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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Mauricio Teixeira Piacentini

Jogo eletrônico, flow e cognição

MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do

título de MESTRE em Tecnologias da

Inteligência e Design Digital, sob a orientação

do Prof. Doutor Sérgio Roclaw Basbaum

São Paulo

2011

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Banca examinadora

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Para o Theo.

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Agradecimentos

Agradeço aos professores e colegas do TIDD pelas conversas e pela troca de experiências,

sem as quais com certeza este trabalho não seria possível.

Ao professor Jorge Albuquerque agradeço pelo bom humor, por sua imensa erudição

e por sua generosidade em compartilhá-la.

À professora Renata Gomes agradeço por aceitar o convite para a banca de qualifi-

cação e por seu feedback precioso em relação às diferenças entre os pontos de vista do

jogador e do game designer, entre outros. Agradeço também por sua tese de doutorado,

uma das minhas leituras prediletas entre aquelas que compõem a bibliografia desta pes-

quisa.

Ao professor Luis Carlos Petry agradeço por seus insights sobre a ontologia dos jo-

gos eletrônicos, e de maneira especial pela paixão compartilhada em relação aos games

enquanto arte e experiência.

À professora Lúcia Santaella agradeço pela oportunidade de trabalho em conjunto

quando da elaboração do Projeto PAJÉ (Plataforma Aberta para Jogos Eletrônicos), e por

ter aberto um espaço em sua agenda para participar da banca de qualificação, apesar de

seus inúmeros compromissos. Suas observações em relação à obra de Frank Wilson, entre

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muitas outras, foram fundamentais para o resultado final desta pesquisa.

Ao professor Sérgio Basbaum agradeço por me colocar em contato com a fenomeno-

logia de Merleau-Ponty e com a obra de Varela, Thompson e Maturana; pelo grupo de es-

tudos, pelos debates em aula e pela singular convergência de interesses e idéia. Agradeço

também por sua elegante postura filosófica, e principalmente por colocar-se à disposição

para orientar esta dissertação.

Quanto aos meus colegas, seria injusto citar apenas alguns deles. É inegável, no

entanto, que grande parte da experiência do mestrado se dá justamente na convivência

antes, durante e depois das aulas e nos grupos de estudo, e por isso sou bastante grato

àqueles que compartilharam estes espaços comigo.

Deixo aqui um agradecimento especial à Edna Conti, que me orientou desde o nosso

primeiro contato, por telefone, quando eu ainda lutava com a elaboração do projeto de

pesquisa para ingresso no programa. Descobri, semanas depois, que aquele na verdade

não havia sido nosso primeiro encontro: por uma destas fortuitas coincidências da vida ela

já havia me conhecido quase quarenta anos atrás, na época em que eu era menino e meus

pais frequentavam a PUC e o Tuca. Sua ajuda e orientação em relação aos procedimentos

acadêmicos e as conversas agradáveis de meio da tarde foram fundamentais para que eu

conseguisse concluir este trabalho tranquilamente.

Por fim, agradeço à Maíra Scombatti pelos múltiplos apoios durante a elaboração

deste texto, na forma de conversas, carinho, ideias, input pedagógico e uma enorme dose

de compreensão e paciência. Sou especialmente grato pelas diversas leituras parciais que

me ajudaram a descobrir o que eu queria realmente dizer, e também pela revisão detalhada

desta versão final.

Obrigado!

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Resumo

Essa pesquisa investiga a experiência do jogo eletrônico como uma interação sinesté-

sica com um mundo codificado e proposto intencionalmente, que produz um impacto

cognitivo específico. Neste percurso, pretende-se inicialmente identificar algumas das

características que definem o jogo eletrônico e seus canais primários de acoplamento: a

mão e o olho. Para isso, utilizaremos como guias a pesquisa de Frank Wilson e o con-

ceito de tecnoimagem formulado por Vilém Flusser. Em seguida, consideramos a teoria

da experiência ótima (flow) de Mihaly Csíkszentmihályi e suas implicações sobre o jogo

eletrônico. O objetivo é entender como o jogar gera conhecimento no corpo que experi-

menta, e portanto faz-se necessário definir o que é cognição, a partir de um levantamento

fundamentado nas teorias de três escolas das ciências cognitivas: o Cognitivismo, o Co-

nexionismo e a corrente Encenativa. Finalmente, discutiremos o jogar como conhecer e o

papel do game designer como criador de experiências que carregam potencial cognitivo.

Palavras-chave: Jogo eletrônico. Interatividade. Tecnoimagens. Cognição. Flow.

Game design.

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Abstract

This research investigates the videogame experience as a synesthetic interaction with an

encoded and intentionally proposed world, which produces a specific cognitive impact.

Following this path, we initiallly intend to identify some of the characteristics that define

the electronic game and its primary coupling interfaces: the hand and the eye, guided by

Frank Wilson’s research and the concept of technoimages formulated by Vilém Flusser.

Then we will consider Mihaly Csíkszentmihályi’s theory of optimal experience (flow) and

its implications on games. The goal is to understand how play generates knowledge in the

body that undergoes experience, and for this we need to define what cognition is, based on

theories from three different schools of cognitive science: Cognitivism, Conexionism and

Enaction. Finally we will discuss playing as knowing and the role of the game designer

as the creator of experiences with cognitive potential.

Keywords: Electronic game. Interactivity. Technoimages. Cognition. Flow. Game

design.

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Sumário

Resumo 7

Abstract 9

Introdução 19

1 Jogo tradicional e jogo eletrônico 23

1.1 Sobre o jogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

1.2 Sobre o jogo eletrônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

1.3 Interação e feedback . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

1.4 Input - Da mão para a tecla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

1.5 Output - Da tela para o olho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

1.5.1 Imagens e texto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

1.5.2 Aparelho é caixa preta produzindo imagens técnicas . . . . . . . 39

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1.6 Jogo como sequência de interações possíveis . . . . . . . . . . . . . . . 42

2 Jogo e flow 49

2.1 Flow . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

2.2 As condições para o flow . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

2.3 Flow e games . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

2.4 Gerando flow . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

3 Jogo e cognição 67

3.1 Os diferentes conceitos de cognição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

3.1.1 A linha Cognitivista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

3.1.2 A linha Emergente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

3.1.3 A linha Encenativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

3.2 Jogar e conhecer: diferentes perspectivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

3.2.1 Jogo e Cognitivismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

3.2.2 Jogo e Conexionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

3.2.3 Jogo e Encenação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

4 O diálogo entre quem joga e quem programa o jogo 85

4.1 Game design e imersão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

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4.2 Game design e cognição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

5 Considerações finais: o papel do game designer 95

Referências bibliográficas 103

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Lista de Figuras

1.1 Imagem, ideograma e texto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

1.2 Do código aos pontos que formam a imagem técnica em um computador

pessoal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

2.1 A zona da experiência ótima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

2.2 Zona de flow - exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

2.3 FlOw . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

2.4 FlOw - nível avançado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

3.1 Parley: software no modelo flash card . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

3.2 Kanagram: jogo educacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

3.3 Tux of Math: jogo educacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

4.1 Zork . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

4.2 Space Invaders . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

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4.3 Quake . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

4.4 Halo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

4.5 World of Warcraft . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

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Lista de Tabelas

1.1 Play em português . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

1.2 Elementos para a definição de jogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3.1 As tradições da ciência cognitiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

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Introdução

Desde muito cedo as questões relacionadas ao jogar fizeram parte de minha experiência

pessoal. Lembro-me de passar longas tardes com meus primos e irmãos mergulhado em

jogos de tabuleiro, de rua, de cartas. Naquela época, começo dos anos setenta, ainda não

existiam para nós os jogos eletrônicos. O primeiro foi o Telejogo: me recordo do fascínio

despertado em crianças e adultos por aquela bolinha em preto e branco atravessando a tela

em uma simulação primitiva do jogo de tênis. Mas os jogos tradicionais ainda dominavam

a experiência do dia-a-dia: futebol de botão, amarelinha, pega-pega. Pouco a pouco no

entanto pude vivenciar a transição do brincar e do experimentar do mundo ”real” para o

mundo eletrônico. Acompanhei a criação e evolução dos computadores pessoais, o apare-

cimento dos primeiros videogames e finalmente a entrada da Internet no Brasil. E embora

tenha me graduado em Comunicação Social (Rádio e TV) pela Escola de Comunicações

e Artes da Universidade de São Paulo em 1990, minha atuação profissional nos últimos

quinze anos se desenvolveu ao redor das teclas e telas dos computadores, como desen-

volvedor e programador de jogos e software educativo. A escolha do jogo eletrônico e

das questões relativas à cognição como temas para esta pesquisa de mestrado foi, então,

algo natural, assim como a escolha do programa de Tecnologias da Inteligência e Design

Digital da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por seu caráter inovador, multi

e transdisciplinar.

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A hipótese central deste trabalho é que a experiência do jogo eletrônico, enquanto

interação sinestésica com um mundo codificado e proposto intencionalmente, produz um

impacto cognitivo específico. A experiência profissional deste pesquisador como game

designer permite, acreditamos, que se assuma um ponto de vista privilegiado em relação

às questões que cercam a criação do game. Temos então, como objetivos secundários, a

intenção de investigar também o diálogo entre quem joga e quem programa o jogo, e o

papel do game designer como criador de experiências carregadas de potencial cognitivo.

No primeiro capítulo, Jogo tradicional e jogo eletrônico, delimita-se o nosso objeto

de estudo. Um grande número de pesquisadores, tanto no Brasil como no exterior, têm se

dedicado à tarefa de definir o que é o game. Para isso, muitas vezes emprestam-se concei-

tos criados para estudo de outras mídias e campos do conhecimento, como a literatura, o

teatro e a comunicação social. Optou-se por seguir, no entanto, um caminho paralelo, tal-

vez devido à experiência deste pesquisador como designer de jogos. Vamos nos alinhar,

então, com os ludologistas, a corrente de estudiosos que procura definir o jogo através

de um referencial teórico próprio, nascente, em construção e por isso mesmo às vezes

incompleto. Esse caminho permite chegar a uma definição estreita de jogo eletrônico que

serve aos propósitos deste trabalho. Em seguida examinamos, a partir das teses de Frank

Wilson e Vilém Flusser, a mão e o olho como os canais primários de acoplamento entre

o jogador e a máquina. Por fim, vamos explorar o conceito flusseriano da caixa preta e

a idéia de que o jogo de computador se desenvolve em um aparelho com possibilidades

finitas de variação, onde todos os jogos possíveis de serem jogados estão codificados e

limitados pelo campo de possibilidades do hardware e do software.

No capítulo Jogo e flow é apresentado o trabalho de Mihaly Csíkszentmihályi. Este

psicólogo americano identificou as bases para o que chamou de "Teoria da experiência

ótima", em uma pesquisa com duração de mais de duas décadas que contou com a cola-

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boração de centenas de milhares de voluntários e dezenas de assistentes espalhados em

várias universidades ao redor do mundo. Demonstramos, então, as implicações desta te-

oria nos games, examinando cada um dos componentes do enjoyment classificados por

Csíkszentmihályi e sua relação com aspectos específicos do jogo eletrônico.

As diferentes correntes das ciências cognitivas são analisadas no capítulo Jogo e cog-

nição, onde buscamos uma resposta para a questão "o que é conhecimento e como o

mesmo se dá?". Examinamos as diferenças entre as linhas cognitivista, conexionista e

encenativa, a partir da pesquisa de Varela, Thompson e Rosh; e na sequência exploramos

como o jogo eletrônico pode ser considerado gerador de conhecimento de acordo com

cada um destes diferentes modelos de cognição.

O capítulo seguinte, o diálogo entre quem joga e quem programa o jogo, examina

como o game designer cria e codifica o mundo virtual onde a experiência do jogar se

desenvolve. Neste percurso citamos alguns jogos clássicos a fim de observar como estes

representam o avanço da tecnologia, além de identificar as particularidades envolvidas no

processo de codificação e na interação entre o jogador e o código.

Nas considerações finais, relacionamos a atividade de desenvolver jogos com a cri-

ação de um repositório de conhecimento em potencial. Caracterizamos o designer como

aquele que brinca com o software na tentativa de evocar uma experiência: o código em

si carrega o potencial cognitivo, mas apenas no diálogo (no jogar) este potencial tem a

chance de se realizar. Analisamos, então, o papel do game designer nesta construção de

saberes, em uma sociedade onde a experiência do jogo eletrônico ocupa cada vez mais

espaço, principalmente entre os mais jovens.

Nota: no corpo deste trabalho optamos por colocar as citações em língua estrangeira

traduzidas para o Português, a fim de facilitar o fluxo da leitura. Os textos na versão

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original estão, no entanto, disponíveis como notas de rodapé. Todas as traduções, salvo

indicação em contrário, foram feitas pelo autor.

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Capítulo 1

Jogo tradicional e jogo eletrônico

The whole truth regarding play cannot be known until the whole truth regarding

life itself is known1. — Lehman and Witty — Psychology of Play, Chapter 1. 1927.

[SCHELL, 2008, p. 38]

Esta pesquisa investiga algumas das questões relacionadas ao impacto cognitivo es-

pecífico do jogo eletrônico, com ênfase no diálogo possível entre o game designer e o

jogador. Faz-se necessário, antes de mais nada, definir então o que se entende por jogo e,

mais especificamente, por jogo eletrônico.

1.1 Sobre o jogo

A definição de jogo foi objeto de estudo de dezenas de autores relacionados a linhas de

pesquisas paralelas a esta, e parece ser um primeiro capítulo obrigatório em grande parte

1A verdade completa a respeito do jogar não pode ser conhecida até que a verdade completa sobre aprópria vida o seja. [Tradução do autor]

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24 JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO

dos trabalhos que se propõe a lidar com essas questões2.

Este grande número de tentativas de conceituação reflete de certa forma a importância

do jogo como fenômeno cultural e também a sua abrangência, fatores que tornam difícil

a tarefa de buscar apenas uma definição exata. Alguns autores até mesmo desistem de

procurar tal resposta:

"A palavra [jogo] é usada para um número tão variado de atividades que não vale

a pena insistir em uma definição proposta. No final das contas, este é um elemento

lexicológico escorregadio, com muitos amigos e relações em uma ampla gama de

áreas3". – David Parlett, The Oxford History of Board Games – [SALEM, 2004, p.

71]

É interessante notar, no entanto, que grande parte dos estudiosos deste campo escreveu

suas obras em inglês, alemão ou francês, línguas onde os verbos play, spielen e jouer se

aplicam tanto ao que nós nomeamos em português jogar como ao que nomeamos de

brincar. O problema para estes autores é, então, ainda mais complexo do que para nós.

Para começar, existe a necessidade de se distinguir entre estes dois estados primários

(brincar e jogar), e Schell faz esse exercício de uma maneira bastante direta:

"Um jogo é algo que você joga. Um brinquedo é algo com o que você brinca.

[...] Um brinquedo é um objeto com o qual você brinca4."[SCHELL, 2008, p. 26]

Essa questão linguística é uma primeira e importante distinção: observa-se que neste2Entre outros, recomenda-se a consulta de "Videogames: brinquedos do pós-humano" de Roger Tavares

[TAVARES, 2006] e o capítulo "O conceito de jogo e jogos computacionais", de João Ranhel, parte dacoletânea "Mapa do Jogo". [SANTAELLA e FEITOZA, 2008, p. 3]

3The word [game] is used for so many different activities that is not worth insisting on any proposeddefinition. All in all, it is a slippery lexicological customer, with many friends and relations in a wide varietyof fields.

4A game is something you play. A toy is something you play with. [...] A toy is an object you play with.

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 25

trabalho estamos falando sobre aquilo que, em português, denominamos naturalmente de

jogo, utilizado com o verbo jogar. O que chamamos de brincar e o brinquedo não são

objeto deste estudo. Da mesma forma, também não estamos falando de outras atividades

que se encaixariam nos verbos play, spielen ou jouer para os estudiosos americanos e

europeus, como a representação de um papel teatral ou a execução de uma música. A

tabela 1.1 sumariza algumas destas múltiplas traduções para play:

Inglês Português

Play soccer Jogar futebol

Play chess Jogar xadrez

Play with a doll Brincar de boneca

Play with my dog Brincar com meu cachorro

Play a role Representar um papel

Play music Executar música

Tabela 1.1: Play em português

Nota-se portanto que o universo linguístico já funciona como balizador: parece ser

instintivamente mais fácil definir jogar em português do que em inglês, alemão ou francês,

pois cada língua naturalmente delimita o seu campo de significados. Com o aprendizado

da língua portuguesa aprende-se também o que é para nós o jogo, bastando identificar

aquelas atividades culturais que utilizamos com o verbo jogar5.

Por outro lado, a falta deste referencial, naturalmente enraizado em nossa estrutura

linguística, fez com que os pesquisadores europeus e americanos tivessem que definir

parâmetros mais exatos que podem ser utilizados para se dizer, em suas línguas natais,

5Descarta-se aqui o uso do verbo jogar no sentido de arremessar, interpretação que não existe para osautores de língua inglesa, francesa e alemã

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26 JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO

quando uma atividade é um jogo ou não, diferenciando-a da brincadeira ou da represen-

tação. Esse exercício contínuo levou a dezenas de definições acadêmicas para o conceito

de jogo, nem sempre coincidentes e normalmente centradas na análise das característi-

cas discretas que qualificariam o jogar. E o estudo dessas características básicas ajuda

mesmo aqueles que falam o português a entender de forma analítica, e não apenas através

das fronteiras da língua, os elementos constituintes das experiências que chamamos de

jogar.

A tabela 1.2 (baseada em [SALEM, 2004, p. 79]) mapeia os pré-requisitos para uma

atividade ser considerada jogo para alguns dos principais pesquisadores da área. Para

sua confecção os autores coletaram definições encontradas nas obras tanto de autores da

primeira metade do século XX — Johan Huizinga e Roger Caillois, referências obriga-

tórias neste campo de estudo — como também aquelas que aparecem em trabalhos mais

recentes sobre jogos de tabuleiro, estrutura do jogo e do videogame publicados depois

da década de 70 por psicólogos, acadêmicos e game designers (David Parlett, Clark Abt,

Bernard Suits, Elliot Avedon, Chris Crawford e Brian Sutton-Smith).

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 27

Parle

tt

Abt

Hui

zing

a

Caill

ois

Suits

Craw

ford

Aved

on/S

utto

n-Sm

ith

Procede através de regras

que limitam os jogadores

x x x x x x x

Conflito ou competição x x x

Orientado a um objetivo x x x x

Atividade, processo ou

evento

x x x

Envolve tomada de deci-

são

x x

Não associado a ganho

material

x x

Artificial / Seguro / Fora

da vida comum

x x x

Voluntário x x x

Faz de conta / Represen-

tacional

x x

Tabela 1.2: Elementos para a definição de jogo - baseada em [SALEM, 2004, p. 79]

Pode-se observar que alguns elementos se repetem com maior frequência, mas apenas

um é citado por todos os autores examinados. A maioria dos pesquisadores identifica as

características do jogo como uma "atividade, processo ou evento", que é normalmente

"orientada a um objetivo". Todos, no entanto, consideram que esta atividade, para ser

considerada jogo, "procede através de regras que limitam os jogadores". Estas três carac-

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28 JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO

terísticas básicas, portanto, formam a base do conceito de jogo utilizado no decorrer deste

trabalho:

O jogo é algo que se joga: uma atividade, orientada a um objetivo, que é limi-

tada por regras previamente acordadas entre os jogadores.

Esta definição é propositadamente estreita6, e apresentada como o recorte inicial sobre

o qual enquadra-se o verdadeiro objeto de estudo deste trabalho: o jogo eletrônico.

1.2 Sobre o jogo eletrônico

Conceitua-se então o jogo eletrônico (ou game) como um jogo (conforme definido ante-

riormente) que se desenvolve na interação entre um jogador humano e um outro jogador,

humano ou não, mediada por um dispositivo de processamento digital, aqui chamado ge-

nericamente de computador. Este é constituído por elementos físicos (hardware) e por

um conjunto de instruções e procedimentos que determinam como estes elementos físicos

podem ser ativados (software).

O computador, portanto, mantém o estado do jogo, controla a ordem e o modo pos-

sível de interação e calcula a produção de novo estado através de regras codificadas em

seu programa de operação. Videogames, celulares, smartphones e, logicamente, os com-

putadores pessoais, são exemplos de dispositivos atuais que possibilitam a execução de

6Em especial, foram desconsideradas na elaboração desta definição as questões relacionadas aos elemen-tos estéticos e narrativos do jogo. Esta escolha intencional aproxima este trabalho das linhas de pesquisaidentificadas com a Ludologia, corrente que busca examinar os games como uma disciplina autônoma edesencoraja a adaptação de teorias desenvolvidas para outras áreas estabelecidas do conhecimento, comoa literatura e as artes visuais. Para uma análise mais abrangente desta questão sugere-se a leitura da seção"Narratologia X Ludologia". [GOMES, 2008, p. 28]

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 29

jogos eletrônicos, mas a definição abrange também brinquedos com circuitos embarca-

dos, robôs, relógios, calculadoras, caixas eletrônicos, set-top boxes e redes compostas por

um ou mais dispositivos como a internet, o sistema de telefonia e as redes de TV digital.

Embora o jogo eletrônico possa se desenvolver em qualquer um destes dispositivos, usare-

mos neste capítulo o termo computador para nos referirmos de forma genérica ao aparelho

eletrônico onde o jogo se desenvolve, e tomaremos como base para análise o exemplo do

computador pessoal, constituído de unidade de processamento central, teclado, mouse e

tela.

1.3 Interação e feedback

A experiência do jogar o jogo eletrônico é condicionada pela interface disponível entre

o jogador e o dispositivo, e vem se alterando ao longo do tempo. O modo mais usual

de interação com o jogo ainda é o apertar de teclas, sejam elas em um controle especial

ou em um teclado comum. Videogames atuais utilizam também detecção de movimento

e reconhecimento de formas através de câmeras e controles dotados de giroscópios e

acelerômetros. É interessante observar que esta evolução na interface entre o homem e o

dispositivo parece ocorrer primariamente em apenas uma direção, aquela que representa

o fluxo de informação do jogador para a máquina, canal que chamamos de entrada de

dados ou input. O fluxo no sentido contrário, output, permanece largamente inalterado:

a comunicação do estado do jogo entre máquina e jogador continua centrada ao redor de

uma tela, auxiliada por aúdio e controles que vibram suavemente.

É importante ressaltar que essa separação clássica entre input e output diz respeito

apenas à interface física entre homem e máquina, examinada a partir da situação do

computador. Afinal, é assim que o computador funciona: recebendo informações através

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30 JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO

dos canais de input, processando-as linearmente e na sequência produzindo um novo es-

tado nos canais de output. Essa separação não está necessariamente refletida na estrutura

perceptiva ou cognitiva envolvida na experiência do jogar, ou seja: quando os mesmos

componentes são examinados sob o ponto de vista do jogador, não podemos automati-

camente admitir uma simples relação causal ou linear entre input e output. Um exemplo

simples é o apertar de um botão, visto sob o ponto de experiência7 do jogador: este gesto

produz um feedback táctil e neural que é intrínseco, mesmo que o computador esteja des-

ligado. Entram em cena então as ciências cognitivas e a questão da percepção; novas

relações se constroem, e estas podem ser circulares ou simultâneas, conforme o modelo

cognitivo considerado. Essas relações, no entanto, serão objeto de análise mais detalhada

no capítulos 3. Por agora é necessário indicar que estamos analisando inicialmente input

e output sob a ótica da máquina, como processos discretos e sequenciados.

1.4 Input - Da mão para a tecla

O meio mais usual de entrada de dados para um jogo eletrônico ainda é o apertar de teclas,

seja através de um teclado, mouse ou joystick. Alguns controles de videogame possuem

uma quantidade fantástica de botões (12 ou mais), sem contar ainda as alavancas dire-

cionais, normalmente acionadas pelos polegares. Os mais recentes controles8 permitem

também a detecção da posição, velocidade e rotação das mãos, usando acelerômetros e

giroscópios. A intenção é que o controle seja uma extensão natural da mão humana, e o

jogo algo que possa ser tocado e apreendido através de nosso principal órgão tátil. Isso

7Basbaum (2005), baseado na antropologia de Constance Classen, emprega a expressão "ponto de ex-periência"para falar de uma síntese perceptiva não exclusivamente visual.

8Quando este texto estava sendo elaborado a indústria de jogos passava por uma fase de introdução denovos controles baseados na detecção de movimentos ou imagens, iniciada com o lançamento do wiimotepara o videogame Wii, da Nintendo, e seguida pelos lançamentos do Kinetic da Microsoft e do PlaystationMove, da Sony.

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 31

não chega a ser uma surpresa: um dos marcos da evolução da espécie humana é justa-

mente a habilidade no uso de ferramentas para a extensão das mãos, adquirida milhões de

anos atrás e associada ao uso da postura bípede, que deixava estas mesmas mãos livres

para explorarem e modificarem o mundo:

"Agora parece que homens-macaco — criaturas capazes de correr mas não ainda

de andar em duas pernas, e com cérebros não maiores do que aqueles dos grandes

macacos de hoje — já tinham aprendido como fazer e usar ferramentas. Segue-se

que a estrutura do homem moderno deve ser o resultado na mudança em termos de

seleção natural que veio com a maneira de viver associada ao uso de ferramentas...

No curto prazo, a estrutura humana faz com que o comportamento humano seja

possível. Do ponto de vista evolucionário comportamento e estrutura formam um

complexo que interage, cada mudança em um afetando o outro. O Homem começou

quando populações de grandes macacos, cerca de um milhão de anos atrás, passaram

a viver na posição bípede e a usar ferramentas9." Sherwood Washburn [WILSON,

1998, loc. 384-390 10 ]

Frank Wilson, em sua obra "The Hand: how its use shapes the brain, language and

Human Culture" examina detalhadamente a história da evolução da mão humana, asso-

ciada ao desenvolvimento da linguagem, da cultura e ao próprio aumento da capacidade

cerebral da nossa espécie. É uma obra compreensiva cuja análise completa foge ao es-

copo deste trabalho, mas cabe observar algumas das descobertas citadas, como a pesquisa

9Now it appears that man-apes — creatures able to run but not yet walk on two legs, and with brainsno larger than those of apes now living — had already learned how to make and use tools. It follows thatthe structure of modern man must be the result of change in the terms of natural selection that came withthe tool-using way of life... From the short-term point of view, human structure makes human behaviorpossible. From the evolutionary point of view, behavior and structure form an interacting complex, witheach change in one affecting the other. Man began when populations of apes, about a million years ago,started the bipedal, tool-using way of life.

10Citamos o localizador absoluto (loc) do texto nas obras consultadas em versão eletrônica (e-book), jáque a paginação varia conforme o tamanho da fonte.

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cognitiva de Merlin Donald:

"Note-se que o controle da mão envolve, pela primeira vez na evolução, um en-

contro de mecanismos de retorno (feedback) táteis, visuais e proprioceptivos (relaci-

onados à consciência da posição e movimento do corpo no espaço) em um mesmo

sistema de ação. O controle da Mão pode ser encarado como a passagem de um

Rubicão11 biológico já que um sentido remoto dominante — a visão — assume o

controle e a modulação direta das ações12."[DONALD, 1993, p. 147]

O controle fino das mãos está, então, a serviço de e associado à visão e ao desenvolvi-

mento cognitivo, construindo uma determinada experiência e visão integrada de mundo.

Essa capacidade de representação espacial e cerebral (inclusive do self 13) é encontrada

nos primatas apenas em chimpanzés e humanos, e estaria relacionada em parte à morfo-

logia das mãos e ao seu uso como instrumentos de exploração espacial, direcionados pela

visão.11O autor refere-se aqui à passagem do riacho Rubicão pelas tropas de Júlio César, evento que tornaria

inevitável o conflito armado com o poder central romano. Essa expressão passou a representar o ponto apartir do qual não é possível um retorno.

12Note that hand control involves, for the first time in evolution, a coming together of visual, tactile,and proprioceptive feedback on the same action system. Hand control may be regarded as the crossing ofa biological Rubicon in that a dominant distal sense — vision — comes to control and modulate actionsdirectly.

13Existem múltiplos conceitos de self estabelecidos pela psicologia, filosofia e religião. O self de CarlJung, por exemplo, não é o mesmo self de David Hume, ou de Avicena.

"A formulação primeira do self na psicologia moderna forma a distinção entre oself como Eu, o sujeito que conhece, e o self como Mim, o objeto que é conhecido".JAMES [1891] (The earliest formulation of the self in modern psychology form thedistinction between the self as I, the subjective knower, and the self as Me, the objectthat is known.).

O conceito de Self utilizado ao longo deste trabalho está apoiado nesta definição inicial da psicologia, erefere-se ao indivíduo como observador e objeto de sua própria consciência, ou seja, nasce de um processoauto-reflexivo que nomeia aquilo que sustenta e unifica a consciência individual ao longo do tempo. Nestesentido nossa definição de self aproxima-se daquela utilizada por Eugene Halliday em seu livro "Reflexiveself-consciousness", sendo também compatível com o conceito utilizado por Mihalyi Csíkszentmihályi em"The evolving self" (CSÍKSZENTMIHÁLYI [1994]).

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 33

Wilson, médico e cirurgião, elabora mais sobre essa hipótese. Escrevendo sobre uma

pesquisa que relacionava a habilidade dos cirurgiões primariamente à acuidade de sua

visão e capacidade de representação espacial, ele afirma:

"Por razões não explicadas, eles [os pesquisadores] sugerem fortemente que a

mão não tem nada a ver com a percepção visual. Isto é incorreto. Cada cirurgião que

já viveu tem uma história de vida, começando no momento do nascimento, e esta

história de vida registra um processo de aprendizado compartilhado do corpo — ele

todo — e da mente. [...] Durante todos os anos [...] seu cérebro coletava informação

através das mãos e olhos e ouvidos e língua e nariz, todos juntos, de maneira a fazer

sentido do mundo. [...] [O cérebro] não mandava mensagens para as mãos para

depois ignorar as mensagens que elas retornavam. [...] As mãos eram movidas,

entre outras razões, para obter informação que somente poderia ser obtida ao se agir

sobre o objeto que era segurado. A informação retornada ao cérebro era escrita na

linguagem da manipulação tátil e cinestésica; e comparada com informações vinda

do sistema visual, como parte de um processo através do qual o cérebro cria imagens

visuoespaciais14."[WILSON, 1998, loc. 4996-5005 ]

As mãos são, portanto, os pontos de acoplamento ótimos por excelência entre o ho-

mem e o mundo dito físico ou material, e formam um sistema integrado com os aparelhos

visual e cerebral, a partir do qual encadeia-se um sistema perceptivo que é indivisível15.

14For reasons that they [the researchers] do not explain, they strongly imply that the hand has nothing todo with the visual perception. This is incorrect. Every surgeon who ever lived had a life history, beginningat the moment of birth, and that life history records a shared apprenticeship of the body — all of it — andthe mind. [...] During all the years [...] his or her brain was collecting information through the hands andeyes and ears and tongue and nose, all together, in order to make sense of this world. [...] [The brain] did notsend messages to the hand and then ignore the messages the hand sent back. [...] The hands were moved,among other reasons, to obtain information that could be obtained only by acting upon the object being held.The information returned to the brain was written in the tactile and kynesthetic language of manipulationand was compared with information coming from the visual system, as part of a process through which thebrain creates visuospatial images.

15Este assunto será objeto de estudo mais detalhado no capítulo 3, seção 3.2.3

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Dada a importância da mão como instrumento primário de acoplamento, não é à toa

que, com a evolução da tecnologia, pode-se observar uma tendência pela utilização de

telas sensíveis ao toque na nova geração de equipamentos, dos celulares aos tablets. Em

muitos destes aparelhos, além da capacidade de se medir a pressão a e duração de cada

toque, é possível a detecção de gestos complexos feitos com as pontas dos dedos. Também

reveladora é esta tendência natural de se acoplar input e output no mesmo dispositivo

físico, a tela sensível ao toque, ou touchscreen (literalmente, tela-toque). Isto mostra de

maneira bastante clara que os canais primários de interação nos dispositivos eletrônicos

são realmente a mão que toca e o olho que decodifica a imagem na tela, e que a conexão

destes órgãos ao computador é passo inicial para o mergulho completo na experiência do

jogar.

1.5 Output - Da tela para o olho

A tela, como mostrado, carrega o resultado primordial do estado do jogo, aquele que

normalmente não pode ser ignorado para que o mesmo continue. Em quase a totalidade

dos jogos eletrônicos existem comandos para se desabilitar o aúdio e o feedback táctil na

forma das vibrações emitidas pelos controles, e a remoção destes canais perceptivos não

impede a continuidade do jogar.

Essa tendência ocularcêntrica, ou seja, de privilegiar o sentido da visão na apreensão

do resultado da experiência, parece estar na raiz do modelo perceptivo da nossa sociedade.

David Levin nota a conexão entre este modelo e a história filosófica do Ocidente:

"Para Descartes a escuridão é um pesadelo. Não a nada a ser aprendido ao se

entrar em seu domínio. Ele é o filósofo obcecado com claridade e luz. Se o discurso

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 35

em que a luz, a visão e suas diversas metáforas constituem a própria lógica pode ser

chamado de ocularcêntrico, então seria difícil de negar que a filosofia de Descartes é

um exemplo de ocularcentrismo16. " [LEVIN, 1993, p. 9]

Basbaum em "O primado da percepção e suas consequências no ambiente midiático"

(2005) explora com riqueza essa ligação entre nossa tradição filosófica fundada na tradi-

ção helênica e o modo como percebemos o mundo ao redor e, em última instância, atribuí-

mos sentido às coisas. É especialmente relevante para este trabalho a conexão identificada

pelo pesquisador entre a percepção primariamente visual e a constituição de mundo, que

remete aos mesmos conceitos de clareza e lucidez mencionados anteriormente:

"Merleau-Ponty buscara um retorno ao percebido, mas dissera que só podemos

constituir mundo a partir da visão e seu modo de apreensão do mundo - um campo

visual, com limites indeterminados, mas, enfim, limites; em que, desde que esteja

convenientemente iluminado, tudo tem formas definidas, contornos; aquilo que é vi-

sível se apresenta com certa permanência, ao mesmo tempo em que é apreensível

à distância; as coisas se apresentam ’claras’ e o pensamento pode ser ’lúcido’. A

filosofia ergueu-se sobre esse olhar que constitui a paisagem calculável por uma ge-

ometria capaz de sintetizá-la em formas (visuais) ideais, abstratas;.." [BASBAUM,

2005, p. 77]

Percorrendo o caminho indicado por Basbaum, chega-se a Merleau-Ponty, que em "O

olho e o espírito" chega ao ponto central sem meias-palavras:

“É preciso tomar ao pé da letra o que nos ensina a visão: que por ela tocamos o

16For Descartes, darkness is a nightmare. There is nothing to be learned from entering its domain. He isthe philosopher obsessed with clarity and light. If a discourse in which light, vision, and its metaphorics areconstitutive of its very logic may be called ocularcentric, then it would be difficult to deny that Descartes’philosophy exemplifies ocularcentrism.

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sol, as estrelas, estamos ao mesmo tempo em toda parte, tão perto dos lugares distan-

tes como das coisas próximas, e que mesmo nosso poder de imaginarmo-nos alhures

[...] recorre ainda à visão, reemprega os meios que obtemos dela.” [MERLEAU-

PONTY, 2004, p. 43]

Cabe aqui ressaltar de que o posicionamento do olhar como o único modo de constituir

sentido é questionado de maneira incisiva por Basbaum, que aponta numerosos exemplos

de como os outros sentidos, e principalmente a interação entre eles, atuam na construção

da experiência e do mundo vivido. O jogo eletrônico, no entanto, parece também neste

quesito uma redução de escopo em relação ao jogo tradicional, como visto no capítulo

anterior. Em um jogo de futebol no mundo "real" a experiência parece ser constituída

em partes indivisíveis pela visão do campo, o contato com os adversários, o barulho da

torcida, o cheiro da grama, o frio da chuva e o movimento de todo o corpo em busca do

gol. Já no futebol de videogame o essencial da experiência é acompanhar o desenrolar de

pixels na tela: todo o resto é opcional, os outros sentidos são auxiliares, e neste contexto

a primazia do olhar é evidente.

Ao jogar o jogo eletrônico, um outro mundo é experimentado. O acoplamento ao

dispositivo eletrônico altera nossos canais de percepção e a relação entre eles:

"Foi esta a tese a que Marshall McLuhan dedicou sua vida: dispositivos tec-

nológicos externalizam funções do corpo - são ’extensões do homem’. Ao fazê-lo,

modificam o corpo - pense-se no impacto do carro ou no uso de quaisquer ferramen-

tas; intercedem no campo perceptivo, inaugurando modos de sentir e, se pensamos

como percebemos - conforme temos sustentado -, a partir daí estabelecem-se por-

tanto novos modos de dar forma ao pensamento, de exercê-lo e significar o mundo.

Remodelam-se também as formas de interação social, as formas de comunicação,

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 37

de organização do conhecimento, os modos de produção: transformam-se as per-

cepções de tempo e do espaço - enfim, o mundo que se dá à percepção e as formas

de percebê-lo. Emerge uma nova modalidade de experiência, caracterizada por uma

específica configuração dos sentidos - ’interplay among the senses’, como já se disse

há pouco - e define-se, enfim, um novo ’environment’ (’ambiente’) sociocultural, em

que o mundo é vestido de uma nova significação." [BASBAUM, 2005, p. 111]

Dentro do ambiente que emerge no jogar eletrônico as imagens são o ponto conver-

gente da experiência, e constituem o feedback principal computado pela máquina para

o jogador. Entender como nos relacionamos com as imagens produzidas por dispositi-

vos eletrônicos, as tecnoimagens, é portanto essencial para a compreensão deste modo de

jogar.

1.5.1 Imagens e texto

Parte-se então do pressuposto de que um computador é um aparelho produtor de experi-

ências interativas, absorvidas primariamente através de uma sequência de tecnoimagens.

Mas o que são tecnoimagens, ou imagens técnicas? Este conceito foi cunhado pelo filó-

sofo Vilém Flusser na década de 1980. Para ele, tecnoimagens são superfícies de pontos

dispersos que codificam imagens geradas e emitidas por um aparelho, de acordo com

uma programação prévia:

"As imagens técnicas são tentativas de juntar os elementos pontuais em nosso

torno e em nossa consciência de modo a formarem superfícies e destarte taparem os

intervalos. Tentativas para transferir os fótons, elétrons e bits de informação para

uma imagem. Isto não é viável para mãos, olhos ou dedos, já que tais elementos não

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são nem palpáveis, nem visíveis, nem concebíveis. Logo, é preciso se inventarem17

aparelhos que possam juntar ’automaticamente’ tais elementos pontuais, que possam

imaginar o para nós inimaginável. E é preciso que tais aparelhos sejam por nós

dirigíveis graças a teclas, a fim de podermos levá-los a imaginarem." [FLUSSER,

2008, p. 24]

Para melhor captar o conceito de imagem técnica em Flusser é vantajoso examinar o

seu conceito de imagem tradicional. As imagens tradicionais são aquelas que capturam o

mundo, fixando o ponto de experiência, "transformando a circunstância em cena [FLUS-

SER, 2008, p. 16]". São construídas a partir de volumes: representam uma transformação

do tridimensional em bidimensional. O artista que produzia imagens tradicionais em um

primeiro momento o fazia como ato de "imaginação": transformação do multidimensio-

nal indescritível em fixação de experiência subjetiva. Assim eram as pinturas nas paredes

das cavernas e nas paredes de um templo babilônico.

Em um segundo momento da evolução da cultura humana as imagens tradicionais co-

lapsam em direção à unidimensionalidade. O desenho da árvore na parede é inicialmente

codificado em um ideograma, ou hieroglifo. É a imagem que pode representar toda e

qualquer árvore, "imaginando" o conceito. Mais adiante os desenhos são abstraídos para

representar a fala, suas vogais e consoantes, na forma de letras. É a transformação das

imagens em textos, que podem ser colocados em uma linha, de forma a serem contados e

explorados linearmente. Temos então uma aparente redução de escopo: do mundo para a

imagem (imaginação), e desta para o ícone e para o texto (Figura 1.1).

17Optou-se por manter o texto original em todas as citações. Neste caso, a expressão "que se inventem"seria mais correta.

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 39

Figura 1.1: Imagem, ideograma e texto

Seguindo este caminho, o texto pode ser pensado como a imagem desenrolada na

linha, de modo a ser decodificada de maneira previsível e linear. Esse movimento em

direção à linearidade é acompanhado de um aumento da capacidade de abstração e da

suposta reproducibilidade da experiência. O texto linear funda a própria noção de história,

e é a base da cultura ocidental como hoje a conhecemos.

Quanto mais o texto se torna linear mais se torna técnico, e mais se torna preciso. Essa

tecnificação da linguagem busca retirar da mesma a ambiguidade da experiência do ser

no mundo, e leva à linguagem científica, e mais tarde, à linguagem algorítmica, lógica,

matemática18. O código de um programa de computador e a linguagem algorítmica são

exemplos de precisão absoluta na descrição linear de uma experiência19.

1.5.2 Aparelho é caixa preta produzindo imagens técnicas

É dentro deste cenário que a sociedade ocidental científica e tecnológica finalmente pro-

duz aparelhos que por sua vez produzem imagens técnicas. O primeiro deles é a máquina

fotográfica, seguida pela câmera cinematográfica, pela televisão, pelo computador, pela

máquina de fotografia digital, pelos celulares. Vivemos em uma sociedade de teclas e18Esta tese é de Horst Ruthrof (1997), conforme discutida por Basbaum em aula.19Quanto mais perto chegamos deste limite de exatidão e previsibilidade na linguagem mais distantes

estamos dos objetos do mundo que iniciaram este mergulho. Parece ser o preço que se paga pela extremaprecisão e controle, uma questão em aberto para ser investigada no futuro.

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de telas, de imagens imaginadas, codificadas, armazenadas, transmitidas e experimenta-

das através de aparelhos de imaginação. O observador casual poderia considerar então

que vivemos em um tempo de retorno à idade das imagens, uma aparente superação da

textolatria e da linearidade predominantes na sociedade ocidental nos quinhentos anos

anteriores ao século XX. Mas o que vivemos pode ser pensado como precisamente o

contrário: estamos na era da primazia do código.

Ocorre que, ainda segundo Flusser, as tecnoimagens são fundamentalmente de na-

tureza diversa das imagens tradicionais. Inauguradas com a fotografia, estas são com-

postas por aparelhos, e se caracterizam pela codificação das imagens em pontos. Dentro

dos aparelhos, as chamadas caixas pretas na terminologia flusseriana, ocorrem proces-

sos invisíveis ao operador que determinam a forma através da qual as tecnoimagens são

produzidas, transmitidas, armazenadas e reproduzidas. Na Figura 2 pode-se visualizar

o processo que ocorre nos computadores pessoais: do código (linguagem algorítmica) à

nuvem de pontos, formando sequências de imagens técnicas na tela (Figura 1.2).

Figura 1.2: Do código aos pontos que formam a imagem técnica em um computador pessoal

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 41

O operador não é mais o autor da imagem, mas sim alguém a serviço do aparelho, um

funcionário apertador de teclas. É a programação do aparelho que determina as imagens

que podem ser "imaginadas", dentro de um conjunto extenso porém finito de possibili-

dades. A liberdade de escolha do fotógrafo (ou, no caso do nosso objeto de pesquisa,

do programador do jogo de computador) é apenas aparente: dentro da caixa preta já se

encontram potencialmente todas as fotografias que podem ser tiradas, e todos os progra-

mas que podem ser executados. Essa noção flusseriana, mais difícil de ser compreendida

em relação à fotografia, é bastante clara quando aplicada à tela de computador: existe

um número finito de pontos na horizontal e na vertical, e cada um destes pontos pode

apresentar um número finito de cores, combinação de valores precisos e discretos de azul,

verde e vermelho. Há, portanto, um número finito de imagens técnicas possíveis de serem

exibidas. Essa limitação está codificada no aparelho computador pessoal, e as próprias

características físicas da tela fazem com que seja impossível contorná-las. Toda e qual-

quer liberdade de um desenvolvedor de jogos eletrônicos se encontra dentro do campo de

expressão possível no aparelho.

Nota-se aqui que é justamente a precisão do código e da linguagem técnica que torna

possível a existência dos aparelhos produtores de imagens técnicas. Isso é especialmente

claro no caso do computador, que além do código industrial de procedimentos e trilhas

gravados nos chips também opera com uma segunda camada de código, o software. Trata-

se de codificações sobrepostas: descrição técnica em forma de linguagem de programação

que controla e organiza o programa já residente dentro do hardware, este por sua vez tam-

bém programado segundo a programação da indústria de computadores, programada pela

sociedade na qual se insere. Sequência de programações em cascata. Esta sequência de

aparelhos é vislumbrada por Vilém Flusser, em um tempo onde os computadores pessoais

ainda não existiam:

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42 JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO

". . . suas funções estão ciberneticamente coordenadas a todas as demais. O input

de cada um deles é alimentado por outro aparelho; o output de todo aparelho alimenta

outro. Os aparelhos se programam mutuamente em hierarquia envelopante. Trate-

se, nesse complexo de aparelhos, de caixa preta composta de caixas pretas. Um

supercomplexo de produção humana, produzido no decorrer dos séculos XIX e XX

pelo homem". [FLUSSER, 2002, p. 36]

O computador é aparelho de entretenimento e difusão de informação, programado

para a geração de uma experiência necessariamente restrita às possibilidades da corrente

de codificações que o gerou. É, acima de tudo, caixa preta: de um lado apertam-se teclas,

do outro produzem-se imagens. O processo interior é desconhecido para a grande maioria

dos apertadores de teclas, e não relevante. Nota-se que não existe aqui julgamento de

valor sobre essa situação, estamos apenas constatando a natureza dos aparelhos geradores

de experiência na forma de imagens técnicas, conforme proposto. E essa natureza é a de

permitir que pessoas apertem as teclas, e gerem imagens como resultado.

1.6 Jogo como sequência de interações possíveis

Em um jogo eletrônico executado em um computador, quais seriam então os papéis do

jogador e do game designer, visto que toda a interação com o código pode ser vista como

uma exploração dentro de um universo finito de possibilidades já imaginadas?

Começaremos pelo jogador. Este pode apenas jogar o que o aparelho permite que seja

jogado. Para melhor entendermos isto, vamos dar um passo atrás. Consideremos um jogo

da velha, por exemplo. É um jogo com interações claramente finitas: existe apenas um

pequeno número de movimentos possíveis. No computador ou fora dele é relativamente

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 43

fácil observar que existe um domínio possível e restrito de interações. O jogo da velha

interessa a uma criança, mas rapidamente pode perder seu apelo a medida em que o joga-

dor domina as possibilidades do jogo e percebe que, jogando "corretamente", o resultado

é invariavelmente o empate. Este fato é relatado por Ralph Koster em seu livro "A Theory

of fun":

"As crianças também abandonam certos jogos conforme crescem. Foi particu-

larmente interessante observar os meus filhos ficarem grandes demais para o jogo da

velha — um jogo onde eu os derrotava por anos até que todos as partidas se tornaram

empates. Este momento, quando o jogo da velha deixou de ser interessante, foi um

instante bastante fascinante para mim. [...] As crianças não eram capazes de me

dizer que aquele era um jogo limitado com uma estratégia ótima. Eles enxergavam o

padrão, mas não o compreendiam racionalmente20. [KOSTER, 2005, p. 4]

O que parece uma restrição específica do jogo da velha é na verdade uma explicita-

ção da característica finita das interações possíveis em qualquer jogo, ou seja, tanto os

eletrônicos como os tradicionais. Huizinga, em seu "Homo Ludens" (2008), caracteriza

o espaço de jogo como um circulo mágico: um espaco anterior mesmo à própria cul-

tura, onde se desenrola o jogar. O jogo tradicional, portanto, quer seja ele competitivo

ou cooperativo, possui um domínio de interação amplo. Ainda que existam regras, estas

operam diretamente na totalidade do potencial a ser percebido, e portanto, experimentado.

É como se, ao jogar o jogo tradicional, estivéssemos imersos em um mundo que pode ser

experimentado plenamente dentro de nossas restrições biológicas, ou seja, mediado dire-

tamente. O jogo eletrônico por outro lado é fechado, ocorre dentro de um ambiente de20Kids also move on from certain games as they age. It’s been particularly interesting to see my kids

outgrow tic-tac-toe — a game I beat them at years until one day all the matches became draws. Thatextended moment when tic-tac-toe ceased to interest them was a moment of great fascination to me. [...]The kids were not able to tell me that tic-tac-toe is a limited game with optimal strategy. They saw thepattern, but did not understand it, as we think of things.

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44 JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO

imersão necessariamente mais restrito, aquele determinado pelas possibilidades tecnoló-

gicas do aparelho e pelas escolhas do game designer.

Voltando ao exemplo do jogo da velha, podemos notar que no jogo não eletrônico

essa característica do jogar enquanto exploração de uma sequência finita de movimen-

tos e possibilidades é normalmente associada à obediência voluntária às regras do jogo.

Nada impede fisicamente que uma criança marque no papel duas cruzes em sequência no

jogo da velha, pulando a vez do adversário, desde que esteja disposta a quebrar as regras

acordadas.

É interessante notar que mesmo quando se usa o conceito mais amplo de jogo cultural

a questão da obediência voluntária às regras também se faz presente. Rainer Guldin, um

dos principais estudiosos contemporâneos da obra de Vilém Flusser, diz o seguinte acerca

do jogo da tradução:

"Quando se escreve em uma língua, isto é, em um jogo aberto, pode-se conscien-

temente violar as regras e introduzir novos elementos. Quer dizer, pode-se manipular

o meio e, apesar disso, permanecer dentro das regras do jogo. Isso é diferente quando

se trata de um jogo fechado, como o xadrez, por exemplo. Cada violação de regra

significa o mesmo que o abandono do território delimitado pelo jogo. Ao contrário

da maioria dos jogos, as línguas são sistemas abertos que podem ser transformados."

[GULDIN, 2010, p. 105]

Em jogos "reais" mais complexos, como uma partida de futebol praticada por jogado-

res profissionais, a liberdade de experiência é virtualmente ilimitada, mesmo dentro das

regras, e condicionada apenas pela capacidade e habilidade corporal dos jogadores para

explorar o campo do jogo com a plenitude de seus corpos e sentidos. Não existem apare-

lhos e códigos a interpor camadas adicionais entre o jogo e a experiência do jogador. Já

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 45

no jogo eletrônico isto não acontece. Ele é duplamente fechado: a obediência às regras é

implícita e não-opcional. O código garante que o jogador não possa marcar duas cruzes na

sequência, assim como garante que o avatar tridimensional que representa o centroavante

não possa fazer movimentos outros além daqueles previamente codificados e previstos. A

liberdade do jogador opera em um campo claramente mais restrito: a obediência às regras

do jogo passa pela obediência compulsória à programação do aparelho.

Tome-se como exemplo o canal de interação entre o jogador e o dispositivo. Não

interessa se o botão é pressionado com a mão esquerda ou direita, com o dedo médio ou

o polegar. Tudo que o dispositivo registra é uma variação já esperada e codificada, ou

seja: ou o botão está pressionado, ou não está. Mesmo nos casos em que o joystick possui

sensibilidade à pressão esta já está pré-calculada e se encaixa em um dos 8, 16 ou 256

níveis de pressão esperados.

Mas e o timing? E a diferença sutil entre o apertar de um botão e o outro, será que

não teremos aí um espaço maior de indeterminação? Na verdade não: o evento de apertar

o botão será medido e computado como tendo ocorrido dentro de um intervalo específico

do game loop, cada evento ordenado e encaixado dentro dos intervalos de tempo dispo-

níveis e associados ao clock do processador central. Para o jogo eletrônico não existem

ambiguidades na entrada de dados, eles são sequenciais, discretos, isolados, binários.

E, como pudemos ver, a saída também já está pré-determinada. O código do jogo

gera uma tecnoimagem a cada x milisegundos, pré-codificada pelos modelos e texturas

gráficas disponíveis e atrelada em última instância à capacidade dos displays.

Esta posição, a questão dos limites do domínio de interação intrínsecos ao jogo ele-

trônico, não escapou a Zimmerman e Salem:

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46 JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO

"Um erro de concepção comum em relação à interatividade digital é que esta ofe-

rece aos jogadores uma gama de interação ampla e expressiva - que um computador

pode imitar qualquer mídia e proporcionar qualquer tipo de experiência. Na verdade,

o tipo de interação que um participante pode ter com um computador é bem estreito.

Interação com um computador doméstico é geralmente restrita ao input através do

mouse e do teclado, e do output da tela e dos alto-falantes. [...] Então embora a

interatividade imediata dos jogos eletrônicos seja um elemento poderoso a ser con-

siderado pelos designers, este meio está repleto de limitações21." [SALEM, 2004, p.

87]

Em função do que foi apresentado, pode-se dizer que:

Todo jogo de computador é jogado em um aparelho com possibilidades finitas

de variação, onde todos os jogos possíveis de serem jogados estão codificados e

limitados pelo campo de possibilidades do hardware e do software.

Esta conclusão, coicidente com a visão de Flusser sobre aparelhos produtores de tec-

noimagens, não é unânime. Machado, por exemplo, relativiza a proposta finitude das

variações:

"O grande problema de toda a argumentação de Flusser é que ele concebe as

potencialidades inscritas nos aparelhos e seus programas como sendo finitas: elas

são amplas, mas limitadas em número. Isso quer dizer que, mais cedo ou mais tarde,

com a ampliação de suas realizações, as possibilidades de uma máquina semiótica

21A common misconception about digital interactivity is that it offers players a broad and expressiverange of interaction - that a computer can mimic any medium and provide any kind of experience. In fact,the kind of interaction that a participant can have with a computer is quite narrow. Interaction with a homecomputer is generally restricted to mouse and keyboard input, and screen and speaker output. [...] Soalthough the immediate interactivity of digital games is a powerful element for designers to consider, themedium is rife with limitations.

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JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO 47

acabarão por ser esgotadas. Ora, que há limites de manipulabilidade em toda má-

quina ou processo técnico é algo de que só podemos fazer uma constatação teórica,

pois na prática esses limites estão em contínua expansão. Que aparelhos, suportes

ou processos técnicos poderíamos dizer que já tiveram esgotadas as suas possibilida-

des?"[MACHADO, 1997, p. 3]

Em uma obra posterior, "O Mundo Codificado", o próprio Flusser admite que, na prá-

tica, alguns dos limites são inalcançáveis. Mas considera-se aqui que o fato das possibili-

dades do aparelho se expandirem mais rápido do que nossa capacidade de realizá-las não

invalida uma premissa básica: aparelhos imprimem limitações intrínsecas ao que pode

ser computado e exibido. Em outras palavras: na medida em que impõem um modo de

pensar para que possam ser programados, os aparelhos já limitam aquilo que pode neles

ser programado. O programador só programa o programável.

Nota-se, ainda, que a definição apresentada trata do jogo enquanto objeto e processo

computado e exibido por um aparelho, ou seja, como aquilo que é jogado. E essas limita-

ções do jogo eletrônico não correspondem diretamente a limitações no jogar; ou seja, na

experiência que este jogo provoca no jogador:

"Temos que ser absolutamente claros sobre este ponto antes de podermos conti-

nuar. O jogo não é a experiência. O jogo torna a experiência possível, mas não é a

experiência.[...] Game designers apenas ligam para o que parece existir. O jogador

e o jogo são reais. A experiência é imaginária - mas os designers são julgados pela

qualidade desta coisa imaginária porque ela é a razão pela qual as pessoas jogam os

jogos22." [SCHELL, 2008, p. 10-11]

22We must be absolutely clear on this point before we can proceed. The game is not the experience. Thegame enables the experience, but it is not the experience. [...] Game designers only care about what seemsto exist. The player and the game are real. The experience is imaginary - but game designers are judged bythe quality of this imaginary thing because that is the reason people play games.

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48 JOGO TRADICIONAL E JOGO ELETRÔNICO

Esta distinção é importante. O fato do jogo ser limitado e pré-computável pelo apare-

lho não significa que a experiência do jogar também o seja. E é essa experiência do jogar,

habilitada pelo jogo, que carrega o potencial de produzir impacto cognitivo no jogador,

conforme veremos nos capítulos seguintes.

Recapitulando o nosso percurso até este ponto: pode-se observar que uma parcela

significativa de nossas vidas se desenrola na exploração de potencialidades de aparelhos

produtores de tecnoimagens, especialmente o computador pessoal. Grande parte destas

interações toma a forma de jogo eletrônico: é uma exploração das possibilidades finitas

expostas por estes aparelhos e suas redes de conexões, um apertar de teclas que gera

imagens técnicas compostas por pontos em telas. Neste processo, o olho e a mão são

os canais primordiais de acoplamento entre o homem e a máquina — o primeiro para a

compreensão do jogo, e o último para as respostas do jogador.

Reconhecer as características do jogo eletrônico nos permite identificar os papéis ocu-

pados pelo jogador, pelo game designer, pelo código e pelos aparelhos, bem como algu-

mas das restrições que condicionam e determinam as relações entre eles.

Finalmente, é necessário distinguir-se entre o jogo e o jogar: o primeiro é objeto e

processo, o segundo é experiência, e carrega em si o potencial de gerar conhecimento.

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Capítulo 2

Jogo e flow

To be in the flow is to be dialed into your natural state of clarity, presence and

personal power1. — Keith Varnum — The Joy Of Living In The Zone.

No capítulo anterior foram apresentadas as características do jogo e do jogo eletrônico

relevantes para este trabalho. Discutimos a relação entre a mão e o olho do jogador,

os canais primordiais de input e output na relação com o computador. E utilizamos o

conceito de tecnoimagens formulado por Vilém Flusser para fundamentar a idéia de que

todo jogo executado em um aparelho possui uma gama finita de variações, resultantes das

limitações tecnológicas da caixa preta e também das próprias características intrínsicas a

todo jogo, que procede através da obediência voluntária às regras acordadas.

Neste capítulo investigaremos o conceito de experiência ótima e flow delineado por

Mihaly Csíkszentmihályi 2 e suas implicações na experiência sinestésica inerente ao jogar

eletrônico.1Experimentar o flow remete ao seu estado natural de clareza, presença e poder pessoal.2Segundo Csíkszentmihályi a pronúncia aproximada do seu nome (de origem húngara) em inglês equi-

valeria à frase "chicks sent me high", ou "txiquissentmirái" em português.

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50 JOGO E FLOW

2.1 Flow

Durante mais de vinte e cinco anos, entre as décadas de 1960 e 1990, o psicólogo e pesqui-

sador Mihaly Csíkszentmihályi desenvolveu um trabalho, que se iniciou na Universidade

de Chicago, buscando uma definição das condições que levariam ao estado de felicidade.

Em um primeiro momento centenas de pessoas consideradas experts em sua específica

área de atuação foram entrevistadas: artistas, atletas, músicos, enxadristas, cirurgiões.

Estas pessoas em geral relatavam altos níveis de felicidade pessoal, à qual associavam

ao fato de passar a maior parte do tempo fazendo exatamente o que mais gostavam de

fazer. Isto produzia uma sensação contínua de enjoyment, que pode ser traduzida como

um misto de prazer, diversão e bem-estar: é o sentimento de se estar "aproveitando" ou

"desfrutando" uma experiência de maneira prazerosa, satisfatória e agradável. E a partir

destas primeiras observações, nas palavras do pesquisador,

"Eu desenvolvi uma teoria da experiência ótima baseada no conceito de flow —

o estado em que as pessoas estão tão envolvidas em uma atividade que nada mais

importa; a experiência em si é tão gratificante que as pessoas a realizariam mesmo a

um custo alto, apenas pelo fato de estar fazendo3." [CSÍKSZENTMIHÁLYI, 1990,

p. 4]

A pesquisa prosseguiu então com a ajuda de métodos auxiliares, como o uso de um

pager eletrônico que vibrava a intervalos irregulares e deveria ser utilizado por uma se-

mana. A cada vibração do pager o sujeito da pesquisa deveria interromper o que estivesse

fazendo e anotar o que estava pensando, o que estava fazendo e como estava se sentindo.

Em fases posteriores o estudo foi expandido para outros países, com pesquisadores base-3I developed a theory of optimal experience based on the concept of flow — the state in which people

are so involved in an activity that nothing else seems to matter; the experience itself is so enjoyable thatpeople will do it even at great cost, for the sheer sake of doing it.

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JOGO E FLOW 51

ados no Canadá, Alemanha, Itália, Japão e Austrália, e ao final de duas décadas contava

com centenas de milhares de fragmentos de dados que correlacionavam o estado mental e

a experiência imediata com o sentimento relatado pelos voluntários. A pesquisa revelou

que o sentimento de enjoyment era normalmente descrito de maneira bastante similar, não

importando a classe social, gênero ou cultura do entrevistado:

"O que eles faziam para experimentar o enjoyment variava enormemente — os

idosos coreanos gostavam de meditar, os adolescentes japoneses gostavam de andar

por aí em gangues de motocicletas — mas eles descreviam como era quando eles

estavam se divertindo de maneira quase idêntica. Além disso, as razões pelas quais

as atividades eram agradáveis tinham muito mais similaridades do que diferenças.

Em resumo: a experiência ótima e as condições psicológicas que a tornavam possível

pareciam ser as mesmas em todo o mundo4". [CSÍKSZENTMIHÁLYI, 1990, p. 48-

49]

Csíkszentmihályi identificou oito grandes componentes envolvidos no que chamou de

phenomenology of enjoyment, e apresentamos a seguir uma breve descrição de cada um

deles:

1. Uma atividade desafiadora que exige habilidade (A challenge activity that requi-

res skills)

Quando uma atividade exige habilidades específicas para sua conclusão e estas ha-

bilidades requerem algum nível de esforço por parte do indivíduo a possibilidade

de enjoyment aumenta. Embora isso pareça mais evidente em atividades esportivas4What they did to experiment enjoyment varied enormously — the elderly Koreans liked to meditate,

the teenage Japanese liked to swarm around in motorcycle gangs — but they described how it felt whenthey enjoyed themselves in almost identical terms. Moreover, the reasons the activity was enjoyed sharedmany more similarities than differences. In sum, optimal experience, and the psychological conditions thatmake it possible, seem to be the same the world over.

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52 JOGO E FLOW

ou que dependam de alto grau de treinamento, alpinismo por exemplo, a pesquisa

ressalta que este parece ser um princípio geral. A atividade em si não precisa ser

necessariamente física, e a habilidade necessária não é obrigatoriamente elevada.

Alguns dos exemplos mais citados na pesquisa são, por exemplo, a atividade de ler,

ou arrumar e catalogar objetos pessoais.

2. Objetivos claros (Clear goals)

Uma atividade que tenha objetivos claros é percebida como mais satisfatória. A

existência de uma meta a ser atingida parece amplificar o senso de enjoyment, seja

ela uma meta imediata ou um objetivo de longo prazo.

3. Resposta direta (Direct feedback)

A existência de uma resposta direta e contínua durante o decorrer da atividade au-

menta a sensação de flow. Este componente está normalmente associado ao item

anterior, pois a resposta serve como balizamento e medida do progresso alcançado

em relação a um objetivo pré-estabelecido. No entanto, a simples existência de al-

gum feedback já é normalmente relatada como importante para o aproveitamento

pleno da experiência, mesmo que o mesmo seja mecânico e repetitivo, como o som

produzido pelo apertar repetitivo de um botão em um aparelho eletrônico.

4. Uma fusão entre ação e presença (The merging of action and awareness) e a

perda da autoconsciência (The loss of self-consciousness)

Estes dois componentes estão intimamente relacionados. Algumas atividades exi-

gem a atenção total do indivíduo, ao ponto em que parece não existir energia res-

tante para outros processos mentais conscientes. Neste momento a pessoa se torna

tão absorvida pelo que está fazendo que perde inclusive a referência de si mesmo

como algo separado desta atividade: todas as ações se tornam espontâneas e pa-

recem "fluir" naturalmente. Este é um sentimento que foi bastante descrito por

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dançarinos, por exemplo. No pico da performance o corpo parece dançar sozinho,

e o indivíduo se "torna a dança. Neste momento a noção de um self parece então

desaparecer, e tudo o que se percebe é o presente imediato e o prazer de se estar

realizando aquela atividade.

5. Concentração na tarefa imediata (Concentration on the task at hand)

Este componente está normalmente associado aos dois itens anteriores: quando

a tarefa absorve quase que completamente o indivíduo apenas as ações imediatas

parecem estar sendo processadas. Um jogador de basquete por exemplo relatou

que em um jogo importante não conseguia enxergar nada que acontecesse fora da

quadra, tamanha a sua concentração na bola, nos outros jogadores e no espaço do

jogo. Da mesma forma um piloto no limite da experiência apenas se recordava dos

últimos 30 segundos de corrida: tudo o mais ficava como que "borrado" em sua

memória. Observa-se então que existem ao mesmo tempo um componente espacial

e um componente temporal de concentração, e ambos são limitados pois parece não

existir espaço no campo perceptivo consciente para se lidar com nada que não esteja

diretamente relacionado à tarefa imediata.

6. O paradoxo do controle (The paradox of control)

A possibilidade de se estar totalmente no controle da experiência é frequentemente

relatada na pesquisa. Mesmo em atividades de alto risco, o praticante tem a sen-

sação de estar dominando a situação, com perfeita precisão associada a cada ato

e perfeita sincronia entre ação e consequência. Paradoxalmente esta sensação de

estar no controle é muitas vezes relatada em situações onde o indivíduo se encontra

no limite de suas habilidades, ao ponto em que um simples deslize pode ser fatal.

A pesquisa identificou que isto ocorre pois a própria estrutura das atividades leva

o praticante a aumentar a sua consciência a respeito dos riscos envolvidos, através

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do desenvolvimento progressivo de suas habilidades. Isso pode ser observado por

exemplo no caso de paraquedistas: embora o esporte apresente situações potencial-

mente letais, a prática é associada a um treino gradual que visa aumentar o controle

sobre todos as variáveis do salto, ao ponto em que ele se torna (para o praticante)

o mais seguro possível. Na verdade, o que ocorre é que as pessoas tendem a apro-

veitar o fato de parecerem exercer algum controle sobre a experiência, mesmo que

objetivamente isto não esteja ocorrendo: um exemplo seria o caso de um jogador

de roleta que acredita que suas habilidades são a chave para o sucesso na aposta.

7. A transformação do tempo (The transformation of time)

Finalmente, um componente frequentemente relatado é a experiência da transfor-

mação do tempo. O tempo do relógio parece não estar sendo medido em expe-

riências que geram enjoyment: são comuns tanto relatos de que várias horas se

passaram em um segundo como relatos de que cada segundo se arrastou por um

tempo interminável. Nadadores de elite por exemplo relatam um controle absoluto

do ritmo e do tempo, que parece se dilatar e contrair dependendo da fase da prova.

Velejadores oceânicos relatam trechos de dias de navegação que pareceram passar

em minutos, toda a experiência aparentemente comprimida na escala temporal.

Analisaremos mais adiante como cada um destes componentes é despertado durante

o jogar eletrônico, após apresentarmos as condições que influenciam a manutenção do

estado de experiência ótima.

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JOGO E FLOW 55

2.2 As condições para o flow

Depois de identificar os componentes normalmente relatados em experiências com alto

grau de enjoyment, Csíkszentmihályi formulou algumas das condições necessárias para

que fosse alcançado este estágio de experiência, o qual passou a chamar de Flow. Ve-

rificou então que a condição primordial para a manutenção deste estado durante uma

atividade era o equilíbrio entre o desafio proposto e as habilidades do participante, repre-

sentado na figura 2.1.

Figura 2.1: A zona da experiência ótima

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Observa-se que a zona de experiência ótima ou flow apresenta uma certa latitude,

devido à flexibilidade e capacidade de adaptação inerente aos seres humanos. Mas quando

a dificuldade da tarefa ultrapassa em muito a habilidade do praticante entramos em uma

zona de ansiedade, onde o flow não é mais experimentado. A atividade se torna frustrante

e o sentimento de enjoyment desaparece. Esta condição está representada na figura 1.2,

na posição A.

Figura 2.2: Zona de flow - exemplos

Analogamente, quando o nível de desafio é muito baixo em relação à habilidade do

praticante (posição B) a atividade se apresenta como monótona e sem graça, e novamente

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JOGO E FLOW 57

deixamos a zona de experiência ótima. Ainda neste gráfico podemos observar que as po-

sições C e D estão ambas na zona de flow, embora a primeira represente uma atividade

de baixa dificuldade realizada por um praticante iniciante e a última represente uma ativi-

dade de alto nível de dificuldade, mas praticada por alguém com um nível de habilidade

também alto.

Por consequência, o pesquisador identificou que não é possível normalmente a manu-

tenção do flow por períodos grandes de tempo sem que se modifiquem as condições da

experiência, devido à natureza dinâmica da consciência humana. Podemos, então, com-

preender melhor o exemplo do jogo da velha que utilizamos no capítulo anterior: para

crianças pequenas esta atividade gera prazer, pois sua habilidade está em perfeita sintonia

com as regras e desafios do jogo. Mas a medida em que a criança cresce e começa a

compreender as nuances do jogo este se torna cada vez mais monótono, pois o nível do

desafio é fixo e não cresce na mesma proporção de seu desenvolvimento. Inevitavelmente

chegamos ao ponto em que a criança não se interessa mais pelo jogo da velha, pois suas

habilidades ultrapassaram o ponto em que esta atividade gera flow. Outros jogos e ativi-

dades possuem uma gama maior de ajuste: um praticante de tênis pode sempre procurar

adversários mais fortes, e um alpinista pode buscar uma montanha mais íngreme ou com

condições diferentes para a escalada, até o limite de suas habilidades. De qualquer forma,

observamos que o desenvolvimento de habilidades é parte integrante das experiências que

geram flow:

"É esta característica dinâmica que explica porque as atividades que geram flow

levam ao crescimento e à descoberta. Uma pessoa não pode desfrutar da mesma

coisa no mesmo nível de experiência por muito tempo. Ficamos ou entediados ou

frustrados, e o desejo de se divertir novamente nos leva a estender nossas habilida-

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58 JOGO E FLOW

des ou à descoberta de novas oportunidades para usá-las5". [CSÍKSZENTMIHÁLYI,

1990, p. 75]

2.3 Flow e games

A teoria de flow e os dados coletados durante sua formulação foram imediatamente úteis

para pesquisadores nas áreas da psicologia, sociologia e antropologia, mas ao longo dos

anos ela se mostrou também aplicável a outras áreas do conhecimento. De maneira parti-

cularmente interessante para nós, o game designer e pesquisador Jenova Chen investigou

algumas das implicações do flow em relação aos jogos eletrônicos, em sua tese "Flow in

games":

"A descrição do Flow é idêntica ao que um jogador experimenta quando total-

mente imerso em um jogo eletrônico. Durante esta experiência o jogador perde a

noção do tempo e esquece todas as pressões externas [...] Dessa maneira, muita

pesquisa está sendo feita sobre como usar o Flow para avaliar as experiências com

videogames6." CHEN [2008]

Isso não é uma surpresa. Já em sua pesquisa inicial Csíkszentmihály havia identificado

os jogos (não eletrônicos) como atividades primariamente desenhadas para a obtenção de

um estado de experiência ótima:

5It is this dynamic feature that explains why flow activities lead to growth and discovery. One cannotenjoy doing the same thing at the same level for long. We grow either bored or frustrated; and then thedesire to enjoy ourselves again pushes us to stretch our skills, or to discover new opportunities for usingthem.

6The description of Flow is identical to what a player experiences when totally immersed in a videogame. During this experience, the player loses track of time and forgets all external pressures. [...] Thus,much research is being done about how to use Flow to evaluate video game experiences.

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"O que torna estas atividades catalisadores de flow é o fato de que elas foram de-

senhadas para facilitar o alcance da experiência ótima. Elas tem regras que requerem

o aprendizado de habilidades, determinam objetivos, provêm retorno, fazem com que

o controle seja possível. Elas facilitam a concentração e o envolvimento ao fazer a

atividade tão distinta quanto possível do que chamamos de ’realidade mundana’ da

existência cotidiana7." [CSÍKSZENTMIHÁLYI, 1990, p. 72]

Csíkszentmihályi mostra familiaridade com alguns autores seminais que trabalharam

o tema do jogo, incluindo Huizinga. Ele também cita explicitamente o trabalho do an-

tropólogo francês Roger Caillois, que classificou os jogos tradicionais em quatro grandes

grupos: Agon, alea, ilinx e mimicry. Uma análise mais detalhada desta classificação foge

do escopo deste trabalho8, mas é importante ressaltar que segundo Csíkszentmihályi estes

quatro tipos de jogos oferecem possibilidades para o aparecimento do estado de flow, cada

um a seu modo9.

Voltando a Jenova Chen: como parte de sua pesquisa o game designer produziu um

game apropriadamente entitulado FlOw.

7What makes these activities conductive to flow is that they were designed to make optimal experienceeasier to achieve. They have rules that require the learning of skills, they set up goals, they provide feedback,they make control possible. They facilitate concentration and involvement by making the activity as distinctas possible from the so-called ’paramount-reality’ of everyday existence.

8Ver TAVARES [2006].9É interessante notar que a pesquisa de Csíkszentmihályi não chegou a analisar os jogos eletrônicos,

pois no início da mesma (1960) estes ainda não existiam. Só perto do final das primeiras etapas do trabalho(por volta de 1975) eles começaram a aparecer, ainda de forma bastante primária devido às limitações datecnologia.

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60 JOGO E FLOW

Figura 2.3: FlOw

É um jogo relativamente simples, que se resume a guiar uma criatura aquática que

procura comida e sofre mutações e evolui conforme o que come.

"Diferentemente de jogos tradicionais onde os jogadores têm que completar um

nível para poder progredir para o próximo, flOw oferece aos jogadores o poder de

controlar o progresso do jogo. Ao selecionar comidas diferentes para consumir os

jogadores podem avançar para os níveis mais difíceis e retornar para os mais fáceis a

qualquer momento. O jogo possui uma penalidade mínima para a morte: se o jogador

morreu em um nível, ele será trazido de volta para o nível imediatamente anterior,

que é um pouco mais fácil. O jogador também pode escolher evitar o desafio, pular

um nível e voltar para ele novamente10." [CHEN, 2008, p. 16]

10Different from traditional games in which players have to complete one level in order to progress to thenext one, flOw offers player power to control their gameplay progress. By choosing different food to eat,players can advance to the more difficult level and return to the easier level at any time. The game featuresa minimal death penalty. If player died in one level, he will be pushed back to the previous level that isrelatively easy. Player can also choose to avoid the challenge, skip the level, and come back later.

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JOGO E FLOW 61

A despeito de sua relativa simplicidade o jogo se tornou um grande sucesso, extrapo-

lando a sua condição de objeto de pesquisa e sendo lançado mais tarde para o videogame

PlayStation 3, da Sony. Milhões de pessoas no mundo todo baixaram a versão para web

e milhares compraram a versão do jogo para console. Apesar do sucesso, muitos não

conseguiam explicar porque este jogo aparentemente simples era tão viciante, como de-

monstrado pelas seguintes resenhas em blogs especializados em jogos:

"Deve haver algo errado em se passar a manhã toda jogando este jogo de evolu-

ção... Ele não tem armas, sangue ou explosões, mas algo me deixou grudado à minha

cadeira por um longo, longo tempo. Por sorte minha criatura ficou sem comida e eu

fui forçado a deixá-la lá11." [rc.blog, http://www.simov.cl/rc/blog/index.php/flow/]

Figura 2.4: FlOw - nível avançado

"Por alguma razão eu não consigo parar de jogar. Isso não faz muito sentido,

já que eu não imagino porque eu gostaria de continuar jogando, mas fazê-lo é algo

11There must be something wrong in playing the whole morning with this evolution game... It has noguns, blood or explosions, but something kept me glued to my seat for a long, long time. Fortunately, mycritter ran out of food and I was forced to leave it there.

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62 JOGO E FLOW

quase tranquilizador12." [Always Beta, http://www.alwaysbeta.com/2006/04/06/allow-

me-to-distract-you/]

O sucesso do jogo pode ser explicado pelas escolhas intencionais de Chen, que ma-

ximizou o controle que o jogador poderia exercer sobre a experiência, limitada proposi-

tadamente apenas aos elementos apontados como geradores de um potencial máximo de

flow. O jogador decide o ritmo de jogo e ajusta a dificuldade ao seu nível de habilidade no

controle da sua criatura marinha, apenas mergulhando para níveis mais difíceis quando se

sente preparado para o desafio.

2.4 Gerando flow

Parece que não seria exagerado afirmar que grande parte do sucesso e popularidade cres-

cente dos jogos eletrônicos vem exatamente do fato de que a experiência envolvida neste

jogar leva de maneira especialmente eficiente ao estado de flow, por conta das característi-

cas essenciais dos games. Para que se possa fundamentar esta afirmação vamos examinar

novamente os componentes primários da experiência de flow, desta vez sob a perspectiva

do jogo eletrônico como mecanismo gerador do estado de experiência ótima:

1. Uma atividade desafiadora que exige habilidade

A habilidade para a resolução de um desafio é parte integrante do mundo dos games,

seja ela presente na forma de destreza manual e reflexos rápidos ou na forma de

habilidades intelectuais, requeridas para a resolução de jogos de lógica ou mistério.

Grande parte dos jogos também estimula o desenvolvimento e aquisição gradual das

12For some reason I can’t stop playing it. It doesn’t make much sense, since I can’t imagine why I wouldcontinue to play it, but it’s almost soothing to play.

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JOGO E FLOW 63

habilidades necessárias para serem completados: no início um personagem pode

possuir apenas o poder de pular, mas ao comer um cogumelo gigante este pulo

passa a ser mais alto e capaz de quebrar paredes, por exemplo.

2. Objetivos claros

A grande maioria dos jogos eletrônicos apresenta um objetivo claro: salvar a prin-

cesa, achar o tesouro, eliminar todos os inimigos, empilhar determinado número de

cartas em uma determinada ordem. Muitos ainda se valem de objetivos menores

que somados levam o jogador a completar o objetivo final: é comum ter que coletar

um determinado item ou derrotar um boss para que uma fase do jogo se encerre e

outra se abra, aproximando o jogador do objetivo maior.

3. Resposta direta

A resposta às ações do jogador é sempre imediata e direta nos games, na medida

em que cada movimento ou ação é sempre representado por modificações na tela e

acompanhados de feedback sonoro ou tátil, se apropriado. A gratificação obtida por

este mecanismo de resposta imediata é tão eficiente que não é incomum observar

jogadores de first-person shooters13 se divertindo apenas em descarregar suas armas

em uma parte do cenário para ver o que quebra, ou ouvir como os tiros soam para

cada diferente arma utilizada.

4. Fusão entre ação e presença, a perda da autoconsciência e concentração na

tarefa imediata

É bastante comum que o jogador experimente a sensação do desaparecimento do

self durante uma partida: as barreiras da tela se dissolvem, e experimenta-se a sen-

sação de estar no mundo do game, de se tornar o avatar. Nestes momentos tudo o

13Os jogos de tiro em primeira pessoa, como Quake e Halo.

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64 JOGO E FLOW

que se percebe é o presente imediato e o prazer de se estar jogando: a experiência do

flow se apresenta de forma integral. O mundo exterior cessa de existir, e a percep-

ção do que está se passando no mundo externo não ultrapassa as paredes invisíveis

erguidas pelo jogador completamente imerso na experiência virtual14. No caso de

jogos mais competitivos que exigem toda a atenção do jogador até os sinais fisio-

lógicos se alteram: a fome e a sede desaparecem, e o pulso e a pressão do jogador

se alteram como se ele estivesse habitando a experiência virtual; sua consciência é

temporariamente transferida para o aparelho e sua concentração volta-se totalmente

para o apertar dos controles e o medir das respostas geradas pelo programa15.

5. O paradoxo do controle

A possibilidade do controle absoluto da experiência é talvez o componente gerador

de flow mais destacado na experiência dos games. Afinal, como demonstrado, o

aparelho é perfeitamente previsível, já que segue invariavelmente o código de sua

programação. Pode-se sentir então o gosto de repetir sempre a mesma experiência

(a mesma fase de um jogo) e experimentar o que acontece quando alteram-se os

comandos. E se o meu avatar pulasse aqui? E se eu atirasse aqui? E se eu abrisse

a segunda carta ao invés da primeira? Dentro do jogo eletrônico todos estes "ses"

são possíveis de serem experimentados e testados. A sensação de poder controlar a

experiência é praticamente absoluta, e parece restrita apenas pelos limites da habi-

lidade do jogador. Este tipo de sensação de controle parece ser algo impossível de

se conseguir em atividades não digitais, sempre sujeitas ao não-determinismo e às

leis do caos.

14Experiência pessoal.15Em casos extremos, jogar videogames por períodos extensos (ignorando as altera-

ções fisiológicas) pode levar à morte por exaustão e falta de sono, conforme relatado emhttp://news.bbc.co.uk/2/hi/technology/4137782.stm e http://www.v3.co.uk/vnunet/news/2120472/second-gamer-dies-massive-binge

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JOGO E FLOW 65

6. A transformação do tempo

Além da experiência subjetiva da alteração do tempo que é experimentada ao jogar,

comum a maior parte das atividades geradoras de flow, os videogames também pos-

sibilitam a alteração objetiva do mesmo. É possível em muitos jogos alterar a velo-

cidade de algumas fases para que a mesma se ajuste às nossas habilidades. Pode-se

pular vídeos que já foram vistos, pular fases, salvar o jogo e carregar partidas an-

teriores, efetivamente viajando para o futuro e para o passado dentro do game. O

tempo do jogo, por consequência, não precisa necessariamente ser experimentado

linearmente, e muitas vezes está sob nosso controle direto.

Concluí-se, então, que os jogos eletrônicos se prestam de maneira especial à elabora-

ção de experiências geradoras de estados de flow, principalmente quando são desenhados

especialmente para tal.

Mas o que isto tem a ver com a busca pelo impacto cognitivo dos games? Ocorre que,

como visto anteriormente, toda atividade que envolve flow traz em si a possibilidade do

desenvolvimento de habilidades no indivíduo e desenvolvimento do self :

Em nossos estudos descobrimos que qualquer atividade geradora de flow, seja

através da competição, sorte ou qualquer outra dimensão da experiência, teve algo

em comum: ela trouxe um senso de descoberta, um sentimento criativo de trans-

portar a pessoa para uma nova realidade. Ela empurrou a pessoa para níveis mais

altos de performance, e levou a estados de consciência com os quais não se sonhara

previamente. Em resumo, ela transformou o self ao fazê-lo mais complexo. Neste

crescimento do self está a chave para atividades que geram flow16." [CSÍKSZENT-

MIHÁLYI, 1990, p. 74]16"In our studies, we found that every flow activity, wheter it involved competition, chance, or any other

dimension of experience, had this in common: It provided a sense of discovery, a creative feeling of trans-porting the person into a new reality. It pushed the person to higher levels of performance, and led to

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66 JOGO E FLOW

Há no ser humano essa busca do belo, da elevação, ou ao menos da superação dos pró-

prios limites. O potencial de geração de flow pode, então, ser considerado como a chave

para game designers, pesquisadores e outros profissionais interessados no uso apropri-

ado dos jogos eletrônicos em ambientes educacionais ou qualquer atividade relacionada à

cognição, como veremos no capítulo seguinte.

previously undreamed-of states of consciousness. In short, it transformed the self by making it more com-plex. In this growth of the self lies the key to flow activities.

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Capítulo 3

Jogo e cognição

In a movie, one can always pull back and condemn the character or the artist

when they cross certain social boundaries. But in playing a game, we choose what

happens to the characters. In the right circumstances, we can be encouraged to

examine our own values by seeing how we behave within virtual space1. — Will

Wright — Game designer (SimCity, The Sims, Spore).

Iniciamos este percurso com uma exploração das características dos jogos eletrônicos

e de seus canais primários de acoplamento com o jogador, no capítulo 1. Em seguida

foi apresentada a teoria de experiência ótima e as questões que cercam a sua utilização no

design de games. A hipótese central deste trabalho é de que o jogo eletrônico tem impacto

cognitivo específico. Mais especificamente, considera-se que o código, quando jogado,

estabelece uma relação de conhecimento. Pretende-se agora fundamentar esta afirmação,

a partir das bases estabelecidas nos capítulos anteriores.

1Em um filme é sempre possível se distanciar e condenar a personagem ou o artista quando algumlimite social é quebrado. Mas ao jogar um jogo, nós escolhemos o que acontece com as personagens. Emcircunstâncias ideais, podemos ser encorajados a examinar nossos próprios valores ao observar como noscomportamos no espaço virtual.

67

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68 JOGO E COGNIÇÃO

3.1 Os diferentes conceitos de cognição

A dificuldade em empreender a discussão sobre o impacto cognitivo dos jogos eletrôni-

cos começa por uma definição do que se entende por cognição. Faz-se necessária uma

delimitação mais exata deste conceito, tarefa árdua devido a multiplicidade de linhas de

pesquisa que se agrupam em diferentes campos das chamadas ciências cognitivas, um

guarda-chuva multi e transdisciplinar que engloba a neurociência, a linguística, a filoso-

fia, o estudo da inteligência artificial e a psicologia cognitiva como seus expoentes prin-

cipais. Em linhas gerais, dialogaremos a partir do framework apresentado por Francisco

Varela, Evan Thompson, e Eleanor Rosch em seu livro "The Embodied Mind". Esta obra

seminal introduz o conceito de Cognitivismo Encenativo2 e o contextualiza em relação

às outras duas tradições deste campo do conhecimento: a Cognitivista e a Emergente (ou

Conexionista). A tabela 3.1 (WHITAKER [2001]) apresenta uma comparação entre estas

três grandes escolas:

2No original, enactive cognitivism, às vezes traduzido como Cognitivismo Enativo. Consideramos queencenar é uma tradução mais precisa para o termo original enact.

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JOGO E COGNIÇÃO 69

Cognitivista Emergente Encenativa

Metáfora

para a mente

Computador digital Rede distribuída e

paralelizada

Inseparável da expe-

riência e do mundo

Metáfora

para a cogni-

ção

Processamento de

símbolos

Emergência de esta-

dos globais

Interação contínua

com o meio

O mundo em

relação a nós

Separado, Objetivo

e Representável (por

símbolos)

Separado, Objetivo

e Representável (por

padrões de ativação

da rede)

Acoplado, "desve-

lado" e Presentável

(por ação)

Mente versus

Corpo/Mundo

Separável, Dualismo

Cartesiano (mente e

mundo hermetica-

mente selados um

do outro)

Separável, Dua-

lismo epifenomenal

(mente relacio-

nada ao corpo e

mundo através da

emergência)

Inseparável, Feno-

menologia (mente e

mundo encenados

em uma história de

interações)

Expoentes Simon, Newell,

Chomsky, Fodor,

Pylyshyn

Rumelhart, McClel-

land, Dennett, Hofs-

tadter

Maturana, Lakoff,

Rorty, Piaget,

Dreyfus

Tabela 3.1: As tradições da ciência cognitiva

Particularmente interessante para este trabalho é como cada tradição responde à ques-

tão central, "O que é cognição?".

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70 JOGO E COGNIÇÃO

3.1.1 A linha Cognitivista

A escola cognitivista em linhas gerais equivale a mente ao modelo do computador digi-

tal. Portanto, a cognição é vista como "processamento de informação como computação

simbólica — manipulação de símbolos baseados em regras3". [VARELA, THOMPSON

e ROSH, p. 42]

Como visto na tabela 1, este modelo assume o mundo como algo objetivo, pré-dado,

separado do indivíduo e passível de representação simbólica. O processo cognitivo fun-

cionaria, então, através da aquisição e manipulação destes símbolos, "computados" pelo

cérebro. Os símbolos representariam aspectos do mundo "real", e o processo cognitivo

estaria em ação na medida em que "o processamento da informação leva a uma solução

satisfatória para o problema dado ao sistema4" [VARELA, THOMPSON e ROSH, p. 43]

3.1.2 A linha Emergente

A tradição Emergente (ou Conexionista) usa como metáfora para a mente uma rede distri-

buída ou paralelizada, o conceito de rede neural. A cognição se observaria pela "Emergên-

cia de estados globais em uma rede de componentes simples5" [VARELA, THOMPSON

e ROSH, p. 99]

Ainda em relação à tabela 1, os conexionistas visualizam a mente como sendo cons-

tituída por uma rede distribuída e paralelizada de unidades de processamento, correspon-

dentes biologicamente aos neurônios e suas interligações. O mundo continua sendo sepa-

rado do indivíduo, é objetivo (pré-dado) e representável, mas esta representação agora se

3Information processing as symbolic computation — rule-based manipulation of symbols.4"Information processing leads to a successful solution of the problem given to the system. .5Emergence of global states in a network of simple components. .

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JOGO E COGNIÇÃO 71

dá na forma de padrões de ativação da rede neuronal, e não mais através do mapeamento

local de símbolos. A mente neste caso estaria relacionando corpo e mundo através de

propriedades emergentes, e o processo cognitivo funcionaria "através de regras para as

operações individuais e regras para as mudanças de conectividade entre os elementos6"

[VARELA, THOMPSON e ROSH, p. 99]

Neste ponto é importante fazer uma observação sobre o sentido do conceito de repre-

sentação, conforme empregado nos parágrafos anteriores. Varela e seus companheiros

esforçam-se por clarificar o fato de que este, em seu cerne, é relativamente livre de ques-

tionamentos: "Refere-se a qualquer coisa que possa ser interpretada como sendo outra

coisa7 [VARELA, THOMPSON e ROSH, p. 134]. Mas esta aparente obviedade é ca-

tapulteada para outro nível quando é considerado um senso mais forte de representação,

como no caso das escolas Cognitiva e Emergente:

"O sentido mais forte aparece quando nós generalizamos com base na ideia mais

fraca para construir uma teoria completa de como a percepção, linguagem ou a cog-

nição em geral devem funcionar. Os pressupostos ontológicos e epistemológicos são

basicamente de dois estágios: nós assumimos que o mundo é pré-dado, que suas ca-

racterísticas podem ser especificadas sem qualquer atividade cognitiva anterior. Aí

para explicar a relação entre essa atividade cognitiva e um mundo pré-dado, nós cri-

amos a hipótese de que existe uma representação mental dentro do sistema cognitivo

[...] Temos então uma teoria abrangente que diz (1) o mundo é pré-dado; (2) nossa

cognição é sobre este mundo - mesmo que apenas parcialmente, e (3) a maneira em

que nós conhecemos este mundo pré-dado é representar suas características e então

agir com base nestas representações8." [VARELA, THOMPSON e ROSH, p. 135]

6Through rules for individual operation and rules for changes in the connectivity among the elements. .7It refers to anything that can be interpreted as being about something. ."8This strong sense arises when we generalize on the basis of the weaker idea to construct a full-fledged

theory of how perception, language, or cognition in general must work. The ontological and epistemological

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72 JOGO E COGNIÇÃO

A partir disto pode-se identificar que a diferença primordial entre o ponto de vista

Cognitivista e o Emergente se centra em como a representação é feita: através de símbolos

mapeados e correlacionados a unidades individuais de processamento e armazenamento,

ou através de estados globais que emergem na rede neural através do padrão de ativação

de suas conexões.

3.1.3 A linha Encenativa

Quando comparada às linhas já apresentadas, a proposta Encenativa propõe uma visão

fundamentalmente diversa sobre a cognição. Como pode-se verificar na tabela 1, esta te-

oria não está baseada na separação entre mente, corpo e mundo: estes são inseparáveis.

Cognição, é então, definida como "Encenamento: uma história de acoplamentos estrutu-

rais que permitem surgir um mundo9". Esta funcionaria "através de uma rede constituída

de múltiplos níves de subredes sensório-motoras interconectadas10"[VARELA, THOMP-

SON e ROSH, p. 135], e, em última análise, se daria através da interação contínua entre

o indivíduo e o meio, de maneira circular. Esta visão, ao mesmo tempo cibernética e fe-

nomenológica em sua essência, é fortemente inspirada pela obra de Humberto Maturana

e Francisco Varela11 .

"Por isso, na base de tudo o que iremos dizer estará esse constante dar-se conta

commitments are basically twofold: We assume that the world is pregiven, that its features can be specifiedwithout any prior cognitive activity. Then to explain the relation between this cognitive activity and apregiven world, we hypothesize the existence of mental representations inside the cognitive system [...].We then have a full fledged theory that says (1) the world is pregiven; (2) our cognition is of this world -even if only to a partial extent, and (3) the way in which we cognize this pregiven world is to represent itsfeatures and then act on the basis of these representations.

9Enaction: a history of structural coupling that brings forth a world.10Through a network consisting of multiple levels of interconnected, sensorimotor subnetworks.11Muito embora a filosofia de estilo fenomenológico não apareça como referência explícita nos primeiros

trabalhos de Maturana e Varela, a obra subsequente deste último, bem como de seus parceiros e seguidores(entre eles Evan Thompson e Alva Noë) assume abertamente o diálogo com o legado husserliano e merleau-pontyano.

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JOGO E COGNIÇÃO 73

de que não se pode tomar o fenômeno do conhecer como se houvessem ’fatos’ ou

objetos lá fora, que alguém capta e introduz na cabeça. A experiência de qualquer

coisa lá fora é validada de uma maneira particular pela estrutura humana, que torna

possível ’a coisa’ que surge na descrição. Essa circularidade, esse encadeamento

entre ação e experiência, essa inseparabilidade entre ser de uma maneira particular

e como o mundo nos parece ser, nos diz que todo ato de conhecer faz surgir um

mundo. [...] Tudo isso pode ser englobado no aforismo: todo fazer é um conhecer

e todo conhecer é um fazer." [MATURANA e VARELA, 2001, p. 31-32]

Ainda no mesmo livro, "A árvore do conhecimento", onde cimentam as bases para

a teoria da autopoiese, os autores consideram "o conhecer como ação efetiva, ação que

permita a um ser vivo continuar sua existência em um determinado meio ao fazer surgir

o seu mundo" [MATURANA e VARELA, 2001, p. 36]. Este conceito é explorado mais

detalhadamente na Encyclopaedia Autopoietica:

"Em contraste com as perspectivas cognitivistas (onde ’conhecimento’ é um re-

curso, uma coleção de elementos simbolizáveis), a teoria autopoiética define ’conhe-

cimento’ como uma avaliação projetada por um observador12." WHITAKER [1998]

Continuando, Whitaker cita a "A árvore do conhecimento". Da edição em português:

"Falamos em conhecimento toda vez que observamos um comportamento efe-

tivo (ou adequado) em um contexto assinalado. Ou seja, em um domínio que defini-

mos como uma pergunta (implícita ou explícita) que formulamos como observado-

res."[MATURANA e VARELA, 2001, p. 195]

E completa:12In contrast with cognitivistic perspectives (wherein ’knowledge’ is a quantum commodity of symboli-

zable elements), autopoietic theory defines ’knowledge’ as a projected evaluation by some observer.

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74 JOGO E COGNIÇÃO

"A questão ’Qual é o objeto do conhecimento?’ se torna sem sentido. Não existe

um objeto do conhecimento. Conhecer é ser capaz de operar adequadamente em uma

situação individual ou cooperativa13." [MATURANA e VARELA, 1980, p. 53]

Para os cientistas associados a esta linha das ciências cognitivas, como já visto, o co-

nhecimento não é representação cerebral de objetos do mundo exterior, nem se manifesta

através da computação de símbolos ou estados mentais. Hubert Dreyfus elabora sobre

a natureza do aprendizado (como ação habilidosa) em seu artigo "A Phenomenology of

Skill Acquisition as the basis for a Merleau-Pontian Non-representationalist Cognitive

Science":

"Fenomenologistas existenciais defendem que as duas formas mais básicas de

comportamento inteligente, o aprendizado e a ação habilidosa, podem ser descritos

e explicados sem se recorrer à uma interpretação da mente ou do cérebro. Este pres-

suposto é expresso em dois conceitos centrais na Fenomenologia da Percepção de

Merleau-Ponty: o arco intencional e a tendência para se alcançar apreensão máxima.

O arco intencional nomeia a conexão estreita entre o agente e o mundo, visto que

à medida que o agente adquire habilidades, estas são "armazenadas", não como re-

presentações na mente, mas como disposições mais e mais refinadas para responder

às solicitações de percepções mais e mais refinadas da situação atual. "Apreensão

máxima" nomeia a tendência do corpo de responder a estas solicitações de maneira

a trazer a situação atual o mais próxima possível ao que o agente sente como uma

gestalt ótima14." [DREYFUS, 1986, p. 1]

13The question, ’What is the object of knowledge?’ becomes meaningless. There is no object of kno-wledge. To know is to be able to operate adequately in an individual or cooperative situation.

14Existential phenomenologists hold that the two most basic forms of intelligent behavior, learning, andskillful action, can be described and explained without recourse to mind or brain representations. This claimis expressed in two central concepts in Merleau-Ponty’s Phenomenology of Perception: the intentional arcand the tendency toward achieving a maximal grip. The intentional arc names the tight connection betweenthe agent and the world, viz. that, as the agent acquires skills, these skills are “stored”, not as representationsin the mind, but as more and more refined dispositions to respond to the solicitations of more and more

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JOGO E COGNIÇÃO 75

Dreyfus disseca a maneira através da qual este processo se dá, tomando como exem-

plos uma pessoa aprendendo a dirigir ou a jogar xadrez. Em ambos os casos, pode-se

fazer uma distinção entre os estágios pelos quais o indivíduo passa durante o processo

de aprendizado: Aprendiz, Iniciado, Competente, Proficiente e Expert. Não cabe aqui

uma reprodução literal de todos argumentos demonstrados pelo autor15, mas, em linhas

gerais, observa-se que no estágio inicial as regras e procedimentos analíticos têm grande

importância: "como mudar a marcha", "como mover o peão". Mas conforme o nível

de complexidade e habilidade aumentam o contexto passa a ser mais importante, e as

decisões passam a ser não mais analíticas, mas sim intuitivas/corporais, dependendo de

experiências passadas. Um piloto competente não mais analisa quando é hora de mudar a

marcha ou reduzir em uma curva levando em conta as condições da estrada, a velocidade

do carro e todos os outros fatores envolvidos. Seu corpo como um todo apenas intui e

executa a operação, da mesma forma que um enxadrista competente não analisa todas as

opções de jogada e movimentos possíveis, mas instintivamente busca a melhor posição

dentro do que o jogo apresenta. E segundo Dreyfus, nos níveis de proficiência e expertise

esta condição se torna mais pronunciada:

"Apenas se a postura destacada e seguidora de regras do novato ou iniciante

avançado for substituída por envolvimento pode o estudante almejar avanços maio-

res. [...] O performer proficiente, imerso em um mundo de atividades que requerem

habilidade, vê o que tem que ser feito, mas tem que decidir como fazê-lo. O espe-

cialista não apenas vê o que tem que ser alcançado: graças a um vasto repertório de

discriminações situadas ele vê imediatamente o que fazer. Assim, a habilidade de

fazer discriminações mais sutis e refinadas é o que distingue o especialista do per-

refined perceptions of the current situation. Maximum grip names the body’s tendency to respond to thesesolicitations in such a way as to bring the current situation closer to the agent’s sense of an optimal gestalt.

15Pode-se encontrar uma análise extensa do artigo de Dreyfus sob a ótica da aquisição de habilidades em[OLIVEIRA, 2006, p. 254-258].

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76 JOGO E COGNIÇÃO

former proficiente. Entre muitas situações, todas vistas como similares com respeito

ao plano ou perspectiva, o especialista aprendeu a distinguir aquelas situações que

requerem uma ação daquelas que requerem outra. [...] Isto possibilita a resposta si-

tuacional imediata e intuitiva que é característica da expertise. [...] O grande mestre

de xadrez experimenta um senso urgente do problema e do melhor movimento. [...]

O grande piloto não apenas sente ’no bolso das calças’ quando a velocidade é um

problema: ele sabe como executar a ação apropriada sem cálculos ou comparação de

alternativas. [...] O que tem que ser feito simplesmente é feito. Como Aristóteles

disse, o especialista ’sem rodeios’ faz ’a coisa apropriada, no momento apropriado,

do jeito apropriado’16." [DREYFUS, 1986, p. 7]

Dreyfus não está falando simplesmente de uma memória corporal, algo que permite

reproduzir mecanicamente ações bem sucedidas recorrendo-se a um repertório experi-

mentado anteriormente. Trata-se de fato de um refinamento da percepção: algo que leva

o expert a encontrar soluções ótimas, quase que instantaneamente, para situações novas.

3.2 Jogar e conhecer: diferentes perspectivas

É importante lembrar que não existe a pretensão de, com essa breve apresentação das

diferentes linhas da ciência cognitiva, chegar-se a uma conclusão definitiva sobre o que16Only if the detached, rule-following stance of the novice, advanced beginner is replaced by involve-

ment, is the student set for further advancement. [...] The proficient performer, immersed in the world ofhis skillful activity, sees what needs to be done, but must decide how to do it. The expert not only sees whatneeds to be achieved; thanks to a vast repertoire of situational discriminations he sees immediately what todo. Thus, the ability to make more subtle and refined discriminations is what distinguishes the expert fromthe proficient performer. Among many situations, all seen as similar with respect to a plan or perspective,the expert has learned to distinguish those situations requiring one action from those demanding another.[...] This allows the immediate intuitive situational response that is characteristic of expertise. [...] Thechess Grandmaster experiences a compelling sense of the issue and the best move. [...] The expert driver,not only feels in the seat of his pants when speed is the issue; he knows how to perform the appropriateaction without calculating and comparing alternatives. [...] What must be done, simply is done. As Aristotlesays, the expert ’straightway’ does ’the appropriate thing, at the appropriate time, in the appropriate way.

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JOGO E COGNIÇÃO 77

é cognição. Este é um debate aberto e atual, envolvendo pesquisadores e disciplinas

diversas. Mas como é parte da proposta deste trabalho identificar o impacto cognitivo do

game, fez-se necessário mapear, ainda que de maneira simplificada, os diversos conceitos

de cognição, ou seja, perguntar: o que é conhecimento e como o mesmo se dá? Isso feito,

observa-se que as respostas são distintas conforme o campo da ciência cognitiva com o

qual se dialoga. Sendo assim, é necessário considerar separadamente como o jogar gera

conhecimento a partir do ponto de vista de cada um destes campos, exercício que será

feito nas seções a seguir.

3.2.1 Jogo e Cognitivismo

Para que se possa analisar o impacto cognitivo dos jogos eletrônicos a partir de uma pos-

tura Cognitivista, considera-se que a mente humana funciona de maneira análoga a um

computador, armazenando e processando símbolos que representam objetos e conceitos

do mundo exterior. Conhecer, então, é fundamentalmente o processo de apreender, codi-

ficar e armazenar estímulos externos em nossa mente (cérebro) na forma de símbolos que

posteriormente relacionaremos em busca de soluções para um problema proposto.

Como então o jogar eletrônico impacta o conhecer a partir deste pressuposto? Neste

cenário, o "mundo" experimentado é o jogo, pré-dado e codificado pelo game designer.

Como demonstrado em capítulo anterior, este mundo é por si só limitado, tanto pelas

regras do jogo quanto pelas próprias características do aparelho e do código que o repro-

duzem. Podemos considerar, então, o mundo (jogo) como separado do jogador, o que é

cartesianamente coerente com nossa linha cognitiva. Conhecer, então, seria o processo de

se apropriar dos símbolos que representam o mundo do jogo, transferindo-os para o nosso

cérebro.

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78 JOGO E COGNIÇÃO

Ocorre que este mundo, no caso de jogos educacionais, é desenhado propositada-

mente para representar aspectos de um hipotético "mundo real". O jogo funcionaria,

então, como mais um nível de representação: ao conhecer o conteúdo do jogo estaríamos

também de certa forma conhecendo, por extrapolação, o mundo que habitamos. Um jogo

que "ensina" Matemática então apresentaria problemas na forma de representação sim-

bólica, medindo a habilidade do jogador em reorganizar seu mapa mental e produzir a

resposta correta. E um aumento nesta habilidade corresponderia diretamente a uma maior

capacidade de resolver problemas matemáticos também fora do game, uma vez que os

mesmos símbolos e padrões mentais estariam sendo ativados.

Embora essa descrição pareça simplista, pode-se observar que esse modelo de jogo

eletrônico não só existe como de fato ainda é o predominante na área educacional. Ele

pode tomar desde a forma mais elementar, com os aplicativos conhecidos como "Flash

Cards" — software basicamente de "decoreba", onde o jogador consulta informações em

uma tela e tem que armazená-las e reproduzí-las depois, bastante utilizados em ensinos

de Língua e Matemática — até formas mais sofisticadas, onde a "absorção" do conteúdo

simbólico apresentado é entremeada de segmentos narrativos e puzzles lógicos.

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JOGO E COGNIÇÃO 79

Figura 3.1: Parley: software no modelo flash card

Figura 3.2: Kanagram: jogo educacional

Os jogos que melhor se enquadram neste modelo cognitivista tendem a implementar

mecanismos consistentes com o behaviorismo. Existe uma correspondência direta entre

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80 JOGO E COGNIÇÃO

o conteúdo do jogo e o "conhecimento" que se pretende fixar na forma de representação

cerebral, às vezes de maneira bastante literal. Normalmente um desafio é proposto (pular

um obstáculo, somar 2 mais 2) e existe uma recompensa quando a solução correta é

encontrada (passar de fase, ganhar pontos) ou um feedback negativo em caso de insucesso

(perder uma vida, refazer o desafio).

Figura 3.3: Tux of Math: jogo educacional

Não cabe aqui uma crítica ou juízo de valor em referência a este modelo pedagógico:

estamos nos atendo à análise do jogar como atividade que gera conhecimento, definido

pela tradição cognitiva dentro da qual se opera.

Por este viés, é impossível negar que mesmo nesta forma mais primária do jogar ele-

trônico pode-se observar um impacto cognitivo, na medida em que habilidades adquiridas

no jogo (resolver a tabuada do nove) são analogamente aplicáveis no mundo exterior. Po-

demos medir e aferir este "conhecimento adquirido" de maneira razoavelmente objetiva,

através de testes dentro e fora do computador.

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JOGO E COGNIÇÃO 81

O que se pode observar também é que este modelo de design de jogo normalmente

tende a apresentar um nível diminuído de experiência de flow, na medida em que os de-

safios são fixos, em função da pré-determinação do conteúdo a ser assimilado. Isto leva

a uma latitude de experiência ótima diminuída para o jogador: como o conteúdo não se

adapta ao seu nível de habilidade é fácil a experiência deslizar para as zonas de ansiedade

ou monotonia. Neste sentido, o meio parece não estar sendo utilizado de maneira a ex-

plorar todo o seu potencial de geração de experiências cognitivas. Ao mesmo tempo, é

inegável que o jogo continua funcionando como canal para a absorção de conhecimento,

na medida em que conhecimento esteja sendo definido segundo um modelo computacio-

nal, como apreensão, compreensão e acumulação de símbolos no cérebro, bem como de

técnicas para combiná-los.

3.2.2 Jogo e Conexionismo

Mudando de ponto de vista brevemente, olharemos agora para a questão do impacto cog-

nitivo dos jogos sob a lente de um cientista conexionista, aquele que se alinha com os pos-

tulados da tradição Emergente das ciências cognitivas. Considera-se então que a mente

humana é uma grande rede neural, que é estimulada por objetos e conceitos do mundo

exterior, captados pelos sentidos. A estes estímulos correspondem padrões globais de

conectividade e ativação da rede. Conhecer, então, implica em apreender através dos sen-

tidos objetos e conceitos do mundo exterior, considerado como separado do observador, e

reforçar ou enfraquecer determinadas conexões neuronais, alterando o estado da rede. A

resolução de problemas se daria através da emergência de estados de conexão, facilitados

pela exposição prévia a determinados estímulos.

Nota-se que a distinção mais pronunciada entre a escola conexionista e a escola cog-

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82 JOGO E COGNIÇÃO

nitivista se encontra na maneira como o mundo exterior está armazenado e representado

no cérebro, e não nas relações observador/mente/mundo. O objeto representado para os

conexionistas não é referido como um endereço, mas como um conjunto de predicados.

O conceito de cognição no entanto é bastante coincidente, na medida em que uma deter-

minada representação cerebral do mundo é criada através dos sentidos, e utilizada como

parâmetro através do qual soluções para problemas podem ser encontradas. Do ponto de

vista do impacto cognitivo do jogo eletrônico podemos então considerar que as observa-

ções feitas em relação à escola cognitivista continuam valendo para os conexionistas, sem

alterações significativas.

3.2.3 Jogo e Encenação

Para completar esta análise encampa-se agora a postura da Cognição Encenativa (ou ena-

tiva). Como apresentado, o grande contraste com as duas escolas anteriores vem da in-

terdependência entre observador e mundo: um não pode ser pensado separadamente do

outro. Em uma postura fenomenológica, o mundo se desvela ao jogador no ato do jogar.

"Percepção não é algo que ocorre dentro do cérebro. Não há, e não pode haver,

algo chamado percepção — incluindo qualquer tipo de percepção visual ou visuo-

motora — da mesma forma que não pode haver algo chamado inteligência, indepen-

dente do comportamento do organismo todo, ou de sua completa e exclusiva história

pessoal de interações com o mundo17." [WILSON, 1998, loc. 5012-5017]

Ou ainda, segundo Dreyfus:

17Perception is not something that goes inside the brain. There is not, and cannot be, anything calledperception — including any kind of visual or visuomotor perception — just as there is not an cannot beanything called intelligence, independent of the behavior of the entire organism, or of its entire and exclusivepersonal history of interactions with the world.

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JOGO E COGNIÇÃO 83

"Nossas habilidades são adquiridas ao se lidar com as coisas e as situações, e

por sua vez elas determinam como as coisas e as situações aparecem para nós como

requerendo nossas respostas18." [DREYFUS, 1986, p. 1]

O gerador de conhecimento é o próprio jogar. Este jogar não é mais um meio para

a coleta de conteúdo representativo: o jogar é o conhecer. Permutando os termos do

aforismo central da teoria autopoiética, colocamos o "jogar" no lugar do "fazer"; e por

consequência temos que todo jogar é um conhecer e todo conhecer é um jogar. O conhe-

cimento se dá na medida em que o jogador se mantém no mundo virtual do game, através

de comportamentos que viabilizem esta permanência.

Pode-se observar, então, que a qualidade do jogar, ou seja, a qualidade da experi-

ência, tem grande peso na determinação do "conhecimento" gerado. Aplica-se aqui de

forma direta a teoria da experiência ótima: jogos que ofereçam maiores oportunidades de

experimentação de flow, ou seja, experiências relatadas como mais significativas, geram

um maior engajamento entre jogador e mundo virtual. Em outras palavras, e seguindo o

modelo cognitivo proposto por Merleau-Ponty e exemplificado por Dreyfus, o jogo gera

disposições corporais que levam o jogador de iniciante a expert, e isso acontece somente

quando todo o indivíduo — e não apenas a mente-computador — é exposto à experiência

do jogar.

Recapitulando, pudemos observar que existem diferenças significativas no conceito

de cognição conforme a linha de pesquisa considerada. A despeito disso, foi possível

determinar que o jogo, ou o jogar, satisfaz os pré-requisitos necessários para ser consi-

derado uma atividade geradora de conhecimento segundo as três correntes principais das

Ciências Cognitivas: o Cognitivismo, o Conexionismo e a linha Encenativa. Parece ainda

18Our skills are acquired by dealing with things and situations, and in turn they determine how thingsand situations show up for us as requiring our responses.

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84 JOGO E COGNIÇÃO

haver uma conexão direta entre a qualidade da experiência, medida pela capacidade de

induzir estados de enjoyment, e o impacto cognitivo obtido. No entanto, para fundamen-

tar as bases de como se dá esta relação, faz-se necessário entender melhor as questões

que envolvem a codificação do jogo eletrônico. O capítulo seguinte propõe-se, então, a

investigar a relação entre o game designer, aquele que prepara a experiência, e o jogador.

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Capítulo 4

O diálogo entre quem joga e quem

programa o jogo

A programming language is for thinking of programs, not for expressing pro-

grams you’ve already thought of1. — Paul Graham — Hacker.

Como visto no capítulo 1, o hardware do aparelho limita e condiciona o número de

jogos que podem ser jogados. Mas os dispositivos de jogo eletrônico não se programam

sozinhos: além do engenheiro que projetou o hardware temos também o designer que

projeta, modela e escreve os jogos.

Um esclarecimento: o termo game designer é usado neste trabalho em um sentido

mais amplo, englobando também os profissionais envolvidos na criação da arte, sons,

modelos, scripts e programação do jogo. Em grandes equipes é normal que exista uma

pessoa que assuma o papel de Lead Designer, atuando junto a um Lead Programmer, e

1Uma linguagem de programação serve para se pensar programas, não para expressar programas quevocê já pensou.

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86 O DIÁLOGO ENTRE QUEM JOGA E QUEM PROGRAMA O JOGO

comandando times que hoje chegam a centenas de profissionais. Para os fins desta aná-

lise considera-se que todos os profissionais envolvidos na criação do jogo participam, em

menor ou mair grau, deste processo de "informar" o artefato que será jogado. Teceram,

portanto, parte do diálogo com o jogador, armazenado em forma de código, que se desen-

rola quando começa o jogar.

4.1 Game design e imersão

Como visto, existe um diálogo com o jogador que é previsto pelo game designer na forma

de possibilidades de código, e este se realiza ou não dependendo de como o jogo acontece.

Games mais antigos possuíam em geral um único ou poucos caminhos para a resolução:

a própria limitação tecnológica levava os designers a optarem por um desenrolar quase

linear da experiência, pontuado por segmentos de interação que levavam invariavelmente

a um mesmo destino. Muitos dos adventure games da era clássica seguiam este caminho,

desde Zork até The Secret of Monkey Island.

Figura 4.1: Zork

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O DIÁLOGO ENTRE QUEM JOGA E QUEM PROGRAMA O JOGO 87

O mesmo acontecia com os jogos de arcade, como PacMan e Space Invaders (figura

4.2): as ondas de inimigos e as fases eram imutáveis e variavam basicamente na veloci-

dade, o que oferecia uma latitude comparativamente baixa de escolhas significativas ao

jogador. Nota-se, no entanto, que o potencial de geração de flow era relativamente alto,

muito por conta da novidade da exposição ao meio e à novidade da interatividade, so-

madas ao controle da representação do avatar. O diálogo pré-codificado pelo designer

geralmente limitava-se em grande parte a definir pontos de passagem e condições que

acionavam as sequências narrativas ou textuais e faziam o jogo avançar; ou, no caso dos

jogos de arcade, consistia em se determinar basicamente um incremento gradual de ve-

locidade e alguns novos elementos de dificuldade programados para aparecer sempre da

mesma forma conforme o jogo progredia.

Figura 4.2: Space Invaders

A exploração do mundo do jogo era em geral limitada, como eram os aparelhos que o

executavam.

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88 O DIÁLOGO ENTRE QUEM JOGA E QUEM PROGRAMA O JOGO

Esse cenário começou a mudar na década de 90, quando as primeiras placas acelera-

doras permitiram a criação de jogos que se apresentavam como mundos tridimensionais, e

eram programados como tal. Essa é uma distinção importante: alguns jogos já simulavam

imagens em 3D, mas estas eram armazenadas no código do jogo como imagens bidimen-

sionais, constituídas por pontos discretos. Com Quake (figura 4.3) e seus sucessores, os

programadores e designers não mais codificam o mundo como uma sucessão de textos e

imagens formadas por pontos: agora o designer usa uma ferramenta de modelagem em

3D e descreve matematicamente como o mundo deve ser renderizado pelo computador e

apresentado ao jogador. É a era dos game-engines2. E mais ainda: o designer coloca pela

primeira vez o controle total da câmera nas mãos de quem joga: este pode rotacionar a

visão livremente, avançar e explorar qualquer canto do cenário.

Figura 4.3: Quake

2Um game-engine é um fragmento significativo de código desenhado para servir como uma base reapro-veitável, a fim de acelerar a criação de jogos distintos. Esse modelo se justifica pois a elaboração do códigonecessário para a renderização de um mundo tridimensional e seus personagens a partir do zero não é umatarefa trivial. Como consequência, algumas empresas se especializaram em implementar essas rotinas maiscomplexas como um pacote genérico de ferramentas, que pode ser licenciado por outros desenvolvedores.Assim, o código central de Quake, por exemplo, é um game-engine que serviu também para a elaboraçãode jogos como Half-Life, Alice e outros.

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O DIÁLOGO ENTRE QUEM JOGA E QUEM PROGRAMA O JOGO 89

Esta mudança parece trivial mas não é: não estamos falando da representação final da

imagem, que é sempre formada por pontos na tela, como mostrado no capítulo 1. Aqui

falamos sobre como o designer cria o mundo. Ele esculpe em programas de modelagem,

literalmente, mundos a serem habitados, e personagems para povoá-los. O modo de pro-

gramar o jogo também é necessariamente alterado: não se concebe mais uma linearidade

de experiência, que é substituída por sequências de eventos disparados pelo percurso do

jogador dentro do mundo, e quase que inteiramente controlados por ele. A construção de

ambientes e personagens tridimensionais implica necessariamente em uma multiplicação

de potenciais pontos de vista, e portanto de possibilidades de experiência.

Percebe-se então que o potencial de geração de flow também aumenta, uma vez que

mais controle sobre a experiência é dado ao jogador. Este pode, se quiser e se o desig-

ner assim planejar, ficar parado, correr, retroceder ou avançar com mais cautela. Pode

explorar detalhadamente cada canto do cenário ou apenas passar rapidamente por uma

sala. O controle direto da câmera também reativa a conexão mão-olho citada no capítulo

1. Passa-se a manipular o mundo digital diretamente: o movimento do olho virtual (o

ponto de vista representado na tela) acompanha o movimento dos dedos que operam os

controles.

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90 O DIÁLOGO ENTRE QUEM JOGA E QUEM PROGRAMA O JOGO

Figura 4.4: Halo

Somado a isso, a evolução na capacidade de processamento e nas técnicas de inteli-

gência artificial faz com que o designer possa criar uma grande quantidade de scripts autô-

nomos que controlam o comportamento dos personagens virtuais, independentemente do

processamento do loop principal do jogo. Na realidade os personagens apenas reagem às

condições pré-programadas nos scripts, como correr atrás de um jogador que se aproxima

ou atacar quando são atingidos pela luz. Mas a existência no mundo virtual de centenas

de personagens, cada um associado a dezenas de scripts independentes faz com que a

simulação final apresente uma multiplicidade e uma riqueza de estados, dando a certeza

ao jogador de que cada partida é única e virtualmente imprevisível3. Este elemento sur-

presa é potencializado quando o designer possibilita que alguns destes personagens sejam

controlados não por scripts, mas sim por outros jogadores4, como no caso dos MMORPG3Um panorama abrangente das questões envolvidas na construção de personagens artificiais destina-

dos a habitar estes mundos virtuais pode ser encontrada na tese "Agentes verossímeis: uma investigaçãosobre a construção dos personagens autônomos nos videogames". GOMES [2008]. A pesquisadora le-vanta "a hipótese de que a peça-chave para a implementação de uma estrutura dramática no game — aindaque fundamentalmente diferente daquela conhecida no cinema e teatro — jaz no design dos personagensautônomos."

4É importante lembrar que mesmo um personagem controlado por outro jogador pode apenas performarno mundo do jogo as ações que foram previstas e programadas na forma de código, portanto, existe sempre

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O DIÁLOGO ENTRE QUEM JOGA E QUEM PROGRAMA O JOGO 91

(Massive Multiplayer Online Role-Playing Games5).

Figura 4.5: World of Warcraft

Todos estes componentes unidos levam à condição de imersão frequentemente des-

crita por quem joga um game de última geração como Halo (figura 4.4) ou World of War-

craft (figura 4.5). O jogador é transportado para dentro da tela. Meneguette e Basbaum

nos apresentam a seguinte definição de imersão:

"Imersão é a condição de performar numa circunstância definida ou não por re-

presentações, de tal modo que todas as minhas condutas são motivadas por interações

com objetos constituídos no horizonte desta circunstância."[MENEGUETTE, 2010,

p. 109]

a limitação intrínseca do aparelho como caixa preta.5MMORPG são jogos online que podem reunir em um mesmo mundo virtual milhares (e até milhões)

de jogadores, conectados simultaneamente. Este modelo foi inaugurado comercialmente com o jogo UltimaOnline, lançado em 1997. O MMORPG World of Warcraft reunia, em outubro de 2010, mais de 12 milhõesde jogadores ativos.

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92 O DIÁLOGO ENTRE QUEM JOGA E QUEM PROGRAMA O JOGO

Em um game tridimensional estas condições estão plenamente satisfeitas. O joga-

dor habita o mundo virtual, e seu corpo acoplado ao computador desenvolve habilidades

através de interações com objetos e scripts daquele ambiente que geram conhecimento

(segundo a definição da escola Encenativa), isto é, tornam mais complexo o self que joga

(o avatar) e permitem a sua perpetuação naquele ambiente.

4.2 Game design e cognição

O game designer é quem pré-codifica as possibilidades da experiência, através da criação

de imagens, sons e arquitetura de mundos virtuais que são transformados em informação

binária e armazenados em forma de software. É ele que joga com o programa já contido

no aparelho, buscando extrair do mesmo uma variação pretendida, uma sequência de

imagens técnicas que evoque no jogador uma experiência desejada. Concordamos aqui

com Machado:

"O que faz um verdadeiro criador, em vez de submeter-se simplesmente a um

certo número de possibilidades impostas pelo aparato técnico, é subverter continua-

mente a função da máquina de que ele se utiliza, é manejá-la no sentido contrário de

sua produtividade programada."[MACHADO, 1997, p. 6]

Chega-se então, à uma questão central. Inevitavelmente, o jogo eletrônico se desenro-

lará dentro de um campo de limitações exponenciais: tem-se o universo de possibilidades

do jogo em si, acordado entre os jogadores e fundamentado em suas regras. E por baixo

desta camada tem-se o universo de possibilidades finitas disponibilizadas pelo aparelho,

conforme apresentado. Entre estas duas camadas se posiciona a camada de código escrita

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O DIÁLOGO ENTRE QUEM JOGA E QUEM PROGRAMA O JOGO 93

pelo game designer, na forma de instruções de programação que geram a reprodução

ordenada de imagens técnicas e sons.

O game designer é, por definição, aquele que possui o poder de brincar com o código.

É aquele que, conforme demonstrado, acrescenta limites insuperáveis ao jogo. Mas, pa-

radoxalmente, o limite é justamente também aquilo que cria a forma. O código que limita

o jogo é também o que determina como o mesmo é formado, ou "informado".

Existe um diálogo entre o jogador e o game designer. É um diálogo peculiar, en-

tre aquele que joga e aquele que não pode mais jogar, pois todos os seus movimentos e

impressões estão já previstos e antecipados em forma de código. Este código é fundamen-

talmente texto, que gera tecnoimagens, que geram experiências. E o que é conhecimento

senão experiência?

“O saber da experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana.

De fato, a experiência é uma espécie de mediação entre ambos”. [LAROSSA BON-

DÍA, 2001].

Nota-se, novamente, um alinhamento de postura com a escola encenativa das linhas

cognitivas e com a fenomenologia. Considera-se a experiência (o jogar) como o conhe-

cer. Aqui desemboca, então, esta vertente da busca pelo impacto cognitivo dos jogos

eletrônicos: uma vez que o código é fator gerador da imagem técnica que possibilita a

experiência ele é, portanto, fator determinante na construção dos "saberes no corpo que

experimenta", em uma terminologia freiriana6. Ou, de maneira direta: o código, quando

jogado, inaugura uma relação de conhecimento.

6Refere-se aqui ao educador brasileiro Paulo Freire, que estabeleceu em sua obra as bases para umapedagogia fundada na valorização da experiência do indivíduo.

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94 O DIÁLOGO ENTRE QUEM JOGA E QUEM PROGRAMA O JOGO

Essa é uma distinção importante. Quando se examina a cognição sob o ponto de

vista encenativo e fenomenológico, o conteúdo do jogo e seus componentes não são mais

o que gera o conhecimento (através da representação), como nos modelos cognitivista

e emergente. O jogar é o que importa, pois ele é a experiência. O trabalho do game

designer, então, não é mais focado no conteúdo objetivo, nas imagens, sons e textos do

jogo vistos de maneira analítica; o foco se abre para considerar estes como peças de um

"como", da engrenagem que só ganha vida quando o jogador entra em ação e desvela o

mundo criado.

"Se nós pudéssemos, através de alguma mágica de alta tecnologia, criar experi-

ências para as pessoas diretamente, sem nenhuma mídia de suporte — sem tabulei-

ros de jogo, sem computadores, sem telas — nós o faríamos. De certo modo este

é o sonho da ’realidade artificial’ — ser capaz de criar experiências que não são de

maneira alguma amarradas aos limites do meio que carrega estas experiências. É um

sonho lindo, mas apenas um sonho. [...] Por hora, [...] tudo o que podemos fazer é

criar artefatos (conjuntos de regras, tabuleiros, programas de computador) que pro-

vavelmente provocarão certos tipos de experiências quando um jogador interage com

eles7." [SCHELL, 2008, p. 11]

7If we could, through some high-tech magic, create experiences for people directly, with no underlyingmedia — no game boards, no computers, no screens — we would do it. In a sense, this is the dream of’artificial reality’ — to be able to create experiences that are in no way limited by the constrains of themedium that delivers the experiences. It is a beautiful dream, but only a dream. [...] For now, [...] all wecan do is create artifacts (rule sets, game boards, computer programs) that are likely to create certain kindsof experiences when a player interacts with them.

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Capítulo 5

Considerações finais: o papel do game

designer

I could make Halo. It’s not that I couldn’t design that game. It’s just that I choose

not to1. — Shigeru Miyamoto — Game designer (Super Mario, Donkey Kong, Zelda

e outros).

Faz-se necessária agora uma recapitulação do nosso percurso neste trabalho. No pri-

meiro capítulo, definiu-se o jogo como algo que se joga: uma atividade, orientada a um

objetivo, que é limitada por regras previamente acordadas entre os jogadores, e o game

como um jogo mediado por um dispositivo de processamento digital, o computador. A

partir das teses de Frank Wilson e Vilém Flusser, consideramos a mão e o olho como os

canais primários de acoplamento entre o jogador e a máquina. E, devido às características

do computador como caixa preta, tentamos demonstrar que todo jogo de computador é

jogado em um aparelho com possibilidades finitas de variação, onde todos os jogos pos-

1Eu poderia ter feito Halo. Não é que eu não conseguiria criar aquele jogo: eu apenas decidi não fazê-lo.

95

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96 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PAPEL DO GAME DESIGNER

síveis de serem jogados estão codificados e limitados pelo campo de possibilidades do

hardware e do software.

No capítulo seguinte apresentou-se a teoria da experiência ótima, de Mihaly Csíks-

zentmihályi. Uma análise dos elementos constituintes desta teoria permitiu identificar

porque os jogos em geral, e em especial os jogos eletrônicos, apresentam alto potencial

de geração de flow, em grande parte por ocorrerem em um ambiente controlável que reage

de maneira imediata e previsível às ações do jogador, ajustando-se às suas habilidades.

As diferentes correntes das ciências cognitivas foram discutidas no capítulo 3, bus-

cando uma resposta para a questão "o que é conhecimento e como o mesmo se dá?".

Identificados com a linha Encenativa, postulamos que o gerador de conhecimento é o pró-

prio jogar, e não apenas o conteúdo do jogo. Com o apoio da pesquisa de Hubert Dreyfus,

Maturana e Varela, exploramos então a idéia de que jogar é conhecer. Ou seja: a experi-

ência do jogar, potencializada quando os elementos que permitem maior geração de flow

são obedecidos, gera disposições corporais e um refinamento da percepção no jogador

que se traduzem em novos comportamentos.

No capítulo 4 examinamos, então, como o game designer cria e codifica o mundo

virtual onde a experiência cognitiva pode se desenvolver. O processo de codificação foi

identificado como o momento onde ocorre a formatação das limitações intrínsecas do

software. E nesse código residem as possibilidades de diálogo entre game designer e

jogador: é nele que estão previstos os caminhos de interação que se atualizarão e tomarão

forma final durante o jogar.

Chega-se, então, a uma conclusão interessante, que responde parte da nossa questão

principal. Inevitavelmente, todo game designer exerce o papel de facilitador de conhe-

cimento, estando ou não consciente disso, na medida em que constrói artefatos (jogos)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PAPEL DO GAME DESIGNER 97

que possibilitam experiências significativas. Criar jogos é, então, criar um repositório de

conhecimento potencial, que se constrói e atualiza na forma de habilidades adquiridas

quando o jogador se dispõe ao jogar.

Esta constatação, embora simples, tem implicações importantes.

Historicamente os jogos podem ser encaixados em duas grandes categorias em rela-

ção ao seu propósito básico: "educacionais" ou de "entretenimento". Esta grande divisão

tem sido feita com base no conteúdo objetivo (inerte) do jogo e no mecanismo primário

de interação. Jogos que possuem conteúdo (imagens e sons) que representam objetos do

mundo real e pretendem ensinar relações entre eles, medindo a fixação destas represen-

tações no aparelho cognitivo do jogador, são considerados "educativos". Neste campo

encaixam-se as dezenas de jogos de memória, associação causal de conceitos linguísticos

e matemáticos e os já mencionados Flash Cards e seus derivados. Já aqueles jogos que

privilegiam a exploração livre do espaço, a descoberta e aperfeiçoamento dos mecanis-

mos de controle do avatar, o desenvolvimento do self virtual, a narrativa e a cooperação

ou competição com outros jogadores são considerados como "entretenimento".

Pode-se verificar, ainda, que a maior parte dos jogos "educativos" é elaborado se-

guindo o conceito de cognição defendido pelos pesquisadores das linhas Cognitivista e

Conexionista. E isso, como mostrado na seção 3.2.1, gera produtos relativamente eficien-

tes se comparados com mídias tradicionais, mas ainda com nível potencial de geração de

flow reduzido, o que diminui sua utilização.

Os jogos de "entretenimento", ao contrário, utilizam de forma mais ampla o poten-

cial intrínseco do meio, e como consequência sustentam experiências com níveis de flow

mais intensos e adaptativos. São, talvez por isso mesmo, mais viciantes. E nem por isso

deixam de gerar conhecimento, como entendido pelos pesquisadores alinhados com o

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Cognitivismo Encenado, na forma da aquisição e refinamento de habilidades e disposi-

ções corporais para a sobrevivência no mundo virtual.

Sob o viés fenomenológico e encenativo conclui-se, então, que o jogo dito de "entre-

tenimento" tem, na verdade, um impacto cognitivo mais amplo do que o jogo "educativo";

e é razoável considerar que isso ocorre justamente pela capacidade aumentada de fazer

o jogador experimentar experiências significativas, com alto nível de flow. Esse impacto

pode ser observado em uma escala macroscópica (fora do mundo virtual) na forma de mu-

dança de comportamento, uma das condições básicas essenciais elencadas por Maturana

e Varela para se medir atividade cognitiva.

A afirmação de que o jogar provoca mudança de comportamento não é mais uma

dúvida, tendo sido comprovada em numerosos estudos, a maioria deles em busca de co-

nexões entre jogo eletrônico e comportamento violento2. Mais recentemente, em 2009,

foram publicados os resultados de três estudos separados coordenados por uma grande

equipe de pesquisadores de oito universidades dos Estados Unidos, Japão, Singapura e

Malásia3. A novidade neste caso é que os pesquisadores buscavam relações entre jogos

cooperativos e um comportamento social que também fosse amigável:

"’Dezenas de estudos têm documentado a relação entre jogos eletrônicos violen-

tos e comportamento agressivo’, diz o autor principal Douglas Gentile, um psicólogo

da Universidade do Estado de Iowa. ’Mas este é um dos primeiros a documentar os

2Como exemplo, um estudo correlaciona jogadores de simulações de corrida com a habilidade para di-rigir automóveis na vida real. Verificou-se que os jogadores exibem em média maior habilidade ao volantedo que os não-jogadores, medida através da facilidade de aprovação no teste para obtenção da licença dedirigir e no número menor de pequenas colisões e amassados reportados às companhias de seguros. Aomesmo tempo, o estudo verificou que esta maior habilidade não vem acompanhada de maior responsa-bilidade: os pilotos-jogadores apresentam um comportamento mais arriscado ao volante, "costurando" eapresentando maior índice de desrespeito às regras do trânsito e aos outros motoristas, o que os envolve emuma taxa proporcionalmente maior de acidentes graves. Fonte:http://jalopnik.com/5747792/video-gamers-more-dangerous-drivers-than-non+gamers

3GENTILE et al [2009]

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PAPEL DO GAME DESIGNER 99

efeitos positivos de se jogar jogos pró-sociais’. Jogos pró-sociais envolvem perso-

nagens que ajudam uns aos outros de maneira não violenta. ’Estes estudos mostram

o mesmo tipo de impacto em três faixas etárias diferentes oriundas de três culturas

muito diferentes’, diz Brad Bushman, um co-autor do relatório da Universidade de

Michigan. ’Além disso, os estudos usam estratégias analíticas diversas — corre-

lacional, longitudinal e experimental. A triangulação das evidências finais produz

a prova mais sólida possível de que as descobertas são ao mesmo tempo válidas e

generalizáveis’4. [UNIVERSITY OF MICHIGAN, 2009]

Em todos os estudos foi identificada uma tendência clara de cooperar e ajudar os

outros naqueles indivíduos que foram submetidos a sessões com jogos também coopera-

tivos, enquanto aqueles submetidos a jogos que estimulavam um comportamento violento

tendiam a apresentar um comportamento social também agressivo.

"’No todo, estas descobertas tornam perfeitamente claro o fato de que jogar vide-

ogames não é em si bom ou mau para as crianças’, disse Bushman5." [UNIVERSITY

OF MICHIGAN, 2009]

E adicionalmente:

"’Estas pesquisas comprovam que crianças e adolescentes aprendem ao praticar

comportamentos em jogos eletrônicos’, diz Rowell Huesmann, um dos co-autores do

4’Dozens of studies have documented a relationship between violent video games and aggressive beha-viors,’ said lead author Douglas Gentile, an Iowa State University psychologist. ’But this is one of the firstthat has documented the positive effects of playing prosocial games.’ Prosocial video games involve cha-racters who help and support each other in nonviolent ways. ’These studies show the same kind of impacton three different age groups from three very different cultures,’ said Brad Bushman, a University of Mi-chigan co-author of the report. ’In addition, the studies use different analytic approaches — correlational,longitudinal and experimental. The resulting triangulation of evidence provides the strongest possible proofthat the findings are both valid and generalizable’.

5’Taken together, these findings make it clear that playing video games is not in itself good or bad forchildren,’ Bushman said.

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relatório da Universidade de Michigan6." [UNIVERSITY OF MICHIGAN, 2009]

A conclusão desta série de estudos parece convergente, então, com a ideia proposta

neste trabalho: o jogar possui um impacto cognitivo, medido pela alteração de comporta-

mento do jogador, e influenciado primariamente pelas escolhas (intencionais ou não) do

game designer.

O fato do videogame gerar mudança de comportamento não parece ser acidental, e sim

algo intrínseco ao projeto de sociedade tecnológica onde ele se insere. Basbaum esclarece

este fenômeno ao ressaltar a função dos aparelhos de entretenimento como introdutores

de novas tecnologias que terminam por se incorporar à cultura:

"De modo geral, em toda a era moderna, tal fascínio pela novidade tecnológica

participou de um cenário em que o entretenimento foi — e cada vez mais a partir do

século XIX — o território da cultura onde as conquistas impressionantes da ciência

foram celebradas na experiência cotidiana." [BASBAUM, 2005, p. 126]

O pesquisador relata como, na visão de Jonathan Crary, os aparelhos precursores do

cinema (phenakistiscópio, zootrópio, praxinoscópio, caleidoscópio, estereoscópio) propi-

ciaram:

"...um adestramento progressivo para o convívio com uma nova ordem percep-

tiva — a ordem regulatória e produtiva das máquinas. Não parece fora de propósito

sugerir que esse mesmo gênero de adestramento pode ser apreciado na sociedades

contemporâneas, em que os games digitais de diversos gêneros — esses surpreen-

dentes jogos interativos, não necessariamente narrativos e potencialmente infinitos

6’These studies document that children and adolescents learn from practicing behaviors in games,’ saidRowell Huesmann, a U-M co-author of the report.

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— retificam a presença do computador pessoal no cotidiano e agenciam os ajustes

necessários à percepção e ao corpo na cultura urbana e na ordem produtiva do início

do século XXI. Já havíamos notado, com Benjamin, que esse modo de instalar-se no

dia-a-dia pelo jogo, pelo entretenimento, pela imersão lúdica, é uma das mais pode-

rosas estratégias de inserção de novos dispositivos na culturas — tornam-se novos

hábitos. [...] O corpo, a percepção, a experiência vivida são transformados no curso

da convivência com as engenhocas."[BASBAUM, 2005, p. 126-127]

Quem joga tem, então, sua percepção e experiência de mundo alteradas pela experi-

ência. E é inegável que a geração atual é formada por jogadores7. Justamente pelo fato

dos jogos não serem "nem neutros nem inocentes", aumenta a importância do papel dos

game designers. Afinal, como demonstrado nos estudos capitaneados pela Universidade

de Michigan, o tipo de experiência codificada gera um determinado conhecimento que se

apresenta na forma de mudança de comportamento observável.

O game designer tem, em uma sociedade de jogadores, um papel crucial: uma res-

ponsabilidade inerente à importância das experiências produzidas por suas criações8. Em

um futuro próximo, as funções de game designer e educador andarão provavelmente lado

a lado. A criação de jogos eletrônicos poderá também ser encarada como uma atividade

essencialmente pedagógica, e estes artefatos serão talvez o meio primário para o despertar

de habilidades cognitivas tanto nas escolas como nos ambientes de trabalho e lazer. Para7Segundo um estudo de 2007, 63% da população norte-americana jogava videogames, um número

crescente seguido de perto por um crescimento do número de gamers nos países em desenvolvimento.Fonte: http://arstechnica.com/gaming/news/2007/12/report-63-percent-of-us-population-now-plays-video-games.ars

8Extraído de um manifesto postado pelo designer C. Daleske: "Game Designers, I suggest you at leastconsider whether it is of any value to have a player’s role be that of a car jacker or other violent criminal,for example. Try to develop nicer games, ones that can have conflict, not unlike reality, but that also allowfor and possibly cause players to strive to do the better action."(Criadores de jogos, eu sugiro que vocêspelo menos considerem se existe algum valor em fazer o jogador assumir o papel de um ladrão de carros oude um criminoso violento, por exemplo. Tentem desenvolver jogos melhores, que possuam conflito, como arealidade; mas que também possibilitem que o jogador almeje executar ações mais positivas).[DALESKE,2008]

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que este processo seja eficiente, sugere-se que o game designer privilegie técnicas que

estimulem as características intrínsecas do meio para a geração de estados de experiência

ótima, ou flow. Em outras palavras, e resumindo a premissa central deste trabalho, a ge-

ração de mundos imersivos e oportunidades de experiências significativas é a chave para

que o jogo eletrônico realize todo o seu potencial de facilitador de conhecimento.

É nos mundos virtuais que grande parte dos comportamentos sociais serão aprendidos

e praticados, na forma de jogos que, esperamos, sejam mais cooperativos do que com-

petitivos. Se o jogar é conhecer, que a migração das relações pessoais e sociais para o

universo do jogo eletrônico seja também uma oportunidade para se fortalecer uma cultura

de comportamentos que estimule a geração de experiências significativas e a cooperação.

Só assim utilizaremos o potencial cognitivo máximo possibilitado por estes artefatos a

serviço de uma experiência de viver mais rica e humana. E cabe aos game designers,

conscientes da responsabilidade que têm ao criar estes universos virtuais, o papel de en-

tender e liderar essa evolução.

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