth tão consciente de um objeto inanimado.
Voltou a colocar o volume de poesia e começou a caminhar com fortes passos para
a porta, começando a sentir-se realmente incômoda consigo mesma. Esse tolo livro não
deixava de afetá-la de uma forma ou outra.
Ao evitá-lo como uma praga, de fato, outorgava-lhe um poder que não tinha, e...
—Oh, pelo amor de Deus! —explodiu finalmente.
—Disse algo? —perguntou Lady Dambury do quarto contíguo.
—Não! Eu só... uh, é que tropecei com o tapete. Isso é tudo. —Resmungou outro
Por Deus! e retornou nas pontas dos pés junto ao livro. Estava convexo e para surpresa da
Elizabeth sua mão saiu disparada e o endireitou de um puxão.
"Como casar-se com um Marquês"
Ali estava igual à antes. Olhando-a fixamente, burlando-se dela ali sentado, como
dizendo que não tinha a sensatez suficiente para lê-lo.
—É só um livro—murmurou. —Só um estúpido e chamativo livrinho vermelho.
E, entretanto...
Elizabeth necessitava dinheiro desesperadamente. Lucas precisava ser enviado a
Eton, e Jane se queixou durante semanas de que gastou a última de suas aquarelas. E ambos
estavam crescendo mais rapidamente que a erva daninha em um dia de verão. Jane podia
passar com os velhos vestidos da Susan, mas Lucas necessitaria roupa adequada com sua
posição social.
O único caminho à riqueza era o matrimônio, e esse descarado livrinho afirmava ter
todas as respostas. Elizabeth não era tão tola para acreditar que podia capturar o interesse
de um marquês, mas possivelmente um pequeno conselho a ajudasse a apanhar a um
cavalheiro rural, um com uma confortável renda. Até se casaria com um comerciante. Seu
pai se revolveria em sua tumba ante o pensamento de aparentar com alguém que tivesse um
negócio, mas uma garota precisava ser prática, e Elizabeth apostava que havia um grande
número de ricos comerciantes aos que não lhes importaria casar-se com a empobrecida
filha de um baronete.
Além disso, era culpa de seu pai que se visse neste apuro. Se ele não...
Elizabeth sacudiu a cabeça. Agora não era o momento de engajar-se no passado.
Precisava concentrar-se em seu atual dilema.
Considerando-o bem, ela não sabia muito a respeito dos homens. Não tinha nem
ideia do que se supunha que precisava lhes dizer ou como se supunha que precisava atuar
para fazer que caíssem apaixonados por ela.
Olhou fixamente o livro. Dificilmente.
Olhou ao redor. Não vinha ninguém...
Inspirou profundamente e rápido como um raio, o livro encontrou seu caminho para
o interior de sua bolsa. E saiu correndo da casa.
hhh
James Sidwell, Marquês de Riverdale, gostava de passar inadvertido. Não havia
nada que gostasse mais que mesclar-se com a multidão, como incógnito, e descobrir feitos e
complôs.
Provavelmente foi por isso que desfrutou tanto de seus anos de trabalho a serviço do
Ministério de Defesa. E foi malditamente bom nisso. A mesma cara e o mesmo corpo que
monopolizavam tanta atenção nos salões de baile de Londres, desapareciam entre a
multidão com alarmante êxito.
James, simplesmente, eliminava o brilho de segurança em si mesmo de seus olhos,
encurvava os ombros, e ninguém suspeitava que pertencesse à aristocracia. É obvio, o
cabelo castanho e os olhos marrons ajudavam. Sempre era bom possuir uma tonalidade
comum. James duvidava que houvesse muitas operações ruivas com êxito.
Mas um ano antes, seu disfarce foi descoberto quando um espião napoleônico
revelou sua identidade aos franceses. E agora o Ministério de Defesa se negava a lhe
atribuir qualquer missão mais excitante que alguma ocasional jogada a rede de
contrabandistas.
James aceitou seu aborrecido destino com um pesado suspiro de resignação.
Provavelmente era hora de dedicar-se a suas propriedades e seu título, de toda forma. Em
algum momento precisava casar-se, por desagradável que a perspectiva lhe parecesse, e
produzir um herdeiro para o marquesado. Então dirigiu sua atenção ao cenário social
londrino, onde um marquês, especialmente um tão jovem e tão arrumado, não passava
inadvertido.
James se sentira alternativamente desgostoso, aborrecido, e divertido.
Aborrecido porque as jovenzinhas, e suas mães, o viram simplesmente como uma
grande presa, pronta para ser capturada.
Desgostoso, porque depois de anos de intriga política, a cor das perucas, e o corte
dos coletes não lhe pareciam fascinantes tema de conversação.
E divertido, porque, para ser franco, se não se obstinasse a seu senso de humor para
submeter-se a esta dura prova, teria ficado desesperado.
Quando a nota de sua tia chegara através de mensageiro especial, esteve perto de
gritar de alegria. Agora, enquanto se aproximava da casa de sua tia, em Surrey, tirou a nota
do bolso e a releu.
Riverdale
Necessito sua ajuda urgentemente. Por favor, te apresente em Dambury House com
a maior rapidez possível. Não viaje em sua melhor carruagem. Direi a todo mundo que é
meu novo administrador. Seu novo nome é James Siddons.
Ágata, Lady Dambury.
James não tinha nem ideia do que era tudo isto, mas sabia que era justo o que
necessitava para aliviar seu aborrecimento e que lhe permitia partir de Londres sem
sentir-se culpado por abandonar suas obrigações.
Viajou em um carro de aluguel, posto que um administrador não possuiria cavalos
tão finos como os seus e caminhou a ultima milha, do centro do povoado até Dambury
House.
Tudo o que precisava estava empacotado em uma bolsa de viagem.
Aos olhos do mundo se convertera no simples James Siddons, um cavalheiro, é
obvio, mas possivelmente alguém com poucos recursos. Suas roupas provinham do fundo
de seu armário, bem cortadas, mas um pouco gastas nos cotovelos e de um estilo de uns
dois anos. Alguns recortes no cabelo com as tesouras de cozinha danificaram eficazmente o
perito corte de cabelo que fizera na semana anterior.
Para todo propósito, o Marquês de Riverdale desaparecera e James não poderia
sentir-se mais satisfeito. É obvio, o plano de sua tia tinha um importante defeito, mas era de
esperar, quando a gente deixa que um aficionado trace os planos. James não visitara
Dambury House em quase uma década; seu trabalho para o Ministério de Defesa não lhe
deixou muito tempo para visitar a família, e, corretamente, não quis pôr a sua tia em
nenhum tipo de perigo. Mas certamente ficava alguém, muito idoso, o mordomo
possivelmente, que o reconheceria, depois de tudo ele passou a maior parte de sua infância
aqui.
Mas uma vez mais, as pessoas viam o que esperavam ver, e quando James atuava
como um administrador as pessoas viam, de fato, a um administrador. Estava perto de
Dambury House, virtualmente nos degraus da entrada principal, de fato, quando as portas
de entrada se abriram de repente e uma pequena mulher loira as atravessou, a cabeça
abaixada, os olhos olhando ao chão, e movendo-se só um pouco mais lenta que uma égua
trotando rapidamente. James não teve nenhuma oportunidade de adverti-la, antes que ela se
lançasse em sua direção.
Seus corpos se chocaram em uma torpe trombada, e a moça deixou escapar um
feminino grito de surpresa enquanto ricocheteava contra ele e aterrissava, pouco
elegantemente, no chão. Uma forquilha, ou cinta, ou o que fosse que as mulheres usassem,
voou de seu cabelo, causando que uma grossa mecha de pálido cabelo dourado se
deslizasse de seu penteado e caísse desordenadamente sobre seu ombro.
—Peço-lhe perdão—disse James, estendendo uma mão para ajudá-la a levantar-se.
—Não, não—respondeu ela, sacudindo suas saias. —Foi completamente culpa
minha. Não olhava por onde ia.
Ela não se incomodou em pegar sua mão para levantar-se, e James se encontrou
estranhamente decepcionado. A moça não usava luvas, e tampouco ele, e sentia uma
estranha compulsão de sentir o tato de sua mão na sua.
Mas não podia dizer semelhante coisa em voz alta, assim em seu lugar, agachou-se
para ajudá-la a recuperar seus pertences. Sua bolsa voara aberta quando caiu a terra, e seus
pertences estavam agora esparramados ao redor de seus pés. Estendeu-lhe as luvas, o que
fez que se ruborizasse.
—Faz muito calor—explicou ela, olhando as luvas com resignação.
—Não o terei em conta —disse ele com um pequeno sorriso. —Como pode ver, eu
também escolhi usar o bom tempo como desculpa para não pôr as minhas.
Ela olhou fixamente suas mãos, antes de sacudir a cabeça e murmurar.
—Esta é a mais estranha conversa. —Ajoelhou-se para seguir recolhendo suas
coisas e James continuou ajudando-a. Recolheu um lenço e estava a ponto de alcançar um
livro quando, repentinamente, ela emitiu um estranho ruído, um pouco parecido a um grito
estrangulado, e o arrebatou de entre os dedos.
James, de repente, encontrou-se profundamente interessado em saber o que continha
esse livro.
Ela pigarreou umas seis vezes antes de dizer: —É muito amável ao me ajudar.
—Não é nenhum incômodo, o asseguro—murmurou James, tentando
descaradamente jogar uma olhada ao livro. Mas ela já o empurrara dentro de sua bolsa.
Elizabeth lhe sorriu nervosamente, deixando escorregar sua mão no interior da
bolsa, só para assegurar-se de que o livro realmente estava ali oculto, a salvo de seu olhar.
Se a pegassem lendo algo semelhante se sentiria mortificada além de toda palavra. Era
sabido que todas as mulheres solteiras procuravam marido, mas só as mais patéticas fêmeas
seriam agarradas lendo um manual sobre o tema.
Ele não disse nada, apenas a percorreu com um especulativo olhar, que a pôs ainda
mais nervosa. Finalmente perguntou abruptamente: —É você o novo administrador?
—Sim.
—Já vejo. —Clareou a garganta. —Bem, suponho que devo me apresentar, já que
estou segura de que nossos caminhos se cruzarão frequentemente. Sou a senhorita
Hotchkiss, a acompanhante de Lady Dambury.
—Ah. Eu sou James Siddons, recém-chegado de Londres.
—Encantada de conhecê-lo, Sr. Siddons—disse Elizabeth, com um sorriso que
James achou estranhamente atraente. —Lamento muitíssimo o acidente, mas é que não
olhava por onde ia.
Esperou sua inclinação de cabeça em reconhecimento, e imediatamente se lançou
caminho abaixo, agarrando sua bolsa como se sua vida dependesse disso. James apenas
pôde olhar como se afastava à carreira, estranhamente incapaz de afastar seus olhos de sua
retirada.
Capítulo 2
—James! —Lady Ágata não gritava frequentemente, mas James era seu sobrinho
preferido. Em realidade, gostava mais que qualquer de seus próprios filhos. Ele, ao menos,
era o bastante elegante para não ser pego com a cabeça encaixada entre as barras de uma
grade de ferro. —Que encantador ver-te!
James se inclinou respeitosamente e ofereceu sua face para um beijo.
—Quão encantador ver-me? —perguntou. —Quase parece surpreendida de minha
chegada. Vamos, já sabe que me é impossível ignorar teu requerimento, muito mais que um
do Príncipe Regente.
—Oh, isso.
James entrecerrou os olhos ante sua evasiva resposta.
—Ágatha, não estará praticando joguinhos comigo, não?
Ela se endireitou rapidamente em sua cadeira, como um fuzil.
—É isso que pensa de mim?
—De todo coração—disse ele, com um fácil sorriso enquanto se sentava. —Aprendi
meus melhores truques de ti.
—Sim, bom, alguém precisava tomar sob sua asa—respondeu-lhe ela. —Pobre
menino. Se eu não houvesse...
—Ágatha—disse James bruscamente. Não tinha nenhum desejo de envolver-se em
uma discussão sobre sua infância. Ele devia tudo a sua tia, até mesmo a sua alma, inclusive.
Mas não queria entrar nisso agora.
—Dá a casualidade —disse ela com um desdenhoso bufo, —de que não estou
jogando. Estou sendo chantageada.
James se inclinou para diante. Chantageada? Ágatha era uma matreira idosa, mas
honesta por cima de tudo, e não podia imaginá-la fazendo nada que pudesse justificar uma
chantagem.
—Pode acreditá-lo? —exigiu ela. —O que alguém se atreveria a me chantagear?
Hmmph, onde está meu gato?
—Onde está seu gato? —repetiu ele.
—Mallllllllllllllcommmmmmm!
James piscou e viu como um monstruoso felino entrava no salão. Caminhou até
James, o cheirou e lhe saltou ao colo.
—Não é o mais amistoso dos gatos? —perguntou Ágatha.
—Odeio os gatos.
—Adoraste ao Malcom.
James decidiu que tolerar ao Malcom era mais fácil que discutir com sua tia.
—Tem ideia de quem pode ser o chantagista?
—Nenhuma.
—Posso te perguntar por que está sendo chantageada?
—É muito embaraçoso—disse ela, seus pálidos olhos azuis começando a brilhar de
lágrimas.
James começou a inquietar-se. Tia Ágatha nunca chorava. Houve poucas coisas em
sua vida que fossem total e completamente constantes, mas uma dela foi Ágatha. Era
afiada, tinha um incisivo senso de humor, amava-o além de toda mesura, e nunca chorava.
Nunca.
Fez gesto de aproximar-se a ela, mas se deteve. Ela não quereria que a consolasse.
Veria-o só como um reconhecimento de sua momentânea exibição de debilidade. Além
disso, o gato não mostrou nenhuma inclinação a abandonar seu colo.
—Tem a carta? —perguntou-lhe suavemente. —Presumo que recebeu uma carta.
Ela assentiu, tomou um livro que havia em uma mesinha ao lado dela, e extraiu
dentre suas páginas uma só folha de papel. Silenciosamente a estendeu.
James, com suavidade, empurrou ao gato para o tapete e ficou em pé. Deu uns
passos em direção a sua tia, e agarrou a carta. Ainda de pé, olhou para o papel que tinha em
suas mãos e o leu.
"Lady D
Conheço seu segredo. E conheço o segredo de sua filha.
Meu silêncio lhe custará dinheiro.”
James levantou a vista.
—Isto é tudo? —Ágatha sacudiu a cabeça e lhe estendeu outra folha de papel.
—Também recebi esta.
James a agarrou.
"Lady D
Quinhentas libras por meu silêncio. As deixe em um saco simples atrás Da Bolsa de
Pregos, na sexta-feira a meia noite. Não diga a ninguém. Não me decepcione.”
—A Bolsa de Pregos? —perguntou James arqueando uma sobrancelha.
—É o botequim local.
—Deixou o dinheiro?
Ela assentiu, envergonhada.
—Mas somente porque sabia que não estaria aqui na sexta-feira.
James fez uma pausa enquanto decidia a melhor maneira de formular sua seguinte
pergunta.
—Acredito—disse devagar, —que o melhor seria que me contasse o segredo.
Ágatha sacudiu a cabeça.
—É muito embaraçoso. Não posso.
—Ágatha, sabe que sou discreto. Já sabe que te quero como a uma mãe. Tudo que
me diga não sairá jamais dentre estas paredes. —Quando ela não fez outra coisa, mais que
morder o lábio, ele perguntou. —A que filha afeta o segredo?
—Melissa—sussurrou Ágatha. —Mas ela não sabe.
James fechou os olhos e deixou escapar um comprido suspiro. Sabia o que vinha a
seguir e decidiu economizar a sua tia a vergonha de dizê-lo ela mesma.
—É ilegítima, não?
Ágatha assentiu.
—Tive um affaire. Só durou um mês. Oh, era tão jovem e tão tola então.
James lutou para que a comoção não se refletisse em seu rosto. Sua tia sempre foi
extremamente rigorosa com o decoro e a conveniência; era inconcebível que pudesse flertar
fora de seu matrimônio. Mas, como ela dissera, foi jovem, e possivelmente, um pouco
amalucada, e depois de tudo o que havia feito por ele em sua vida, não se sentia com direito
a julgá-la.
Ágatha foi sua salvadora, e caso houvesse a necessidade, daria sua vida por ela sem
duvidá-lo nem um segundo.
Ágatha sorriu tristemente.
—Não sei o que vou fazer.
James sopesou suas palavras cuidadosamente antes de falar.
—Seu temor, então, é que o chantagista revele publicamente isto e envergonhe a
Melissa?
—Importa-me um figo a sociedade—disse Agatha com um bufo. —A metade deles
são bastardos. E provavelmente dois terços deles não são legítimos. Meu temor é pela
Melissa. Ela está a salvo casada com um conde, assim o escândalo não a salpicará, mas
estava muito unida a Lorde Dambury. Ele sempre dizia que ela era sua favorita especial.
Romperia seu coração inteirar-se de que não era seu verdadeiro pai.
James não recordava que Lorde Dambury estivesse mais unido a Melissa que ao
resto de seus outros filhos. De fato, não recordava nenhum período em que Lorde Dambury
estivesse perto de seus filhos. Foi um homem cordial, mas distante. Definitivamente do
tipo: crianças devem permanecer em seus quartos e devem descer não mais de uma vez ao
dia. Não obstante, se Agatha sentia que Melissa era a favorita especial de Lorde Dambury,
quem era ele para discuti-lo?
—O que vamos fazer, James? —perguntou Agatha. —É a única pessoa em quem
confio para que me ajude nesta desgraça. E com seus antecedentes...
—Recebeste mais notas? —interrompeu-a James. Sua tia sabia que trabalhou um
tempo para o Ministério de Defesa. Não havia perigo nisso, agora que já não estava ativo,
mas Agatha era muito curiosa, e sempre lhe perguntava por suas façanhas. E havia certas
coisas que não desejava discutir com sua tia. Por não mencionar o fato de que James podia
ser enforcado por divulgar algumas das informações que descobriu durante esses anos.
Agatha sacudiu a cabeça.
—Não. Nenhuma.
—Farei um pouco de investigação preliminar, mas suspeito que não descobriremos
nada útil até que não receba outra carta.
—Acredita que haverá mais?
James assentiu severamente.
—Os chantagistas não sabem quando parar. Esse é seu defeito fatal. Enquanto isso,
fingirei ser seu novo administrador de imóvel. Mas me pergunto como esperas que o faça
sem ser reconhecido.
—Pensava que não ser reconhecido era seu particular talento.
—É—replicou rapidamente, —mas a diferença da França, Espanha e mesmo a
Costa Sul, eu cresci aqui. Ou quase, pelo menos.
Os olhos da Agatha se desfocaram rapidamente. James sabia que estava pensando
em sua infância, em todas as vezes em que enfrentou silenciosamente a seu pai, amargos
enfrentamentos, insistindo em que James estaria melhor permanecendo com os Dambury.
—Ninguém te reconhecerá, assegurou-lhe finalmente.
—Cribbins?
—Morreu o ano passado.
—Oh. Sinto muito. Sempre gostei do idoso mordomo.
—O novo é adequado, suponho, embora o outro dia teve o descaramento de me
pedir que o chamasse Wilson.
James não sabia por que se incomodava, mas lhe perguntou.
—Pode ser porque esse é seu nome, não acredita?
—Suponho—disse ela com um pequeno bufo. —Mas como vou recordar?
—Simplesmente faça.
Ela o olhou severamente.
—Se é meu mordomo, chamarei-o Cribbins. Na minha idade é perigoso fazer
muitas mudanças.
—Agatha—disse James, com mais paciência do que sentia, —podemos voltar para
o problema que temos entre mãos?
—A respeito de ser reconhecido?
—Sim.
—Não ficou ninguém que te reconheça. Não me visitaste em quase dez anos.
James ignorou seu tom acusador.
—Vi-te muitas vezes em Londres e sabe.
—Isso não conta.
Rechaçou perguntar por que. Sabia que morria por explicar-lhe.
—Há algo em particular que precise saber antes de assumir meu papel como
administrador? —perguntou.
Ela sacudiu a cabeça.
—O que pode precisar saber? Criei-te corretamente. Deveria saber todo o necessário
sobre a administração de um imóvel.
Isso era muito certo, embora James preferira deixar a seus administradores a tarefa
de encarregar-se de suas propriedades desde que assumiu o título. Era mais fácil assim,
posto que não achava particularmente entretido perder tempo no Castelo de Riverdale.
—Muito bem, então—disse, ficando em pé. —Já que Primeiro Cribbins não está
entre nós, Deus o tenha em sua glória sua paciente alma.
—Que se supõe que significa isso?
James adiantou a cabeça e a inclinou levemente para um lado de um modo
extremamente sarcástico.
—Alguém que tenha trabalhado para ti durante quarenta anos merece ser
canonizado.
—Maldito impertinente, —murmurou ela.
—Agatha!
—Do que serve conter a língua a minha idade?
James sacudiu a cabeça.
—Como tentava dizer antes, já que Cribbins nos abandonou, ser seu administrador é
tão bom disfarce como qualquer outro. Além disso, me agrada passar algum tempo fora da
cidade, enquanto temos bom tempo.
—Londres está sufocante?
—Muito.
—O ar ou a gente?
James fez uma careta.
—Ambos. Agora, simplesmente me diga onde me instalo. Oh, e tia Agatha —se
inclinou e a beijou na face, —é malditamente agradável ver-te.
Ela sorriu.
—Eu também te quero, James.
hhh
Quando Elizabeth chegou a sua casa, estava sem respiração e coberta de barro.
Esteve tão ansiosa por partir de Dambury House, que virtualmente correu durante o
primeiro quarto de milha.
Infelizmente, foi um verão particularmente úmido em Surrey, e Elizabeth nunca foi
muito coordenada. E quanto a essa protuberante raiz de árvore, não houve forma de
evitá-la, e assim, com um chapinho, Elizabeth viu seu melhor traje arruinado. Não é que
seu melhor vestido estivesse em condições particularmente boas. Não havia suficiente
dinheiro nos cofres dos Hotchkiss para comprar roupa nova, até que a velha estivesse
totalmente gasta. Mas, mesmo assim, Elizabeth tinha certo orgulho, e embora, não podia
vestir a sua família a ultima moda, pelo menos se assegurava que todos fossem asseados e
limpos.
Agora havia barro seco em sua saia de veludo e, pior ainda, realmente roubara um
livro da biblioteca de Lady Dambury. E não qualquer livro. Roubara o que tinha que ser o
mais estúpido e tolo livro de toda a história dos livros impressos. E tudo porque ia leiloar-se
ao melhor comprador.
Tragou as lágrimas que coalhavam seus olhos. O que aconteceria não houvessem
compradores? O que faria então?
Elizabeth golpeou o chão com os pés frente à cabana para sacudir o barro, e depois
se apressou através da porta de sua pequena casa. Tentou escapulir através do vestíbulo,
escada acima, até seu quarto sem que ninguém a visse, mas Susan era muito rápida.
—Deus bendito! O que te aconteceu?
—Escorreguei—grunhiu Elizabeth, sem afastar os olhos das escadas.
—Outra vez?
Isso foi suficiente para fazê-la girar e fulminar a sua irmã com um sanguinário
olhar.
—O que quiseste dizer com isso?
Susan tossiu.
—Nada.
Elizabeth deu meia volta com intenção de partir escada acima, mas golpeou a mão
com uma mesinha.
—Owwwww—gritou.
—Ooh! —disse Susan, fazendo uma careta de simpatia. —Isso deve ter doído.
Elizabeth apenas a olhou fixamente, os olhos convertidos em estreitas frestas.
—Sinto muitíssimo—disse Susan rapidamente, reconhecendo imediatamente o mau
humor de sua irmã.
—Vou ao meu quarto—disse Elizabeth, pronunciando espaçadamente cada palavra,
como se uma cuidadosa dicção pudesse, de alguma forma, fazê-la chegar a seu quarto mais
rapidamente. —E então vou deitar-me e tirar uma sesta. E se alguém me incomoda, não
respondo pelas consequências.
Susan assentiu.
—Jane e Lucas estão brincando lá fora no jardim. Assegurarei-me que não
incomodem se entrarem em casa.
—Bem, eu. Owwwwwwwww!
Susan deu um pulo.
—O que acontece agora?
Elizabeth se agachou e recolheu um pequeno objeto de metal. Um dos soldados de
brinquedo do Lucas.
—Há alguma razão—disse, —para que isto esteja no chão, onde qualquer um possa
pisá-lo?
—Não me ocorre nenhuma—respondeu Susan, com uma débil tentativa de sorriso.
Elizabeth simplesmente suspirou.
—Não estou tendo um bom dia.
—Não, isso pensava.
Elizabeth tentou sorrir, mas tudo o que conseguiu foi esticar os lábios. Mal tinha
forças para arrastar-se escada acima.
—Quer que te suba uma xícara de chá? —perguntou Susan amavelmente.
Elizabeth assentiu.
—Seria estupendo, obrigado.
—Faço-o encantada. Vou a... o que leva na bolsa?
—O que?
—Esse livro.
Elizabeth amaldiçoou baixinho e empurrou o livro sob um lenço.
—Não é nada.
—Pediste um livro emprestado a Lady Dambury?
—É uma maneira de dizê-lo.
—OH, bem. Tenho lido todos os que temos. Embora não tenhamos muitos.
Elizabeth apenas assentiu e tentou rodeá-la.
—Sei que te partiu o coração vender os livros—disse Susan, —mas com isso
pagamos as lições de latim do Lucas.
—De verdade, devo ir...
—Posso ver o livro? Eu gostaria de lê-lo.
—Não! —exclamou Elizabeth, com voz mais forte do que teria gostado.
Susan se arredou.
—Perdão.
—Preciso devolvê-lo amanhã. Isso é tudo. Não te dará tempo para lê-lo.
—Posso lhe jogar uma olhada?
—Não.
Susan insistiu.
—Quero vê-lo.
—Disse que não. —Elizabeth saltou para a direita, conseguindo logo evitar a sua
irmã e lançar-se para as escadas. Mas justo quando seu pé se apoiava no primeiro degrau,
sentiu a mão da Susan agarrando-a pela saia.
—Tenho-te—grunhiu Susan.
—Me solte!
—Não, até que me mostre o livro.
—Susan, sou sua tutora e te ordeno...
—É minha irmã, e estou segura de que me oculta algo.
Raciocinando não o conseguiria, decidiu Elizabeth, assim agarrou sua saia e deu um
forte puxão, com o único resultado de que escorregou do degrau e sua bolsa caiu ao chão.
—Ahá! —exclamou Susan, triunfalmente, segurando o livro.
Elizabeth grunhiu.
—Como casar-se com um Marquês? —Susan levantou o olhar com expressão
perplexa e ao mesmo tempo bastante divertida.
—É só um livro tolo. —Elizabeth sentiu como suas faces começavam a arder. —Só
pensei... isso, só pensei que eu...
—Um marquês? —perguntou Susan, em dúvida. —Pomo-nos metas altas, não?
—Pelo amor de Deus—explodiu Elizabeth. —Não vou casar-me com um marquês.
Mas pode ser que o livro contenha algum tipo de conselho útil, posto que preciso me casar
e ninguém me tem proposto isso.
—Exceto o fazendeiro Nevins—murmurou Susan, olhando as páginas do livro.
Elizabeth tragou bílis. O só pensamento de que o fazendeiro Nevins a tocasse,
beijasse-a... fez que lhe gelasse o sangue. Mas se era a única forma em que podia salvar a
sua família... Fechou os olhos com força. Precisava haver algo nesse livro que pudesse lhe
ensinar a conseguir um marido.
Qualquer coisa!
—Realmente, isto é bastante interessante—disse Susan, deixando cair-se sentada no
tapete, junto à Elizabeth. —Escuta isto: Decreto Numero Um...
—Decreto? —repetiu Elizabeth. —Há decretos?
—Aparentemente sim. Parece-me que este negócio de encontrar marido é mais
complicado do que pensava.
—Só me diga o que diz o decreto.
Susan piscou e sob a vista.
—Seja única. Mas não muito.
—Que demônios significa isso? —explodiu Elizabeth. —É o mais ridículo que ouvi
em minha vida. Amanhã devolvo o livro. Quem é essa senhora Seeton, de toda forma?
Certamente não uma marquesa, assim não tenho por que escutar...
—Não, não—disse Susan, agitando a mão sem olhar a sua irmã. —Isso era só o
titulo do Decreto. Agora vem a explicação.
—Não estou segura de querer escutá-la—queixou-se Elizabeth.
—É realmente interessante.
—Me dê isso. —Elizabeth arrebatou o livro da sua irmã e leu em silêncio.
"É indispensável que você seja uma mulher totalmente única. Seu feitiço deve
fascinar a seu Lorde até o ponto de que seja incapaz de ver algo além de seu rosto."
Elizabeth soprou.
—Seu feitiço? Não ver a além de seu rosto? Onde aprendeu esta mulher a escrever?
Em uma farmácia?
—Pois eu acredito que a parte de além e seu rosto é muito romântica—disse Susan,
com um encolhimento de ombros.
Elizabeth a ignorou.
—Onde esta a parte de não ser muito única? Ah, aqui.
“Deve esforçar-se por conter seu encanto de modo que ele seja o único que o
perceba. Deve lhe demonstrar que você será vantajosa como esposa. Nenhum Lorde do
reino deseja ser exposto a constrangimentos e o escândalo.”
—Acredita que conseguirá não salpicá-lo com algo? —perguntou Susan. Elizabeth
a ignorou e continuou lendo.
“Em outras palavras, deve se destacar em um grupo, mas só em seu grupo. Para
ele, é a única coisa que importa.”
Elizabeth levantou a vista.
—Há um problema.
—Há?
—Sim. —deu-se leves golpes na fronte com o indicador, como era seu costume
habitual sempre que pensava profundamente em um problema. —Em todos os decretos se
pressupõe que depositei minhas esperanças em um só homem.
A Susan lhe exageraram os olhos.
—Não pode te fixar em um homem casado!
—Refiro-me a um homem em particular—replicou Elizabeth, golpeando a Susan
com força em um ombro.
—Já vejo. Bem, a senhora Seeton tem razão. Não pode te casar com dois homens de
uma vez.
Elizabeth fez uma careta.
—É obvio que não. Mas acredito que devo me fixar em mais de um se quero me
assegurar uma oferta de matrimônio. Não te lembra de que mamãe sempre nos dizia que
não devíamos colocar todos nossos ovos em uma só cesta?
—Hmmm—refletiu Susan, —aí, tem sua razão. Terei que investigar o problema
esta noite.
—Perdão?
Mas Susan já se pôs em pé, e estava subindo as escadas.
—Lerei o livro esta noite—gritou-lhe do patamar, —e te informarei pela manhã.
—Susan!—Elizabeth usou o tom mais severo. —Desça e me devolva esse livro
imediatamente.
—Não me dá medo! Terei resolvida nossa estratégia pelo café da manhã! —E o
seguinte que Elizabeth ouviu foi o som de uma chave girando em uma fechadura enquanto
Susan se entrincheirava no quarto que compartilhava com Jane.
—O café da manhã? —murmurou Elizabeth. —Não pensa descer para jantar, então?
Aparentemente assim era. Ninguém viu o cabelo de Susan, nem ouviu o mínimo
ruído de seu quarto. Essa noite, o clã Hotchkiss, contou apenas com três membros para o
jantar, e a pobre Jane, inclusive, ficou sem lugar onde dormir e teve que compartilhar a
cama com a Elizabeth.
A Elizabeth não pareceu divertido. Jane era um encanto, mas lhe roubou todas as
mantas.
Quando Elizabeth desceu a tomar o café da manhã no dia seguinte, Susan estava já
sentada à mesa, com o pequeno livro vermelho em suas mãos. Elizabeth observou
severamente que a cozinha não mostrava nenhum sinal de uso.
—Não poderia ter começado a preparar o café da manhã? —perguntou irritada,
procurando no armário dos ovos.
—Estive muito ocupada—replicou Susan. —Muito ocupada.
Elizabeth não replicou. Maldição. Só restavam três ovos. Teria que ficar sem tomar
o café da manhã e rezar para que Lady Dambury tivesse planejado um copioso almoço para
este dia.
Colocou a frigideira de ferro sobre o tripé em cima do fogo e jogou os três ovos
abertos nela. Susan captou a indireta e começou a cortar o pão em fatias para as torradas.
—Algumas dessas regras não são tão difíceis—disse enquanto trabalhava.
—Acredito que mesmo você pode as seguir.
—Estou aflita por sua confiança—disse Elizabeth secamente.
—De fato, deveria começar a praticar já. Não vai dar Lady Dambury uma festa este
verão? Certamente haverá possíveis maridos entre os convidados.
—Eu não estarei entre os convidados.
—Será que Lady Dambury não vai te convidar? —indignou-se Susan, claramente
ultrajada. —Não posso acreditar nisso! Pode ser que seja sua acompanhante, mas também é
a filha de um baronete, e assim...
—É obvio que me convidará—replicou Elizabeth, sem entonação. —Mas recusarei
o convite.
—Mas por quê?
Elizabeth não respondeu imediatamente, apenas ficou contemplando como se
coalhavam os ovos na frigideira.
—Susan, disse finalmente, —me olhe.
Susan a olhou.
—E?
Elizabeth agarrou um punhado do gasto e descolorido tecido verde de seu vestido e
o sacudiu.
—Como vou a uma luxuosa festa vestida como estou? Pode ser que esteja
desesperada, mas tenho meu orgulho.
—Podemos cruzar essa ponte quando chegarmos a ela—decidiu Susan com firmeza.
—Isso não importa, de toda forma. Não se seu futuro marido não pode ver nada além de
seu rosto.
—Se voltar a ouvir essa frase uma vez mais...
—Enquanto isso—interrompeu-a Susan, —devemos aprimorar suas habilidades.
Elizabeth lutou contra o impulso de esmagar as gemas dos ovos.
—Não comentou que Lady Dambury tinha um novo administrador?
—Não o fiz!
—Não foi você? Oh. Bom, então seria Fanny Brinkley, que deve ter ouvido de sua
criada, que deve ter ouvido...
—Vá direto ao ponto, Susan—disse Elizabeth, rangendo os dentes.
—Por que não pratica com ele? A menos que seja horrorosamente repulsivo, claro.
—Não é repulsivo—resmungou Elizabeth. Suas faces começaram a arder, e
manteve a cabeça baixa, para que Susan não visse seu rubor. O novo administrador de Lady
Dambury estava longe de ser repulsivo.
De fato, era um dos homens mais arrumados que viu. E seu sorriso causou os mais
estranhos efeitos em seu estômago. Desgraçadamente não tinha montanhas de dinheiro.
—Bem! —disse Susan, com uma excitada palmada. —Tudo o que precisa fazer é
que se apaixone por ti.
Elizabeth retirou os ovos de um puxão.
—E então o quê? Susan, é um administrador de propriedades. Não vai ter suficiente
dinheiro para enviar ao Lucas a Eton.
—Boba, não vais casar-te com ele. Só vais praticar com ele.
—Isso soa bastante insensível—disse Elizabeth, com o cenho franzido.
—Bom, não tem outra pessoa sobre a que provar suas habilidades. Assim escuta
cuidadosamente. Selecionei várias regras com as quais começar.
—Regras? Acreditava que eram decretos.
—Decretos, regras, tudo é o mesmo. Bem, depois de...
—Jane! Lucas! —chamou Elizabeth. —O café da manhã está preparado.
—Como estava dizendo, penso que deveríamos começar com os decretos, dois, três
e cinco.
—E o que acontece com o quatro?
Susan teve o detalhe de ruborizar-se.
—É que esse se refere a se vestir à última moda.
Elizabeth resistiu ao impulso de lhe jogar um ovo frito.
—Em realidade—disse Susan, franzindo o cenho—deveria começar praticando
principalmente o decreto número dois.
Elizabeth sabia que não devia perguntar, mas algum demônio interno a forçou a
dizer.
—E qual é esse?
Susan leu.
—Seu encanto deve surgir sem esforço.
—Meu encanto deve surgir sem esforço. E que demônios me faz falta praticar? Ow!
—Penso que pode significar que não agite os braços de tal forma que você golpeie a
mão com a mesa. —Se as olhadas matassem, possivelmente Susan estaria jazendo
agonizante nesse momento. Susan elevou o nariz altivamente. —Só digo a verdade, disse
com um bufo.
Elizabeth continuou fulminando-a com o olhar, ao mesmo tempo que chupava o
dorso da mão, como se pressionando os lábios contra o lugar onde se golpeou fosse
conseguir que deixasse de doer.
—Jane! Lucas! —chamou de novo, quase gritando desta vez. —Venham já! O café
da manhã vai esfriar!
Jane entrou saltando na cozinha e se sentou. A família Hotchkiss há tempo tinha
prescindido da formalidade de servir o café da manhã na sala de jantar, tomava sempre na
cozinha. Além disso, no inverno todos gostavam de sentar-se perto do fogão. E no verão,
bom, os hábitos eram difíceis de romper, supunha Elizabeth.
Sorriu a sua irmã menor.
—Parece um pouco desalinhada esta manhã, Jane.
—Isso é porque alguém me deixou fora do meu quarto ontem à noite—disse Jane,
dirigindo um amotinado olhar para a Susan. —Nem sequer pude me pentear.
—Poderia ter usado a escova de Lizzie—respondeu Susan.
—Eu gosto de minha escova—objetou Jane. —É de prata.
Não de verdadeira prata, pensou Elizabeth ironicamente, ou teria tido que vendê-la
como todo o resto.
—Serve para o mesmo.
Elizabeth pôs fim à discussão com um grito.
—Lucas!
—Há leite? —perguntou Jane.
—Temo que não, carinho—respondeu Elizabeth, deslizando um ovo em seu prato.
—Apenas o suficiente para o chá.
Susan pôs de supetão um pedaço de pão no prato de Jane e disse a Elizabeth.
—Sobre o decreto numero dois?
—Agora não—chiou Elizabeth, com um intencionado olhar para Jane, que, graças a
Deus, estava muito ocupada afundando um dedo na fatia de pão, para emprestar atenção a
suas irmãs.
—Minha torrada está crua—disse Jane.
Elizabeth não teve tempo de admoestar a Susan por esquecer-se de torrar o pão,
antes que Lucas entrasse na cozinha.
—Bom dia! —disse alegremente.
—Parece especialmente contente—disse Elizabeth, lhe revolvendo o cabelo antes de
lhe servir o café da manhã.
—Hoje vou pescar com o Tommy Fairmont e seu pai. —Engoliu três quartos do
ovo antes de adicionar. —Esta noite jantaremos bem.
—Isso é estupendo, querido—disse Elizabeth. Jogou uma olhada ao pequeno
relógio sobre a lareira, e disse. —Devo ir. Certifica-se de que a cozinha fique limpa?
Lucas assentiu.
—Eu fiscalizarei.
—Também poderia ajudar.
—Isso também—grunhiu ele. —Posso pegar outro ovo?
O estômago de Elizabeth grunhiu em solidariedade.
—Não há mais—disse-lhe.
Jane a olhou com suspeita.
—Não comeste nenhum, Lizzie.
—Tomarei o café da manhã com Lady Dambury—mentiu Elizabeth.
—Toma o meu. —Jane empurrou o que restava de café da manhã, dois bocados de
ovo e um pedaço de pão tão destroçado, que teria tido que estar muito, muito mais faminta,
apenas para cheirá-lo através da mesa.
—Termine isso você, Jane, —disse Elizabeth. —Comerei com Lady Dambury.
Prometo-lhe isso.
—Vou ter que capturar um peixe enorme—ouviu que Lucas sussurrava a Jane.
E aquela foi a gota que encheu o copo. Elizabeth esteve resistindo a aquela caça de
marido; odiava quão mercenária se sentia apenas por considerá-lo. Mas já não mais. Que
tipo de mundo era esse que um menino de oito anos se preocupava com capturar um peixe,
não por esporte, a não ser para poder encher os estômagos de suas irmãs?
Elizabeth jogou os ombros para trás e partiu para a porta.
—Susan—disse asperamente, —posso falar um momento contigo?
Jane e Lucas trocaram olhadas.
—Vai brigar com ela porque esqueceu de torrar o pão.
—Torradas cruas—disse Lucas turvamente, sacudindo a cabeça. —Isso é contrário
à natureza do homem.
Elizabeth revirou os olhos enquanto saía. De onde tirava essas coisas?
Quando estavam a salvo, a uma distância segura, voltou-se para Susan e disse.
—O primeiro de tudo, não quero nenhuma menção do “caça de marido”, diante das
crianças.
Susan levava o livro da senhora Seeton na mão.
—Então vais seguir seus conselhos?
—Não vejo que tenha outra escolha—murmurou Elizabeth. —Só me leia essas
regras.
Capítulo 3
Elizabeth resmungava para si mesma quando entrou no Dambury House aquela
manhã. A bem da verdade, ela esteve resmungando para si mesma todo o caminho.
Prometera a Susan que tentaria pôr em prática os decretos da senhora Seeton com o
novo administrador de Lady Dambury, mas ela não via como poderia fazer isto sem romper
o Decreto Número dois:
"Não procure nunca a um homem. Obrigue-o sempre a vir atrás de você."
Elizabeth supôs que esta era uma regra que ia ter que romper. Também se
perguntava como reconciliar os Decretos Três e Cinco, que eram:
"Nunca deve ser grosseira. Um cavalheiro necessita uma dama que seja o epítome
da graça, a dignidade e as boas maneiras."
E:
"Não converse nunca com um cavalheiro durante mais de cinco minutos. Se for
você quem finaliza a conversação, ele fantasiará com o que você poderia ter dito a seguir.
Desculpe-se e desapareça, vá ao quarto toalete, se for necessário. Sua fascinação por você
aumentará se ele pensar que você tem outras possibilidades matrimoniais."
Isto era o que deixara a Elizabeth realmente aturdida. Pareceu-lhe que ainda se ela
se desculpasse, era bastante grosseiro finalizar uma conversação depois de só cinco
minutos. E segundo a senhora Seeton, um cavalheiro necessitava uma senhora que nunca
fosse grosseira. E isto, sem nem sequer começar a considerar todas as outras regras que
Susan lhe gritara quando saiu de casa essa manhã. Seja encantadora. Seja doce. Deixe que
ele seja quem fala. Não deixe que note que você é mais esperta que ele.
Com todas estas tolices com as quais preocupar-se, Elizabeth se expôs rapidamente
a ideia de converter-se na senhorita Hotchkiss, uma velha solteirona, indefinidamente.
Quando entrou em Dambury House, encaminhou-se imediatamente ao salão, como
era seu costume. Lady Dambury estava ali, sentada em sua cadeira favorita, rabiscando a
correspondência e resmungando para si mesma enquanto o fazia. Malcolm estava estirado
sobre um amplo batente. Abriu um olho, julgou a Elizabeth indigna de sua atenção, e voltou
a dormir.
—Bom dia, Lady Dambury—disse Elizabeth com uma inclinação de cabeça.
—Quer que eu faça isso por você? —A senhora Dambury sofria de dor nas articulações, e
Elizabeth com frequência escrevia a correspondência para ela.
Mas Lady Dambury apenas empurrou o papel em uma gaveta.
—Não, não, não faz falta. Meus dedos se sentem bastante bem esta manhã.
—Dobrou-os e os agitou no ar para Elizabeth, como uma bruxa jogando algum tipo de
sortilégio.—Vê?
—Me alegro que se encontre tão bem—respondeu Elizabeth vacilante,
perguntando-se se acabava de ser enfeitiçada.
—Sim, sim, um dia muito bom. Muito bom em efeito. A condição de que,
certamente, não comece a me ler a Bíblia outra vez.
—Não sonharia fazê-lo.
—Realmente, há algo que pode fazer para mim.
Elizabeth arqueou suas loiras sobrancelhas interrogante.
—Preciso ver meu novo administrador. Trabalha em um escritório adjacente aos
estábulos. Poderia trazê-lo aqui?
Elizabeth conseguiu se impedir no ultimo segundo de ficar com a boca aberta.
Estupendo! Conseguiria ver o novo administrador e não teria que romper o Decreto
Número dois ao fazê-lo. Bem, tecnicamente supôs que ia buscá-lo, mas em realidade não
contava já que lhe ordenara fazê-lo assim sua patroa.
—Elizabeth! —disse Lady Dambury em voz alta.
Elizabeth piscou.
—Sim?
—Preste atenção quando te falo. É bastante descortês por sua parte sonhar acordada.
Elizabeth não pôde evitar uma careta ante a ironia. Ela não fantasiava a cinco anos.
Uma vez sonhou com o amor e o matrimônio, e ir ao teatro, e viajar a França. Mas todos
estes sonhos se detiveram quando seu pai morreu e suas novas responsabilidades deixaram
óbvio que seus pensamentos secretos eram meros sonhos impossíveis, destinados a não
realizar-se nunca.
—Sinto-o terrivelmente, milady—disse.
Os lábios de Lady Dambury se franziram de tal modo que Elizabeth soube que não
estava realmente zangada.
—Simplesmente traga-o—disse Lady D.
—Imediatamente—disse Elizabeth afirmando com a cabeça.
—Ele tem o cabelo castanho e olhos negros e é bastante alto. Assim já sabe a quem
procurar.
—Ah, conheci senhor Siddons ontem. Tropecei com ele quando partia a casa.
—Sim? —Lady Dambury a olhou perplexa. —Ele não mencionou nada.
Elizabeth inclinou a cabeça confusa.
—Por que razão o faria? Certamente não terá efeito sobre seu emprego aqui.
—Não. Não, suponho que não. —Lady Dambury franzia a boca outra vez, como se
estivesse considerando algum enorme e irresoluto problema filosófico. —Vá até ele então.
Requererei sua companhia uma vez que tenha terminado com o J... er..., o senhor Siddons.
Ah, e enquanto consulto com ele, pode ir e me trazer meu bordado.
Elizabeth sufocou um gemido. A ideia da senhora Dambury de bordar consistia em
olhar como Elizabeth bordava e lhe dar copiosas instruções enquanto fiscalizava o trabalho.
E Elizabeth odiava bordar. Ela já tinha costura mais que suficiente em casa, com toda a
roupa que precisava ser cerzida.
—A capa de travesseiro verde, parece-me, não a amarela—acrescentou Lady
Dambury.
Elizabeth assentiu distraidamente e partiu para a porta.
—Seja única—sussurrou para si mesma, —mas não muito única. —Sacudiu a
cabeça.
O dia que ela entendesse o que isso significava seria o dia que o homem caminharia
pela lua.
Em outras palavras, nunca.
Quando chegou à área dos estábulos, repetiu as regras a si mesma ao menos dez
vezes cada uma e tinha a cabeça tão turvada com todas elas que de boa vontade teria
empurrado à senhora Seeton por uma ponte se a senhora em questão estivesse no local.
Certamente não havia nenhuma ponte no local, de toda forma, mas Elizabeth preferiu
passar por cima aquele ponto.
O escritório e o lar do administrador era uma construção situada diretamente à
esquerda dos estábulos. Era uma pequena casinha de campo de três ambientes com uma
pesada chaminé de pedra e um teto coberto com palha. A porta de rua se abria a uma
pequena sala, com um dormitório e um escritório na parte de trás. O edifício tinha uma
aparência limpa e ordenada, o que Elizabeth supôs fazia sentido, já que uma das obrigações
dos administradores era se preocupar da boa manutenção de edifícios. Permaneceu de pé
ante a porta durante aproximadamente um minuto, respirando profundamente várias vezes e
recordando-se que ela era uma jovem razoavelmente atraente e de aparência agradável. Não
havia nenhuma razão pela qual este homem, em quem ela não estava interessada, em
realidade devesse desdenhá-la.
Era engraçado, pensou Elizabeth ironicamente, que ela nunca anteriormente tivesse
se sentido inquieta ao conhecer gente nova. Tudo isto era culpa dessa maldita caça de
marido e desse livro duplamente maldito.
—Poderia estrangular à senhora Seeton—resmungou ela enquanto levantava a mão
para bater na porta. —De fato, poderia fazê-lo facilmente.
A porta não estava fechada corretamente e se abriu de repente uns centímetros
quando Elizabeth a golpeou. Chamou em voz alta.
—Senhor Siddons? Está você aí? Senhor Siddons?
Nenhuma resposta.
Empurrou a porta que se abriu uns quantos centímetros mais e colocou um pouco a
cabeça.
—Senhor Siddons?
O que devia fazer agora? Evidentemente não estava em casa. Elizabeth suspirou,
apoiando o ombro esquerdo contra o marco da porta enquanto sua cabeça se deslizava por
inteiro no quarto. Supôs que ia ter que ir procurá-lo, e o céu sabia onde podia estar. Era
uma propriedade bastante grande, e não se sentia particularmente excitada ante a
perspectiva de explorá-la por inteiro procurando o errante senhor Siddons, nem sequer
embora o necessitasse desesperadamente para pôr em prática os decretos da senhora
Seeton.
Enquanto estava ali parada, deixou seus olhos vagar sobre o conteúdo do quarto. Ela
esteve dentro da pequena casinha de campo antes e sabia que objetos pertenciam a Lady
Dambury. Não parecia que o senhor Siddons houvesse trazido muitos pertences com ele.
Somente uma pequena bolsa de viagem no canto, e... Elizabeth ofegou. Um pequeno livro
vermelho. Justo ali, sobre a mesa do fundo. Como diabos conseguira o senhor Siddons uma
cópia de Como casar-se com um Marquês? Não podia imaginar que esta era o tipo de livro
que um homem comprava em uma livraria. Com a boca aberta da surpresa cruzou o quarto
a passo longos e rapidamente agarrou o livro.
ENSAIOS de Francis Bacon? Elizabeth fechou os olhos e amaldiçoou. Deus
querido, estava obcecada. Pensava que via esse pequeno livro estúpido detrás de cada
canto.
—Estúpida, estúpida, estúpida, resmungou ela, voltando-se rapidamente para deixar
o livro sobre a mesa. —A senhora Seeton não sabe tudo. Precisa parar. Ow!
Uivou quando sua mão direita se chocou com a lanterna de cobre apoiada sobre a
mesa. Agarrando o livro com sua mão esquerda, sacudiu a direita, tentando mitigar a aguda
dor.
—Ah ah ah ah ah! —Grunhiu.
Isto era pior que golpear um dedo do pé, e o Senhor sabia que ela tinha suficiente
experiência nisso. Fechou os olhos e suspirou.
—Sou a moça mais tola de toda a Inglaterra, a cabeça de vento maior de toda
Grã-Bretanha.
Ouviu um rangido.
Elevou a cabeça. O que era isso? Tinha soado como um pé pisando em seixos
soltos. E havia seixos fora da casinha do administrador.
—Quem está aí? —chamou, com uma voz que soou bastante estridente a seus
ouvidos.
Nenhuma resposta.
Elizabeth estremeceu, mau sinal, considerando que foi um mês inoportunamente
quente. Ela nunca acreditara na intuição, mas definitivamente algo ia mau.
E Elizabeth temeu que seria ela a única que sofreria as consequências.
hhh
James passou a manhã montando a cavalo pela propriedade. Ele a conhecia de cima
abaixo, certamente; quando era um menino ele passou mais tempo aqui, em Dambury
House, que em sua própria casa, Riverdale Castle. Mas se devia continuar com sua farsa
como o novo administrador, precisava inspecionar as terras.
Era um dia quente e quando finalizou seu passeio de três horas, suas sobrancelhas
estavam molhadas pela transpiração e sua camisa de linho se aderia a sua pele. Um banho
teria sido perfeito, mas em sua condição de administrador não tinha direito a ordenar que os
criados de Dambury House lhe enchessem uma tina, assim teria que conformar-se
refrescando-se com a bacia de água que tinha em seu dormitório.
Não esperava encontrar a porta de sua casinha de campo aberta.
Ajustou seu passo para fazer suas pegadas tão silenciosas como foi possível e se
aproximou da porta. Olhando atentamente dentro, viu as costas de uma mulher. A
acompanhante de tia Agatha, se seu pálido cabelo loiro e sua pequena figura serviam de
indicação.
Ele se sentiu intrigado por ela no dia anterior. Não dera conta de quanto até este
momento, em que a via inclinada sobre sua cópia dos ENSAIOS de Francis Bacon.
Francis Bacon? Para alguém ser uma ladra, tinha uns gostos bem intelectuais
quanto a leitura.
Olhá-la era quase hipnótico. Seu rosto estava de perfil, e seu nariz se enrugou de
uma forma muito divertida enquanto ela examinava o livro. Sedosos fios de cabelo loiro
escaparam de sua touca e se frisavam sobre seu pescoço. Sua pele parecia cálida.
James conteve o fôlego, tentando não fazer caso do calor que se enroscava em seu
ventre.
Inclinou-se tanto como pôde sobre o marco da porta sem delatar-se. Que demônios
estava dizendo a moça? Obrigou-se a concentrar-se em sua voz, o que não era fácil, já que
seus olhos seguiam percorrendo a suave curva de seus seios, e aquele ponto em sua nuca
onde...
James se beliscou. A dor geralmente atuava como um antídoto contra a necessidade
de beijar a alguém.
A senhorita Hotchkiss murmurava algo, e soava bem zangada.
—...estúpida...
James estava de acordo com isso. Revistar seu quarto a plena luz do dia não era um
movimento muito inteligente por sua parte.
—...senhora Seeton...
Quem demônios era essa?
—Ow!
James olhou mais de perto. Ela sacudia a mão e fulminava com o olhar a sua
lanterna. Teve que sorrir. Parecia tão furiosa que ele não se surpreenderia se a lanterna
tivesse explodido espontaneamente em chamas. E deixava escapar alguns gemidos de dor
que causavam estranhos espasmos a seu estômago. Seu primeiro instinto foi precipitar-se a
ajudá-la. Seguia sendo um cavalheiro, depois de tudo, sob qualquer disfarce que tivesse
escolhido. E um cavalheiro sempre ia ajudar a uma mulher ferida.
Mas vacilou. Ela não estava gravemente ferida depois de tudo, e que demônios fazia
ela em sua casinha de campo, de todo modo? Poderia ser ela a chantagista?
E se fosse, como podia saber que ele estava aqui para investigar? Porque se ela não
estava investigando a ele, por que revistava seus pertences? As boas garotas, do tipo que
trabalhavam como acompanhantes de idosas condessas, não faziam aquele tipo de coisas.
Certamente ela podia não ser mais que uma pequena ladra, esperando que o novo
administrador fosse um cavalheiro vindo ao menos com algumas pequenas relíquias de
família em seu poder. Um relógio, uma pequena peça de joalheria de sua mãe, o tipo de
coisa que um homem fosse resistente a separar-se, ainda se suas circunstâncias o tivessem
obrigado a procurar emprego.
Ela fechou os olhos e suspirou, virando-se.
—Sou a moça mais tola de toda a Inglaterra, a cabeça de vento maior de toda
Grã-Bretanha.
James se aproximou mais, arqueando o pescoço enquanto tentava captar todas suas
palavras.
Ouviu um rangido.
—Maldição—articulou James silenciosamente, movendo-se rapidamente de modo
que suas costas ficassem pressionadas contra a parede exterior da casinha de campo. Fazia
anos que não dava um passo tão descuidado.
—Quem está aí? —chamou ela.
Ele já não podia ver se tinha se movido muito longe da porta. Mas soava cheia de
pânico. Como se fosse correr a qualquer momento.
James correu, situando-se rapidamente a meio caminho entre os estábulos e a
casinha de campo. Quando ouvisse a acompanhante de tia Agatha sair da casinha,
começaria a caminhar para a casa, a descoberto, olhando a um e outro lado como se
acabasse de chegar. Uns segundos depois, ouviu o estalo da porta fechando-se. Uns passos
seguiram ao som, e James entrou em cena.
—Bom dia, senhorita Hotchkiss—saudou-a em voz alta, seus largos passos o
situaram justo em frente dela.
—Ah! —grasnou Elizabeth, dando um salto. —Não o vi.
James sorriu.
—Peço-lhe perdão se a assustei.
Elizabeth agitou a cabeça, suas faces começaram a tornar-se rosadas.
James pressionou um dedo contra sua boca para ocultar um triunfante sorriso. Ela
era culpada de algo. Um rubor assim não surgia sem motivo.
—Não, não, está bem—gaguejou ela. —Eu, ah, eu, em realidade deveria aprender a
olhar por onde vou.
—O que lhe traz por aqui? —perguntou-lhe James. —Tinha a impressão de que a
maior parte de suas obrigações requeriam sua presença na casa.
—Faço-o. Quero dizer, fazem-no. Mas em realidade me enviaram para lhe buscar.
Lady Dambury gostaria de falar com você.
Os olhos do James se estreitaram. Não duvidou da moça; obviamente era muito
inteligente para mentir sobre algo que poderia ser facilmente comprovado. Mas por que,
então, revistara sua casa?
O bate-papo podia lhe revelar algo. E pelo bem de sua tia, ele precisava averiguar o
que. Ele teve que interrogar anteriormente a mulheres, e sempre era capaz de lhes surrupiar
o que precisava saber. De fato, seus superiores no Ministério de Defesa brincavam
frequentemente de que aperfeiçoara a arte de interrogar às mulheres.
As mulheres, chegou à conclusão fazia tempo, eram de natureza diferente dos
homens. Eles eram basicamente introvertidos. Tudo que alguém precisava fazer era
perguntar a uma mulher sobre ela mesma, e provavelmente contaria sua vida por completo.
Havia uma ou duas exceções a esta regra, certamente, Lady Dambury, por exemplo, era
uma, mas...
—Vai algo mal? —perguntou a senhorita Hotchkiss.
—Desculpe?
—Estava tão calado—indicou ela, mordendo logo o lábio.
—Simplesmente distraído, —mentiu James. —Confesso que não posso pensar em
por que Lady Dambury requer minha presença. A vi a primeira hora esta manhã.
Elizabeth abriu a boca, mas não tinha nenhuma resposta.
—Não sei, —disse finalmente. —Tenho descoberto que é melhor não se perguntar
pelos motivos de Lady Dambury. Esgota-me o cérebro tentar entender como trabalha sua
mente.
James riu entre dentes a seu pesar. Não queria que gostasse desta moça, mas ela
pareceu encarar a vida com estranha graça e humor. E certamente descobriu o melhor modo
de tratar com sua tia.
—Aceite a tudo o que diga e faça o que você quer—isso sempre funcionara com ele.
James estendeu o braço, e se dispôs a encantá-la até que lhe revelasse todos seus
segredos.
—Acompanhar-me-á à mansão? É obvio, sempre que não tenha nada mais que fazer
aqui fora.
—Não.
James elevou as sobrancelhas interrogante.
—Quero dizer que não, não tenho nada mais que fazer. —Elizabeth sorriu
fracamente. —E sim, estaria encantada de lhe acompanhar.
—Excelente—disse James suavemente. —Não posso esperar a aprofundar nossa
relação.
Elizabeth respirou profundamente enquanto deslizava seu braço no dele. Ela metera
o pé com sua última declaração, mas pelo resto, pensou que se manteve às regras da
senhora Seeton com admirável diligencia. Inclusive as tinha arrumado para fazer sorrir ao
senhor Siddons, o qual precisava figurar em alguma parte daqueles decretos. E se não
figurava, deveria fazê-lo.
Certamente os homens apreciavam a uma mulher que sabia como dar uma resposta
engenhosa.
Elizabeth franziu o cenho. Possivelmente isto ficava incluído na parte de ser única...
—Parece bastante séria—disse James.
Elizabeth deu um salto. Maldição! Precisava manter a mente enfocada neste
cavalheiro. Não dizia em alguma parte do livro algo sobre emprestar a um cavalheiro
completa atenção? Teria que ser durante cinco minutos, antes que alguém cortasse a
conversação, certamente.
—Quase—continuou ele, —como se estivesse profundamente concentrada em algo.
Elizabeth quase gemeu em voz alta. Era muito para que seu encanto aparecesse com
facilidade. Ela não estava muito segura de como isto se aplicava à presente situação, mas
estava bastante segura que, realmente, não devia dar a impressão de que seguia uma guia.
—Certamente—prosseguiu o senhor Siddons, obviamente inconsciente de sua
angústia, —eu sempre achei que as mulheres sérias eram as mais fascinantes.
Podia fazê-lo. Ela sabia que poderia. Era uma Hotchkis, caramba, e poderia fazer
tudo se colocasse seu empenho nisso. Precisava encontrar um marido, mas mais importante
ainda, primeiro precisava aprender a encontrar marido. E quanto ao senhor Siddons, pois
estava à mão, e talvez fosse um pouco desumano usá-lo como cobaia, mas uma mulher
precisa fazer o que uma mulher precisa fazer. E ela era uma mulher desesperada.
Girou, com um brilhante sorriso em seu rosto. Ia encantar a este homem até que...
até que... bem, até que ele estivesse encantado. Abriu a boca para deslumbrá-lo com algum
comentário inteligente e sofisticado, mas antes que ela pudesse sequer formar um som, ele
se inclinou mais perto, seus olhos quentes e perigosos, e disse:
—Sinto-me insuportavelmente curioso sobre este sorriso.
Elizabeth piscou. Se não estivesse segura de que era impossível, teria pensado que
ele tentava encantá-la. Não, pensou ela, com uma sacudida mental de cabeça. Era
impossível. Ele mal a conhecia, e embora ela não fosse a moça mais feia de todo Surrey,
tampouco não era nenhuma sereia.
—Peço-lhe perdão, senhor Siddons—disse ela encantadoramente.—Como você, sou
propensa a me perder em meus próprios pensamentos. E certamente não quis ser grosseira.
Ele negou com a cabeça.
—Não foi grosseira.
—Mas, você ... —O que leu Susan no livro? Convide sempre a um homem a falar
dele mesmo. Os homens estavam basicamente abstraídos em si mesmos.
—Senhorita Hotchkiss?
Ela clareou a garganta e estampou outro sorriso em seu rosto.
—Correto. Bem, veja, eu em realidade me perguntava sobre você.
Houve uma breve pausa, e logo ele disse: —Sobre mim?
—Certamente. Não é todo dia que temos uma pessoa nova aqui, em Dambury
House. De onde é você?
—Daqui e ali—respondeu James evasivamente. —Ultimamente, Londres.
—Que excitante—respondeu ela, tentando manter sua voz apropriadamente
emocionada. Ela odiava Londres. Era suja, fedorenta e abarrotada. —E sempre foi um
administrador de imóveis?
—Não—disse ele devagar. —Não há muitas grandes propriedades rurais em
Londres.
—Oh, sim—resmungou ela. —Certamente.
Ele inclinou a cabeça e a olhou fixa e calidamente.
—Você viveu sempre aqui?
Elizabeth assentiu.
—Minha vida inteira. Não posso imaginar viver em outro lugar. Não há nada,
realmente, tão encantador como o campo inglês na primavera. E certamente não pode...
—Ela se deteve.
Ela, supunha-se, não devia falar de si mesma.
Os instintos de James saltaram, alerta. O que esteve a ponto de dizer?
Ela bateu suas pestanas.
—Mas você não quer saber sobre mim.
—Ah, mas sim quero—respondeu ele, obsequiando-a com seu mais intenso e
ardente olhar. As mulheres gostavam que as olhassem fixamente.
Não esta mulher, pelo visto. Ela sacudiu a cabeça e tossiu.
—Acontece algo? —perguntou ele.
Ela negou com a cabeça rapidamente, mas parecia como se acabasse de engolir uma
aranha. Então, e embora não fizesse sentido, ele poderia jurar que o viu, ela endireitou seus
ombros como se preparasse para enfrentar a alguma horrível tarefa, e disse com uma doçura
impossível:
—Estou segura de que você levou uma vida muito mais interessante que a minha,
senhor Siddons.
—Ah, mas estou seguro que isso não é verdade.
Elizabeth clareou a garganta, tentada a bater o pé contra o chão pela frustração. Isto
não funcionava absolutamente. Supunha-se que os cavalheiros preferiam falar deles
mesmos, e tudo o que ele fazia era perguntar sobre ela. Elizabeth tinha a rara impressão que
ele jogava a algum tipo de jogo com ela.
—Senhor Siddons—disse, esperando ter sido capaz de eliminar todo rastro de
frustração de sua voz, —vivi em Surrey desde que nasci. Como poderia ter sido minha vida
mais interessante que a sua?
Ele estendeu a mão e lhe roçou o queixo.
—De algum jeito, senhorita Hotchkiss, tenho o pressentimento de que você poderia
me fascinar indefinidamente se você assim o escolhesse.
Elizabeth ofegou e logo deixou totalmente de respirar. Nenhum homem jamais a
tocara dessa forma, e ela era, provavelmente, o pior tipo de desavergonhada por pensar
assim, mas havia algo quase hipnótico no calor de sua mão.
—Você não crê? —sussurrou ele.
Elizabeth se balançou por volta dele durante uns segundos eternos, e logo ouviu a
voz da senhora Seeton, que, a propósito, soava notavelmente como Susan, em sua cabeça.
“Se for você quem finaliza a conversação, ele fantasiará sobre o que poderia haver
dito depois”.
Assim Elizabeth, que nunca havia sentido a embriagadora felicidade de saber a um
homem interessado, voltou a endireitar a coluna pela segunda vez essa manhã e disse com
notável firmeza.
—Realmente devo ir, senhor Siddons.
Ele negou com a cabeça devagar, sem afastar nunca seus olhos de seu rosto.
—Quais são seus interesses, senhorita Hotchkiss? —perguntou-lhe. —Suas
afeições? Suas inquietações? Você me parece uma senhorita extraordinariamente
inteligente.
Ah, definitivamente estava enrolando-a. Não a conhecia tempo suficiente para haver
formado uma opinião sobre seu intelecto. Seus olhos se entrecerraram. Queria saber o que
lhe interessava, verdade?
Bem, então, o diria.
—O que realmente eu gosto—disse ela com os olhos muito abertos e brilhantes, —é
cultivar meu pomar.
—Seu pomar? —ele engasgou.
—Oh, sim. Nossa primeira colheita deste ano é de nabos. Muitos nabos. Gosta dos
nabos?
—Nabos? —repetiu ele.
Ela assentiu energicamente com a cabeça.
—Nabos. Alguns os acham aborrecidos, bastante insípidos, em realidade, mas é o
tubérculo mais fascinante que jamais encontrará.—James olhou alternativamente a um e
outro lado procurando uma via de escape. De que demônios falava esta moça? —Cultivou
alguma vez nabos?
—Ah... não, nunca.
—É uma pena—disse ela com grande sentimento. —A gente pode aprender muito
sobre a vida dos nabos.
A cabeça de James avançou um pouco com incredulidade. Isto precisava ouvi-lo.
—De verdade? E o que, me conte, pode alguém aprender?
—Uh...
Sabia. Ela o estava enganando. O que estava tramando? Ele sorriu inocentemente.
—Dizia você?
—Diligência! —exclamou ela. —A gente pode aprender muito sobre a diligência.
—De verdade? E como é isso?
Elizabeth suspirou dramaticamente.
—Senhor Siddons, se tiver que perguntá-lo, então, temo, não entenderá
nunca.—enquanto James tentava digerir aquela declaração, ela gorjeou. —Oh, olhe, já
estamos de volta a Dambury House. Por favor diga a Lady Dambury que estarei no jardim
de rosas se por acaso me necessita.
E logo, sem nem sequer despedir-se, escapou.
James permaneceu ali, de pé, durante um momento, tentando encontrar sentido ao
que devia ter sido a conversação mais estranha de toda sua vida. E quando se deu conta, a
sombra dela dobrava a esquina do edifício.
Um jardim de rosas, uma ova. A maldita moça estava à espreita à volta da esquina,
ainda espiando-o. Averiguaria o que ela tramava, mesmo que fosse a última coisa que
fizesse.
hhh
Dez horas mais tarde, Elizabeth arrastou seus cansados pés através da porta da
casinha dos Hotchkiss. Susan a esperava, o que era pouco surpreendente, sentada sobre o
primeiro degrau da escada do fundo, com, Como casar-se com um Marquês, ainda agarrado
em sua mão.
—O que aconteceu? —exclamou Susan, ficando de pé de um salto. —Conta-me
tudo!
Elizabeth lutou contra o impulso de sofrer um colapso devido a um ataque de
mortificante risada.
—Oh, Susan—disse Elizabeth, com um lento assentimento. —Dominamos o
Decreto Número Um. Ele, definitivamente, pensa que sou única.
Capítulo 4
—Não faz um dia precioso?
Elizabeth olhou através da mesa de café da manhã o alegre rosto de sua irmã. O
sorriso da Susan só era eclipsada pelo sol, que prometeu outro dia de extraordinário bom
tempo.
—Não é? —insistiu Susan.
Elizabeth simplesmente a ignorou e seguiu apunhalando seu pãozinho com uma
faca.
—Se não for comer, posso fazê-lo eu? —perguntou Lucas.
Elizabeth começou a empurrar seu prato através da mesa.
—Espera! Eu quero um pouco, também—pediu Jane.
Elizabeth retirou o prato, partiu pela metade os restos do brutalmente tratado
pãozinho, e empurrando-o de novo se recostou.
—Está bastante resmungona esta manhã—disse Jane enquanto agarrava sua parte.
—Sim. Sim estou.
Como se de uma coreografia se tratasse, os três Hotchkiss mais jovens retrocederam
e trocaram olhares. Era raro que Elizabeth ficasse de mau-humor, mas quando ela estava
assim...
—Acredito que sairei fora a brincar—disse Lucas, levantando-se tão rapidamente
que derrubou sua cadeira.
—E eu acredito que vou contigo—disse Jane, empurrando o resto do pãozinho em
sua boca.
As duas crianças saíram disparadas pela porta da cozinha. Elizabeth cravou um
olhar bastante insolente em direção a Susan.
—Eu não vou a nenhuma parte—disse Susan. —Temos muito do que falar.
—Possivelmente não notaste que não estou de humor para conversar? —Elizabeth
pegou sua xícara de chá e lhe deu um gole. Estava morno. Deixou a xícara na mesa e pôs
mais água a esquentar sobre o fogão.
Ontem foi um fiasco total. Um completo desastre. No que esteve pensando?
Supunha-se que deveria estar praticando suas habilidades sociais e em troca ela se dedicou
a conversar sobre nabos.
Nabos! Ela odiava os nabos.
Tentou se dizer que não teve outra opção. Havia mais no senhor Siddons do que se
via a primeira vista, e ele, claramente, esteve praticando seu próprio jogo com ela. Mas
nabos? Por que teve ela que escolher os nabos? E por que dissera que tinham algo que ver
com a diligência? Meu Deus! Como poderia explicar isso?
Ele, provavelmente, já teria falado a toda Dambury House sobre sua estranha
fascinação com o cultivo de raízes comestíveis. Quando ela chegasse ao trabalho essa
manhã, a história, certamente teria circulado dos estábulos à cozinha e mais. Todos
estariam rindo dela. E embora pouco importasse a perda do senhor Siddons como um
fingido marquês, ia ter que trabalhar com o homem durante meses, anos talvez! E ele
provavelmente pensava que ela estava louca.
Elizabeth deu um passo em direção à escada.
—Vou ficar doente.
—Oh, não, não o fará! —exclamou Susan, deslizando-se ao redor da mesa e
agarrando o braço da Elizabeth. —Vai a Dambury House esta manhã mesmo que acabe
contigo.
—Acabará comigo. Me acredite.
Susan plantou sua mão livre em seu quadril.
—Nunca pensei que fosse uma covarde, Elizabeth Hotchkiss.
Elizabeth liberou seu braço e fulminou com o olhar a sua irmã.
—Não sou uma covarde. Só que sei quando é uma batalha perdida. E acredite, esta
tem Waterloo escrito por toda parte.
—Ganhamos em Waterloo—indicou Susan com um sorriso satisfeito.
—Esta vez somos os franceses—exclamou Elizabeth. —Digo-te que o senhor
Siddons não é uma boa opção.
—O que tem de mau nele?
—O que tem de mau nele? O que tem de mau nele? —A voz de Elizabeth se elevou
pela frustração. —Não há nada mau nele. Tudo está mal com ele.
Susan coçou a cabeça.
—Possivelmente é minha tenra idade, ou possivelmente que meu cérebro não está
tão desenvolvido como o teu.
—Oh, por favor, Susan.
—Mas não tenho nenhuma ideia do que está falando. Se não há nada mau nesse
homem...
—Esse homem é perigoso. Jogava comigo.
—Está segura?
—Seduziu a centenas de mulheres. Estou segura disso.
—Um administrador de imóveis? —perguntou Susan suspeitosamente. —Não são
geralmente baixos e gordos?
—Este é tão bonito como o pecado. Ele...
—Tão bonito como o pecado? De verdade? —Os olhos da Susan se abriram como
pratos. —Que aspecto tem?
Elizabeth fez uma pausa, tentando não ruborizar quando o rosto do senhor Siddons
flutuou em sua mente. O que tinha aquele homem que era tão irresistível? Algo sobre sua
boca, possivelmente.
Seus lábios sutilmente moldados tinham tendência a torcer-se ligeiramente, como se
tivessem a chave de uma brincadeira secreta. Ou possivelmente, talvez eram seus olhos. Em
realidade eram uma cor castanha bastante normal, da mesma cor que seu cabelo, e deveriam
ter parecido ordinários, mas eram tão profundos, e quando a olhavam, sentia-se...
—Elizabeth?
Quente. Ela se sentia quente.
—Elizabeth?
—O que? —ela perguntou distraidamente.
—Que aspecto tem?
—Oh. Ele? Oh, Deus, como posso descrevê-lo? Ele tem aspecto de homem.
—Muito descritivo—disse Susan em tom de brincadeira. —Me recorde de te
aconselhar que nunca procure trabalho como escritora.
—Não poderia inventar, possivelmente, uma história mais ridícula que a que estou
vivendo agora mesmo.
Susan ficou séria.
—De verdade que estamos tão mal?
—Sim—disse Elizabeth com um suspiro que constava de duas partes de frustração e
uma de irritação. —Estamos quase a ponto de esgotar o dinheiro que nos deixo papai, e
meu salário de Lady Dambury não é suficiente para nos manter, sobretudo uma vez que o
arrendamento da casinha finalize. Preciso me casar, mas o único homem disponível no
distrito além do Fazendeiro Nevins é o novo administrador de Lady D, e ele, além de ser
muito bonito e perigoso e pensar que estou completamente louca, possivelmente não ganha
o bastante para ser considerado como um candidato conveniente. Assim lhe
pergunto—acrescentou, subindo a voz de tom e volume, —já que indicaste que não vou
fazer uma fortuna como escritora, o que propõe que faça?
Cruzou os braços, bastante contente com seu discurso.
Susan se limitou a piscar e perguntou: —por que pensa ele que estas louca?
—Isso não importa—grunhiu Elizabeth. —O que importa é que estou metida em
uma completa confusão.
—Ante esta pergunta, —disse Susan com um lento e profundo sorriso, —tenho a
resposta.
Elizabeth viu que sua irmã procurava algo atrás de suas costas e sentiu que a cólera
explodia em seu interior.
—Ah, não, não te atreva a mostrar esse maldito livro outra vez.
Mas Susan já tinha o pequeno livro vermelho aberto.
—Escuta isso—disse com excitação. —Decreto Número Dezessete...
—Já vamos pelo dezessete?
—Tranquila. Decreto Número Dezessete: "A Vida é só um ensaio até que você
encontre ao homem com o qual se casará".—Susan assentiu de maneira entusiasta com a
cabeça. —Vê?
Silêncio.
—Elizabeth?
—Brinca, verdade?
Susan olhou ao livro, e depois voltou a olhar a sua irmã.
—Nãoo—disse devagar, —eu...
—Me dê isso! —Elizabeth agarrou rapidamente o livro e leu:
"A vida é um mero ensaio até que encontre ao homem com o qual casar-se. Assim
deve praticar todo o tempo, com qualquer homem com quem tropece. Não importa se não
tiver intenção de casar-se com ele; deve ser tratado por você como se fosse um Marquês,
porque se abandonar o hábito de seguir meus Decretos, esquecerá seu conteúdo quando
finalmente encontrar uma verdadeira perspectiva matrimonial. Afine suas habilidades.
Esteja preparada. Seu Marquês pode estar virando a esquina."
—Tornou-se completamente louca? —exigiu Elizabeth. —Isto não é um conto de
fadas. Não há nenhum marquês virando a esquina. E francamente, acho tudo isto bastante
insultante.
—Que parte?
—Tudo. Escuta o que diz esta mulher, não tenho valor até que encontre um marido.
É absurdo. Se tão pouca importância tiver, então o que estive fazendo estes cinco anos?
Como consegui manter a esta família junta? Certamente não fazendo girar meus polegares e
esperando que algum amável senhor se dignará a casar-se comigo!
A boca da Susan se abriu silenciosamente surpresa. Finalmente disse.
—Não acredito que queria dizer...
—Sei que não quis. —Elizabeth interrompeu suas palavras, um pouco
envergonhada pela violência de seu arrebatamento. —Sinto muito. Não quis... Por favor
esquece o que disse.
—Está segura? —perguntou Susan com voz tranquila.
—Não é nada— disse Elizabeth rapidamente, dando a volta e olhando pela janela.
Lucas e Jane brincavam no jardim. Imaginaram algum jogo que implicava um pedaço de
tecido azul atado a um pau e davam gritos de alegria.
Elizabeth tragou saliva, o amor e o orgulho transbordando em seu interior. Passando
a mão pelo cabelo e seus dedos pararam quando alcançou o alto de sua trança.
—Sinto muito—, disse a Susan.
—Não deveria ter sido tão mordaz contigo.
—Não me importa—disse Susan compassivamente. —estiveste sob muita pressão.
Sei.
—É só que estou tão preocupada. —Elizabeth esfregou a testa. De repente se sentiu
muito cansada e muito velha. —Do que me serve praticar minhas artimanhas com o senhor
Siddons quando aqui não há verdadeiras perspectivas de matrimônio?
—Lady Dambury tem convidados quase todo o tempo—disse Susan com voz
alentadora. —Não? E me disse que todos seus amigos são ricos e com título.
—Sim, mas ela me concede meus dias livres então. Diz que não necessita de minha
companhia quando tem convidados na mansão.
—Simplesmente terá que encontrar uma forma de evitar isto. Inventa alguma razão
para que precise visitá-la então. E esta festa de final de mês? Não disse que sempre a
convida a esses acontecimentos?
—Em realidade é um baile a fantasia. Disse-me isso ontem.
—É até mesmo melhor! Não sabemos o bastante para te costurar um traje de festa
na moda, mas podemos fazer uma fantasia. Cada um se fantasia como quer.
Susan movia suas mãos animadamente enquanto falava, e durante um raro instante
Elizabeth pensou que via a si mesma, aos quatorze anos quando pensava que tudo era
possível, antes que seu pai tivesse morrido e a tivesse abandonado com montanhas de
responsabilidades, antes de morrer e levar a inocência de sua infância junto com ele.
—Somos tão parecidas, você e eu—disse ela em um pequeno sussurro.
Susan piscou.
—Perdão?
—Não é nada. Só... —Elizabeth fez uma pausa e deu a sua irmã um sorriso
pensativo. —É só que às vezes nossa semelhança me recorda a como estava acostumado a
ser.
—E já não o é?
—Não, em realidade não. Só às vezes, um pouquinho, entretanto. —inclinou-se
impulsivamente e beijou a sua irmã na face. —Esses são meus momentos preferidos.
Susan piscou para ocultar algo que se parecia suspeitosamente a lágrima antes de
assumir seu habitual gesto sério.
—Temos que voltar para o assunto que temos em mãos.
Elizabeth sorriu.
—Quase o esqueci.
—Quando—perguntou Susan com um impaciente suspiro, —espera os seguintes
convidados Lady Dambury? Não para o baile de fantasias. Só convidados.
—Isso, oh—disse Elizabeth em tom grave. —Espera convidados para o final da
semana. Acredito que vai ser uma pequena recepção ao ar livre. Mais uma reunião,
realmente, que uma festa formal. Eu escrevi os convites.
—Quantos virão?
—Não mais de dez ou doze, acredito. É só para essa tarde. Estamos muito perto de
Londres, depois de tudo, por isso eles podem fazer a viagem de ida e volta em um só dia.
—Deve assistir.
—Susan, não me convidaram!
—Certamente é só porque ela não acredita que aceitaria. Se lhe disser...
—Não vou mendigar um convite—disse Elizabeth apaixonadamente. —Tenho mais
orgulho que isso.
—Não poderia simplesmente esquecer algo ali por acaso na sexta-feira? Então teria
que voltar no sábado para recolhê-lo. —Susan tinha uma expressão que era mais
esperançada que de convencimento. —Talvez lhe convidem a ficar.
—E não acredita que Lady Dambury o achará um pouco estranho? —mofou-se
Elizabeth. —fui sua acompanhante durante cinco anos, e até agora não esqueci nunca
nenhum de meus pertences.
—Possivelmente o faça. Possivelmente não. —Susan deu de ombros. —Mas não
saberá até que o tente. E seguro que não encontrará marido aqui escondida durante todo o
dia.
—Oh, muito bem—disse Elizabeth com grande relutância. —Farei. Mas só depois
de comprovar a lista de convidados, e, além disso, só se estiver segura de que haverá um
homem solteiro entre os convidados. Não vou envergonhar-me diante de Lady Dambury só
para descobrir que todos os seus convidados estão casados.
Susan aplaudiu alvoroçada.
—Excelente! E enquanto isso, deve praticar com o senhor...
—Não! —disse Elizabeth, elevando a voz. —Não o farei.
—Mas...
—Hei dito que não. Não perseguirei a esse homem.
Susan elevou as sobrancelhas inocentemente.
—Bem. Não há nenhuma necessidade de que o persiga. A senhora Seeton diz que se
supõe que ninguém deve fazer essa classe de coisas, de todos os modos. Mas se lhe
encontrasse isso por acaso...
—Não é provável, já que decidi evitá-lo como se fosse uma praga.
—Mas no caso...
—Susan! —Elizabeth cravou um gelado olhar em sua irmã.
—Bom, bem. Mas se...
Elizabeth elevou uma mão.
—Nenhuma palavra mais, Susan. Vou a Dambury House agora mesmo, onde me
ocuparei de Lady Dambury, e unicamente de Lady Dambury. Expliquei-me com clareza?
Susan assentiu, mas obviamente não estava de acordo.
—Então, bom dia. Estou segura de que não terei nada do que informar quando
voltar a casa. —Elizabeth caminhou decidida até a porta da rua e a abriu de um
puxão.—Hoje será um dia aborrecido.
Completa e malditamente aborrecido. Estou segura disso. De fato, provavelmente
nem sequer verei o senhor Siddons nem de longe.
Estava equivocada. Muito, muito, muito equivocada. Ele a esperava na porta
principal.
—Senhorita Hotchkiss—disse com uma voz tão amável que Elizabeth não confiou
nela nem um instante, —é um prazer vê-la de novo.
Elizabeth se encontrou presa entre o desejo de fugir da mansão e o impulso de
apagar o confiado sorriso de seu rosto. Ganhou o orgulho. Ela elevou uma de suas loiras
sobrancelhas em um arrogante gesto que aprendera de Lady Dambury e disse, bastante
acidamente:
—É?
Uma comissura da boca de James se elevou, mas a gente não podia dizer que
realmente fosse um sorriso.
—Não parece me acreditar.
Elizabeth deixou escapar um comprido suspiro entre os lábios franzidos. Que
demônios, supunha-se que devia fazer agora? Jurou a si mesma que não ia praticar mais os
decretos de Como casar-se com um Marquês com este homem. Era evidente que estava
muito versado na arte do flerte para ser enganado por alguma de suas patéticas tentativas.
E depois do fracasso dos nabos, ontem, ele provavelmente pensava que era uma
completa idiota. Que pedira a seguinte questão: Que demônios queria então dela agora?
—Senhorita Hotchkiss—começou ele, depois de esperar em vão a que ela fizesse
algum comentário, —esperava que pudéssemos desenvolver algum tipo de amizade. Depois
de tudo, trabalharemos juntos aqui em Dambury House durante algum tempo. E ambos
ocupamos uma posição intermédia, similar a de uma instrutora, muito bem educados para
nos mesclar com os criados, e não o suficiente para fazê-lo com a família.
Ela considerou suas palavras ou, para ser mais precisa, seu tom, que era de amistoso
receio. Depois fez o mesmo com seu rosto, que parecia igualmente amável e afável. Exceto
seus olhos. Havia algo à espreita naquelas profundidades de cor chocolate. Um pouco...
experiente e conhecedor.
—Por que é tão amável comigo? —espetou-lhe.
Ele se sobressaltou, soltando uma pequena tosse.
—Não estou seguro de saber o que quer dizer.
Ela apontou com o dedo e o moveu devagar.
—Sei o que pretende, assim não tente me enganar.
Isto o fez arquear uma sobrancelha, o que a zangou, porque, evidentemente,
dominava melhor que ela a arte de parecer arrogante.
—Desculpe?
—Você é encantador, já sabe.
Seus lábios se separaram ligeiramente, e logo, depois de um breve momento de
silêncio, disse:
—Não encontro nada que dizer, exceto "obrigado."
—Não era um elogio.
—Mas poderia ter sido? —perguntou ele, brincando.
Ela sacudiu a cabeça.
—Você quer algo de mim.
—Só sua amizade.
—Não, você quer algo, e tenta me enrolar para consegui-lo.
—Está funcionando?
—Não!
Ele suspirou.
—Lástima. Geralmente funciona.
—Admite, então?
—Suponho que devo fazê-lo. —Elevou suas mãos em um gesto de derrota. —Mas
se quiser que responda a suas perguntas, terá que me agradar e passear comigo durante uns
minutos.
Ela negou com a cabeça. Ir a qualquer lugar sozinha com este homem era um
grande engano.
—Não posso. Lady Dambury me espera.
Ele abriu seu relógio de bolso.
—Não até dentro de um quarto de hora.
—E como sabe você isso? —exigiu ela.
—Possivelmente recorda que fui contratado para dirigir seus assuntos?
—Mas não é seu secretário. —Elizabeth cruzou os braços. —Os administradores de
imóveis não levam a agenda de atividades de seus patrões.
Possivelmente o estava imaginando, mas seus olhos pareceram aumentar em ardor e
intensidade.
—Sempre acreditei—disse ele, —que não há nada tão poderoso como a informação.
Lady Dambury é uma mulher exigente. Pareceu-me prudente estar informado de sua
agenda cotidiana para não interrompê-la.
Elizabeth apertou os lábios. Tinha razão, maldito homem! A primeira coisa que ela
mesma fizera ao começar a trabalhar para Lady D foi aprender sua rotina.
—Posso ver que está de acordo comigo, embora pouco disposta a me elogiar
admitindo.
Ela o fulminou com o olhar. Realmente, este homem estava além da arrogância.
—Venha, —disse simpaticamente. —Certamente pode perder uns minutos para
ajudar a um recém-chegado.
—Muito bem—respondeu Elizabeth, incapaz de negar-se quando ele expressou seu
pedido como uma súplica de ajuda. Nunca foi capaz de dar as costas a alguém necessitado.
—Passearei com você. Mas só tem dez minutos.
—Que dama mais generosa—murmurou ele, e a puxou pelo braço.
Elizabeth tragou quando sua mão se enroscou ao redor de seu cotovelo. Sentiu de
novo essa estranha e entrecortada consciência que a envolvia sempre que ele estava perto.
E o pior era que ele parecia tão fresco e composto como sempre.
—Possivelmente poderíamos dar um curto passeio pelo Jardim de rosas? —sugeriu
ele.
Ela assentiu, incapaz de dizer algo mais. O calor de sua mão se estendia por seu
braço, e ela parecia inclusive ter esquecido como respirar.
—Senhorita Hotchkiss?
Tragou saliva e encontrou sua voz.
—Sim?
—Espero não tê-la feito sentir-se incômoda ao procurá-la.
—Absolutamente—grasnou ela.
—Bem—disse James, com um sorriso. —Simplesmente é que não sabia a quem
mais recorrer. —Jogou-lhe uma olhada. Suas faces estavam deliciosamente rosadas.
Não falaram enquanto seus pés os levavam através do arco de pedra que conduzia
ao jardim de rosas. James a levou para a direita, para diante das famosas Rosas Escocesas
de Dambury House, que floresciam em um brilhante desdobramento de rosa e amarelo. Ele
se inclinou a cheirar uma, detendo um momento enquanto planejava como proceder a partir
daqui.
Pensou nela toda a noite e parte da manhã. Ela era inteligente, e definitivamente
tramava algo. Passou muito tempo desentranhando complôs secretos para saber quando
uma pessoa atuava suspeitosamente. E todos seus instintos lhe diziam que a senhorita
Hotchkiss se comportou de um modo pouco usual no dia anterior. A princípio lhe resultou
estranho que pudesse ser a chantagista, depois de tudo, não podia ter muito mais de vinte
anos. Certamente não era mais velha que Melissa, que tinha quase trinta e dois.
Assim não podia ter conhecimento de primeira mão da aventura de Lady Dambury.
Mas vivera toda sua vida na região; o dissera ela mesma. Possivelmente seus pais o
contaram. Os segredos podiam permanecer ocultos em um pequeno povoado durante anos.
Sem mencionar que a senhorita Hotchkiss tinha livre acesso a Dambury House. Se Tia
Agatha tivesse deixado qualquer prova incriminatória à vista, ninguém tinha maiores
probabilidades de encontrar-se com isso que sua dama de companhia. Não importava que
caminho tomasse, todos conduziam à senhorita Elizabeth Hotchkiss. Mas se queria
averiguar seus segredos, precisava conseguir que confiasse nele. Ou pelo menos, fazer que
baixasse a guarda o bastante para deixar escapar alguma ocasional confidência por entre
aqueles deliciosos lábios rosados. Pareceu-lhe que o melhor modo de conseguir isto era
pedir sua ajuda. Este tipo de mulheres eram corretas e corteses além do dever. Não havia
modo de que se negasse se lhe pedisse ajuda para conhecer e informar-se da vizinhança.
Mesmo se ela fosse a chantagista - e portanto de coração egoísta- ela precisava manter as
aparências. A senhorita Elizabeth Hotchkiss, acompanhante da Condessa de Dambury, não
podia permitir-se ser considerada como algo menos que uma dama cortês e amável.
—Possivelmente se deu conta de que sou novo no lugar—começou ele.
Ela assentiu devagar, com olhos cautelosos.
—E você me disse ontem que viveu neste povoado toda sua vida...
—Sim...
Ele sorriu calidamente.
—Encontro-me na necessidade de uma espécie de guia. Alguém que me mostre os
pontos turísticos. Ou, pelo menos, que me fale sobre eles.
Elizabeth piscou.
—Quer ver os pontos turísticos? Que pontos turísticos?
Maldição. Aí o tinha pego. Não é que o povoado transbordasse cultura e história.
—Possivelmente "os pontos turísticos" não foi a melhor escolha de
palavras—improvisou ele. —Mas cada povoado tem suas próprias e pequenas
peculiaridades, e se quero ser eficaz como o administrador da propriedade maior do distrito,
devo conhecer tais coisas.
—Isso é certo—disse ela, assentindo pensativamente. —Certamente, não sei com
certeza o que você teria que saber, posto que nunca administrei uma propriedade. E alguém
pensaria que você tampouco, posto que depois de tudo, nunca administrou uma antes.
Ele girou a cabeça bruscamente para olhá-la.
—Eu nunca disse isso.
Ela deixou de andar.
—Não o fez? Ontem você disse que era de Londres.
—Disse que não tinha administrado imóveis em Londres. Eu não disse que não
havia feito isso antes.
—Já vejo. —Girou o rosto para ele e o olhou fixamente . —E onde administrou
propriedades, se não foi em Londres?
Estava-o pondo a prova, a condenada menina, por que, não estava seguro, mas
definitivamente o estava pondo a prova. Mas não ia deixar que o fizesse tropeçar. James
Sidwell se introduziu em um personagem mais vezes das que podia contar, e não teve
nunca nem um deslize.
—Buckinghamshire—disse. —É onde cresci.
—Ouvi que aquilo é muito formoso, —disse ela cortesmente. —por que partiu?
—Os motivos habituais.
—Quais são?
—Por que sente tanta curiosidade?
Ela deu de ombros
—Sou muito curiosa. Pergunte a qualquer um.
Ele fez uma pausa e arrancou uma rosa.
—São formosas, verdade?
—Senhor Siddons—disse ela, com um suspiro exagerado, —temo que há algo que
não sabe sobre mim.
James esticou o corpo, à espera de sua próxima confissão.
—Tenho três irmãos mais jovens.
Ele piscou. Que demônios tinha isso que ver?
—Daí—prosseguiu ela, sorrindo-lhe de tal modo que parecia que apenas mantinha
uma corriqueira conversação para passar o tempo, —que seja bastante competente em
reconhecer quando uma pessoa tenta fugir de uma pergunta. De fato, meus irmãos me
qualificariam de alarmantemente competente.
—Estou seguro disso—resmungou ele.
—Entretanto,—prosseguiu imperturbável —você não é um de meus irmãos, e
evidentemente não tem obrigação de compartilhar seu passado comigo. Todos temos direito
a nossa privacidade.
—Er, sim—disse ele, perguntando-se se talvez ela não seria nada mais que o que
aparentava, uma bonita e jovem senhorita rural.
Ela sorriu de novo.
—Tem algum irmão, senhor Siddons?
—Eu? Não, nenhum. Por quê?
—Como o disse sou imensamente curiosa. A família de uma pessoa pode revelar
muito sobre seu caráter.
—E o que revela sua família sobre seu caráter, senhorita Hotchkiss?
—Que sou leal, suponho. E que faria tudo por meu irmão e minhas irmãs.
Inclusive chantagem? Ele se inclinou para ela, apenas um centímetro, mas
suficiente para fazer que seu lábio inferior tremesse. James sentiu uma primitiva satisfação
ante isto. Ela ficou olhando-o, obviamente muito inexperiente para saber como dirigir a um
depredador macho. Tinha uns olhos enormes, e do mais puro e profundo azul que James
tivesse visto jamais.
Seu coração começou a pulsar mais rápido.
—Senhor Siddons?
Sua pele ficou quente.
—Senhor Siddons?
Ia ter que beijá-la. Simplesmente. Era a ideia mais estúpida e pouco aconselhável
que teve em anos, mas parecia que não havia nada que pudesse fazer para deter-se.
Aproximou-se, cortando a distância entre ambos, saboreando por antecipação o momento
que seus lábios conseguiriam posar-se sobre os dela, e...
—Eep!
Que demônios? Ela soltou algo parecido a um nervoso gorjeio e se afastou, com
uma revoada de braços. E então escorregou... com o que?, James não sabia, já que a terra
estava seca como o deserto, mas ela agitou os braços como uma louca para impedir de cair
ao chão, e no processo o golpeou no queixo. Com força.
—Ow! —uivou ele.
—Oh, o sinto! —disse ela rapidamente. —A ver, me deixe vê-lo.
Pisou-lhe no pé.
—Ouch!
—Sinto muito, sinto muito. —Parecia terrivelmente preocupada, e normalmente ele
teria suportado isto com menos dramalhões, mas, caramba!, realmente lhe doía o pé.
—Estarei bem, senhorita Hotchkiss, Tudo o que preciso é que desça de cima de meu
dedo do pé, e...
—Oh, o sinto! —disse ela, o que parecia pela centésima vez. Retrocedeu um passo.
James fez uma careta quando flexionou os dedos do pé.
—Sinto muito—disse ela.
Ele estremeceu.
—Não diga outra vez.
—Mas...
—Insisto.
—Ao menos me deixe ver seu pé. —Ela se inclinou.
—Por favor, não o faça. —Havia poucas situações nas quais James considerava que
era apropriado suplicar, mas esta era uma delas.
—Bem—disse ela, endireitando-se. —Mas eu deveria...
Soou um golpe.
—Oh, minha cabeça! —grunhiu ela, esfregando a cabeça.
—Meu queixo! —mal pôde exclamar James.
Seus olhos azuis se encheram de preocupação e vergonha.
—Sinto muito.
—Excelente golpe, senhorita Hotchkiss—disse ele, fechando os olhos em sua
agonia. —Justo onde me golpeou faz um momento com a mão.
Ouviu como ela tragava.
—Sinto muito.
E foi então quando ele cometeu seu fatal engano. Nunca mais manteria os olhos
fechados perto de uma fêmea com propensão à estupidez, sem importar quão cativante ela
fosse. Não sabia como conseguiu, mas ouviu sua exclamação de surpresa, e logo depois de
alguma maneira se chocou contra ele, com todo o corpo, atirando-o ao chão.
Bem, acreditou que caíra ao chão.
Se tivesse imaginado que algo assim poderia lhe ocorrer, o normal era esperar
aterrissar sobre o chão. Mas quando de fato lhe ocorreu, o que deveria ter feito era rezar por
aterrissar sobre o chão. Teria sido bem mais agradável que fazê-lo sobre a roseira.
Capítulo 5
—Sinto muito!
—Não diga isso—grunhiu James, tentando decidir que parte dele estava mais
danificada.
—Mas é que o sinto! —lamentou-se ela. —Espere, me deixe lhe ajudar.
—Não—gritou ele freneticamente, prosseguindo em tom mais calmo, —não me
toque. Por favor.
Elizabeth abriu a boca em um gesto de mortificante horror e começou a piscar
rapidamente, e por um instante James pensou que ia chorar.
—Tudo está perfeito—obrigou-se a mentir. —Não estou ferido.—Ante seu
incrédulo olhar, acrescentou: —Perfeito.
Ela tragou.
—Sou tão tola. Inclusive Susan se nega a dançar comigo.
—Susan?
—Minha irmã. Tem quatorze anos.
—Ah—ele disse, acrescentando entre dentes, —garota esperta.
Ela mordeu o lábio inferior.
—Está seguro de que não quer que lhe ajude?
James, que esteve tentando desenredar-se discretamente de sua espinhosa prisão,
finalmente confrontou a realidade de que em um combate entre ele e a roseira, esta última
sairia vencedora.
—Vou lhe dar a mão—instruiu-a, mantendo um tom lento e calmo, —e então você
vai me puxar para cima e para fora. Está claro?
Ela assentiu.
—Não é para o lado, não é para frente, não...
—Está claro! —explodiu ela. Antes mesmo que ele tivesse possibilidade de reagir,
agarrou-o pela mão e o tirou da roseira.
James ficou olhando-a um instante, um pouco sobressaltado pela força que se
escondia atrás de sua pequena figura.
—Sou atrapalhada, —disse ela. —Não idiota.
De novo, deixou-o mudo. Duas vezes em um minuto. Devia ser um novo record.
—Está ferido? —perguntou-lhe Elizabeth bruscamente, lhe tirando um espinho do
peitilho da jaqueta e logo outra da manga. —Arranhou as mãos. Deveria ter colocado as
luvas.
—Faz muito calor para usar luvas—murmurou James, olhando como lhe tirava mais
espinhos. Devia ser completamente inocente nenhuma dama com um pouco de experiência,
mesmo que só fosse com o flerte, estaria de pé tão perto de um homem, percorrendo com
suas mãos seu corpo de cima abaixo...
Muito bem, admitiu para si mesmo, estava deixando que sua imaginação e sua libido
transbordassem. Ela não estava exatamente movendo suas mãos de cima abaixo por seu
corpo, mas bem poderia estar fazendo pelo modo em que ele reagia. Estava tão perto. Só
bastava estender a mão e poderia tocar seu cabelo, sentir quão sedoso era em realidade, e...
Oh, Deus, podia cheirá-la.
Seu corpo se endureceu em um segundo.
Ela retirou a mão e o olhou com seus inocentes olhos azuis.
—Fiz algo mal?
—Por que diz isso? —perguntou ele, com voz estrangulada.
—Ficou rígido.
James sorriu sem humor. Se ela soubesse...
Ela eliminou outro espinho, desta vez do colarinho de sua jaqueta.
—E para ser sincera, soa bastante estranho.
James tossiu, tentando ignorar a forma em que seus nódulos acariciavam
acidentalmente sua mandíbula.
—Engasguei-me—disse com voz áspera.
—Oh. —Ela se afastou e examinou seu trabalho. —Oh, Senhor, deixei uma.
Ele seguiu seu olhar... para baixo, até sua coxa.
—Eu a tirarei—disse ele rapidamente.
Ela ruborizou.
—Sim, será o melhor, mas...
—Mas o que?
—Há outra—disse ela, com uma embaraçosa tosse e assinalando com um dedo.
—Onde? —perguntou ele, só para fazê-la ruborizar um pouco mais.
—Aí. um pouco mais acima. —Assinalou-o com um dedo e deu meia volta,
vermelha como uma beterraba.
James sorriu amplamente. Tinha esquecido quão divertido era fazer ruborizar a uma
senhorita.
—Já está. Estou limpo de espinhos?
Ela se voltou, revisou-o, e assentiu com a cabeça.
—Realmente sinto terrivelmente sobre, ah, a roseira—disse com uma arrependida
inclinação de cabeça. —Sinto-o muitíssimo.
No instante em que James ouviu a frase "sinto muito" outra vez, teve que lutar
contra o impulso de agarrá-la pelos ombros e sacudi-la.
—Sim, acredito que isso já ficou claro.
Uma de suas delicadas mãos se elevou até sua face com expressão de preocupação.
—Sei, mas arranhou o rosto, e realmente deveríamos lhe pôr um bálsamo, e...
porque está aspirando?
Tinha-o pegado.
—O fazia?
—Sim.
James lhe dedicou seu sorriso mais infantil.
—Cheira a rosas.
—Não—disse ela, com um sorriso divertido, —você cheira a rosas.
James começou a rir. Doía-lhe o queixo justo onde ela o golpeara duas vezes, seu pé
palpitava no ponto onde ela caminhou por cima, e sentia todo o corpo como se tivesse
nadado em uma roseira, o que não estava muito longe da verdade. E ainda assim seguiu
rindo.
Olhou à senhorita Hotchkiss, que mordiscava o lábio inferior e o olhava de forma
suspeita.
—Não me tornei louco, se for isso o que lhe preocupa—disse com um sorriso
divertido, —embora eu gostaria de aceitar sua oferta de tratamento médico.
Ela assentiu energicamente com a cabeça.
—Cuidarei melhor de você lá dentro, então. Há um pequeno quarto perto da cozinha
onde a senhora Dambury guarda os remédios. Estou segura de que haverá algum tipo de
bálsamo ou loção que possamos aplicar em suas feridas.
—Você vai... ah... a ver... ah...
—Seus arranhões? —terminou ela por ele, com os lábios curvados em um sorriso
autodepreciativo. —Não se preocupe, sou bastante hábil para curar esses arranhões sem
provocar um desenlace mortal. Limpei muito mais cortes e raspões dos que eu gosto de
recordar.
—Seus irmãos são mais jovens que você, então?
Ela assentiu.
—E aventureiros. Ontem mesmo Lucas e Jane me informaram que planejam
construir uma fortaleza subterrânea. —Soltou uma risada incrédula.—Disseram-me que
preciso cortar nossa única árvore para prover as toras de madeira para escorá-la. De onde
tiram estas ideias, não saberei jamais, mas... Oh, sinto muito. É muito grosseiro de minha
parte falar sem parar de minha família.
—Não—disse James, surpreso pela rapidez de sua resposta. —Desfruto ouvindo-a
falar de sua família. Parecem encantadores.
Seus olhos se suavizaram, e James teve a impressão de que sua mente foi muito
longe a algum lugar, a julgar por seu sonhador sorriso, que era muito, muito agradável.
—São—respondeu ela.—É obvio, brigamos e discutimos como todas as famílias,
mas... Oh, veja. Estou fazendo outra vez. A única coisa que pretendia era lhe assegurar que
tenho bastante experiência com feridas leves.
—Nesse caso—disse ele, animadamente, —confio completamente em você.
Alguém que tenha cuidado de meninos pequenos é o bastante experiente para curar estas
ínfimas feridas.
—Alegra-me ouvir que conto com sua aprovação—disse ela ironicamente.
Ele estendeu a mão.
—Podemos declarar uma trégua? Amigos?
Ela assentiu com a cabeça.
—Trégua.
—Bem. Então voltemos para a mansão.
Riam e conversavam enquanto abandonavam o jardim de rosas, e só quando James
estava na metade do caminho a Dambury House, recordou que a considerava suspeita de
chantagem. Elizabeth empapou seu lenço no bálsamo de forte aroma.
—Isto pode arder um pouco—advertiu-lhe.
O senhor Siddons sorriu amplamente.
—Acredito que sou suficientemente homem para não. Oww! O que leva isso?
—Eu disse que poderia arder um pouco.
—Sim, mas não me disse que tinha dentes.
Elizabeth aproximou o pote até seu nariz e o cheirou.
—Acredito que contém um pouco de álcool. Cheira como brandy. Pode ser? Poriam
brandy em algo assim?
—Não, —resmungou ele, —a menos que essa gente quisesse fazer inimigos.
Ela o cheirou outra vez e deu de ombros.
—Não posso assegurar. Poderia ser brandy. Ou possivelmente algum outro licor. Eu
não fiz a mescla.
—Quem a fez? —perguntou ele, olhando-a como se temesse a resposta.
—Lady Dambury.
James gemeu.
—Temia isso.
Elizabeth o olhou com curiosidade.
—Por quê? Você mal a conhece.
—Certo, mas nossas famílias foram amigas durante anos. Acredite quando lhe digo
que é uma lenda entre a geração de meus pais.
—Oh, acredito. —Elizabeth riu. —É uma lenda entre minha geração. Tem a todos
os meninos do povoado atemorizados.
—Isso—disse o senhor Siddons com secura, —acredito.
—Não sabia que conhecia lady Dambury antes que o empregasse—disse ela,
inundando o lenço no bálsamo outra vez.
—Sim. Acredito—estremeceu quando lhe aplicou um pouco mais na sua testa—que
foi por isso pelo qual me contratou. Provavelmente pensou que eu seria de mais confiança
que alguém enviado por uma agência.
—Que estranho. O dia que você chegou, Lady Dambury me despediu cedo para
poder revisar os livros de contas e memorizar as cifras e assim estar segura de que não
tentaria enganá-la.
James dissimulou um sorrisinho com uma tosse.
—Disse isso?
—Mmm-hum. —inclinou-se para diante, com os olhos entrecerrados de
concentração enquanto explorava seu rosto. —Mas não deve tomar como algo pessoal.
Diria isso sobre qualquer um, inclusive sobre seu próprio filho.
—Sobretudo sobre seu próprio filho.
Elizabeth riu.
—Então a conhece realmente bem. Sempre está se queixando dele.
—Contou-lhe a vez que prendeu a cabeça...
—No Castelo de Windsor? Sim. —Ela sorriu amplamente, tampando-os lábios com
os dedos quando lhe escapou uma risada. —Nunca ri com tanta vontade.
James lhe devolveu o sorriso, achando sua proximidade desarmante, sentia-se quase
tonto.
—Você o conhece?
—Ao Cedric? —Ela retrocedeu ligeiramente para que ambos pudessem dialogar a
uma distância mais cômoda. —Oh, suponho que deveria lhe chamar Lorde Dambury agora,
verdade?
Ele levantou o ombro em um gesto de despreocupação.
—Pode chamá-lo como gosta em minha presença, por minha parte, eu gosto de
chamá-lo um...
Ela sacudiu um dedo em sua direção.
—Parece-me que tem uma veia muito travessa, senhor Siddons. E está tentando me
enrolar para que diga algo que poderia lamentar.
Ele sorriu esfaimadamente.
—Preferiria empurrá-la a fazer algo que poderia lamentar.
—Senhor Siddons—disse ela, reprovadoramente.
Ele deu de ombros.
—Me perdoe.
—Acontece que conheço o novo Lorde Dambury—disse ela, elevando o queixo
enquanto o olhava para indicar que o tema de conversa foi oficialmente mudado. —Não
muito bem, certamente. Ele é um pouco mais velho que eu, assim não brincamos juntos
quando crianças. Mas retorna para visitar sua mãe de vez em quando, assim nossos
caminhos se cruzam ocasionalmente.
Ao James ocorreu que se Cedric decidisse visitar sua mãe em um momento
próximo, seu disfarce ficaria completamente arruinado. Mesmo que ele ou Tia Agatha
conseguissem lhe advertir da situação a tempo, Cedric não era absolutamente confiável
para manter a boca fechada. O homem não tinha noção alguma de discrição e menos ainda
de sentido comum. James sacudiu a cabeça impulsivamente.
A estupidez, graças a Deus, não abundava na família.
—O que acontece? —perguntou a senhorita Hotchkiss.
—Nada. Por quê?
—Sacudiu a cabeça.
—Eu?
Ela assentiu.
—Provavelmente não estava sendo o bastante suave. Sinto muito.
Ele pegou a mão dela e a manteve cativa com um olhar fixo e faminto.
—Um anjo não poderia ter sido mais suave.
Os olhos dela se alargaram, e por um breve instante lhe sustentou o olhar, antes de
voltá-la para suas mãos unidas. James esperou que ela objetasse, mas não o fez, e então ele
deixou um rastro ao longo de seu pulso com seu polegar enquanto a liberava.
—Peço-lhe perdão—murmurou. —Eu não sei o que me deu.
—Está bem—gaguejou ela. —Sofreu um choque. Não é todo dia que alguém
encontra-se empurrado em uma roseira.
James não disse nada, só girou o rosto para que ela atendesse um arranhão perto da
orelha.
—Assim, mantenha-a inclinada—disse ela, com voz suave. —Preciso aplicar o
bálsamo sobre este arranhão tão profundo.
Ele fechou a boca, e Elizabeth conteve o fôlego quando se inclinou muito perto
dele. O corte estava no lado esquerdo e perto da boca, e se prolongava até o vão sob seu
lábio inferior.
—Há um pouco de sujeira aqui—murmurou ela.—Eu... Oh, resista um momento
mais. Necessito... —Ela mordia o lábio inferior e dobrou os joelhos para ficar ao mesmo
nível que o rosto de James. Pôs seus dedos sobre seu lábio e suavemente o estirou para
cima para ter melhor acesso ao arranhão. —Já está—sussurrou quando terminou de limpar
a ferida, assombrada de ser capaz de emitir um som apesar da palpitação de seu coração.
Nunca esteve de pé assim perto de um homem antes, e este em particular a fazia sentir as
coisas mais estranhas. Sentia um absurdo desejo de deixar que seus dedos se deslizassem
sobre os esculpidos ossos de sua face, e logo alisar o elegante arco de suas escuras
sobrancelhas.
Obrigou-se a expulsar o ar que reteve e baixou o olhar a seu rosto. James a
contemplava com uma expressão estranha, meio divertida e meio outra coisa. Seus dedos
estavam ainda sobre seus lábios, e de algum jeito ver-se tocando-o pareceu mais perigoso
que tocá-lo realmente.
Com um pequeno grito abafado ela afastou a mão.
—Terminou? —perguntou ele.
Ela assentiu.
—Espero... espero não lhe ter feito muito dano.
Seus olhos se obscureceram.
—Não senti dor absolutamente.
Elizabeth sorriu timidamente, e deu outro passo atrás algo para recuperar o
equilíbrio.
—Você é um paciente muito diferente do meu irmão—disse, tentando dirigir a
conversação para um tema mais ameno.
—Provavelmente não estremeceu nem a metade que eu—brincou o senhor Siddons.
—Não—disse Elizabeth, com risada entrecortada, —mas grita muito mais forte.
—Disse que se chamava Lucas?
Ela assentiu.
—Parece-se com você?
Os olhos de Elizabeth, que estavam estudando um quadro da parede em um esforço
por não olhar ao senhor Siddons, voaram de repente a seu rosto.
—Essa é uma pergunta estranha.
Ele deu de ombros.
—Eu, igual a você, sou dos curiosos.
—Oh. Bem, então, sim, parece. Somos muito parecidos. Meus pais eram muito
loiros os dois.
James permaneceu silencioso um momento enquanto considerava suas palavras. Era
difícil não notar que ela falou deles no passado.
—Faleceram, então? —disse suavemente.
Ela assentiu, e a ele não escapou a leve rigidez de seu rosto quando girou a cabeça a
um lado.
—Faz já mais de cinco anos. Estamos acostumado a nos arrumar sós agora, mas de
toda forma segue sendo —tragou saliva —difícil.
—Sinto muito.
Ela permaneceu imóvel um momento, e depois deixou escapar uma pequena e
forçada risada.
—Acreditei que acordamos não pronunciar mais essas palavras.
—Não, —brincou ele, tentando introduzir um pouco de humor na conversa.
Respeitava seu desejo de não compartilhar sua pena. —Acordamos que você não as
pronunciaria. Eu, por outro lado...
—Muito bem—disse ela, evidentemente aliviada porque ele não ia bisbilhotar, —se
realmente deseja desculpar-se, estarei encantada de lhe proporcionar por escrito uma lista
de suas transgressões.
Ele se inclinou para frente, descansando os cotovelos sobre seus joelhos.
—Poderia?
—Oh, em efeito. É obvio, só tenho três dias de transgressões que documentar, mas
estou bastante segura de que posso encher ao menos uma página.
—Só uma página? Terei que me esforçar mais em...
—Senhorita Hotchkiss?
Todo seu corpo se esticou e fulminava com o olhar a porta.
—Fuja— sussurrou ela.
James ficou de pé para poder olhar por cima da bancada. O gato de Tia Agatha
estava sentado na entrada, descansando sobre seus peludos quartos traseiros.
—Há algum problema? —perguntou James.
Ela não afastou os olhos do animal.
—Esse gato é uma ameaça.
—Malcolm? —Ele sorriu amplamente e caminhou para o animal. —Não faria mal a
uma mosca.
—Não o toque, —advertiu-lhe Elizabeth. —É maligno.
Mas James simplesmente o levantou do chão em seus braços. Malcolm soltou um
sonoro ronrono e sepultou sua cara no pescoço de James em um comprido e preguiçoso
roçar.
Elizabeth ficou boquiaberta.
—Esse pequeno traidor, tentei me fazer amiga durante três anos!
—Acreditei que trabalhava aqui há cinco anos.
—Certo. Mas me rendi depois de três. Uma mulher pode suportar receber bufos só
certo número de vezes.
Malcolm a olhou, elevou o nariz no ar, e voltou a esfregar-se contra o pescoço de
James com felina adoração. James riu entre dentes e voltou para sua cadeira.
—Estou seguro de que me vê como um desafio. Odeio aos gatos.
A cabeça da Elizabeth adotou a mais sarcástica das inclinações.
—Estranho, mas não parece dos que odeiam aos gatos.
—Bem, já não odeio a este.
—São um para o outro—resmungou ela. —Um homem que odeia a todos os gatos
exceto a um, e um gato que odeia a todas as pessoas exceto a uma.
—Duas, se tiver em conta a Lady Dambury. —James sorriu e se recostou,
sentindo-se repentinamente muito satisfeito com sua vida.
Estava longe de Londres, longe das debutantes de sorriso afetado e suas mães
interesseiras, e de algum jeito, encontrou-se em companhia desta jovem e encantadora
mulher, que provavelmente não estava chantageando a sua tia, e ainda se estivesse bem, seu
coração não palpitara tão forte em anos, como quando ela havia tocado com seus dedos
seus lábios. Considerando que não conseguira sentir nenhum pingo de interesse por
qualquer das perspectivas matrimoniais que desfilam por Londres, isto precisava significar
algo.
E talvez, pensou com um melancólico otimismo que não sentira durante anos,
estava chantageando a sua tia bom, talvez tinha uma boa razão para isso. Talvez tivesse um
parente doente, ou estava sendo ameaçada com o despejo. Talvez necessitava o dinheiro
por uma razão importante e nobre, e realmente nunca teve a intenção de envergonhar a
Agatha fazendo públicos os rumores.
James lhe sorriu, decidindo que a teria em seus braços antes do fim de semana, e se
resultava tão estupendo como pensava que resultaria, começaria a pensar em persegui-la.
—Com o incentivo apropriado—brincou ele, —poderia deixar cair um par de
comentários aduladores sobre você a nosso peludo amigo aqui presente.
—Não estou interessada absolutamente no... Oh, Meu Deus!
—O que?
—Que horas são?
James tirou seu relógio de bolso, e para sua surpresa ela se precipitou sobre ele e o
arrebatou dos dedos.
—Oh, Senhor! —exclamou. —Precisava me reunir com Lady Dambury em seu
salão há vinte minutos. Leio para ela todas as manhãs, e...
—Estou seguro de que não lhe importará, depois de tudo, —James assinalou os
arranhões de seu rosto —tem muitas provas de que assistia a alguém ferido e necessitado.
—Sim, mas não entende, supõe-se que eu não... Ou seja, supunha-se que estava
praticando —seus olhos se encheram de horrorizada vergonha, e tampou com a mão a boca.
James ficou em pé, elevando-se em toda sua altura e abatendo-se sobre ela com
intenção de intimidá-la.
—O que ia dizer?
—Nada—gritou ela. —Jurei que não ia fazer isto mais vezes.
—Jurou que não ia fazer o que mais vezes?
—Não é nada. Juro. Estou segura de que o verei mais tarde.
E antes de que ele pudesse agarrá-la, escapuliu da sala.
James contemplou a porta pela qual ela desaparecera durante um minuto completo
antes de reagir finalmente. A senhorita Elizabeth Hotchkiss era muito estranha. Justo
quando começara finalmente a atuar como ela mesma ele estava convencido de que a
mulher suave, amável e de sardônico e agudo humor era a verdadeira Elizabeth começou a
atuar de forma assustadiça e a gaguejar e a balbuciar todo tipo de tolices.
O que dissera que precisava fazer? Ler para a sua tia? Também dissera algo sobre
praticar, e logo jurou que não ia fazer mais que demônios significava isso?
Colocou a cabeça no corredor e olhou ao redor. Tudo parecia tranquilo. Elizabeth,
quando começou ele a pensar nela como Elizabeth e não apropriadamente como senhorita
Hotchkiss?
—Não a via em nenhuma parte, provavelmente estaria na biblioteca selecionando
material de leitura para a Tia.
Isso era! O livro. Quando a tinha descoberto em suas habitações ela estava
encurvada sobre sua cópia dos ENSAIOS de Bacon. Uma lembrança cintilou em sua
memória, e se viu tentando recolher do chão um pequeno livro de capa vermelha o primeiro
dia que tropeçaram. Ela estava atemorizada, virtualmente saltou por diante dele para
conseguir agarrá-lo primeiro. Deve pensar que de algum jeito ele conseguira esse livro.
Mas que demônios havia no livro?
Capítulo 6
Vigiou-a durante todo o dia. Sabia como seguir a pista de uma pessoa, deslizando-se
pelos cantos e escondendo-se em quartos vazios. Elizabeth, que não tinha razão alguma
para pensar que alguém poderia segui-la, não suspeitou nada. James escutou enquanto ela
lia em voz alta para sua tia e a observou enquanto ela ia de um lado a outro através do
corredor, trazendo objetos desnecessários para sua tia.
Tratava a Agatha com respeito e afeto. James seguiu escutando, procurando sinais
de impaciência ou de cólera, mas sempre que sua tia atuava de modo irrazoável e
caprichoso, Elizabeth reagia com uma divertida indulgência que James achou encantadora.
Sua moderação ante os caprichos de sua tia era assustadora. James teria perdido a paciência
antes de meio-dia. A senhorita Hotchkiss ainda conservava o sorriso quando partiu de
Dambury House às quatro da tarde.
James a olhou através da janela quando ela caminhou no passeio abaixo. Sua cabeça
se balançava ligeiramente de um lado a outro, e teve o estranho e regozijante
pressentimento de que ela ia cantando para se mesma. Inconscientemente, ele começou a
assobiar.
—Que melodia é essa?
Ele elevou a vista. Sua tia estava parada na porta do salão, apoiando-se pesadamente
em sua bengala.
—Nenhuma da que queira conhecer a letra—disse ele com um sorriso libertino.
—Tolices. Se for picante, então seguro que quero sabê-la.
James riu entre dentes.
—Tia Agatha, não confessei a letra quando me pegou cantarolando aquela cantiga
de marinheiros quando tinha doze anos, e certamente não vou confessar esta agora.
—Hmmph. —Ela golpeou o chão com sua bengala e girou. —Vem e me faça
companhia enquanto tomo o chá.
James a seguiu a sua saleta e tomou assento frente a ela.
—Realmente—começou, —estou contente de que me tenha convidado a te
acompanhar. Estava pensando em falar contigo sobre sua dama de companhia.
—A senhorita Hotchkiss?
—Sim—disse James, tentando soar indiferente. —Pequena. Loira.
Agatha sorriu sagazmente, seus pálidos olhos azuis agudos como nunca.
—Oh, então a notou.
James se fez de tolo.
—Que seu cabelo é loiro? É difícil não dar-se conta, Tia.
—Queria dizer que é tão bonita como um botão de rosa e você sabe.
—A senhorita Hotchkiss é certamente atraente—disse ele—mas...
—Mas não é seu tipo de mulher—terminou ela por ele. —Sei. —Elevou a vista.
—Esqueci como você gosta do chá.
James entrecerrou os olhos. Tia Agatha nunca esquecia nada.
—Com leite, sem açúcar—disse com receio. —E por que acredita que a senhorita
Hotchkiss não é meu tipo de mulher?
Agatha encolheu delicadamente os ombros e expôs.
—Ela possui um encanto sutil, depois de tudo.
James calou um segundo.
—Acredito que acaba de me insultar.
—Bom, deve confessar que aquela outra mulher era um tanto... ah, como diríamos...
—Deu-lhe sua xícara de chá. —Chamativa?
—Que outra mulher?
—Já sabe. Aquela com o cabelo vermelho e o... —Levantou as mãos ao nível de seu
peito e fez uns vagos e circulares movimentos. —Já sabe.
—Tia Agatha, era uma cantora de ópera!
—Bem—soprou ela. —Certamente não deveria ter me apresentado.
—Não o fiz—disse James rigidamente. —Lançou-te rua abaixo sobre mim com a
mesma sutileza que uma bala de canhão.
—Se for me insultar...
—Tentei te evitar—interrompeu-a ele. —Tentei escapar, mas não, não tinha
intenção de me permitir isso.
Ela colocou dramaticamente uma mão sobre seu peito.
—Me perdoe por ser uma parente preocupada contigo. Afinal, estávamos esperando
há anos o seu casamento, e simplesmente me interessei por sua acompanhante.
James respirou profundamente para tranquilizar-se, tentando relaxar os músculos
dos ombros. Ninguém tinha a habilidade de fazê-lo sentir de novo como um moço de
dezesseis, como sua tia.
—Acredito—disse com firmeza, —que falávamos da senhorita Hotchkiss.
—Oh, sim! —Agatha tomou um gole de chá e sorriu. —A senhorita Hotchkiss.
Uma garota encantadora. E tão equilibrada. Não como essas moças frívolas de Londres que
sigo encontrando no Almacks. Depois de passar uma tarde ali a gente pensa que a
inteligência e o sentido comum foram completamente eliminados da população britânica.
James estava completamente de acordo com ela sobre aquele ponto, mas agora, em
realidade, não era o momento de falar disso.
—A senhorita Hotchkiss...? —recordou-lhe.
Sua tia elevou a vista, piscou uma vez, e disse: —Não sei o que faria sem ela.
—Possivelmente ser quinhentas libras mais rica? —sugeriu ele.
A xícara de chá da Agatha golpeou com força o prato.
—Certamente não consideraste suspeita a Elizabeth.
—Tem acesso a seus bens pessoais—indicou ele. —Poderia ter guardado algo que
pudesse ser incriminatório... Pelo que se sabe, ela pôde estar bisbilhotando entre suas coisas
durante anos.
—Não—disse ela em um tom suave que gotejava segurança. —Elizabeth não.
Jamais faria tal coisa.
—Me perdoe, Tia, mas como pode estar tão segura?
Ela o atravessou com o olhar.
—Eu acredito que você está ciente de que sou boa julgando caráteres, James. Como
prova, isso deveria bastar.
—É obvio que é muito boa nisso, Agatha, mas...
Ela elevou uma mão.
—A senhorita Hotchkiss é toda bondade, amabilidade e honestidade, e me nego a
escutar uma só palavra mais de menosprezo.
—Muito bem.
—Se não me acredita, passa um pouco de tempo com a moça. Verás que tenho
razão.
James se recostou, satisfeito.
—Isso farei.
Sonhou com ela essa noite.
Estava inclinada sobre o condenado livro vermelho, seu cabelo, comprido e loiro,
solto e brilhante como a luz da lua. Usava uma virginal camisola branca que a cobria da
cabeça aos pés, mas de algum jeito ele sabia exatamente como era ela por baixo, e desejava
tão desesperadamente...
Então pôs-se a correr diante dele, rindo por cima de seu ombro e com seu cabelo
derramando-se detrás dela e fazendo cócegas em seu rosto sempre que ele conseguia
aproximar-se. Mas cada vez que se estirava para alcançá-la, evitava-o. E sempre que
acreditava que estava o bastante perto para ler o título de seu pequeno livro, as letras
douradas trocavam e se desfocavam, e se encontrava caindo enquanto ofegava em busca de
ar.
Que foi exatamente como se sentiu James quando se ergueu de repente em sua cama
até ficar sentado, enquanto a primeira luz da manhã começava a aparecer pelo horizonte.
Sentia-se vagamente enjoado, respirava com força, e só tinha uma coisa em mente.
Elizabeth Hotchkiss.
hhh
Quando Elizabeth chegou a Dambury House essa manhã, franzia o cenho. Tinha
jurado que nem sequer ia jogar uma olhada à capa de Como casar-se com um Marquês, mas
quando chegou a casa no dia anterior, encontrou o livro sobre sua cama, com sua brilhante
encadernação vermelha que virtualmente a desafiava a abri-lo.
Elizabeth se havia dito que só jogaria uma olhada; quão único queria era ver se dizia
algo sobre ser inteligente e fazer rir a um homem, mas antes de dar-se conta, estava sentada
na borda de sua cama, absorta na leitura. E agora ela tinha tantas normas e regras flutuando
ao redor de sua cabeça que estava verdadeiramente enjoada. Não devia paquerar com
homens casados, supunha-se que não devia tratar de dar um conselho a um homem nem
pretender saber mais que ele, mas devia romper imediatamente com um pretendente se ele
esquecesse seu aniversário.
—Graças a Deus pelos pequenos favores—murmurou para si mesma enquanto
entrava no enorme vestíbulo de Dambury House. Seu aniversário não era até dentro de
nove meses, o bastante longe no futuro para não interferir com os possíveis noivados que...
Oh, pelo amor de Deus. No que estava pensando? Disse a si mesma que não ia
deixar que a senhora Seeton lhe ditasse o que fazer, e aqui estava...
—Parece bastante séria esta manhã.
Elizabeth ergueu a vista sobressaltada.
—Senhor Siddons—disse, com voz um pouco rouca ao pronunciar a primeira sílaba
de seu nome. —Que encantador encontrá-lo.
Ele se inclinou.
—O sentimento, asseguro, é mútuo.
Ela sorriu rigidamente, sentindo-se repentinamente muito tola na presença deste
homem. Eles conversaram estupendamente bem no dia anterior, e Elizabeth sentira até
quase que podiam chamar-se amigos, mas foi antes de... Pigarreou. Antes de ela passar a
metade da noite pensando nele.
Ele estendeu imediatamente seu lenço. Elizabeth sentiu como se ruborizava e rezou
para que não fosse muito óbvio.
—Não é necessário—disse rapidamente. —Somente clareando a garganta.
THUMP!
—Será Lady Dambury—murmurou o senhor Siddons, sem incomodar-se em
voltar-se para o som.
Elizabeth sufocou um sorriso de condolência e girou a cabeça. Efetivamente, Lady
Dambury estava no outro extremo do corredor, golpeando com sua bengala. Malcolm
estava no chão ao lado dela, sorrindo com satisfação.
—Bom dia, Lady Dambury—disse Elizabeth, encaminhando-se imediatamente para
a idosa. —Como se encontra?
—Como se tivesse setenta e dois anos—replicou ela.
—Bem, é uma pena—respondeu Elizabeth, com o rosto muito sério —desde que sei
que na melhor das contas não tem mais que sessenta e sete anos.
—Menina impertinente. Sabe muito bem que tenho sessenta e seis anos.
Elizabeth escondeu seu sorriso.
—Necessita ajuda para voltar para o salão? Tomou o desjejum esta manhã?
—Comi dois ovos e três pedaços de torrada, e não quero me sentar no salão esta
manhã.
Elizabeth piscou surpresa. Ela e Lady Dambury passavam todas as manhãs no salão.
E entre os muitos discursos de Lady D, seu favorito era o que versava sobre as qualidades
preservadoras da rotina.
—Decidi me sentar no jardim—anunciou Lady D.
- Oh—disse Elizabeth. —Já vejo. É uma ideia encantadora. O ar é bastante fresco
esta manhã, e a brisa bem...
—Vou dormir uma sesta.
Aquele anúncio privou completamente a Elizabeth da fala. Lady Dambury
frequentemente cochilava, mas jamais admitia, e certamente nunca usava a palavra "sesta".
—Necessita que a ajude a chegar ao jardim? —perguntou o senhor Siddons.
—Estaria encantado de acompanhá-la.
Elizabeth deu um salto. Esqueceu-se completamente de sua presença.
—Não faz falta—disse Lady D. secamente. —Não me movo muito rápida
ultimamente, mas não estou morta. Vem, Malcolm. —E com isto se afastou andando com
dificuldade e com Malcolm trotando a seu lado.
Elizabeth simplesmente ficou olhando fixamente como se afastavam, com uma mão
colada a sua face em estado de choque.
—É realmente notável quão bem treinou a seu gato—disse James.
Elizabeth girou, com expressão atônita.
—Pareceu-lhe doente?
—Não, por quê?
Ela agitou as mãos torpemente em direção à figura cada vez mais longínqua de
Lady Dambury, incapaz de expressar com palavras seu grau de surpresa.
James a contemplou com expressão divertida.
—Tão estranho é que possa desejar dormir uma sesta no jardim? O tempo está bom.
—Sim! —disse ela, com tom elevado pela preocupação. —É muito estranho.
—Bom, estou seguro de que ela...
—Digo-lhe que é muito estranho. —Elizabeth sacudiu a cabeça. —Eu não gosto
disto. Eu não gosto nem um pingo.
Ele inclinou a cabeça e lhe dirigiu um olhar de avaliação.
—O que propõe que façamos?
Ela quadrou os ombros.
—Vou espiá-la.
—Vai olhar como dorme? —perguntou ele, de forma suspeita.
—Tem alguma ideia melhor?
—Melhor que espiar o sono de uma idosa? Bem, sim, realmente, se me apressa
acredito que poderia pensar em um ou dois passatempos que seriam...
—Oh, silêncio! —disse ela com irritação. —Não necessito de sua ajuda, de todo
modo.
James sorriu.
—Tinha-a solicitado?
—Como tão amavelmente você indicou—disse ela elevando o queixo, —não é tão
difícil vigiar o sono de uma idosa. Estou segura que tem outros deveres mais importantes.
Bom dia.
James abriu a boca surpreso quando ela começou a afastar-se com passo majestoso.
Condenação, não quis ofendê-la.
—Elizabeth, espere!
Ela parou e girou, provavelmente surpresa pelo uso de seu primeiro nome mais do
que com o desabafo. Infernos, ele ficara surpreso. Era só que ela tinha ocupado seus
pensamentos durante dias, e ele começara a pensar nela como Elizabeth, e...
—Sim? —disse ela finalmente.
—Irei com você.
Ele lhe dirigiu um olhar bem zangado.
—Sabe ser realmente silencioso, verdade? Não quero que nos pegue espiando-a.
James mordeu os trementes lábios; era a única coisa que podia fazer para não tornar
a rir.
—Pode estar segura de que não nos delatarei—disse ele com gravidade. —Sinto-me
orgulhoso de ser um espião muito bom.
Ela franziu o cenho.
—Essa é uma declaração muito estranha. E... encontra-se bem?
—Estupendamente, por quê?
—Parece como se estivesse a ponto de espirrar.
Ele vislumbrou um vaso com flores próximo e mentalmente se agarrou a ele.
—As flores sempre me fazem espirrar.
—Não espirrou ontem no jardim de rosas.
Ele clareou a garganta e pensou com rapidez.
—Estas não são rosas—disse, apontando para o jarro.
—Nesse caso, não posso deixá-lo vir—disse ela com um desdenhoso gesto da
cabeça. —Há flores de um ao outro extremo do jardim. Não posso lhe ter espirrando a cada
dois minutos.
—Ah, não o farei—disse ele rapidamente. —Só as flores cortadas para decoração
me produzem esse efeito.
Seus olhos se entrecerraram com desconfiança.
—Nunca ouvi falar de tal afecção.
—Eu tampouco. Nunca conheci a ninguém mais que reaja da mesma forma. Deve
ser algo nos caules. Algo que... né ... se libera quando o caule é cortado.
Ela lançou outro olhar duvidoso, e então ele adornou a mentira acrescentando.
—Isto me dá um montão de malditos problemas quando cortejo a uma senhora.
Deus me ajude se tento lhe oferecer flores.
—Muito bem—disse ela energicamente.—Venha. Mas se arruinar isto...
—Não o farei, —assegurou-lhe ele.
—Se arruinar isto—repetiu ela, mais forte desta vez,—não lhe perdoarei nunca.
Ele baixou ligeiramente a cabeça e tentou dar uma inclinação arrependida a seus
ombros.
—Me mostre o caminho, senhorita Hotchkiss.
Ela deu uns passos e então se deteve e girou, seus olhos azuis com uma expressão
um pouquinho suspeita.
—Antes, chamou-me Elizabeth.
—Me perdoe—murmurou ele. —Ultrapassei-me.
James olhou o jogo de emoções que atravessaram seu rosto. Não estava segura se
deveria lhe permitir a liberdade de chamá-la por seu primeiro nome. James podia ver como
sua natureza naturalmente amistosa lutava com sua necessidade de mantê-lo a distância.
Finalmente ela franziu as comissuras de sua boca e disse: —Não tem maior importância. Os
criados não são muito formais aqui, em Dambury House. Se o cozinheiro e o mordomo me
chamam Elizabeth, você pode fazê-lo também.
James sentiu que seu coração se enchia de uma satisfação bastante absurda.
—Então deve me chamar James, respondeu.
—James. —Ela provou a deixá-lo deslizar-se por sua língua, e logo acrescentou.
—Não devo me referir nunca a você como tal, certamente, se alguém perguntar por você.
—É obvio que não. Mas se estivermos sozinhos, não há nenhuma necessidade de
sermos tão formais.
Ela assentiu.
—Muito bem, senhor. —Sorriu envergonhada. —James. Deveríamos nos pôr em
marcha.
Ele a seguiu por um labirinto de vestíbulos; ela insistiu em seguir uma tortuosa rota
para não despertar as suspeitas de Lady Dambury. James não entendia como a presença de
ambos no salão de baile, ou quarto do café da manhã, e a estufa toda em uma só manhã não
iriam despertar nada, exceto suspeitas, mas guardou seus pensamentos para si. Elizabeth
evidentemente experimentava uma tranquila satisfação em sua posição como líder, e além
disso, ele desfrutava da vista que lhe oferecia sua posição às costas dela.
Quando finalmente saíram, estavam na parte leste da casa, perto da fachada da
mansão, e tão longe do jardim como era possível.
—Poderíamos ter saído pelas portas francesas do quarto de música—explicou
Elizabeth, —mas desta forma podemos nos deslizar por detrás daquelas sebes e
contorná-los para chegar ao jardim.
—Uma ideia excelente—murmurou ele, seguindo-a ao redor da parte detrás das
sebes. Os arbustos tinham uns doze pés de altura, ocultando-os completamente da vista da
casa. Para sua surpresa, logo que Elizabeth virou a esquina ao redor da parte traseira das
sebes, começou a correr. Bem, possivelmente não a correr, mas certamente se movia a meio
caminho entre um passo enérgico e um trote.
Suas pernas eram muito mais longas que as dela, entretanto, e tudo o que teve que
fazer para manter seu ritmo foi alargar seu passo longo.
—É realmente necessário tanta pressa? —perguntou.
Ela se voltou, mas sem deixar de andar.
—Estou muito preocupada com Lady Dambury—disse, e logo reatou seu passo
apressado.
James viu esta ocasião de estar a sós com Elizabeth como uma excelente
oportunidade para estudá-la, mas seu pragmatismo o obrigou a comentar.
—Certamente a vida em Dambury House não é tão aborrecida que o acontecimento
mais excitante do verão seja que uma mulher de sessenta e seis anos durma uma sesta.
Ela girou outra vez.
—Lamento se acha minha companhia aborrecida, mas se o recorda, não lhe obriguei
a me acompanhar.
—Oh, sua companhia é tudo, exceto aborrecida—disse ele, deslumbrando-a com
seu sorriso mais lisonjeador. —Simplesmente não entendo a gravidade da situação.
Ela se deteve bruscamente, plantou as mãos sobre seus quadris, e cravou nele um
severo olhar.
—Com essa postura, seria uma instrutora endemoniadamente boa—disse
maliciosamente.
—Lady Dambury nunca dorme a sesta—disse ela com os dentes apertados e
fulminando-o com o olhar por esse último comentário. —Ela vive e respira rotina. Dois
ovos e três pedaços de torrada para tomar o café da manhã. Todos os dias. Trinta minutos
de bordado. Todos os dias. A correspondência é classificada e respondida às três da tarde.
Todos os dias. E...
James elevou uma mão.
—Já entendi.
—Ela nunca dorme uma sesta.
Ele assentiu lentamente, perguntando-se o que podia dizer a estas alturas da
conversa.
Ela soltou um "hmmphing" final, e logo dando meia volta, voltou a caminhar a toda
velocidade. James a seguiu, caminhando com amplos e fáceis passos. A distância entre
ambos se foi alongando ligeiramente, e ele acabava de admitir para si mesmo a necessidade
de aumentar sua velocidade a um ligeiro trote quando percebeu uma protuberante raiz de
árvore um pouco mais adiante.
—Cuidado com...
Ela aterrissou sobre a terra, com um braço revoando para trás qual ave voadora, e o
outro estirado para diante para deter sua queda.
—Raiz, —terminou ele. Precipitou-se para ela. —Se machucou?
Ela sacudiu a cabeça e resmungou.
—É obvio que não, mas tremia enquanto o dizia, assim James não se sentia muito
inclinado a acreditá-la.
Se agachou a seu lado e puxou a mão que ela tinha estendido para amortecer sua
queda.
—Como está a mão?
—Estou bem—insistiu ela, retirando a mão, e sacudindo a terra e o cascalho que
estava em sua pele.
—Temo que devo insistir em verificá-lo por mim mesmo.
—De algum jeito—queixou-se ela, —isto tem que ser por sua culpa.
Ele não pôde conter um sorriso surpreso.
—Por minha culpa?
—Não estou segura de como ou por que, mas se houver justiça neste mundo, isto é
por sua culpa.
—Se for por minha culpa—disse ele com o que pensou era a máxima gravidade,
—então realmente devo compensá-la me ocupando de suas feridas.
—Não tenho...
—Raramente aceito um não por resposta.
Com um ruidoso suspiro, lhe estendeu a mão, murmurando um bastante descortês:
—Aqui.
James girou seu pulso suavemente. Ela não reagiu até que ele cautelosamente
dobrou sua mão para trás.
—Oh! —exclamou Elizabeth, evidentemente irritada com ela mesma por
demonstrar dor.
—Não doeu muito—disse rapidamente. —Estou segura de que não o torci.
—Estou seguro de que tem razão—concordou ele. Não havia nenhum sinal de
inchaço. —Mas deveria usar mais a outra pelo menos um dia. E talvez poderia voltar para a
casa e conseguir um pouco de gelo ou um pedaço cru de carne para colocar sobre o pulso.
—Não tenho tempo—disse ela energicamente, ficando em pé. —Devo comprovar
que Lady Dambury está bem.
—Se em efeito está, como teme, dormindo uma sesta, então me inclino a pensar que
seu temor de que fuja é um pouco exagerado.
Elizabeth o fulminou com o olhar.
—Em outras palavras, —ele disse, tão suavemente como pôde —não há nenhuma
necessidade de que arrisque sua vida e sua integridade física precipitando-se.
Podia vê-la meditar sobre suas palavras, mas finalmente se limitou a sacudir a
cabeça e disse.
—É livre de tomar suas próprias decisões. —E dando meia volta, saiu correndo.
James soltou um gemido, tentando recordar por que continuava indo atrás dela, de
todo o modo. Tia Agatha, recordou-se. Tudo isto era por Tia Agatha. Precisava averiguar se
Elizabeth era a chantagista.
Sua intuição lhe dizia que não era, ninguém que exibisse o tipo de preocupação que
ela mostrava por uma autoritária e, bastante frequentemente, incrivelmente fastidiosa idosa,
a chantagearia. Ainda assim James não tinha a nenhum outro suspeito, assim saiu correndo
atrás dela. Quando Elizabeth dobrou a esquina, perdeu-a de vista, mas seus longos passos
fizeram que logo a encontrasse, ainda sã e salva, de costas para sebe, com a cabeça voltada
de modo que espiava por cima de seu ombro.
—O que vê? —perguntou ele.
—Nada—confessou ela, —mas me parece que consegui uma cãibra horrível no
pescoço.
James dominou o sorriso que sentiu borbulhando dentro dele e manteve o tom sério
quando disse.
—Importaria-lhe se eu olhar?
Ela voltou a cabeça à frente e logo, com uma careta de desconforto, inclinou-a a um
lado e a voltou a erguer. James se estremeceu quando ouviu um ruidoso rangido.
Ela esfregou o pescoço.
—Acredita que pode fazê-lo sem ser visto?
Imagens de suas antigas missões na França, na Espanha, e também aqui, na
Inglaterra, passaram por sua mente. James era um perito em não ser visto.
—Oh—disse com desenvoltura, —acredito que conseguirei isso.
—Muito bem. —Ela retrocedeu. —Mas se você suspeitar, embora só seja por um
segundo, que ela pode lhe ver, retroceda.
James sorriu amplamente e fez uma saudação militar.
—Você manda.
Naquele momento, Elizabeth esqueceu tudo.
Esqueceu que não tinha nem ideia de como ia sustentar seus irmãos menores.
Esqueceu que Lady Dambury atuava de forma muito estranha e que temia que sua patroa
pudesse estar gravemente doente. Até esqueceu cada maldito decreto do pequeno livro da
senhora Seeton, e, sobretudo, esqueceu que este homem para quem seu estomago dava um
salto cada vez que elevava as sobrancelhas.
Esqueceu tudo exceto a ligeireza do momento e o ardente sorriso no rosto de James
Siddons. Com uma pequena risada, adiantou-se e o golpeou brincando no ombro.
—Oh, pare já—disse, quase sem reconhecer sua própria voz.
—Para o que? —perguntou ele, com expressão absurdamente inocente.
Ela imitou sua saudação militar.
—Esteve repartindo ordens com grande facilidade e frequência—indicou ele. —É
natural que a compare a...
—Simplesmente comprove como está Lady Dambury—interrompeu-o ela.
James sorriu conscientemente e deslizou agachado até a esquina da sebe.
—Vê algo? —sussurrou Elizabeth.
Ele voltou atrás.
—Vejo lady Dambury.
—Isso é tudo?
—Não acredito que estivesse interessada no gato.
—Malcolm?
—Está sobre seu colo.
—Não me importa o que faz o gato.
James lhe dirigiu um olhar vagamente condescendente inclinando apenas a cabeça.
—Não acreditei que lhe importasse.
—O que faz Lady Dambury? —grunhiu-lhe Elizabeth.
—Dorme.
—Dorme?
—É o que disse que faria, verdade?
Olhou-o com o cenho franzido.
—Queria dizer se dorme normalmente. Respira com dificuldade? Move-se?
—Enquanto dorme? —perguntou ele, duvidoso.
—Não seja estouvado. A gente se move em sonhos todo o... —Seus olhos se
entrecerraram. —Por que sorri?
James tossiu para encobrir seus traidores lábios, e tentou recordar a última vez que
uma mulher lhe chamou estouvado. As damas que conheceu em sua recente estadia em
Londres foram do tipo das que sorriem com afetação, elogiando-o por sua roupa, seu rosto
ou seu aspecto. Quando uma chegou ao extremo de elogiar a curvatura de sua testa, soube
que era o momento de escapar.
Jamais teria suspeitado, entretanto, quão divertido poderia resultar ser insultado por
Elizabeth Hotchkiss.
—Por que sorri? —repetiu ela, com impaciência.
—Estava sorrindo?
—Sabe que sim.
Ele se inclinou para diante, o suficiente para conseguir que ela prendesse a
respiração.
—Quer saber a verdade?
—Er, sim. A verdade é quase sempre preferível.
—Quase?
—Bem, se essa opção vai ferir desnecessariamente os sentimentos de outro—,
explicou ela, —então... Espere um momento! supõe-se que é você quem vai responder a
minha pergunta.
—Oh, sim—o sorriso, disse ele. —Foi por me chamar estouvado, em realidade.
—Sorri porque lhe insultei?
Ele deu de ombros e estendeu as mãos no que esperou ser um gesto encantador.
—Não sou insultado pelas mulheres muito frequentemente.
—Então esteve acompanhado pelo tipo errado de mulheres—resmungou ela.
James soltou uma gargalhada.
—Não faça ruído, —sussurrou ela, arrastando-o longe da sebe. —Ela lhe ouvirá.
—Ronca o bastante forte para despertar a um morto—respondeu ele. —Duvido que
nossas pequenas palhaçadas vão despertá-la.
Elizabeth sacudiu a cabeça e franziu o cenho.
—Eu não gosto disto. Ela nunca dorme a sesta. Sempre diz que é pouco natural.
James lhe dirigiu um sorriso, dispondo-se a gracejá-la outra vez, mas se conteve
quando viu a ansiedade em seus olhos azul escuro.
—Elizabeth—disse suavemente, —o que é que realmente teme?
Ela soltou um comprido suspiro.
—Pode estar doente. Quando a gente de repente se sente cansada... —Tragou.
—Pode ser um sinal de enfermidade.
Ele ficou em silêncio uns segundos ante sua tácita pergunta.
—Seus pais estavam doentes antes de morrer?
Elevou o olhar bruscamente para ele, e James notou que ficou surpresa por sua
pergunta.
—Não—disse ela, piscando. —Minha mãe morreu em um acidente de carruagem, e
meu pai... —Fez uma pausa, olhou ao longe, e sua expressão se foi tornando cada vez mais
angustiada até que finalmente disse. —Ele não estava doente.
O que mais desejava era seguir perguntando, averiguar por que ela não falava da
morte de seu pai. De maneira surpreendente, deu-se conta de que queria saber tudo sobre
ela. Queria conhecer seu passado, seu presente, e seu futuro. Saber se falava francês, se
gostava de chocolate, se leu a Moer. E sobre tudo, conhecer os segredos que se ocultavam
atrás de cada diminuto sorriso que cruzava seu rosto.
James quase retrocedeu um passo ante tal revelação. Nunca sentira este tipo de
ardente necessidade de examinar todos e cada um dos cantos mais distantes da alma de uma
mulher.
Elizabeth encheu o torpe silêncio perguntando.
—Vivem ainda seus pais?
—Não—respondeu James. —Meu pai morreu repentinamente, em realidade. O
doutor disse que foi seu coração. —Deu de ombros. —Ou a carência do mesmo.
—Oh, querido—balbuciou ela.
—Não acontece nada—disse ele com um desdenhoso gesto da mão. —Não era um
bom homem. Não sinto falta dele, e não me causa pena.
Ela apertou os lábios, mas James viu a sombra de algo, empatia, possivelmente?, em
seus olhos.
—Minha mãe morreu quando eu era bastante jovem—acrescentou ele
repentinamente e não muito seguro de por que lhe contava isso. —Mal a lembro.
—Sinto muito—disse Elizabeth suavemente. —Espero que não tenha sido muito
doloroso.
James temeu não saber ocultar a resposta de seus olhos, porque ela só tragou e
disse, sinto muito, outra vez. Ele assentiu em reconhecimento a sua compaixão, mas não
disse nada. Os olhos de Elizabeth capturaram os seus durante um fugaz momento, e depois
girou o pescoço para jogar outra olhada a Lady Dambury.
—Morreria se Lady D estivesse sofrendo. Sei que ela não diria nunca a ninguém.
Pode ser insuportavelmente orgulhosa. Não reconheceria o afeto e a preocupação pelo que
são. Tudo que veria seria a compaixão.
James a olhou observar a sua tia e subitamente o golpeou perceber quão miúda
Elizabeth era. Os campos de Dambury House se estendiam atrás dela em um interminável
extensão de verde, e ela parecia terrivelmente pequena e só contra a vasta extensão de terra.
A brisa de verão escolheu diminutas e sedosas mechas de cabelo loiro de sua touca, e sem
pensar, James estendeu a mão e agarrou um, pondo-o atrás de sua orelha.
Ela conteve a respiração, e imediatamente levantou uma mão. Seus dedos se
roçaram contra os nódulos dele, e James lutou contra o louco desejo de prender sua mão na
sua. Só era necessário o mais diminuto movimento de seus dedos, e se sentia
esquisitamente tentado, mas retirou a mão e murmurou.
—Me perdoe. O vento despenteou seu cabelo.
Seus olhos se aumentaram e seus lábios se separaram como se fosse a dizer algo,
mas finalmente, ela só disse.
—Lady Dambury foi muito boa comigo—com voz rouca. —Não há nenhum modo
em que possa lhe reembolsar alguma vez toda sua bondade.
James nunca ouvira antes que sua brusca e autoritária tia fosse qualificada de
bondosa. A alta sociedade a respeitava, temia, inclusive ria de suas brincadeiras cortantes,
mas nunca anteriormente vira o amor que ele sentia por essa mulher, que possivelmente
salvara sua alma, refletido nos olhos de outra pessoa.
E então seu corpo se fez completamente independente dele e se sentiu avançar. Não
controlava o movimento; era quase como se um poder superior se apossasse dele, fazendo-o
estender a mão e embalar com ela a parte posterior da cabeça de Elizabeth, seus dedos
deslizando-se entre a seda de seu cabelo enquanto a puxava aproximando-a, mais perto,
mais perto, e então...
E por fim seus lábios estavam sobre os dela, e qualquer que fosse a desconhecida
força que fizera que ele a beijasse fugira, e tudo o que ficou era uma imperiosa necessidade
de possuí-la de cada uma das maneiras em que um homem pode possuir a uma mulher.
Quando uma de sua mão se afundou mais profundamente em seu cabelo, a outra se
enroscou ao redor dela, posando-se na delicada curva da parte baixa de suas costas. Podia
sentir o começo de sua resposta. Ela era inexperiente, mas se estava abrandando, e seu
coração começava a pulsar mais rápido, e depois começou a palpitar.
—Meu Deus, Elizabeth—ofegou ele, mudando sua boca a sua face, e logo a sua
orelha. —Quero... Quero ...
Sua voz deve ter despertado algo dentro dela, porque ficou rígida, e a ouviu
sussurrar.
—Oh, não.
James quis aferrar-se a ela. Deslizá-la até o chão e beijá-la até que perdesse a razão,
mas devia ser mais honrado do que imaginou, porque a deixou ir no instante em que ela
começou a separar-se.
Elizabeth permaneceu de pé em frente a ele vários segundos, parecendo mais
impressionada que outra coisa. Tinha sua pequena mão sobre sua boca, e seus olhos
estavam enormemente abertos, sem piscar.
—Nunca pensei... —murmurou ela, contra sua mão. —Não posso acreditar...
—Não pode acreditar no que?
Ela negou com a cabeça.
—Oh, isto é horrível.
Isso era um pouco mais do que seu ego podia suportar.
—Bem, um momento, eu não diria...
Mas ela já havia escapado.
Capítulo 7
Elizabeth chegou a Dambury House na manhã seguinte com um só objetivo em
mente: manter-se tão longe de James Siddons como fosse humanamente possível.
Ele a beijara. Realmente a beijara. Pior, ela deixara. E ainda pior, escapara como
uma covarde para casa. Só uma vez em todos seus anos como acompanhante de Lady
Dambury partiu antes do tempo a casa, e foi quando teve uma febre pulmonar. E inclusive
então, tentou permanecer em seu posto, partindo só quando Lady Dambury a ameaçou
cuidar dela ela mesma em pessoa. Mas desta vez bastou o beijo de um homem, e ela
choramingava como uma tola. Elizabeth se sentira tão mortificada por suas ações, que ela
enviara Lucas a Dambury House com uma nota para Lady D em que lhe explicava que se
sentia bastante doente. Não era completamente mentira, raciocinou Elizabeth. Estava
quente e sufocada, e sentia algo muito estranho no estômago.
Além disso, a alternativa à mentira era morrer de vergonha. Assim Elizabeth levou
muito pouco tempo para decidir que sua pequena mentira estava completamente justificada.
Passou toda a tarde escondida em seu quarto, estudando de forma obsessiva e
minuciosa Como casar-se com um Marquês. Não havia muitas referências aos beijos.
Obviamente a senhora Seeton pensou que alguém que fosse bastante inteligente para
comprar seu livro era também bastante inteligente para saber que, evidentemente, não se
beijava a um cavalheiro com quem não tinha uma profunda e potencialmente duradoura
relação.
E certamente, não deveria desfrutá-lo.
Elizabeth gemeu, recordando tudo isto. Até agora o dia se desenvolvia como
qualquer outro, salvo que ela olhou por cima de seu ombro tantas vezes que Lady Dambury
lhe perguntou se desenvolveu um tic nervoso. A vergonha a obrigou a deixar de virar o
pescoço, mas ainda saltava sobressaltada sempre que ouvia passos.
Tentou convencer-se de que não devia ser tão terrivelmente difícil evitá-lo. O
senhor Siddons devia ter milhares de deveres como administrador, novecentos dos quais,
certamente, requeriam sua presença fora da casa. Assim se Elizabeth simplesmente se
encerrasse dentro de Dambury House, estaria a salvo. E se ele decidia realizar alguma das
poucas tarefas que requeriam sua presença dentro da casa... bem, então estava segura de
que poderia encontrar alguma razão para sair da mansão e desfrutar do quente sol Inglês.
E então começou a chover.
A testa de Elizabeth golpeou o vidro da janela da sala de estar com um baque surdo.
—Isto não pode estar acontecendo—resmungou.—Simplesmente não pode estar
acontecendo.
—O que não pode acontecer? —perguntou energicamente Lady Dambury. —A
chuva? Não seja cabeça de vento. Isto é a Inglaterra, portanto, deve chover.
—Mas não hoje—suspirou Elizabeth. —Estava tão ensolarado esta manhã quando
cheguei.
—Desde quando supõe que isso faça alguma diferença?
—Desde... —Fechou os olhos e tragou um gemido. Alguém que tinha vivido toda
sua vida em Surrey deveria saber que não podia confiar em uma manhã ensolarada. —Oh,
não importa. Tanto faz.
—Está preocupada com a volta a sua casa? Não o faça. Farei que alguém te leve em
casa. Não deveria te expor aos elementos tão logo depois de uma enfermidade. —Os olhos
de Lady Dambury se entrecerraram. —Embora deva dizer que parece notavelmente
recuperada.
—Não me sinto notavelmente recuperada—disse Elizabeth, com bastante
honestidade.
—O que me disse que tinha?
—O estômago—resmungou ela. —Acredito que foi algo que comi.
—Hmmph. Ninguém mais caiu doente. Não posso imaginar o que comeu. Mas se
passou toda a tarde jogando até as tripas...
—Lady Dambury! —exclamou Elizabeth. Não passou toda tarde anterior jogando
até as tripas, e de todo modo, não havia nenhuma necessidade de falar de tais funções
corporais.
Lady D sacudiu a cabeça.
—Que pudica. Desde quando se tornaram as mulheres tão dissimuladas?
—Quando decidimos que o vômito não era um tema agradável de
conversação—replicou Elizabeth.
—Bem dito! —riu Lady Dambury, aplaudindo. —Afirmo, Elizabeth Hotchkiss, que
a cada dia soa mais e mais parecida comigo.
—Deus me ajude—gemeu Elizabeth.
—Muito bem. Exatamente o que eu teria dito. —Lady Dambury se recostou, tocou
o dedo indicador, e franziu o cenho. —Agora, bem, do que falava eu? Ah, sim, queríamos
nos assegurar de que não teria que partir para casa sob a chuva. Não tema, encontraremos a
alguém que te leve. Meu novo administrador, se for necessário. Ele sabe que lhe vai ser
impossível fazer algo com este tempo.
Elizabeth tomou ar.
—Estou segura de que a chuva vai parar logo.
Um relâmpago cruzou o céu, só para lhe contrariar, estava segura, seguido por um
trovão tão estrondoso que Elizabeth ficou em pé de um salto.
—Ow! —gritou.
—O que aconteceu agora?
—É só o joelho—respondeu ela, com um sorriso evidentemente falso. —Não me
doeu quase nada.
Lady Dambury bufou de incredulidade.
—Não, de verdade—insistiu Elizabeth. —É engraçado que nunca percebi que essa
mesinha estava ali, entretanto.
—Ah, esta. Pus ontem ali. Sugestão do senhor Siddons.
—Podia ter ficado calado—resmungou Elizabeth.
—Perdão?
—Nad—, disse ela, um pouco alto.
—Hmmph—foi a resposta de Lady Dambury. —Tenho sede.
Elizabeth imediatamente se animou ante a perspectiva de ter algo que fazer além de
olhar fixamente para fora da janela e preocupar-se pela perspectiva de que o senhor Siddons
aparecesse.
—Gostaria de um chá, Lady Dambury? Ou possivelmente melhor, poderia dizer à
cozinheira que prepare um pouco de limonada.
—Muito cedo para a limonada—resmungou Lady D. —E muito cedo também para
o chá, de fato, mas tomarei um de todo modo.
—Não tomou chá com o café da manhã? —indicou Elizabeth.
—Era o chá do café da manhã. É completamente diferente deste.
Ah. Algum dia—pensou Elizabeth—receberia a santidade por isso.
—Te assegure de que a cozinheira coloque também um prato de biscoitos na
bandeja. E não esqueça de lhe pedir que acrescente algo para o Malcolm. —Lady D estirou
o pescoço e olhou ao redor. —Onde está esse gato?
—Tramando seu último plano de tortura para mim, sem dúvida—murmurou
Elizabeth.
—Né? O que diz?
Elizabeth deu a volta para a porta, olhando ainda por cima de seu ombro a Lady
Dambury.
—Nada absolutamente, Lady Dambury. Vou a...
Qualquer outra coisa que pudesse dizer se perdeu quando seu ombro golpeou contra
algo grande, quente, e decididamente humano.
Elizabeth gemeu. O senhor Siddons. Seguro. Nunca foi uma mulher particularmente
afortunada.
—Cuidado—ouviu-o dizer, uma fração de segundo antes que suas mãos a
agarrassem suavemente pela parte superior de seus braços.
—Senhor Siddons! —gorjeou Lady Dambury. —Que encantador vê-lo tão cedo.
—Em efeito—resmungou Elizabeth.
—Se unirá a nós para o chá? —prosseguiu Lady D. —Justamente Elizabeth ia trazer
uma bandeja.
Elizabeth ainda se negava por princípio, embora não estivesse muito segura de que
princípio a olhá-lo, mas, entretanto, pressentiu seu sorriso lupino.
—Estaria encantado—disse ele.
—Excelente—respondeu Lady Dambury. —Vê então, Elizabeth. Necessitaremos
chá para três.
—Não posso ir a nenhuma parte—disse Elizabeth, fazendo ranger os dentes,
—enquanto o senhor Siddons siga me segurando os braços.
—O fazia? —disse ele, ingenuamente, liberando-a de seu aperto. —Não me dei
conta.
Se tivesse um só peni, decidiu Elizabeth gravemente, o teria apostado nesse mesmo
momento a que mentia.
—Precisava fazer umas perguntas a nossa querida senhorita Hotchkiss —disse o
senhor Siddons. —Os lábios da Elizabeth se entreabriram de surpresa.—Embora possam
esperar até que volte, estou seguro.
A cabeça da Elizabeth girou alternativamente entre o senhor Siddons e Lady
Dambury enquanto tentava entender a estranha tensão que surgiu na sala.
—Se estiver seguro—disse ela. —Estaria encantada de...
—Ele acredita que está me chantageando—disse Lady Dambury sem rodeios.
—Acredita que estou fazendo o que? —quase gritou Elizabeth.
—Agatha! —exclamou o senhor Siddons, soando como se desejasse enviar à dama
idosa ao inferno. —Conhece a palavra "sutileza"?
—Hmmph. Nunca funcionou comigo.
—Já vejo—resmungou ele.
—Acaba de chamá-la Agatha? —perguntou Elizabeth. Olhou a Lady Dambury
surpresa. Esteve cuidando da condessa durante cinco anos e nunca se atreveu a usar seu
primeiro nome.
—Conhecia a mãe do senhor Siddons—disse Lady Dambury, como se isso
explicasse tudo.
Elizabeth plantou as mãos nos quadris e olhou carrancuda ao atraente administrador.
—Como se atreve a pensar que eu chantagearia a esta doce e idosa dama!
—Doce? —repetiu o senhor Siddons.
—Idosa? —gritou Lady Dambury.
—Eu jamais desceria tão baixo—disse Elizabeth, respirando
profundamente—Nunca. E deveria envergonhar-se por tê-lo pensado.
—Isso é o que eu disse—falou Lady D com um encolhimento de ombros.
—Realmente você necessita do dinheiro, certamente, mas não é do tipo de...
A mão do senhor Siddons se fechou ao redor de seu braço de novo.
—Necessita dinheiro? —exigiu.
Elizabeth revirou os olhos.
—Não o necessitamos todos?
—Eu tenho em abundância—disse Lady D.
Seus dois empregados giraram a cabeça em uníssono e a fulminaram com o olhar.
—Bom, é a verdade—disse ela, resmungando.
—Por que necessita dinheiro? —perguntou suavemente o senhor Siddons.
—Não é assunto dele!
Mas Lady Dambury obviamente pensou que era, porque disse.
—Tudo isto começou quando...
—Lady Dambury, por favor! —Elizabeth lhe dirigiu um olhar suplicante. Já era
suficientemente difícil estar tão necessitada de recursos. Que a condessa além disso a
envergonhasse diante de um estranho...
Lady Dambury pareceu dar-se conta por uma vez de que ultrapassou os limites e
fechou a boca.
Elizabeth fechou os olhos e soltou o fôlego.
—Obrigado—sussurrou.
—Tenho sede, —declarou Lady D.
—Perfeito—disse Elizabeth, para ela mesma, embora suas palavras fossem audíveis
para todos. —O chá.
—O que esta esperando? —exigiu Lady Dambury, golpeando o chão com sua
bengala.
—A santificação—resmungou Elizabeth, baixinho.
Os olhos do senhor Siddons se arregalaram. Oh, maldição, a ouvira. Estava tão
acostumada a estar a sós com Lady Dambury que esquecera de vigiar o que ela murmurava
para si mesma.
Mas o senhor Siddons, para grande surpresa dela, soltou repentinamente seu braço e
começou a tossir. E depois, quando qualquer pessoa normal teria parado, dobrou-se, bateu
contra a parede, e começou a tossir ainda mais violentamente.
O antagonismo de Elizabeth cedeu passagem à preocupação enquanto se inclinava.
—Encontra-se bem?
Ele assentiu com a cabeça apressadamente, sem tirar a mão da boca.
—Engasgou-se com algo? —gritou Lady Dambury.
—Não posso imaginar com o que—respondeu Elizabeth. —Não estava comendo
nada.
—Golpeia-o nas costas—disse Lady D. —Golpeia-o com força.
O senhor Siddons sacudiu a cabeça e saiu disparado da sala.
—Possivelmente deveria segui-lo—sugeriu Lady Dambury. —E não esqueça de
golpeá-lo.
Elizabeth piscou duas vezes, deu de ombros, e abandonou a sala, pensando que
golpeá-lo com força nas costas poderia resultar um esforço bastante satisfatório.
—Senhor Siddons? —Olhou a esquerda e a direita, mas não o viu. —Senhor
Siddons?
E então o ouviu. Grandes rugidos de risada que provinham de detrás da esquina.
Fechou a porta com prontidão. Quando virou a esquina, o senhor Siddons estava sentado
sobre um banco almofadado, ofegando por tomar ar.
—Senhor Siddons? James?
Ele ergueu a vista, e de repente não pareceu tão perigoso como no dia anterior.
—A santificação—exclamou. —Deus bendito, sim, sim que a merecemos.
—Bom, você esteve aqui só uns dias—indicou Elizabeth—Terá que passar ao
menos um par de anos mais em sua companhia, acredito, antes que possa ser sequer
considerado para mártir.
O senhor Siddons tentou conter a risada, mas esta explodiu como um grande globo.
Quando recuperou o controle de si mesmo, disse.
—São os quietos como você os mais perigosos e ardilosos.
—Eu? —perguntou Elizabeth com incredulidade. —Não sou quietinha
absolutamente.
—Possivelmente não, mas realmente escolhe suas palavras com cuidado.
—Bem, sim—disse ela com uma inclinação inconsciente de sua cabeça. —Já sou
bastante atrapalhada com meu corpo sem necessidade de acrescentar minha boca à
combinação.
James decidiu nesse mesmo momento que ela não podia ser a chantagista. Oh, sabia
que ele não reunira dados suficientes para fazer esta declaração, mas seus instintos estavam
lhe dizendo durante dias que ela devia ser inocente.
Ele, simplesmente, não foi o bastante inteligente para escutá-los.
Avaliou-a durante um momento, e logo lhe perguntou.
—Ajudo-a a trazer o chá?
—Certamente tem coisas mais importantes que fazer do que acompanhar a
acompanhante de uma senhora à cozinha.
—Notei frequentemente que as acompanhantes das senhoras são as mais
necessitadas de companheirismo.
Seus lábios se torceram em um contrariado sorriso.
—Vamos, Lady Dambury é uma boa pessoa.
James olhou sua boca com descarado interesse. Queria beijá-la, deu-se conta. Isto
não era surpreendente em si mesmo ele tinha pensado um pouco mais no dia anterior, além
de nos beijos dela. O estranho era que quis fazê-lo justo nesse mesmo momento, no
corredor.
Ele, em geral, era muito mais discreto.
—Senhor Siddons?
Ele piscou, um pouco envergonhado por ter sido apanhado contemplando-a
ensimesmado.
—Quem está chantageando a Lady Dambury?
—Se soubesse, não teria acusado a você.
—Hmmph. Não creia que o perdoei por isso.
—Deus santo—disse ele, assustado. —Começa a falar como ela.
Os olhos de Elizabeth se arregalaram horrorizados.
—Lady Dambury?
Ele assentiu e soltou um "hmmmph"em uma perfeita imitação de Elizabeth de Lady
D.
Ela ofegou.
—Não fiz isso, verdade?
Ele assentiu outra vez, com a diversão bailando em seus olhos.
Ela gemeu.
—Vou pegar chá.
—Então me perdoou por suspeitar que era o chantagista?
—Suponho que devo fazê-lo. Não é como se me conhecesse o bastante para me
descartar como suspeita imediatamente.
—Muito tolerante por sua parte.
Ela lançou um olhar que lhe disse que não apreciava muito seu impertinente
comentário.
—Mas o que não entendo é, que demônios pode ter feito Lady Dambury para
converter-se em objeto de chantagem?
—Não cabe a mim revelá-lo, —disse ele, suavemente.
Elizabeth assentiu.
—Trarei o chá.
—Vou com você.
Ela estendeu o braço com a mão erguida.
—Não. Não venha.
Ele pegou seus dedos e beijou as pontas.
—Sim. Sim vou.
Elizabeth afastou a vista de sua mão. Deus querido, este homem a beijou outra vez!
Justo ali, no corredor. Muito atordoada para retirar a mão, olhou a ambos os lados,
aterrorizada se por acaso um criado tropeçava com eles.
—Nunca a beijaram antes de ontem—murmurou ele.
—É obvio que não!
—Nem sequer na mão. —Ele soltou seus dedos, agarrou-lhe a outra mão e lhe
beijou os nódulos.
—Senhor Siddons! —ofegou ela. —Está louco?
Ele sorriu.
—Me alegro de que não a tenham beijado antes.
—Está louco. Completamente louco. —E, acrescentou à defensiva, —é obvio que
me beijaram na mão.
—Seu pai não conta.
Nesse momento, o que Elizabeth mais desejou foi que a terra se abrisse e a tragasse.
Sentiu que lhe ardiam as faces, e sabia que não precisava dizer nenhuma palavra para que
ele soubesse que tinha razão. Não havia muitos cavalheiros solteiros em seu pequeno
povoado, e certamente nenhum deles era o bastante sofisticado para beijá-la na mão.
—Quem é você? —sussurrou Elizabeth.
Ele a olhou de uma maneira estranha, entrecerrando seus olhos negros.
—James Siddons. Já sabe. —Ela sacudiu a cabeça.
—Você nunca foi antes administrador de imóveis. Apostaria minha vida nisso.
—Quer ver minhas referências?
—Não se comporta como tal. Um criado...
—Ah, mas eu não sou exatamente um criado—interrompeu-a ele. —Como você
tampouco. Tenho entendido que pertence à pequena nobreza local.
Ela assentiu.
—A minha também é uma antiga família—prosseguiu ele. —Nosso orgulho,
infelizmente, não desapareceu junto com nosso dinheiro.
—Infelizmente?
Uma comissura de sua boca se elevou ligeiramente.
—Causa incômodos em alguns momentos.
—Como este—disse Elizabeth firmemente. —Deve voltar para o salão neste
instante. Lady Dambury estará ali, perguntando-se, estou segura, por que diabos fechei a
porta, e o que estamos fazendo, e embora não me gabo de conhecer sua mente, não desejo
dar explicações.
James ficou olhando-a, perguntando-se por que, de repente, sentia-se como se
tivesse sido repreendido por seu instrutor. Sorriu amplamente.
—É muito boa nisto.
Elizabeth conseguira dar três passos em direção à cozinha.
Bufou de frustração e girou.
—No que?
—Em falar com um homem adulto como se fosse um menino. Sinto-me bastante
posto em meu lugar.
—Não é certo—replicou ela, agitando sua mão para ele. —Apenas olhe-se. Não
parece nenhum pouco arrependido. Sorri amplamente como um idiota.
Ele ergueu a cabeça.
—Sei.
Elizabeth elevou as mãos exasperada.
—Preciso ir.
—Você me faz sorrir.
Suas palavras, suaves e intensas, detiveram seus passos.
—Dê a volta, Elizabeth.
Havia algum tipo de conexão entre ambos. Elizabeth não sabia nada do amor, mas
sabia que poderia apaixonar-se por este homem. Sentia-o profundamente no coração, e isto
a aterrorizou. Ele não era um homem com o qual ela poderia casar-se. Não tinha dinheiro;
dissera-o ele mesmo. Como ia enviar Lucas a Eton com um administrador de imóveis como
marido? Como ia alimentar e vestir a Susan e a Jane? Susan só tinha quatorze anos agora,
mas logo ia querer fazer sua estreia. Londres ficava fora de consideração, mas até uma
pequena estreia local custava dinheiro. E isto era algo que nem Elizabeth nem o homem que
estava de pé atrás dela possivelmente o único homem que poderia capturar alguma vez seu
coração possuíam.
Deus querido, pensou que a vida a tratou injustamente antes, mas isto... isto era pura
agonia.
—Dê a volta, Elizabeth.
Ela seguiu caminhando. Foi a coisa mais difícil que jamais havia feito.
hhh
Mais tarde, essa noite, Susan, Jane, e Lucas Hotchkiss se agruparam sobre o frio
chão do vestíbulo superior, justo diante da porta do quarto de sua irmã mais velha.
—Acredito que está chorando, —sussurrou Lucas.
—É obvio que está chorando—sussurrou Jane. —Qualquer idiota poderia dizer que
está chorando.
—A questão é—interrompeu Susan, —por que está chorando?
Ninguém tinha resposta para isto.
Um momento depois estremeceram, quando ouviram um soluço ligeiramente mais
forte que os anteriores, e tragaram incomodamente quando foi seguido de um ruidoso
sorver de mucos.
—Esteve muito preocupada com o dinheiro ultimamente—disse Lucas
hesitantemente.
—Sempre está preocupada com o dinheiro—replicou Jane.
—É natural—acrescentou Susan. —A gente que não tem dinheiro sempre está
preocupada com isso.
Os dois Hotchkiss mais jovens assentiram.
—Não temos realmente nada? —sussurrou Jane.
—Temo que não, —disse Susan.
Os olhos de Lucas começaram a reluzir.
—Não vou poder ir a Eton, verdade?
—Não, não—disse Susan rapidamente, —é obvio que vai. Só temos que
economizar.
—Como vamos economizar quando não temos nada? —perguntou ele.
Susan não respondeu.
Jane lhe deu uma cotovelada nas costelas.
—Acredito que um de nós deveríamos consolá-la.
Antes de que Susan pudesse começar a assentir com a cabeça, ouviram um sonoro
golpe, seguido do incrivelmente terrível som dos gritos de sua irmã mais velha.
—Maldição, vá para o inferno!
Jane ofegou.
Susan ficou boquiaberta.
—Não posso acreditar que disse isso—ofegou Lucas reverentemente. —Me
pergunto a quem amaldiçoa.
—Não é algo do que estar orgulhoso—exclamou Jane, lhe dando uma palmada na
nuca.
—Ow!
—E não diga "maldito," —acrescentou Susan.
—Sim, é algo do que estar orgulhoso. Nem sequer eu disse isso.
Jane revirou os olhos.
—Homens.
—Deixem de discutir—disse Susan distraidamente. —Acredito que deveria entrar e
vê-la.
—Sim—respondeu Jane, —justo como eu estava dizendo...
—Por que tudo tem que ser tua ideia? —disse Lucas, asperamente. —Você
sempre...
—Foi minha ideia!
—Basta! —virtualmente ladrou Susan. —Para baixo, os dois. E se averiguar que
algum me desobedeceu, dobrarei a dose de goma em sua roupa interior durante um mês.
Os dois pequenos assentiram com a cabeça e correram escada abaixo. Susan
suspirou e bateu na porta da Elizabeth. Nenhuma resposta.
Chamou outra vez.
—Sei que está aí.
Soaram passos, seguidos de uma mordaz e brusca abertura da porta.
—É obvio que sabe que estou aqui—espetou-lhe Elizabeth. —Provavelmente
podem me ouvir desde Dambury House.
Susan abriu a boca, fechou-a, e logo a voltou a abrir outra vez para dizer, ia
perguntar se algo foi mau, mas me dei conta do ridículo que soava, assim, em troca, que tal
se perguntar o que aconteceu?
A resposta de Elizabeth não foi verbal. Girou a cabeça e fulminou com o olhar a um
vulto vermelho que estava em um canto do chão do quarto.
—Santo Deus! —exclamou Susan, apressando-se através do quarto. —Este foi o
ruído que ouvi?
Elizabeth jogou uma desdenhosa olhada a "Como casar-se com um Marquês",
cuidadosamente sustentado entre as mãos de sua irmã.
—Este livro pertence a Lady Dambury! —disse Susan. —Você mesma me fez
prometer não marcar nem sequer a lombada ao lê-lo. E o lança através do quarto?
—Minhas prioridades mudaram. Não me preocupa se arde no inferno. Não me
preocupa se a senhora Seeton arde com ele.
A boca da Susan formou um "o" perfeito.
—Estava mandando à senhora Seeton ao inferno?
—Possivelmente o fazia—disse Elizabeth, com voz insolente.
Susan levou uma mão à face consternada.
—Elizabeth, não parece você mesma.
—Não me sinto como eu mesma.
—Precisa me dizer o que aconteceu que te deixou tão transtornada.
Elizabeth soltou um curto e superficial suspiro.
—Esse livro arruinou minha vida.
Susan piscou.
—Nunca foste dada ao melodrama.
—Possivelmente mudei.
—Possivelmente—disse Susan, um tanto irritada, evidentemente, ante as evasivas
de sua irmã. —Você gostaria de me explicar como este livro arruinou sua vida.
Elizabeth olhou para o outro lado, assim Susan não pôde ver como estremecia seu
rosto.
—Eu não teria flertado com ele. Nunca me teria aproximado dele se não tivesse
metido na cabeça...
—Deus meu! —interrompeu-a Susan. —O que te fez? Desonrou-te de algum modo?
—Não! —gritou Elizabeth. —Nunca o faria.
—Então o que aconteceu?
—Oh, Susan—respondeu Elizabeth, com silenciosas lágrimas rolando por seu rosto.
—Poderia me apaixonar por ele. Poderia amá-lo de verdade.
—Então o que está errado? —perguntou Susan em um suave sussurro.
—Susan, ele não tem nem um peni! É um simples administrador!
—Será que não poderia ser feliz com uma vida simples?
—É obvio que poderia—explodiu Elizabeth. —Mas e a educação do Lucas? E sua
estreia? E as aquarelas de Jane? Não escutaste nenhuma palavra do que estive dizendo
durante toda a semana? Acredita que procurava marido porque me divertia com isso?
Necessitamos dinheiro, Susan. Dinheiro.
Susan não pôde olhar a sua irmã aos olhos.
—Sinto muito, se sente que precisa te sacrificar.
—O engraçado é que não pensei que isto fosse sacrifício. Muitas mulheres se casam
com homens aos que não amam. Mas agora... —Fez uma pausa e secou os olhos. —Agora
é difícil. Isso é tudo. Difícil.
Susan tragou e suavemente disse.
—Talvez deveria devolver o livro.
Elizabeth assentiu.
—Farei amanhã.
—Podemos... podemos decidir como proceder mais tarde. Estou segura de que pode
encontrar um marido sem necessidade de praticar com...
Elizabeth elevou uma mão.
—Não quero falar disso agora.
Susan assentiu e sorriu fracamente enquanto embalava o livro.
—Irei tirar lhe o pó. Pode devolvê-lo amanhã.
Elizabeth não se moveu enquanto via a sua irmã abandonar o quarto. Depois
avançou lentamente até sua cama e começou a chorar. Mas esta vez manteve o travesseiro
sobre sua cabeça, amortecendo o som de seus soluços.
A última coisa que queria era mais compaixão.
Capítulo 8
Elizabeth chegou a Dambury House antes que de costume à manhã seguinte,
esperando poder entrar na biblioteca e devolver o livro antes de que Lady Dambury
terminasse de tomar o café da manhã. A única coisa que queria era afastar o maldito livro
de sua vista e de suas mãos para sempre.
Visualizou a cena em sua mente cem vezes. Deslizaria "Como casar-se com um
Marquês" em sua correspondente prateleira e fecharia a porta da biblioteca firmemente
atrás dela. Mas como, rezou, seria tudo.
—Não me causaste mais que aflição—sussurrou a sua bolsa.
Santo céu, estava se convertendo em uma verdadeira idiota. Estava falando com um
livro. Um livro! Isso não tinha nenhum poder, não ia mudar sua vida, e certamente não ia
responder-lhe ainda quando ela fosse o bastante estúpida para lançar palavras em sua
direção. Era só um livro. Um objeto inanimado. O único poder que possuía era o que ela
decidisse lhe conceder. Só seria importante em sua vida se ela assim decidisse.
É obvio, isso não explicava por que sempre meio que esperava que brilhasse na
escuridão quando ela olhava atentamente sua bolsa. Caminhou nas pontas dos pés pelo
corredor, pela primeira vez em sua vida malditamente agradecida pela firme adesão de
Lady Dambury à rotina.
A condessa estaria aproximadamente a meio caminho do café da manhã agora
mesmo, o que significava que Elizabeth teria mais ou menos vinte minutos antes de que sua
patroa aparecesse na saleta. Dois minutos para deslizar de novo o livro na biblioteca, e
dezoito para acalmar-se. Elizabeth tinha a mão dentro de sua bolsa e começou a pegar o
livro enquanto girava a esquina. A porta da biblioteca estava entreaberta. Perfeito. Menos
ruído que fazer, menos probabilidades de que alguém se topasse com ela. Não é que
houvesse muita atividade nesta parte da casa antes de que Lady D terminasse seu café da
manhã, mas de todo modo, nunca se era muito cuidadoso.
Deslizou de lado pela abertura da porta, o olhar cravado na prateleira onde ela
encontrara o livro no princípio da semana. Tudo o que precisava fazer era cruzar o quarto,
pôr o livro em seu lugar, e sair. Sem desvios e sem paradas desnecessárias.
Tirou o livro, com os olhos enfocados na prateleira. Dois passos mais, e...
—Bom dia, Elizabeth.
Gritou.
James retrocedeu ligeiramente da surpresa.
—Minhas mais profundas desculpas por assustá-la.
—O que faz aqui? —exigiu ela.
—Está tremendo—disse ele com uma voz preocupada. —Realmente a assustei,
verdade?
—Não—disse ela, com voz muito alta. —É só que não esperava encontrar a
ninguém. A biblioteca está acostumada estar em geral vazia a estas horas da manhã.
Ele deu de ombros.
—Eu gosto de ler. Lady Dambury me disse que podia fazer uso livremente de sua
coleção. E, o que leva na mão?
Elizabeth seguiu seu olhar até sua mão e ofegou. Deus santo, ainda tinha o livro na
mão.
—Não é nada—soltou, tentando voltar a colocá-lo em sua bolsa.
—Nada. —Mas seus nervos deixaram torpes seus dedos, e o livro caiu ao chão.
—É o livro que tentava me ocultar o outro dia—disse ele com um brilho triunfante
nos olhos.
—Não é! —virtualmente gritou ela, atirando-se ao chão para cobri-lo. —É só uma
novela tola que tomei emprestada, e...
—É boa? —perguntou ele arrastando as palavras. —Eu gostaria de lê-la.
—Odiaria, —disse ela rapidamente. —É um romance.
—Eu gosto de romance.
—É obvio, todo mundo gosta de romance—disse ela, absurdamente —mas,
realmente quer ler sobre isso? Acredito que não. É muito melodramático. Se aborreceria
enormemente.
—Você crê? —murmurou ele, esboçando um meio sorriso com a comissura de sua
boca.
Ela assentiu freneticamente.
—Como se está acostumado a dizer, é um livro para mulheres.
—Isso é bastante discriminatório, não crê?
—Tento só lhe economizar tempo.
Ele ficou de cócoras.
—Isso é muito considerado por sua parte.
Ela trocou de posição de modo que pudesse sentar-se diretamente sobre o livro.
—Está bem ser considerado.
Ele se aproximou, seus olhos brilhavam.
—Esta é uma das coisas que mais eu gosto de você, Elizabeth.
—Qual? —grasnou ela.
—Sua consideração.
—Duvido—replicou ela, mordendo virtualmente as palavras. —Só ontem pensava
que eu chantageava a Lady Dambury. Como de considerado é isso?
—Tenta mudar de tema—repreendeu-a, —mas só para que conste, já decidira que
você não era o chantagista. É certo que era a principal suspeita, depois de tudo, tem
bastante acesso aos pertences de Lady Dambury, mas não é preciso passar muito tempo em
sua companhia para fazer uma exata avaliação de seu caráter.
—Que considerado por sua parte—disse ela, sarcasticamente.
—Saia do livro, Elizabeth—ordenou ele.
—Não.
—Saia do livro.
Ela gemeu audivelmente. Era impossível que sua vida tivesse chegado a este ponto.
"Mortificação" não começava, nem sequer, a descrever o estado de sua mente. E
"beterraba" não podia começar a descrever o estado de suas faces.
—Só está piorando. —Estirou uma mão, e de algum jeito conseguiu agarrar um
canto do livro.
Ela imediatamente fez mais força para baixo.
—Não vou mover-me.
Ele a olhou com lascívia e meneou os dedos.
—Não vou tirar a mão.
—Você é um libertino—disse ela, sem fôlego. —Acariciando o traseiro de uma
senhora.
Ele se inclinou para diante.
—Se eu estivesse acariciando seu traseiro, teria no rosto uma expressão
decididamente diferente.
Ela o golpeou no ombro. Era provavelmente quão mínimo merecia, pensou James,
mas que o condenassem se abandonaria a biblioteca sem conseguir jogar uma boa olhada
em seu pequeno livro vermelho.
—Pode me insultar tudo o que queira—disse ela, em tom altivo, —mas não sortirá
efeito. Não me movo.
—Elizabeth, começa a parecer uma galinha tentando incubar um livro.
—Se fosse um cavalheiro...
—Oh, mas há um tempo e um lugar para o cavalheirismo, e este não é um deles.
—Empurrou os dedos mais para baixo dela, conseguindo agarrar uns centímetros mais do
livro com a mão. Um empurrão mais, e ele deveria ser capaz de enganchar com o polegar a
borda do livro. E então seria dele!
Elizabeth apertou a mandíbula.
—Tire sua mão de debaixo de mim—disse ela, rangendo os dentes.
Ele fez o contrário, agitando os dedos até conseguir agarrar outro centímetro.
—É uma façanha notável, realmente, que possa dizer isso com os dentes apertados.
—James!
Ele elevou sua mão livre.
—Só um momento, por favor. Estou me concentrando.
Enquanto ela o fulminava com o olhar, ele enganchou com o polegar a borda
superior do livro. Seus lábios se estenderam em um letal sorriso.
—Está acabada, senhorita Hotchkiss.
—Que está... Aaaaaaaaccccccck!
Com um grande puxão, ele liberou o livro de debaixo dela, atirando-a de costas.
—Nãooooooooooo! —gritou ela, soando como se o destino do mundo dependesse
de sua capacidade de recuperar seu livro.
James correu pela sala, sustentando o livro alto, triunfalmente. Elizabeth era muito
menor que ele; nunca seria capaz de alcançá-lo.
—James, por favor—rogou ela.
Ele negou com a cabeça, desejando não sentir-se tão canalha; a expressão do rosto
de Elizabeth era das que rompiam o coração. Mas esteve intrigado pelo livro durante dias, e
ele chegou tão longe, que girou a cabeça, endireitou o livro, e leu o título.
"Como casar-se com um Marquês".
Piscou. Certamente ela não sabia... não, não podia conhecer sua verdadeira
identidade.
—Por que teve que fazer isto? —disse ela com voz embargada. —Por que teve que
fazê-lo?
Ele inclinou a cabeça para ela.
—O que é isto?
—O que parece que é? —espetou ela.
—Eu ... ah... Não sei. —Sustentando ainda o livro em alto, ele o abriu e folheou
umas páginas. —Parece um guia, na realidade.
—Então isso é o que é—replicou. —Agora por favor, dê-me isso. Preciso devolver
a Lady Dambury.
—Este pertence a minha... a Lady Dambury? —perguntou ele, com incredulidade.
—Sim! Agora me devolva isso.
James sacudiu a cabeça, girando a cabeça para o livro, e logo voltando seu olhar
para Elizabeth.
—Mas por que necessitaria ela um livro como este?
—Não sei—disse ela, quase chorando. —É velho. Talvez o comprou antes de
casar-se com Lorde Dambury. Mas por favor, me deixe simplesmente pô-lo sobre sua
prateleira antes que ela retorne do café da manhã.
—Em um momento. —Ele voltou outra página e leu:
"Não deve separar nunca os lábios quando sorrir. Um sorriso sem dentes é
imensamente mais misterioso, e sua tarefa é fascinar a seu Marquês."
—É por isso que elas sempre fazem isso? —murmurou ele. Jogou uma olhada a
Elizabeth. —O Decreto número doze explica muito.
—O livro—grunhiu ela, estendendo a mão.
—No caso de estar interessada—disse ele com um expressivo gesto da mão,
—prefiro uma mulher que sabe sorrir. Isto —estirou os lábios apertados em uma
zombadora paródia de sorriso —mal pode qualificar-se como tal.
—Não acredito que a senhora Seeton quisesse que fizesse isto. —Ela imitou sua
exagerada expressão. —Acredito que se referia a algo assim. —Esta vez ela curvou os
lábios em um delicado meio sorriso, que enviou um calafrio ao longo da espinha dorsal de
James, direto para seu...
—Sim—ele disse, com uma tosse, —isso é muito mais eficaz.
—Não posso acreditar que esteja falando disto com você—disse ela, mais para si
mesma que para ele. —Podemos simplesmente, por favor, devolver o livro a seu lugar?
—Temos ao menos dez minutos antes que Lady Dambury termine seu café da
manhã. Não se preocupe. —devolveu sua atenção ao pequeno livro vermelho. —Acho isto
fascinante.
—Eu não—grunhiu ela.
James voltou sua atenção para Elizabeth. Estava de pé tão rígida como um cabo de
vassoura, com as mãos apertadas em punhos aos lados. Suas faces vermelhas de
indignação.
—Está zangada comigo—disse ele.
—Seu poder de observação é assombroso.
—Mas eu só estava brincando. Deve saber que nunca foi minha intenção ser
insultante.
Seu olhar se endureceu um pouco mais.
—Vê-me rir ?
—Elizabeth—disse ele, aplacadoramente, —era só sã diversão. Certamente não
tomará este livro a sério.
Ela não respondeu. O silêncio no quarto se tornou denso, e James viu um brilho de
dor naqueles olhos de safira. As comissuras de seus lábios tremeram, então ela os apertou, e
ela olhou ao longe.
—Oh, Deus—exalou ele, pequenas pontadas de culpa abrindo-se em seu peito.
—Sinto muito.
Ela ergueu o queixo, mas ele podia ver como se esforçava por suprimir a emoção de
seu rosto quando disse.
—Podemos deixá-lo já?
Silenciosamente, ele baixou os braços e lhe deu o livro. Ela não agradeceu, só
tomou e o sustentou perto de seu peito.
—Não sabia que procurava um marido—disse ele suavemente.
—Você não sabe nada sobre mim.
Ele gesticulou torpemente para o livro.
—Foi de utilidade?
—Não.
O tom monocórdio de sua voz foi como um soco direto em seu estomago. James de
repente se deu conta de que ia ter que fazê-lo muito melhor. Precisava apagar a expressão
sem vida de seus olhos, devolver a melodia a sua voz. Precisava ouvir sua risada, ouvi-la rir
de alguma pequena brincadeira dela. Não sabia por que. Só sabia que era algo que
precisava fazer.
Clareou a garganta e perguntou.
—Há alguma forma em que pudesse auxiliá-la?
—Desculpe?
—Posso ajudá-la de algum modo?
Ela o olhou com receio.
—O que quer dizer?
Os lábios de James se entreabriram ligeiramente enquanto tentava imaginar como
diabos responder.
—Só que... bem, resulta que sei uma ou duas coisas sobre encontrar um marido ou
melhor, em meu caso, uma esposa.
Os olhos de Elizabeth quase saíram de suas órbitas.
—Está casado?
—Não! —disse ele, surpreendendo inclusive ele mesmo pela força de sua resposta.
Ela relaxou visivelmente.
—Oh, graças a Deus. Porque você... você...
—Por que a beijei?
—Sim—resmungou ela, com as faces ruborizando-se sobre o rubor anterior.
Ele estendeu a mão e posou os dedos sob seu queixo, obrigando-a a elevar a vista
para ele.
—Se eu estivesse casado, Elizabeth, pode estar segura de que não perderia tempo
com outra mulher.
—O que... é considerado de sua parte.
—Quão único queria dizer era que se verdadeiramente está procurando marido,
sentiria-me feliz de lhe dar uma mão de qualquer modo possível.
Elizabeth simplesmente o contemplou, incapaz de acreditar na ironia do momento.
Aqui estava ela, de pé em frente ao homem pelo qual passou toda a noite anterior chorando,
e ele se oferecia a ajudá-la a encontrar outro homem com o qual casar-se?
—Isto não pode estar ocorrendo—disse para si mesma. —Simplesmente não pode
estar ocorrendo.
—Não vejo por que não—disse ele suavemente. —Considero-a uma amiga, e...
—Como diabos poderia me ajudar? —inquiriu ela, perguntando-se que demônios
lhe acontecia para continuar com o tema. —É novo no distrito. Não pode me apresentar a
nenhum candidato conveniente. E—acrescentou, gesticulando para ele, —evidentemente
não está muito versado na arte de vestir elegantemente e na moda.
Ele deu um par de passos para trás.
—Perdoe!
—Suas roupas são de qualidade, mas evidentemente são de vários anos.
—Também o são as suas—disse ele com um sorriso satisfeito.
—Sei—disse ela, com irritação. —Por isso necessito a ajuda de alguém que saiba
do que estamos falando.
James inclinou a cabeça tensamente a um lado e logo a endireitou, tentando
suprimir uma réplica. A impertinente menina deveria ver seu armário em Londres. Cheio
em abundância de trajes, todos impecavelmente cortados e à última moda, e nada desses
trajes de "petimetre[1]" cheios de riscas, volantes e ridículos estampados.
—Por que tem tanta vontade de casar-se? —perguntou-lhe, decidindo que era mais
importante clarificar sua situação que defender seu traje.
—Isso não é de sua incumbência.
—Não estou de acordo. Se for ajudá-la, tem que ser de minha incumbência.
—Não permiti que me ajudasse—replicou ela.
Seus olhos se fixaram no livro.
—Precisa ser um marquês?
Ela piscou, perplexa.
—Perdão?
—Precisa ser um marquês?—repetiu ele. —Deve ter um título? É isso muito
importante para você?
Ela retrocedeu um passo e disse em tom estridente.
—Não!
James sentiu que seus músculos se relaxavam. Não percebera quão tenso estava, ou
de quão importante sua resposta negativa era para ele. Durante toda sua vida, foi
dolorosamente consciente que era sua posição o que importava, não sua personalidade. Seu
pai nunca o chamara seu filho, só seu herdeiro. O anterior marquês não sabia relacionar-se
com uma criança; tratava a James como um adulto em miniatura. Qualquer transgressão
infantil era vista como um insulto ao título, e James aprendera rapidamente a ocultar sua
personalidade, normalmente exuberante, encoberta sob uma máscara de sossegada
obediência quando estava em companhia de seu pai.
Na escola foi popular os meninos com seu encanto e sua capacidade atlética, mas
lhe tinha levado algum tempo distinguir os verdadeiros amigos daqueles que o viam como
um meio para melhorar de vida e posição social. E logo em Londres... Deus bendito!
Poderia ter duas cabeças e corcunda no que dizia respeito a todas aquelas senhoras. “O
marquês, o marquês” ouvia que sussurravam. “É um marquês. Tem uma fortuna. Vive em
um castelo”. Seu aspecto e sua juventude foram ressaltados como uma bênção, mas nunca,
nem uma vez, ouvira alguém fazer menção de sua inteligência, seu senso de humor, ou
sequer a seu sorriso.
Pensando bem, Elizabeth Hotchkiss era a primeira mulher com quem topou em
muito tempo que parecia gostar dele por ele mesmo.
Voltou a vista a ela.
—Nada de marqueses? —murmurou. —Por que, então, o livro?
Suas mãos, convertidas em punhos, tremeram a seus flancos, e o olhou como se
fosse dar um pontapé no chão a qualquer momento.
—Porque estava aqui. Não tenho nem ideia de porque não o titularam Como
casar-se com um cavalheiro sem título, mas com um pouco de fortuna e razoavelmente bom
caráter.
James teve que rir disso.
—Mas, duvido que eu pudesse atrair a um cavalheiro com título em primeiro
lugar—, acrescentou ela. —Não tenho nenhum dote, e certamente não sou um diamante da
melhor qualidade.
Discordava nisso, mas ele suspeitou que ela não acreditaria mesmo que o dissesse.
—Tem alguns candidatos em mente? —perguntou.
Ela fez uma pausa durante um comprido e revelador instante antes de responder.
—Não.
—Então tem um homem em mente—disse ele, com um sorriso.
Outra vez, ela permaneceu silenciosa durante vários segundos antes de responder,
em um tom que lhe disse que sua vida estaria em perigo se insistisse no tema.
—Não é adequado.
—E no que consiste ser adequado?
Ela suspirou cansadamente.
—Não quero sofrer maus tratos, nem que me abandone...
—Vá, vá, somos ambiciosos.
—Esqueça que disse algo—explodiu ela. —Não sei por que estou falando de tudo
isto com você, de todo modo. Obviamente não tem nem ideia do que é sentir-se
desesperado, carecer de opções, saber que não importa o que faça...
—Elizabeth—disse ele, suavemente, estendendo a mão e agarrando seus dedos.
—Sinto muito.
—Precisa ter dinheiro—disse ela, apagadamente, baixando o olhar a suas mãos
agarradas. —Necessito o dinheiro.
—Já vejo.
—Duvido que o faça, mas provavelmente é suficiente para você saber que sou
pobre.
—Lady Dambury não lhe paga o bastante para manter-se? —perguntou-lhe, com
calma.
—Sim o faz, mas não é bastante para manter meus irmãos menores. E Lucas deve ir
a Eton.
—Sim—disse ele, distraidamente —o moço deve ir. É baronete, não me disse isso?
—Não, não disse, mas sim, é.
—Mas deve ter dito isso Lady Dambury.
Ela deu de ombros e exalou um grande suspiro misturado com uma risada
zombadora.
—Isso é de conhecimento geral. Somos o exemplo oficial do distrito da pequena
nobreza empobrecida. Assim já vê, não sou precisamente casadoira. Tudo o que tenho que
oferecer é a linhagem de minha família. E nem sequer esta é terrivelmente impressionante.
Não é como se fosse dos mais elevados da nobreza.
—Não—refletiu ele, —mas a gente pensaria que muitos homens estariam desejosos
de casar-se e aparentar com a pequena nobreza local, sobre tudo com um ramo titulado. E
tem a bonificação de ser bastante formosa.
Ela elevou a vista bruscamente.
—Por favor, não seja condescendente.
Ele sorriu com incredulidade. Evidentemente ela não tinha nem ideia de seus
encantos.
—Me disseram que sou razoavelmente bonita —começou ela.
Bem, possivelmente alguma ideia sim.
—Mas formosa é um verdadeiro exagero.
Ele agitou a mão, desprezando seu protesto.
—Terá que confiar em mim neste aspecto. Como dizia, estou seguro de que devem
haver vários homens no distrito que gostariam de casar-se com você.
—Há um—disse ela, com desagrado. —Um fazendeiro local. Mas é velho e gordo,
e mesquinho. Minha irmã menor já me disse que fugirá a um orfanato se me casar com ele.
—Já vejo. —James esfregou o queixo, procurando uma solução para seu dilema.
Era um crime que tivesse que casar-se com algum velho fazendeiro asqueroso que lhe
triplicasse a idade.
Possivelmente havia algo que ele pudesse fazer. Ele tinha bastante dinheiro para
enviar a seu irmão a Eton mil vezes. Ou melhor, o Marquês de Riverdale tinha. James
Siddons, um Simples Cavalheiro, supunha-se que tinha pouco mais que a roupa que vestia.
Mas possivelmente pudesse arrumar algum tipo de doação anônima. Certamente Elizabeth
não seria tão orgulhosa para rechaçar um inesperado golpe de sorte. Não duvidou que
rechaçaria um presente por seus princípios, mas não quando o bem-estar de sua família
estava em jogo.
James tomou nota mental de entrar em contato com seu advogado o quanto antes.
—Deste modo—disse ela, com uma risada incômoda, —a menos que você tenha
uma fortuna escondida, realmente não vejo como pode me ajudar.
—Bem, —ele disse, evitando mentir rotundamente. —Pensei em ajudar de uma
maneira diferente.
—O que quer dizer?
Ele escolheu suas palavras com cuidado.
—Conheço um pouco a arte do flerte. Antes de procurar emprego, eu era... bem, não
exatamente parte, mas sim intervim na cena social.
—Em Londres? —perguntou ela, com suspeita. —Com a alta sociedade?
—Não entenderei jamais as complexidades de uma temporada de Londres—disse
ele, enfaticamente.
—Oh. Bom, isso não importa, suponho, porque careço dos recursos necessários para
uma temporada. —Olhou-o e lhe ofereceu um sorriso pesaroso. —E embora os tivesse, de
todo modo, seriam para a educação de Lucas.
Ele a contemplou, atrasando-se na visão daquele delicado rosto ovalado e os
grandes olhos azuis. Ela devia ser a pessoa menos egoísta que conhecera.
—É uma boa irmã, Elizabeth Hotchkiss—disse ele, enfaticamente.
—Em realidade não—disse ela, com voz triste. —Às vezes me sinto tão ressentida.
Se fosse melhor pessoa...
—Tolices—interrompeu-a ele. —Não há nada mau em sentir raiva pela injustiça.
Ela riu.
—Isto não é injustiça, James, é simples pobreza. Estou segura de que entende.
Em toda sua vida nunca faltara dinheiro ao James. Quando seu pai estava vivo, lhe
concederam uma enorme atribuição. E depois, quando herdou o título, este levava consigo
uma ainda mais monstruosa fortuna.
Elizabeth inclinou a cabeça e olhou fixamente para fora, através da janela, onde
uma suave brisa agitava as folhas do olmo favorito de Lady Dambury.
—Às vezes—sussurrou, —desejo...
—O que deseja? —perguntou James, com interesse.
Ela sacudiu ligeiramente a cabeça.
—Não importa. E realmente devo ir ver lady Dambury. Chegará a saleta a qualquer
momento e estou segura de que me necessitará.
—Elizabeth! —ouviu-se um ruidoso bramido mais à frente do corredor.
—Vê? Vê o bem que a conheço?
James inclinou a cabeça respeitosamente e murmurou.
—É impressionante.
—Elizabeth!
—Pelo amor do céu—disse Elizabeth, —o que necessita?
—Companhia—respondeu James. —É tudo o que realmente necessita. Companhia.
—Onde estará esse ridículo gato quando o necessito? —Deu volta e fez gesto de
partir.
—Elizabeth! —chamou-a James.
Ela se voltou.
—Sim?
—O livro. —Apontou o pequeno volume vermelho, ainda metido sob seu braço.
—Não irá querer entrar com isso na saleta, verdade?
—Oh! Não! —- Ela o empurrou em suas mãos. —Obrigado. Esqueci
completamente que o segurava.
—Eu o guardarei por você.
—Vai naquela prateleira dali—disse ela, apontando através da sala. —Na lateral.
Voltado para baixo. Deve assegurar-se de que o deixa exatamente como lhe digo.
Ele sorriu indulgentemente.
—Sentiria-se melhor se o puser você mesma?
Ela fez uma pausa, e logo disse.
—Sim, realmente—e agarrou o livro. James a olhou enquanto se lançava através da
sala e com cuidado colocava o livro sobre a prateleira apropriada. Inspecionou sua obra
manual durante um momento, logo lhe deu um toque sobre a lombada, movendo-o
ligeiramente à esquerda. Franzindo a boca pensativamente, ela o contemplou outro
momento, e então lhe deu um toque para trás à direita.
—Estou seguro de que Lady Dambury não notará se esta um centímetro ou dois
mais à frente.
Mas ela o ignorou, cruzando o quarto à carreira com apenas um até mais tarde em
sua direção.
James colocou a cabeça pela porta, olhando como ela desaparecia na saleta da
Agatha. Então fechou a porta da biblioteca, cruzou a sala, agarrou o livro, e começou a ler.
Capítulo 9
—O que quer fazer?
Elizabeth estava de pé diante de Lady Dambury, com a boca aberta da surpresa.
—Já lhe disse, vou tirar uma sesta.
—Mas você nunca dorme sesta.
Lady Dambury elevou uma sobrancelha.
—Dormi uma faz só dois dias.
—Mas, mas...
—Fecha a boca, Elizabeth. Começa a te parecer com um peixe.
—Mas você me disse, —protestou Elizabeth, —muitíssimas vezes, que o rastro da
civilização é a rotina.
Lady D deu de ombros e emitiu um desdenhoso gorgojeio.
—Será que uma dama não pode tomar a liberdade de trocar ocasionalmente sua
rotina? Todas as rotinas necessitam um reajuste.
Elizabeth, que esteve lançando aturdidas olhadas ao redor da sala, respondeu.
—Um ventríloquo. É impossível que estas palavras estejam saindo de sua boca.
—Asseguro-te que sim. Acho que a sestas vespertinas são prodigiosamente
refrescantes.
—Mas a que você dormiu o outro dia, sua única sesta desde a infância, poderia
acrescentar foi pela manhã.
—Hmmph. Talvez sim. Talvez não.
—Foi.
—Teria sido melhor pela tarde.
Elizabeth não teve nem ideia de como responder a algo tão ilógico, assim
simplesmente elevou os braços e disse.
—Deixarei-a dormir, então.
—Sim. Faça. E fecha a porta atrás de ti. Estou segura de que necessitarei silêncio
absoluto.
—Não posso imaginar que requeira algo menos.
—Menina impertinente. De onde provém todo este descaramento?
Elizabeth lançou a sua patroa um olhar de repreensão.
—Sabe muito bem que provém de você, Lady Dambury.
—Sim, estou fazendo um trabalho bastante bom te moldando, verdade?
—Deus me ajude—resmungou Elizabeth.
—Ouvi isso!
—Não tenho suposto que haja alguma possibilidade de que a audição seja o
primeiro sentido que perca.
Lady Dambury riu em voz alta ante seu comentário.
—Sabe verdadeiramente como entreter a uma velha senhora, Elizabeth Hotchkiss.
Não pense que não aprecio isso. Realmente sinto um grande carinho por ti.
Elizabeth piscou surpresa ante a incomum amostra de sentimentalismo de Lady D.
—Oh, obrigado.
—Não sou sempre totalmente descortês. —Lady Dambury olhou o pequeno relógio
que tinha pendurado ao redor do pescoço. —Acredito que eu gostaria de ser despertada
dentro de setenta minutos.
—Setenta minutos? —Como complicações ocorriam a Lady D essas estranhas
cifras?
—Uma hora não é realmente bastante, mas estou muito ocupada para desperdiçar
uma hora e meia. Além disso—acrescentou Lady Dambury com um olhar ardiloso, —eu
gosto de te manter alerta.
—Disso—resmungou Elizabeth, —não tenho a menor duvida.
—Setenta minutos, então. E nem um minuto antes.
Elizabeth sacudia a cabeça assombrada, enquanto se dirigia para a porta. Antes de
sair, entretanto, virou-se e perguntou.
—Está segura de que se sente bem?
—Todo o bem que uma mulher de cinquenta e oito anos tem direito a sentir.
—O que é verdadeiramente uma bênção—disse Elizabeth ironicamente, —já que
você tem sessenta e seis anos.
—Menina impertinente. Saia daqui antes que eu atrase seu salário.
Elizabeth arqueou as sobrancelhas.
—Não se atreveria.
Lady Dambury sorriu para si mesma quando viu sua acompanhante fechar a porta
atrás dela.
—Estou fazendo um bom trabalho—disse a si mesma, com tom cheio de ternura e
possivelmente apenas uma insinuação de autofelicitacão. —Parece-se mais a mim cada dia.
hhh
Elizabeth soltou um comprido suspiro e se deixou cair sobre um banco almofadado
do corredor. Que se supunha que ia fazer agora? Se soubesse que Lady Dambury ia
converter o dormir a sesta em um costume regular, teria trazido um pouco de costura, ou
possivelmente as contas da casa. O Senhor sabia que as finanças dos Hotchkiss sempre
podiam ser repassadas um pouco mais.
É obvio, sempre ficava "Como casar-se com um Marquês". Jurou que não ia olhar o
maldito livro de novo, mas talvez deveria jogar uma olhada à biblioteca para assegurar-se
de que James não o moveu, ou derrubou, ou agitou as páginas, ou... ou, bom, que não lhe
fez algo.
Não, disse-se com firmeza, agarrando-se ao veludo castanho do banco para
impedir-se de levantar. Não ia ter nada mais que ver com a senhora Seeton e seus decretos.
Ia ficar ali sentada, como se a tivessem pregado ao banco, até que decidisse como empregar
seus setenta minutos livres.
Sem entrar na biblioteca. Independentemente do que fosse a fazer, não ia entrar na
biblioteca.
—Elizabeth?
Elevou a vista e se encontrou com James ou melhor, com a cabeça do James, que
aparecia pela porta da biblioteca.
—Poderia vir um momento?
Ficou de pé.
—Aconteceu algo ruim?
—Não, não. Ao contrário, em realidade.
—Soa prometedor—murmurou ela. Há muito tempo que ninguém a chamava para
lhe dar boas notícias. "Poderia vir um momento?"
Podia ser um modo cortês de dizer, "Sua conta está atrasada e se não pagar
imediatamente terei que notificar as autoridades."
Ele fez gestos com a mão.
—Preciso falar com você.
Ela se juntou a ele na biblioteca. Olhe onde ficava sua firme resolução.
—O que aconteceu?
Ele mostrou "Como casar-se com um Marquês" e franziu o cenho.
—Estive lendo isto.
Oh, não.
—É realmente fascinante.
Ela gemeu e tampou os ouvidos com as mãos.
—Não quero ouvi-lo.
—Estou convencido de que posso lhe ajudar.
—Não estou escutando.
Ele lhe agarrou as mãos e puxou até que Elizabeth ficou estendida como uma estrela
de mar.
—Posso lhe ajudar—disse ele outra vez.
—Estou além de toda ajuda.
Ele riu, um rico som que esquentou a Elizabeth até os dedos dos pés.
—Vamos, vamos —disse ele, —não seja pessimista.
—Por que está lendo isto? —perguntou-lhe. Pelo amor do céu, o que poderia este
ou qualquer outro homem tão arrumado e encantador encontrar interessante em tal livro?
Para ser brutalmente sincero, isto não era mais que um tratado para mulheres desesperadas.
E não equiparavam os homens as mulheres desesperadas com a cicuta, a intoxicação
alimentar, e a peste bubônica?
—Atribua-o a minha curiosidade insaciável—respondeu ele. —Como poderia
resistir, tendo sido obrigado a adotar tais medidas heroicas para recuperá-lo esta manhã?
—Medidas heroicas? —exclamou ela. —Tirou-o de um puxão de debaixo de mim!
—A palavra "heroica" está sempre aberta à interpretação—disse ele alegremente,
lhe dirigindo outro daqueles sorrisos perigosamente masculinos.
Elizabeth fechou os olhos e soltou um cansado e desconcertado suspiro. Esta devia
ser a conversação mais estranha de sua vida, e , entretanto, de algum jeito parecia bastante
natural. O mais estranho era que ela não se sentia realmente envergonhada. Oh, certamente
suas faces estavam um pouco rosadas, e não podia acreditar algumas das palavras que
saíam de sua boca, mas para ser sincera, não corria o risco de perecer de um ataque de
mortificação aguda por enquanto.
Era James, descobriu. Algo nele a tranquilizava. Tinha um sorriso tão natural, uma
risada tão reconfortante . Poderia ter um lado perigoso e mesmo misterioso, e às vezes
realmente a olhava de uma forma tão ardente, de uma maneira tão estranha que o ar ficava
espesso, mas apesar disto era quase impossível sentir-se incômoda em sua companhia.
—No que pensa? —o ouviu perguntar.
Ela abriu os olhos.
—Pensava que não posso recordar a última vez que me senti tão ridícula.
—Não seja tola.
—Às vezes—disse ela, com um autodepreciativo gesto da cabeça, —simplesmente
não posso evitar.
Ele não fez caso de seu comentário e elevou o livro, sacudindo-o com pequenos
giros de seu pulso.
—Isto tem inconvenientes.
—Como casar-se com um Marquês?
—Muitos inconvenientes.
—Estou desejando ouvi-los. Devo dizer que parece prodigiosamente difícil cumprir
os decretos.
James começou a passear de um lado a outro, seus ardentes olhos negros
evidentemente concentrados em seus pensamentos.
—É óbvio para mim—anunciou ele, —- que essa senhora Seeton se este for em
efeito seu verdadeiro nome nunca, nem uma vez consultou a um homem para preparar seus
decretos.
Elizabeth achou isto tão interessante que se sentou.
—Pode oferecer tantas regras e regulações como gosta—expôs ele, —mas sua
metodologia é errônea. Afirma que se seguir seus decretos, se casará com um marquês.
—Por "marquês," penso que ela simplesmente queria dizer um bom
partido—interrompeu Elizabeth. —Imagino que só aspirava à aliteração no título do livro.
Ele sacudiu a cabeça.
—Não marca nenhuma diferença. Marquês, bom partido todos somos homens.
—Sim, —disse ela, devagar, resistindo a duras penas ao impulso de verificar este
fato deixando que seu olhar vagasse de cima abaixo pelo corpo dele, —suponho que sim.
James se inclinou, olhando a atentamente no rosto.
—E eu o pergunto: Como, rogo-lhe que me diga, pode a senhora Seeton se este for
em efeito seu verdadeiro nome julgar se suas regras são efetivas?
—Bem—Elizabeth parou, —suponho que ela poderia ter trabalhado de
acompanhante de algumas senhoritas e...
—Lógica defeituosa—interrompeu-a ele. —A única pessoa que pode julgar
realmente se suas regras forem verdadeiramente adequadas é um marquês.
—Ou um bom partido—demarcou ela.
—Ou um bom partido—concedeu, com um ligeiro assentimento da cabeça. —Mas
posso lhe assegurar, como cavalheiro moderadamente elegível, que se uma mulher se
aproximasse de mim seguindo todos estes decretos...
—Mas ela não se aproximaria de você—interrompeu-o Elizabeth. —Não se
seguisse as instruções da senhora Seeton. Iria contra as regras. Uma senhora deve esperar
até que um senhor se aproxime dela. Não posso recordar que decreto o diz, mas sei que está
no livro.
—O qual só deve demonstrar quão néscio é a maior parte disto. O ponto que eu
tratava de recalcar, entretanto, é que se encontrasse a uma protegida de nossa querida
senhora Seeton se este for em efeito seu verdadeiro nome...
—Por que segue dizendo isso?
James pensou um momento. Deviam ser todos esses anos como espião. Tudo o que
disse, entretanto, foi.
—Não tenho a menor ideia. Mas como dizia, se conhecesse uma de suas protegidas,
sairia fugindo em direção contrária.
Depois de um instante de silêncio, Elizabeth disse, com um indício de sorriso
travesso.
—Não fugiu de mim.
A cabeça do James girou bruscamente.
—O que quer dizer?
O sorriso dela se alargou, e quase parecia um gatinho ronronando agradada por
havê-lo surpreendido.
—Não leu o decreto que fala sobre a prática dos decretos? —Ela se inclinou para
diante para olhar atentamente entre as páginas de Como casar-se com um Marquês, as quais
estava saltando, em busca do decreto mencionado. —Eu acho que era o número dezessete.
Ele a contemplou com incredulidade durante ao menos dez segundos completos
antes de inquirir.
—Você praticou comigo?
—Soa um pouco frio, e senti realmente uma ou duas pontadas de remorso por isso,
mas realmente não tinha nenhuma outra opção, depois de tudo, se não fosse você, quem
seria?
—Quem, em efeito—murmurou James, não muito seguro de por que estava irritado.
Não era porque ela esteve praticando com ele; era bastante divertido, em realidade. Mas
bem, pensou que podia ser porque não se deu conta de que ela esteve fazendo.
Para um homem que estava orgulhoso de si mesmo por seu instinto e percepção, era
bastante mortificante, em efeito.
—Não o farei mais—prometeu ela. —Provavelmente foi bastante injusto por minha
parte.
Ele começou a marcar o passo de um lado a outro, dando ligeiros toques com seu
dedo contra sua mandíbula enquanto tratava de decidir como tirar vantagem desta situação.
—James?
Ahá! Ele girou velozmente, com os olhos acesos de emoção ante uma nova ideia.
—Para quem praticava você?
—Não entendo.
Ele se sentou a seu lado e deixou que as mãos pendurassem entre suas coxas com os
antebraços apoiados neles enquanto se inclinava para diante. Essa manhã, mais cedo, jurou
que faria desaparecer o olhar de desespero dos olhos da Elizabeth. Em realidade, aquele
olhar não estava ali agora, mas sabia que voltaria assim que ela recordasse aos três famintos
irmãos que a esperavam em casa. Mas agora ele encontrara um modo de ajudá-la e
desfrutar fazendo-o.
Ia lhe dar aulas particulares. Ela queria fazer cair na armadilha do matrimônio a
algum incauto bem, ninguém podia saber mais sobre tais armadilhas que o Marquês de
Riverdale.
Foi objeto de cada um dos truques, desde debutantes de tolas risadas perseguindo-o
por escuros cantos, passando por cartas amorosas horrivelmente explícitas, até viúvas nuas
que penetravam em sua cama. Pareceu sensato supor que se ele aprendera tão bem como
evitar o matrimônio, deveria ser capaz de aplicar seu conhecimento em direção contrária.
Com um pouco de prática, Elizabeth deveria ser capaz de prender a qualquer homem sobre
a face da terra.
Era essa parte a da prática a que fazia que seu pulso se acelerasse, e certas partes
menos mencionáveis de sua anatomia, se inflamassem. Qualquer tipo de tutoria implicaria
ao menos um exame superficial das artes amorosas.
Nada, certamente, que comprometesse à moça, mas...
—Senhor Siddons? James?
Ele elevou a vista, consciente de que se distraiu. Deus santo, mas é que ela tinha o
rosto de um anjo. Achou quase impossível acreditar que pensasse que necessitava ajuda
para encontrar um marido. Mas realmente acreditava, e isto o brindava com a oportunidade
mais esplêndida...
—Quando praticava comigo—perguntou com voz profunda e concentrada, —quem
era seu objetivo final?
—Quer dizer para casar-me?
—Sim.
Ela piscou e moveu ligeiramente a boca antes de dizer.
—Eu... não sei, em realidade. Não cheguei tão longe em meus pensamentos.
Simplesmente esperava poder assistir a uma das reuniões de Lady Dambury. Parecia um
lugar tão bom como qualquer outro para encontrar um bom partido.
—Vai celebrar uma logo?
—Uma reunião? Sim. No sábado, acredito. Uma pequena recepção ao ar livre.
James se recostou. Maldição. Sua tia não lhe dissera que esperava companhia. Se
qualquer de seus convidados fosse conhecido dele, teria que escapulir rapidamente. A
última coisa que precisava era que algum almofadinha de Londres lhe aplaudisse as costas
diante de Elizabeth e se dirigisse a ele como Riverdale.
—Não acredito que ninguém fique a passar a noite, entretanto—acrescentou ela.
James assentiu pensativamente.
—Então esta será uma excelente oportunidade para você.
—Já vejo—disse ela, sem soar tão iludida como ele teria esperado.
—Tudo o que precisa fazer é averiguar que homens estão solteiros e escolher ao
melhor do grupo.
—Já revisei a lista de convidados, e há vários cavalheiros livres. Mas —soltou uma
risada frustrada —esqueceu uma coisa, James. O cavalheiro em questão deve me escolher
também.
Ele ignorou seu protesto.
—O fracasso não é uma possibilidade. Quando tivermos terminado com você...
—Eu não gosto de como isso soa.
—Será impossível de resistir.
Uma das mãos da Elizabeth posou inconscientemente em sua face quando o
contemplou com assombro. Estava se oferecendo a treiná-la? A torná-la casadoira? Não
sabia por que estava tão surpresa por isso, depois de tudo, ele nunca dera a menor indicação
exceto por um doce beijo de que estivesse interessado nela para ele. E além disso, deixou
claro que não podia casar-se com um administrador sem dinheiro.
Então, por que estava tão deprimida por ele parecer tão impaciente por casá-la com
o cavalheiro rico e bem relacionado que lhe dissera que queria e necessitava?
—O que implica essa educação? —perguntou com receio.
—Bem, não temos muito tempo—refletiu ele, —e não há nada que possamos fazer
sobre sua vestimenta.
—Que amável por sua parte indicá-lo—resmungou ela.
Ela lhe dirigiu um olhar ligeiramente repreensivo.
—Se bem me lembro, você criticou meu vestuário antes.
Aí a tinha pegado, admitiu ela. As boas maneiras a obrigaram a dizer, a contra
gosto.
—Suas botas são muito agradáveis.
Ele sorriu amplamente e contemplou seu calçado, que, embora velho, parecia muito
bem feito.
—Sim, são, verdade?
—Só um pouco arranhadas—acrescentou ela.
—Polirei-as amanhã—prometeu ele, olhando-a como se lhe dissesse que não ia
morder a isca.
—Sinto muito—disse ela, baixinho. —Não devia dizê-lo. Os elogios deveriam ser
dados livremente, sem restrições nem condições.
Ele a olhou com uma estranha expressão avaliadora durante um momento antes de
perguntar:
—Sabe o que eu gosto de você, Elizabeth?
Ela não tinha nem ideia.
—É você uma pessoa amável e boa—disse, —mas a diferença da maioria das
pessoas amáveis e boas, não enjoa, ou tenta fazer que todos os outros sejam amáveis e
bons. —Ficou boquiaberta. Esta era a declaração mais incrível.—E por debaixo de toda
essa bondade e gentileza, parece possuir um malvado senso de humor, não importa com
quanta força tente, de vez em quando, suprimi-lo.
Oh, Senhor, se dissesse algo mais, cairia loucamente apaixonada por ele ali mesmo.
—Não há nada mau em brincar com um amigo enquanto não o faça com
malícia—disse ele, sua voz convertida em uma suave carícia. —E acredito que você não
saberia ser malévola nem que alguém lhe oferecesse uma dissertação sobre o tema.
—Então suponho que isso nos faz amigos—disse ela, com voz ligeiramente rouca.
Ele sorriu, e seu coração deixou de pulsar.
—Realmente não tem nenhuma outra opção que ser amiga minha—disse ele,
aproximando-se mais. —Depois de tudo, conheço seus mais embaraçosos segredos.
Uma risada nervosa lhe escapou dos lábios.
—Um amigo que vai encontrar-me marido. Que pitoresco.
—Bom, penso que eu poderia fazer melhor trabalho que a senhora Seeton se este for
seu nome em efeito.
—Não diga, —advertiu-lhe ela.
—Considere-o não dito. Mas se quiser um pouco de ajuda... —Olhou-a fixamente.
—Quer ajuda, verdade?
—Er, sim. Creio.
—Teremos que começar em seguida.
Elizabeth jogou uma olhada ao ornamentado relógio de mesa que Lady Dambury
trouxe importado da Suíça.
—Preciso estar na saleta em menos de uma hora.
James olhou umas quantas páginas de Como casar-se com um Marquês, sacudindo a
cabeça enquanto lia.
—Um! isto não nos deixa muito tempo, mas —Ele elevou a vista bruscamente.
—Como conseguiu escapar de Lady Dambury a esta hora do dia?
—Está dormindo uma sesta.
—Outra vez? —Seu rosto mostrou claramente sua surpresa.
Ela deu de ombros.
—Achei tão incrível como você, mas ela insistiu. Exigiu absoluto silêncio e me
disse que não despertasse durante setenta minutos.
—Setenta?
Elizabeth fez uma careta.
—Isso deve me manter alerta. Cito-a textualmente, a propósito.
—De algum jeito não me surpreende. —James tamborilou com os dedos sobre a
mesa principal da biblioteca, e depois elevou a vista. —Podemos começar quando terminar
com ela esta tarde. Necessitarei algum tempo para traçar um plano de estudo, e...
—Um plano de estudo? —repetiu ela.
—Temos que ser organizados. A organização faz acessível qualquer objetivo.
Ficou boquiaberta.
Ele franziu o cenho.
—Por que me olha assim?
—Soa exatamente como Lady Dambury. De fato, ela utiliza a mesma frase.
—De verdade? —James tossiu, e logo clareou a garganta. Maldição, acabava de
escorregar. Algo em Elizabeth e naqueles olhos azuis de anjo o fez esquecer que estava
incógnito. Nunca deveria ter usado uma das máximas favoritas de Tia Agatha. Foram
martelado em sua cabeça com tanta frequência quando era um menino que agora eram
também suas máximas. Esqueceu que se dirigia a uma pessoa que conhecia cada um dos
matizes do caráter da Agatha tão bem como ele.
—Estou seguro de que é só uma coincidência—disse, em tom firme.
Segundo sua experiência, as pessoas tendiam a acreditar em algo que dissesse
enquanto soasse como se soubesse do que falava.
Mas, pelo visto, Elizabeth não.
—Ela o diz ao menos uma vez por semana.
—Bem, então, estou seguro que devo tê-la ouvido em algum momento.
Ela pareceu aceitar aquela explicação, já que abandonou o tema e em troca disse:
—Dizia algo sobre traçar um plano de estudos...
—Correto. Necessitarei uma tarde para planejá-lo, mas possivelmente poderíamos
nos encontrar quando tiver acabado com Lady Dambury. Acompanharei-a a casa, e
podemos conversar pelo caminho.
Ela sorriu fracamente.
—Muito bem. Encontrarei-me com você na porta principal às quatro e trinta e
cinco. Acabo às quatro e meia—explicou ela, —mas me levará cinco minutos chegar à
porta.
—Não podemos simplesmente nos encontrar aqui?
Ela negou com a cabeça.
—Não, a menos que queira que todos os criados de Dambury House mexeriquem
sobre nós.
—Um raciocínio excelente. Na porta principal, então.
Elizabeth saudou com a cabeça e deixou a sala, suas pernas trementes mal
conseguiram voltar para o banco almofadado. Deus querido, em que maldita confusão se
colocou?
Miado. Olhou para baixo. Malcolm, o gato do demônio, estava sentado a seus pés,
contemplando-a como se ela fosse um camundongo.
—O que quer?
O gato deu de ombros. Elizabeth não sabia que um gato pudesse fazê-lo, mas claro,
tampouco acreditara jamais que se encontraria alguma vez sentada no grande vestíbulo de
Dambury House, falando com seu felino nêmeses.
—Pensa que sou ridícula, verdade?
Malcolm bocejou.
—Concordei deixar que o senhor Siddons me treine para encontrar marido.
As orelhas do gato se ergueram.
—Sim, já sei que você gosta mais que de mim. Todo mundo você gosta mais que de
mim.
O gato deu de ombros outra vez, evidentemente pouco inclinado a contradizer sua
declaração.
—Acredita que não posso fazê-lo, verdade?
Malcolm moveu sua cauda riscando um circulo. Elizabeth não tinha nem ideia de
como traduzir isto, mas dado a bem documentada aversão do gato para ela, possivelmente
pensava que significava, "Tenho maiores probabilidades de encontrar marido que você."
—Elizabeth?
Ficou vermelha como uma beterraba e voltou a cabeça para um lado. James
colocara a cabeça pela porta da biblioteca e a olhava zombeteiro.
—Esta falando com o gato?
—Não.
—Poderia ter jurado que a ouvi dirigindo-se ao gato.
—Bem, pois não o fiz.
—Oh.
—Por que ia falar com o gato? Odeia-me.
Os lábios do James tremeram.
—Sim. Disse-me isso.
Tentou fingir que não se deu conta de que suas faces ardiam.
—Não tem nada que fazer?
—Oh, sim, o projeto de lições. Verei-lhe um pouco mais tarde que às quatro e meia.
Elizabeth esperou até que ouviu o estalo da porta da biblioteca ao fechar-se.
—Deus santo—exalou. —Tornei-me louca. Completamente louca.
Acrescentando o insulto à ferida, o gato assentiu com a cabeça.
Capítulo 10
James se apresentou na trilha que conduzia à porta principal às quatro e quinze,
sabendo que chegava ridiculamente cedo, mas incapaz de deter seus pés que o levavam ao
lugar de reunião acordado.
Sentiu-se agitado durante toda a tarde, tamborilando constantemente sobre as mesas
e passeando marcando o passo através dos quartos. Tentou sentar-se e escrever o plano de
estudos do qual se gabou, mas as palavras não lhe vinham. Não tinha nenhuma experiência
sobre a educação de uma senhorita para sua apresentação em sociedade. A única senhorita
que realmente conhecia era a esposa de seu melhor amigo, Blake Ravenscroft.
E Caroline não foi educada precisamente para ser apresentada em sociedade ela
mesma. Quanto a todos seus outros conhecidos de sexo feminino todas elas eram justo do
tipo de mulheres em que a senhora Seeton tentava moldar Elizabeth. Justamente do tipo de
fêmeas que o fizeram soltar um suspiro de alivio ao poder escapar de Londres.
O que era que queria em uma mulher? Sua busca para ajudar a Elizabeth pareceu
que começava por aqui. O que era que queria em uma esposa? Precisava casar-se; neste
sentido não havia discussão possível. Mas foi condenadamente duro imaginar passar o resto
de sua vida com uma tímida flor que tivesse medo de expressar uma só opinião.
Ou pior, uma tímida flor que não possuísse nem sequer uma opinião.
E o pior era que aquelas senhoritas sem opinião invariavelmente vinham
acompanhadas de mães extremamente obstinadas. Não estava sendo justo, obrigou-se a
reconhecer. Conhecera a algumas senhoritas interessantes. Não muitas, mas algumas. Até
poderia ter-se casado com uma ou duas delas sem temor a que lhe arruinassem a vida.
Pode ser que não tivesse sido um matrimônio por amor, e não teria havido nada de
magnífica paixão, mas ele poderia ter sido passavelmente feliz. Assim, o que era que estas
senhoritas as que atraíram fugazmente sua atenção possuíam? Uma certa alegria de viver,
amor pela vida, um sorriso que parecia sincero, uma luz nos olhos.
James estava seguro de que ele não era o único homem que notara estas coisas todas
as senhoritas em questão foram rapidamente pedidas em matrimônio, em geral por homens
que gostava e aos que respeitava. Amor pela vida. Talvez isso era tudo. Passou toda a
manhã lendo "Como casar-se com um Marquês", e com cada decreto, imaginou como se
apagava um pouquinho mais cada vez aquela incomparável luz de safira nos olhos de
Elizabeth.
Não queria que a moldassem como algum predeterminado ideal de jovem mulher
inglesa. Não queria que andasse com olhos abatidos, tentando ser misteriosa e recatada.
Queria que fosse ela mesma.
hhh
Elizabeth fechou a porta de Dambury House atrás dela e pôs-se a correr estrada
abaixo. Seu coração pulsava acelerado, tinha as mãos úmidas, e embora, exatamente, não se
sentisse envergonhada que James tivesse descoberto seu desesperado segredo, estava
extremamente nervosa. Passou toda a tarde se reprovando por aceitar sua oferta. Não
passou toda a noite anterior soluçando até dormir, e tudo porque pensava que poderia
amá-lo a um homem com o qual não podia casar-se nunca? E agora, deliberadamente,
colocou-se em sua companhia, lhe permitindo brincar com ela, e flertar, e, Deus santo, e se
quisesse beijá-la outra vez? Disse que ia treiná-la para atrair a outros homens. Implicava
isso beijos? E se fosse sim, deveria lhe deixar fazê-lo?
Gemeu. Como se fosse capaz de pará-lo. Sempre que estavam na mesma sala juntos,
seus olhos vagavam até sua boca, e recordava o que experimentou ao sentir aqueles lábios
sobre os seus.
E Deus lhe ajudasse, queria senti-lo de novo.
Um último vislumbre de felicidade. Talvez isso era o que era tudo isto. Ia ter que
casar-se com alguém a quem não amava, talvez mesmo alguém que não gostasse muito. Era
tão ruim desejar uns últimos dias de risada, de olhadas secretas, deste embriagador zumbido
de desejo recém descoberto?
Enquanto caminhava para a porta principal suspeitava que estava expondo-se
voluntariamente a que lhe rompessem o coração ao aceitar reunir-se com o James, mas seu
coração não lhe permitia fazer outra coisa. Leu bastante ao Shakespeare para confiar no
Bardo, e se ele dizia que era melhor ter amado e ter perdido que não ter amado nunca - ela
acreditava.
Ele a esperava, justo fora da vista de Dambury House, e seus olhos se iluminaram
quando a viu.
—Elizabeth—chamou-a, caminhando a passos longos para ela.
Ela fez uma pausa, detendo-se para olhar como se aproximava, com a ligeira brisa
agitando seu cabelo escuro. Nunca conheceu a ninguém que parecesse mais cômodo em sua
pele que James Siddons. Caminhava de forma relaxada, com elásticos passos longos.
Pensou nas inumeráveis vezes em que ela caíra sobre um tapete ou golpeou a mão contra
uma parede e suspirou de inveja.
Ele chegou a seu lado e simplesmente disse.
—Está aqui.
—Pensou que não estaria?
—Pensei que possivelmente o teria pensado duas vezes.
—Certamente que o pensei várias vezes. Isto é a coisa mas incomum que já fiz.
—Que admirável, —murmurou ele.
—Mas não importa se pensei duas, três ou até mesmo quatro vezes. —Sorriu
impotente. —Preciso passar diretamente por aqui para chegar em casa, assim não podia
evitar encontrá-lo mesmo que tentasse.
—Uma sorte para mim.
—Tenho a sensação de que a sorte lhe sorri frequentemente.
Ele inclinou a cabeça.
—Vá, por que diz isso?
Ela deu de ombros.
—Não sei. Só que parece o tipo de pessoa que sempre aterrissam de pé.
—Suspeito que você também é uma sobrevivente.
—Em certo sentido, suponho. Poderia me ter dado por vencida com minha família
faz anos, sabe? Nossos parentes se ofereceram realmente a acolher ao Lucas.
—Mas não ao resto de vocês?
Ela sorriu ironicamente.
—O resto de nós não está em posse de um título.
—Já vejo. —Tomou seu braço e apontou para o sul. —É naquela direção?
Ela assentiu.
—Sim, aproximadamente uma milha estrada abaixo, e depois aproximadamente um
quarto de milha pela vereda lateral.
Andaram uns passos, e então ele se virou e disse.
—Disse que era uma sobrevivente em certo sentido. O que quis dizer com isso?
—É mais fácil ser um sobrevivente para um homem que para uma mulher.
—Isso não tem sentido.
Ela lhe dirigiu um olhar compassivo. Possivelmente nunca entenderia o que quis
dizer, mas supôs que lhe devia explicar, entretanto.
—Quando um homem passa por tempos difíceis, existem muitas coisas que pode
fazer, opções que ele pode escolher para investir em sua situação. Pode juntar-se ao
exército, ou arrolar-se em um navio pirata. Pode procurar trabalho, como você fez. Ele pode
usar seu encanto e sua sedução —sacudiu sua cabeça e sorriu a contra gosto —como
imagino que você também o fez.
—E uma mulher não pode fazer estas coisas?
—Uma mulher que procura trabalho não tem muitas opções se não desejar
abandonar sua casa. Um posto de instrutora poderia estar ligeiramente melhor pago que o
de acompanhante de uma senhora, mas duvido que muitos patrões se sentissem amáveis
com respeito a mim levando a Susan, Jane, e Lucas comigo a viver na ala dos criados.
—Touché—ele disse com uma cabeçada de entendimento.
—E quanto ao encanto e a sedução, pois uma mulher pode usar isto para três coisas.
Pode entrar no teatro, pode converter-se na amante de um homem, ou pode casar-se.
Quanto a mim, não tenho nenhuma inclinação ou talento para a interpretação e nenhum
desejo de envergonhar a minha família iniciando uma relação ilícita. —Elevou a vista para
ele e deu de ombros. —Minha única opção é o matrimônio. Isto, suponho, é o que significa
para uma mulher ser uma sobrevivente. —Fez uma pausa, e lhe tremeram as comissuras da
boca, como se não soubesse se tentar um sorriso ou franzir o cenho. —Bastante
desagradável, não crê?
James não respondeu imediatamente. Gostava de pensar em si mesmo como em um
indivíduo tolerante mas nunca parou a pensar como seria estar na apertada e restringida
pele de uma mulher. Ele dera sua vida, com suas inumeráveis opções, por certa.
Ela inclinou a cabeça.
—Por que esta me olhando tão atentamente?
—Por respeito.
Ela pulou surpresa.
—Perdão?
—Admirava-a antes. Pareceu-me uma mulher extraordinariamente inteligente e uma
jovem muito divertida. Mas agora me dou conta de que merece meu respeito tanto como
minha admiração.
—Oh. Eu... eu... —Ela ruborizou, obviamente sem palavras.
Ele fez um gesto com a cabeça.
—Não quis fazê-la sentir-se incômoda.
—Não o fez—respondeu ela, o tom de sua voz delatava a mentira.
—Sim, o fiz, e certamente não quis que esta fosse uma tarde tão séria. Temos
trabalho que fazer, assim não há nenhuma razão para que isto nos entretenha.
Ela clareou a garganta.
—O que tem em mente?
—Não temos muito tempo, assim nos veremos obrigados a priorizar—disse ele.
—Devemos nos concentrar só nas habilidades mais importantes.
—Quais são?
—Beijos e boxe.
Elizabeth deixou cair sua bolsa.
—Parece surpresa.
—Não posso decidir qual destes dois me surpreende mais.
Ele se agachou abruptamente e recolheu sua bolsa para ela.
—É perfeitamente sensato se meditar sobre isso. Um cavalheiro vai querer beijar a
uma dama antes de lhe oferecer uma petição de mão.
—Não se a respeita—indicou ela. —Sei pelas mais altas autoridades na matéria que
os homens não beijam às mulheres solteiras que respeitam.
—Eu a beijei.
—Bem... isso foi... diferente.
—E acredito que esclarecemos que eu a respeito. Mas do que o suficiente. —Ele
descartou seus protestos. —Deve confiar em mim quando lhe digo que nenhum cavalheiro
com um mínimo de sentido comum na cabeça vai casar-se com uma mulher sem provar
primeiro.
—Dito assim—resmungou ela, —é muito poético.
—Entretanto, isto pode lhe pôr em uma situação violenta.
—Ah, se deu conta disso? —perguntou ela sarcasticamente.
Ele lançou um olhar claramente irritado, por suas constantes interrupções.
—Alguns senhores carecem de julgamento e um básico sentido comum, e poderiam
não deter o beijo no momento apropriado. Por isso devo lhe ensinar a boxear.
—E vai fazer tudo isto em uma tarde?
James tirou seu relógio de bolso e o abriu, seu rosto uma perfeita máscara de
despreocupação.
—Não, pensei começar pelos beijos esta tarde. Podemos ver o boxe amanhã.
—E você esta treinado no esporte do pugilismo?
—É obvio.
Ela o olhou com receio.
—Não são as lições terrivelmente caras? Ouvi que só há um punhado de instrutores
em Londres que são considerados de qualidade superior.
—Sempre há modos de obter o que alguém necessita—disse ele. Contemplou-a com
uma sobrancelha arqueada. —Acredito que disse que sou do tipo de homem que sempre
aterrissa de pé.
—Suponho que agora vai dizer me que também é do tipo que aterrissa de pé com os
braços estendidos e preparado para boxear?
Ele riu e lançou uns quantos murros ao ar.
—Não há nada como o boxe para manter a circulação ativa.
Ela franziu o cenho de forma suspeita.
—Isto não parece uma habilidade muito feminina.
—Acreditei que tínhamos decidido que não íamos circunscrever-nos à noção de
feminilidade da senhora Seeton.
—Não—replicou ela, —mas tentamos me encontrar um marido.
—Ah, sim, seu marido—disse ele enigmaticamente.
—Não posso acreditar que haja um homem na Inglaterra que queira casar-se com
uma dama boxeadora.
—Não tem que converter-se em uma pugilista. Só precisa ser capaz de golpear
bastante bem para demonstrar que não se podem aproveitar de você.
Ela encolheu os ombros e fez uma tentativa.
—Assim?
—Deus, não. Não coloque dentro o polegar. Assim o quebraria seguramente.
Elizabeth tirou o polegar fora de seu punho.
—Assim?
Ele assentiu com aprovação.
—Exatamente. Mas hoje íamos estudar os beijos.
—Não, vamos seguir com isto. —Ela estendeu o braço golpeando o ar várias vezes.
—Estou me divertindo.
James gemeu, sem estar exatamente seguro do que mais o incomodava o ter que
postergar o beijá-la a outro dia ou que ela tivesse o gancho mais frouxo que já vira em sua
vida.
—Não, não, assim não—disse, colocando-se atrás dela. Deixou que sua bolsa caísse
ao chão enquanto punha sua mão sobre seu cotovelo e reajustava o ângulo de seu ombro.
—Golpeia como uma moça.
—Sou uma moça.
—Bem, isso sempre foi óbvio, mas não tem porque golpear como uma.
—E como—perguntou ela, imitando uma voz profunda e masculina para burlar-se,
—golpeia um homem?
—As garotas, fixe-me, golpeiam assim. —Ele fechou a mão em um punho e moveu
o braço atrás e adiante, sem separar nunca o cotovelo longe de seu flanco. —Os homens,
por outro lado, dão um pouco de oscilação a isso.
—Me faça uma demonstração, por favor.
—Muito bem. Retroceda, então. Eu não gostaria de feri-la.
Elizabeth lhe ofereceu um seco sorriso e retrocedeu uns quantos passos.
—É isto espaço suficiente para um homem?
—Não se zangue. Só olhe. —Ele retirou o braço. —Terei que mostrar-lhe na metade
da velocidade habitual já que não vou golpear nada realmente além do ar. O ímpeto
provavelmente me puxaria com o golpe.
—É obvio, então—disse ela com um magnânimo gesto de sua mão.—Na metade da
velocidade.
—Preste a atenção. Está vendo um mestre.
—Disso—disse ela secamente—não tenho dúvida.
Ele jogou todo seu braço para trás, um movimento que começava no centro de suas
costas e levantava seu punho por cima de seu ombro. Se ele estivesse movendo-se a
velocidade normal, e tivesse alguém de pé diante dele, James pensou que poderia tê-lo
deixado pasmado.
—O que lhe parece? —perguntou, profundamente satisfeito consigo mesmo.
—Faça-o outra vez.
Ele elevou as sobrancelhas, mas obedeceu, pondo inclusive mais balanço nisso esta
vez. Estudou seu rosto; ela havia entrecerrado os olhos e o estudava como se fosse uma
valiosa cabeça de gado.
Elevando a vista brevemente, lhe pediu.
—Uma vez mais?
—Está prestando atenção ou somente tenta me fazer parecer um idiota?
—Oh, definitivamente presto atenção. Se parece um idiota, isso não tem nada que
ver comigo.
James lançou seu braço para trás uma última vez.
—Em resumo—disse ele, —uma mulher que dá um murro o lança do ombro, sem
usar os músculos de suas costas.
Elizabeth imitou seu golpe feminino.
—Assim.
—Exatamente. Um homem, por outro lado, utiliza tanto a força de suas costas como
a de seu braço.
—Estes músculos daqui? —Ela levantou o braço direito e usou a mão esquerda para
fazer gestos aos músculos que rodeavam a parte direita de seu tórax.
A boca de James secou. O vestido se esticava sobre ela na maior parte dos lugares
estratégicos.
—Os daqui, James? —exigiu ela, roçando-as costas. —Ou os daqui? —Esta vez ela
tocou as costas dele, exceto que falhou, e o roçou no flanco, perto da cintura.
—Correto a primeira vez—disse ele, afastando-se de seu dedo. Se ela falhava em
tocar suas costas por outro centímetro ou dois em direção sul, não seria responsável por
suas ações.
—Então se parece um pouco a isto. —Ela lançou um murro a meia velocidade,
movendo-se só ligeiramente mais rápido do que ele esteve fazendo.
—Sim. Mas necessita um pouquinho mais de movimento lateral. Me olhe uma vez
mais. —Ele lançou outro golpe. —Vê?
—Acredito que sim. Quer que tente?
—Sim. —Ele cruzou os braços. —Me golpeie.
—Oh, não, não poderia.
—Sim, quero que o faça.
—Não poderia. Nunca causei dano intencionalmente a outra pessoa antes.
—Elizabeth, o único objetivo desta lição é ver se pode golpear a outra pessoa caso
se veja nessa necessidade. Se você não pode obrigar-se a golpear a um ser humano, isto foi
uma perda total de tempo.
Ela pareceu duvidosa.
—Se insiste.
—Insisto.
—Muito bem. —Sem nem um segundo para que qualquer um dos dois se
preparasse, ela retrocedeu e lançou seu braço. Antes que James tivesse ideia alguma do que
acontecia, estava estirado sobre o chão, e seu olho direito palpitava.
Elizabeth, mais que mostrar qualquer tipo de machucado ou preocupação por sua
saúde, dava saltos, gritando de regozijo.
—Fiz! Realmente o fiz! Viu você? Viu você?
—Não—resmungou ele, —mas senti.
Ela plantou suas mãos sobre os quadris e resplandeceu, olhando-o como se acabasse
de ser coroada rainha do mundo.
—Oh, foi estupendo! Façamos outra vez.
—Melhor não—queixou-se ele.
Ela deixou de sorrir e se agachou.
—Não lhe fiz mal, verdade?
—Absolutamente—mentiu ele.
—Nenhum? —soou decepcionada.
—Bom, talvez só um pouquinho.
—Oh, Deus, eu... —Conteve o que fosse que pensava dizer. —Não queria dizer
como soou. Juro. Não queria machucá-lo, mas realmente utilizei toda minha força nesse
golpe, e...
—Notarão os efeitos amanhã, não tema.
Ela ofegou, alegremente horrorizada.
—Deixei um olho arroxeado?
—Acreditei que não queria me machucar.
—E não quero—disse ela rapidamente, —mas devo admitir que nunca fiz nada
remotamente parecido a isto antes, e me satisfaz tê-lo feito bem.
James não acreditava que seu olho, em um esporte como este, fosse a resultar uma
contusão tão esplêndida como ela obviamente esperava, mas, entretanto, sentia-se irritado
consigo mesmo por tê-la subestimado tanto. Ela era uma coisa tão diminuta; nem sonhando
acreditou que lhe acertasse com o primeiro golpe. E até então, calculou que possivelmente
apenas possuía força suficiente para fazer algo mais que atordoar a seu oponente. A única
coisa que realmente esperava era lhe ensinar o bastante para desarmar temporariamente a
um homem enquanto ela fugia.
Mas, pensou tristemente, roçando cautelosamente o olho, parecia que seus murros
eram algo mas que temporários. Elevou a vista para ela; parecia tão condenadamente
orgulhosa de si mesma que teve que sorrir e dizer: —criei um monstro.
—De verdade? —Seu rosto se iluminou até um ponto que James não acreditara
possível. Era como se o sol fluísse de seus olhos. Elizabeth começou a lançar seus punhos
ao ar. —Possivelmente poderia me ensinar algumas técnicas avançadas.
—Já avançou o bastante, obrigado.
Ela deixou de saltar e seu rosto ficou sério.
—Não deveríamos pôr algo sobre esse olho? Não vai inchar se pusermos algo frio
sobre ele. —James quase se negou.
Seu olho realmente não estava tão mal foi a surpresa mais que qualquer outra coisa
o que o derrubou. Mas Elizabeth acabava de convidá-lo a sua casa, e esta era uma
oportunidade que devia aproveitar.
—Algo frio seria melhor—murmurou ele.
—Me siga, então. Necessita ajuda?
James olhou sua mão estendida com desgosto. Quão débil pensava que estava?
—Golpeou-me no olho—disse com voz seca. —O resto de mim funciona muito
bem, obrigado.
Ela retirou a mão.
—Simplesmente pensava... Realmente golpeou o chão com bastante força, depois
de tudo.
Maldição. Outra oportunidade perdida. Seu orgulho estava se convertendo em algo
condenadamente incômodo. Poderia ter-se apoiado nela durante todo o caminho a casa.
—Por que não tento sozinho e vemos como vai? —sugeriu. Talvez ele poderia
fingir que torceu um tornozelo. Podia coxear vinte jardas mas ou menos.
—Parece uma boa ideia. Mas procure não exceder-se.
James pôs extremo cuidado, tentando recordar de que lado tinha golpeado o chão.
Não queria coxear do lado incorreto.
—Está seguro de que não está ferido?
Terei que ser um completo canalha para aproveitar-me da preocupação de seus
olhos, mas evidentemente sua consciência se achava em paradeiro desconhecido, porque
James suspirou e disse:
—Acredito que seja o quadril.
Ela jogou uma olhada para seu quadril, o que lhe ocasionou uma pontada de dor em
outras regiões próximas.
—Está machucado?
—Pode ser—respondeu ele. —Estou seguro de que não é nada, mas...
—Mas lhe dói ao andar—disse ela com uma maternal inclinação de cabeça.
—Provavelmente se sentirá melhor amanhã, mas parece tolo que faça um esforço
excessivo. —Ela franziu as sobrancelhas pensativa. —Possivelmente seria melhor se
simplesmente retornasse a Dambury House. Se caminhar até minha casinha, teria logo que
retornar, e...
—Oh, estou seguro de que não esta tão mal assim—disse ele rapidamente. —E
disse que a acompanharia a casa.
—James, volto sozinha a casa todos os dias.
—Ainda assim, devo manter minhas promessas.
—Estarei encantada de lhe liberar desta. Depois de tudo, não esperava ser derrubado
no chão.
—Em realidade, não é que seja doloroso. Simplesmente não posso andar a minha
velocidade habitual.
Ela pareceu dúbia.
—Além disso—acrescentou ele, pensando que devia reforçar sua posição, —ainda
temos muito do que falar a respeito da recepção ao ar livre de Lady Dambury no sábado.
—Muito bem, —ela disse a contra gosto. —Mas deve prometer que me dirá se a dor
se fizer insuportável.
Uma promessa fácil de manter, já que não estava dolorido absolutamente. Bom, não
da forma a que ela se referia. Deram só uns poucos passos quando Elizabeth girou para ele
e lhe perguntou.
—Está bem?
—Perfeitamente—assegurou-lhe ele. —Mas agora que dominou a arte da defesa
pessoal, acredito que deveríamos nos dedicar a outros aspectos de sua educação.
Ela ruborizou.
—Quer dizer...
—Precisamente.
—Não acredita que seria melhor começar pelo flerte?
—Elizabeth, não acredito que tenha nada de que preocupar-se nesse aspecto.
—Mas não tenho a mais leve ideia de como se faz!
—Tão somente posso dizer que em você é um dom natural.
—Não! —ela disse energicamente. —Não é. Não tenho nem a mínima ideia do que
dizer a um homem.
—Pois pareceu saber o que me dizer. Quer dizer—emendou ele, —quando não
tentava seguir os decretos da senhora Seeton.
—Você não conta.
Ele tossiu.
—E por que não?
—Não sei—disse ela com uma pequena sacudida de cabeça, —simplesmente não o
faz. Você é diferente.
Ele tossiu outra vez.
—Não tão diferente de outros membros de meu gênero.
—Se insiste em sabê-lo, é muito mais fácil falar com você.
James meditou sobre isto. Antes de conhecer a Elizabeth, sentia-se orgulhoso de ser
capaz de deixar às suspirantes debutantes e a suas avaras mães completamente muda com
um simples olhar fixo. Este sempre era o instrumento mais eficaz uma das poucas coisas
realmente úteis que aprendera de seu pai.
Por curiosidade, cravou seu olhar mais arrogante, o de
"Eu-sou-o-Marquês-de-Riverdale" fixamente sobre ela o que rotineiramente conseguia que
homens feitos e direitos se apressassem a buscar uma longínqua esquina e disse: —E se a
olhasse deste modo?
Ela pôs-se a rir.
—Oh, basta! Basta! Parece ridículo.
—Desculpe?
—Basta, James. Oh, deixe-o já. Parece um menino pretendendo ser um duque. Sei,
porque meu irmão pequeno tenta comigo o mesmo truque todo o tempo.
Picado em seu orgulho, ele disse.
—E que idade tem seu irmão?
—Oito anos, mas... —O que tivesse pensado dizer se perdeu em um novo ataque de
risada.
James não podia recordar a última vez que alguém riu dele, e não se sentiu
particularmente agradado ao ser comparado a um menino de oito anos.
—Posso lhe assegurar—disse ele, em um tom que era puro gelo, —que...
—Não diga nada mais—disse ela, rindo.—Realmente, James, a gente não deveria
comportar-se como um aristocrata se a gente não pode levá-lo até o final.
Nunca, em toda sua carreira como agente para o Ministério de defesa, se sentira
mais tentado de revelar sua identidade. Ardiam-lhe as palmas das mãos do desejo de
agarrá-la, sacudi-la e lhe gritar. ” Sou um maldito marquês, pequena tola! Posso ser um
perfeito esnobe quando me ponho a isso.” Mas por outro lado, havia algo encantador em
sua ingênua risada. E quando ela virou e disse.
—Oh, por favor, não se sinta insultado, James. Era um elogio, em realidade. É uma
pessoa muito agradável para ser um aristocrata.
Ele decidiu que este podia ser, de fato, o mais encantador momento de sua vida. Seu
olhar se cravou sobre uma minúscula partícula de sujeira, assim que ela se viu obrigada a
inclinar-se para ficar em sua linha de visão.
—Perdoa-me? —brincou ela.
—É possível que encontre em meu coração...
—Se não me perdoar, então pode ser que precise pôr em pratica meus
conhecimentos de pugilismo de novo.
Ele estremeceu.
—Neste caso, definitivamente a perdoo.
—Pensei que o faria. Vamos para casa.
E ele se perguntou por que, quando ela disse casa, de fato, pensou que isso poderia
aplicar-se a ele também.
Capítulo 11
Elizabeth estava surpresa de como estava despreocupada com o estado de sua casa
quando ela e James chegaram à sua porta. As cortinas de damasco verdes estavam
descoloridas, e as molduras necessitavam uma nova pintura. O mobiliário era de boa
qualidade, mas estava desgastado, com almofadas estrategicamente colocadas sobre as
zonas com mais necessidade de reparação. Em conjunto, a casa tinha um ligeiro ar frugal.
Haviam poucas coisas de valor; algo com um mínimo de valor foi penhorado ou vendido a
um comerciante ambulante.
Em geral sentia a necessidade de explicar que sua família sofrera um reverso da
fortuna, e esclarecer que eles viveram em uma casa muito maior antes que seus pais
morressem. Lucas era um baronete, depois de tudo, e era embaraçoso que eles se vissem
reduzidos a tais circunstâncias.
Mas com James ela simplesmente abriu a porta com um sorriso, segura de que ele
veria sua pequena casinha da mesma forma que ela, como um quente e confortável lar. Ele
aludira a que procedia de uma boa família, mas também dissera que sua família perdera a
fortuna que haviam possuído uma vez, assim entenderia sua incapacidade para comprar
novas coisas e sua necessidade de economizar.
A casa, graças a Deus, estava ordenada, e o ar cheirava a biscoitos quentes.
—Tem sorte, —disse Elizabeth com um sorriso—Susan deve ter decidido fazer
bolos.
—Cheira delicioso—disse James.
—Biscoitos de gengibre. Bem, por que não me segue à cozinha? Somos
terrivelmente informais, temo. —Ela abriu de um empurrão a porta da cozinha e entrou
nela. Quando ele não se sentou imediatamente, repreendeu-o e disse. —Não faz falta que
permaneça de pé por mim. Golpeou o quadril e deve lhe doer terrivelmente. Além disso, é
uma tolice que esteja aí de pé enquanto preparo o chá.
Ele puxou uma cadeira e se sentou, perguntando logo.
—São aqueles no jardim seus irmãos ?
Elizabeth afastou uma cortina e olhou através da janela.
—Sim, são Lucas e Jane. Não estou segura de onde está Susan, embora esteve aqui
recentemente. Os biscoitos estão ainda quentes. —Com um sorriso, depositou um prato
cheio diante dele. —Chamarei Lucas e Jane. Estou segura de que vão querer lhe conhecer.
James olhou com interesse enquanto ela golpeava três vezes sobre o cristal de uma
janela. Uns segundos depois, a porta da cozinha se abriu velozmente e apareceram dois
pequenos marotos.
—Oh, é você, Elizabeth—disse o moço—Pensei que fosse Susan.
—Não, só eu, temo. Têm ideia de aonde foi?
—Foi ao mercado—respondeu o moço. —Com um pouco de sorte alguém nos dará
um pouco de carne para acompanhar esses nabos.
—Com um pouco de compaixão, mas bem—resmungou a menina. —Por que
alguém desperdiçaria um pedaço perfeitamente bom de carne para um nabo absolutamente
miserável, está além de minha compreensão.
—Odeio os nabos—disse James.
Três Hotchkiss giraram suas loiras cabeças em sua direção.
James acrescentou.
—Uma amiga me disse uma vez que alguém pode aprender muito sobre a diligência
de um nabo, mas nunca pude entender o que quis dizer.
Elizabeth começou a tossir sem fôlego.
—Isso soa como um montão de lixo—disse a menina.
—Lucas, Jane—interrompeu Elizabeth em voz alta. —Eu gostaria que conhecessem
o senhor Siddons. É meu amigo, e também trabalha em Dambury House. É o novo
administrador de Lady Dambury.
James ficou de pé e estreitou a mão do Lucas com a mesma gravidade que utilizava
para estreitar-lhe ao primeiro-ministro. Depois girou para Jane e beijou sua mão.
Ruborizou-se dos pés à cabeça, mas o mais importante, quando ele levantou a vista
até a Elizabeth para sua aprovação, ela estava radiante.
—Como estão vocês? —murmurou.
—Muito bem, obrigado—disse Lucas.
Jane não disse nada. Estava muito ocupada olhando fixamente a mão que ele beijou.
—Convidei ao senhor Siddons a tomar o chá e biscoitos—disse Elizabeth. —Vocês
gostariam de unir-se a nós?
Normalmente James teria lamentado perder um tempo a sós com a Elizabeth, mas
havia algo reconfortante na reunião, aqui na cozinha, com este pequeno grupo de três, os
quais obviamente sabia o que significava ser uma família.
Elizabeth deu um biscoito a cada um de seus irmãos e lhes perguntou.
—O que fizeram hoje? Terminaram as lições que lhes preparei?
Jane assentiu.
—Ajudei ao Lucas com a aritmética.
—Não o fez! —chispou Lucas, com farelos voando de sua boca.—Posso fazê-lo
tudo sozinho.
—Talvez possa, —disse Jane com um encolhimento de superioridade, —mas não o
fez.
—Elizabeth! —protestou Lucas. —Ouviste o que me disse?
Mas Elizabeth não fez caso da pergunta, em troca cheirou o ar com óbvia
repugnância.
—O que é esse cheiro?
—Fui pescar outra vez—respondeu Lucas.
—Deve ir lavar-te imediatamente. O senhor Siddons é nosso convidado, e não é
cortês...
—Não me importa um pouco de cheiro de pescado—interrompeu James. —Pegou
algo?
—Quase tinha a um que era assiiiiiim de grande—disse Lucas, estendendo seus
braços quase tanto como compridos eram, —mas escapou.
—Outra vez conseguirá—murmurou James com simpatia.
—Apanhei dois de tamanho médio, entretanto. Deixei-os em uma vasilha lá fora.
—São bastante asquerosos—interpôs Jane, tendo perdido o interesse por sua mão.
Lucas se acendeu instantaneamente.
—Não diz o mesmo quando pode comer no jantar.
—Quando os preparam para jantar—contra-atacou ela, —não têm olhos.
—Isso é porque Lizzie corta as cabeças, cabeça de vento.
—Lucas, —disse Elizabeth, elevando a voz—acredito que deveria sair e te tirar um
pouco desse cheiro.
—Mas o senhor Siddons...
—Simplesmente estava sendo cortês, —cortou-o Elizabeth. —Faça-o já, e aproveita
para trocar de roupa.
Lucas se queixou, mas fez o que lhe diziam.
—É um pouco imaturo às vezes—disse Jane com um suspiro cansado.
James teve que tossir para evitar rir.
Jane tomou isto como aceitação e seguiu explicando.
—Só tem oito anos.
—E que idade tem você?
—Nove, —respondeu ela, como se isso significasse um mundo de diferença.
—Jane—disse Elizabeth, da lareira, onde estava pondo a água para o chá, —posso
falar contigo um momento?
Jane se desculpou cortesmente e foi junto a sua irmã. James fez que não via que
Elizabeth se agachou e sussurrou algo ao ouvido de sua irmã. Jane assentiu e escapou
correndo.
—O que foi tudo isso? —teve que perguntar.
—Pensei que também lhe viria bem uma lavagem, mas não quis envergonhá-la
dizendo-lhe diante de você.
Ele inclinou ligeiramente a cabeça.
—De verdade acredita que se sentiria envergonhada por isso?
—James, é uma menina de nove anos que acredita que tem quinze. Você é um
homem arrumado. É obvio que se sentiria envergonhada.
—Bem, você sabe melhor que eu, —respondeu ele, tentando não deixar transparecer
seu prazer ao saber que o julgava arrumado.
Elizabeth fez gestos para o prato de biscoitos.
—Não vai provar um?
Ele pegou um e o mordeu.
—Delicioso.
—Verdade? Não sei como o faz Susan. Jamais consegui que os meus saiam tão
bons. —Pegou um e lhe deu uma mordida.
James a olhou, incapaz de arrancar seus olhos da vista do espetáculo de seus dentes
mordiscando-o. Sua língua saiu velozmente para apanhar um miolo errante, e...
—Já estou aqui!
James suspirou. Um dos momentos mais inesperadamente eróticos de sua vida,
interrompido por um menino de oito anos.
Lucas lhe sorriu amplamente.
—Gosta de pescar?
—É um de meus esportes favoritos.
—Eu gostaria de caçar, mas Elizabeth não me deixa.
—Sua irmã é uma mulher muito sábia. Um menino de sua idade não deveria levar
uma arma sem a supervisão apropriada.
Lucas fez um gesto de contrariedade.
—Sei, mas não é por isso que não me deixa fazê-lo. É porque é muito sensível.
—Se não quero ver como assassinas a um pobre e inocente coelho—interrompeu-o
Elizabeth, —significa que sou muito sensível, então...
—Mas come coelho—argumentou Lucas. —Vi.
Elizabeth cruzou os braços e resmungou.
—É diferente quando tem orelhas.
James riu.
—Soa como a jovem Jane com sua aversão aos olhos de pescado.
—Não, não, não, —insistiu Elizabeth, —é completamente diferente. Se recorda, sou
eu quem corta sempre a cabeça dos peixes. Assim evidentemente não sou delicada.
—Então qual é a diferença? —cravou-a ele.
—Sim, —disse Lucas, cruzando os braços e inclinando a cabeça em uma perfeita
imitação de James, —qual é a diferença?
—Não tenho que responder a isso!
James virou para o Lucas e disse por trás de sua mão.
—Sabe que não tem argumentos com os quais nos refutar.
—Ouvi isso!
Lucas apenas soltou uma tola risada.
James trocou um masculino olhar com o moço.
—As mulheres tendem a ficar fastidiosamente sentimentais com tudo o que tem que
ver com pequenas e peludas criaturas.
Elizabeth manteve os olhos fixos sobre a lareira, fazendo como que vigiava o chá.
Há muito que Lucas não tinha a um homem a quem pudesse respeitar e admirar.
Preocupava-lhe estar privando-o de algo importante educando-o ela mesma, com apenas a
irmã como companhia. Se tivesse permitido que qualquer de seus parentes o acolhesse,
seguiria sem ter um pai, mas ao menos teria a um varão adulto em sua vida.
—Qual é o peixe maior que já apanhou? —perguntou Lucas.
—Em terra ou no mar?
Lucas chegou a lhe dar um ligeiro empurrão no braço quando lhe disse.
—Não se pode apanhar a um peixe em terra!
—Quis dizer em um lago.
Os olhos do moço se fizeram enormes.
—Pescou no mar?
—É obvio.
Elizabeth o olhou perplexa. Seu tom era tão normal.
—Estava em um navio? —perguntou Lucas.
—Não, era mais um veleiro.
Um veleiro? Elizabeth sacudiu sua cabeça enquanto tirava alguns pratos do armário.
James devia ter amigos muito bem situados.
—De que tamanho era o peixe?
—Oh, não sei. Talvez assim de grande. —James separou as mãos aproximadamente
uns oitenta centímetros.
—Maldição! —exclamou Lucas.
A Elizabeth quase deixou cair um prato.
—Lucas!
—Sinto muito, Elizabeth—disse Lucas sem muita convicção, e sem olhá-la. Sua
atenção não se separava de James enquanto seguia lhe perguntando. —Teve que lutar muito
contra ele?
James se inclinou e lhe sussurrou algo ao ouvido. Elizabeth estirou o pescoço e as
orelhas, mas não pôde ouvir o que disse. Lucas assentiu um pouco desanimado,
levantou-se, cruzou a sala até a Elizabeth, e lhe fez uma pequena inclinação. Elizabeth
ficou tão surpresa que esta vez deixou cair o que sustentava. Graças a Deus, só era uma
colher.
—Sinto muito, Elizabeth—disse Lucas. —Não é cortês usar tal linguagem diante de
uma dama.
—Obrigado, Lucas. —Ela olhou de esguelha ao James, que lhe ofereceu um
misterioso sorriso. Fez um gesto com a cabeça para o moço, e então ela se inclinou e deu ao
Lucas um prato de biscoitos, dizendo.
—Por que não vão você e Jane a procurar a Susan? Podem comer estes biscoitos a
caminho do povoado.
Os olhos do Lucas se acenderam ante a vista dos biscoitos, e rapidamente os
agarrou e saiu do quarto, deixando a Elizabeth com a boca aberta ante seu veloz
desaparecimento.
—O que disse? —perguntou assombrada.
James deu de ombros.
—Não posso dizer-lhe.
—Mas deve fazê-lo. Independentemente do que foi, foi terrivelmente eficaz.
Ele se recostou, parecendo enormemente contente consigo mesmo.
—Algumas coisas é melhor que fiquem entre homens.
Elizabeth franziu o cenho divertida, tentando decidir se deveria pressioná-lo um
pouco mais, quando notou uma sombra que se obscurecia perto de seu olho.
—Oh, esqueci completamente! —exclamou. —Seu olho! Devo encontrar algo que
pôr nele.
—Estará bem, estou seguro. Tive feridas muito piores às quais prestei muito menos
atenção.
Mas ela não o escutava, enquanto ela brincava de correr apressadamente por sua
cozinha em busca de algo frio.
—Não precisa se incomodar—tentou de novo.
Ela elevou a vista, o que o surpreendeu. Pensava que estava tão entretida em sua
busca para escutá-lo, por não mencionar lhe responder.
—Não vou discutir isto com você—declarou ela. —Assim pode economizar o
fôlego.
James se deu conta de que o dizia a sério. Elizabeth Hotchkiss não era do tipo de
mulheres que deixava projetos inacabados ou evitava uma responsabilidade. E se estava
determinada a ocupar-se de seu olho machucado, havia muito pouco que ele um par do
reino, um homem com duas vezes seu tamanho podia fazer para detê-la.
—Se se empenhar—murmurou ele, tentando soar ao menos um pingo incômodo por
seus cuidados.
Ela escorreu algo com as mãos na pia, e virando-se o ofereceu.
—Pegue.
—O que é isto? —perguntou ele, com receio.
—Só é um trapo molhado. O que pensou... que ia depositar a captura do dia do
Lucas sobre seu rosto?
—Não, não está hoje o bastante zangada para isso, embora...
Ela elevou as sobrancelhas enquanto cobria seu olho machucado com o trapo.
—Se está insinuando que acredita que poderia me zangar um dia o bastante para
que...
—Não estou dizendo nada semelhante. Deus, odeio ser mimado excessivamente.
Você simplesmente... Não, é um pouco mais à direita.
Elizabeth ajustou o trapo, inclinando-se ao fazê-lo.
—Melhor assim?
—Sim, embora pareça que isto esquentou um pouco.
Ela retrocedeu uns centímetros e se endireitou.
—Sinto muito.
—Não importa—disse ele, incapaz da nobreza suficiente para afastar o olhar do que
estava situado diretamente diante dele. Não estava seguro se ela se deu conta de que estava
olhando fixamente seus seios, mas soltou um pequeno.
—Oh! —e se afastou de um salto. —Posso esfriá-lo outra vez. —Fez, e logo lhe
estendeu o trapo molhado.—Melhor que você o faça.
Ele deslocou seu olhar até seu rosto, com expressão tão inocente como a de um
cachorrinho.
—Mas eu gosto quando você o faz.
—Acreditei que não gostava de ser excessivamente mimado.
—Isso acreditava eu também.
Isto lhe valeu um olhar meio exasperado, meio sarcástico de Elizabeth, ao mesmo
tempo que colocava as mãos na cintura. Parecia bastante ridícula, e, ao mesmo tempo,
ameaçadora, permanecendo ali de pé com um trapo de cozinha pendurado em sua mão.
—Se está tentando me convencer de que sou seu anjo da guarda, vindo do céu a...
Seus lábios se estenderam em um lento e cálido sorriso.
—Exatamente.
Ela lançou o trapo, deixando uma mancha de umidade no meio de sua camisa.
—Não acredito nem um segundo.
—Para ser um anjo da guarda—resmungou ele, —tem muito mau caráter.
Ela gemeu.
—Simplesmente coloque o trapo sobre o olho.
Fez o que lhe ordenou. Longe dele desobedecê-la quando estava de semelhante
humor.
Permaneceram de pé um em frente ao outro durante um momento, e então Elizabeth
lhe disse.
—Tire um segundo.
Ele levou a mão ao olho.
—O trapo?
Ela assentiu uma vez.
—Não acaba de me ordenar que o pusesse sobre meu olho?
—Sim, mas quero jogar uma olhada ao tamanho da contusão.
James não viu nenhuma razão para não obedecer, assim se inclinou para diante,
levantando o queixo e girando a cara de modo que ela pudesse ver facilmente seu olho.
—Hmmph—disse ela. —Não esta arroxeado como teria esperado.
—O disse que não era uma ferida séria.
Ela franziu o cenho.
—Atirei-o ao chão.
Ele estirou um pouco mais o pescoço, desafiando-a silenciosamente a pôr sua boca à
distância de um beijo outra vez.
—Possivelmente se o olhar mais de perto.
Ela não ia cair na armadilha.
—Vou ser capaz de ver melhor a cor de seu golpe me aproximando? Hmmph. Não
sei o que está tramando, mas sou muito perspicaz para qualquer de seus truques.
Que fosse muito inocente para dar-se conta de que ele tentava lhe roubar um beijo o
divertiu tanto como ele adorou. Entretanto, depois de pensá-lo um momento, caiu na conta
de que também o horrorizava. Se era tão ignorante sobre seus verdadeiros motivos, que
demônios ia ela ia fazer quando se enfrentasse com libertinos cujas intenções eram muito
menos nobres que a sua?
E podia acontecer, sabia. Pode ser que ele possuísse reputação de libertino, mas
tentava viver sua vida com um mínimo de honra, que era mais do que poderia dizer da
maior parte dos membros da alta sociedade.
E Elizabeth, com aquele cabelo de raio de luar dela, por não mencionar seus olhos, e
essa boca, e... Inferno, não tencionava ficar ali sentado e fazer inventário de seus atributos.
A questão era que ela não tinha nenhuma família para defendê-la, e portanto os cavalheiros
tentariam aproveitar-se dela, e quanto mais pensava nisso , menos convencido estava de
que ela fosse capaz de chegar ao altar com sua pureza e sua alma intactas.
—Vamos ter que ter outra lição de boxe amanhã—soltou ele.
—Acreditei que disse...
—Sei o que disse, —interrompeu-a com brutalidade, —mas depois comecei a
pensar.
—Que diligente de sua parte—murmurou ela.
—Elizabeth, deve saber defender-se. Os homens são uns canalhas. Uns descarados.
Uns idiotas, todos eles.
—Incluindo você?
—Sobretudo eu! Tem ideia do que tentava fazer faz um momento enquanto me
inspecionava o olho?
Ela negou com a cabeça.
Seus olhos arderam de fúria e necessidade.
—Se tivesse tido um segundo mais, somente um bendito segundo mais, teria
rodeado seu pescoço com minha mão, e antes que pudesse dizer "Jesus", estaria sentada em
meu colo.
Ela não disse nada, o que, por alguma néscia razão não podia entender, enfureceu-o.
—Entende o que lhe digo? —exigiu-lhe.
—Sim—disse ela, com tranquilidade. —E considerarei esta lição como uma parte
crucial de minha educação. Sou muito confiada.
—É condenadamente razoável a respeito—queixou-se ele.
—É obvio, isto apresenta um interessante dilema com respeito à lição de amanhã.
—Ela cruzou os braços e o avaliou.—Depois de tudo, disse-me que devia estudar os, er,
aspectos amorosos do cortejo.
James tinha o pressentimento de que não ia gostar do que vinha a seguir.
—Disse-me que devo aprender a beijar, e aqui —lhe lançou um olhar extremamente
duvidoso —disse-me que devia ser você quem me ensinaria.
James não podia pensar nada que o fizesse aparecer sob uma luz elogiosa, assim
manteve a boca fechada e tentou manter a dignidade franzindo o cenho.
—E agora me diz—seguiu ela, —que não devo confiar em ninguém. Assim, por que
deveria confiar em você?
—Porque desejo o melhor para você de coração.
—Há!
Como ponto final, era conciso, direto, e notavelmente eficaz.
—Por que está me ajudando? —sussurrou ela. —Por que fez esta estranha oferta de
seus serviços? Porque é estranho, sabe. Certamente deve ter percebido isso.
—Por que aceitou você? —respondeu-lhe ele.
Elizabeth fez uma pausa. Não havia forma de responder sua pergunta. Ela era uma
mentirosa terrível, e definitivamente não podia lhe dizer a verdade. Oh, ele estaria
encantado de escutar que com a aprendizagem ela iria conseguir passar uma semana, ou se
fosse afortunada uma quinzena completa, em sua companhia. Queria ouvir sua voz, e
respirar seu aroma, e capturar sua respiração enquanto pudesse o ter perto. Queria
apaixonar-se e fingir que poderia durar para sempre.
Não, a verdade não era uma opção.
—Não importa por que aceitei—respondeu finalmente.
Ele ficou de pé.
—Não?
Sem nem dar-se conta, ela retrocedeu um passo. Era muito mais fácil dar falsas
bravatas quando ele estava sentado. Mas completamente de pé, era o espécime masculino
mais intimidante que já vira, e toda sua recente divagação sobre sentir-se tão cômoda em
sua presença parecia bastante tola e prematura. Agora era diferente. Estava aqui. Estava
muito perto. E a queria.
O sentimento de segurança escapou - o que lhe permitiu estar tão cômoda em sua
companhia, e dizer o que lhe passasse pela cabeça sem temor a sentir-se envergonhada. Foi
substituído por algo imensamente mais excitante, algo que lhe roubou o fôlego, a razão e
sua própria alma.
Seus olhos não abandonaram os dela. Seu profundo tom castanho ardia e se
obscureceu quando ele reduziu a distância entre ambos. Ela não podia piscar, nem sequer
podia respirar quando ele se aproximou ainda mais. O ar se esquentou, eletrificou-se, e
então ele se deteve.
—Vou beijá-la, —sussurrou.
Ela não pôde emitir uma palavra.
Uma de suas mãos se posou na parte baixa de suas costas.
—Se não desejar, diga-me agora, porque se não o faz...
Ela acreditou que não se moveu, mas seus lábios se separaram em silencioso
assentimento.
Sua outra mão deslizou detrás de sua cabeça, e ela acreditou ouvi-lo murmurar algo
quando seus dedos se afundaram na seda de seu cabelo. Seus lábios se roçaram contra os
seus, uma vez, duas vezes, depois se transladaram à comissura de sua boca, onde sua língua
gracejou a sensível pele da borda de seus lábios até obrigá-la a ofegar de prazer. E todo o
tempo, suas mãos se moviam acima e abaixo, acariciando suas costas, roçando
delicadamente a parte posterior de seu pescoço. Sua boca se moveu a sua orelha, e quando
sussurrou, ela o sentiu tanto como o ouviu.
—Vou aproximá-la mais. —Seu fôlego, e suas palavras, sentiam-se ardentes contra
sua pele.
A parte ainda consciente da Elizabeth percebeu que a tratava com um respeito
pouco comum, e conseguiu encontrar a voz o tempo suficiente para dizer.
—Por que me diz isso?
—Para lhe dar a possibilidade de dizer que não. —Seu olhar duro, ardente, e muito
masculino desceu sobre o seu. —Mas não quer dizê-lo.
Ela odiou sua arrogância, não estava equivocado, odiava não poder lhe negar nada
quando a sustentava entre seus braços. Mas adorava a crepitante percepção que percorria
seu corpo a estranha sensação de que pela primeira vez em sua vida, entendia seu próprio
corpo. E quando a apertou contra ele, adorou que seu coração galopasse tão rápido como o
dela.
Seu calor a abrasou , e não sentiu nada mais que a ele, não ouviu nada exceto o
latejar de seu próprio sangue, e um brandamente articulado, —"Maldição".
Maldição?
Ele a soltou bruscamente.
Maldição. Elizabeth cambaleou para trás, fazendo plaf em uma cadeira que estava
atrás dela.
—Ouviu isso? —sussurrou James.
—O que?
Murmúrio de vozes. —Isso—sussurrou ele.
Elizabeth se ergueu como um raio.
—OH, não—gemeu. —É Susan. E Lucas e Jane. Estou apresentável?
—Er, quase, —mentiu ele. —Talvez poderia querer... —Fez um vago gesto de
recolher o cabelo ao redor de sua cabeça.
—O cabelo? —ofegou ela. —Meu cabelo! O que fez a meu cabelo?
—Não tanto quanto eu teria gostado—resmungou ele.
—Oh Deus, Oh Deus, Oh Deus. —apressou-se até a pia, fazendo apenas uma pausa
para olhar por cima de seu ombro e dizer. —Preciso ser um exemplo. Jurei a Deus faz cinco
anos que seria um exemplo. E me olhe.
Esteve fazendo pouco mais durante toda a tarde, pensou James com desânimo, e
tudo que conseguiu foi sentir-se frustrado. A porta da rua se fechou de repente. Elizabeth
deu um salto.
—Tenho o cabelo muito desordenado? —perguntou freneticamente.
—Bom, não tem o mesmo aspecto que quando chegamos—reconheceu ele.
Ela passou as mãos pela cabeça com movimentos rápidos e nervosos.
—Não dá tempo de prender.
Ele decidiu não responder. Segundo sua experiência, era ser sábio não interromper a
toalete de uma dama.
—Só posso fazer uma coisa—disse ela.
James olhou com interesse como molhava as mãos em um pequeno balde de água
que havia sobre o balcão. Era o mesmo balde que utilizou para molhar o trapo para seu
olho. As vozes de crianças se ouviram mais perto. E então, Elizabeth, a quem considerava
como um ser humano sóbrio e racional, levantou as mãos, salpicando água por toda as
partes, por sua cabeça, sua blusa, e, por todo ele.
A prudência dela, decidiu enquanto, devagar, sacudia a água de suas botas, era uma
presunção que obviamente precisava ser revisada.
Capítulo 12
—Pelas chaves de São Pedro—exclamou Susan. —O que aconteceu?
—Um pequeno acidente— respondeu Elizabeth. Sua mentira deveria ter sido
melhor, porque Susan revirou os olhos imediatamente e suspirou de incredulidade. Lançar a
água foi um plano defeituoso, mas certamente inspirado. Se não podia conseguir que seu
cabelo tivesse bom aspecto, então podia danificá-lo de todo. Ao menos, então ninguém
suspeitaria que sua desarrumação era devido aos dedos de James.
A pequena cabeça loira de Lucas girou e contemplou o desastre.
—Parece como se tivéssemos sido visitados pela grande inundação.
Elizabeth tentou não franzir o cenho ante sua interferência.
—Estava preparando um pano molhado para o senhor Siddons, que machucou o
olho, e então derrubei o balde, e...
—Como é que está o balde em pé ainda? —perguntou ele.
—Porque eu o endireitei—disse Elizabeth, abruptamente.
Lucas piscou, e retrocedeu um passo.
—Provavelmente deveria partir—disse James.
Elizabeth jogou uma olhada em sua direção. Ele sacudia a água das mãos, e parecia
notavelmente sereno, considerando que ela acabava de empapá-lo sem aviso prévio.
Susan pigarreou. Elizabeth a ignorou. Susan pigarreou outra vez.
—Poderia ter primeiro uma toalha? —murmurou James.
—Oh, sim, certamente.
Susan limpou a garganta. Elizabeth a ignorou. Ela pigarreou de novo.
—O que acontece, Susan? —chiou Elizabeth.
—Poderia me apresentar?
—OH, sim. — Elizabeth sentiu que suas faces se acendiam ante este óbvio descuido
do protocolo. —Senhor Siddons, permite-me lhe apresentar a minha irmã menor, a
senhorita Susan Hotchkiss? Susan, este é...
—Senhor Siddons? —ofegou Susan.
Ele sorriu e inclinou sua cabeça com boas maneiras.
—Parece como se tivesse ouvido falar de mim.
—Oh, de maneira nenhuma—respondeu Susan, com tal rapidez que qualquer idiota
podia ver que mentia. Ela sorriu, muito, em opinião de Elizabeth e logo rapidamente mudou
de assunto. —Elizabeth, fez algo novo a seu cabelo?
—Está molhado—espetou-lhe Elizabeth.
—Sei, mas ainda assim, parece...
—Molhado.
Susan fechou a boca, mas de algum jeito conseguiu dizer.
—Sinto muito—sem separar os lábios.
—Senhor Siddons, deveria estar já a caminho—disse Elizabeth desesperadamente.
Deu um passo adiante e o agarrou pelo braço. —O acompanharei à porta.
—Foi um prazer conhecê-la, senhorita Hotchkiss—disse ele a Susan por cima de
seu ombro, não podia ter sido de nenhuma outra forma, já que Elizabeth o havia arrastado,
passando por diante dos três Hotchkiss mais jovens e nesse momento o empurrava pela
porta ao vestíbulo. —E a você, também. Lucas! —chamou-o. —Devemos ir pescar um dia!
Lucas gritou com regozijo e entrou correndo no vestíbulo atrás deles.
—Oh, obrigado, senhor Siddons. Obrigado!
Elizabeth tinha ao James virtualmente nos degraus dianteiros quando ele de repente
parou e disse.
—Há uma coisa mais que preciso fazer.
—Que mais fica por fazer? —exigiu ela. Mas ele se soltou já de seu aperto e
caminhou a passos longos para a porta da cozinha. Quando pensou que ele estava fora do
alcance do ouvido, resmungou.
—Parece-me que já fizemos de tudo hoje.
Ele sorriu com picardia por cima de seu ombro.
—De tudo não.
Ela chispou e balbuciou, tentando dar com uma réplica apropriadamente mordaz,
quando ele arruinou completamente o momento derretendo seu coração.
—Oh, Jane—chamou-a, apoiando-se no batente da porta.
Elizabeth não podia ver o interior da cozinha, mas podia imaginar perfeitamente a
cena, como sua irmãzinha levantava a cabeça, seus olhos azuis escuros abrindo-se
assombrados de par em par.
James enviou um beijo à cozinha.
—Adeus, doce Jane! Lamento verdadeiramente que não seja um pouco maior.
Elizabeth suspirou angelical e se afundou em uma cadeira. Sua irmã sonharia com
aquele beijo durante o resto de sua infância.
hhh
Seu discurso estava ensaiado, mas o sentimento era indubitavelmente sincero.
Elizabeth sabia que precisava enfrentar a James por seu escandaloso comportamento, e
esteve toda a noite e até a manhã seguinte imaginando a conversa em sua cabeça. Ainda
estava recitando suas palavras quando partiu penosamente através da lama chovera a noite
anterior para Dambury House.
Este plano este raro, estranho e incompreensível plano que, supunha-se, ia levá-la
ao altar necessitava regras. Máximas de comportamento, diretrizes, esse tipo de coisas.
Porque se não tivesse alguma ideia do que podia esperar em companhia de James Siddons,
ia voltar-se louca.
Por exemplo, seu comportamento na tarde anterior era claramente um sinal de uma
mente confusa. Em um ataque de pânico se molhou inteira. Por não mencionar sua
licenciosa resposta ao beijo do James. Teria que adotar um mínimo de controle. Negava-se
a ser um caso de caridade para seu entretenimento. Insistiria em lhe retribuir por seus
serviços, e acabou. Além disso, ele não podia agarrá-la e abraçá-la quando ela não o
esperasse. Mesmo que soasse absurdo, seus beijos teriam que permanecer puramente
acadêmicos. Era a única forma de conseguir sair deste episódio com a alma intacta. Quanto
a seu coração, bom, provavelmente era já uma causa perdida.
Mas não importa quantas vezes ensaiou o pequeno discurso que preparou, soava
errado. Primeiro muito autoritário, depois muito fraco. Muito estridente, e logo muito
lisonjeiro. Mas onde se supõe que podia uma mulher procurar conselho? Talvez deveria
jogar outra olhada a "Como casar-se com um Marquês". Se necessitava regras e decretos,
certamente os encontraria ali. Possivelmente a senhora Seeton incluíra algo sobre como
convencer a um homem sem insultá-lo mortalmente. Ou como conseguir que um homem
fizesse o que alguém queria fazendo acreditar que tudo foi ideia dele. Elizabeth estava
segura de que vira algo a respeito em suas leituras.
E se não o havia, seguro como que existe o céu, que deveria havê-lo. Elizabeth não
podia imaginar uma habilidade mais útil.
Foi um dos poucos conselhos femininos que sua mãe lhe dera antes de morrer.
—Nunca te atribua o mérito—lhe dissera Claire Hotchkiss.—Conseguirá muito
mais se deixar que acredite que ele é o homem mais preparado, mais valente e mais
poderoso de todo o mundo.
E pelo que pôde observar Elizabeth, funcionava. Seu pai esteve total e loucamente
apaixonado por sua mãe. Anthony Hotchkiss não foi capaz de ver nada mais nem sequer a
seus filhos quando sua esposa entrava em uma sala.
Infelizmente para Elizabeth, quando sua mãe lhe dera o conselho sobre que fazer
com um homem, nunca viu a necessidade de lhe explicar como levá-lo a cabo. Talvez isto
fosse intuitivo para algumas mulheres, mas certamente não para Elizabeth. Céus! se era
forçada a consultar um guia para que lhe indicasse que dizer a um homem, como ia poder
lhe fazer acreditar que suas ideias eram em realidade dele.
Até estava tentando dominar as regras mais básicas do cortejo. Esta parecia uma
técnica muito avançada. Elizabeth sacudiu a lama de seus pés sobre os degraus exteriores
de Dambury House, entrou pela porta principal e correu pelo vestíbulo, entrando na
biblioteca. Lady D estaria ainda tomando o café da manhã e esta parte da casa estava em
silêncio, e esse maldito livro a esperava...
Andou pelo elegante tapete que cobria quase todo o vestíbulo. Algo no silêncio lhe
parecia sagrado é obvio, pode ser que tivesse algo que ver com a interminável discussão
que teve que suportar durante o café da manhã quando Lucas e Jane brigaram por quem
devia limpar. No momento em que seus pés tocaram o chão, soaram como um terrível
estrondo, retumbando pelo vestíbulo, e fazendo em migalhas seus já crispados nervos.
Correu para a biblioteca, inalando o aroma de madeira polida e livros velhos. Como
desfrutava destes breves momentos de isolamento. Com um movimento lento e cuidadoso,
ela fechou a porta atrás dela e examinou as estantes. Ali estava, posto de lado na mesma
prateleira onde ela o encontrou só uns dias antes.
Uma olhadinha não faria mal. Sabia que era um livro estúpido, e que a maioria das
coisas que nele se diziam eram tolices, mas se pudesse encontrar qualquer pequeno
conselho que a ajudasse com seu presente dilema... Agarrou o livro e começou a folheá-lo,
seus hábeis dedos passando as páginas com agilidade enquanto olhava as palavras da
senhora Seeton. Pulou a parte do vestuário, e as tolices sobre praticar.
Talvez para o final houvesse algo?
—O que está fazendo?
Levantou a vista, dolorosamente consciente de que sua expressão era a de uma corsa
olhando para o buraco do rifle de um caçador.
—Nada...
James cruzou a sala a passos longos, suas longas pernas levando-o a justo ao lado
dela em só cinco passos.
—Está lendo esse livro outra vez, verdade?
—Não lendo-o, exatamente—gaguejou Elizabeth. Era uma completa imbecil por
sentir-se tão envergonhada, mas não podia evitá-lo, como se tivesse sido surpreendida
fazendo algo muito desagradável.—Estava mas bem jogando uma olhada.
—Não estou interessado em sutilezas semânticas.
Elizabeth decidiu rapidamente que o melhor curso de ação era uma mudança de
tema.
—Como sabia que eu estava aqui?
—Ouvi seus passos. A próxima vez que queira entrar no jogo do subterfúgio,
caminhe sobre o tapete.
—O fiz! Mas o tapete tem um final, como bem sabe. Precisa andar uns passos sobre
o chão para poder entrar na biblioteca.
Seus olhos negros se voltaram de uma cor estranha, com um brilho quase
acadêmico, quando disse.
—Há maneiras de amortecer. Oh, não importa. Não é o tema em questão.
—Estendeu a mão e lhe arrebatou "Como casar-se com um Marquês". —Acreditei que
tínhamos acordado que isto não eram mais que tolices. Uma coleção de besteiras e burradas
desenhadas para converter às mulheres em descerebradas e choronas idiotas.
—Tinha a impressão de que os homens já pensavam que somos umas descerebradas
e choronas idiotas.
—A maioria o são—grunhiu ele, assentindo. —Mas você não tem que sê-lo.
—Bom, senhor Siddons, surpreende-me. Acredito que isso foi um elogio.
—E diz que não sabe flertar—queixou-se ele.
Elizabeth não podia conter o sorriso que brotava de seu interior. De todos seus
cumprimentos, os fatos a contra gosto eram os que mais lhe afetavam. Ele a olhou com o
cenho franzido e sua expressão se voltou para uma juvenil petulância ao colocar de repente
o livro sobre a prateleira.
—Que não a encontre outra vez olhando este livro.
—Só estava procurando um pouco de conselho—explicou ela.
—Se necessitar conselho, eu o darei.
Seus lábios se franziram durante um segundo breve antes que ela respondesse.
—Não acredito que isso seja o apropriado neste caso.
—Que demônios significa isso?
—Senhor Siddons?
—James. —interrompeu-a bruscamente.
—James. —corrigiu-se ela. —Não sei o que o deixou de tão mau humor, mas não
aprecio sua linguagem. Nem seu tom.
Deixou sair um comprido suspiro, horrorizado por como seu corpo tremia ao
fazê-lo. Suas vísceras permaneceram retorcidas em um nó durante quase vinte e quatro
horas e tudo por culpa desta menina.
Por Deus, se só lhe chegava ao ombro.
Tudo começou com esse beijo. Não, pensou sombriamente, começou muito antes,
com a antecipação, o desejo, o sonhar com como seriam seus lábios sob os seus. E
certamente não foi suficiente. Nem de longe. Na tarde anterior conseguiu aparentar
despreocupação bastante bem - com a ajuda de seu providencial balde de água, que, é
obvio, aplacara sua necessidade.
Mas a noite o deixara a sós com sua imaginação. E James tinha uma imaginação
muito ativa.
—Estou furioso—respondeu-lhe, finalmente, evitando mentir totalmente ao
acrescentar, —porque ontem à noite dormi mal.
—Oh. —Estava assombrada por sua simples resposta. Abriu a boca para seguir
interrogando-o, mas a fechou sem dizer nada.
Melhor para ela, pensou com dureza. Se expressasse, mesmo que fosse o menor
interesse em saber porquê não dormiu bem, jurou-se que o diria. Descreveria-lhe
explicitamente seu sonho, até o mais mínimo detalhe.
—Sinto que sofra de insônia—disse ela, finalmente—mas acredito que realmente
deveríamos falar de sua oferta de me ajudar a encontrar marido. Estou segura de que
compreenderá que é muito pouco convencional.
—Pensei que tínhamos decidido que não íamos deixar que isso guiasse nossas
ações.
Ela o ignorou.
—Necessito uma certa estabilidade em minha vida, senhor Siddons.
—James.
—James. —Ela repetiu seu nome e a palavra saiu como um suspiro. —Não posso
estar constantemente em guarda, temendo que se equilibre sobre mim em qualquer
momento.
—Me equilibrar? —No canto de sua boca se insinuou um sorriso. Gostou da
imagem que a palavra equilibrar fizera que lhe viesse à mente.
—E certamente não pode ser benéfico para nós ser tão, ah...
—Íntimos? —facilitou-lhe, só para zangá-la.
Funcionou. O olhar que lhe lançou poderia ter talhado o vidro.
—A questão é—disse ela elevando a voz, como se assim pudesse sossegar suas
intervenções, —que nosso objetivo é me encontrar um marido, e...
—Não se preocupe—disse ele, gravemente. —Encontraremo-lhes um marido.
—Mas justo enquanto dizia as palavras, ele foi vagamente consciente de um estranho gosto
em sua boca. Podia imaginar suas lições particulares com a Elizabeth imaginar todos e cada
um dos perfeitos minutos mas o pensar em que realmente pudesse conseguir seu objetivo de
contrair matrimônio, o fazia sentir doente.
—Isso me leva a outro ponto—disse ela.
James cruzou os braços. Um ponto mais e teria que amordaçá-la.
—Sobre este plano, e sua disposição a me ajudar a encontrar marido não estou
segura de me sentir cômoda estando em dívida com você.
—Não o estará.
—Sim, —disse Elizabeth, com firmeza, —estarei. E insisto em lhe retribuir.
O sorriso que lhe dedicou foi tão potentemente masculino que lhe tremeram as
pernas.
—E como—disse, arrastando as palavras, —tem a intenção de me retribuir?
—Chantagem.
Ele piscou surpreso. Sentiu-se orgulhosa disso.
—Chantagem? —repetiu.
—Lady Dambury me disse que a está ajudando a desmascarar a seu chantagista, eu
gostaria de lhe ajudar.
—Não.
—Mas...
—Disse que não.
Fulminou-o com o olhar, e quando ele não acrescentou nada mais, ela disse:
—por que não?
—Porque poderia ser perigoso, por isso.
—Você o faz.
—Sou um homem.
—Oh! —exclamou, convertendo suas mãos em dois punhos a seus flancos. —É um
hipócrita! Tudo que disse ontem sobre me respeitar, e pensar que sou mais inteligente que a
maioria das mulheres era tudo uma fileira de tolices para conseguir que confiasse em você
assim poderia... poderia...
—O respeito não tem nada que ver com isto, Elizabeth. —fincou as mãos sobre os
quadris, e ela automaticamente deu um passo atrás ao perceber a estranha expressão de seus
olhos. Era quase como se transformasse em outro homem ali mesmo, em cinco segundos
um que fez coisas perigosas, conhecido a gente perigosa.
—Parto-me—disse ela. —Pode ficar aqui, por tudo que me importa.
Agarrou-a pelo laço de seu vestido.
—Não acredito que tenhamos concluído com esta conversa.
—Não estou muito segura de desejar sua companhia.
Ele soltou um comprido e frustrado suspiro.
—Respeito não significa que esteja disposto a pô-la em perigo.
—Encontro difícil de acreditar que o chantagista de Lady Dambury seja um
indivíduo perigoso. Não é como se a estivesse chantageando por ter segredos de Estado ou
algo parecido.
—Como pode estar tão segura disso?
Olhou-o boquiaberta.
—Está?
—Não, é obvio que não—espetou-lhe ele. —Mas isso não o pode saber, verdade?
—É obvio que sim! trabalhei para ela durante mais de cinco anos. Crê realmente
que Lady Dambury poderia ter-se comportado de forma suspeita sem que eu o notasse?
Santo céu, só olhe como reagi quando ela começou a dormir a sesta.
Ele a fulminou com o olhar e seus olhos escuros não admitiam argumentos.
—Não vai se unir à investigação de chantagem, e ponto.
Ela cruzou os braços em resposta e não disse nada.
—Elizabeth?
Uma mulher mais cautelosa poderia ter prestado atenção à dura advertência de sua
voz, mas Elizabeth não se sentia muito prudente naquele momento.
—Não pode me impedir que tente ajudar a Lady Dambury. Ela foi como uma mãe
para mim, e... —Engasgou-se com suas palavras quando ele a empurrou contra uma mesa,
suas mãos agarrando-a pelos braços com desmesurada intensidade.
—Amarrarei-te, amordaçarei-te. Atarei a uma maldita árvore se for preciso para que
não coloque o nariz onde não deve.
Elizabeth tragou ar. Nunca vira um homem tão furioso. Seus olhos faiscavam, sua
mão tremia, e seu pescoço estava tão tenso que pareceu que o menor roçar poderia
separá-lo de seu torso.
—Bom, bem—gritou ela, tentando liberar-se. Ele não parecia ter ideia do
fortemente que a segurava - ou nem sequer de que a estava segurando. —Não disse que ia
interferir exatamente, só que lhe ajudaria de alguma forma, uma forma completamente
segura, e...
—Prometa-me isso, Elizabeth. —Sua voz era baixa e intensa, e era quase
impossível não derreter-se ante a ferocidade do sentimento contido naquela única palavra.
—Eu... ah... Oh, onde estava a senhora Seeton quando a necessitava? —Elizabeth
tentou enrolá-lo para aliviar sua fúria —estava quase segura de que isso se mencionava o
Decreto Número vinte e seis, —mas não funcionou. James seguia furioso, suas mãos ainda
se fechavam ao redor de seus braços como tenazes, e que Deus lhe ajudasse, mas Elizabeth
não podia afastar seus olhos da boca dele.
—Prometa-me isso, Elizabeth—repetiu ele, e a única coisa que ela podia fazer era
contemplar como seus lábios formavam as palavras.
Suas mãos se apertaram mais forte ao redor de seus braços, o que, combinado com
alguma força celestial, tirou-a do transe, e moveu seus olhos até encontrar os dele.
—Não farei nada sem lhe consultar primeiro, sussurrou.
—Isso não é suficiente.
—Terá que ser. —estremeceu. —James, está me machucando.
Baixou o olhar a suas mãos como se fossem objetos estranhos, então abruptamente a
liberou.
—Sinto muito—disse distraidamente. —Não me dei conta.
Ela deu um passo para trás, esfregando os braços.
—Está bem.
James a olhou durante um comprido momento antes de xingar baixinho e se afastar.
Esteve tenso, e se sentira frustrado antes, mas nunca esperou sentir a violenta inundação de
emoções que ela desatara. A mera ideia da Elizabeth em perigo, e se convertia em um idiota
falador.
A ironia era deliciosa. Justamente o ano passado riu de seu melhor amigo quando
ele esteve em uma situação similar. Blake Ravenscroft se tornou completamente
desenquadrado quando sua futura esposa tentara participar de uma operação do Ministério
de Defesa, James achou toda a situação imensamente divertida. Era claro que Caroline não
corria verdadeiro perigo, e pensou que Blake era um asno loucamente apaixonado por
armar tal alvoroço. James podia ver a situação atual com a suficiente objetividade para
saber que Elizabeth corria até mesmo menos perigo aqui, em Dambury House. E ainda
assim, seu sangue fervia de medo e fúria ante a só a menção de que se envolvesse no
assunto da chantagem. Tinha a sensação de que isto não era bom sinal.
Isto devia ser algum tipo de obsessão doentia. Não fez outra coisa que pensar em
Elizabeth Hotchkiss desde que chegou a Dambury House a princípios da semana. Primeiro
teve que investigá-la como possível chantagista, e depois se encontrou assumindo a
desafortunada posição de mestre para lhe encontrar marido. Em realidade, ele mesmo se
ofereceu para aquele papel, mas decidiu não aprofundar muito nesse ponto. A questão era,
que era muito natural que temesse por sua segurança. Ele se havia autonomeado seu
protetor, e ela era uma coisinha tão diminuta; qualquer homem se sentiria protetor.
E quanto a essa necessidade, essa que roía suas vísceras e disparava seu pulso, bom,
ele era um homem, depois de tudo, e ela uma mulher, e estava aqui, e era realmente muito
formosa, ao menos em sua opinião, e quando sorria-lhe fazia sentir coisas estranhas em
seu...
—Maldição—resmungou, —vou ter que beijá-la.
Capítulo 13
Elizabeth só teve tempo de tomar ar antes que seus braços se fechassem ao redor
dela. Sua boca encontrou a dele com uma atordoante mescla de poder e ternura, e ela se
derreteu, totalmente, em seu abraço. De fato, seu último pensamento coerente foi que a
palavra "derreter-se" surgia em sua mente com bastante frequência. Algo neste homem lhe
provocava isso. Um desses seus intensos olhares do tipo que insinuavam coisas sombrias e
perigosas, coisas sobre as que ela não sabia nada e estava perdida.
Sua língua se introduziu entre seus lábios, e sentiu sua boca abrir-se debaixo da
dele. Explorou-a completamente, acariciando-a profundamente, convertendo seu fôlego no
seu.
—Elizabeth—disse com voz áspera. —Me diga que o necessita. Diga-me.
Mas ela estava além das palavras. Seu coração pulsava desenfreadamente, seus
joelhos tremiam, e uma pequena parte dela sabia que se dizia as palavras, não haveria como
voltar atrás. Assim tomou a saída covarde, e arqueou o pescoço para outro beijo,
convidando-o silenciosamente a prosseguir com sua sensual exploração.
Sua boca deslizou pela linha de sua mandíbula, depois brincou com sua orelha, e
logo se transportou a sensível pele de seu pescoço, e a todo o momento suas mãos se
moviam incessantemente. Uma deslizou para baixo à curva de suas nádegas, cavando-se
sobre elas com deliciosa ternura enquanto atraía e pressionava suavemente seus quadris
contra sua excitação.
E a outra se deslocava para cima, sobre suas costelas, para...
Elizabeth deixou de respirar. Cada nervo em seu corpo se estremecia de
antecipação, doendo com uma dilaceradora necessidade que nunca imaginara que existisse.
Quando sua mão envolveu seu seio, não importou que houvesse duas capas de malha entre
sua pele e ele. Sentiu-se arder, marcada, e ela soube que acontecesse o que acontecesse,
uma parte de sua alma pertenceria a este homem para sempre.
James murmurava algo, palavras de amor e necessidade, mas ela não entendia nada
mais que o forte desejo de sua voz. E então sentiu que caía lentamente. Sua mão em suas
costas a segurava, mas ela descia para o suave atapetado chão da biblioteca.
James gemeu algo que soava como seu nome e era mais uma prece que outra coisa.
E então se encontrou deitada sobre suas costas, e a ele cobrindo-a. Seu peso era
emocionante e seu calor vertiginoso. Mas então ele arqueou seus quadris e notou a
verdadeira extensão de seu desejo por ela, e seu transe sensual se rompeu.
—James, não—sussurrou. —Não posso. —Se não parasse isto agora, não seria
capaz de detê-lo depois. Não sabia como tinha esse conhecimento , mas era tão certo
quanto se chamava Elizabeth.
Seus lábios se detiveram, mas sua respiração era irregular, e ele não saiu de cima
dela.
—James, não posso. Desejaria... —Calou-se no último segundo. Meu Deus, esteve a
ponto de lhe dizer que quase lamentava não poder fazê-lo? Elizabeth ruborizou de
vergonha. Que tipo de mulher era ela?
Este homem não era seu marido e nunca seria.
—Espera só um momento—disse ele, com voz rouca. —Necessito um momento.
Ambos esperaram enquanto sua respiração se estabilizava. Depois de uns segundos,
ele ficou em pé e, sempre como um cavalheiro (ainda sob circunstâncias mais adversas),
ofereceu-lhe a mão.
—Sinto muito—disse ela, permitindo que a ajudasse a levantar—mas se devo me
casar... meu marido esperará ...
—Não diga—grunhiu ele. —Não diga nenhuma maldita palavra. —Soltou sua mão
e violentamente girou.
Cristo. A deitara sobre o chão. Esteve a ponto de fazer amor com ela, de tomar sua
inocência para sempre. Sabia que era errado, sabia que era mais que errado, mas não foi
capaz de conter-se. Sempre se sentiu orgulhoso de ser capaz de controlar suas paixões, mas
agora... Agora era diferente.
—James? —Sua voz soava atrás dele, doce e vacilante.
Ele não disse nada, não se atrevia a falar. Sentiu sua indecisão; mesmo quando lhe
estava dando as costas, podia sentir como se debatia tentando decidir se dizia ou não algo
mais.
Mas que Deus lhe ajudasse, se ela mencionasse a palavra "marido" uma vez mais...
—Espero que não esteja zangado comigo—disse ela, com ligeira dignidade. —Mas
se tiver que me casar com um homem por seu dinheiro, o mínimo que posso fazer em troca
é chegar a ele inocente. —Uma breve risada explodiu em sua garganta, era um som amargo.
—Faz com que todo esse assunto seja um pouco menos sórdido, não acredita?
Manteve sua voz tão suave e firme como pôde quando disse.
—Encontrarei-te um marido.
—Pode ser que não seja boa ideia. Você...
Ele deu a volta e explodiu.
—Disse que te encontraria um maldito marido!
Elizabeth retrocedeu uns passos para a porta. Sua mãe dizia sempre que não havia
maneira de raciocinar com um homem quando estava furioso, e agora que o pensava, a
senhora Seeton escreveu o mesmo.
—Falarei contigo deste assunto mais tarde—disse baixinho.
James deixou sair um comprido e tremente suspiro.
—Por favor, aceite minhas desculpas. Não queria dizer...
—Esta bem—disse ela rapidamente. —De verdade. Embora possivelmente
devêssemos deixar as lições por hoje, considerando ...
Ele lançou um olhar quando suas palavras se foram apagando.
—Considerando o que?
Maldito homem, ia obrigá-la a dizê-lo. Suas faces ruborizaram quando respondeu.
—Considerando que já beijei tudo o que provavelmente poderia se considerar
apropriado antes do matrimônio.—Quando ele não fez nenhum comentário, ela resmungou.
—Provavelmente muito mais.
Ele assentiu bruscamente com a cabeça.
—Tem a lista dos convidados que chegam amanhã?
Ela piscou, surpresa pela repentina mudança de assunto.
—Tem-na Lady Dambury. Posso lhe entregar isso pela tarde.
—Conseguirei-a por minha conta.
Seu tom não convidava a mais comentários, assim ela abandonou a sala.
James passou toda a manhã franzindo o cenho. Franziu o cenho aos criados, franziu
o cenho a Malcolm, inclusive franziu o cenho ao maldito jornal.
Seu passo normalmente suave se tornou em forte e marcado, e quando retornou a
Dambury House depois de um par de horas nos campos, suas botas faziam ruído suficiente
para despertar aos mortos. O que realmente precisava era a maldita bengala de sua tia. Era
infantil por sua parte, sabia, mas havia algo muito satisfatório em descarregar sua frustração
sobre o chão. Mas o simples tamborilar de seus pés não era o bastante. Com a bengala, ele
poderia fazer um maldito buraco.
Caminhou pelo grande vestíbulo, aguçando seus ouvidos ao passar pela porta
ligeiramente aberta do salão. Estaria Elizabeth ali dentro? E o que pensava de que andasse
por ali? Devia saber que ele estava ali. Devia estar surda como uma porta para não ter
ouvido todo o ruído que ele fez.
Mas em vez da melodiosa voz de Elizabeth, escutou a rouca voz de sua tia.
—James!
James soltou um gemido quase inaudível. Se sua tia o chamava James, significava
que Elizabeth não estava com ela. E se Elizabeth não estava com ela, significava que
Agatha queria falar com ele.
O que nunca pressagiava nada bom.
Deu um par de passos para trás e colocou a cabeça pela porta.
—Sim?
—Preciso falar contigo.
James não soube como conseguiu não grunhir.
—Sim, isso imaginava.
Ela golpeou com sua bengala.
—Não precisa soar como se fosse a caminho de uma execução.
—Isso depende da execução de quem falemos—resmungou ele.
—Né? O que disse? —Golpe, golpe, golpe.
Entrou na sala, seus olhos fazendo uma rápida exploração se por acaso estava
Elizabeth. Não estava ali, mas Malcolm sim, e rapidamente saltou do batente e trotou a seu
lado.
—Disse—mentiu James, —que quero um desses bastões.
Os olhos da Agatha se entrecerraram.
—O que acontece com suas pernas?
—Nada. Só quero fazer um pouco de barulho.
—Não podia simplesmente bater a porta?
—Já o fiz—disse ele, com voz suave.
Ela riu entre dentes.
—De mau humor, né?
—O pior.
—Você gostaria de falar do por quê?
—Não, a menos que me aponte uma arma ao coração.
Isto fez que ela elevasse as sobrancelhas.
—Não deveria provocar assim minha curiosidade, James.
Ele sorriu sem humor e se sentou em uma cadeira frente a ela. Malcolm o seguiu e
se sentou a seus pés.
—Necessitava algo, Agatha? —perguntou.
—O prazer de sua companhia não é suficiente?
Ele não estava de humor para jogos, assim se levantou.
—Se isso for tudo, então parto. Minhas obrigações como teu administrador me
reclamam.
—Sente-se.
Sentou-se. Sempre obedecia a sua tia quando usava aquele tom de voz. Alguns
hábitos eram muito difíceis de romper. Agatha clareou a garganta, isso nunca era bom sinal.
James se resignou a escutar um longo bate-papo.
—Minha acompanhante esteve agindo de uma forma muito estranha
ultimamente—disse ela.
—OH?
Ela tamborilou com as pontas dos dedos.
—Sim, não é normal nela. Notaste-o?
De maneira nenhuma ia explicar a sua tia os acontecimentos dos últimos dias. Nem
por todos os infernos.
—Não posso dizer que conheça muito bem à senhorita Hotchkiss—respondeu ele,
—assim não posso oferecer uma opinião.
—De verdade? —perguntou ela , com tom suspeitosamente casual. —Pensava que
vocês dois, em certo modo, desenvolveram uma relação de amizade.
—E a temos. Em certo modo. Ela é uma jovem muito amável. —Começou a sentir
arder as pontas de suas orelhas. Se o rubor se estendia a suas faces, pensou que teria que
abandonar o país. Não ruborizava a uma década.
Mas por outro lado, tampouco foi interrogado por sua tia em todo esse tempo.
—Entretanto—continuou, sacudindo ligeiramente a cabeça de modo que o cabelo
lhe cobrisse as orelhas, —só foram uns dias. É obvio, não o tempo suficiente para emitir
um julgamento sobre seu comportamento.
—Hmmph. —Houve um momento de interminável silêncio, e então a expressão da
Agatha mudou abruptamente e perguntou. —Como anda sua investigação?
James piscou uma só vez. Estava acostumado às repentinas mudanças de tema de
sua tia.
—Não avança—disse sem rodeios. —Há pouco que possa fazer até que o
chantagista não faça outra ameaça. Já te interroguei sobre os criados, e me asseguraste que
todos eles são ou muito leais ou muito analfabetos para ter tramado este plano.
Seus frios olhos azuis se entrecerraram.
—Não segue suspeitando da senhorita Hotchkiss, verdade?
—Se sentira feliz de ouvir que a eliminei como suspeita.
—Que mais tem feito?
—Nada—confessou James. —Não há nada mais que fazer. Como te disse, temo que
o seguinte movimento corresponde ao chantagista.
Lady Dambury deu uns leves golpes com a ponta de seus dedos.
—Ou seja, o que me está dizendo é que te vê obrigado a permanecer aqui, em
Dambury House, até que o chantagista faça outra ameaça?
James assentiu.
—Já vejo. —Ela se recostou mais comodamente em sua poltrona. —Então parece
que a única coisa que pode fazer é seguir trabalhando como meu administrador para que
ninguém suspeite de sua verdadeira identidade.
—Agatha, —disse ele, com voz ameaçadora, —não me trouxe aqui só para
conseguir um administrador grátis? —Ante seu olhar ofendido, acrescentou. —Sei o
miserável que pode chegar a ser.
—Não posso acreditar que pense isso de mim—bufou ela.
—Isso e mais, querida tia.
Ela sorriu com muita doçura.
—Sempre é agradável ser respeitada por sua inteligência.
—Sua astúcia é algo que não subestimaria jamais.
Ela riu.
—Oh, eduquei-te bem, James. Realmente te quero.
Ele suspirou enquanto ficava de pé. Era uma velha ardilosa, e não sentia remorso
algum por entremeter-se em sua vida e convertê-la de vez em quando em um inferno, mas a
queria de verdade.
—Então retorno a minhas obrigações. Não queremos que ninguém pense que sou
um administrador incompetente.
Ela o fulminou com o olhar. Agatha nunca apreciava o sarcasmo proveniente de
qualquer um que não fosse ela.
James lhe disse.
—Terá que me avisar se receber outra nota do chantagista.
—Assim que a receba—assegurou-lhe ela.
Ele fez uma pausa na porta.
—Soube que tem uma reunião planejada para amanhã?
—Sim, uma pequena recepção ao ar livre, por quê? —Mas antes de que ele pudesse
responder, ela disse. —Oh, é obvio. Não quer ser reconhecido. Me deixe te dar a lista de
convidados. —Assinalou com a mão ao outro lado do salão. —Me traga essa caixa com
papéis que está sobre a escrivaninha.
James fez o que lhe ordenou.
—Fiz bem em te trocar o nome, né? Não seria bom que algum dos criados
mencionasse ao senhor Sidwell.
James assentiu com a cabeça enquanto sua tia revolvia entre seus papéis.
Geralmente era conhecido como Riverdale, e foi assim desde que acessou ao título à
idade de vinte anos, mas seu sobrenome familiar era de conhecimento comum.
Agatha soltou um —Ahá! e tirou uma folha de papel de cor creme. Antes de
entregar-lhe examinou-a e murmurou.
—Oh, querido. Acredito que conhece ao menos a uma destas pessoas.
James leu rapidamente os nomes, fazendo acreditar a sua tia que seu interesse na
lista radicava em seu desejo de preservar em segredo sua identidade. A verdade, entretanto,
era que queria ver que homens figuravam nela, dentre os quais se supunha que ele ia
escolher um maldito marido para a Elizabeth.
Sir Bertram Fellport. Bêbado.
Lorde Binsby. Jogador contumaz.
Daniel, Lorde Harmon. Casado.
Sir Christopher Gatcombe. Casado.
Doutor Robert Gifford. Casado.
Senhor William Dunford. Muito libertino.
Capitão Cynric Andrien. Muito militar.
—Estes não servirão—grunhiu James, resistindo com muita dificuldade a tentação
de enrugar o papel até convertê-lo em uma diminuta e insignificante bola.
—Há algum problema? —perguntou Agatha.
Elevou a vista surpreso. Esquecera completamente que Agatha estava na sala.
—Importa-te se fizer uma cópia?
—Não me explicou para que pode querer uma.
—Só para meus arquivos—improvisou ele. —É muito importante manter arquivos
fidedignos. —Em realidade, James era da crença de que quanto menos figurasse por escrito,
melhor. Não havia nada como um documento escrito para incriminar a uma pessoa.
Agatha deu de ombros e lhe estendeu um pedaço de papel.
—Encontrará pena e tinta na escrivaninha junto a janela.
Um minuto mais tarde, James copiara com esmero a lista de convidados e esperava
a que a tinta secasse. Retornou junto a sua tia, dizendo.
—Sempre cabe a possibilidade de que o chantagista esteja entre seus convidados.
—Resulta-me bastante difícil acreditar, mas você é o perito.
Isto fez que ele elevasse as sobrancelhas assombrado.
—Você está realmente deferindo a minha opinião sobre o assunto? Os milagres
nunca cessam.
—O sarcasmo não te cai bem, jovenzinho.—Agatha estirou o pescoço para ver o
papel que tinha em suas mãos. —Por que omitiste os nomes das mulheres?
Mais improvisação.
—Elas são menos factíveis como suspeitas.
—Tolices. Você mesmo passou os primeiros dias ofegando atrás da senhorita
Hotchkiss, acreditando...
—Não ofegava atrás dela!
—Falava metaforicamente, é obvio. Simplesmente queria indicar que a princípio
suspeitou dela, assim não entendo por que agora descarta a todas estas outras mulheres
como suspeitas.
—Ocuparei-me delas uma vez que tenha terminado com os homens—resmungou
James com irritação. Ninguém tinha tanta capacidade para encurralá-lo como sua tia.
—Realmente devo voltar para meu trabalho.
—Vá, vá. —Agatha agitou a mão no ar, desdenhosamente. —Embora seja
surpreendente ver o Marquês de Riverdale apressando-se a desempenhar um humilde
trabalho com tal diligência.
James só sacudiu a cabeça.
—Além disso, Elizabeth chegará de um momento a outro. Estou segura de que ela
será melhor companhia do que você foi.
—Sem dúvida.
—Vá.
Foi. Para ser sincero, não gostaria de absolutamente encontrar-se com a Elizabeth
nesse momento. Necessitava tempo para repassar primeiro a lista, e preparar seus
argumentos a respeito de quão inconvenientes a maior parte, quer dizer, todos os homens
eram. E isso lhe levaria um pouco de trabalho, já que dois deles eram homens aos que
James sempre chamou de amigos.
hhh
Elizabeth ia retornando a sua casa pela tarde quando se chocou com James, que saía
de sua pequena moradia. Se sentira tentado de tomar uma rota alternativa ao caminho
principal, mas a descartara como uma covardia. Sempre passava por diante da moradia do
administrador quando ela retornava a casa, e não ia desviar-se de seu caminho se por acaso
James pudesse estar em casa em vez de nos campos ou visitando um arrendatário, ou
cumprindo com qualquer das mil obrigações para as quais foi contratado.
E então ali estava ele, saindo pela porta de sua moradia, justo quando ela passava
por diante.
Elizabeth tomou nota mental de não voltar a depender nunca de sua sorte.
—Elizabeth—virtualmente chamou ele. —Estive te buscando.
Um olhar a sua expressão colérica e decidiu que era um momento excelente para
inventar uma emergência de "vida ou morte" em sua casa.
—Eu gostaria de conversa—disse ela, tentando escapulir-se por diante dele, —mas
Lucas está doente, e Jane...
—Ele não parecia doente ontem.
Ela tentou sorrir docemente, mas era difícil fazê-lo com os dentes apertados.
—As crianças podem adoecer muito rapidamente. Se me desculpar.
Ele a agarrou pelo braço.
—Se estivessem realmente doentes, não teria vindo trabalhar hoje.
Oh, demônios. Aí a tinha pego.
—Não disse que estivessem terrivelmente doente—resmungou, —mas eu gostaria
de lhes atender, e...
—Se não esta muito doente, então certamente pode me dedicar uns minutos. —E
então, antes que ela tivesse oportunidade sequer de negá-lo, tinha-a agarrado pelo cotovelo
e puxado para sua casa.
—Senhor Siddons! —chiou ela.
Ele deu um chute à porta, fechando-a.
—Pensei que já tínhamos superado o senhor Siddons.
—Tornamos a retroceder—gritou ela. —Me solte.
—Deixa de agir como se estivesse a ponto de te violar.
Ela o fulminou com o olhar.
—Não acredito que seja tão impossível.
—Santo Deus—disse ele, passando uma mão pelo cabelo. —Quando desenvolveste
esta veia tão melodramática?
—Quando me obrigou a entrar em sua casa!
—Não o faria se você não tivesse mentido sobre seu irmão.
Elizabeth ficou boquiaberta, e lhe escapou um gemido ultrajado.
—Como te atreve a me acusar de mentir!
—Não mentiste?
—Bom, sim—confessou ela, com irritação,—mas só porque é um bárbaro grosseiro
e arrogante que não aceita um não por resposta.
—Negar-se a aceitar uma negativa em geral garante um resultado
positivo—respondeu ele, com voz tão condescendente que Elizabeth teve que agarrar a saia
para não lhe dar um bofetão.
Com a voz e os olhos convertidos em puro gelo, ela disse.
—Parece ser que minha única possibilidade de escapatória consiste em te permitir
falar. O que desejava me dizer?
Ele agitou um papel diante dela.
—Obtive isto de Lady Dambury.
—Sua carta de demissão, espero—resmungou ela.
Ele o deixou passar.
—É a lista de convidados de Lady Dambury. E lamento te informar que nenhum
destes cavalheiros é aceitável.
—Oh, e suponho que os conhece todos eles pessoalmente—mofou-se ela.
—De fato, sim.
Ela arrancou o papel da mão, rasgando um canto no processo.
—Oh, por favor—disse maliciosamente. —Há dois Lordes e um Sir. Como pode
conhecê-los?
—Seu irmão é um Sir—recordou-lhe ele.
—Sim, pois seu irmão não—replicou ela.
—Isso você não sabe.
Elizabeth sacudiu a cabeça.
—Quem é?
—Meu irmão não é um Sir—disse ele, com voz zangada. —Nem sequer tenho um
irmão. Simplesmente queria ressaltar o fato de que tem o desafortunado hábito de chegar a
conclusões sem comprovar os fatos.
—O que—disse ela, tão devagar que ele soube que seu gênio pendia de um fio,
—têm de mau estes homens?
—Três deles estão casados.
Sua mandíbula tremeu, provavelmente de ranger os dentes.
—O que acontece com os convidados solteiros?
—Bem, em primeiro lugar. Este —assinalou ao Sir Bertram Fellport —é um
bêbado.
—Está seguro?
—Não posso permitir, em consciência, que te case com um homem que abusa do
álcool.
—Não respondeste a minha pergunta.
Maldição, ela era tenaz.
—Sim, estou seguro de que é um bêbado. E além disso, mesquinho.
Ela olhou novamente para o papel rasgado que sustentava em sua mão.
—E Lorde Binsby?
—É um jogador.
—Em excesso?
James assentiu, começando a divertir-se com isto.
—Muito. E é gordo.
Ela assinalou a outro.
—E o que me diz de...
—Casado, casado, e casado.
Ela elevou a vista bruscamente.
—Os três?
Ele assentiu.
—E um deles até felizmente.
—Bem, isso certamente contraria a tradição—resmungou ela.
James recusou fazer comentário algum.
Elizabeth soltou um comprido suspiro, e ele notou que seus suspiros estavam a meio
caminho entre a irritação e o cansaço.
—Isto ainda nos deixa com o senhor William Dunford e o Capitão Cynric Andrien.
Suponho que um é disforme e o outro um simplório?
Sentiu-se profundamente tentado de estar de acordo com ela, mas um olhar a
Dunford e ao capitão e ela saberia imediatamente que ele a esteve enganando.
—Ambos são considerados, pelo que sei, atraentes e inteligentes—admitiu ele.
—Então qual é o problema?
—Dunford é um libertino.
—E?
—Seguro que te será infiel.
—Não sou precisamente um prêmio, James. Não posso esperar a perfeição.
Seus olhos relampejaram.
—Deveria esperar fidelidade. Deveria exigi-la.
Ela o olhou incrédula.
—Seria bom, estou segura, mas não parece tão importante como...
—Seu marido, —grunhiu ele, —será-te fiel ou responderá ante mim.
Os olhos de Elizabeth se arregalaram, lhe afrouxou a mandíbula, e então paralisou
em um ataque de risada. James cruzou os braços e a fulminou com o olhar. Não estava
acostumado a que rissem de seu cavalheirismo.
—Oh, James—ofegou ela, —sinto muito, e foi encantador de sua parte. —Quase,
enxugou os olhos, —o suficientemente encantador para lhe perdoar por ter me sequestrado.
—Não te sequestrei—disse ele asperamente.
Ela agitou a mão.
—Como demônios espera defender minha honra uma vez que esteja casada?
—Não vais casar com o Dunford—resmungou ele.
—Se você diz—disse ela, tão séria e tão cuidadosamente que ele soube que morria
por rir outra vez. —- Muito bem, por que não me diz o que acontece com o Capitão
Andrien?
Houve uma longa pausa. Verdadeiramente longa. Finalmente James soltou.
—Anda curvado.
Outra pausa.
—Deixa-o de fora só porque anda curvado? —perguntou ela incredulamente.
—É um sinal de debilidade interior.
—Já vejo.
James se deu conta de que Andrien ia ter que fazer algo mais que andar curvado.
—Por não mencionar—acrescentou, fazendo uma pausa enquanto imaginava uma
mentira conveniente, —que lhe vi uma vez gritar a sua mãe em público.
Elizabeth, evidentemente, não pôde dar uma resposta. James não sabia se era devido
a seus esforços por conter sua risada ou a uma completa estupefação.
E não estava muito seguro de querer averiguá-lo.
—Er, foi muito desrespeitoso—acrescentou.
Sem advertência prévia, ela estendeu a mão e lhe roçou a fronte.
—Tem febre? Parece-me que tem febre.
—Não tenho febre.
—Age como se tivesse febre.
—Vais colocar-me na cama e a me cuidar bondosamente se tiver febre?
—Não.
—Então não tenho febre.
Ela deu um passo para trás.
—Nesse caso, deveria ir.
James se recostou contra a parede, completamente esgotado. Ela causava esse efeito
nele, compreendeu. Quando não o tinha sorrindo amplamente como um idiota, punha-o
furioso. E quando não estava furioso, então estava invadido pela luxúria. E quando estava
invadido pela luxúria...
Bem, essa era uma questão à parte.
Observou-a enquanto abria a porta, hipnotizado pela delicada curva de sua mão
enluvada.
—James? James? —Sobressaltado, levantou a cabeça.—Está seguro de que o
Capitão Andrien caminha curvado?
Ele assentiu, sabendo que no dia seguinte ficaria como um mentiroso, mas com a
esperança de imaginar então outra mentira mais inteligente que remendasse esta.
Ela franziu os lábios.
Ele encolheu o estomago e logo deu um tombo.
—Não te parece estranho? Que um militar ande curvado?
Ele deu de ombros.
—Já te disse que não te case com ele.
Ela emitiu um gorjeio divertido.
—Posso melhorar sua postura.
Ele só pôde sacudir a cabeça.
—É uma mulher incrível, Elizabeth Hotchkiss.
Ela fez uma inclinação com a cabeça como despedida e saiu pela porta. Antes que
se fechasse, entretanto, voltou a introduzir a cabeça.
—Oh, James?
Ele elevou a vista.
—Caminhe direito.
Capítulo 14
À tarde seguinte encontrou Elizabeth rondando perto da entrada de Dambury House,
amaldiçoando-se primeiro por sua estupidez, logo por sua covardia, e finalmente porque
sim.
Ela seguira o conselho de Susan e deixara seu livro de contabilidade no qual
anotava os gastos de casa em Dambury House no dia anterior. Como o livro era tão
essencial para seu dia a dia, era imprescindível que ela o recuperasse durante a recepção ao
ar livre.
—Não há nada suspeito em minha presença aqui—disse a si mesma—Esqueci meu
livro de contas. Necessito meu livro de contas. Não posso passar sem ele até segunda-feira.
É obvio, isto não explicava por que trouxe o livro o qual nunca saíra antes da
casinha dos Hotchkiss com ela, em primeiro lugar. Esperou até quase às quatro, quando os
convidados, provavelmente, estariam desfrutando no exterior da cálida luz do sol da
campina. Lady Dambury mencionou o tênis e um chá sobre a grama do jardim sul. Não era
precisamente a rota que Elizabeth devia seguir a fim de recuperar seu caderno, mas não
havia nenhuma razão pela que não pudesse tomar esse caminho para procurar lady
Dambury e lhe perguntar se vira seu livro de contas.
Nenhuma razão exceto seu orgulho.
Deus, Elizabeth odiava isto. Sentia-se tão desesperada, tão ambiciosa. Sempre que o
vento soprava, estava segura de que eram seus pais do céu, sentindo náusea de vê-la
rebaixar-se. Sentiriam-se horrorizados de vê-la assim, inventando débeis desculpa somente
para assistir a uma festa a qual não a haviam convidado.
E tudo isto só para conhecer um homem que provavelmente caminhava curvado.
Gemeu. Permaneceu de pé ante a grade dianteira, com a fronte apoiada contra a
grade durante vinte minutos. Se ficasse ali muito mais, acabaria por colocar a cabeça entre
os barrotes e ficar enganchada, justo como aconteceu ao Cedric Dambury no Palácio de
Windsor.
Não podia retardar mais. Elevando o queixo e enquadrando os ombros, avançou,
rodeando resolutamente a zona próxima à moradia de James. A última coisa que
necessitava nesse momento era encontrar-se com ele.
Deslizou pela porta principal de Dambury House, seus ouvidos atentos a qualquer
som proveniente da festa, mas tudo o que escutou foi o silêncio. O livro de contas estava na
biblioteca, mas ela fingia que não sabia, assim perambulou pela casa até as portas francesas
que conduziam para o terraço de trás. Efetivamente, uma dúzia mais ou menos de senhoras
elegantemente vestidas e de cavalheiros estavam dispersos sobre a grama. Um par deles
levavam raquetes de tênis, outros bebiam o ponche , e todos riam e conversavam.
Elizabeth mordeu o lábio. Mesmo suas vozes soavam elegantes.
Saiu ao terraço. Tinha a sensação de que parecia tão tímida como um camundongo,
mas em realidade não importava muito. Ninguém esperaria que a dama de companhia de
Lady Dambury se introduziria com descaramento na festa.
Lady D presidia a festa sentada no extremo mais longínquo do terraço, sentada em
uma acolchoada poltrona azul, que Elizabeth reconheceu como pertencente ao quarto azul.
A monstruosidade estofada de veludo era a única peça do mobiliário interior que foi
transportada ao terraço, e definitivamente se assemelhava a um trono, a qual, imaginou
Elizabeth, foi a intenção de Lady D. Duas senhoras e um cavalheiro estavam sentados junto
a ela. As senhoras assentiam atentamente com a cabeça a cada palavra dela e os olhos do
cavalheiro estavam frágeis; ninguém parecia sentir se importar que Malcolm estivesse
deitado sobre o colo de Lady D, pança acima com suas patas estendidas para fora como um
X. Pareceu um cadáver, mas Lady Dambury tinha assegurado a Elizabeth inumeráveis
vezes que sua espinha era incrivelmente flexível e que realmente gostava dessa posição.
Elizabeth se deslocou um pouco mais perto, tentando captar as palavras de Lady D
de modo que pudesse interromper no momento menos inoportuno. Não era difícil seguir a
conversação; era mais um monólogo que outra coisa, com Lady Dambury de estrela
principal.
Estava a ponto de dar um passo adiante com a intenção de chamar a atenção de
Lady Dambury quando sentiu que alguém a agarrava pelo cotovelo. Virando-se, ela se
encontrou cara a cara com o homem mais bonito que vira jamais.
Cabelo dourado, olhos azul celeste, bonito não O DESCREVIA.
Este homem tinha a cara de um anjo.
—Mais ponche, por favor—disse-lhe estendendo sua taça.
—Oh, não, sinto muito, não entende. Eu...
—Agora. —Deu-lhe um golpe no traseiro.
Elizabeth notou que ruborizava, e lhe deu um empurrão ao copo rechaçando-o.
—Confunde-se. Se me perdoar.
Os olhos do homem loiro se entrecerraram perigosamente, e Elizabeth sentiu um
estremecimento de cautela percorrer sua coluna. Este não era um homem ao qual contrariar
embora as pessoas pensassem que nem sequer a mais colérica das pessoas se zangasse tanto
por um copo de ponche.
Com um pequeno encolhimento de ombros, ela apagou o incidente de sua mente e
entrou em caminho para Lady Dambury, que a olhou com surpresa.
—Elizabeth! —exclamou. —O que faz você aqui?
Elizabeth compôs uma expressão que esperava que resultasse encantadora, pedindo
desculpas com um sorriso. Depois de tudo, tinha audiência.
—Sinto terrivelmente incomodá-la, Lady Dambury.
—Tolices. O que acontece? Tem algum problema em casa?
—Não, não, não é nada tão terrível. —Jogou uma olhadinha ao cavalheiro parado
junto a Lady Dambury. Seu aspecto era parecido ao de James quanto a cor de cabelo e
olhos, e pareciam ser de uma idade similar, mas seus olhos de alguma forma, viam-se
muitos anos mais jovens. James vira coisas. Coisas terríveis. Estava aí em seus olhos,
quando ele acreditava que ela não o olhava. Mas precisava deixar de fantasiar sobre James.
Não havia nada errado neste cavalheiro. Olhando-o objetivamente, teve que confessar que
era extraordinariamente formoso. E definitivamente não parecia curvado. Só que não era
James.
Elizabeth se repreendeu mentalmente.
—Temo que esqueci meu livro de contas aqui—disse, olhando de novo para Lady
Dambury. —Viu-o você? É que o necessito antes da segunda-feira.
Lady D negou com a cabeça enquanto afundava sua mão na abundante pelagem do
Malcolm e esfregava seu ventre.
—Não posso dizer que o tenha visto. Está segura de que o trouxe? Nunca te vi
trazer algo assim antes.
—Estou segura. —Elizabeth tragou, perguntando-se por que a verdade soava como
uma mentira.
—Lamento não poder te ajudar—disse Lady Dambury, —mas tenho convidados.
Espero que não te importe em buscá-lo você mesma. Não podem haver mais de cinco ou
seis salas onde possa estar. E os criados sabem que pode andar por onde queira nesta casa.
Elizabeth se endireitou e assentiu. Foi despedida.
—Irei olhar agora mesmo.
De repente o homem que estava de pé ao lado de Lady Dambury se adiantou de um
salto.
—Estaria encantado de ajudá-la.
—Mas não pode partir—choramingou uma das senhoras.
Elizabeth contemplou a cena com interesse. Estava claro por que as senhoras
pareciam tão interessadas em permanecer junto a Lady D.
—Dunford, —ladrou Lady Dambury. —Estava a ponto de te contar minha
audiência com a Condessa Russa.
—AH, eu já a conheço—disse ele com um sorriso malicioso.
Elizabeth ficou boquiaberta. Jamais conhecera a ninguém que não se sentisse
intimidado por Lady Dambury. E esse sorriso. Deus santo, ela nunca vira nada semelhante.
Estava claro que esse homem quebrara muitos corações.
—Além disso—continuou ele, —gosto mais de brincar de caça ao tesouro.
Lady Dambury franziu o cenho.
—Suponho que devo apresentá-los, então. Senhor Dunford, esta é minha dama de
companhia, a senhorita Hotchkiss. E estas duas damas são a senhorita e senhora Corbishley.
Dunford rodeou com seu braço o de Elizabeth.
—Excelente. Estou seguro de que encontraremos em pouco tempo o errante livro de
contas.
—Em realidade, não tem que...
—Tolices. Não posso resistir a uma donzela em apuros.
—Tampouco está em apuros—disse a senhorita Corbishley com voz irritada. —Pelo
amor de Deus, só extraviou um livro.
Mas Dunford já levava a Elizabeth longe, através das portas do terraço para o
interior da casa.
Lady Dambury franziu o cenho. A senhorita Corbishley fulminou com o olhar as
portas como se ela desejasse incendiar a toda a casa. A senhora Corbishley, que nunca
pensava que houvesse razão alguma para refrear sua língua, disse.
—Eu em seu lugar despediria dessa mulher. É muito descarada.
Lady Dambury a olhou mordazmente.
—E em que baseia essa hipótese?
—Bom, só olhe de que maneira...
—Conheço a senhorita Hotchkiss faz muito mais tempo do que a conheço, senhora
Corbishley.
—Sim—respondeu ela, com os cantos de sua boca apertados de forma pouco
atraente, —mas eu sou uma Corbishley. Você conhece minha família.
—Sim—disse bruscamente Lady Dambury, —e eu nunca gostei de sua família. Me
dê minha bengala.
A senhora Corbishley estava muito chocada para obedecer, mas sua filha teve a
suficiente presença de ânimo para agarrar a bengala e pô-la nas mãos de Lady Dambury.
—Bom, em minha vida... —balbuciou a senhora Corbishley.
Golpe! Lady Dambury levantou.
—Aonde vai? —perguntou a senhorita Corbishley.
Quando Lady Dambury respondeu, sua voz soou distraída.
—Preciso falar com alguém. Preciso falar com alguém imediatamente.
E então se afastou com dificuldade, embora movendo-se mais rápido do que o fizera
em anos.
hhh
—Deu-se conta—disse o senhor Dunford, —de que estarei em dívida com você até
o dia em que morra?
—Isso é fazer uma promessa muito longa, senhor Dunford—respondeu Elizabeth,
com voz cheia de diversão.
—Simplesmente Dunford, se não lhe importar. Não me chamam senhor durante
anos.
Não podia por menos que sorrir. Havia algo extraordinariamente amistoso neste
homem. Segundo a experiência de Elizabeth, aqueles abençoados com uma beleza
extraordinária tendiam a ser amaldiçoados com um caráter terrível, mas Dunford pareceu
ser a exceção que confirmava a regra. Seria um estupendo marido, decidiu, se pudesse
conseguir que o propusesse.
—Muito bem, —disse. —Só Dunford. E de quem tentava escapar? De Lady
Dambury?
—Deus bendito, não. Agatha sempre é boa para entreter uma tarde.
—Da senhorita Corbishley? Parecia realmente interessada...
Dunford estremeceu.
—Nem a metade de interessada que sua mãe.
—Oh.
Ele arqueou uma sobrancelha.
—Deduzo que está familiarizada com o tipo.
Uma pequena gargalhada de espanto lhe escapou dos lábios. Deus santo, ela era
daquele tipo.
—Daria um guinéu por seus pensamentos—disse Dunford.
Elizabeth sacudiu a cabeça, sem estar muito segura de seguir rindo ou cavar um
buraco... e saltar dentro.
—Meus pensamentos estão longe de valer algo. —Sacudiu a cabeça. Era a cabeça
de James a que vira aparecer na sala azul?
Dunford seguiu seu olhar.
—Acontece algo?
Ela agitou uma mão impaciente.
—Um momento, por favor. Parece-me que vi...
—O que? —Seus olhos negros se voltaram agudos. —Ou a quem?
Ela sacudiu a cabeça.
—Devo estar confusa. Acreditei ver o administrador.
Ele a olhou sem expressão.
—E isso é tão estranho?
Elizabeth moveu lentamente a cabeça. De maneira nenhuma ia tentar explicar sua
situação.
—Eu... ah... acredito que poderia ter deixado o livro no salão. É onde Lady
Dambury e eu, geralmente, passamos o dia juntas.
—Me guie, então, minha senhora.
Ele a seguiu ao salão. Elizabeth dissimulou abrindo gavetas e outras coisas
parecidas.
—Pode ser que algum servente o tenha confundido com as coisas de Lady
Dambury—explicou ela, —e o tenha guardado.
Dunford ficou a seu lado enquanto procurava, evidentemente muito cavalheiro para
bisbilhotar nos pertences de Lady Dambury. Não importava muito se olhava, pensou
Elizabeth ironicamente. Lady D guardava em lugar seguro suas posses verdadeiramente
importantes fechadas longe, e evidentemente ele não ia encontrar o caderno, que estava
escondido na biblioteca.
—Possivelmente está em outra sala—sugeriu Dunford.
—Poderia ser, embora...
Uma discreta chamada na porta aberta a interrompeu, e Elizabeth, que não tinha
nem ideia de como ia terminar a frase, deu rápida e silenciosamente as graças ao criado que
estava de pé na entrada.
—É você o senhor Dunford? —perguntou o lacaio.
—Sou.
—Tenho uma nota para você.
—Uma nota? —Dunford estendeu a mão e pegou o envelope de cor creme.
Enquanto seus olhos liam as palavras, seus lábios se foram franzido.
—Espero que não sejam más notícias, —disse Elizabeth.
—Devo voltar para Londres.
—Imediatamente? —Elizabeth não foi capaz de ocultar a desilusão de sua voz. Ele
não fazia seu sangue ferver como James, mas Dunford era, sem dúvida, um bom candidato
para o matrimônio.
—Temo que sim. —Sacudiu a cabeça. —vou matar ao Riverdale.
—A quem?
—Ao Marquês de Riverdale. Um bom amigo meu, mas pode ser tão impreciso.
Olhe isto! —Agitou a nota no ar, sem lhe dar nenhuma oportunidade de vê-la. —Não posso
saber se é uma verdadeira emergência ou se simplesmente quer me mostrar seu novo
cavalo.
—Oh. —Não parecia ter muito mais que dizer.
—E eu gostaria de saber como me encontrou—continuou Dunford. —O homem
desapareceu de repente a semana passada.
—Parece importante—murmurou Elizabeth.
—Ou vai ser—disse ele, —quando o estrangular.
Ela tomou ar para evitar rir, o qual, pressentiu, seria muito inadequado.
Ele levantou a cabeça, fixando seus olhos em seu rosto pela primeira vez em vários
minutos.
—Confio que possa continuar sem mim.
—Oh, é obvio. —Ela sorriu ironicamente. —Estive fazendo durante mais de vinte
anos.
Seu comentário o pegou de surpresa.
—É você uma boa pessoa, senhorita Hotchkiss. Se me desculpar.
E se foi. Uma boa pessoa, imitou-o Elizabeth.
—Uma boa pessoa. Uma condenada boa pessoa. —gemeu. —Uma aborrecida boa
pessoa.
Os homens não queriam casar-se com uma boa pessoa. Eles queriam beleza e fogo e
paixão. Queriam, em palavras da infernal senhora Seeton, a uma mulher única.
Bom, não muito única.
Elizabeth se perguntou se iria ao inferno por amaldiçoar à Senhora Seeton.
—Elizabeth.
Levantou a cabeça e viu James sorrindo-lhe amplamente da porta.
—O que faz? —perguntou-lhe.
—Refleti sobre o doce amanhã—resmungou ela.
—Um nobre empenho, estou seguro.
Olhou-o bruscamente. Sua voz lhe soou muito amistosa. E por que era que seu
sorriso lhe parou o coração, quando Dunford que, objetivamente falando, era a combinação
mais explosiva de lábios e dentes de toda a criação só despertava nela o desejo de lhe dar
um fraternal tapinha no braço?
—Se não abrir logo a boca—disse James, com tom fastidiosamente suave —vais
converter seus dentes em pó.
—Conheci seu senhor Dunford —disse ela.
—Não me diga? —murmurou ele.
—Achei-o bastante agradável.
—Sim, é um tipo muito agradável.
Colocou os braços na cintura.
—Disse-me que era um libertino—acusou-o ela.
—E é. Um agradável libertino.
Algo não ia bem aqui. Elizabeth estava segura disso. James parecia muito
indiferente ante o fato de que ela tivesse conhecido a Dunford. Não estava segura de que
tipo de reação esperava, mas uma completa falta de emoção não era, definitivamente, uma
delas. Estreitando o olhar, perguntou-lhe.
—Não conhece o marquês de Riverdale, verdade?
James teve um ataque de tosse.
—James? —precipitou-se a seu lado.
—Foi só um pouco de pó—ofegou ele.
Ela lhe deu um distraído golpe nas costas, e logo cruzou os braços, muito imersa em
suas próprias deliberações para lhe dedicar mais atenção.
—Acredito que este tipo, Riverdale, é parente de Lady Dambury.
—Não me diga.
Ela tamborilou com um dedo sobre a face.
—Estou segura de que ela o mencionou. Quero dizer que é seu primo, ou talvez ele
é um sobrinho. Ela tem um monte de irmãos.
James obrigou a um canto de sua boca a elevar-se em um sorriso, mas duvidou que
fosse convincente.
—Poderia lhe perguntar sobre ele. Provavelmente deveria perguntar por ele.
Precisava mudar de assunto, e rápido.
—Depois de tudo—continuou Elizabeth, —ela quererá saber por que Dunford
partiu tão repentinamente.
James duvidava. Agatha foi quem o tinha açoitado e lhe exigira que mantivesse
aquele libertino sem escrúpulos, assim o chamara, longe da Elizabeth.
—Possivelmente deveria ir procurá-la agora mesmo.
Sem perder um segundo, ele começou a tossir outra vez. A única outra maneira de
lhe impedir de abandonar a sala era agarrá-la e seduzi-la sobre o chão, e suspeitava que ela
não consideraria tal comportamento apropriado. Bom, possivelmente não era a única forma,
mas certamente era a que o considerava mais atraente.
—James? —perguntou ela, a preocupação escurecia seus olhos de safira. —Está
seguro de que te encontra bem?
Ele assentiu, deixando escapar umas quantas tosses mais.
—Pois não soa bem. —Posou uma cálida e suave mão sobre sua face.
James conteve o fôlego. Ela estava perto dele, muito perto, e pôde sentir que seu
corpo se endurecia. Ela moveu a mão a sua fronte.
—Parece bastante esquisito—murmurou ela, —embora não esteja quente.
Ele disse:
—Estou bem—mas soou mais como um ofego.
—Posso pedir chá.
Negou com a cabeça rapidamente.
—Não é necessário. Estou... —Tossiu. —Estarei bem. —Sorriu fracamente. —Vê?
—Está seguro? —Ela retirou a mão e o estudou. Com cada piscada, o olhar nublado
e desfocado ia desaparecendo dos olhos dela, para ser substituído por um enérgico ar de
competência.
Lástima. Um olhar nublado e desfocado era o melhor prelúdio para um beijo.
—Está seguro? —reiterou ela.
James assentiu.
—Bem, nesse caso—disse ela, com uma voz que James encontrou notavelmente
carente de preocupação, —vou para casa.
—Tão logo?
Encolheu um ombro em um gesto simpático.
—Não vou fazer nada mais por hoje. O senhor Dunford foi chamado de volta a
Londres por esse misterioso marquês, e duvido que vá receber uma oferta do Adonis loiro
que me confundiu com uma criada.
—Adonis? —Deus bendito, essa era sua voz? Não sabia que podia soar tão
mal-humorada.
—A cara de anjo—explicou ela. —As maneiras de um boi.
Ele assentiu, sentindo-se muito melhor.
—Fellport.
—Quem?
—O senhor Bertram Fellport.
—Ah. que bebe muito.
—Exatamente.
—Como é que conhece esta gente?
—Já lhe disse, estava acostumado a me mover nos círculos mais altos.
—Se for tão amigo desta gente, não quer lhes saudar?
Essa era uma boa pergunta, mas James tinha uma boa resposta.
—E lhes deixar ver o baixo que tenho caído? De maneira nenhuma.
Elizabeth suspirou. Sabia exatamente como se sentia. Ela suportara todas as
falações do povo, que a assinalassem com o dedo e as risadas dissimuladas. Cada domingo
levava a sua família à igreja, e cada domingo se sentava no banco rígida como uma tábua,
tentando atuar como se gostasse de vestir a seus irmãos com vestes antiquadas e calças
perigosamente desgastadas nos joelhos.
—Temos muito em comum, você e eu—disse ela suavemente.
Algo cintilou nos olhos de James, algo parecido à dor, ou talvez à vergonha.
Elizabeth compreendeu que devia partir, porque a única coisa que queria fazer era rodear
com seus braços seus ombros e consolá-lo como se uma mulher tão pequena como ela
pudesse proteger de algum jeito a este homem tão grande e forte das misérias do mundo.
Era absurdo, é obvio. Ele não a necessitava.
E não necessitava a ele. As emoções eram um luxo que não podia permitir-se neste
momento de sua vida.
—Vou, —disse rapidamente, horrorizada pela tangível rouquidão de sua voz.
Passou apressadamente por diante dele, estremecendo-se quando seu ombro roçou
seu braço. Durante um segundo breve pensou que ele estenderia a mão e a deteria. Sentiu-o
vacilar, sentiu-o mover-se, mas ao final ele só disse:
—Verei-te na segunda-feira?
Ela assentiu saindo rapidamente pela porta.
James contemplou durante vários minutos a entrada vazia. O aroma de Elizabeth
ainda flutuava no ar, uma vaga mescla de morangos e sabão. Um aroma inocente, sem
dúvida mas suficiente para que seu corpo se endurecesse e lhe doesse de desejar senti-la
entre seus braços.
Em seus braços, uma ova. A quem tentava enganar? Desejava-a em baixo dele,
rodeando-o. Desejava-a em cima dele, a seu lado. Simplesmente a desejava. Ponto.
Que demônios ia fazer com ela?
Já arrumara que se expedisse um cheque para sua família anonimamente, é obvio.
Se não Elizabeth nunca o aceitaria. Isso deveria ser suficiente para deter todas essas tolices
sobre casar-se com o primeiro homem disponível e endinheirado que a pedisse em
matrimônio.
Mas isso não solucionava a confusão no que estava metido. Quando sua tia o
procurou esta tarde e lhe dissera que Elizabeth partiu com Dunford, havia sentido uma onda
de ciúmes como jamais imaginara. Lhe oprimira o coração, envenenara seu sangue, e o
converteu em um ser irracional, incapaz de pensar em outra coisa que não fosse afastar
Dunford de Surrey e fazê-lo retornar a Londres.
Londres, uma ova. Se tivesse encontrado um modo de enviar Dunford a
Constantinopla o teria feito. Tentava convencer-se de que ela era como qualquer outra
mulher. Mas pensar nela nos braços de outro homem o fazia sentir-se fisicamente doente, e
não ia ser capaz de continuar com esta farsa de lhe encontrar um marido muito mais tempo.
Não, quando cada vez que a olhava quase o vencia o desejo de arrastá-la até o armário mais
próximo e lhe fazer amor.
James gemeu com resignação. Era mais evidente a cada dia que ia ter que casar-se
com a garota. Certamente esta era a única solução que brindaria um pouco de paz a sua
mente e a seu corpo. Mas antes de poder casar-se com ela, ia ter que lhe revelar sua
verdadeira identidade, e não podia fazer isso até que ele tivesse deixado resolvido todo o
assunto da chantagem de Agatha.
O devia a sua tia.
Seguro que podia colocar de lado suas próprias necessidades durante uma miserável
quinzena.
E se não fosse capaz de solucionar este enigma em duas semanas - bom, então, não
sabia que demônios ia fazer. Sinceramente, duvidava de poder aguentar mais de duas
semanas em seu atual estado de miséria. Com uma forte e pouco aduladora maldição, deu
meia volta e saiu.
Necessitava ar fresco.
hhh
Elizabeth tentou não pensar em James enquanto escapulia por diante de sua pequena
e acolhedora moradia. É obvio, não teve êxito, mas ao menos não teve que preocupar-se de
tropeçar com ele. Ele estava no salão, provavelmente, rindo do modo em que ela fugira.
Não, teve que admitir para si mesma, não estaria rindo dela. As coisas seriam mais
fáceis se o fizesse. Então ela poderia odiá-lo.
Como se o dia não estivesse sendo o bastante ruim, Malcolm, pelo visto, decidira
que torturar a Elizabeth era mais divertido que escutar a Lady Dambury exortando às
Corbishley, e o imenso gato trotava nesse momento junto a ela, bufando com regularidade.
—É isto realmente necessário? —exigiu Elizabeth. —seguir só para me bufar?
A resposta do Malcolm foi outro bufo.
—Besta. Ninguém acredita que me bufa. Só o faz quando estamos sozinhos.
O gato sorriu com satisfação. Elizabeth teria jurado.
Ainda discutia com o maldito gato quando passou junto aos estábulos. Malcolm
grunhia e bufava com total despreocupação, e Elizabeth o assinalava com o dedo e lhe
exigia que se calasse, que foi, provavelmente, pelo que não ouviu os passos que se
aproximavam.
—Senhorita Hotchkiss.
Levantou a cabeça bruscamente. Sir Bertram Fellport, o Adonis loiro, com cara de
anjo, estava parado justo diante dela. Muito perto, em sua opinião.
—Oh, bom dia, sir. —Deu um discreto e, esperou, inocente passo atrás.
Ele sorriu, e Elizabeth quase esperou ver aparecer sobre sua cabeça um coro de
querubins, cantando como os anjos.
—Sou Fellport—disse ele.
Ela fez uma inclinação de cabeça saudando-o. Já sabia, mas não encontrou nenhuma
razão para fazer saber.
—Encantada de conhecê-lo.
—Encontrou seu livro?
Deve ter escutado sua conversa com Lady Dambury.
—Não—respondeu ela, —não o encontrei. Mas estou segura de que logo aparecerá.
Estas coisas sempre acontecem assim.
—Sim—murmurou ele, com seus olhos celestes estudando-a com incomoda
intensidade. —Leva muito tempo trabalhando para Lady Dambury?
Elizabeth retrocedeu lentamente outro passo.
—Cinco anos.
Ele estendeu a mão e acariciou sua face.
—Deve ser uma existência solitária.
—Absolutamente—disse ela, muito rígida. —Se me desculpar.
Sua mão saiu disparada e se fechou sobre seu pulso com dolorosa intensidade.
—Não a desculpo.
—Sir Bertram—disse ela, de algum jeito, conseguindo manter a voz firme apesar do
forte que lhe pulsava o coração, —posso lhe recordar que é você um convidado em casa de
Lady Dambury?
Ele deu um puxão a seu pulso, obrigando-a a aproximar-se.
—E posso lhe recordar eu que é uma empregada de Lady Dambury, e, portanto, está
obrigada a preocupar-se pela comodidade de seus convidados?
Elizabeth olhou diretamente aqueles olhos incrivelmente azuis e viu algo muito feio
e frio. Seu estômago se retorceu, e compreendeu que devia escapar já. A puxava para os
estábulos, e uma vez que a tivesse fora da vista, não haveria escapatória possível.
Soltou um grito, mas foi abafado pelo cruel estreitamento de sua mão sobre sua
boca.
—Vais fazer o que te diga—chiou ele em seu ouvido, —e depois, dirá, "Obrigado".
Elizabeth viu como seus piores temores se faziam realidade quando sentiu que a
arrastava para dentro dos estábulos.
Capítulo 15
James passeava com as mãos nos bolsos em direção aos estábulos. Estava
desfrutando em um raro ataque de abatimento; não estava acostumado a ter que renunciar a
algo que realmente desejava, e ter que postergar sua perseguição da Elizabeth o tinha posto
de muito mau humor. O ar fresco não conseguiu nada, assim decidiu levar a ideia ao
seguinte nível e ir cavalgar. Uma vertiginosa e infernal cavalgada, das que o vento o açoita
e converte o cabelo em um matagal de nós.
Como administrador da Agatha tinha livre acesso aos estábulos, e se era irregular
que um administrador galopasse como um selvagem, bom, James tencionava ir muito
rápido para que alguém pudesse reconhecê-lo.
Mas quando chegou aos estábulos, Malcolm estava erguido sobre suas patas
traseiras, arranhando como um louco a porta e miando como um louco.
—Deus santo, gato. O que te possuiu?
Malcolm uivou, retrocedeu uns passos, e investiu na porta com a cabeça.
Foi então quando James notou que as portas dos estábulos estavam fechadas, o que
era estranho a estas horas do dia. Inclusive ainda quando os cavalos dos convidados
tivessem sido terminados de escovar, e os moços de tivessem partido provavelmente ao
botequim a tomar um pouco de cerveja, as pessoas acreditariam que as portas deveriam
estar abertas. Era um dia caloroso, depois de tudo, e os cavalos necessitariam de qualquer
brisa que lhes chegasse.
James empurrou as portas as abrindo, estremecendo-se ante o ruidoso rangido de
uma dobradiça enferrujada. Supôs que era uma de suas obrigações ocupar-se de coisas
assim. Ou ao menos encarregar-se de que alguém o fizesse. Deu-se uns tapinhas contra a
coxa com a mão enluvada, e então se dirigiu ao armário de ferramentas para procurar algo
com o que engordurar a dobradiça. Não lhe levaria muito tempo fazê-lo, e além disso,
pensou, um pouco de trabalho sujo e manual lhe viria bem nestes momentos.
Não obstante, quando estava chegando à porta do armário ouviu um som estranho.
Algo parecido a um rangido, em realidade, mas que não soou como originado por
um cavalo.
—Há alguém aqui? —gritou James.
Soaram mais ruídos, e esta vez pareciam mais rápidos e frenéticos, acompanhados
por um estranho grunhido tingido de pânico.
O sangue de James congelou.
Havia dúzias de baias. O ruído podia proceder de qualquer delas. Mas de alguma
forma ele soube de qual. Seus pés o levaram a mais afastada, e com um grito selvagem que
lhe saiu diretamente da alma, arrancou a porta das dobradiças.
hhh
Elizabeth soube que aspecto tinha o inferno. Olhos azuis, cabelo loiro, e um sorriso
malvado e cruel. Lutou contra Fellport com todas suas forças, mas com pouco mais de
quarenta e cinco quilogramas de peso, poderia ter sido também uma pluma para o pouco
esforço que lhe custou arrastá-la através do estábulo.
Esmagou sua boca contra a dela, e Elizabeth lutou para manter seus lábios fechados.
Ele podia lhe roubar a dignidade e o controle, mas manteria ao menos uma parte dela a
salvo dele. Ele separou a cabeça e a apertou contra um poste, lhe cravando os dedos sobre a
parte superior dos braços.
—Acabo de beijá-la—senhorita Hotchkiss, disse ele, com voz enjoativa. —Me
agradeça.
Ela o olhou rebeldemente.
Ele a puxou e logo voltou a empurrar contra o poste, sorrindo amplamente quando
sua cabeça se golpeou contra a dura e áspera madeira.
—Acredito que queria me dizer algo—ronronou ele.
—Vá-se ao diabo—cuspiu-lhe ela. Sabia que não deveria provocá-lo; fazendo-o, só
conseguiria que arremetesse contra ela, mas, maldito fosse, não lhe permitiria que
controlasse suas palavras.
Ele a fulminou com o olhar, e durante um bendito momento, Elizabeth pensou que
não a castigaria por seu insulto. Mas então, com um furioso grunhido, separou-a do poste e
a lançou dentro de uma baia vazia. Aterrissou de costas sobre o feno e tentou ficar em pé,
mas Fellport era muito rápido, e muito grande, e caiu sobre ela com tal força que a deixou
sem fôlego.
—Me deixe em paz, você...
Sua mão lhe tampou com força a boca, e lhe torceu dolorosamente a cabeça a um
lado. Sentiu o feno rangente cravando-se em sua face, mas não sentiu nenhuma dor. Não
sentiu... nada.
Começava a distanciar-se de seu corpo; de algum jeito sua mente soube que o único
modo de passar por este horror era separar-se, olhá-lo de cima, fingir que aquele corpo de
que estava abusando Fellport, não era o seu próprio.
E então, justo quando a separação estava quase completada, ouviu um ruído.
Fellport o ouviu também. Sua mão apertou ainda mais sua boca e ficou
completamente quieto.
Era o chiado da porta dos estábulos. O chefe do estábulo teve a intenção de
arrumá-lo ontem, mas o enviaram a dar um tolo recado, e todos os outros estiveram
ocupados hoje com tantos convidados. Mas o rangido significava que chegara alguém.
E se alguém chegara, então Elizabeth tinha uma oportunidade.
—Há alguém aqui?
A voz de James.
Elizabeth começou a revolver-se como nunca antes. Encontrou forças que jamais
sonhara possuir, grunhindo e chiando sob a mão do Fellport.
O que ocorreu a seguir foi impreciso. Houve um furioso grito que não pareceu
humano e então a porta da baia se abriu de repente. Fellport desapareceu de cima dela, e
Elizabeth engatinhou para um canto.
James era um homem possuído. Golpeou a Fellport com punhos brutais, e seus
olhos tinham um olhar selvagem e enlouquecido enquanto segurava sua cara contra o feno.
—Você gosta de feno? —chiou James. —Você gosta de ter a cara esmagada contra
o chão?
Elizabeth contemplou aos dois homens com horrorizada fascinação.
—Faz-te sentir poderoso dominar e abusar de alguém da metade de seu tamanho? É
isso? Fazer com alguém o que lhe da vontade, só porque é maior e mais forte? —James
empurrou a cabeça de Fellport mais baixo, esmagando sua cara contra o feno e a sujeira.
—Ah, mas eu sou maior e mais forte que você. Como se sente, Fellport? Como se sente
estando sob minha mercê? Poderia te partir em dois.
Houve um áspero silêncio, só interrompido pela abafada e desigual respiração do
James. Olhava intensamente ao Fellport, mas seus olhos pareciam estranhamente distantes
quando sussurrou.
—Estive esperando este momento. Estive esperando durante anos para fazer lhe
pagar isso.
—A mim? —gritou Fellport.
—A ti—resmungou James. —Até a última polegada de ti. Não pude salvar...
—Engasgou-se com suas palavras, e ninguém respirou enquanto lhe contraíam os músculos
do rosto.—Posso salvar a Elizabeth—sussurrou. —Não te deixarei roubar sua dignidade.
—James? —sussurrou Elizabeth. Deus santo, ia matá-lo. E Elizabeth, Deus tivesse
piedade de sua alma, quis olhar. Quis que James partisse o homem em dois.
Mas não queria que enforcassem James, o qual seria, sem dúvida, o resultado.
Fellport era um baronete. Um simples administrador não podia matar a um baronete e sair
ileso.
—James—disse ela, em voz mais alta, —deve te deter.
James fez uma pausa, apenas o tempo suficiente para que Fellport pudesse lhe jogar
uma boa olhada em seu rosto.
—Você! —grunhiu Fellport.
O corpo do James tremia, mas manteve a voz firme e controlada quando disse.
—Pede perdão à senhora.
—A essa vadia?
A cabeça do Fellport golpeou contra o chão.
—Pede perdão à senhora.
Fellport não disse nada. Então, com um movimento tão veloz que Elizabeth não
podia acreditar no que seus olhos viam, James tirou uma arma. Elizabeth conteve a
respiração, e tampou a boca com mãos tremente. Soou um forte estalo, e James pressionou
a boca do cano contra a cabeça de Fellport.
—Pede perdão à senhora.
—Eu... eu... —Fellport começou a tremer incontrolavelmente, e não lhe saíam as
palavras.
James moveu lentamente a pistola, quase amorosamente, contra a têmpora de
Fellport.
—Pede perdão à senhora.
—James—disse Elizabeth, com evidente terror em sua voz, —deve parar. Está bem.
Não necessito...
—Não está bem!—rugiu ele. —Nunca estará bem! E este homem te pedirá perdão
ou eu...
—Sinto muito! —As palavras brotaram da boca de Fellport, agudas e aterradas.
James o agarrou pela gola da camisa e o levantou do chão. Fellport ofegou ao sentir
que o tecido lhe cravava na pele.
—Irá embora da festa—disse James com voz mortal. Fellport emitiu um som
abafado. James se voltou para Elizabeth, sem afrouxar seu aperto sobre Fellport. —Em
seguida volto.
Ela assentiu timidamente, com as mãos apertadas em uma tentativa de conter seus
tremores.
James arrastou Fellport para o exterior, deixando Elizabeth a sós no estábulo. A sós
com mil perguntas. Por que levava James uma arma? E onde aprendera a lutar com
semelhante e letal precisão? Os murros de James não se pareciam com os de um combate
amistoso; foram desenhados para matar. E havia perguntas mais horrendas, aquelas que
impediam que seu coração deixasse de pulsar e que seu corpo deixasse de tremer.
E se James não tivesse descoberto a tempo? E se Fellport tivesse reagido
brutalmente? E se...
A vida não podia ser vivida apoiando-se em e se? e Elizabeth sabia que apenas
prolongava sua agonia ao pensar no que poderia ter acontecido em vez de no que
aconteceu, mas não podia deixar de repassar em sua mente o ataque uma e outra vez. E
sempre que chegava ao momento em que James a salvava, ele não aparecia, e Fellport a
maltratava ainda mais, lhe arrancando a roupa, lhe machucando a pele, tomando...
—Basta—disse em voz alta, pressionando-as têmporas com os dedos enquanto se
deixava cair ao chão. Seus tremores se converteram em espasmos, e os soluços que não
permitira evidenciar começaram a brotar de sua garganta. Respirou profundamente, a
grandes baforadas, tentando controlar seu corpo traiçoeiro, mas não era o bastante forte
para conter as lágrimas.
Deixou cair a cabeça entre suas mãos, e começou a chorar. E então, ocorreu o mais
estranho. Malcolm avançou lentamente até seu colo e começou a lamber suas lágrimas. E
por alguma razão isto a fez chorar mais.
hhh
O bate-papo de James com sir Bertram Fellport foi breve. Não necessitou muitas
palavras para explicar o que ocorreria ao baronete se alguma vez voltasse a pôr um pé na
propriedade de Lady Dambury. E enquanto Fellport tremia de medo e ressentimento, James
ampliou sua ameaça detalhando o que lhe aconteceria se alguma vez se encontrava a mais
de vinte jardas de Elizabeth, sem importar onde estivesse.
Depois de tudo, se James conseguisse levar a cabo seu projeto de fazê-la sua esposa,
sem lugar a dúvidas seus caminhos se cruzariam em Londres.
—Entendemo-nos? —perguntou James, com voz espantosamente calma.
Fellport assentiu.
—Então largue-se da propriedade.
—Preciso recolher minhas coisas.
—As enviarei—disse James, com a mandíbula apertada. —Trouxe carruagem?
Fellport negou com a cabeça.
—Vim com o Binsby.
—Bom. O povoado está apenas a uma milha de distância. Ali pode contratar a
alguém que lhe leve a Londres.
Fellport assentiu.
—E se disser uma palavra disto a alguém—disse James com voz letal, —se tão só
mencionar minha presença aqui, matarei-lhe.
Fellport assentiu de novo, com aspecto de não desejar nada tanto como acatar as
ordens de James e partir, mas James ainda o tinha agarrado pelo pescoço.
—Uma coisa mais—disse James. —Se me mencionar, como já lhe disse, matarei-o,
mas se mencionar à senhorita Hotchkiss...
Ao Fellport lhe descontrolou a bexiga.
—Farei-o devagar.
James soltou a gola de Fellport, e o baronete tropeçou uns passos antes de escapar.
James observou como desaparecia pela suave ondulação da colina, e logo retornou a passos
longos aos estábulos.
Não gostou de sair deixando Elizabeth a sós depois de uma experiência tão
traumática, mas não teve outra opção. Precisava encarregar-se de Fellport, e não acreditou
que Elizabeth queria estar no mesmo lugar que o descarado mais tempo que o estritamente
necessário. Por não mencionar que Fellport poderia ter revelado a verdadeira identidade de
James a qualquer momento.
No instante em que James entrou nos estábulos, ouviu seu pranto.
—Maldito seja—sussurrou, dando um meio tropeço enquanto corria para ela. Não
sabia como consolá-la, não tinha a mínima ideia do que fazer. A única coisa que sabia era
que ela o necessitava, e rezou a Deus para não lhe falhar.
Chegou até a última baia, a porta ainda pendurava oscilante de suas dobradiças.
Elizabeth estava aconchegada contra a parede, seus braços rodeando suas pernas e sua
fronte descansando sobre seus joelhos.
O gato penetrou no vão entre as coxas de Elizabeth e seu torso, e, para assombro do
James, parecia tentar consolá-la.
—Lizzie? —James sussurrou. —Oh, Lizzie.
Ela se balançava ligeiramente de um lado a outro, e ele podia ver como subiam e
baixavam seus ombros com cada tremente respiração. Ele conhecia esse tipo de respiração.
Era a que alguém praticava quando tentava conter com todas suas forças seus sentimentos,
mas simplesmente não era o bastante forte.
Aproximou-se rapidamente a seu lado, sentando-se junto a ela no feno. Passando
seu braço ao redor de seus estreitos ombros, sussurrou.
—Foi-se.
Ela não disse nada, mas ele sentiu como seus músculos se esticavam.
James a olhou. Sua roupa estava suja, mas não rasgada, e embora estava bastante
seguro de que Fellport não conseguira violá-la, rezou para que seu ataque não tivesse ido
além de um beijo brutal. Beijo! Quase cuspiu a palavra. Independentemente do que Fellport
lhe tivesse feito, por mais que ele tivesse forçado sua boca contra a dela, isso não teria sido
um beijo.
Os olhos de James vagaram por cima de sua cabeça. Seu pálido cabelo dourado
estava emaranhado com palha, e mesmo que não pudesse ver seu rosto, a via desamparada.
Sua mão se apertou em um punho. Voltava a senti-lo, o familiar sentimento de impotência.
Podia sentir seu terror. Atravessou-o, enroscou-se em seu ventre.
—Por favor, —sussurrou. —Me diga o que posso fazer.
Ela não emitiu nenhum som, mas se aconchegou mais perto dele. James intensificou
seu abraço.
—Não te incomodará outra vez, —disse ferozmente. —Prometo-lhe isso.
—Tento ser forte—ofegou ela. —A cada dia, tento tanto...
James girou e a agarrou pelos ombros, obrigando-a a levantar seus olhos chorosos
até os seus.
—É forte—disse ele—É a mulher mais forte que conheço.
—Tento—disse ela outra vez, como tentando tranquilizar-se. —A cada dia. Mas não
fui o bastante forte. Não fui...
—Não diga isso. Não foi tua culpa. Os homens como Fellport... —James calou-se
para respirar profundamente. —Eles machucam às mulheres. É a única maneira em que
sabem sentir-se fortes.
Ela não disse nada, e ele podia ver como lutava para conter os soluços que lhe
acumulavam na garganta.
—Isto, esta violência ... é devido a um defeito na pessoa dele, não na tua. —Moveu
a cabeça e fechou os olhos descarnado um segundo. —Você não lhe pediu que te fizesse
isto.
—Sei. —Moveu a cabeça, e seus trêmulos lábios esboçaram o sorriso mais triste
que ele vira. —Mas não pude pará-lo.
—Elizabeth, ele é duas vezes seu tamanho!
Ela soltou um comprido suspiro e se separou dele, recostando-se contra a parede.
—Estou cansada de ser forte. Estou tão cansada. Desde o dia em que morreu meu
pai...
James a olhou, examinando seus olhos enquanto se voltavam inexpressivos, e uma
estranha premonição o assaltou, lhe espremendo o coração.
—Elizabeth—perguntou cuidadosamente, —como morreram seus pais?
—Minha mãe morreu ao tombar sua carruagem—respondeu ela, com voz vazia.
—Todos o vimos. A carruagem ficou destroçada. Eles cobriram seu corpo, mas todos
vimos como morreu.
Ele esperou que dissesse algo sobre seu pai, mas não o fez. Finalmente, ele
sussurrou.
—E seu pai?
—Se suicidou.
James abriu a boca surpreso, e o invadiu uma feroz e incontrolável ira. Não tinha
nem ideia do que acontecido para que o pai de Elizabeth se sentisse tão desesperado, mas
sir Hotchkiss tomara a saída mas covarde, deixando a sua filha mais velha a cargo de sua
família.
—O que aconteceu? —perguntou ele, tentando ocultar a ira de sua voz.
Elizabeth elevou o olhar, um som amargo e fatalista escapou de seus lábios.
—Foi seis meses depois do acidente de mamãe. Ele sempre... —Engasgou-se com
as palavras. - —Sempre a amou muito.
James começou a dizer algo, mas as palavras começaram a brotar dos lábios de
Elizabeth como uma corrente. Foi como se ele tivesse aberto uma represa, e agora ela não
podia conter o caudal de emoções.
—Ele simplesmente não pôde seguir adiante—disse ela, seus olhos começaram a
brilhar furiosos. —Cada dia se afundava mais e mais em algum lugar secreto de seu interior
que nenhum de nós podia alcançar. E o tentamos! Juro-te por Deus que tentamos.
—Sei que você o fez—murmurou ele, apertando seu ombro. —Conheço-te. Sei que
tentou.
—Inclusive Jane e Lucas. Subiam a seu colo, como antes, mas ele os afastava. Não
nos abraçava. Não nos tocava. E no final, nem sequer nos falava. —Respirou
profundamente, um par de vezes, mas isso não conseguiu acalmá-la. —Eu sempre soube
que ele não nos amava tanto como a ela, mas a gente acreditaria que ao menos nos amava o
bastante.
Suas mãos se converteram em um punho, e James olhou impotente como o
pressionava com força contra sua boca. Ele estendeu a mão e roçou seus dedos, sentindo-se
estranhamente aliviado quando se fecharam ao redor de sua mão.
—A gente acreditava, —disse ela, sua voz era o sussurro mais diminuto e de causar
pena do mundo, —que nos amava o bastante para seguir vivendo.
—Não precisa me contar nada mais—sussurrou James, sabendo que sempre se
sentiria atormentado por este momento. —Não faz falta.
—Não. —Ela sacudiu a cabeça. —Quero fazê-lo. Nunca disse em voz alta.
Ele esperou enquanto ela reunia coragem.
—Matou-se com um tiro— disse, as palavras mal foram audíveis. —Encontrei-o no
jardim. Havia tanto sangue. —Tragou convulsivamente. —Nunca vi tanto sangue. —James
se manteve silencioso, desejando poder dizer algo para consolá-la, mas sabendo que não
havia palavras que pudessem ajudá-la. Ela riu amargamente. —Tentei me dizer que isso era
seu último ato de carinho, disparar-se fora de casa. Fiz uma infinidade de viagens ao poço,
mas ao menos o sangue se fundiu na terra. Se tivesse disparado dentro da casa, sabe Deus
como o teria podido limpar.
—O que fez? —perguntou suavemente James.
—Fiz parecer um acidente de caça—sussurrou ela. —Arrastei seu corpo até os
bosques. Todo mundo sabia que era caçador. Ninguém suspeitou de nada, ou se o fizeram,
nunca disseram nada.
—Você o arrastou? —perguntou com incredulidade. —Seu pai era um homem
pequeno? Quero dizer, é bastante miúda, e ...
—Era mais ou menos de sua altura, embora um pouco mais magro. Não sei de onde
tirei as forças—disse ela, sacudindo a cabeça. —Suponho que do puro medo. Não quis que
as crianças soubessem o que fizera. —Levantou os olhos, com expressão repentinamente
insegura. —Eles seguem sem sabê-lo. —Ele deu um suave aperto em sua mão.—Tentei não
falar mal dele.
—E levaste essa carga sobre seus ombros durante cinco anos—disse ele
suavemente. —Os segredos se fazem pesados, Elizabeth. São duros de conduzir a sós.
Deu de ombros cansadamente.
—Talvez me equivoquei. Mas estava aterrada. Não sabia que mais fazer.
—Parece que fez exatamente o que devia.
—Foi sepultado na terra consagrada—disse ela, com voz átona. —Para a igreja...
para todo mundo menos para mim... não foi um suicídio. Todos nos deram os pêsames,
qualificando de tragédia, e foi a única coisa que pude fazer para não gritar a verdade. —Ela
virou a cabeça para olhar para frente. Seus olhos estavam úmidos e brilhantes, da mesma
cor das violetas. —Odiei que o fizessem parecer um herói. Eu fui a que ocultou seu
suicídio, e ainda assim, queria gritar aos quatro ventos que era um covarde, que me
abandonou para recolher seus pedaços. Quis sacudi-los e sacudi-los e sacudi-los e fazê-los
deixar de dizer o bom pai que era. Porque não era. —Sua voz se tornou rouca e feroz.
—Não era um bom pai. Nós fomos um aporrinho. Ele só queria a mamãe. Nunca nos quis.
—Sinto muito—sussurrou James, tomando sua mão.
—Não é tua culpa.
E lhe sorriu, tentando surrupiar um sorriso em troca.
—Sei, mas ainda assim o sinto.
Seus lábios tremeram quase em um sorriso.
—Não é irônico? A gente pensaria que o amor é algo bom, verdade?
—O amor é algo bom, Elizabeth. —E o sentia de verdade. Tão verdadeiramente
como jamais sonhou ser capaz de senti-lo.
Ela negou com a cabeça.
—Meus pais se amaram muito um ao outro. Simplesmente não ficou suficiente para
o resto de nós. E quando mamãe morreu, bem, simplesmente não pudemos ocupar seu
lugar.
—Não é tua culpa, —disse James e seus olhos procuraram os dela com uma
intensidade quase hipnotizante. —Não há limite para amar. Se o coração de seu pai não era
o bastante grande para dar capacidade a toda sua família, isso significa que era ele quem
tinha um defeito, não você. Se tivesse sido outro tipo de homem, teria compreendido que
seus filhos eram uma milagrosa extensão de seu amor por sua mãe. E teria forças para
continuar sem ela.
Elizabeth digeriu suas palavras, as deixando afundar-se devagar em seu coração.
Sabia que ele tinha razão, sabia que a debilidade de seu pai era só dele, não dela. Mas era
tão condenadamente duro aceitá-lo.
Olhou ao James, que a contemplava com os olhos mais quentes e amáveis que ela
jamais viu.
—Seus pais devem ter se amado muito—disse suavemente.
James recuou surpreso.
—Meus pais... —disse devagar. —A sua não foi uma união por amor.
—Oh—disse ela, suavemente. —Mas talvez isto fosse o melhor, depois de tudo,
meus pais...
—O que seu pai fez—interrompeu-a James, —foi um equívoco e era débil e
covarde. O que meu pai fez...
Elizabeth viu a dor em seus olhos e lhe apertou a mão.
—O que meu pai fez—sussurrou ele grosseiramente, —lhe deu um lugar no inferno.
Elizabeth sentiu que lhe secava a boca.
—O que quer dizer?
Houve um comprido silêncio, e quando James finalmente falou, sua voz soava
muito estranha.
—Tinha seis anos quando minha mãe morreu.
Ela se manteve em silêncio.
—Disseram-me que caiu pelas escadas. Quebrou o pescoço. Uma tragédia, diziam
todos.
—Oh, não. —As palavras escaparam dos lábios da Elizabeth.
James girou a cabeça repentinamente para olhá-la no rosto.
—Ela sempre me dizia que era desajeitada, mas eu a vira dançar. Estava
acostumada a cantarolar enquanto dançava sozinha a valsa pela sala de música. Era a
mulher mais formosa e cheia de graça que jamais vi. Às vezes me agarrava em seus braços
e dançava a valsa comigo descansando sobre seu quadril.
Elizabeth tentou consolá-lo com um sorriso.
—Eu estava acostumada a fazer isso com o Lucas.
James sacudiu a cabeça.
—Ela não era desajeitada. Nunca tropeçou em um móvel ou derrubou uma vela. Ele
a maltratava, Elizabeth. Maltratou-a cada maldito dia.
Ela tragou, mordendo o lábio inferior. De repente sua incontrolável raiva com o
Fellport adquiria sentido. Duas décadas de cólera contida. Esteve cozendo-se lentamente
muito tempo.
—Ele... machucou a ti? —sussurrou ela.
Ele negou levemente com a cabeça.
—Nunca. Eu era seu herdeiro. Estava acostumado a recordar-lhe todo o tempo. Ela
já não valia nada agora que já me teve. Ela era sua esposa, mas eu era seu sangue.
Um tremor percorreu a coluna de Elizabeth, soube que utilizava as mesmas palavras
que escutou muitas vezes.
—E me usava—seguiu James. Seus olhos se tornaram inexpressivos, e suas grandes
e fortes mãos tremiam. —Usava-me para expressar sua raiva contra ela. Nunca estava de
acordo com sua forma de me educar. Se a via me abraçar ou me consolar quando chorava,
tornava-se uma fúria. Ela me mimava e ele gritava. Dizia-lhe que me ia converter em um
homem débil.
—Oh, James. —Elizabeth estendeu a mão e lhe acariciou o cabelo. Não podia
conter-se. Nunca conheceu a ninguém tão necessitado de consolo humano.
—Então, aprendi a não chorar. —Moveu a cabeça com desespero. —E depois a
prescindir de seus abraços. Se não podia pegá-la me abraçando, talvez deixaria de
golpeá-la.
—Mas não se deteve, verdade?
—Não. Sempre encontrava outra razão pela qual devia ser castigada. E finalmente...
—Seu fôlego escapou em uma crua e instável exalação. —Finalmente decidiu que seu lugar
estava aos pés da escada.
Elizabeth sentiu algo quente sobre suas faces, e só então descobriu que estava
chorando.
—O que aconteceu contigo?
—Isso—respondeu James, com tom que pareceu ganhar força, —é possivelmente a
única coisa boa de toda a história. Minha tia, a irmã de minha mãe veio e me levou com ela.
Acredito que sempre suspeitou que minha mãe era maltratada, mas nunca sonhou que
chegasse a tal extremo. Muito mais tarde, disse-me que a condenariam antes de deixar a
meu pai começar a fazer o mesmo comigo.
—Acredita que ele o faria?
—Não sei. Eu era ainda valioso para ele. Seu único herdeiro. Mas necessitava a
alguém de quem abusar, e minha mãe morta... —Deu de ombros.
—Sua tia deve ser uma mulher muito especial.
Ele a contemplou, querendo sobre todas as coisas lhe contar a verdade, mas não
podia. Ainda não.
—É—disse, com voz rouca de emoção—Ela me salvou. Tão certo como se me
tivesse tirado de uma moradia em chamas, salvou-me.
Elizabeth lhe roçou a face.
—Ela te ensinou a ser feliz.
—Tentava me abraçar—disse ele. —O primeiro ano, tentou me demonstrar seu
amor, e eu seguia fugindo. Pensava que meu tio a golpearia se me abraçasse. —passou a
mão pelo cabelo e uma risada breve e zangada escapou de seus lábios.—Pode acreditá-lo?
—O que outra coisa ias pensar? —perguntou Elizabeth com tranquilidade. —Seu
pai era o único exemplo que conhecia.
—Ela me ensinou a amar. —Com um breve e entrecortado suspiro acrescentou.
—Ainda não estou preparado para perdoar, mas sei amar.
—Seu pai não merece o perdão—disse ela. —Sempre tentei seguir os mandamentos
de Deus, e sei que devemos dar a outra face, mas seu pai não o merece.
James calou um momento, e logo se voltou e disse.
—Morreu quando tinha vinte anos. Não assisti ao enterro.
Este era o insulto mais grave que um pai podia receber de um filho.
Elizabeth assentiu com severa aprovação.
—Viu-o enquanto crescia?
—Em ocasiões devia vê-lo. Era inevitável. Eu era seu filho. Legalmente, minha tia
não tinha poder algum. Mas era forte, e o intimidava. Ele nunca conheceu a uma mulher
que lhe fizesse frente. Não tinha nem ideia de como tratá-la.
Elizabeth se inclinou para diante e lhe deu um suave beijo na fronte.
—Incluirei a sua tia em minhas orações esta noite. —Sua mão vagou por sua face, e
ficou olhando com melancólico pesar, desejando que houvesse algum modo de poder
retroceder o tempo, algum modo de abraçar a aquele pequeno moço e lhe mostrar que o
mundo poderia ser um lugar seguro e de amor.
Ele afundou seu rosto em sua mão. Seus lábios se apertaram contra sua palma,
procurando o calor de sua pele e honrando a calidez de seu coração.
—Obrigado—sussurrou.
—Por quê?
—Por estar aqui. Por escutar. Por ser você.
—Então, obrigada—sussurrou ela em correspondência. —Pelo mesmo.
Capítulo 16
Enquanto James acompanhava Elizabeth a casa, sentiu como sua vida adquiria um
rumo. Desde que se vira forçado a abandonar seu trabalho para o Ministério de Defesa,
esteve flutuando à deriva.
Sentia-se inquieto, sabendo que precisava continuar com sua vida, mas descontente
com as opções que lhe apresentavam. Era consciente que devia casar-se, mas sua resposta
ante as mulheres que conheceu em Londres foi quase unanimemente morna. Também devia
empreender uma participação mais ativa em suas terras e seus investimentos, mas lhe era
difícil chamar a Riverdale Castle seu lar quando via a sombra de seu pai em cada canto.
Mas no transcurso de uma semana, sua vida dera um tombo. Pela primeira vez em
mais de um ano, queria algo.
Queria a alguém.
Queria Elizabeth.
Se sentira atraído por ela antes desta tarde, atraído e obcecado até o ponto que
decidira que se casaria com ela. Mas algo muito estranho e mágico ocorreu no interior dos
estábulos quando tentou consolar a Elizabeth.
Encontrou-se lhe contando coisas que guardara em segredo durante anos. E
enquanto lhe saíam as palavras, sentira que um vazio dentro dele se enchia. E soube que
não era que se sentisse enfeitiçado por Elizabeth.
Não era que o atraísse, e o obcecasse.
Necessitava-a.
E sabia que ele não encontraria a paz até que não a fizesse dele, até que não
conhecesse cada polegada de seu corpo e cada curva de sua alma. Se isto era amor,
rendia-se a isso de bom grado.
Mas não podia abandonar suas responsabilidades, e não romperia a promessa feita a
sua tia. Solucionaria o mistério desse maldito chantagista, depois de tudo o que Agatha fez
por ele quando era um menino, ele resolveria este mistério para ela.
Elizabeth amava a Agatha. Ela o entenderia.
Mas isso não significava que fosse ficar ocioso. Dissera a Agatha que o melhor
modo de encontrar ao chantagista era esperar receber outra nota, e era certo, mas estava
cansado de esperar. Contemplou o rosto de Elizabeth, olhou aqueles olhos imensamente
azuis e sua pele impecável, e tomou uma decisão.
—Preciso ir a Londres amanhã—disse repentinamente.
Ela o olhou imediatamente.
—A Londres? —repetiu. —Por quê?
—Alguns desagradáveis assuntos de família—respondeu ele, odiando-se por não
poder lhe dizer toda a verdade, mas reconfortando-se pelo fato de que suas palavras não
eram uma completa mentira.
—Entendo—disse ela, suavemente.
É obvio que não entendia, pensou ele zangado. Como poderia fazê-lo? Mas não
podia dizer-lhe. Era improvável que o chantagista da Agatha se tornasse violento, mas
James não podia descartar totalmente aquela possibilidade. O único modo de proteger
totalmente a Elizabeth era mantê-la na ignorância.
—Retornarei logo, —disse ele. —Espero que em uma semana.
—Não planeja perseguir o Fellport, verdade? —perguntou ela, franzindo o cenho
com preocupação. —Porque se for...
Ele pressionou suavemente o dedo indicador contra seus tenros lábios.
—Não estou planejando perseguir o Fellport.
Sua expressão permaneceu duvidosa.
—Se o voltar a atacar, lhe enforcarão—insistiu ela. —Certamente sabe?
James a fez calar com um beijo que foi breve mas cheio de promessas.
—Não se preocupe por mim, —murmurou ele contra os cantos de sua boca.
Retrocedeu, tomando as mãos entre as suas.
—Há coisas que preciso fazer, assuntos dos que devo me ocupar antes de...
Suas palavras se detiveram, e viu em seus olhos uma silenciosa pergunta.
—Estaremos juntos—jurou ele. —Prometo-lhe isso.
Ao final, teve que beijá-la uma vez mais.
—Espera-nos um maravilhoso futuro—sussurrou as suaves e doces palavras contra
seus lábios. —Maravilhoso, em efeito.
hhh
Elizabeth entesourava aquelas palavras perto de seu coração dez dias depois, mesmo
que não teve notícias de James. Não estava segura de por que era tão otimista com respeito
ao futuro; ela continuava sendo dama de companhia e James um simples administrador, e
nenhum deles possuía um centavo, mas de algum jeito confiava na capacidade de ambos de
fazer que o futuro, como ele dissera, fosse maravilhoso.
Talvez, ele esperava receber uma herança de um parente longínquo. Talvez,
conhecesse algum dos mestres de Eton e pudesse arrumar que Lucas assistisse a um custo
reduzido. Talvez... Talvez, talvez, talvez. A vida estava cheia de incertos talvez, mas de
repente, talvez soava muito prometedor. Depois de tantos anos carregando
responsabilidades, sentia-se quase enjoada ao abandonar seu constante sentimento de
preocupação. Se James dizia que podia solucionar seus problemas, ela acreditava. Talvez
fosse tola, acreditando que um homem podia irromper em sua vida e fazer que tudo fosse
perfeito, depois de tudo, seu pai não foi precisamente um modelo de confiabilidade e
retidão. Mas, certamente, ela merecia um pouquinho de magia em sua vida. Agora que
encontrara a James, ela não podia expor-se a armadilhas e perigos. Sentia o coração mais
leve que em muitos anos, e ela se negava a pensar que algo pudesse estragar aquela
felicidade.
Lady Dambury confirmou que ao James concedeu uma breve permissão para visitar
sua família. Isto era algo excepcional para concedê-lo a um administrador, mas Elizabeth
assumiu que James era tratado com maior consideração devido à antiga relação de sua
família com os Dambury.
O estranho, entretanto, era o constante estado de irritação de Lady Dambury. Pode
ser que lhe tivesse concedido tempo para atender seus assuntos pessoais, mas,
evidentemente, não o fez de bom grado. Elizabeth não podia enumerar a quantidade de
vezes que pegou a Lady D queixando-se por sua ausência. Ultimamente, entretanto, Lady
Dambury esteve muito preocupada com seu próximo baile de máscaras para caluniar ao
James. Ia ser o maior baile celebrado em Dambury House em anos, e todo o pessoal, mais
os cinquenta criados extras contratados unicamente para o evento, zumbiam de atividade.
Elizabeth mal podia caminhar do salão à biblioteca (que estava só a três portas de distância)
sem tropeçar com um ou outro servente, que devia assediar a lady Dambury com perguntas
sobre a lista de convidados, ou o menu, ou as lanternas chinesas, ou as fantasias, ou...
Fantasias. No plural. Para surpresa da Elizabeth, Lady Dambury encomendara duas.
Um de Rainha Elizabeth para ela, e outro de pastora para Elizabeth.
Elizabeth estava muito contente.
—Não vou levar esse cajado toda a noite—jurou ela.
—Cajado, já! Isto não é nada—riu Lady D. —Só espera para ver as ovelhas.
—O quéééééé?
—Brincava. Santo céu, moça! precisa desenvolver seu senso de humor.
Elizabeth balbuciou um monte de bobagens antes de conseguir resmungar.
—Desculpe!
Lady D agitou a mão desdenhosamente.
—Sei, sei. Agora vais dizer-me que alguém que sobreviveu cinco anos trabalhando
para mim precisa estar em posse de um excelente senso de humor.
—Algo assim, —resmungou Elizabeth.
—Ou talvez que se não possuísse um brilhante senso de humor, a tortura de ser
minha dama de companhia teria acabado contigo.
Elizabeth piscou.
—Lady Dambury, acredito que é você quem está desenvolvendo o senso de humor.
—Uf. Na minha idade alguém precisa o ter. Isto é o único modo de aguentar o dia.
Elizabeth simplesmente sorriu.
—Onde está meu gato?
—Não tenho nem ideia, Lady Dambury. Não o vi esta manhã.
Lady D olhou em todas direções, falando enquanto explorava a sala procurando
Malcolm.
—De todo o modo—pontificou, —poderia pensar que ao menos seria tratada com
mais respeito.
—Não sei o que quer dizer com semelhante comentário.
A expressão de Lady Dambury era sardônica.
—Entre você e James, nunca consigo me sair confiante.
Antes que Elizabeth pudesse replicar, Lady D deu a volta e disse.
—Na minha idade, tenho direito de ser arrogante.
—E que idade é essa hoje?
Lady D a admoestou com o dedo.
—Não seja tão ardilosa. Sabe muito bem que idade tenho.
—Faço todo o possível por me manter a par dela.
—Hmmph. Onde está meu gato?
Já que respondera essa pergunta anteriormente, Elizabeth, em troca perguntou:
—Quando, ah, espera você que retorne o senhor Siddons?
Os olhos de Lady Dambury pareciam muito perspicazes quando perguntou.
—Meu errante administrador?
—Sim.
—Não sei, maldito homem. Tudo está convertendo-se em ruínas.
Elizabeth jogou uma olhada pela janela aos intermináveis e antigos jardins de
Dambury House.
—Poderia estar exagerando ligeiramente.
Lady D começou a dizer algo, mas Elizabeth elevou a mão e disse.
—E não me diga que na sua idade está em seu direito de exagerar.
—Bom, pois assim é. Hmmph. Malcom!
Os olhos de Elizabeth foram para a porta. O rei de Dambury House entrava no
salão, suas gorduchas patas movendo-se silenciosamente sobre o tapete.
—Aqui estas, doçura—arrulhou-o Lady Dambury. —Vem com mamãe.
Mas Malcolm nem sequer moveu sua cauda cor café com leite para ela. Enquanto
Lady D o contemplava horrorizada, seu gato trotou diretamente até Elizabeth e saltou sobre
seu colo.
—Gatinho bom—ronronou Elizabeth.
—O que acontece aqui?—exigiu Lady D.
—Malcolm e eu chegamos a um entendimento.
—Mas se te odeia!
—Mas, Lady Dambury, disse Elizabeth, fingindo-se sobressaltada. - Se durante
todos estes anos você insistiu em que ele é um gatinho muito amistoso.
—É obvio que é um gatinho muito amistoso—resmungou Lady D.
—Por não mencionar todas a vezes que me disse que tudo eram minhas fantasias.
—Menti!
Elizabeth bateu a mão contra a face com fingida incredulidade.
—Não!
—Quero que devolva o meu gato.
Elizabeth deu de ombros. Malcolm ficou de costas e se estirou com as patas sobre
sua cabeça.
—Felino miserável e traidor.
Elizabeth sorriu ao gato enquanto lhe coçava a pele sob o queixo.
—A vida é boa, né, Malcolm? A vida é muito, muito boa.
Malcolm ronronou de acordo, e Elizabeth soube que devia ser certo.
hhh
De volta a Londres, James sentia uma frustração de mil demônios. Esbanjara mais
de uma semana investigando a vida da Agatha e não dera com nada. Não pôde encontrar
nem uma alma que conhecesse alguém que sentisse ao menos um pouco de rancor contra
sua tia. Oh, muita gente tinha muito que dizer sobre seu mordaz gênio e suas bruscas
maneiras, mas ninguém realmente a odiava.
Além disso, não havia nem o mais leve indício de escândalo em seu passado. Por
isso se referia a Londres, Agatha, Lady Dambury, levou uma vida exemplar. Honrada e fiel,
era laureada como o perfeito exemplo da impecável dama inglesa.
Para ser sincero, não podia recordar haver realizado alguma vez uma investigação
tão aborrecida. Sabia que era improvável que encontrasse algo substancioso; depois de
tudo, o chantagista procurou a sua tia em Surrey. Mas não encontrou nenhuma pista em
Dambury House, e Londres lhe pareceu o seguinte passo lógico.
Se o inimigo de Agatha descobriu algo sobre seu passado secreto através dos
brilhantes e intensamente eficientes círculos de fofoca da alta sociedade londrina, então era
razoável supor que alguém em Londres saberia algo.
James ficou amargamente decepcionado.
Não havia nada mais que fazer agora exceto retornar a Dambury House com a
esperança de que o chantagista houvesse feito outra demanda. Isto, entretanto, parecia
improvável; certamente sua tia o teria notificado se tivesse acontecido. Sabia onde
localizá-lo; lhe dissera exatamente onde ia e o que esperava conseguir. Agatha se havia
oposto veementemente a que partisse. Estava convencida que seu chantagista seria
encontrado em Surrey, rondando Dambury House. Quando James partiu finalmente, Agatha
se comportara segundo seu estilo, resmungona, mal-humorada e mais irritável que seu gato.
James estremeceu ao pensar na pobre Elizabeth, encadeada à áspera companhia de
sua tia durante toda a semana passada. Mas se alguém podia tirar a Agatha de seu mau
humor, ele estava convencido de que era Elizabeth.
Três dias mais. Não dedicaria mais que esse tempo a sua investigação em Londres.
Três dias e voltaria para Dambury House, anunciaria seu fracasso a sua tia e suas intenções
a Elizabeth.
Três dias mais e poderia começar sua vida de novo.
hhh
Chegada a sexta-feira pela tarde, Dambury House estava sitiada. Elizabeth se
encerrou na biblioteca durante uma hora só para escapar das hordas de criados que davam
os últimos retoques à mansão para a celebração do baile daquela noite. Não havia modo de
escapar da frenética atividade, entretanto; Lady Dambury insistira em que Elizabeth se
vestisse em Dambury House. Isto era uma proposta sensata, eliminando a necessidade de
Elizabeth de retornar a sua casa para trocar-se e logo voltar de novo para a mansão.
Mas também era impossível escapulir durante uns minutos em busca de um pouco
de paz. O momento na biblioteca não contava. Como podia contar quando não menos de
cinco criados esmurraram a porta, solicitando sua opinião sobre os mais corriqueiros
assuntos.
Finalmente Elizabeth se rendeu e gritou.
—Perguntem a Lady Dambury!
Quando a primeira das carruagens apareceu pelo caminho, Elizabeth fugiu escada
acima ao quarto que Lady Dambury lhe atribuíra para essa tarde. O temido traje de pastora
pendurado no armário, acompanhado do cajado que se apoiava contra a parede. Elizabeth
se deixou cair pesadamente sobre a cama. Não tinha nenhum desejo de chegar cedo.
Esperava passar a maior parte da noite sozinha. Não lhe desagradava sua própria
companhia, e a última coisa que queria era chamar a atenção. Chegar quando a festa
estivesse em seu apogeu significava que poderia mesclar-se com a multidão. Para então, os
convidados de Lady Dambury deveriam estar muito imersos em suas próprias conversações
para lhe prestar atenção.
Mas os convidados chegaram como uma inundação mais que como um lento fluxo,
e Elizabeth conhecia lady Dambury o bastante bem para saber que a condessa a arrastaria
abaixo pelo cabelo se ela demorasse muito mais sua aparição. Assim colocou a fantasia de
pastora, colocou a máscara emplumada que Lady D. comprara também para ela, e se olhou
ao espelho.
—Pareço ridícula—disse ela a seu reflexo. —Completamente ridícula. —Seu
vestido branco era uma massa de pregas e babados, adornado com mais renda do que
qualquer pastora poderia permitir-se, e o sutiã, embora não fosse indecente, estava talhado
mais baixo que qualquer outro que ela tivesse usado anteriormente.—Como se uma pastora
pudesse caminhar pelos campos tendo posto isto—resmungou, puxando o decote para cima.
Certamente também era improvável que uma pastora levasse posta uma máscara
emplumada, mas isso não tinha importância em comparação com a extensão do seio que
mostrava.
—Ah, não me importa—declarou. —Ninguém saberá quem sou, de todo modo, e se
alguém tentar algo indecente, ao menos tenho o maldito cajado.
Com isto, Elizabeth o agarrou e o balançou no ar como uma espada.
Satisfatoriamente armada, ela saiu do quarto e caminhou pelo corredor. Antes que
alcançasse a escada, entretanto, uma porta se abriu de repente, e uma mulher vestida como
uma abóbora saiu disparada, colidindo com Elizabeth.
Ambas caíram sobre o tapete com um ruído surdo e uma rajada de maldições.
Elizabeth ficou em pé e depois olhou para a abóbora, que ainda estava caída.
—Necessita que a ajude? —perguntou Elizabeth.
A abóbora, que segurava uma máscara verde em sua mão, assentiu.
—Obrigada. Estou um pouco desajeitada ultimamente, temo.
Elizabeth levou um par de piscadas para perceber que a abóbo... a dama! devia
deixar de pensar nela como uma abóbora.
—OH, não! —disse Elizabeth, ficando de joelhos a seu lado. —encontra-se bem?
Esta seu... —Assinalou o centro de sua figura, embora resultasse difícil discernir onde se
encontrava o centro sob a fantasia de abóbora.
—Estou bem, —assegurou-lhe a dama. —A única coisa que sofreu foi meu orgulho,
asseguro.
—Bem, me deixe ajudá-la. —Era difícil manobrar com a fantasia, mas finalmente
Elizabeth conseguiu colocá-la de pé.
—Sinto terrivelmente ter me chocado contra você—desculpou-se a dama. —É só
que chegava bastante tarde, e sei que meu marido estará lá embaixo batendo o pé, e...
—Não acontece nada. O asseguro—disse Elizabeth. E como a dama era uma
abóbora tão simpática, acrescentou. —De fato lhe estou bastante agradecida. Esta pode ser
a primeira vez que não fui eu a causadora do acidente. Sou terrivelmente desajeitada.
A nova amiga da Elizabeth riu.
—Já que nos conhecemos assim, por favor, me permita ser terrivelmente descarada
e que me apresente. Sou a esposa de Blake Ravenscroft, mas me sentirei insultada se não
me chame simplesmente Caroline.
—Eu sou a senhorita Elizabeth Hotchkiss, dama de companhia de Lady Dambury.
—Meu Deus, de verdade? ouvi que pode ser um autentico dragão.
—No fundo é realmente muito doce. Mas eu não gostaria de despertar seu mau
gênio.
Caroline assentiu e afagou seu cabelo castanho claro.
—Estou muito desarrumada?
Elizabeth negou com a cabeça.
—Não mais do que alguém esperaria de uma abóbora.
—Sim, suponho que às abóboras são permitidas um maior relaxamento no esmero
de seu penteado.
Elizabeth riu de novo, gostando desta mulher enormemente.
Caroline estendeu seu braço.
—Descemos?
Elizabeth assentiu, e andaram para as escadas.
—Definitivamente me desmascaro ante você—disse Caroline com um sorriso,
levantando sua máscara em uma saudação. —Meu marido passou bastante tempo aqui
quando era menino, e me assegura que ainda se sente aterrorizado por Lady Dambury.
—Seu marido era amigo de seus filhos?
—De seu sobrinho, em realidade. o Marquês de Riverdale. Espero vê-lo esta noite.
Deve estar convidado. Conheceu-o?
—Não. Não, não o conheço. Mas escutei algo sobre ele a semana passada.
—De verdade? —Caroline começou a descer cuidadosamente a escada.—No que
está metido? Não tive notícias dele há mais de um mês.
—Não sei, em realidade. Lady Dambury celebrou uma pequena recepção ao ar livre
a semana passada, e enviou uma nota pedindo a um de seus convidados que se reunisse
com ele em Londres imediatamente.
—Oooh. Que intrigante. E que próprio do James.
Elizabeth sorriu ante o nome. Ela tinha seu próprio James, e não podia esperar para
vê-lo de novo. Caroline se deteve em um degrau e girou para Elizabeth com uma expressão
muito própria de uma irmã, e muito curiosa.
—O que foi isso?
—O que?
—Esse sorriso. E não diga que não estava sorrindo. Vi.
—Ah. —Elizabeth sentiu que suas faces ruborizavam. —Não é nada. Tenho um
pretendente cujo nome é também James.
—De verdade? —Os olhos verde mar de Caroline brilharam com o brilho de uma
casamenteira nata. —Me deve apresentar ele.
—Não está aqui, temo. É o novo administrador de Lady Dambury, mas
recentemente foi chamado a Londres. Algum tipo de emergência familiar, acredito.
—É uma lástima. Já sinto que somos as melhores amigas. Gostaria de tê-lo
conhecido.
Elizabeth sentiu que seus olhos se empanavam.
—foi encantador por sua parte dizer isso.
—Isso acredita? Estou tão contente de que não me ache muito descarada. Não fui
educada em sociedade, e tenho o terrível costume de dizer as coisas sem as pensar primeiro.
Isso deixa meu marido louco.
—Estou segura de que a adora.
Os olhos de Caroline brilharam, e Elizabeth soube que o seu casamento foi por
amor.
—Chego tão tarde que ele provavelmente arrancará minha cabeça, —confessou
Caroline. —Pode ser tão preocupado.
—Então será melhor que nos ponhamos em marcha.
—Mal posso esperar a lhe apresentar ao Blake.
—Eu adoraria. Mas primeiro preciso encontrar a Lady Dambury e me assegurar de
que não necessita nada.
—O dever a chama, suponho. Mas deve me prometer que nos encontraremos mais
tarde. —Caroline sorriu ironicamente e fez um gesto para o seu traje. —Sou bastante fácil
de encontrar.
Elizabeth alcançou o final das escadas e soltou seu braço do de Caroline.
—É uma promessa. —Depois, com um sorriso e uma saudação da mão, escapou
para o salão de baile. Lady Dambury estaria na porta principal recebendo a seus
convidados, e seria mais fácil chegar até ela rodeando a casa por fora que tratar de batalhar
contra a multidão que havia dentro.
hhh
—Que demônios? —À exclamação do James seguiram uma série de maldições mais
criativas e fortes enquanto guiava seu cavalo ao redor da aglomeração de carruagens que
lentamente seguiam para Dambury House.
O baile de máscaras. O maldito, incômodo e inoportuno baile de máscaras.
Esqueceu-se completamente disso. Planejara a noite até o último detalhe. Ia ver sua tia, lhe
dizer que falhara, que não foi capaz de descobrir a seu chantagista, e lhe prometer que o
seguiria tentando, mas que não podia deixar sua vida em suspense enquanto o fizesse.
Depois cavalgaria até a casinha de Elizabeth e lhe pediria que se casasse com ele.
Esteve sorrindo amplamente como um idiota durante toda a volta a casa, planejando cada
palavra. Tinha pensado em levar ao Lucas à parte e lhe pedir a mão de sua irmã. Não é que
James planejasse permitir que um menino de oito anos governasse sua vida, mas de algum
jeito pensar em envolver ao pequeno moço lhe enternecia o coração. Além disso, tinha o
pressentimento de que Elizabeth se sentiria encantada pelo gesto, o qual era provavelmente
o verdadeiro motivo de todo o assunto.
Mas não lhe ia ser possível escapar de Dambury House esta noite, e evidentemente
não ia ser possível uma entrevista a sós com sua tia. Frustrado com a obstrução de
carruagens, guiou a seu cavalo fora da estrada principal e cavalgou através da extensão de
grama ligeiramente arborizada que discorria junto a estrada principal de Dambury House.
Havia lua cheia, e uma grande quantidade de luz se filtrava pelas muitas janelas da
mansão para iluminar seu caminho, assim não teve que diminuir excessivamente sua
marcha enquanto se dirigia aos estábulos. Encarregou-se de seu cavalo e caminhou
lentamente para sua pequena moradia, sorrindo quando recordou o momento em que pegou
Elizabeth bisbilhotando ali semanas antes. Ainda não o contara.
Não importava; teria toda uma vida para compartilhar com ela e criar lembranças
juntos.
Tentou ignorar o ruído da festa, preferindo a paz e o isolamento de sua moradia
temporária, mas ele não podia fazer caso omisso do rugido de seu estômago vazio.
Retornara precipitadamente a Surrey, impaciente por ver a Elizabeth, e não se deteve nem
para pegar um bocado de pão. Em sua casa não havia nada comestível, assim se permitiu
uma sonora maldição, e retornou cansativamente ao exterior. Com um pouco de sorte,
poderia chegar à cozinha sem ser reconhecido ou abordado por um farrista bêbado.
Manteve a cabeça abaixada enquanto ziguezagueava entre a multidão que saía em
turba ao jardim. Se agia como um criado, os convidados de Agatha veriam um criado e,
com um pouco de sorte, deixariam-no em paz.
O Senhor sabia que não esperariam tropeçar com o Marquês de Riverdale tão
desalinhado e coberto de pó. Conseguiu esquivar a maior parte da multidão, e estava a meio
caminho de seu destino, quando pela extremidade do olho viu uma pastora loira golpear
uma rocha, agitar o braço esquerdo desesperadamente para manter o equilíbrio, e
finalmente endireitar-se apoiando seu cajado na terra.
Elizabeth. Devia ser ela. Nenhuma outra loira pastora podia ser tão
encantadoramente desajeitada. Parecia estar fugindo ao longo de Dambury House, em
direção à entrada. James trocou ligeiramente de planos e foi em sua direção, seu coração
retumbando com a certeza de que ela logo estaria em seus braços.
Quando se convertera em um tolo romântico?
Quem sabia? A quem importava? Estava apaixonado. Finalmente encontrara a
mulher que completava seu coração, e se isso o convertia em um tolo romântico, que assim
fosse.
Enquanto ela se dirigia para a parte dianteira, se aproximou sigilosamente por
detrás, e antes de que ela pudesse ouvir o rangido de suas pegadas sobre o cascalho,
estendeu a mão e a agarrou pelo pulso. Ela girou com um grito sufocado de sobressalto.
James viu com prazer como o pânico de seus olhos se convertia em alegria.
—James! —gritou, agarrando com sua mão livre a dele. —Retornaste.
Ele levou suas mãos aos lábios e as beijou.
—Não podia permanecer longe.
O tempo que tinham separados a havia tornado tímida, e não pôde olhá-lo aos olhos
quando sussurrou.
—Te senti falta.
Ao inferno o decoro. Estreitou-a em seus braços e a beijou. E quando finalmente
pôde obrigar-se a arrancar seus lábios dos dela, sussurrou.
—Veem comigo.
—Onde?
—A qualquer parte.
E ela foi.
Capítulo 17
A noite estava cheia de magia. A lua refulgia, o ar estava impregnado do delicado
aroma de flores silvestres, e o vento era um romântico sussurro contra a pele.
Elizabeth se sentia como uma princesa. A mulher que corria através do campo, com
o cabelo ondeando como uma fita dourada, não podia ser a ordinária e simples Elizabeth
Hotchkiss. Só por uma noite, transformou-se. Só por uma noite, seu coração não albergava
preocupações nem responsabilidades. Estava banhada em risadas e paixão, envolta em pura
alegria.
De mãos dadas, correram. Dambury House se perdeu de vista, embora os sons da
festa flutuassem no ar. As árvores ao redor se fizeram mais densas, e finalmente James se
deteve, com a respiração ofegante pelo esforço e de excitação.
—OH, meu Deus—ofegou Elizabeth sufocada, quase chocando-se contra ele.
—Não corri tão rápido desde...
Seus braços se enroscaram ao redor dela, e ficou sem fôlego.
—Me beije—ordenou-lhe.
Elizabeth estava perdida no encanto da noite, e qualquer indecisão que tivesse
podido sentir, qualquer noção do que era apropriado e o que era escandaloso,
desvaneceu-se. Arqueou o pescoço, lhe oferecendo os lábios, e ele tomou, a boca dele
capturou a sua com uma doce mescla de ternura e primitiva necessidade.
—Não tomarei. Não agora, não ainda—jurou ele sobre sua pele. —Mas me deixe te
amar.
Elizabeth não sabia a que se referia, mas seu sangue corria ardente e veloz por suas
veias, e não podia lhe negar nada. Elevou o olhar, viu o fogo em seus olhos cor chocolate, e
tomou sua decisão.
—Me ame—sussurrou. —Confio em ti.
Os dedos de James tremeram quando os aproximou reverentemente a suave pele de
suas têmporas. Sob seus dedos seu cabelo era como seda dourada, e parecia tão
dolorosamente pequena e frágil sob suas grandes, e de repente, desajeitadas mãos. Deu-se
conta de que poderia machucá-la. Era pequena e delicada, e era sua responsabilidade
protegê-la.
—Serei suave—sussurrou, quase sem reconhecer sua própria voz. —Jamais te faria
mal. Jamais.
Ela confiava nele. Isto era um poderoso presente, um intercâmbio de almas.
Deixou vagar seus dedos suavemente pelos ângulos de suas faces até a nua pele de
seu pescoço. Sua fantasia não se parecia com nada que ela tivesse usado antes,
provocando-o com a insinuação de seus ombros nus, ameaçando cair só com o mais leve
empurrão. Podia enganchar seu dedo ao redor do suave tecido branco e revelar um delicado
ombro, e logo o outro, e logo podia puxar um pouco mas para baixo, expondo-a...
O sangue se amontoou nas virilhas. Deus santo, se só pensando em despi-la tinha
semelhante ereção, que demônios ia acontecer quando a tivesse realmente nua e disposta
em seus braços? Como conseguiria fazer amor com a gentileza e o cuidado que merecia?
Prendeu o fôlego, quando lentamente deslizou o vestido por um ombro, sem separar
os olhos da pele que ia expondo. Ela reluzia à luz da lua como a pérola mais preciosa, e
quando inclinou a cabeça para acariciar com os lábios a cálida e sedutora curva onde o
pescoço se encontrava com o ombro, foi como chegar em casa por fim. Enquanto a beijava,
sua mão tecia a mesma magia com o outro ombro, e ouviu seu ofego quando o tecido pouco
a pouco escorregou, revelando a suave curvatura das cúpulas de seus seios.
Ela murmurou algo, pensou que podia ter sido seu nome, mas não o deteve, assim
desabotoou o botão que se aninhava entre seus seios, soltando o decote de seu vestido o
suficiente para permitir que se abrisse. Suas mãos se elevaram para cobrir-se, mas ele as
agarrou entre as suas e as manteve afastadas enquanto se inclinava para depositar um beijo
leve como uma pluma sobre seus lábios.
—É preciosa—sussurrou James, a calidez de sua voz invadindo sua boca. —Tão
formosa.
Segurando ainda as mãos dela com uma das suas, estirou a outra mão e suavemente
a colocou sobre um de seus seios, deixando que lhe enchesse a palma. Ela era
surpreendentemente exuberante e firme, e James não pôde evitar um gemido de prazer
quando notou endurecer-se seu mamilo contra a palma de sua mão.
Olhou-a no rosto, precisava ver sua expressão, precisava saber que gostava de sua
carícia. Seus lábios estavam entreabertos e brilhantes como se os acabasse de umedecer
com a língua. Seus olhos estavam aturdidos e desfocados, e sua respiração brotava em
entrecortados ofegos.
Deslizou uma de suas mãos sobre seu traseiro, segurando-a enquanto se deslizavam
ao chão. A grama formava um suave e fresco tapete debaixo deles, o cabelo de Elizabeth se
estendia como um leque dourado. James a contemplou durante um momento, murmurando
um doce obrigado para o Deus que o guiara até esse momento, e então baixou sua cabeça a
seus seios, amando-a com sua boca.
Elizabeth soltou um surpreso:
—Oh! —quando os lábios de James se fecharam ao redor de seu mamilo. Sentia seu
quente fôlego sobre seu seio, e seu sangue ardia por sua carícia. Seu corpo se voltou
estranho, quase como se quisesse sair de sua própria pele. Sentia a imperiosa necessidade
de mover-se, de estirar os dedos dos pés e esfregar as solas contra a erva, de flexionar as
mãos e logo as afundar em seu grosso cabelo castanho. Arqueou as costas debaixo dele,
consumida por algum demônio apaixonado que a insistia a tomar o que quer que lhe
oferecesse. —James—ofegou, e logo sussurrou outra vez.
Seu nome foi a única palavra que veio a seus lábios, e soou como uma súplica e
uma oração.
Baixou-lhe a parte superior do vestido todo o possível, assim levou uma de suas
mãos a sua perna, lhe acariciando a panturrilha antes de seguir subindo pela parte exterior
de seu joelho. E depois, tão lentamente que ela agonizou de antecipação, sua mão
abandonou seu joelho para apertar a suave pele de sua coxa. Gemeu seu nome outra vez,
mas a boca dele estava sobre a sua, e suas palavras se perderam em seu beijo. A mão dele
seguiu subindo ao longo de sua perna, alcançando a suave pele do interior de sua coxa. Ela
se esticou, sentindo que se aproximava da borda de algo, que se dirigia a algum lugar
secreto do qual não havia volta.
James levantou a cabeça e a olhou. Ela teve que piscar várias vezes antes de poder
enfocar suas queridas feições, e então, com um sorriso libertino, James lhe perguntou.
—Mais?
Que o céu a ajudasse. Assentiu, e viu como seu sorriso se alargava justo antes que
sua boca descesse até a pele sob seu queixo, empurrando-a até que seus lábios puderam
explorar a totalidade de seu pescoço. E então sua mão se deslocou mais acima.
Estava quase no mais alto de sua coxa agora, quase roçando seu núcleo mais íntimo.
A proximidade era desconcertante, e suas pernas começaram a tremer de antecipação.
—Confia em mim—sussurrou ele. —Só confia em mim. Prometo que farei que o
desfrute.
Seu tremor não se deteve, mas suas pernas se separaram ligeiramente, permitindo
que seu corpo se acomodasse entre suas coxas. Até esse momento não se deu conta de que
ele esteve mantendo-se afastado dela, usando seus poderosos braços para aguentar seu peso.
Mas tudo isso mudou quando acomodou o corpo dele sobre o seu. Seu peso era excitante, o
comprimento e o calor. Era muito maior que ela; ela nunca percebera a verdadeira
magnitude de seu poder e força até que foi pressionado tão intimamente contra ela.
Sua mão se estendeu, abrangendo a largura de sua coxa e seu polegar ficou
perigosamente perto dos cachos que protegiam sua feminilidade. Apertou e brincou. E
então a tocou.
Elizabeth não estava preparada para a descarga de pura eletricidade que percorreu
sua coluna. Nunca imaginou que pudesse sentir-se tão quente, tão estremecida, tão
desesperada pelo contato de outro ser humano.
Seus dedos brincaram com ela até que esteve segura de que não poderia aguentar
mais, e então ele insistiu. Sentia seu quente fôlego contra sua orelha até que esteve segura
de que incendiaria, e então ele começou a sussurrar; palavras de amor e palavras de paixão.
Cada vez que acreditava ter alcançado seu limite, ele a levava mais alto, conduzindo-a a um
novo nível de paixão. Aferrava-se à grama, temerosa de que se punha os braços ao redor de
James, rasgaria sua camisa em duas. Mas então, quando seu dedo se deslizou em seu
interior, ele sussurrou.
—Me toque.
Vacilante, assustada de sua própria paixão, levantou as mãos até a gola de sua
camisa. O botão superior estava desabotoado; deslizou rapidamente o seguinte pela casa em
seu afã de tocar sua pele.
—Deus santo, Elizabeth—ofegou James. —Vais matar-me.
Ela se deteve e seus olhos se ergueram para os dele.
—Não—disse ele, rindo. —Está tudo bem.
—Está seguro? Porque Ohhhhhhhhh!
Não tinha nem ideia do que ele fez, como moveu exatamente seus dedos, mas a
pressão que esteve acumulando-se dentro dela de repente explodiu. Seu corpo se esticou,
logo se arqueou, tremeu, e quando finalmente, estremecida, deslizou-se de novo ao chão,
estava segura de haver-se desfeito em mil pedaços.
—Oh, James—suspirou. —Faz-me sentir tão bem por dentro.
Seu corpo estava ainda tão duro como uma rocha, e estava tão tenso de desejo que
sabia que ficaria insatisfeito essa noite. Seus braços começaram a tremer sob o peso de seu
corpo, assim rodou para um lado, acoplando-se junto a ela sobre a grama. Apoiou a cabeça
sobre um cotovelo, recreando-se na deliciosa visão de seu rosto. Tinha os olhos fechados,
os lábios entreabertos, e ele estava seguro de não ter visto nunca nada tão formoso em toda
sua vida.
—Há tantas coisas que preciso te dizer—sussurrou, lhe retirando o cabelo da testa.
Elizabeth entreabriu os olhos.
—O que?
—Amanhã, — prometeu ele, subindo docemente o sutiã. Era uma maldade cobrir
uma beleza tão perfeita, mas sabia que ela sentia ainda acanhamento sobre sua nudez. Ou a
sentiria, quando recordasse que estava nua.
Ela ruborizou, confirmando sua teoria de que, depois da paixão, esquecera seu
estado de nudez.
—Por que não me pode dizer isso esta noite? —perguntou-lhe ela.
Isso era uma boa pergunta. Tinha na ponta da língua lhe revelar sua verdadeira
identidade e lhe pedir que se casasse com ele, mas algo o continha. Só ia propor
matrimônio a uma mulher uma vez em sua vida, e queria que fosse perfeito. Nunca sonhou
que encontraria a uma mulher que capturasse sua alma por completo. Ela merecia rosas e
diamantes, e a ele de joelho. E sentia que devia a Agatha lhe dizer que dava por terminada
sua farsa antes de finalizá-la de fato.
—Amanhã, —prometeu outra vez. —Amanhã.
Pareceu ficar satisfeita, já que suspirou e se sentou.
—Suponho que deveríamos retornar.
Ele deu de ombros e sorriu amplamente.
—Não tenho nenhum encontro urgente.
Isso lhe rendeu uma careta.
—Sim, mas a mim esperam. Lady Dambury passou toda a semana me chateando
para que visse sua fantasia. Se não aparecer, nunca me deixará esquecê-lo.—Lançou-lhe
um irônico olhar de relance. —Ela está a um passo de me deixar louca. Um interminável
sermão por minha ausência provavelmente acabaria com minha prudência.
—Sim—murmurou James, —é muito hábil dirigindo a culpabilidade.
—Por que não vem comigo? —perguntou Elizabeth.
Uma má ideia. Inumeráveis pessoas poderiam reconhecê-lo.
—Eu gostaria—mentiu ele, —mas não posso.
—Por quê?
—Er, estou bastante poeirento da viagem, e...
—Escovaremo-lhe.
—Não tenho fantasia.
—Ora! A metade dos homens se negam a usar fantasia. Estou segura de que
podemos te encontrar uma máscara.
Desesperado, soltou.
—Simplesmente não posso me mesclar com a gente em meu atual estado.
Isso fez que ela engolisse qualquer resposta que tivesse pensado. Depois de vários
segundos de embaraçoso silêncio, finalmente perguntou.
—A que estado te refere?
James grunhiu. Será que ninguém lhe explicara como funcionavam os homens e as
mulheres? Provavelmente não. Sua mãe morreu quando ela só tinha dezoito anos, e lhe
resultava difícil imaginar a sua tia encarregando-se de uma tarefa tão delicada.
Olhou a Elizabeth. Seus olhos o olhavam espectadores.
—Suponho que não se conformaria se eu dissesse que o que eu gostaria seria me
lançar de cabeça a um lago gelado e deixá-lo assim—disse ele.
Ela negou com a cabeça.
—Já supunha que não—resmungou ele.
—Você não... ah...
Ele se agarrou a seu balbucio.
—Exatamente! Eu não.
—O problema—disse ela, evitando seus olhos, —é que não sei exatamente o que
você não...
—Ensinarei-lhe isso mais tarde—prometeu ele. —Que Deus me ajude, se não lhe
ensinar isso mais tarde, estarei morto antes que acabe o mês.
—Um mês inteiro?
Um mês? Estava louco? ia ter que conseguir uma licença especial.
—Uma semana. Definitivamente uma semana.
—Já vejo.
—Não, não o faz. Mas o fará.
Elizabeth tossiu e ruborizou.
—Independentemente do que te refira—resmungou ela, —tenho a sensação de que
deve ser bastante atrevido.
Ele levou sua mão aos lábios.
—Ainda é virgem, Elizabeth. E eu me sinto infernalmente frustrado.
—OH! Eu... —Sorriu timidamente. —Obrigado.
—Poderia te dizer que não importa absolutamente—disse, tomando-a pelo braço,
—salvo que seria uma descarada mentira.
—E suponho—acrescentou ela, de maneira travessa, —que também mentiria se
dissesse que foi um prazer para ti.
—Seria uma enorme mentira. De imensas proporções.
Ela riu.
—Se não começar a me mostrar o devido respeito—resmungou ele, —pode ser que
tenha que te atirar ao lago comigo.
—Certamente pode suportar uma pequena provocação.
—Parece-me que por esta noite suportei toda a provocação que meu corpo pode
aguentar.
Ela soltou outras quantas risadas.
—Sinto muito—ofegou. —Minha intenção não é rir de ti, mas...
—Sim é. —Tentou não sorrir, mas não teve êxito.
—Muito bem, sim. Mas é só porque... —Deixou de caminhar e elevou a mão até
roçar seu querido rosto. —É só que me faz sentir tão feliz e livre. Não posso recordar a
última vez que me senti capaz de simplesmente rir.
—E quando está com sua família? —perguntou ele. —Sei que os adora.
—Adoro-os. Mas ainda quando nos estamos rindo e brincando e nós estamos
passando bem, sempre há uma nuvem escura pendendo sobre mim, me recordando
constantemente que poderia perder tudo isso. Que tudo isso me poderia ser arrebatado no
momento em que não possa ser capaz de apoiá-los.
—Não terá que preocupar-se nunca mais disso—disse ele, sua voz era uma feroz
promessa. —Jamais.
—Oh, James—disse ela, melancólica. —É encantador por dizer isso, mas não sei
como poderia...
—Terá que confiar em mim—interrompeu-a ele. —Tenho alguns truques sob a
manga. Além disso, acreditei que havia dito que quando estás comigo essa nuvem
desaparecia.
—Quando estou contigo esqueço todos os meus problemas, mas isso não significa
que desapareceram.
Ele acariciou a mão dela.
—Pode ser que te surpreenda, Elizabeth Hotchkiss.
Caminharam para a casa em amistoso silêncio. Conforme se aproximavam, os sons
da festa foram aumentando e a música, mesclada com inumeráveis conversas, e o ocasional
estrépito de ruidosas gargalhadas.
—Soa como se houvesse uma multidão—comentou Elizabeth.
—Lady Dambury não aceitaria menos—replicou James. Jogou uma fugaz olhada
para a mansão, que já estava à vista. Os convidados saíram ao jardim, e sabia que precisava
retirar-se imediatamente. —Elizabeth—disse, —Preciso ir já, mas vou te visitar amanhã.
—Não, por favor fique. —Sorriu-lhe, seus olhos azul escuros angustiosamente
abertos. —Nunca dançamos.
—Prometo-te que o faremos. —Não perdia de vista às pessoas mais próximas da
multidão. Não via ninguém conhecido, mas nunca se era o suficientemente cuidadoso.
—Buscarei-te uma máscara, se isso for o que o preocupa.
—Não, Elizabeth, simplesmente não posso. Deve aceitá-lo.
Ela franziu o cenho.
—Não vejo por que precisa...
—Simplesmente é assim. Eu Ooof! —Algo enorme e fofo se chocou contra as
costas de James. Evidentemente não estavam tão afastados da multidão como pensava.
Virou-se para chamar a atenção ao desajeitado farrista...
E se encontrou olhando diretamente para os olhos água-marinha de Caroline
Ravenscroft. Elizabeth contemplou a cena que se desenvolvia em frente a seus olhos com
uma crescente sensação de incredulidade e horror.
—James? —perguntou Caroline, seus olhos se abriram com prazer. —Oh, James! É
estupendo ver-te!
Os olhos de Elizabeth viajaram de James a Caroline, tentando entender como é que
estas duas pessoas se conheciam. Se Caroline conhecia James, então devia saber que ele era
o administrador que Elizabeth mencionara ao princípio dessa noite.
—Caroline—respondeu James, com voz incrivelmente tensa.
Caroline tentou abraçá-lo, mas sua fantasia de abóbora dificultava.
—Onde estiveste? —exigiu. —Blake e eu estamos muito desgostosos. Ele esteve
tentando te localizar para... Elizabeth?
James ficou gelado.
—Como é que conhece Elizabeth? —perguntou, lenta e cuidadosamente.
—Conhecemo-nos esta noite—respondeu Caroline, descartando-o com a mão antes
de virar-se para sua nova melhor amiga. —Elizabeth, estive te buscando toda a noite. Onde
te colocaste? E como conhece o James?
—Eu... eu... —a Elizabeth não saíam as palavras, não podia verbalizar o que cada
vez era mais óbvio.
—Quando conheceste a Elizabeth? —Caroline se virou para enfrentar a James, sua
trança castanho claro ficou sobre seu ombro. —Falei-lhe de ti esta noite e me disse que não
te conhecia.
—Falou-me dele? —sussurrou Elizabeth. —Não, não o fez. Não mencionou ao
James. A única pessoa de quem me falou foi de...
—James, —interrompeu-a Caroline, olhando-a. —O Marquês de Riverdale.
—Não—disse Elizabeth, com voz trêmula, sua mente de repente repleta de imagens
de um pequeno livro vermelho e intermináveis decretos. "Como casar-se com um
Marquês". Não, era impossível. —Ele não é...
Caroline se voltou para James.
—James? —Abriu muito os olhos quando compreendeu que, sem querer, tinha
descoberto um segredo. —Oh, não. Sinto muito. Jamais imaginei que estivesse trabalhando
incógnito aqui, em Dambury House. Disse-me que já terminara com tudo isso.
—Com tudo o que? —perguntou Elizabeth, com voz ligeiramente estridente.
—Isto não tem nada que ver com o Ministério de Defesa—disse James, com os
dentes apertados.
—Então o que?—perguntou Caroline.
—O Marquês de Riverdale? —repetiu Elizabeth. —É um marquês?
—Elizabeth—disse James, ignorando a Caroline. —Me dê um momento para lhe
explicar isso.
Um marquês. James era um marquês. E deve ter rido dela durante semanas.
—Bastardo, sibilou.
E então, pondo em prática cada uma das lições de boxe que lhe dera, mais todos
seus instintos assassinos, jogou seu braço direito para trás e lhe deu um murro.
James cambaleou. Caroline gritou. E Elizabeth se afastou com passo majestoso.
—Elizabeth! —trovejou James, caminhando a passos longos atrás dela. —Volta
aqui agora mesmo. Me vais escutar.
Sua mão se fechou sobre seu braço.
—Me solte! —gritou ela.
—Não antes que me escute.
—Oh, você deve ter rido muito às minhas custas—espetou-lhe. —Tão divertido
pretendendo me ensinar como me casar com um marquês. Bastardo. Asqueroso bastardo.
Ele quase se estremeceu pelo veneno de sua voz.
—Elizabeth, nem uma vez...
—Riu-te de mim com seus amigos? Burlou-te da pobre senhorita de companhia que
pensava que ia ser capaz de casar-se com um marquês?
—Elizabeth, tinha meus motivos para manter minha identidade em segredo. Está
tirando conclusões precipitadas.
—Não seja condescendente—cuspiu-lhe, tentando soltar seu braço. —Nem sequer
volte a me dirigir a palavra.
—Não te deixarei partir sem me escutar até o final.
—E deixei-te me tocar—sussurrou ela, o horror claramente visível em seu rosto.
—Deixei-te me tocar e tudo era uma mentira.
Ele a agarrou pelo outro braço também e a apertou contra ele, até que seus seios
ficaram esmagados contra suas costelas.
—Jamais —sibilou ele, —volte a chamar a isso uma mentira.
—Então o que foi? Você não me ama. Nem sequer me respeita bastante para me
dizer quem é.
—Sabe que isso não é verdade. —Elevou o olhar e viu que uma pequena multidão
começara a ajuntar-se perto de Caroline, que continuava ainda ali de pé, boquiaberta a
alguns metros de distância. —Vem comigo—ordenou-lhe, arrastando-a para o canto de
Dambury House. —Falaremos disto em privado.
—Não vou contigo a nenhuma parte. —Cravou os calcanhares no chão, mas não era
páreo para sua força superior. —Vou para casa, e se alguma vez tentar falar comigo de
novo, não respondo pelas consequências.
—Elizabeth, está sendo irracional.
Ela explodiu.
Se foi por sua voz ou por suas palavras, nunca saberia, mas simplesmente explodiu.
—Não me diga o que sou! —gritou, lhe golpeando o peito com seus punhos. —Não
me diga nada!
James simplesmente ficou ali parado, deixando que o golpeasse. Estava tão imóvel
que finalmente seus punhos, ao não sentir nenhuma resistência, tiveram que parar.
Retrocedeu um passo, com o corpo sacudido por profundas e violentas inspirações
enquanto o olhava no rosto.
—Odeio-te—disse em voz baixa.
Ele não disse nada.
—Não tem nem ideia do que fez, —sussurrou, movendo a cabeça incrédula. —Nem
sequer acredita que fez algo errado.
—Elizabeth. —Nunca imaginou que pudesse requerer tal esforço ao pronunciar uma
simples palavra.
Seus olhos brilharam com um brilho de compaixão, como se tivesse compreendido
de repente que estava por debaixo dela, que nunca seria digno de seu amor e seu respeito.
—Parto para casa. Pode informar a Lady Dambury que demiti.
—Não pode se demitir.
—E por que não?
—Ela te necessita. E você necessita...
—O dinheiro? —cuspiu. —É isso o que ia dizer?
Ele sentiu que suas faces avermelhavam, e soube que ela podia ver a resposta em
seus olhos.
—Há algumas coisas que não faria por dinheiro—disse-lhe, —e se pensa que vou
voltar aqui e trabalhar para sua tia. Oh, Meu deus! —ofegou, como se acabasse de
compreender o que havia dito. —Ela é sua tia. Devia saber. Como pôde me fazer isto?
—Agatha não tinha nem ideia do que acontecia entre nós. Independentemente de
sobre quem fosse recair a culpa, não pode atribuir nenhuma a ela.
—Confiava nela—sussurrou Elizabeth. —Foi como uma mãe para mim, por que
deixou que isto acontecesse?
—James? Elizabeth?
Ambos deram volta e viram como uma tímida abóbora colocava a cabeça pelo
canto, seguida por um bastante irritado pirata de cabelo negro, que agitava os braços em
direção contrária, gritando.
—Partam! Todos! Não há nada que ver.
—Não é bom momento, Caroline—disse James, com tom cortante.
—Em realidade—respondeu Caroline suavemente, —parece-me que é.
Possivelmente poderíamos ir todos para dentro? A algum lugar privado?
Blake Ravenscroft, o marido de Caroline e melhor amigo de James, se aproximou.
—Ela tem razão, James. Os falatórios já estão circulando. A metade da festa vai
aparecer por detrás desta esquina em uns minutos.
Caroline assentiu.
—Temo que vai ser um escândalo terrível.
—Estou segura de que já é—replicou Elizabeth. —Não é que me importe. Seguro
que não vou voltar a ver nenhuma destas pessoas outra vez.
James sentiu como as unhas lhe cravavam nas palmas da mão. Estava se fartando da
teimosia de Elizabeth. Nem uma vez lhe dera a oportunidade de explicar-se. O que eram
todas aquelas tolices que dissera sobre que confiava nele? Se verdadeiramente confiasse
nele, lhe teria deixado explicar.
—Verá essa gente outra vez, —disse em tom perigoso.
—Oh, e quando será? —burlou-se ela. —Não sou de sua classe, como tão hábil,
embora discretamente, deixaste claro.
—Não—disse ele suavemente, —é melhor.
Isso a emudeceu. Tremeram-lhe os lábios, e sua voz era trêmula quando finalmente
disse.
—Não. Não pode me fazer isto. O que fez é imperdoável, e não pode te valer de
doces palavras para obter o perdão.
James apertou os dentes e deu um passo para ela, sem se importar do modo em que
Caroline e Blake os olhavam.
—Darei-te um dia para que supere seu aborrecimento, Elizabeth. Tem até amanhã a
esta mesma hora.
—E então o que acontecerá?
Seus olhos ardiam quando se inclinou para ela, intimidando-a de propósito com seu
tamanho.
—E então te casas comigo.
Capítulo 18
Elizabeth o golpeou de novo, desta vez pegando-o de surpresa, assim caiu ao chão.
—Dizer isso é algo horrível! —gritou.
—Elizabeth, —disse-lhe Caroline, agarrando-a pelo pulso e arrastando-a a seu lado.
—Parece-me que acaba de te pedir que te case com ele. Disse algo muito formoso. Algo
precioso. —virou-se para seu marido, que olhava a James e tentava não rir.—Não é algo
precioso?
—Não queria dizer isso, —explodiu Elizabeth. —Só o diz porque se sente culpado.
Sabe que o que fez está errado e...
—Espera um momento, —interrompeu Blake. —Acreditei que disse que nem
sequer sabia que fez algo errado.
—Não sabia. Não sabe. Não sei! —Elizabeth se voltou rapidamente, entrecerrando
os olhos e cravando-os sobre o enigmático e arrumado cavalheiro. —E você nem sequer
estava ali. Como sabe o que disse? Estava escutando às escondidas?
Blake, que trabalhou junto a James para o Ministério de Defesa por muitos anos,
deu de ombros.
—É como uma segunda natureza, temo...
—Bem, pois é um hábito desprezível. Eu —Parou-se em seco, assinalando-o com
um gesto impaciente. —Quem é você?
—Blake Ravenscroft, —disse, com uma elegante reverência.
—Meu marido, —adicionou Caroline.
—OH, sim, que esteve confabulado com ele. —Elizabeth assinalou ao James, que
estava sentado no chão, apertando o nariz —durante anos. Desculpe-me se essa conexão
não o faz muito recomendável.
Blake simplesmente sorriu.
Elizabeth moveu a cabeça, sentindo-se estranhamente exposta. Seu mundo
desmoronava ao seu redor com uma vertiginosa rapidez, todos falavam ao mesmo tempo, e
a única coisa ao que parecia ser capaz de aferrar-se para manter-se em pé era a sua cólera
contra James.
Ela sacudiu o dedo em sua direção, fulminando ainda com o olhar ao Blake.
—É um aristocrata. Um maldito marquês.
—É isso tão mau? —perguntou Blake, arqueando as sobrancelhas.
—Deveria ter me dito isso!
—James, —disse Caroline, ajoelhando-se junto a ele na medida que sua fantasia o
permitia. —Está sangrando?
Sangrando? Elizabeth se odiou por preocupar-se, mas não pôde abafar uma
exclamação, e o virar-se imediatamente para James. Nunca o perdoaria pelo que fez, e, é
obvio, não queria voltar a vê-lo nunca mais, mas tampouco queria vê-lo ferido.
—Não estou sangrando, —resmungou James.
Caroline olhou a seu marido e lhe disse.
—Ela o golpeou duas vezes.
—Duas vezes?—Blake sorriu amplamente. —De verdade?
—Não é engraçado, —disse Caroline.
Blake olhou para James.
—Deixou que te golpeasse duas vezes?
—Demônios, eu a ensinei.
—Isso, querido amigo, demonstra uma incrível falta de previsão por sua parte.
James o olhou carrancudo.
—Tentava ensiná-la a proteger-se.
—De quem? De ti?
—Não! Do... Oh, pelo amor de Deus, o que importa, eu... —James procurou com o
olhar a Elizabeth, viu-a tentando retroceder inadvertidamente e ficou imediatamente de pé.
—Você não vai a nenhuma parte, —grunhiu, segurando-a pela faixa da sua fantasia.
—Me solte! Ai! —revolveu-se como um peixe fora da água, tentando, sem êxito,
virar-se para poder fulminá-lo com o olhar. —ME SOLTE!
—Nem em um milhão de anos.
Elizabeth olhou para Caroline suplicante. Certamente outra mulher a apoiaria em
sua premente situação.
—Por favor, lhe diga que me solte.
Caroline olhou para James e para Blake e depois outra vez a Elizabeth.
Evidentemente dividida entre sua lealdade a seu velho amigo e sua compaixão por
Elizabeth, gaguejou.
—E-eu não sei o que esta ocorrendo, exceto que ele não te disse quem era.
—E não é suficiente?
—Bom, —respondeu evasivamente Caroline, —James raramente diz às pessoas
quem é.
—O que? —gritou Elizabeth, retorcendo-se como uma fera para poder golpear
James em seu aristocrático ombro. —Fez isto antes? É um desprezível, um amoral.
—Basta! —rugiu James.
Seis cabeças fantasiadas apareceram no canto.
—Realmente acredito que deveríamos ir para dentro, —disse Caroline fracamente.
—A menos que prefira ter uma plateia, —acrescentou Blake.
—Quero ir para casa, —declarou Elizabeth, mas ninguém fez conta. Não sabia por
que se surpreendia; ninguém lhe fez caso em toda a noite.
James assentiu bruscamente para Blake e Caroline e logo fez um brusco gesto para a
casa com a cabeça. Seu aperto sobre a faixa do vestido de Elizabeth se intensificou, e
quando ele começou a caminhar para dentro, ela não pôde fazer outra coisa que segui-lo.
Algum momento mais tarde se encontrava na biblioteca, o cúmulo da ironia. "Como
casar-se com um Marquês" seguia em sua prateleira, justo onde ela o deixara. Elizabeth
suprimiu um irracional impulso de rir. A senhora Seeton tinha razão; havia um marquês
atrás de cada esquina. A aristocracia estava em toda parte, à espreita para humilhar a pobres
e confiadas mulheres.
E isso foi o que James fez. Cada vez que lhe deu um conselho sobre como caçar a
um marido - um marquês, maldito fosse a humilhou. Cada vez que tentou lhe ensinar como
sorrir ou como flertar, a menosprezou. E quando a beijou, pretendendo não ser nada mais
que um humilde administrador, a sujou com suas mentiras. Se James não a tivesse puxado
pela faixa, provavelmente agarraria o maldito livro e o jogaria pela janela e logo,
provavelmente jogaria a ele.
Elizabeth notou seu olhar sobre seu rosto, lhe queimando a pele, e quando levantou
os olhos para ele, deu-se conta de que ele seguiu seu olhar até o livro da senhora Seeton.
—Não diga nada, —sussurrou ela, dolorosamente consciente da presença dos
Ravenscroft. —Por favor não me vás mortificar assim.
James assentiu de maneira cortante, e Elizabeth sentiu que todo seu corpo se
relaxava de alívio. Não conhecia Blake, e ela mal conhecia Caroline, mas não podia
suportar que se inteirassem de que era tão patética que teve que recorrer a um livro para
encontrar marido.
Blake fechou a porta da biblioteca atrás dele, e depois olhou aos ocupantes da sala
com expressão neutra.
—Er—disse, olhando alternativamente a Elizabeth e James, —prefeririam que nós
partíssemos?
—Sim, —grunhiu James.
—Não! —virtualmente gritou Elizabeth.
—Acredito que deveríamos partir, —disse Blake a sua esposa.
—Elizabeth quer que fiquemos, —replicou Caroline, —não podemos deixá-la aqui
só com ele.
—Não seria apropriado, —apressou-se a acrescentar Elizabeth. Não queria ficar a
sós com James. Se ficassem sozinhos, a enrolaria e a faria esquecer sua cólera. Usaria
suaves palavras e tenras carícias, e ela perderia a noção da realidade e do que era correto.
Sabia que ele exercia esse poder sobre ela, e se odiava por isso.
—Acredito que estamos mais à frente do decoro, —respondeu-lhe James.
Caroline desabou sobre a borda de uma mesa.
—Oh, querido.
Blake lhe lançou um olhar divertido.
—Desde quando se preocupa tanto com o decoro?
—Desde... Oh, cale-se. —E depois, quase em um sussurro acrescentou. —Não quer
que se casem?
—Se não sabia nem sequer que ela existia até dez minutos.
—Não vou me casar com ele, —declarou Elizabeth, tentando ignorar que sua voz se
quebrava ao pronunciar as palavras. —E lhes agradeceria que não falassem como se eu não
estivesse na sala.
Caroline baixou o olhar ao chão.
—Lamento—resmungou. —Eu também odeio quando as pessoas fazem isso.
—Quero ir para casa, —disse Elizabeth outra vez.
—Sei, querida, —murmurou Caroline, —mas realmente deveríamos resolver isto,
e...
Alguém começou a golpear a porta.
—Parta, —gritou Blake.
—Sentira-se muito melhor pela manhã se solucionarmos isto agora, —- continuou
Caroline. —Prometo-te que...
—SILÊNCIO!
A voz de James ressonou na sala com tal poder que Elizabeth se sentou.
Infelizmente, a mão dele seguia segurando sua faixa, assim acabou ofegando em busca de
ar quando o tecido se afundou em suas costelas.
—James—disse, respirando com dificuldade, —me solte.
Soltou-a, embora provavelmente seu desejo fosse sacudi-la.
—Pelo amor de Deus, —trovejou. —Como acreditam que pode um homem pensar
com todo esse barulho? Seria possível que mantivéssemos uma só conversa? Só uma, que
todos pudéssemos seguir?
—De fato, —interveio Caroline, um tanto imprudentemente, —e no sentido mais
estrito, só estávamos falando de um assunto. Embora certamente falávamos todos ao
mesmo tempo e...
Seu marido a apertou contra seu flanco com força suficiente para lhe arrancar um
pequeno gemido. Ela não emitiu um som depois disso.
—Preciso falar com Elizabeth, —disse James. —A sós.
A resposta de Elizabeth foi rápida e terminante.
—Não.
Blake começou a caminhar para a porta, arrastando Caroline com ele.
—É hora de partir, querida.
—Não podemos deixá-la aqui contra sua vontade, —protestou Caroline. —Não é
correto, e para falar a verdade, não posso...
—Ele não vai machucá-la, —interrompeu-a Blake.
Mas Caroline se limitou a enganchar um de seus pés ao redor do pé de uma mesa.
—Não a abandonarei, —disse teimosamente.
Elizabeth articulou um silencioso e sentido obrigado da outra ponta da sala.
—Blake... —disse James, com um breve e significativo olhar para Caroline, que se
aferrava com seus braços de abóbora ao respaldo de uma poltrona.
Blake deu de ombros.
—Logo aprenderá, James, que há momentos em que simplesmente não pode
discutir com sua esposa.
—Bom, que aprenda com outra esposa, —declarou Elizabeth, —porque não me
casarei com ele.
—Já chega! —explodiu James zangado, com um gesto da mão para Blake e
Caroline. —Fiquem e escutem. Provavelmente escutariam através da porta, de todo modo.
E quanto a ti... —Moveu seu furioso olhar para Elizabeth. —Me vais escutar e te vais casar
comigo.
—Vê? —sussurrou Caroline ao Blake. —Sabia que ao final repensaria e nos
deixaria ficar.
James girou lentamente, com o pescoço tão tenso que sua mandíbula tremia.
—Ravenscroft—disse ao Blake, com voz perigosamente controlada, —não sente
alguma vez o impulso de estrangulá-la?
—Oh, todo o tempo, —disse Blake alegremente. —Mas, em geral, me alegro de que
se casasse comigo em vez de contigo.
—O que? —gritou Elizabeth. —Pediu-te que te casasse com ele? —Meneou a
cabeça incredulamente durante vários segundos antes de conseguir deter-se e fixar seus
olhos em Caroline—Pediu-te que te casasse com ele?
—Sim, —respondeu Caroline, com um desdenhoso encolhimento de ombros.
—Mas não o dizia a sério.
Elizabeth lançou um duro olhar ao James. - Tem o costume de efetuar insinceras
propostas de matrimônio?
James olhou ainda mas duramente para Caroline.
—Não está melhorando a situação.
Caroline dirigiu um implorante olhar a seu marido.
—A mim não olhe para que te ajude, —disse ele.
—Teria se casado comigo se eu lhe houvesse dito que sim, —explicou Caroline
com um sonoro suspiro. —Mas só me propôs isso para aguilhoar ao Blake a que me pedisse
isso. Foi muito considerado por sua parte. Será um marido maravilhoso, Elizabeth.
Prometo-lhe isso.
Elizabeth contemplou aos três com incredulidade. Vê-los relacionar-se entre si a
esgotava.
—Estamos lhe confundindo, verdade? —perguntou Caroline.
Elizabeth ficou sem palavras.
—Em realidade é uma história bastante extraordinária, —disse Blake com um
encolhimento de ombros. —Escreveria um livro sobre isso, exceto que ninguém acreditaria.
—Você acredita? —perguntou Caroline, com olhos acesos de prazer. —Como o
titularias?
—Não estou seguro, —disse Blake, esfregando o queixo. —Possivelmente algo
assim como "Para pegar uma herdeira".
James aproximou seu rosto furioso ao do Blake.
—E por que não "Como voltar completa e irremediavelmente loucos a seus
amigos"?
Elizabeth sacudiu a cabeça.
—Estão todos loucos. Estou convencida.
Blake deu de ombros de novo.
—A metade das vezes eu também estou convencido disso.
—Posso, por favor, falar com Elizabeth? —explodiu James.
—Sinto muito, —disse Blake, com um tom evidentemente concebido para zangar.
—Tinha esquecido para o que estávamos aqui.
James afundou sua mão esquerda em seu cabelo e deu um puxão; esta lhe pareceu a
única maneira de impedir de fincar as mãos ao redor do pescoço de Blake.
—Começo a compreender —grunhiu, —por que os noivados devem levar-se a cabo
em privado.
Blake arqueou uma sobrancelha.
—E isso o que significa?
—Significa que arruinaste tudo.
—Por quê? —respondeu Elizabeth. —Por que por descuido revelou sua identidade?
—Ia contar isso tudo amanhã.
—Não te acredito.
—Não me importa se me acredita! —gritou James. —É a verdade.
—Perdoa minha interrupção, —interveio Caroline, —mas não deveria preocupar-se
de se ela acredita ou não? Depois de tudo, pediste-lhe que seja sua esposa.
James começou a tremer, desesperado por estrangular a alguém nessa sala, mas sem
estar seguro de com quem estava mais furioso. Estava Blake, com seus irônicos olhares;
Caroline, que devia ser a mulher mais intrometida de toda a história do mundo; e
Elizabeth...
Elizabeth. Sim, ela era a que verdadeiramente o desenquadrava, porque só o pensar
em seu nome fez que sua temperatura se elevasse uns quantos graus. E não devido
precisamente à paixão. Estava furioso. Tinha a coluna reta, os dentes apertados, e os
músculos tão tensos que quase lhe atravessavam a pele por causa da fúria.
E seus três companheiros presentes evidentemente não perceberam o perigo a que se
expunham cada vez que soltavam outra néscia ocorrência.
—Agora vou falar eu, —disse, mantendo a voz dolorosamente lenta e controlada.
—E o próximo que me interromper atiro pela janela. Está claro?
Ninguém disse nada.
—Está claro?
—Acreditei que queria que permanecêssemos calados, —disse Blake.
O qual resultou ser todo o incentivo que Caroline necessitou para abrir a boca e
dizer.
—Acredito que se deu conta de que a janela não está aberta?
Elizabeth tampou a boca com a mão. James a fulminou com o olhar. Que Deus
tivesse piedade dela se risse. Inspirou profundamente e a olhou fixamente em seus olhos
azuis.
—Não lhe disse quem era pois me chamaram aqui para investigar uma chantagem a
minha tia.
—Alguém chantageia a sua tia? —inquiriu Caroline sem fôlego.
—Deus santo! —exclamou Blake. —Esse cretino deve ter desejos de morrer.
—Olhou a Elizabeth. —A mim, certamente, aterroriza-me a velha dragona.
James olhou aos Ravenscroft, lançou uma significativa olhada para a janela, e
depois voltou a cravar o olhar em Elizabeth.
—Não teria sido prudente te informar de meu verdadeiro objetivo aqui em Dambury
House, porque, se por acaso esqueceste, você foi a principal suspeita.
—Suspeitava da Elizabeth? —interrompeu-o Caroline. —Está completamente
louco?
—Fez, —afirmou Elizabeth. —E está. Louco, quero dizer.
James tomou ar para acalmar-se. Estava a dois passos da combustão espontânea.
—Rapidamente eliminei Elizabeth como suspeita, —disse através dos dentes
apertados.
—Era então quando deveria me haver dito quem era,—disse Elizabeth. —Antes...
—Interrompeu-se e olhou resolutamente para o chão.
—Antes do que? —perguntou Caroline.
—A janela, querida, —disse Blake, lhe acariciando o braço a sua esposa. —Recorda
a janela.
Ela assentiu e voltou a concentrar sua atenção em James e Elizabeth, com expressão
expectante.
James a ignorou resolutamente, concentrando-se por inteiro em Elizabeth. Estava
sentada em uma poltrona, com as costas rígidas como um pau, e seu rosto parecia tão tenso
que pensou que a mais leve carícia poderia fazê-la em pedacinhos. Tentou recordar seu
aspecto só uma hora antes, ruborizada de paixão e prazer. Para seu horror, não pôde.
—Não lhe contei isso então, —continuou, —porque sentia que meu primeiro dever
deve ser para com minha tia. Ela foi... —Procurou palavras que pudessem explicar a
profundidade de sua lealdade para sua idosa e excêntrica tia, mas então recordou que
Elizabeth conhecia seu passado. De fato, ela era a única pessoa a quem contou toda a
história de sua infância. Mesmo Blake só sabia algumas partes. —Ela foi muito importante
para mim durante muitos anos, —disse finalmente. —Não podia...
—Não tem que explicar seu amor por Lady Dambury, —disse Elizabeth
calmamente, sem levantar o olhar.
—Obrigado. —Clareou a garganta. —Não sabia e ainda não sei a identidade do
chantagista. Além disso, não tenho modo de determinar se esse indivíduo pode resultar
perigoso ou não. Não vi nenhuma razão para te envolver ainda mais neste assunto.
Elizabeth elevou a vista de repente, e a expressão em seus olhos era dilaceradora.
—Sem dúvida sabe que eu jamais faria algo para machucar a Lady Dambury.
—É obvio que sei. Sua lealdade para ela é evidente. Mas a questão é que não tem
experiência em tais assuntos, e...
—E suponho que você sim? —perguntou ela, com evidente mas não odioso
sarcasmo.
—Elizabeth, passei a maior parte da última década trabalhando para o Ministério de
Defesa.
—A pistola, —sussurrou ela. —A forma em que atacou a Fellport. Sabia que algo
não enquadrava.
James jurou em voz baixa.
—Minha briga com Fellport não teve nada que ver com minha experiência no
Ministério de Defesa. Por Deus, Elizabeth, esse homem te atacou.
—Sim, —respondeu ela, —mas você parecia muito familiarizado com a violência.
Foi bastante fácil para ti. O modo em que tirou a pistola... Tinhas muita experiência nisso.
Ele se inclinou para ela, com seus ardentes olhos cravados nos seus.
—O que senti naquele momento estava longe de me resultar familiar. Era ira,
Elizabeth, pura e primitiva ira, e muito diferente de qualquer outra coisa que alguma vez
tenha passado por minhas veias.
—Você jamais... alguma vez sentiu raiva antes?
Ele negou com a cabeça devagar.
—Assim não. Fellport se atreveu a atacar o que era meu. Tem sorte de que o
deixasse com vida.
—Não sou tua, —sussurrou ela. Mas sua voz carecia de convicção.
—Não?
Do outro lado da sala, Caroline suspirou.
—James, —disse Elizabeth. —Não posso te perdoar. Simplesmente não posso.
—Que demônios não pode perdoar? —explodiu ele. —Não te dizer que tinha um
maldito título? Acreditei que havia dito que não queria um maldito marquês.
Ela se retraiu ante sua cólera, e murmurou.
—A que te refere?
—Não te lembra? Foi nesta mesma sala. Estava segurando o livro, e...
—Não mencione esse livro, —disse ela, em voz baixa e furiosa. —Não o volte a
mencionar.
—Por que não? —burlou-se ele, sua cólera e sua dor o fizeram ser mesquinho.—Por
que não quer que lhe recordem quão desesperada estava? Ou ávida e ambiciosa?
—James! —exclamou Caroline. —Já basta.
Mas ele estava muito doído, além de toda contenção.
—Não é melhor que eu, Elizabeth Hotchkiss. Prega sobre a honestidade, mas quis
apanhar a algum pobre tolo crédulo no matrimônio.
—Isso não é verdade! Nunca teria casado com alguém sem me assegurar primeiro
de que soubesse de minha situação. E você sabe.
—Sei? Não recordo que mencionasse tão nobres princípios. De fato, a única coisa
que recordo é como praticava suas artimanhas sobre mim.
—Você me pediu isso!
—James Siddons, o administrador, era o bastante bom para flertar, —mofou-se ele,
—mas não o bastante bom para casar-se. É isso?
—Amava a James Siddons! —exclamou ela. E logo, horrorizada pelo que dissera,
ficou em pé de um salto e saiu à carreira para a porta.
Mas James foi mais rápido. Bloqueou-lhe o caminho, sussurrando.
—Amava-me?
—Amava a ele, —gritou ela. —Não sei quem é você.
—Sou o mesmo homem.
—Não, não é. O homem que eu conhecia era uma mentira. Ele não teria zombado
de uma mulher da maneira que você fez. E, entretanto... —Sua voz se rompeu, e uma risada
horrorizada brotou de seus lábios. —E, entretanto, sim o fez, verdade?
—Por Deus, Elizabeth, que demônios fiz que seja tão malvado e rasteiro?
Ela o contemplou incrédula.
—Nem sequer sabe, verdade? Dá-me asco.
Os músculos de sua garganta tremeram espasmodicamente de raiva, e necessitou de
cada grama de seu autocontrole para não agarrá-la pelos ombros e sacudi-la até que
recuperasse a sensatez. Seu aborrecimento e sua dor eram tão primitivas, estavam tão perto
da superfície que temeu que a mínima amostra de emoção desencadearia em sua totalidade
a horripilante corrente de sua fúria. Finalmente, com um autocontrole que não podia
acreditar que possuía, conseguiu cuspir entrecortadamente:
—Te explique.
Ela permaneceu imóvel um instante mais, e logo, com um chute no chão, cruzou a
sala e tirou de um puxão o exemplar de "Como casar-se com um Marquês" que descansava
em sua prateleira.
—Recorda isto? —gritou-lhe ela, sacudindo o pequeno livro vermelho no ar.
—Recorda-o?
—Acredito recordar que me pediste faz um momento não mencionar esse livro
diante dos Ravenscroft.
—Não importa. Já me humilhaste profundamente diante deles, de todo modo. Eu
poderia muito bem terminar o trabalho.
Caroline depositou uma reconfortante mão sobre o braço de Elizabeth.
—Acredito que é muito valente, —disse suavemente. —Por favor não pense que
foste envergonhada de maneira nenhuma.
—Oh, você não acredita? —arremeteu Elizabeth, engasgando-se com cada palavra.
—Bom, então, olhe isto. —Pôs o livro nas mãos de Caroline.
Estava de cabeça para baixo, assim Caroline murmurou sua incompreensão até que
deu a volta e leu o título. Um pequeno grito de alarme escapou de seus lábios.
—O que acontece, querida? —perguntou-lhe Blake.
Em silêncio, passou-lhe o livro. Blake o estudou, lhe dando umas quantas voltas em
suas mãos. Então ambos olharam para James.
—Não estou segura do que aconteceu, —disse Caroline, com cautela —mas minha
imaginação me faz conceber todo tipo de desastres.
—Ele me encontrou com isto, —disse Elizabeth. —Sei que é um livro ridículo, mas
precisava me casar e não tinha ninguém a quem pedir conselho. E então ele me encontrou
com o livro, e temi que zombasse de mim. Mas não o fez. —Fez uma pausa para recuperar
o fôlego, e apressada enxugou uma lagrima. —Foi tão amável. E depois, depois se ofereceu
a me dar aulas. Esteve de acordo em que não podia aspirar a me casar com um marquês.
—Jamais disse isso! —assegurou James com paixão. —Isso o disse você. Não eu.
—Ofereceu-se para me ajudar a entender o livro para que...
—Ofereci-me a queimar o livro, se por acaso não o recorda. Você disse que era uma
completa tolice. —Olhou-a enfurecido, e ao não conseguir intimidá-la, fulminou com o
olhar a Blake e a Caroline. Tampouco pareceu sortir algum efeito, assim se voltou para
Elizabeth e gritou. —Pelo amor de Deus, mulher, só há uma regra nesse maldito livro que
vale a pena seguir.
—E essa é? —perguntou Elizabeth desdenhosamente.
—O que te case com seu maldito marquês!
Ficou calada um comprido momento, seus olhos azuis cravados nos dele, e logo, em
um gesto que foi como um direto a seu estomago, lhe deu as costas.
—Disse-me que me ajudaria a aprender como caçar a um marido, —disse aos
Ravenscroft. —Mas nunca me disse quem era ele. Nunca me disse que era um maldito
marquês. —Ninguém disse uma palavra, assim Elizabeth soltou um amargo suspiro e disse,
—e agora já conhecem toda a história. Como zombou de mim e de minhas desafortunadas
circunstâncias.
James cruzou a sala em menos de um segundo.
—Nunca ri de ti, Elizabeth, —disse, com os olhos fixos em seu rosto. —Deve
acreditá-lo. Nunca tive intenção de te fazer mal.
—Bom, pois me tem feito isso, —disse ela.
—Então te case comigo. Me deixe passar o resto de minha vida te compensando.
Uma grossa lágrima escapou da extremidade de seu olho.
—Você não quer se casar comigo.
—Pedi isso repetidas vezes, —disse ele, com um bufo de impaciência. —Quantas
mais provas necessita?
—Não me permite ter um pouco de orgulho? Ou é uma emoção reservada para a
elite?
—- Será que sou uma pessoa tão terrível? —A pergunta foi rematada por um
vagamente desconcertado suspiro. —Bem, não lhe disse quem era. Sinto muito. Me perdoe
por desfrutar não, por me deleitar no fato de que te apaixonou por mim, não por meu título,
nem de meu dinheiro, nem de nenhuma outra coisa. Só por mim.
Um som estrangulado surgiu de sua garganta.
—Era uma prova?
—Não! —virtualmente gritou ele. —É obvio que não era uma prova. Já lhe disse
isso, tinha importantes motivos para ocultar minha identidade. Mas ... mas... —Procurou as
palavras adequadas, sem saber como expressar os sentimentos que enchiam seu coração.
—Mas me fazia sentir bem. Não tem nem ideia, Elizabeth. Nem ideia...
—Não, —disse ela, calmamente,—não tenho.
—Não me castigue, Elizabeth.
Sua voz estava rouca e carregada de emoção, e Elizabeth sentiu que seu cálido tom
de barítono se afundava diretamente em sua alma. Precisava sair daqui, precisava escapar
antes que ele pudesse tecer mais mentiras ao redor de seu coração.
Soltando suas mãos de um puxão, correu para a porta.
—Preciso ir, —disse, o pânico fez que elevasse a voz. —Não posso estar contigo
agora mesmo.
—Aonde vai? —perguntou James, seguindo-a devagar.
—Para casa.
Seu braço se estendeu para lhe impedir de partir.
—Não irás para casa sozinha. Está escuro, e a zona esta cheia de bêbados e farristas.
—Mas...
—Não me importa se me odeia, —disse ele, em um tom de voz que não admitia
protesto. —Não permitirei que saia desta sala sem acompanhante.
Ela olhou suplicante para Blake.
—Então pode fazê-lo você. A acompanhe até sua casa? Por favor?
Blake permaneceu imóvel, e seus olhos se cruzaram com os de James um segundo
antes de assentir.
—Será uma honra.
—Cuida dela, —disse James bruscamente.
Blake assentiu de novo.
—Sabe que o farei. —Pegou Elizabeth pelo braço e a escoltou para fora da sala.
James os olhou sair, e logo se apoiou contra a parede, com todo o corpo tremendo
das emoções que tentou manter controladas durante toda a noite. Fúria, dor, exasperação,
inclusive a maldita frustração depois de tudo não tinha conseguido sua própria liberação no
bosque, com Elizabeth. Todas elas ebuliam em seu interior, devorando-o por completo, lhe
dificultando a respiração.
Escutou um pequeno cacarejo e elevou a vista. Demônios, esqueceu-se
completamente de que Caroline ainda seguia na sala.
—Oh, James, —suspirou ela. —Como pôde?
—Economize isso Caroline, —espetou-lhe bruscamente. —Simplesmente deixa
estar.
E logo, partiu furioso, chocando-se indiferentemente com a multidão do corredor.
Tinha uma garrafa de uísque em sua casinha e prometia ser a melhor companhia para essa
noite.
Capítulo 19
Elizabeth não demorou muito em decidir que Blake Ravenscroft, apesar de ser o
amigo do peito de James, era um homem muito sábio. Não fez, enquanto a acompanhava a
casa, nenhuma só tentativa de manter uma conversa, ou de efetuar perguntas indiscretas,
nem de nenhuma outra coisa exceto lhe oferecer um carinhoso e consolador tapinha no
braço e lhe dizer:
—Se necessitar a alguém, estou seguro que Caroline estaria encantada de falar com
você.
Era próprio de um homem inteligente, em efeito, saber quando devia manter a boca
fechada.
O trajeto para casa foi feito em silêncio, exceto pelas ocasionais indicações de
Elizabeth de como chegar a seu lar. Entretanto, quando chegaram à morada dos Hotchkiss,
Elizabeth ficou surpresa ao ver a pequena estrutura transbordante de luz.
—Céus—murmurou. —Devem ter aceso cada uma das velas que temos em casa.
E então, pela força do costume, começou a calcular mentalmente o custo daquelas
velas e a rezar para que não tivessem usado nenhuma das caras velas de cera de abelha que
normalmente reservava para quando tinham visita.
Blake afastou os olhos do caminho para olhá-la.
—Ocorre algo?
—Espero que não. Não posso imaginar o que...
A carruagem se deteve, e Elizabeth saltou sem esperar a ajuda de Blake. Não havia
nenhuma razão para sua casa zumbir com tal atividade, nenhuma razão absolutamente. Da
casa brotava suficiente barulho para despertar a um morto, e embora o ruído soasse alegre e
feliz, Elizabeth não pôde conter uma pontada de pânico.
Lançou-se através da porta e seguiu os ruidosos gritos e as risadas até o salão.
Susan, Jane, e Lucas estavam de mãos dadas e giravam, rindo e cantando canções a pleno
pulmão. Elizabeth estava estupefata. Nunca vira seus irmãos comportar-se assim. Queria
acreditar que conseguira carregar sobre seus ombros a maior parte das preocupações
durante os cinco últimos anos, e que eles tiveram uma infância feliz e razoavelmente
despreocupada, mas nunca os vira tão completamente embebidos de felicidade.
Sentiu Blake de pé a seu lado, e quando ele sussurrou.
—Sabe o que acontece? —não pôde articular uma resposta.
Depois de aproximadamente cinco segundos, Susan divisou a sua irmã parada na
soleira contemplando-os atônita, e abruptamente parou de girar, fazendo que Jane e Lucas
se chocassem em um risonho enredo de fracos braços e cabelo loiro.
—Elizabeth!—exclamou Susan. —Já está em casa?
Elizabeth assentiu devagar.
—O que aconteceu? Não esperava que estivessem ainda acordados.
—Oh, Elizabeth! —gritou Jane. —aconteceu algo maravilhoso. Não vais acreditar!
—Estupendo, —respondeu Elizabeth, suas emoções estavam ainda muito
maltratadas para poder insuflar um pouco de animação à palavra. Mas tentou. Não sabia o
que aconteceu que havia trazido semelhante felicidade a seus irmãos, mas devia apagar um
pouco da dor de seus olhos e ao menos tentar parecer excitada.
Susan se precipitou para ela, sustentando um pedaço de papel que pegou de cima da
escrivaninha.
—Olhe o que chegou enquanto estava fora. Trouxe-o um mensageiro.
—Um mensageiro com libré, —acrescentou Jane. —Era terrivelmente arrumado.
—Era um criado, —disse-lhe Lucas.
—Isso não significa que não fosse arrumado, —replicou ela.
Elizabeth sorriu a seu pesar. Escutar Lucas e Jane discutir era tão maravilhosamente
normal. Não como o resto desta terrível noite. Tomou o papel que Susan lhe estendia e o
leu.
E então suas mãos começaram a tremer.
—Não é fabuloso? —perguntou Susan, e seus olhos azuis brilhavam maravilhados.
—Quem o teria pensado?
Elizabeth não disse nada, lutando contra a onda de náuseas que assaltava seu
estômago.
—Quem pensa que pode ser? —perguntou Jane. —Deve ser alguém encantado. A
mais amável e adorável pessoa do mundo inteiro.
—Posso? —murmurou Blake.
Silenciosamente, lhe deu o papel. Quando elevou a vista, Susan, Jane, e Lucas a
contemplavam com expressão desconcertada.
—Não está contente? —sussurrou Jane.
Blake lhe devolveu o papel e o leu outra vez, como se uma releitura pudesse mudar
a ofensiva mensagem.
Sir Lucas Hotchkiss,
Senhorita Elizabeth Hotchkiss,
Senhorita Susan Hotchkiss,
Senhorita Jane Hotchkiss,
É um imenso prazer lhes informar que sua família é a destinatária deste generoso e
anônimo cheque, pela quantidade de 5000 libras esterlinas. Serão realizados acertos
adicionais por seu benfeitor para a assistência do Sir Lucas a Eton.
Deve apresentar-se no colégio a começos do próximo trimestre.
Sinceramente,
G. Shillingworth
Shillingworth e Filho, Advogados
Era de James. Devia ser, se voltou para Blake, incapaz de ocultar a dureza de seus
olhos.
—Ele só tenta te ajudar, —disse Blake suavemente.
—É insultante, —mal conseguiu dizer. —Como posso aceitar isto? Como poderia...
Ele colocou sua mão em seu braço.
—Está alterada. Possivelmente se o reconsidera pela manhã...
—É obvio que estou alterada! —Elizabeth percebeu os afligidos rostos de seus
irmãos e tampou a boca com a mão, horrorizada por seu arrebatamento.
Três pares de olhos azuis alternavam entre seu rosto e o do senhor Ravenscroft, a
quem eles nem sequer conheciam, e... O senhor Ravenscroft. Deveria apresentar-lhe as
crianças. Deviam estar bastante desgostados por sua reação, e pelo menos deveriam saber
quem estava de pé em seu salão.
—Susan, Jane, Lucas, —disse, tentando que sua voz soasse calma, —este é o senhor
Ravenscroft. É um amigo de —tragou. Quase havia dito o senhor Siddons, mas esse não
era seu verdadeiro nome, verdade? —é um amigo de Lady Dambury, —finalizou. —E foi
o bastante amável para me acompanhar a casa.
Seus irmãos resmungaram uma saudação, e Elizabeth girou para o Blake e disse.
—Senhor Ravenscroft, estes são: —Deixou de falar e entrecerrou os olhos. —É
senhor Ravenscroft, verdade? Não esconderá algum título também, não?
Blake negou com a cabeça, e um esboço de sorriso roçou os cantos de seus lábios.
—Sou um mero senhor, temo, embora se for necessário revelar tudo, meu pai é um
visconde.
Elizabeth quis sorrir, sabendo que seu comentário estava destinado a diverti-la, mas
simplesmente não pôde reunir as forças necessárias para isso. Em troca se voltou para seus
irmãos, e com o coração cheio de pesar lhes disse, —não podemos aceitá-lo.
—Mas...
—Não podemos. —Elizabeth não sabia qual de seus irmãos tinha expresso a
objeção, já que cortou rapidamente o protesto. —É muito. Não podemos aceitar este tipo de
caridade.
Jane pelo visto discordava.
—Mas não acredita que quem quer que nos tenha doado o dinheiro queria que o
tivéssemos?
Elizabeth tentou desfazer o nó que sentia na garganta. Quem sabia o que James
desejou? Era isto outra parte de algum magnífico plano para zombar dela? Depois do que
ele fizera, quem sabia como trabalhava sua mente?
—Estou segura de que o queria, —disse, cautelosa, —se não, não seriam nossos
nomes os que figurariam no princípio da missiva. Mas isso é irrelevante. Não podemos
aceitar esse dinheiro de um estranho.
—Talvez não seja um estranho, —disse Susan.
—Então é ainda pior! —replicou Elizabeth. —Meu Deus, você pode imaginar isso?
Alguma horrível pessoa nos tratando como marionetes, puxando as cordas, pensando que
pode controlar nosso destino? Está doente. Doente.
Fez-se silêncio, quebrado por um som dilacerador. Era Lucas, aguentando as
lágrimas. Olhou a Elizabeth, seus olhos angustiosamente abertos.
—Significa que não irei a Eton? —sussurrou.
A respiração de Elizabeth ficou presa na garganta. Tentou dizer a Lucas que não
podia ir, sabia que devia lhe dizer que não podiam aceitar o dinheiro de James, mas as
palavras simplesmente não saíam. Ficou ali de pé, olhando o tremente rosto de seu irmão.
Com todas suas forças estava tentando manter seu lábio superior firme e não mostrar sua
desilusão. Seus pequenos braços eram dois rígidos paus a seus lados, e seu queixo se
sobressaía, como se esticando a mandíbula pudesse segurar suas lágrimas.
Elizabeth o olhou e viu o preço de seu orgulho.
—Não sei sobre Eton, —disse ela, inclinando-se para abraçá-lo. —Talvez possamos
conseguir.
Mas Lucas se afastou.
—Não nos podemos permitir isso. Tenta ocultá-lo, mas eu sei a verdade. Não posso
ir. Nunca poderei ir.
—Isso não é verdade. Talvez isto... —fez um vago gesto para à carta. —Signifique
algo diferente. —Sorriu fracamente. Suas palavras careciam de convicção, e até um menino
de oito anos podia ver que mentia.
Os olhos de Lucas se cravaram nos seus durante o instante mais agônico e comprido
de sua vida. E depois, simplesmente tragou e disse.
—Vou à cama.
Elizabeth não tentou detê-lo. Não havia nada que pudesse dizer.
Jane o seguiu sem uma palavra, sua pequena trança loira parecia decididamente
murcha.
Elizabeth olhou a Susan.
—Odeia-me?
Susan negou com a cabeça.
—Mas não te entendo.
—Não podemos aceitar isto, Susan. Ficaríamos endividados com nosso benfeitor
para o resto de nossas vidas.
—Mas o que importa isso? Não sabemos nem sequer quem é!
—Não ficarei em dívida com ele, —disse Elizabeth ferozmente. —Não o farei.
Susan retrocedeu um passo abrindo muito os olhos.
—Você sabe quem é, —sussurrou. —Você sabe quem enviou isto.
—Não, —disse Elizabeth, mas ambas sabiam que ela mentia.
—Você sabe. E por isso não aceita.
—Susan, não vou seguir discutindo isto.
Susan retrocedeu, segurando-se ao marco da porta quando chegou ao corredor.
—Vou consolar ao Lucas, —disse. —Necessita um ombro para chorar.
Elizabeth estremeceu.
—Um golpe bastante direto, —murmurou Blake, uma vez que Susan começou a
subir as escadas.
Elizabeth deu a volta. Esqueceu-se completamente que estava ali.
—Perdão?
Ele negou com a cabeça.
—Não vale a pena repeti-lo.
Ela se deixou cair sobre o sofá, afundando-se contra o respaldo, suas pernas se
negavam a sustentá-la um segundo mais.
—Parece que foi testemunha de todas minhas conversas privadas esta noite.
—Não todas.
Ela sorriu sem humor.
—Suponho que voltará junto ao marquês e contará tudo.
—Não. Contarei tudo a minha esposa, mas não a James.
Elizabeth o olhou confusa.
—Então o que lhe dirá?
Blake deu de ombros enquanto se dirigia à porta.
—Que é um idiota se a deixar escapar. Mas suspeito que isso já sabe.
hhh
Elizabeth despertou a manhã seguinte, consciente de que ia ser um dia horrível. Não
havia ninguém a quem queria ver, absolutamente ninguém com quem queria falar, e isso
incluía a si mesma. Não queria enfrentar a seus irmãos e a seus rostos decepcionados. Não
queria ver os Ravenscroft estranhos que foram testemunhas de sua total e completa
humilhação. Negava-se a visitar lady Dambury; não acreditava ser capaz de passar o dia em
companhia da condessa sem converter-se em muita lágrimas e lhe perguntar como pôde
participar do engano de James.
E, é obvio, não queria ver James.
Levantou-se, vestiu-se, e depois simplesmente ficou deitada na cama. Um estranho
mal-estar a envolvia. O dia anterior foi tão exaustivo em todos os sentidos. Seus pés, sua
mente, seu coração tudo se negava a funcionar agora. Seria feliz se simplesmente pudesse
permanecer ali estirada sobre a cama, sem ver ninguém e sem fazer nada, durante uma
semana. Bom, feliz não. Isso era um exagero. Mas certamente se sentiria melhor, assim se
alguém batesse na porta e...
Knock, knock, knock.
Elizabeth ergueu a vista.
—Só por uma vez, —queixou-se em direção ao teto, —só por uma vez não poderia
me conceder um pequeno favor? —ficou de pé, deu um passo, e logo voltando a olhar para
cima, suas feições adquiriram uma expressão decididamente descontente. —No que se
refere à concessão de favores, este teria sido diminuto.
Abriu a porta de repente. Susan estava no corredor com a mão levantada para
golpear outra vez. Elizabeth não disse nada, sobretudo porque tinha a impressão de que não
se sentiria orgulhosa de seu tom de voz se o fizesse.
—Tem uma visita, —disse Susan.
—Não quero vê-lo.
—Não é um homem.
O rosto de Elizabeth se desencaixou pela surpresa.
—Não?
—Não. —Susan lhe estendeu um cartão de visita. —Ela parece uma dama bastante
agradável.
Elizabeth olhou para o cartão, notando distraidamente que parecia feito com o mais
fino e caro dos papéis.
"Sra Blake Ravenscroft."
—Deduzo que é a esposa do homem que conhecemos ontem? —perguntou Susan.
—Sim. Seu nome é Caroline. —Elizabeth passou uma mão pelo cabelo, que não
havia prendido ainda. -—É uma pessoa muito agradável, mas realmente, não estou para
visitas neste momento, e...
—Perdoa, —interrompeu-a Susan, —mas me parece que ela não partirá.
—Desculpa?
—Acredito que suas palavras exatas foram, "imagino que não terá vontade de
receber visitas, mas estarei encantada de esperar até que mude de opinião." E então se
sentou, tirou um livro...
—Deus querido, não será "Como casar-se com um Marquês", verdade?
—Não, era negro, e acredito que deve ser algum tipo de diário, porque começou a
escrever nele. Mas como te dizia, —acrescentou Susan, —então elevou o olhar até mim e
me disse, "Não precisa preocupar-se por mim. Posso me entreter sozinha."
—Disse isso?
Susan assentiu e deu de ombros.
—Assim não me preocupei. Parece totalmente feliz rabiscando em seu livro.
Entretanto, pus um bule ao fogo, por não perder as boas maneiras.
—Não vai partir, verdade?
Susan negou com a cabeça.
—Parece uma mulher muito obstinada. Não acredito que parta até que te veja. Não
me surpreenderia que houvesse trazido uma muda de roupa.
—Suponho que deveria arrumar o cabelo e descer, —disse Elizabeth com um
suspiro.
Susan se aproximou da pequena penteadeira de Elizabeth e agarrou a escova.
—Ajudarei-te.
Elizabeth supôs que era um estratagema para lhe surrupiar informação; Susan nunca
se ofereceu a lhe arrumar o cabelo antes. Mas a ouriçada escova resultava tão agradável
sobre seu couro cabeludo, que Elizabeth decidiu deixar-se conduzir.
Era algo raro que alguém esperasse a ela.
Elizabeth contou as passadas da escova por seu cabelo antes que Susan começasse a
lhe fazer perguntas. Uma passada, duas , três, quatro ah, Susan fez uma ligeira pausa antes
da quinta, devia estar preparando-se...
—Tem a visita da senhora Ravenscroft algo a ver com os acontecimentos de ontem
à noite? —perguntou Susan.
Cinco passadas. Elizabeth estava impressionada. Nunca pensou que Susan duraria
mais de três.
Susan passou a escova pelo cabelo da Elizabeth de novo.
—Lizzie? Ouviste-me?
—A verdade é que não sei a razão da visita da senhora Ravenscroft, —mentiu
Elizabeth.
—Hmmph.
—Ow!
—Sinto muito.
—Me dê isso! —Elizabeth lhe arrebatou a escova. —E os grampos também. Não
confio em ti quando tem objetos agudos.
Susan retrocedeu, cruzou os braços, e franziu o cenho.
—É difícil concentrar-se contigo me franzindo o cenho assim, —resmungou
Elizabeth.
—Bem.
—Susan Mary Hotchkiss!
—Não me fale como se fosse minha mãe.
Elizabeth soltou um comprido e cansado suspiro, esfregando uma sobrancelha com
a mão. Justo o que precisava essa manhã.
—Susan—disse tranquilamente, —contarei o que precise saber quando me vir
capaz.
Susan a contemplou durante vários segundos, aparentemente sopesando suas
palavras.
—É a única coisa que te posso dizer, —acrescentou Elizabeth, cravando o último
grampo em seu penteado. —Assim poderia ceder um pouco e tentar entender minha
posição.
Susan assentiu, seus olhos obscurecendo-se com um pingo de contrição. Ficou a um
lado quando Elizabeth saiu do quarto, e depois a seguiu escada abaixo.
Caroline estava sentada no sofá do salão, rabiscando em um livro encadernado em
couro quando Elizabeth entrou. Ao ouvir o som de passos, Caroline ergueu a vista.
—Espero que não esteja muito surpresa de ver-me.
Elizabeth sorriu ligeiramente.
—Não te esperava, mas agora que está aqui, não, não posso dizer que esteja
surpresa.
Caroline fechou seu livro.
—Blake me contou tudo.
—Sim, disse que o faria. Eu... —Elizabeth se deteve, girou o pescoço para olhar por
cima de seu ombro, e fulminou com o olhar a Susan, que vadiava na entrada. Susan se
apressou a partir depois de semelhante olhar, mas Elizabeth, voltando-se de novo para sua
convidada lhe disse, entretanto. —Gostaria de dar um passeio ao longo da vereda? Não
posso antecipar a natureza de sua visita, mas se desejas privacidade, sugiro-te
encarecidamente que saiamos.
Caroline riu.
—Adoro as famílias. São tão fofoqueiras. —Ficou em pé, com uma mão nas costas.
—Estou segura de que desejaria que a tua estivesse na Grécia agora ou mais longe! mas eu
nunca tive uma família com a que crescer, e posso te dizer que é encantador ter a alguém
tão preocupado por ti que é capaz de escutar às escondidas.
—Suponho que depende do humor que se esteja, —concedeu Elizabeth.
Caroline se acariciou o estômago.
—Isso é em parte a razão pela que penso com tanta ilusão neste menino. Não tenho
uma família em meu passado, assim criarei uma para o futuro.
Saíram pela porta de rua e passearam afastando-se da casa, Caroline ainda levava
seu pequeno livro negro. Quando estavam fora da vista da casinha, Caroline se voltou para
Elizabeth e disse.
—Espero que não se sinta insultada pelas ações de James quanto ao cheque.
—Não sei de que outra forma poderia me sentir.
Caroline a olhou como se tivesse uma sugestão, mas fechou a boca, sacudiu
levemente a cabeça, e logo continuou em uma linha diferente.
—Possivelmente deu o cheque porque não quis que se sentisse obrigada a te casar
contra seu coração.
Elizabeth não disse nada.
—Não conheço toda a história, —prosseguiu Caroline, —mas estive tentando juntar
as peças que possuo o melhor possível, e acredito que sentiu que devia te casar bem para
apoiar a sua família.
Elizabeth assentiu tristemente.
—Não temos nada. Mal posso alimentá-los.
—Estou segura de que James só quis te dar a liberdade de escolher a quem você
quisesse. Talvez até para escolher a um humilde administrador.
A cabeça de Elizabeth girou velozmente para lhe enfrentar.
—Não—disse com voz baixa e tremente, —ele nunca quis isso.
—Não? Quando falou comigo antes da festa, parecia como se você e seu
administrador estivessem chegando a um acordo.
Elizabeth mordeu o lábio inferior. Quando James simplesmente era o senhor
Siddons, nunca mencionou o matrimônio, mas lhe jurou que encontrariam um modo de
estar juntos. Elizabeth assumiu que suas palavras eram sinceras, mas como podia confiar
em tais palavras quando sua própria identidade foi uma mentira?
Caroline clareou a garganta.
—Não acredito que deva aceitar a caridade de James.
—Então entende como me sinto.
—Acredito que deveria te casar com ele.
—Deixou-me em ridículo, Caroline.
—Não acredito que fosse essa sua intenção.
—Pois certamente foi o resultado.
—Por que acredita nisso? —E logo antes que Elizabeth pudesse responder, Caroline
acrescentou. —Não acredito que seja uma tola. E sei que Blake tampouco acredita. E James
certamente.
—Podemos por favor, deixar de falar do James?
—Muito bem. Suponho que também podemos voltar para sua casa, então.
—Caroline levou a mão as costas e se esticou. —Parece ser que careço de minha energia
habitual estes dias. —Estendeu-lhe seu livro e lhe pediu. —Importaria-te em segurar isto?
—Absolutamente. É um diário?
—Em certa maneira. É meu dicionário pessoal. Quando me encontro com uma nova
palavra, eu gosto de apontá-la, junto com sua definição. É obvio, então, devo usá-la em seu
contexto, ou certamente a esquecerei.
—Que interessante, —murmurou Elizabeth. —Eu deveria tentá-lo.
Caroline assentiu.
—Escrevi sobre ti ontem à noite.
—Fez?
Assentiu outra vez.
—Está aí mesmo, na última página. A última página em que tenho escrito, é obvio.
Adiante. Não me importa se lhe joga uma olhada.
Elizabeth folheou as páginas até que chegou à última entrada. Leu:
"In-exo-ra-vel (adjetivo). Implacável; inflexivel; tenaz.
Temo que James se mostre inexorável em sua busca da senhorita Hotchkiss."
—Eu também temo, —resmungou Elizabeth.
—Bem, "temo" era realmente só uma forma de falar, —apressou-se a explicar
Caroline. —Evidentemente não temo. De fato, para ser completamente honesta, deveria ter
escrito que esperava que James se mostrasse inexorável.
Elizabeth olhou a sua nova amiga e lutou contra o impulso de gemer.
—Talvez devêssemos voltar para casa.
—Muito bem, mas se posso fazer uma última observação...
—Se tiver que ver com James, preferiria que não a fizesse.
—Pois sim, mas prometo que é a última. Verás... —Caroline fez uma pausa para
esfregar o queixo, sorriu envergonhada, e logo disse, —faço isto quando tomo um
momento.
Elizabeth fez um gesto com a mão para a casa, e começaram a andar.
—Estou segura de que vais dizer que James é um homem totalmente encantador, e...
—Não, não ia dizer isso absolutamente, —interrompeu-a Caroline. —Ele é
absolutamente insuportável, mas terá que confiar em mim quando te digo que é da melhor
classe de homem.
—Da classe com a qual não se pode viver?
—Não, dos que não pode se viver sem eles. E se o ama...
—Não o amo.
—Sim o faz. Posso vê-lo em seus olhos.
—Não o amo.
Caroline desfez seu protesto.
—Sim que o ama. Só que inclusive não te deste conta.
—Caroline!
—O que eu tentava te dizer é que embora James fez algo absolutamente horrível ao
não te revelar sua verdadeira identidade, ele tinha seus motivos, e nenhum deles teve nada
com te humilhar. É obvio, —acrescentou Caroline com uma inclinação de cabeça,
—compreendo que é fácil para mim dizê-lo, já que não sou eu quem tomou lições para
casar-se com um marquês de um marquês...
Elizabeth fez uma careta.
—Mas suas intenções eram honradas, estou segura. E uma vez que te passe o
aborrecimento, um aborrecimento muito válido e com toda a razão do mundo —Caroline
jogou uma olhada a Elizabeth para assegurar-se de que escutava esta parte.
—Compreenderá que se sentirá miserável se não formar parte de sua vida.
Elizabeth tentou ignorar suas palavras, porque suspeitava que eram mais exatas do
que teria gostado.
—Por não mencionar, —continuou Caroline alegremente, —que eu me sentiria
muito triste se não formasse parte de minha vida. Não conheço muitas mulheres de minha
idade além da irmã do Blake, e ela vive nas Antilhas com seu marido.
Elizabeth não pôde fazer menos que sorrir, mas se salvou de responder quando
notou que a porta da rua de sua casinha estava aberta. Voltou-se para Caroline e lhe
perguntou.
—Não fechamos a porta quando saímos?
—Acredito que o fizemos.
Então ouviram o golpe.
Seguido de um bramido reclamando o chá.
Seguido de um uivo decididamente felino.
—Oh, não, —gemeu Elizabeth. —Lady Dambury.
Capítulo 20
Lady Dambury raramente viajava sem seu gato. Malcolm, entretanto, tinha
dificuldade para apreciar os aspectos mais refinados da vida fora de Dambury House. Oh,
ele fazia ocasionais viagens aos estábulos, geralmente em busca de um gordo e enorme
camundongo, mas tendo sido criado entre a nobreza, evidentemente se considerava um
deles, e não desfrutava sendo arrastado à força para longe de seus cômodos domínios.
Para fascinação de Lucas e Jane, Malcolm decidiu expressar sua ira com um lúgubre
e acusador miado. Repetia-o em intervalos de dois segundos, com uma regularidade que
teria resultado impressionante se o som não fosse tão monstruosamente molesto.
—Miaaaaaau,—gemeu Malcom.
—O que é esse som? —perguntou Caroline.
POMM!
—O miado ou o golpe? —Elizabeth retornou, deixando cair a cabeça entre as mãos.
—O miado.
—Ambos.
POMM!
Elizabeth esperou o seguinte —Miaaaau—do Malcolm, e respondeu, —É o gato de
Lady Dambury, e —POMM! —essa é Lady Dambury.
Antes que Caroline pudesse responder, ouviram outro som, o de uns pés que se
apressavam correndo pela casa.
—Mas como, imagino,—disse Elizabeth com secura, —é minha irmã Susan,
preparando o chá para Lady Dambury.
—Nunca conheci a Lady Dambury,—disse Caroline.
Elizabeth a agarrou pelo braço e a arrastou para fora.
—Então está a ponto de te dar um espetáculo.
—Elizabeth! —A voz de Lady D retumbou da sala. —Ouvi-te!
—Ouve tudo,—resmungou Elizabeth.
—Também ouvi isso!
Elizabeth elevou as sobrancelhas e vocalizou em silêncio,
—Vê?—em direção a Caroline.
Caroline abriu a boca, mas antes de dizer algo se deteve lançando um olhar de
pânico para a sala. Arrebatou seu caderno das mãos de Elizabeth, agarrou uma pluma do
escritório do corredor, e rabiscou algo. Elizabeth olhou para baixo e leu:
Aterroriza-me.
Assentiu com a cabeça.
—Tem esse efeito na maioria das pessoas.
—Elizabeth!
—Miaaaaaau.
Elizabeth sacudiu a cabeça.
—Não posso acreditar que trouxe seu gato.
—Elizabeth!
—Acredito que deveria entrar e vê-la,—sussurrou Caroline.
Elizabeth suspirou, caminhando para a sala com o passo mais lento possível.
Certamente Lady Dambury teria uma opinião sobre os humilhantes acontecimentos de na
tarde anterior, e seguro que Elizabeth teria que permanecer imóvel enquanto os expunha.
Seu único consolo era que arrastava a Caroline junto com ela.
—Esperarei aqui,—sussurrou Caroline.
—Oh, não, não o fará,—espetou-lhe Elizabeth. —Ouvi seu sermão. Agora vai
escutar o seu.
A boca de Caroline se abriu de consternação.
—Vem comigo,—disse Elizabeth entre dentes, segurando com força o braço de
Caroline, —não fale mais.
—Mas...
—Bom dia, Lady Dambury,—disse Elizabeth, sorrindo com os dentes apertados
quando colocou a cabeça na sala. —É uma surpresa.
—Onde estiveste? —exigiu Lady Dambury, removendo-se na gasta poltrona
favorita de Elizabeth. —estive esperando durante horas.
Elizabeth elevou uma sobrancelha.
—Só estive fora quinze minutos, Lady Dambury.
—Hmmph. Está mais descarada cada dia, Elizabeth Hotchkiss.
—Sim—disse Elizabeth com uma ameaça de sorriso, —estou, verdade?
—Hmmph. Onde está meu gato?
—Miaaaauuuuu!
Elizabeth olhou ao redor e viu cruzar o vestíbulo um brilho de pelagem castanha
listrada, seguido de dois meninos que chiavam.
—Acredito que atualmente está ocupado, Lady Dambury.
—Hmmph. Que moléstia de gato. Tratarei com ele mais tarde. Tenho que falar
contigo, Elizabeth.
Elizabeth empurrou Caroline dentro da sala .
—Conhece a senhora Ravenscroft, Lady Dambury?
—A esposa do Blake, né?
Caroline assentiu.
—Bastante bom moço, suponho,—concedeu Lady D. —O amigo de meu sobrinho.
Veio de visita quando era menino.
—Sim,—respondeu Caroline. —Tinha-o aterrorizado.
—Hmmph. Menino preparado. Você também deveria está-lo.
—Oh, absolutamente.
Os olhos de Lady Dambury se entrecerraram.
—Está zombando de mim?
—Como se ela se atrevesse,—interrompeu Elizabeth. —À única que não aterroriza
é a mim, Lady Dambury.
—Bem, pois vou fazer minha melhor tentativa agora mesmo, Elizabeth Hotchkiss.
Tenho que falar contigo, e é urgente.
—Sim,—disse Elizabeth cautelosamente, sentando-se no ponta do sofá. —Isso eu
temia. Você nunca visitou nosso humilde lar antes.
Quando Lady Dambury clareou a garganta, Elizabeth exalou um comprido suspiro,
esperando o sermão que estava segura que ia receber. Lady Dambury tinha uma opinião
sobre tudo, e Elizabeth estava segura de que os acontecimentos da noite anterior não eram
uma exceção. Já que James era seu sobrinho, ela certamente ficaria de seu lado, e obrigaria
a Elizabeth a suportar uma larga lista de suas muitas virtudes, ocasionalmente pontuada
pela menção das virtudes de Lady Dambury.
—Você,—disse dramaticamente Lady D, assinalando com seu dedo em direção a
Elizabeth, —não assistiu a meu baile a fantasia ontem à noite.
A mandíbula da Elizabeth desabou.
—É isso sobre o que queria me falar?
—Estou muito desgostada. A ti — moveu seu dedo em direção a Caroline —vi-te.
A abóbora, não? Uma fruta exótica.
—Acredito que é uma verdura,—murmurou Caroline.
—Tolices, é uma fruta. Se tiver sementes na polpa, é uma fruta. Onde aprendeu
biologia, moça?
—É uma cabaça,—exclamou Elizabeth. —Podemos deixá-lo assim?
Lady Dambury agitou a mão desdenhosamente.
—Independentemente do que seja, não cresce na Inglaterra. Portanto não me serve
para nada.
Elizabeth sentiu como começavam a afundar-se o os ombros. Lady Dambury era
exaustiva.
A condessa girou a cabeça para enfrentá-la.
—Não terminei contigo, Elizabeth. —Elizabeth teria gemido, mas antes de ter
tempo de fazê-lo Lady D acrescentou bruscamente, —sente-se erguida.
Elizabeth se endireitou.
—Bem, agora,—seguiu Lady Dambury, —esforcei-me muito para te convencer de
que assistisse a minha festa. Consegui-te uma fantasia muito favorecedora, poderia
acrescentar e me agradece isso sem nem sequer apresentar seus respeitos na linha de
recepção? Senti-me muito insultada. Muito...
—Miaaaauuuuu!
Lady Dambury elevou a vista bem a tempo de ver Lucas e Jane passar gritando pelo
vestíbulo.
—O que eles estão fazendo a meu gato? —exigiu.
Elizabeth estirou o pescoço.
—Não estou segura se eles perseguem o Malcolm ou se é ele quem os persegue.
Caroline se reanimou.
—Estaria encantada de ir investigar.
Elizabeth deixou cair pesadamente uma de suas mãos sobre o braço de Caroline.
—Por favor—, disse com muita doçura, —fique.
—Elizabeth,—ladrou Lady Dambury, —vais responder-me?
Elizabeth piscou confusa.
—Havia-me feito uma pergunta?
—Onde estava? por que não assistiu?
—Eu... Eu... —Elizabeth se agitou procurando as palavras. Não podia dizer a
verdade —que tinha permanecido fora, sendo seduzida por seu sobrinho.
—Bem?
Toc, toc, toc.
Elizabeth saiu do quarto como uma bala.
—Devo abrir a porta,—gritou por cima do ombro.
—Não escapará de mim, Lizzie Hotchkiss! —ouviu que gritava Lady Dambury.
Também acreditou ouvir murmurar a Caroline a palavra —traidora—entre dentes, mas
para então Elizabeth estava já consumida pela preocupação de que pudesse ser James quem
estava de pé ao outro lado da pesada porta de carvalho.
Suspirou. Se era assim, não havia nada que ela pudesse fazer a respeito. Abriu de
repente a porta.
—Oh, bons dias, senhor Ravenscroft.— Vá, por que se sentia tão decepcionada?
—Senhorita Hotchkiss. —saudou-a ele, com uma inclinação de cabeça. —Está
minha esposa aqui?
—Sim, no salão com Lady Dambury.
Blake estremeceu.
—Possivelmente deveria voltar mais tarde....
—Blake? —ouviram como chamava Caroline, em tom bastante desesperado de voz.
—É você?
Elizabeth deu uma cotovelada no Blake no braço.
—Muito tarde.
Blake entrou arrastando os pés no salão, com a expressão de um moço de oito anos
que acabasse de ser repreendido por uma travessura que incluía uma rã e uma capa de
travesseiro.
—Blake. —A voz de Caroline virtualmente cantava de alívio.
—Lady Dambury,—murmurou ele.
—Blake Ravenscroft! —exclamou Lady Dambury. —Não vi a você desde que tinha
oito anos.
—Estive me escondendo.
—Hmmph. Todos vocês se tornaram muito atrevidos a minha velhice.
—E como está você estes dias? —perguntou Blake.
—Não trate de mudar de assunto,—advertiu-lhe Lady D.
Caroline girou para a Elizabeth e sussurrou, —É que há algum assunto?
A senhora Dambury entrecerrou os olhos e sacudiu um dedo em direção a Blake.
—Ainda não terminei que falar com você sobre a ocasião que pôs aquela rã na capa
de travesseiro da pobre senhorita Bowater.
—Era uma instrutora espantosa,—respondeu Blake, —e além disso, foi tudo ideia
do James.
—Estou segura de que foi, mas você deveria ter tido a retidão moral — Lady
Dambury se interrompeu abruptamente, e lançou um pouco característica olhar de pânico a
Elizabeth, quem então recordou que sua patroa não sabia que ela já tinha descoberto a
verdadeira identidade de James.
Elizabeth, não querendo converter isto em uma potencial fonte de conversação,
voltou a cabeça e examinou as unhas diligentemente. Depois de um momento, ela elevou a
vista, piscou, com fingida surpresa, e perguntou:
—Falava comigo?
—Não,—respondeu Lady D, com voz desconcertada. —Nem sequer mencionei seu
nome.
—OH,—disse Elizabeth, pensando que talvez teria exagerado o ato —não estava
prestando atenção.
—Vi-a me olhar, e...
—Não importa,—disse rapidamente Lady Dambury. Voltou-se para Blake e abriu a
boca, presumivelmente para seguir repreendendo-o, mas não saiu nenhum som.
Elizabeth mordeu o lábio para impedir de rir. A pobre Lady Dambury desejaria
poder seguir repreendendo a Blake durante aproximadamente as duas próximas décadas
pela velha travessura infantil, mas não podia, porque isto conduziria a mencionar James,
sobre quem ela pensava que Elizabeth não conhecia a verdade, e...
—Alguém gostaria de um chá? —Susan entrou na sala cambaleando sob o peso de
uma sobrecarregada bandeja com o jogo de chá.
—Justo o que necessitamos! —Lady Dambury parecia disposta a saltar de sua
cadeira em sua pressa por mudar de assunto.
Esta vez Elizabeth riu. Deus querido, quando tinha conseguido encontrar senso de
humor neste fiasco?
—Elizabeth? —sussurrou Caroline. —Está rindo?
—Não. Tusso.
Caroline murmurou algo baixinho que Elizabeth não compreendeu.
Susan deixou o jogo de chá sobre uma mesa de um seco golpe, e então foi
interceptada por Lady Dambury, quem aproximou sua cadeira de um puxão e anunciou,
—Eu servirei.
Susan retrocedeu, tropeçando com o Blake, quem então se aproximou furtivamente
a sua esposa e lhe sussurrou, —O único que falta a esta encantadora cena é James.
—Remoa-a língua,—resmungou Elizabeth, sem desculpar-se por escutar às
escondidas.
—Lady Dambury não sabe que Elizabeth sabe,—sussurrou Caroline.
—O que estão vocês três cochichando? —ladrou Lady D.
—Nada! —Teria sido difícil determinar quem do trio gritou a palavra mais forte.
O silêncio reinou enquanto Lady Dambury dava uma xícara de chá a Susan, então
Blake se inclinou e sussurrou:
—ouvi bater na porta?
—Deixa de brincar,—repreendeu-lhe Caroline.
—Era o gato,—disse Elizabeth firmemente.
—Tem um gato? —perguntou Blake.
—É o gato de Lady Dambury.
—Onde está meu gato? —perguntou Lady D.
—Ouve tudo,—resmungou Elizabeth.
—Ouvi isso!
Elizabeth revirou os olhos.
—Parece de bom ânimo hoje,—comentou Blake.
—É muito exaustivo sentir-se aturdido. Decidi voltar para meu anterior costume de
ver o melhor de cada situação.
—Me alegro de ouvir isso,—murmurou Blake, —porque acabo de ver chegar ao
James.
—O que? —Elizabeth foi voando a olhar pela janela. —Não o vejo.
—Já rodeou a casa.
—De que estão falando vocês três? —exigiu Lady Dambury.
—Acreditei que havia dito que ouvia tudo,—mencionou Caroline.
Lady Dambury se voltou para a Susan e disse:
—Sua irmã tem aspecto de estar a ponto de sofrer um ataque de apoplexia.
—Tem esse aspecto desde ontem a noite,—disse Susan.
Lady D ululou de risada.
—Eu gosto de sua irmã, Elizabeth. Se alguma vez te casar, quero-a como minha
nova acompanhante.
—Não vou casar-me,—disse Elizabeth, mais por costume que por outra coisa.
O que fez com que ambos os Ravenscrofts dessem a volta para olhá-la com
expressão duvidosa.
—Não vou fazer!
Foi então quando começaram a bater na porta principal.
Blake elevou uma sobrancelha.
—E diz que não se casará,—murmurou ele.
—Elizabeth! —ladrou Lady Dambury. —Não deveria abrir a porta?
—Tinha pensado ignorá-lo,—resmungou Elizabeth.
Lucas e Jane escolheram esse momento para aparecer na porta do salão.
—Quer que eu abra a porta? —perguntou Jane.
—Acredito que perdi o gato de Lady Dambury,—acrescentou Lucas.
Lady D deixou cair sua xícara de chá.
—Onde está meu pobre Malcolm?
—Bom, entrou correndo na cozinha, e logo saiu para o jardim, e então correu para
trás da plantação de nabos, e...
—Poderia ir valsando até a porta,—acrescentou Jane. —Tenho que praticar.
—Malcolm! —uivou Lady D. —Aqui, gatinho, gatinho!
Elizabeth girou para franzir o cenho a Caroline e Blake, que tremia de incontrolável
risada silenciosa.
Lucas disse:
—Não acredito que vá lhe ouvir daqui, Lady Dambury.
Os golpes à porta principal soaram mais forte. Pelo visto Jane tinha decidido dar
umas voltas de valsa antes de chegar à porta da rua.
E então James começou a bramar o nome de Elizabeth, seguido de um irritado:
—Abram esta porta imediatamente!
Elizabeth se afundou em uma banqueta estofada, lutando contra o absurdo impulso
de rir. Se a temperatura do quarto subisse só alguns graus mais, ela juraria que estava no
inferno.
hhh
James Sidwell, Marquês de Riverdale, não estava de bom humor. Seu temperamento
não podia ser qualificado nem sequer como passavelmente cortês. Esteve subindo pelas
paredes toda a manhã, virtualmente encadeando-se a sua cama para impedir-se de ir ver
Elizabeth.
Ele quis visitá-la a primeira hora, mas não, tanto Caroline como Blake tinham
insistido que lhe desse um pouco de tempo. Estaria superexcitada, haviam dito. Melhor
esperar até que suas emoções não estivessem tão alteradas. Assim tinha esperado. Contra
seu bom julgamento, e, mais importante ainda, contra seu caráter e seu instinto, tinha
esperado. E logo, quando finalmente tinha ido à habitação dos Ravenscrofts a lhes
perguntar se acreditavam que já tinha esperado o bastante, tinha encontrado uma nota de
Caroline para o Blake, lhe explicando que ela partiu a casa dos Hotchkiss.
E depois tinha encontrado uma nota do Blake para ele, dizendo o mesmo.
E finalmente, para aumentar o insulto, quando tinha atravessado rapidamente pelo
enorme vestíbulo de Dambury House, o mordomo o tinha parado para mencionar que a
condessa partiu a casa dos Hotchkiss.
A única maldita criatura que não tinha percorrido a milha que separava ambas as
casas era o maldito gato.
—Elizabeth! —bramou James, esmurrando seu punho contra a porta
surpreendentemente robusta. —me deixe entrar neste instante ou te juro que vou a...
A porta se abriu repentinamente. James olhou o vazio frente a ele, logo baixou o
olhar vários centímetros. A pequena Jane Hotchkiss estava de pé na entrada, olhando-o
radiante.
—Bom dia, senhor Siddons,—piou, estendendo a mão. —Estou aprendendo a
dançar a valsa.
James aceitou a contra gosto o fato que ele não podia passar por diante de uma
moça de nove anos ignorando-a e viver com sua consciência.
—Senhorita Jane,—respondeu. —É encantador vê-la de novo.
Ela meneou os dedos.
James piscou.
Ela os meneou outra vez.
—Ah, certo,—disse ele, rapidamente, inclinando-se para beijar sua mão. Pelo visto
uma vez que beijava a mão de uma menina, estava obrigado a repetir o gesto o resto de sua
infância.
—Faz um dia estupendo, não acha? —perguntou Jane, assumindo seu acento mais
adulto.
—Sim, eu... —Suas palavras se atrasaram quando ele jogou uma olhada por cima do
ombro dela, tratando de vislumbrar o que causava tal escândalo no salão. Sua tia bramava
sobre algo, Lucas gritava algo mais, e logo saiu Susan apressadamente, escapulindo através
do vestíbulo até a cozinha.
—Encontrei-o! —gritou Susan.
E então, para assombro de James, o obeso barril pequeno peludo apareceu trotando
da cozinha, cruzou o vestíbulo, e entrou no salão.
Maldição. Inclusive o maldito gato tinha conseguido chegar aqui antes que ele.
—Jane,—disse, com o que pensou que era uma paciência desmesurada, —realmente
preciso falar com sua irmã.
—Elizabeth?
Não, Susan.
—Sim, Elizabeth,—disse devagar.
—Oh. Está no salão. Mas devo lhe advertir —Jane inclinou a cabeça coquetemente
—que está muito ocupada. Tivemos muitos convidados esta tarde.
—Sei,—resmungou James, esperando que Jane se movesse de modo que não a
atropelasse em seu caminho para o salão.
—Miauuu!
—Esse gato não é muito educado,—disse Jane delicadamente, sem mostrar nenhum
indício de movimento agora que tinha um novo tema de conversação. —esteve gemendo
assim todo o dia.
James notou que tinha as mãos apertadas em punhos impaciente.
—De verdade? —perguntou, tão cortesmente como foi capaz. Se usasse um tom de
voz que refletisse como sentia realmente, a menina provavelmente sairia correndo.
E o caminho para o coração da Elizabeth não incluía, definitivamente, fazer chorar a
sua irmã pequena.
Jane assentiu.
—É um gato horroroso.
—Jane,—disse James, agachando-se para ficar a seu nível, —poderia falar com a
Elizabeth agora?
A menina se apartou.
—Certamente. Só tinha que perguntá-lo.
James resistiu o impulso de fazer algum comentário. Em troca, agradeceu a Jane,
beijou sua mão de novo com grande mesura, e logo andou a passos longos até o salão,
onde, para sua grande surpresa e diversão, encontrou Elizabeth de quatro.
hhh
—Malcolm,—sussurrou Elizabeth, —sai debaixo desse móvel agora mesmo.
Malcolm bufou.
—Agora mesmo, pequeno gato miserável.
—Não referirá a meu gato como pequeno miserável,—retumbou Lady Dambury.
Elizabeth estendeu a mão e tratou de agarrar a recalcitrante besta peluda. Esta
respondeu lhe mostrando as garras.
—Lady Dambury,—anunciou Elizabeth, sem levantar a cabeça, —este gato é um
monstro.
—Não seja ridícula. Malcolm é o gatinho mas perfeito do mundo, e sabe.
—Malcolm,—resmungou Elizabeth, —é um filho do demônio.
—Elizabeth Hotchkiss!
—Certo.
—Apenas a semana passada disse que era um gato maravilhoso.
—A semana passada foi agradável comigo. Se não recordar mau, chamou-o traidor.
Lady Dambury bufou enquanto olhava a Elizabeth tratar de agarrar ao gato outra
vez.
—Obviamente está sobressaltado porque aqueles meninos bestiais o perseguiam ao
redor da casa.
Isso era muito! Elizabeth ficou em pé, fixou um mortal olhar em direção a Lady
Dambury, e grunhiu:
—Ninguém chama o Lucas e Jane bestas diante de mim!
O que seguiu não foi um completo silêncio. Blake ria audivelmente tampando a
boca com a mão, e Lady Dambury jogava faíscas, fazendo estranhos ruídos gorjeantes, e
piscando com tanta força que Elizabeth poderia jurar que ouvia como movia as pálpebras.
Mas nada a tinha preparado para o som de uns lentos aplausos que vieram de detrás
dela. Elizabeth girou devagar, para ficar frente à porta.
James. Ali parado, com uma impressionado meio sorriso e uma sobrancelha
arqueada. Ele moveu a cabeça para sua tia, dizendo:
—Não posso recordar a última vez que ouvi alguém te falar dessa forma, Tia.
—Exceto você! —replicou Lady D. Então, precaveu-se de que ele acabava de
chamá-la “tia”, e começou a jogar faíscas de novo, sacudindo a cabeça em direção a
Elizabeth.
—Não passa nada,—disse James. —Ela sabe tudo.
—Desde quando?
—Desde ontem à noite.
Lady Dambury se voltou para a Elizabeth e explodiu,
—E não me disse?
—Você não perguntou!—Elizabeth se voltou para James e grunhiu, —Desde
quando está aí de pé?
—Vi-te avançar de quatro sob o móvel, se isso for ao que te refere.
Elizabeth lutou contra um gemido interior. Tinha pedido a Jane para entreter James,
e tinha esperado que pudesse mantê-lo entretido no vestíbulo ao menos até que ela tivesse
conseguido devolver o corpulento gato a Lady Dambury. Não queria que a primeira visão
que tivesse James dela depois do fracasso da passada noite fosse seu traseiro.
Quando conseguisse pôr as mãos em cima desse gato...
—Por que—exigiu Lady Dambury em tom estridente, —não me informou ninguém
da mudança da identidade pública de James?
—Blake,—disse Caroline, puxando braço de seu marido, —este poderia ser um bom
momento para partir.
Ele sacudiu a cabeça.
—Não perderia isto por nada do mundo.
—Bem, pois vais ter que fazê-lo,—disse James energicamente. Cruzou o quarto e
agarrou a Elizabeth pela mão. —Todos vocês estão convidados a ficar e desfrutar de seu
chá, mas Elizabeth e eu partimos.
—Espera um momento,—protestou ela, com uma frustrada tentativa de recuperar
sua mão. —Não pode fazer isto.
Ele a olhou sem expressão.
—Não posso fazer o que?
—Isto! —replicou ela. —Não tem nenhum direito sobre mim...
—Terei,—disse ele, dirigindo-a um sorriso cheio de confiança e muito masculina.
—Má estratégia por sua parte,—sussurrou Caroline a Blake.
Elizabeth retorceu as mãos, tratando desesperadamente de conter sua cólera.
—Esta é minha casa,—disse, com os dentes apertados. —Se alguém for convidar a
minhas visitas a ficar e desfrutar, serei eu.
—Então faça,—replicou James.
—E não pode me ordenar que vá contigo.
—Não o fiz. Disse a sua coleção de convidados todos os quais, conjeturo, não foram
convidados que partíamos.
—Está estragando tudo,—sussurrou Caroline ao Blake.
Elizabeth cruzou os braços.
—Não vou a nenhuma parte.
A expressão de James se tornou realmente ameaçadora.
—Se só tivesse pedido amavelmente... —sussurrou Caroline a Blake.
—Blake,—disse James, —amordaça a sua esposa.
Blake riu, o que lhe fez ganhar um golpe no braço, bem doloroso, de sua esposa.
—E você,—disse James a Elizabeth. —aguentei tudo o que minha paciência me
permite. Temos que falar. Podemos fazê-lo fora ou fazê-lo aqui, diante de minha tia, seus
irmãos, e—assinalou com o polegar para Caroline e Blake —estes dois.
Elizabeth tragou nervosamente, petrificada pela indecisão.
James se inclinou mais perto.
—Você decide, Elizabeth.
Ela não fez nada, estranhamente incapaz de obrigar a sua boca a dizer uma palavra.
—Muito bem, então,— explodiu James. —Eu decidirei por ti. —E sem mais
preâmbulos, agarrou a Elizabeth pela cintura, lançou-a sobre seu ombro, e a tirou da sala.
Blake, que esteve contemplando o drama que se desenvolvia ante seus olhos com
um sorriso divertido na rosto, girou para sua esposa e disse: —Realmente, querida, tenho
que discordar de você. Em geral, acredito que dirigiu a situação bastante bem.
Capítulo 21
Enquanto James a levava para a porta da rua, ela se retorcia como uma enguia. Uma
enguia furiosa. Mas James fora modesto quando descrevera suas capacidades como
boxeador; sua experiência era bastante ampla, e tomou muito mais que umas poucas lições.
Quando estava em Londres, realizava excursões diárias ao Estabelecimento de Boxe
do Senhor Jackson, e quando estava fora de Londres, com frequência alarmava e divertia a
seus criados saltando elegantemente sobre um e outro pé e golpeando fardos de feno. Por
conseguinte, seus braços tinham sólidos músculos, seu corpo era forte, e Elizabeth, apesar
de todos seus retorcimentos, não ia a nenhuma parte.
—Coloque-me no chão! —gritou ela.
Ele não se incomodou em responder.
—Milorde! —disse ela, em protesto.
—James, —explodiu ele, afastando-se da casa com longos e firmes passos.—Usaste
meu primeiro nome bastante frequentemente.
—Isso foi quando pensava que era o senhor Siddons, —replicou ela. —E me
coloque no chão.
James seguiu andando, seu braço lhe rodeando as costelas como uma barra de aço.
—James!
Ele grunhiu.
—Muito melhor.
Elizabeth se retorceu um pouco mais forte, obrigando-o a rodeá-la com o outro
braço também. Ela se acalmou quase imediatamente.
—Finalmente te deste conta de que a fuga é impossível? —perguntou-lhe James
suavemente.
Ela o olhou carrancuda.
—Interpretarei isso como um sim.
Finalmente, depois de outro minuto de silenciosa viagem, ele a colocou no chão
perto de uma enorme árvore. As costas de Elizabeth estavam presas ao tronco, e seus pés
ficaram encaixados entre as grossas e nodosas raízes. James permaneceu de pé diante dela,
com pose calma e os braços cruzados. Elizabeth o fulminou com o olhar e cruzou seus
braços em correspondência. A colocara sobre a terra elevada que rodeava o tronco da
árvore, assim a diferença entre suas estaturas não era tão grande como de costume. James
trocou seu peso ligeiramente, mas não disse nada.
Elizabeth elevou o queixo e apertou a mandíbula.
James arqueou uma sobrancelha.
—Oh, pelo amor do céu! —exclamou Elizabeth. —Só diga o que quer dizer.
—Ontem, —disse ele, —pedi-te que casasse comigo.
Ela tragou.
—Ontem recusei.
—E hoje?
Tinha na ponta da língua a resposta.
—Não me perguntou isso hoje, —mas as palavras morreram antes de sair de seus
lábios. Esse era o tipo de comentário que ela poderia ter feito ao homem que conhecia
como James Siddons. Este homem o Marquês era alguém completamente diferente, e não
tinha nem ideia de como agir frente a ele. Não é que não estivesse familiarizada com as
peculiaridades da nobreza; passou anos em companhia de Lady Dambury, depois de tudo.
Mas se sentia como se estivesse presa em alguma pequena e estranha farsa, e não
conhecesse as regras. Toda sua vida lhe ensinaram como comportar-se; a toda moça inglesa
decorosamente educada ensinavam tais coisas. Mas ninguém lhe dissera o que fazer quando
alguém se apaixonava por um homem que trocava de identidade com a mesma facilidade
que outros trocavam de botas.
Depois de um longo minuto de silêncio, ela disse.
—Não deveria ter enviado aquele crédito.
Ele fez uma careta.
—Chegou?
—Ontem à noite.
Ele jurou entre dentes, murmurando algo sobre a maldita inoportunidade.
Elizabeth piscou para afastar a umidade que se formava em seus olhos.
—Por que fez isso? Pensou que aceitaria caridade? Que era uma patética e
indefesa...
—Pensei,—interrompeu-a, energicamente, —que era um crime que tivesse que te
casar com algum velho libidinoso com gota para manter a seus irmãos. Além disso, quase
me rompe o coração ver-te fazer todo o possível para tentar cumprir com a ideia da senhora
Seeton de feminilidade.
—Não quero sua compaixão, —disse ela em voz baixa.
—Não é compaixão, Elizabeth. Você não necessita esses malditos decretos. A única
coisa que eles fizeram foi sufocar seu espírito. —Passou uma cansada mão pelo cabelo.
—Não podia suportar que perdesse essa faísca que te faz tão especial. Esse fogo repousado
em seus olhos ou seu sorriso misterioso quando algo te diverte, ela teria apagado isso de ti,
e eu não podia consenti-lo.
Ela tragou, incômoda pela amabilidade de suas palavras.
Ele se aproximou, reduzindo pela metade a distância entre eles.
—O que fiz, foi por amizade.
—Então por que o segredo? —sussurrou ela.
Elevou as sobrancelhas olhando-a duvidoso.
—Está-me dizendo que teria aceito o dinheiro? —Esperou só um segundo antes de
adicionar. —Pensei que não. Além disso, ainda se supunha que eu era James Siddons. De
onde ia tirar um simples administrador tanto dinheiro?
—James, tem a mínima ideia de quão degradada me senti ontem à noite? Quando
cheguei em casa, depois de tudo o que aconteceu, para encontrar uma Carta de crédito
anônima?
—E como, —respondeu ele. —Como te sentiria se tivesse chegado dois dias antes?
antes que soubesse quem era eu em realidade. Antes que tivesse alguma razão para
suspeitar que eu poderia tê-lo enviado?
Ela mordeu o lábio. Provavelmente teria suspeitado, mas também ficado alegre. E
certamente teria aceitado o presente. O orgulho era o orgulho, mas seus irmãos precisavam
comer. E Lucas precisava ir à escola. E se aceitasse a oferta de James...
—Tem a mínima ideia de quão egoísta é? —exigiu ele, interrompendo, graças a
Deus, seus pensamentos, que a conduziam em uma direção muito perigosa.
—Não te atreva, —replicou ela, com voz tremente de raiva. —Não te atreva a me
chamar isso. Aceitarei outros insultos possivelmente verdadeiros, mas esse não.
—Por quê? Por que passaste os últimos cinco anos trabalhando como uma escrava
para o bem-estar de sua família? Por que lhes deste tudo e não tomaste nada para ti?
Sua voz era zombadora, e Elizabeth se sentia muito furiosa para responder.
—Oh, fez tudo isso, —disse ele, com grande crueldade, —mas à primeira
verdadeira possibilidade que tem de melhorar realmente sua situação, a única oportunidade
de acabar com suas preocupações e lhes dar a vida que sei que pensa que merecem, a
rechaça.
—Tenho meu orgulho, —grunhiu ela.
James riu asperamente.
—Sim, tem. E está bastante claro que o valoriza mais do que valoriza o bem-estar
de sua família.
Ela levantou uma mão para esbofeteá-lo, mas ele a agarrou facilmente.
—Mesmo se não te casasse comigo, —disse ele, tentando ignorar o espasmo de dor
que essa simples frase causou em seu peito. —Mesmo que não te casasse comigo, poderia
ter aceito o dinheiro e me ter jogado de sua vida.
Ela sacudiu sua cabeça.
—Teria muito controle sobre mim.
—Como? O dinheiro seria teu. Um crédito. Não teria modo algum de me lançar
atrás.
—Teria me castigado por aceitá-lo, —sussurrou ela. —Por aceitá-lo e não me casar
contigo.
Ele sentiu que algo morria em seu coração.
—Esse é o tipo de homem que acredita que sou?
—Não sei que tipo de homem é! —exclamou ela. —Como poderia sabê-lo? Nem
sequer sei quem é.
—Tudo o que precisa saber sobre o tipo de homem que sou e o marido que seria, já
o conhece. —Roçou sua face, permitindo que cada emoção, até o último grama de seu
amor, saísse à superfície. Tinha despido sua alma frente a seus olhos, e sabia.
—Conhece-me melhor que ninguém, Elizabeth.
Viu sua vacilação, e naquele instante, odiou-a por isso. Lhe devotara tudo, cada
fragmento de seu coração, e a única coisa que fazia era vacilar! Lançou uma maldição e
girou para partir. Mal dera dois passos quando ouviu Elizabeth chamá-lo.
—Espera!
Devagar, virou-se.
—Casarei-me contigo, —murmurou ela.
Seus olhos se entrecerraram.
—Por quê?
—Por quê? —repetiu ela, sendo deliberadamente obtusa. —Por quê?
—Rechaçaste-me repetidamente durante dois dias, —indicou ele. —Por que esta
mudança de opinião?
Os lábios de Elizabeth se separaram, e ela sentiu que a garganta lhe fechava pelo
pânico. Não conseguia dizer uma palavra, nem sequer podia formar um pensamento. De
todas as coisas, a última coisa que esperava era que a interrogasse sobre os motivos de sua
aceitação. Ele se aproximou, o calor e a força de seu corpo a afligiram, embora não fez
nenhum movimento para tocá-la. Elizabeth encontrou-se esmagada contra a árvore e sem
fôlego quando elevou o olhar a seus olhos escuros, que brilhavam com cólera.
—Você... você me pediu isso, —conseguiu logo o que dizer. —Você me pediu isso
e digo que sim. Não é isso o que queria?
Ele negou devagar com a cabeça e apoiou suas mãos contra a árvore, a ambos os
lados de sua cabeça.
—Me diga por que aceitaste. —Elizabeth tentou afundar-se mais profundamente
contra o tronco da árvore. Algo em sua calma e mortífera resolução a aterrorizou. Se
estivesse gritando, ou repreendendo-a, ou qualquer outra coisa, saberia o que fazer. Mas
esta fúria tranquila acovardava, e a rodeada prisão constituída por seus braços contra a
árvore fez que lhe ardesse o sangue nas veias.
Ela sentiu que seus olhos exageravam, e sabia que a expressão que ele veria ali a
assinalaria como uma covarde.
—Você me deu algumas ideias muito boas, —disse, tentando aferrar-se a seu
orgulho uma emoção que ele a acusou de permitir-se muito. — Eu... eu não posso dar a
meus irmãos a vida que merecem, e você sim, posto que ia ter que me casar, de todo modo,
bem poderia ser com alguém que...
—Esquece-o, —cuspiu ele. —A oferta fica rescindida.
O fôlego abandonou seu corpo em uma curta e violenta exalação.
—Rescindido?
—Não te terei dessa forma.
Lhe afrouxaram os joelhos, e se agarrou ao amplo tronco da árvore atrás dela para
apoiar-se.
—Não o entendo, —sussurrou.
—Não me casarei por meu dinheiro, —jurou ele solenemente.
—Oh! —exclamou ela, sentindo renascer sua energia e seu ultraje. —Quem é o
hipócrita agora? Primeiro me dá aulas particulares para que possa me casar com algum
outro pobre e crédulo tolo por seu dinheiro, depois me repreende por não usar seu dinheiro
para manter a meus irmãos. E agora... agora tem o descaramento de rescindir sua oferta de
matrimônio um ato muito descortês de sua parte, poderia acrescentar porque fui o
suficientemente honesta para admitir que necessito de sua riqueza e sua posição para minha
família. O qual —exclamou mordendo as palavras, —é exatamente o que tem usado como
argumento para tentar conseguir que me case contigo em primeiro lugar!
—Terminaste? —perguntou ele, com voz insolente.
—Não, —replicou ela. Estava zangada e doída, e quis que ele sofresse também.
—Vais acabar te casando por seu dinheiro finalmente. Não é assim como funcionam as
coisas em seu mundo?
—Sim, —disse ele, com calma glacial, —provavelmente sempre estive destinado a
um matrimônio de conveniência. Foi o que meus pais tiveram, e meus avós, e meus
tataravós antes deles. Poderia tolerar um matrimônio frio, apoiado no dinheiro. Fui criado
para isso. —Inclinou-se até que seus lábios ficaram a um milímetro dos dela. —Mas não
poderia tolerar algo assim contigo.
—Por que não? —sussurrou ela, incapaz de afastar os olhos dos dele.
—Porque nós temos isto.
Ele se moveu rapidamente, rodeando com sua mão a parte posterior de sua cabeça
enquanto seus lábios encontravam os dela. No último segundo coerente antes que ele a
esmagasse contra seu corpo, Elizabeth pensou que este seria um beijo de castigo, um abraço
furioso. Mas embora seus braços a sustentassem fortemente contra ele, sua boca se moveu
contra a sua perturbadoramente, derretendo-a com suavidade. Era a classe de beijo pela
qual uma mulher morreria, um beijo ao que alguém não poria fim nem que as chamas do
inferno lhe estivessem lambendo os calcanhares. Elizabeth sentiu que suas vísceras se
contraíam, e seus braços se liberaram da firme sujeição do James para enroscar-se ao redor
de seu corpo. Acariciou seus braços, seus ombros, seu pescoço, para finalmente enredar as
mãos em seu grosso cabelo.
James sussurrou palavras de amor e desejo através de sua face, até que alcançou sua
orelha. Mordiscou o lóbulo, murmurando sua satisfação quando a cabeça de Elizabeth caiu
para trás, revelando o longo e elegante arco de seu pescoço. Havia algo no pescoço de uma
mulher, no modo que o cabelo dava passagem à suavidade da pele, que nunca deixava de
acendê-lo.
Mas esta, além disso, era Elizabeth, era especial, e James estava completamente
perdido. Seu cabelo era tão loiro que parecia quase invisível onde se encontrava com sua
pele. E o aroma dela o atormentava, uma mescla suave de sabão e rosas, e algo mais, algo
que era único dela.
Arrastou sua boca para baixo por seu pescoço, detendo-se para render homenagem à
delicada linha de sua clavícula. Os botões superiores de seu vestido foram desabotoados;
ele não tinha lembrança alguma de tê-los aberto, mas o fez, e se deleitou na pequena parte
de pele que ficou exposta. Ouvia sua respiração, sentia-a sussurrar através de seu cabelo
quando se moveu para diante até beijar a parte oculta de seu queixo. Ela ofegava agora,
gemendo entre suspiros, e o corpo do James se esticou ainda mais ante a evidência de seu
desejo.
Ela o desejava. Desejava-o mais do que acreditava e entendia, mas ele sabia a
verdade. Era algo que ela não podia ocultar.
A contra gosto, separou-se, obrigando-se a pôr um passo de distância entre eles
embora suas mãos descansassem sobre seus ombros. Ambos tremiam, respirando com
força, e ainda precisavam apoiar-se um no outro.
James não estava seguro de poder confiar em seu próprio equilíbrio, e ela não
parecia muito melhor. Seus olhos se arrastaram sobre ela, tomando nota de cada polegada
de sua desarrumação. Seu cabelo escapara dos limites de sua touca, e cada fio parecia
tentá-lo, pedindo ser desenhado por seus lábios. Seu corpo se converteu em um nó de
tensão, e lhe custou cada grama do autocontrole que possuía não estreitá-la contra ele.
Queria lhe arrancar a roupa do corpo, tombá-la sobre a suave erva, e reclamá-la
como sua do modo mais primitivo possível. E logo, quando o tivesse feito, quando não
ficasse dúvida alguma de que lhe pertencia completa e irrevogavelmente, queria fazê-lo de
novo, esta vez devagar, explorando cada centímetro dela com suas mãos, e depois com seus
lábios, e então, quando ela estivesse ardendo e arqueando-se de necessidade.
Retirou de repente as mãos de seus ombros. Não podia tocá-la quando sua mente
entrava em território tão perigoso.
Elizabeth se deixou cair contra a árvore, levantando seus enormes olhos azuis para
encontrar os dele. Sua língua umedeceu seus lábios, e James sentiu esse pequeno gesto
diretamente em sua virilha. Afastou-se outro passo. Com cada movimento que ela fazia,
com cada diminuto fôlego que exalava, mal audível, ele perdia outro fragmento de
autocontrole. Não confiava em suas mãos; formigavam por estirar-se e pegá-la.
—Quando admitir que é isto pelo que me quer,—disse mordendo as palavras, com
voz ardente e intensa, —então me casarei contigo.
hhh
Dois dias mais tarde, a lembrança daquele último beijo ainda fazia que Elizabeth se
estremecesse. Ficou apoiada na árvore, aturdida e atordoada, e o olhou afastar-se. Então
ficara imóvel no mesmo lugar durante outros dez minutos, seus olhos fixos no horizonte,
olhando sem expressão o último ponto onde o vira. E logo, quando sua mente finalmente
despertara da apaixonada comoção de seu contato, ela se deixou cair e chorou.
Mentira quando lutou para convencê-lo de que só queria casar-se com ele porque
era um marquês rico. Era irônico, em realidade. Passou o mês anterior resignando-se ao
destino de casar-se por dinheiro e não por amor; e agora estava apaixonada, e ele era o
bastante rico para dar a sua família uma vida melhor, mas tudo estava errado.
Ela o amava.
Ou melhor, amava a um homem que tinha o mesmo aspecto. Elizabeth não
acreditava o que Lady Dambury e os Ravenscroft lhe disseram; o humilde James Siddons
não podia ser, interiormente, o mesmo homem que o elevado Marquês de Riverdale.
Simplesmente não era possível. Cada um tinha seu lugar na sociedade britânica; isto era
algo que as pessoas aprendiam desde pequenas, sobretudo pessoas como Elizabeth, filha da
nobreza menor que pertencia ao extremo mais afastado da alta sociedade. Parecia como se
pudesse solucionar todos seus problemas indo e lhe dizendo que o queria, embora não por
seu dinheiro. Estaria casada com o homem que amava, e disporia de amplos recursos para
cuidar de sua família.
Mas não podia sacudir a fastidiosa suspeita de que, em realidade, não o conhecia.
Sua veia pragmática lhe recordou que provavelmente não conheceria nenhum
homem com quem decidisse casar-se, ou ao menos não o conheceria bem. Os homens e as
mulheres raramente levavam o noivado mais à frente do nível superficial. Mas com o
James, era diferente. Ele disse que não podia suportar uma união de conveniência com ela,
mas Elizabeth não acreditava que ela pudesse suportar uma união sem confiança.
Talvez com outro, mas não com ele.
Elizabeth fechou com força os olhos e se deixou cair de costas na cama. Passou a
maior parte dos dois dias anteriores escondida em seu quarto. Depois de umas quantas
tentativas, seus irmãos desistiram de tentar falar com ela e se limitaram a deixar bandejas
com comida à porta de seu quarto. Susan preparou todos os pratos favoritos de Elizabeth,
mas a maior parte do alimento ficou sem ser tocado. A angústia, pelo visto, não era boa
para abrir o apetite.
Uma batida soou hesitante na porta, e Elizabeth girou a cabeça para olhar pela
janela. A julgar pela posição do sol, devia ser a hora do jantar. Se ela ignorasse,
simplesmente deixariam a bandeja e partiriam. Mas os golpes persistiram, assim Elizabeth
suspirou e se obrigou a levantar.
Cruzou o pequeno quarto em três passos e abriu a porta de repente, encontrando-se
com os três Hotchkis mais jovens.
—Isto chegou para ti,—disse Susan, lhe estendendo um envelope creme. —É de
Lady Dambury. Quer ver-te.
Elizabeth arqueou uma sobrancelha.
—Tem lido minha correspondência?
—Claro que não! O lacaio que ela enviou me disse.
—É certo, —interpôs Jane. —Eu estava lá.
Elizabeth estendeu a mão e o pegou. Olhou a seus irmãos. Eles lhe devolveram o
olhar.
—Não vais ler? —disse Lucas, finalmente.
Jane deu em seu irmão uma cotovelada nas costelas.
—Lucas, não seja grosseiro. —Jogou uma olhada a Elizabeth. —Não vais fazê-lo?
—Agora quem é o grosseiro? —respondeu Elizabeth.
—Poderia abri-lo, —disse Susan. —Ao menos, afastará sua mente.
—Não diga, —advertiu-lhe Elizabeth.
—Bem, certamente não pode te derrubar na autocompaixão para sempre.
Elizabeth fez um som chiado por cima de um suspiro.
—Não tenho direito a fazê-lo ao menos um ou dois dias?
—Certamente,—disse Susan, conciliadoramente.—Mas mesmo assim está
acabando o tempo.
Elizabeth gemeu e abriu o envelope. Perguntou-se quanto saberiam seus irmãos de
sua situação. Ela não lhes dissera nada, mas se convertiam em pequenos furões quando se
tratava de descobrir segredos, e apostaria que conheciam mais da metade da história no
momento.
—Não vais terminar de abri-la? —perguntou Lucas, com excitação.
Elizabeth elevou as sobrancelhas e olhou a seu irmão. Quase saltava.
—Não posso imaginar por que está tão excitado por ouvir o que Lady Dambury tem
a dizer, —disse.
—Eu tampouco posso imaginar—grunhiu Susan, deixando cair de repente uma mão
sobre o ombro do Lucas para mantê-lo quieto.
Elizabeth sacudiu a cabeça. Se os Hotchkis discutiam, então a vida voltava para a
normalidade, e isso devia ser algo bom. Sem fazer caso dos grunhidos de protesto que
Lucas fazia ao ser maltratado por sua irmã, Elizabeth tirou o papel do envelope e o
desdobrou. Levou apenas uns segundos para ler as linhas, e um surpreso.
—Vá —escapou de seus lábios.
—Acontece algo errado? —perguntou Susan.
Elizabeth sacudiu a cabeça.
—Não exatamente. Mas Lady Dambury quer que vá vê-la.
—Acreditei que já não trabalhava para ela, —disse Jane.
—E não o faço, embora imagine que terei que engolir o orgulho e voltar a lhe pedir
que me contrate. Não vejo, se não, como vamos ter dinheiro suficiente para comer.
Quando Elizabeth elevou a vista, os três Hotchkiss mais jovens mordiam seus lábios
inferiores, obviamente morrendo por dizer que (A) Elizabeth poderia ter se casado com o
James, ou (B) poderia ter aceito ao menos a carta de crédito em vez de rasgá-la em quatro
pulcros pedaços.
Elizabeth se apoiou sobre suas mãos e joelhos para tirar suas botas de debaixo da
cama, onde as jogou de um chute no dia anterior. Encontrou sua bolsa ao lado delas, e a
agarrou rapidamente, também.
—Vai agora mesmo? —perguntou Jane.
Elizabeth assentiu enquanto se sentava sobre a manta que cobria sua cama para
calçar as botas.
—Não me esperem, —disse. —Não sei quanto demorarei. Imagino que Lady
Dambury fará que uma carruagem me traga para casa.
—Poderia inclusive passar a noite, —disse Lucas.
Jane lhe pegou forte no ombro.
—Por que ia fazer isso?
—Fica mais fácil se estiver escuro, e... —ele retornou com um olhar.
—De qualquer forma, —disse Elizabeth em voz alta, achando a conversa estranha,
—não devem me esperar.
—Não o faremos, —assegurou-lhe Susan, agarrando ao Lucas e a Jane e tirando-os
da frente quando Elizabeth saiu ao corredor. Olharam-na descer as escadas velozmente e
abrir de repente a porta da rua. —Divirta-se! —gritou-lhe Susan.
Elizabeth lhe lançou um olhar sarcástico por cima do ombro.
—Estou segura de que não, mas lhe agradeço isso.
Fechou a porta atrás de si, deixando a Susan, Jane, e Lucas de pé no alto da escada.
—Oh, pode ser que te surpreenda, Elizabeth Hotchkiss, —disse Susan com um
sorriso. —Pode ser que te surpreenda.
hhh
Os últimos dias não figurariam entre os melhores de James Sidwell. Qualificar seu
humor como de cão, seria uma enorme subestimação, e os criados de Lady Dambury
começaram a tomar rotas tortuosas pela casa só para evitá-lo.
Sua primeira inclinação foi pegar uma boa bebedeira, mas já fizera isso uma vez, a
noite que Elizabeth descobrira sua verdadeira identidade, e tudo o que isto lhe reportara foi
uma ressaca abrasadora. Assim o copo de uísque que se serviu quando retornara de sua
visita à casa de Elizabeth ainda estava sobre a escrivaninha da biblioteca, só lhe dera um
par de goles. Geralmente, os bem treinados criados de sua tia teriam retirado o copo meio
cheio; nada transtornava tanto sua sensibilidade como um copo usado posto diretamente
sobre uma polida mesa. Mas a feroz resposta de James a primeira vez que alguém se
atreveu a bater na porta fechada da biblioteca assegurou seu isolamento, e agora, seu
refúgio, e seu copo de uísque, eram todo deles.
Estava, é obvio, derrubando-se na autocompaixão, mas lhe pareceu que um homem
merecia poder ter um ou dois dias de comportamento antissocial depois do que passou.
Teria sido mais fácil se pudesse ter se decidido com quem estava mais furioso: com
Elizabeth ou com ele.
Agarrou o copo de uísque pela centésima vez nesse dia, olhou-o, e o voltou a deixar
sobre a mesa. No outro lado da sala, "Como casar-se com um Marquês" estava posado
sobre sua prateleira, com sua lombada de couro vermelho desafiando-o silenciosamente a
lhe jogar uma olhada mais. James fulminou com o olhar ao livro, mal suprimindo o impulso
de lhe lançar o uísque.
Era uma ideia... se o empapasse com o uísque, e depois o aproximasse da lareira... o
inferno resultante seria dos mais satisfatórios. Estava, de fato, considerando a ideia,
tentando calibrar quão altas seriam as chamas resultantes, quando soou um murro na porta,
este muito mais poderoso que as débeis tentativas dos criados.
—James! Abre esta porta imediatamente.
Gemeu. Tia Agatha. Ficou em pé e cruzou a sala até a porta. Bem podia acabar com
isto. Conhecia aquele tom de voz; esmurraria a porta até que lhe sangrasse o punho.
—Agatha, —ele disse muito docemente, —que encantador ver-te.
—Tem um aspecto infernal, —ladrou ela, e logo o empurrou para instalar-se em
uma das poltronas da biblioteca.
—Sempre tão discreta, —murmurou ele, apoiando-se contra uma mesa.
—Estas bêbado?
Ele negou com a cabeça e fez gestos para o uísque.
—Servi um copo, mas não o toquei. —Baixou o olhar ao líquido
ambarino.—Hmmm. A superfície começa a ficar poeirenta.
—Não vim aqui discutir sobre bebidas alcoólicas, —disse Agatha arrogantemente.
—Perguntaste por minha sobriedade, —indicou ele.
Ela não fez caso de seu comentário.
—Não percebi que te fez amigo do jovem Lucas Hotchkiss.
James piscou e se ergueu. De todos os assuntos ilógicos que sua tia poderia ter
escolhido, e ela era uma mestra em mudar de assunto sem advertência prévia, ele
certamente nunca esperou este.
—Lucas? —repetiu. —O que acontece ao Lucas?
Lady Dambury lhe estendeu um pedaço dobrado de papel.
—Ele te enviou esta carta.
James pegou, notando a caligrafia infantil do papel.
—Suponho que o tem lido, —disse.
—Não estava selado.
James decidiu não insistir no assunto e desdobrou a nota.
—Que estranho, —murmurou.
—Que queira ver-te? Não acredito que isso seja estranho absolutamente. O pobre
moço não teve um homem em sua vida desde que tinha três anos e seu pai morreu naquele
acidente de caça.
James ergueu a vista bruscamente. Pelo visto a estratégia de Elizabeth funcionou. Se
Agatha não conseguiu descobrir a verdade sobre a morte do senhor Hotchkiss, então o
segredo estava a salvo.
—Provavelmente queira te perguntar algo,—seguiu Agatha. —Algo que lhe dá
muita vergonha perguntar a suas irmãs. Os meninos são assim. E estou segura de que está
confuso sobre o que aconteceu estes últimos dias. —James a olhou com olhos curiosos. Sua
tia mostrava uma notável sensibilidade frente à difícil situação do pequeno moço. E então
Agatha disse, suavemente. —Recorda a ti quando tinha a mesma idade.
James conteve a respiração.
—Oh, não pareça tão surpreso. Ele é, certamente, muito mais feliz do que você foi
então. —agachou-se e recolheu a seu gato, que tinha deslizado no quarto. —Mas tem essa
expressão perdida que põem os moços quando alcançam uma certa idade e não têm um
homem perto para orientá-los. —Acariciou a grossa pele do Malcolm. —Nós as mulheres
somos, é obvio, extremamente capazes e, além disso, muito mais sábias que os homens.
Mas devo confessar que há algumas coisas que não podemos fazer.
Enquanto James digeria o fato de que sua tia confessara que existia uma tarefa além
de suas capacidades, ela acrescentou.
—Irás vê-lo, verdade?
James se sentiu insultado que tivesse que perguntá-lo. Só um monstro insensível
não faria caso de tal pedido.
—Certamente que vou vê-lo. Embora sinta bastante curiosidade, entretanto, sobre
sua escolha de lugar de encontro.
—O pavilhão de caça de Lorde Dambury? —Agatha deu de ombros. —Não é tão
estranho como acredita. Depois que ele morreu, ninguém o usou. Cedric não é aficionado à
caça, e já que nunca deixa Londres, de todo modo, o ofereci a Elizabeth. Ela não aceitou, é
obvio.
—É obvio, —James murmurou.
—Oh, sei que a acredita muito orgulhosa, mas a verdade é que tem um contrato de
arrendamento de cinco anos de sua casinha, assim que a mudança não lhe teria
economizado nada de dinheiro. E não quis perturbar a sua família.—Lady Dambury
levantou o Malcolm de sua permanente posição sobre seu colo e lhe deixou beijar o nariz.
—Não é o gatinho mais adorável?
—Depende de sua definição de "adorável", —disse James, mas só à nuca de sua tia.
Devia ao gato eterna gratidão por levá-lo junto à Elizabeth quando Fellport a atacara.
Lady D lhe franziu o cenho.
—Como dizia, Elizabeth se negou, mas acessou a mudar-se ali quando seu aluguel
finalizasse, assim levou a toda a família para uma visita. O jovem Lucas estava encantado
com o lugar. —Ela franziu o cenho pensativamente. —Creio que foi pelos troféus de caça.
Os meninos jovens gostam desse tipo de coisas.
James jogou uma olhada a um relógio que era usado como suporte de livros. Teria
que partir em aproximadamente um quarto de hora se queria chegar pontual à reunião
solicitada pelo Lucas.
Agatha bufou e ficou em pé, deixando o Malcolm sobre uma prateleira para livros
vazio.
—Abandonarei a sua própria companhia, —disse, inclinando-se sobre sua bengala.
—Direi aos criados que não esperem para o jantar.
—Estou seguro de que isto não me levará muito tempo.
—A gente nunca sabe, e se está preocupado, poderia ter que passar algum tempo
com ele. Além disso —fez uma pausa quando chegou à entrada e girou—não é como se
tivesse adornado a mesa com sua ilustre presença estes últimos dias, de todo modo.
Uma cortante réplica danificaria sua magnífica saída, assim James só sorriu
ironicamente e a olhou cruzar devagar o vestíbulo, sua bengala golpeando suavemente ao
compasso de seus passos. Aprendera a muito tempo que todos eram mais felizes se Agatha
conseguisse ter a última palavra ao menos na metade das vezes.
James voltou devagar para a biblioteca, recolheu o copo de uísque, e atirou o
conteúdo pela janela aberta. Deixando de novo o copo sobre a mesa, ele jogou uma olhada
ao redor da sala, e seus olhos recaíram sobre o pequeno livro vermelho que esteve
atormentando-o durante dias.
Andou a passos longos até a prateleira e o agarrou, passando o fino volume de uma
mão a outra. Não pesava quase nada, o que pareceu irônico, dado o muito que mudou sua
vida. E então, em uma decisão repentina que jamais entenderia, introduziu-o no bolso de
sua jaqueta. Apesar do muito que detestava o livro, de algum jeito o fazia sentir-se mais
próximo a ela.
Capítulo 22
Enquanto Elizabeth se aproximava do pavilhão de caça do anterior Lorde Dambury,
mordia nervosamente o lábio inferior, e fez uma pausa para reler a inesperada missiva de
Lady Dambury.
Elizabeth,
Como sabe, chantageiam-me. Acredito que você poderia ter informação para
desmascarar ao bandido que me escolheu como seu objetivo. Por favor, encontre-se
comigo no pavilhão de caça de Lorde Dambury às oito desta tarde.
Tua,
Agatha, Lady Dambury
Elizabeth não fazia ideia de por que Lady Dambury pensava que ela possuía
informação pertinente, mas tampouco tinha nenhuma razão para recear da autenticidade da
nota. Ela conhecia a letra de Lady D tão bem como a sua, e esta não era nenhuma
falsificação.
Propositalmente não compartilhou o conteúdo da nota com seus irmãos menores,
preferindo lhes dizer que Lady Dambury precisava vê-la e deixá-lo assim. Eles não sabiam
nada do complô de chantagem, e Elizabeth não desejou preocupá-los, sobretudo já que a
Senhora D quis encontrar-se com ela a uma hora tão tardia. Havia ainda bastante luz às
oito, mas ao menos que a condessa pudesse concluir seu assunto em uns poucos minutos
estaria escuro quando Elizabeth voltasse para casa.
Elizabeth fez uma pausa com a mão sobre a maçaneta. Não havia nenhuma
carruagem à vista, e a saúde de Lady Dambury não lhe permitia percorrer a pé tais
distâncias. Se a condessa não chegara ainda, então, provavelmente a porta estaria fechada,
e...
A maçaneta girou sob sua mão.
—Que estranho, —murmurou, e entrou no pavilhão.
Havia um fogo ardendo na lareira, e um elegante jantar estava servido sobre a mesa.
Elizabeth entrou mais na sala, girando lentamente em círculo enquanto ela tomava nota dos
preparativos. Por que Lady Dambury...
—Lady Dambury? —chamou. —Está aqui?
Elizabeth sentiu uma presença a suas costas, na entrada e deu meia volta.
—Não, —disse James. —Só estou eu.
A mão de Elizabeth voou a sua boca.
—O que faz aqui? —ofegou.
Seu sorriso era torcido.
—O mesmo que você, imagino. Recebeu uma nota de seu irmão?
—Do Lucas? —perguntou, assustada. —Não, de sua tia.
—Oh. Então todos eles estão confabulados contra nós. Aqui tenho... —Estendeu-lhe
um pedaço enrugado de papel. —Lê isto.
Elizabeth desdobrou a nota e leu:
Milord.
Antes de que deixe o distrito, rogo-lhe que me conceda uma audiência. Há um
assunto um tanto delicado sobre o qual eu gostaria de lhe pedir conselho. Não é algo do
que um homem gostaria de falar com suas irmãs. A menos que me diga outra coisa,
esperarei me encontrar com você no pavilhão de caça de Lorde Dambury esta tarde às
oito.
Sinceramente,
Senhor Lucas Hotchkiss
Elizabeth mal pôde sufocar uma risada horrorizada.
—É a letra do Lucas, mas as palavras saíram diretamente da boca da Susan.
James sorriu.
—Pensei que soava um tanto precoce.
—Ele é muito inteligente, é obvio.
—É obvio.
—Mas não posso o imaginar usando a frase "um assunto um tanto delicado."
—Por não mencionar, —acrescentou James, —que à idade de oito anos, é
improvável que ele tenha problemas desse tipo.
Elizabeth assentiu.
—Oh! Estou segura de que quererá ler isto. —Deu-lhe a carta que ela recebeu de
Lady Dambury.
Ele jogou uma olhada e disse.
—Não me surpreende. Cheguei uns minutos antes de você e encontrei isto.
—Estendeu-lhe dois envelopes, um rotulado como Ler imediatamente e outro rotulado
como Ler depois de que tenham se reconciliado.
Elizabeth conteve uma risada horrorizada.
—Exatamente minha reação, —murmurou ele, —embora duvide que tivesse um
aspecto a metade de encantador.
Seus olhos voaram a seu rosto. Ele a olhava com repousada e ardente intensidade
que a deixou sem fôlego. E então, sem afastar seu olhar do dela, nem um segundo, ele
perguntou.
—Abrimo-los?
Elizabeth levou uns segundos saber do que falava.
—Oh, os envelopes. Sim, sim. —lambeu os lábios, que ficaram repentinamente
secos. —Mas ambos?
Ele levantou a titulada como Ler depois que tenham se reconciliado e a sacudiu
ligeiramente no ar.
—Posso excetuá-la, se acredita que teremos fundamentos para lê-la dentro de
pouco.
Ela tragou convulsivamente e evadiu a pergunta dizendo:
—Por que não abrimos a outra e vemos o que diz?
—Muito bem. —Ele assentiu cortesmente e deslizou o dedo sob a aba do envelope.
Tirou um cartão, e ambos inclinaram a cabeça e leram:
Para os dois.
Tentem, se puderem, não ser uns completos idiotas.
A nota não estava assinada, mas não havia dúvida de quem a escreveu. A letra
alongada e cheia de graça era familiar a ambos, mas, definitivamente, era as palavras que
apontavam a Lady Dambury como a autora. Ninguém mais podia ser tão delicadamente
grosseiro.
James inclinou a cabeça.
—Ah, minha carinhosa tia.
—Não posso acreditar que me enganou assim, —queixou-se Elizabeth.
—Não pode? —perguntou ele, incrédulo.
—Bom, sim, certamente que posso acreditá-lo. O que não posso acreditar é que
usasse a chantagem como isca. Estava muito preocupada com ela.
—Ah, sim, a chantagem. —James examinou o envelope sem abrir, que estava
rotulado como Ler depois de que se reconciliassem. —Tenho a suspeita de que
encontraremos algo sobre isso aqui.
Elizabeth ofegou.
—Acredita que ela o inventou?
—Certamente nunca pareceu muito preocupada com minha falta de progressos na
solução do crime.
—Abre-o, —ordenou Elizabeth. —Imediatamente. Já.
James começou a fazê-lo, mas então parou e fez um gesto negativo com a cabeça.
—Não, —disse, com voz preguiçosa—acredito que esperarei.
—Quer esperar?
Ele sorriu, lenta e sensualmente.
—Ainda não nos reconciliamos.
—James... —disse ela, com uma voz que era metade advertência e metade desejo.
—Conhece-me, —disse ele. —Conhece melhor minha alma que qualquer outra
pessoa viva, talvez melhor que eu mesmo. Se a princípio não soube meu nome... bom, a
única coisa que posso dizer é que sabe por que não lhe revelei isso imediatamente. Tinha
obrigações para com minha tia, e lhe devo mais do que poderia lhe pagar algum dia.
Esperou que ela dissesse algo, e quando não o fez, sua voz se voltou mais
impaciente.
—Conhece-me, —repetiu, —e acredito que o faz suficientemente bem para saber
que nunca faria nada para te ferir ou te humilhar. —Suas mãos pousaram pesadamente
sobre seus ombros, e James lutou contra o impulso de sacudi-la até que estivesse de acordo.
—Porque se não estás segura disso, então não há nenhuma esperança para nós.
Seus lábios se entreabriram da surpresa, e James vislumbrou a sedutora ponta de sua
língua. E de algum jeito, enquanto contemplava o rosto que o esteve atormentando durante
semanas, soube exatamente o que devia fazer. Antes que ela tivesse oportunidade de reagir,
ele estendeu a mão e agarrou a dela.
—Sente isto? —sussurrou, colocando-a contra seu coração. —Pulsa por ti.
—Sente isto? —repetiu, levantando sua mão a seus lábios. —Respiram por ti. E
meus olhos, eles olham para ti. Minhas pernas andam para ti. Minha voz fala para ti, e meus
braços...
—Para, —disse ela sem fôlego, vencida. —Para.
—Meus braços... —disse ele, sua elegante voz rouca pela emoção. —Eles anseiam
te estreitar.
Ela deu um passo avançando só um centímetro ou dois e ele pôde ver que estava
perto, seu coração estava assim de perto de admitir o inevitável.
—Amo-te, —sussurrou ele. —Amo-te. Vejo seu rosto quando me acordo pela
manhã, e é o único com o que sonho de noite. Tudo o que sou, e tudo o que quero ser.
Ela se precipitou em seus braços, sepultando seu rosto no quente refúgio de seu
peito.
—Nunca o disse, —falou, a voz quase estrangulada pelos soluços que esteve
aguentando durante dias. —Nunca o disse antes.
—Não sei por que, —ele disse contra seu cabelo. —Me dei conta, mas esperava o
momento adequado, e nunca parecia o correto, e...
Ela pôs um dedo contra os lábios.
—Shhhh. Só me beije.
Durante um segundo, James ficou congelado, seus músculos pareciam incapazes de
mover-se ante tal supremo alívio. E então, vencido pelo medo irracional de que ela pudesse
desaparecer de seus braços, esmagou-a contra ele, sua boca devorando a dela com uma
mescla de amor e desejo.
—Espera, —murmurou James, afastando-se ligeiramente dela. E enquanto ela o
olhava confusa, ele levou suas mãos a seu cabelo e tirou a presilha. —Nunca o vi solto,
—disse.—Vi-o revolto e com mechas soltas, mas nunca totalmente solto, brilhando sobre
seus ombros.
Uma atrás de outra, despojou-a de todas as presilhas, cada uma liberando uma longa
mecha de cabelo pálido e loiro como ouro. Finalmente, quando todo o cabelo se derramava
livre como uma cascata por suas costas, ele a sustentou pela mão e a girou devagar, em uma
volta completa.
—É o mais formoso que já vi, —disse sem fôlego.
Ela ruborizou.
—Não seja tolo, —resmungou. —Eu...
—O mais formoso, —repetiu ele. Agarrou entre seus dedos uma fragrante mecha e
o levou sobre seus lábios. —Pura seda. Quero sentir isto quando me deitar de noite.
Elizabeth pensou que sentia a pele quente antes, mas esse comentário a levou
diretamente ao limite. Suas faces arderam, e teria usado seu cabelo para esconder seu rubor,
mas James a pegou pelo queixo e ergueu a cabeça para poder examinar seus olhos.
Inclinou-se e beijou o canto de sua boca.
—Logo não te ruborizará mais. —Beijou-lhe o outro lado. —Ou talvez, se tiver
sorte, manterei-te ruborizada todas as noites.
—Amo-te,—soltou ela, sem saber por que o dizia, só agora convencida que
precisava dizê-lo.
O sorriso de James se fez mais amplo e seus olhos arderam de orgulho. Mas em vez
de dizer algo em resposta, ele cavou as mãos ao redor de seu rosto e a atraiu contra ele para
outro beijo, este mais profundo e mais íntimo que qualquer outro antes. Elizabeth se
derreteu contra ele, e seu calor se filtrou em seu corpo, abastecendo de combustível um
fogo que já ameaçava estar fora de controle. Seu corpo vibrava de excitação e necessidade,
e quando ele a pegou em seus braços e a levou para o dormitório, não fez nem um só som
de protesto.
Segundos mais tarde caíram na cama. Ela sentiu que sua roupa desaparecia, peça a
peça, até que ficou vestida só com sua fina camisa interior de algodão. O único som era o
de suas respirações até que James disse com voz áspera.
—Elizabeth... Não vou a... Não posso...
Ela ergueu o olhar para ele, perguntando-o tudo com seus olhos.
—Se quiser que pare, —James conseguiu dizer, —diga-me isso agora.
Ela se estirou e lhe acariciou o rosto.
—Precisa ser agora, —disse ele com voz rouca, —porque em um minuto não serei
capaz de...
Ela o beijou.
—Oh, Deus, —gemeu ele. —Oh, Elizabeth.
Deveria tê-lo feito parar, sabia. Deveria ter saído correndo da habitação e não lhe ter
permitido aproximar-se a mais de vinte pés dela até que estivesse de pé junto a ele em uma
igreja como marido e mulher. Mas o amor, descobriu, era uma emoção poderosa, e a paixão
era ainda mais veloz. E nada, nem a compostura, nem um aliança de casamento, nem
sequer causar um dano eterno a sua reputação e bom nome, poderiam dissuadi-la de
aferrar-se a este homem agora mesmo e animá-lo a fazê-la sua.
Com dedos trementes alcançou os botões de sua camisa. Nunca tinha tomado antes
um papel tão ativo em sua relação sexual, mas o Céu a ajudasse, ansiava tocar a pele
quente de seu peito. Desejava roçar com seus dedos seus músculos poderosos e sentir seu
coração que palpitava de desejo. Suas mãos se arrastaram para baixo, a seu abdômen e se
atrasaram ali um momento antes de puxar suavemente sua camisa de linho e tirá-la do
cinturão de suas calças.
Com um tremor de orgulho, olhou como seus músculos tremiam e se esticavam sob
seu suave roçar, e soube que o desejo dele era muito grande para que pudesse contê-lo.
Este homem, que perseguiu criminosos através de toda a Europa, e, segundo
Caroline Ravenscroft, foi perseguido por inumeráveis mulheres, ficava desarmado por seu
roçar. Elizabeth sentiu que lhe comovia o coração. Sentiu-se tão... tão feminina enquanto
ela olhava sua pequena mão riscar círculos e corações sobre os lisos planos de seu peito e
seu ventre. E quando ele conteve o fôlego e gemeu seu nome, sentiu-se imensamente
poderosa.
James permitiu que ela o explorasse dessa maneira durante um minuto inteiro antes
que um áspero grunhido escapasse do mais profundo de sua garganta, girasse para ficar de
costas, arrastando-a junto com ele.
—Suficiente, —ofegou. —Não posso... Não...
Elizabeth tomou isto como um elogio e curvou os lábios em um sorriso misterioso e
sensual. Mas sua emoção por sentir-se em vantagem foi efêmera. Mal James a fez rodar a
seu lado e já a fez ficar de costas, e antes que pudesse completar uma respiração, ele estava
sentado escarranchado sobre seu corpo, contemplando-a fixamente com crua necessidade e
um masculino olhar de antecipação.
Seus dedos encontraram os cinco diminutos botões que desciam entre seus seios, e
com alarmante destreza e velocidade, os abriu.
—Ah—murmurou, deslizando a fina camisa sobre seus ombros—isto era o que
necessitávamos.
Deixou expostas as cúpulas de seus seios, e seus dedos fazerem cócegas na fenda
entre ambos, antes de seguir seu caminho para baixo.
Elizabeth se agarrou aos lençóis para impedir de cobrir-se. Ele a contemplava com
tal ardente intensidade que se sentiu úmida e quente entre as pernas. Ele permaneceu assim
durante quase um minuto, sem nem sequer levantar um dedo para acariciá-la, só olhando
fixamente seus seios e lambendo os lábios quando viu seus mamilos alcançar seu ponto
máximo e endurecer-se.
—Faz algo, —ofegou ela, finalmente.
—Isto? —perguntou ele, suavemente, esmagando uma das pontas com a palma de
sua mão. Ela não disse uma palavra, só ofegou em busca de ar. —Isto? —Ele moveu a mão
ao outro seio, e suavemente lhe beliscou o mamilo entre o polegar e o indicador.
—Por favor, —rogou ela.
—Ah, deve querer dizer isto, —disse ele asperamente, e suas palavras se perderam
quando se inclinou e introduziu um mamilo na boca.
Elizabeth soltou um pequeno chiado. Uma de suas mãos se enroscou ao redor do
lençol em um punho apertado enquanto a outra se afundava no grosso cabelo de James.
—Oh, não era isto o que queria? —brincou ele. —Talvez devo prestar mais atenção
ao outro lado. —E então ele o fez outra vez, e a única coisa que Elizabeth podia pensar era
que morreria se ele não fizesse algo para liberar a incrível tensão que crescia dentro dela.
James se separou dela o tempo suficiente para tirar de um puxão a camisa pela
cabeça, e, enquanto abria seu cinto, Elizabeth se cobriu com o fino lençol.
—Não poderá te esconder por muito tempo, —disse ele, com voz rouca pelo desejo.
—Sei. —ruborizou-se. —Mas é diferente quando estás a meu lado.
Ele a olhou com curiosidade enquanto voltava a meter-se na cama.
—O que quer dizer?
—Não posso explicá-lo. —encolheu impotente os ombros. —É diferente quando
pode ver-me inteira.
—Ah, —disse ele, devagar, —isso significa que posso te olhar assim? —Com um
olhar brincalhão, puxou o lençol até que descobriu um ombro sedoso, que começou a beijar
meigamente.
Elizabeth se retorceu e riu tolamente.
—Já vejo, —disse ele, adotando um exagerado acento estrangeiro só para diverti-la.
—E assim? —estirou-se e levantou o lençol de seu pé, lhe fazendo cócegas nos dedos.
—Para! —gritou ela.
Ele voltou a deitar-se e lhe dirigiu seu olhar mais diabólico.
—Não fazia nem ideia de que sentia tantas cócegas. —Fez-lhe um pouco mais.
—Isto, evidentemente, é um conhecimento muito importante.
—Oh, —ofegou ela, —por favor, para. Não posso aguentá-lo.
James a contemplou com todo o amor de seu coração.
Era muito importante para ele fazer que esta primeira vez fosse perfeita para ela.
Vinha sonhando com isso durante semanas, como o mostraria quão delicioso o amor entre
um homem e uma mulher podia ser. E embora não se imaginou precisamente lhe fazendo
cócegas nos dedos dos pés, a imaginou com um sorriso no rosto.
Exatamente como agora.
—Oh, Elizabeth, —murmurou, inclinando-se para pressionar sua boca com um
breve beijo suave, —amo-te tanto. Deve acreditar.
—Acredito, —disse ela suavemente, —porque vejo em seus olhos, o que sinto em
meu coração.
James sentiu que os olhos lhe umedeciam com lágrimas, e não tinha palavras para
expressar a corrente de emoção que sua simples declaração desatara.
Beijou-a de novo, esta vez remontando o contorno de seus lábios com sua língua
enquanto deslizava a mão para baixo, pelo flanco de seu corpo. Sentiu-a ficar rígida de
antecipação, seus músculos saltando sob seu roçar. Mas quando alcançou o centro de sua
feminilidade, suas pernas se separaram ligeiramente para recebê-lo. Brincou com seus
cachos, e logo, quando ele ouviu que sua respiração ficava áspera e superficial penetrou
com o dedo ainda mais. Já estava pronta para ele, graças a Deus, porque não estava seguro
de poder esperar um segundo mais.
James introduziu o joelho entre suas pernas para as abrir ainda mais e se colocou
entre elas.
—Isto pode doer, —disse, notando a pena em sua voz. —Não há outra forma, mas
logo melhora, prometo-lhe isso.
Ela assentiu, e ele notou que seu rosto se esticou ligeiramente por suas palavras.
Maldição. Talvez não deveria tê-la prevenido. Não tinha nenhuma experiência com
virgens; não tinha a menor ideia do que fazer para diminuir a dor.
A única coisa que podia fazer era ser suave e lento o que resultava difícil quando
estava possuído pelo desejo mais selvagem que sentira e rezar para que fosse o melhor.
—Shhhh, —sussurrou em seu ouvido, lhe acariciando com a mão a testa. Avançou
um centímetro mais ou menos, até que o extremo de sua virilidade pressionou contra ela.
—Vê? —sussurrou. —Não sou nada extraordinário.
—É enorme, —replicou ela.
Para completa surpresa dela, uma gargalhada lhe escapou dos lábios.
—Oh, meu amor, normalmente tomaria isto como o maior elogio.
—Mas agora... —ela incitou.
Seus dedos se deslizaram meigamente sobre sua têmpora até sua mandíbula.
—Agora a única coisa que desejo é que não se preocupe.
Ela sacudiu ligeiramente a cabeça.
—Não estou preocupada. Um pouco nervosa, possivelmente, mas não preocupada.
Sei que fará que seja maravilhoso. Faz que tudo seja maravilhoso.
—Farei, —disse ele, fervorosamente contra seus lábios. —Prometo-te que será.
Elizabeth ofegou quando ele empurrou entrando nela. Tudo isto parecia muito
estranho, e, ao mesmo tempo, tão correto, como se ela tivesse nascido para este momento,
criada para receber em seu interior a este homem apaixonado. As mãos de James rodearam
a curva de suas nádegas, e a inclinou ligeiramente. Elizabeth ofegou ante a mudança de
posição que fez que ele se deslizasse facilmente até alcançar a prova de sua inocência.
—Depois disto, —disse ele, com voz cálida contra sua orelha, —será minha. —E
sem esperar uma resposta, ele empurrou profundamente, capturando seu surpreso —Oh!
—com um profundo beijo.
Com suas mãos ainda rodeando seu traseiro, ele começou a mover-se. Elizabeth
ofegou com cada penetração, e logo, inconscientemente, começou a mover-se também,
unindo-se a ele em um ritmo antigo. A tensão que esteve vibrando em seu interior se fez
mais forte, mais urgente, e ela sentiu como se esticasse contra sua própria pele. E então
algo mudou, e se sentiu como se caísse por um escarpado, e o mundo explodisse ao redor
dela.
Um segundo mais tarde, James deu um rouco grito, e suas mãos agarraram seus
ombros com incrível força. Durante um instante a olhou como se estivesse morrendo, e
logo seu rosto adquiriu um aspecto de absoluta felicidade, e sofreu um colapso em cima
dela.
Passaram-se vários minutos, e o único som era o de suas respirações disparadas
enquanto se acalmavam até voltar para a normalidade , e então James rodou por cima dela,
ficando de lado, abraçando-a contra ele e acoplando-se contra ela como duas colheres em
uma gaveta.
—Isto é, —disse ele com voz sonolenta. —Isto é o que estive procurando toda
minha vida.
Elizabeth aconchegou suas costas contra seu peito assentindo, e dormiram.
hhh
Várias horas mais tarde, Elizabeth despertou pelo som dos pés de James
caminhando através do chão de madeira do pavilhão de caça. Não o sentiu deixar a cama,
mas ali estava, cruzando o dormitório, tão nu como o dia que nasceu.
Ela se sentiu dividida entre o impulso de afastar a vista e a tentação de olhar fixa e
desavergonhadamente. Terminou por fazer um pouco de ambos.
—Olhe o que esquecemos, —disse James, agitando algo no ar. —Encontrei-a no
chão.
—A carta de Lady Dambury!
Ele elevou as sobrancelhas e lhe dando de presente seu sorriso mais libertino.
—Devo tê-la deixado cair em minha pressa por fazer amor com você.
Elizabeth pensava que com tudo o que aconteceu, ele já não seria capaz de fazê-la
ruborizar, mas pelo visto se equivocava.
—Só abre-a, —resmungou.
Ele pôs uma vela sobre a mesinha de noite e se introduziu lentamente na cama a seu
lado. Quando não se moveu o bastante rápido para abrir o envelope, Elizabeth o tirou e o
rasgou apressadamente ela mesma.
Dentro encontrou outro envelope, com as seguintes palavras escritas no fronte:
Estão trapaceando, não é mesmo?
Realmente querem abrir este envelope antes de se reconciliarem?
Elizabeth levou uma mão à boca, e James não se incomodou em conter a risada que
borbulhava em sua garganta.
—Desconfiada, não? —murmurou.
—Provavelmente com razão, —confessou Elizabeth. —Quase o abrimos antes que
nós...
—Reconciliássemo-nos? —sugeriu ele com um sorriso diabólico.
—Sim, —resmungou ela, —exatamente.
Ele apontou o envelope em suas mãos.
—Vai abrir?
—Oh, sim. É obvio. —Com um pouco mais de decoro desta vez, Elizabeth levantou
a aba do envelope e tirou uma folha delicadamente perfumada de papel branco, dobrada
com esmero pelo meio. Elizabeth o desdobrou, e, aproximando juntos a cabeça à luz da
vela, leram:
Meus mais queridos meninos,
Sim, é certo. Meus mais queridos meninos. Assim é como penso em vós, depois de
tudo.
James, não esquecerei nunca o dia em que te trouxe para Dambury House pela
primeira vez. Foi tão receoso, tão incapaz de acreditar que eu poderia te amar por ti
mesmo. Abracei-te todos os dias, tentando te mostrar o que significa ser família, e então,
um dia, devolveu-me o abraço, e me disse: —Amo-te, Tia Agatha. —E a partir daquele
momento, foi como um filho para mim. Daria minha vida por ti, mas suspeito que já sabe
disso.
Elizabeth, você entrou em minha vida quando o último de meus filhos se casou e me
abandonou. Desde o primeiro dia, ensinaste-me o que significa ser valente, leal e fiel às
crenças. Durante estes últimos anos foi um prazer para mim ver-te florescer e crescer.
Quando veio pela primeira vez a Dambury House, era tão jovem, e inexperiente e
fácil de aturdir. Mas em algum momento com o passar do caminho, desenvolveste um
equilíbrio interior e uma inteligência que qualquer jovem mulher invejaria. Nunca me
adulou, e nunca permitiu que te intimidasse; é provavelmente o maior elogio que a mulher
de meu filho pode receber. Daria tudo o que possuo por te chamar minha filha, mas
suspeito que já sabe.
Assim seria tão estranho que sonhasse com que vós, minhas duas pessoas favoritas
se conhecessem? Sabia que não podia fazê-lo de forma convencional. James, com
segurança, oporia-se a qualquer tentativa de minha parte de me fazer de casamenteira.
É um homem, depois de tudo, e portanto tolamente orgulhoso. E sabia que jamais
convenceria a Elizabeth para viajar a Londres e ter uma temporada a minhas custas. Ela
nunca participaria de nada que a afastasse tanto tempo de sua família.
E assim nasceu minha pequena armação. Começou com uma nota ao James. Você
sempre queria me resgatar tal e como eu resgatei a ti uma vez, meu menino. Foi bastante
fácil imaginar um complô de chantagem. (Devo me desviar um momento para te assegurar
que o complô foi uma completa mentira, e todos meus filhos são legítimos e foram, é obvio,
engendrados pelo anterior Lorde Dambury. Não sou o tipo de mulher que se desvia de seus
votos matrimoniais.)
Estava bastante segura de que se conseguisse que se conhecessem,
apaixonariam-se (raramente me equivoco neste tipo de coisas), mas só para plantar a ideia
na cabeça de Elizabeth, localizei minha velha cópia de "Como casar-se com um Marquês".
Um tolo livro que nunca deveria ter sido escrito, mas não sabia de que outra forma fazê-la
começar a pensar no matrimônio. (Em caso de que esteja se perguntando sobre isso,
Lizzie, perdoo-te por roubar o livro de minha biblioteca. Estava destinada a fazê-lo, é
obvio, assim pode guardá-lo como uma lembrança de seu noivado.)
Esta é minha confissão. Não lhes peço perdão, é obvio, não tenho nada pelo que
pedi-lo. Suponho que poderiam se sentir ofendidos com meus métodos, e normalmente não
sonharia orquestrar uma situação tão comprometedora, mas estava claro que ambos são
muito obstinados para reconhecer a verdade de outra forma. O amor é um presente
precioso, e fariam bem em não desperdiçá-lo por um pouco de tolo orgulho.
Espero realmente que desfrutem do pavilhão de caça; verão que tive em conta cada
uma de suas necessidades. Por favor sintam-se livres de passar a noite; contra a crença
popular, não domino o clima, mas rezarei ao Senhor para que desate uma violenta
tormenta com chuva torrencial, do tipo de tormentas que nunca se aventurariam a sair.
Podem me agradecer isso em suas bodas. Já lhes consegui uma licença especial.
Afetuosamente,
Agatha, Lady Dambury.
Elizabeth ficou boquiaberta.
—Não posso acreditá-lo, —ofegou. —Ela tramou tudo.
James revirou os olhos.
—Eu sim posso acreditá-lo.
—Não posso acreditar que pôs o maldito livro na biblioteca sabendo que eu o
pegaria.
James assentiu.
—Também posso acreditar nisso.
Elizabeth girou a cabeça para ele, com lábios ainda entreabertos do assombro.
—E até tem uma licença especial.
—Isso, —confessou ele, —sei que não posso acreditá-lo. Mas só porque eu também
obtive uma, e estou um pouco surpreso de que o arcebispo fizesse uma cópia.
A carta de Lady Dambury escorregou da mão de Elizabeth e revoou caindo sobre os
lençóis.
—Fez isso? —sussurrou.
James tomou uma de suas mãos e a levou aos lábios.
—Quando estava em Londres, procurando o falso chantagista de Agatha.
—Quer te casar comigo, —ofegou ela. Suas palavras eram uma declaração, não
uma pergunta, mas soaram como se não pudesse as acreditar realmente.
James lhe lançou um sorriso divertido.
—Só lhe pedi isso uma dúzia de vezes nos últimos dias.
Elizabeth sacudiu sua cabeça, como se despertasse de um sonho.
—Se me pedir isso outra vez, —ela o incitou, —poderia te dar uma resposta
diferente.
—De verdade?
Ela assentiu.
—Definitivamente.
Ele percorreu com um dedo o flanco de seu pescoço, seu sangue acelerando-se
quando viu o modo que seu roçar a fez tremer.
—E o que te fez mudar de opinião? —murmurou.
—Alguns poderiam pensar, —ofegou ela, quando seu dedo seguiu descendo, —que
tem algo a ver com que me tenha comprometido, mas se realmente quer a verdade ...
Ele se inclinou, sorrindo perversamente.
—Oh, definitivamente quero a verdade.
Elizabeth permitiu que ele cortasse a distância entre eles a um mero centímetro
antes de dizer:
—Foi pelo livro.
Ele congelou.
—O livro?
—"Como casar-se com um Marquês".—Ela arqueou uma de suas sobrancelhas.
—Penso escrever uma edição corrigida.
Ele empalideceu.
—Brinca?
Ela sorriu e se ondulou debaixo dele.
—Acha?
—Por favor, me diga que estás brincando.
Ela se recostou um pouco mais na cama.
—Obrigarei-te a confessar que brinca, —grunhiu James.
Elizabeth o alcançou e o rodeou com os braços, sem notar sequer o trovão que fez
que as paredes tremessem.
—Faça-o, por favor.
E James a obedeceu.
Epílogo
Nota da Autora: é convencionado universalmente por todos os peritos em Protocolo
do século dezenove que os copiosos garranchos encontrados nas margens[2] deste volume
único são trabalho do Marquês de Riverdale.
Extratos De "Como Casar-Se Com Um Marquês"
Por Marquesa De Riverdale
SEGUNDA EDIÇÃO
Publicado em 1818. Cópias Impressas: Uma.
Decreto Número Um:
NUNCA PONHA TODAS SUAS ESPERANÇAS EM UM CAVALHEIRO ATÉ
NÃO ESTAR COMPLETAMENTE SEGURA DE SUA IDENTIDADE. COMO
QUALQUER SENHORITA JUDICIOSA, DEVE SABER: OS HOMENS SÃO SEMPRE
MENTIROSOS.
'Deus Santo, Lizzie, não me perdoaste ainda por isso?'
Decreto Número Cinco:
OS CONVENCIONALISMOS DITAM QUE VOCÊ NÃO DEVE PASSAR MAIS
DE DEZ MINUTOS CONVERSANDO COM UM CAVALHEIRO EM PARTICULAR.
ESTA AUTORA DISCORDA. SE VOCÊ SENTIR QUE ESTE HOMEM PODERIA SER
UM CANDIDATO PARA O MATRIMÔNIO, CONVÉM-LHE CONHECER SUA
MENTE ANTES QUE VOCÊ SE COMPROMETA EM UM VOTO TÃO
SACROSSANTO. EM OUTRAS PALAVRAS, MEIA HORA DE CONVERSAÇÃO
PODE SALVÁ-LA DO ENGANO DE SUA VIDA.
'Nenhum argumento contra.'
Decreto Número Oito:
NÃO IMPORTA O MUITO QUE AME A SEUS PARENTES, OS NOIVADOS
SE LEVAM MELHOR SEM A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA.
'Oh, mas não esqueça o pavilhão de caça...'
Decreto Número Treze:
TODA MULHER DEVE SABER DEFENDER-SE DE CUIDADOS NÃO
DESEJADOS. ESTA AUTORA RECOMENDA O BOXE. ALGUNS PODERIAM
CONSIDERAR TAL CONDUTA ATLÉTICA IMPRÓPRIA PARA UMA DELICADA
DAMA, MAS VOCÊ DEVE ESTAR PREPARADA PARA DEFENDER SUA
REPUTAÇÃO.
SEU MARQUÊS PODE NEM SEMPRE ESTAR À MÃO. PODE HAVER
MOMENTOS EM QUE PRECISE PROTEGER-SE.
'Eu SEMPRE te protegerei.'
Decreto Número Quatorze:
SE OS CUIDADOS JÁ MENCIONADOS SÃO DESEJADOS, ESTA AUTORA
NÃO PODE OFERECER NENHUM CONSELHO QUE POSSA SER LEGALMENTE
IMPRESSO NESTE LIVRO.
'Te encontre comigo em nosso quarto e EU te aconselharei.'
Decreto Número Vinte:
(O Único que Realmente Precisa Recordar)
ACIMA DE TUDO, SER HONESTA COM SEU CORAÇÃO. QUANDO VOCÊ
SE CASA, NÃO IMPORTA SE FOR COM UM MARQUÊS OU COM UM
ADMINISTRADOR DE IMÓVEIS (ou com ambos!), SERÁ PARA TODA A VIDA.
VOCÊ DEVE IR ONDE SEU CORAÇÃO A LEVE E NÃO ESQUECER NUNCA QUE O
AMOR É O PRESENTE MAIS PRECIOSO DE TODOS.
O DINHEIRO E A POSIÇÃO SOCIAL SÃO UM POBRE SUBSTITUTO DE UM
CÁLIDO E TENRO ABRAÇO, E HÁ POUCO NA VIDA QUE COMPLETE MAS QUE
A ALEGRIA DE AMAR E O CONHECIMENTO DE QUE TAMBÉM LHE AMAM.
'Eu te amo Elizabeth. Até que o último fôlego abandone meu corpo, e por toda a
eternidade depois disso...'
Fim
[1] Petimetre: Homem vaidoso, preocupado com a aparência.
[2] Os copiosos garranchos encontrados nas margens deste volume único são
trabalho do Marquês de Riverdale e estão entre ('), isso no 'epílogo'. (Nota do revisor final
Matias Jr).