Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Marco Aurélio, do Egrégio Supremo
Tribunal Federal
Autos nº 4694
JAIR MESSIAS BOLSONARO, devidamente qualificado nos
autos em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por
seus advogados (doc. 01), em atenção à r. decisão de fls. 213/215, apresentar,
tempestivamente, RESPOSTA À ACUSAÇÃO, nos termos do artigo 4º, da Lei
Federal 8.038/90.
I. SÍNTESE DA ACUSAÇÃO
A D. Procuradoria-Geral da República imputa ao
DEFENDENTE a prática do delito previsto no artigo 20, caput, da Lei Federal
7.716/1989, em razão de afirmações supostamente discriminatórias e
preconceituosas feitas em face de quilombolas, estrangeiros e indígenas,
durante palestra realizada no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, na data de 03
de abril de 2017.
2
As declarações formuladas contra os quilombolas, que
teriam conteúdo ilícito, são as seguintes:
37:121: “Aqui apenas são as reservas indígenas no Brasil. Onde
tem uma reserva indígena, tem uma riqueza embaixo dela.
Temos que mudar isso daí. Mas nós não temos, hoje em dia,
mais autonomia para mudar isso daí. Entregou-se tanto a nossa
nação que chegamos a esse ponto, mas dá pra mudar nosso
país. Isso aqui é só reserva indígena, tá faltando quilombolas,
que é outra brincadeira. Eu fui em um quilombola em El
Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá
pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para
procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por
ano gastado com eles. Recebem cesta básica e mais material em
implementos agrícolas. Você vai em El Dourado Paulista, você
compra arame farpado, você compra enxada, pá, picareta por
metade do preço vendido em outra cidade vizinha. Por que?
Porque eles revendem tudo baratinho lá. Não querem nada
com nada. "
48:13: "Nós não temos 12 milhões de desempregados, nós temos
40 milhões, porque eles consideram quem tem bolsa-família
como empregado. Só aí, só aí nós temos praticamente 1/4 da
população brasileira vivendo às custas de quem trabalha.
Alguém já viu um japonês pedindo esmola por aí? Porque é
uma raça que tem vergonha na cara. Não é igual essa raça que
tá aí embaixo ou como uma minoria tá ruminando aqui do
lado. "
49:25: "Se eu chegar lá, não vai ter dinheiro pra ONG, esses
inúteis vão ter que trabalhar. [...] Não vai ter um centímetro
demarcado pra reserva indígena ou pra quilombola."
Contra os estrangeiros, as declarações ditas
criminosas seriam as expostas a seguir:
1 Numeração do minuto do vídeo em que as afirmações são feitas, conforme mídia de fls. 87 que
contém a íntegra da palestra.
3
16:00: "A área mais rica do mundo está exatamente demarcada
como terra indígena, uma área maior que a região do Sudeste é
demarcada como terra indígena. Tive em Roraima. Uma das
acusações que recebo é 'Xenófobo!'. [...] E eu sou contra
estrangeiros aqui dentro. "
17:16: "Dentro de Roraima, os senhores acham aqui tudo que
existe na tabela periódica [...], além de demarcação como terra
indígena, o que que eles fizeram lá? O único rio lá que se
poderia fazer três hidrelétricas, o pessoal encheu de índio.
Hoje você não pode fazer uma hidrelétrica."
56:44: "O que que a Venezuela tá fazendo? Tá enchendo as suas
ambulâncias e carros com pessoal idoso ou doença de alta
complexidade e desovando nos hotéis, nos hospitais e postos de
saúde de Roraima. E o que o governo brasileiro faz? Não faz
nada. Tem que fazer alguma coisa. Se aceita, vamos criar
campos de refugiados. Se aceita... Se não aceita, devolve. O
Brasil não pode se transformar na casa da mãe Joana. Não
pode a decisão de um governo acolher todo mundo de forma
indiscriminada. Não tem problema vir pra cá quem quer que
seja, mas tem que ter um motivo e um levantamento da vida
pregressa dessas pessoas. "
58:05: “Não sabemos ainda o nosso futuro, dada a quantidade
de estrangeiro que estão aqui dentro. Lógico, eu não generalizo.
Mas dentre esses uma minoria que pode fazer um estrago
muito maior do que nós enfrentamos, em especial de 66 a 73,
numa luta armada e na guerra e guerrilha dentro do nosso
Brasil. "
Segundo a peça acusatória, por meio dessas
afirmações, o DEFENDENTE teria praticado discriminação e preconceito contra
quilombolas e estrangeiros, além de incitado e induzido os presentes na
palestra a praticar tal ilícito penal.
4
Ademais, em relação às comunidades indígenas, teria
sido proferido “discurso de ódio”, em decorrência dos seguintes dizeres:
“Dentro de Roraima os senhores acham aqui tudo que existe na
tabela periódica [...], além de demarcação como terra indígena,
o que eles fizeram lá? O único rio lá que se poderia fazer três
hidrelétricas, o pessoal encheu de índio. Hoje você não pode
fazer uma hidrelétrica”.
Importante destacar que esses são os trechos do
discurso do DEFENDENTE que teriam, em tese, contornos de ilícito. Além
deles, a D. Procuradoria-Geral da República transcreve, em sua peça
inaugural, excertos da palestra que dizem respeito a temas alheios aos que são
tratados na presente denúncia criminal. Cita-se, como exemplo, as afirmações
feitas sobre a comunidade LGBT, união homoafetiva e mulheres.
Tais dizeres, porém, conforme admitido pela própria D.
Procuradora Geral da República, além de não serem criminalizados2 pela
legislação pátria, somente traduzem a opinião política do parlamentar sobre
assuntos que, ainda que polêmicos, importam à pauta nacional.
Por essa razão, a presente defesa se restringe a
demonstrar, além dos vícios processuais materializados na r. denúncia, que as
afirmações em tese discriminatórias e preconceituosas feitas pelo DEFENDENTE
em face da comunidade quilombola, dos indígenas e dos estrangeiros não
se adequam aos contornos do tipo penal indicado pela acusação.
Pelo contrário: longe de configurarem crimes, tais
excertos expressam tão somente a opinião política do DEFENDENTE, na
qualidade de parlamentar no exercício da sua função, em diálogo mantido com
o seu eleitorado.
É o que se passa a expor.
2 Isso porque a Lei Federal nº 7.716/1989 criminaliza somente condutas de “discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
5
II. DA ACUSAÇÃO GENÉRICA
Em verdade, no preâmbulo da defesa, cumpre destacar
que o DEFENDENTE se surpreendeu com o oferecimento precipitado da
acusação pública, pois prestou esclarecimentos sobre os fatos, mostrou a
inexistência de intenção de perpetrar infração penal e aclarou o contexto de
seu discurso como parlamentar, mediante petição endereçada à D.
Procuradoria Geral da República (doc. 02).
Tal petição foi, como se percebe, desconsiderada. E, se
havia dúvidas quanto a elementos objetivos ou subjetivos a serem dirimidos,
natural seria a requisição de inquérito policial (art. 5º, II, do CPP), para apurar
suposta materialidade do fato e potencial tipicidade de crime.
Preferiu, todavia, o acusador, o caminho fácil de
ofertar denúncia, com certo oportunismo diante da campanha eleitoral que se
avizinhava.
Ora, a denúncia é a base do processo penal. Além de
ser a materialização do ato público de acusar3, ela traz, em seu conteúdo, a
delimitação da premissa acusatória que será colocada à prova no curso da
instrução processual.
Por essa razão, a legislação federal determina que a
proposta acusatória contenha “a exposição do fato criminoso, com todas as
suas circunstâncias” (art. 41, do Código de Processo Penal), para possibilitar
plena compreensão da conduta típica em tese adotada pelo acusado.
Há muito a doutrina disserta sobre os impactos que o
descumprimento dessa norma tem sobre as diversas garantias constitucionais
e processuais penais. RENATO BRASILEIRO DE LIMA destaca que a adequada
imputação do fato delituoso é requisito essencial da peça acusatória “já que
3 ANTONIO SCARANCE leciona que “a materialização do ato inicial de acusar expressa-se pela denúncia
ou pela queixa, que correspondem à petição inicial do processo civil”. Fernandes, Antonio Scarance.
Reação defensiva à imputação/Antonio Scarance Fernandes. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 153
6
resguarda princípios basilares do processo penal: contraditório, ampla defesa e
correlação entre acusação e sentença 4.
Por esse motivo ADA PELLEGRINI GRINOVER, em obra
referência no tema das nulidades, concluiu que “a narração deficiente ou
omissa, que impeça ou dificulte o exercício da defesa, é causa de nulidade
absoluta, não podendo ser sanada, pois infringe os princípios
constitucionais”5. Afinal, se o réu não sabe de qual conduta é acusado,
também não saberá do que se defender, e o exercício do contraditório e ampla
defesa restará prejudicado (art. 5º, inc. LV e LVI, da Constituição Federal).
Assim, ao expor o fato criminoso, deve o Parquet (art.
129, inc. I, da Constituição Federal) se atentar à indicação da conduta
considerada delituosa em todas as suas circunstâncias. Essa narrativa deve
ser feita, ensina a doutrina, “com dados fáticos da realidade, não bastando a
simples repetição da descrição típica”6.
Esse dever ganha especial relevância nos denominados
crimes plurinucleares, nos quais, para incidência da norma, basta que o
agente pratique uma das condutas previstas pelo tipo penal. Em relação a
essa espécie de delito, para que haja plena compreensão da acusação
formulada, mostra-se necessário que o órgão acusador indique em qual das
ações típicas o agente incorreu.
No mesmo sentido, no caso de imputar ao agente a
prática de mais de um dos verbos típicos (ou todos eles), deve o acusador
indicar qual ação do acusado se subsumiu a cada um dos núcleos da
norma incriminadora. Nesse contexto, a mera narrativa fática histórica,
seguida da repetição do enunciado do tipo penal, será considerada incompleta,
4 E o autor continua “Tendo conhecimento com precisão dos limites do fato delituoso a ele imputado,
poderá o acusado se contrapor a pretensão acusatória o mais amplamente possível. Lado outro, a
escorreita delimitação da imputação também viabiliza a própria aplicação da lei penal, porquanto permite ao órgão jurisdicional dar ao fato narrado a correta e justa correspondência normativa, fazendo o juízo de subsunção do fato imputado à normal penal incriminadora”. Lima, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal/ Renato Brasileiro de Lima. – Niterói, RJ: Impetus, 2013, p. 255.
5 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães.
As nulidades no processo penal, p. 95.
6 LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal/ Renato Brasileiro de Lima. – Niterói, RJ:
Impetus, 2013, p. 252.
7
já que impedirá o acusado de se defender da imputação que lhe é dirigida (art.
5º, inc. LV e LVI, da Constituição Federal).
Essa é exatamente a hipótese dos autos.
A denúncia formulada pela D. Procuradora-Geral da
República imputa ao DEFENDENTE a prática de todas as condutas previstas nos
verbos nucleares do crime do artigo 20, caput, da Lei Federal 7.716/1989, que
é de ação múltipla, mas não indica como ele teria incorrido em cada uma
delas.
Ao contrário, limita-se a descrever os trechos do seu
discurso que teriam, em tese, cunho delituoso, repetindo ipsis literis a
descrição típica sem delimitar quais verbos ali contidos estariam configurados
na espécie e, muito menos, associá-los de maneira direta a qualquer das falas
do DEFENDENTE. Vejamos:
“Especificamente quanto aos trechos 37:12, 48:13 e 49:25 da fala
do parlamentar no Clube Hebraica, em 3 de abril de 2017,
extrai-se que o denunciado, de maneira livre e consciente,
também praticou, induziu e incitou discriminação e
preconceito contra comunidades quilombolas”.
(...)
“Já nos trechos 16:00, 17:16, 56:44 e, principalmente, aos 58:05
do vídeo, JAIR BOLSONARO incita a discriminação entre seus
ouvintes em relação aos estrangeiros, principalmente ao
sustentar situações de envolvimento destes com práticas de
guerrilha e luta armada, conforme se extrai do seguinte trecho,
já acima transcrito no contexto integral da fala do denunciado:
'Mas dentre esses uma minoria que pode fazer um estrago muito
maior do que nós enfrentamos, em especial de 66 a 73, numa luta
armada e na guerra e guerrilha dentro do nosso Brasil'.
Estas manifestações feitas pelo acusado, de incitação a
comportamento e sentimento xenofóbico, reforça atitudes de
violência e discriminação que são vedadas pela Constituição e
8
pela lei penal, notadamente em face de estrangeiros ou
imigrantes, como se pode aferir (...)”.
E, ao final, conclui que:
“Ao assim agir, JAIR MESSIAS BOLSONARO praticou a
conduta ilícita tipificada no art. 20, caput da Lei 7.716/89, vez
que, em seu discurso tratou os quilombolas como seres
inferiores, igualando-os a mercadoria (discriminação) e ainda
reputou-os inúteis, preguiçosos (preconceito) e também incitou
a discriminação em relação aos estrangeiros, estimulando os
presentes no Clube Hebraica, um público de cerca de trezentas
pessoas, além de outras pessoas que tiveram acesso a vídeos
divulgados do evento, a pensarem e agirem de igual forma
(induzimento e/ou incitação)”.
Percebe-se, desse modo, que a D. Procuradora-Geral
da República exerceu a função constitucional de acusadora pública, mas o fez
em desacordo às exigências legais. Não cuidou de especificar de que modo o
DEFENDENTE praticou, induziu e/ou incitou, a discriminação e/ou preconceito
contra a comunidade quilombola e estrangeiros.
Afinal, os verbos nucleares criminalizados pela Lei
Federal nº 7.716/1989 vedam a prática de condutas diferentes: praticar é
realizar materialmente o ato – ou seja, fazer algo você mesmo7; incitar, por
sua vez, traduz a ação de estimular, encorajar (alguém) a fazer determinada
coisa8, criando “uma ideia, até então inexistente, na cabeça de alguém”9; por
fim, induzir, de acordo com a dogmática penal, tem sido interpretado como
7 PRADO, Luiz Regis. Leis penais especiais: parte I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009,
p. 31.
8 Dicionário Houaiss da língua portuguesa / Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar, elaborado pelo
Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. 1 ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1065.
9 RANGEL, Paulo; BACILA, Carlos Roberto. Lei de Drogas: Comentários Penais e Processuais. São
Paulo: Editora Atlas S.a, 2015. 107 p.
9
“inspirar, incutir, sugerir, persuadir” 10 alguém à prática de ideia já
preexistente11.
São, como é possível perceber, condutas diversas que
exigem atos distintos entre si para sua consumação. Alguns dos verbos
nucleares chegam até a ser contraditórios entre si, como incitar e induzir, já
que o primeiro é o estímulo de opinião já existente, enquanto o segundo
depende da criação de ideia até aquele momento inexistente na mente do
influenciado.
E mais, não é qualquer incitação ou induzimento que
permite a incidência da norma penal. Conforme será abordado adiante (v.
tópico III.1), somente o estímulo à prática de condutas criminosas é que se
mostra do interesse do Direito Penal (art. 31, do Código Penal), razão pela
qual cabia ao órgão acusador indicar qual ação criminosa teria sido
estimulada pelo discurso do acusado.
A mesma situação ocorre com os objetos dos verbos
nucleares. Afinal, o DEFENDENTE praticou/induziu/incitou a discriminação, o
preconceito ou os dois? Contra quilombolas e/ou estrangeiros? Cumpre
indagar, porque da peça acusatória não é possível depreender qual da
afirmação supostamente delituosa teria configurado cada uma das condutas
ora tipificadas.
Cabia ao D. Parquet Federal, para acusar o
DEFENDENTE, indicar dentre os trechos do seu discurso qual caracterizou cada
um dos verbos nucleares e, além disso, em prejuízo de qual de seus objetos.
Isto é, qual configurou a prática, incitação ou induzimento, se de
discriminação ou de preconceito e, por fim, contra quem.
Essa deficiência torna a r. denúncia genérica e
impossibilita a compreensão dos limites da acusação formulada. Peças
inaugurais tais como essa já foram objeto de apreciação por esse E. Supremo
Tribunal Federal que assim decidiu:
10 PRADO, Luiz Regis. Leis penais especiais: parte I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009,
p. 31.
11 JESUS, Damásio de. Lei Antidrogas. São Paulo: Saraiva, 2010. 138 p.
10
“denúncia imprecisa, genérica e vaga, além de traduzir
persecução criminal injusta, é incompatível com o princípio
da dignidade humana e com o postulado do direito à defesa e
ao contraditório.
Ou seja, a denúncia deve projetar todos os elementos –
essenciais e acidentais – da figura típica ao caso concreto,
descrevendo as circunstâncias dessa projeção”12.
Não se pode olvidar que a mera existência de
imputação penal traz ônus ao acusado, ainda mais em se tratando de
representante popular, acusado de crime de tamanha gravidade, imprescritível
e inafiançável (artigo 5º, inc. XLII, da Constituição Federal). Por isso é que se
exige rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas
ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.
A descrição deficiente da conduta criminosa também
impacta diretamente no exercício do contraditório e ampla defesa (art. 5º, inc.
LV e LVI, da Constituição Federal) do DEFENDENTE que, diante dessa situação,
vê-se com ônus de se defender de todos os cenários possíveis que
exsurgem da combinação de todas as condutas descritas no tipo com
todos objetos indicados, contra sujeitos diferentes: quilombolas,
estrangeiros e indígenas.
Ora Excelências, a acusação necessita de ser certa,
pois, conforme bem lembrado pela doutrina, ao tratar do direito do réu de ser
bem acusado:
“ainda que a denúncia ou acusação possam ser sucintas, não se
pode esquecer que o acusado se defende dos fatos a ele
imputados (com precisão e coerência), ou seja, ele se defende
não do universo de fatos eventualmente constantes dos autos,
12 Inq 3.752/DF, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 22/10/14
11
mas dos fatos que, desse universo, o órgão acusador resolver,
com precisão, destacar e imputar-lhe a autoria”13.
Ante o exposto, considerando que a inicial acusatória
falha no atendimento das formas essenciais ao ato, constantes no artigo 41,
do Código de Processo Penal, bem como por afrontar os princípios da ampla
defesa e do contraditório (art. 5º, inc. LV e LVI, da Constituição Federal), deve
a denúncia oferecida ser rejeitada, nos termos do artigo 395, inciso I, do
Código de Processo Penal.
III. ATIPICIDADE DOS FATOS
O D. Órgão acusador sustenta que trechos da palestra
do DEFENDENTE se amoldariam às condutas previstas no crime do artigo 20,
caput, da Lei Federal 7.716/1989. Contudo, diferentemente do quanto
exposto, as declarações do parlamentar não configuram a prática,
incitação e induzimento de discriminação e preconceito.
É o que será demonstrado a seguir.
III.1. Inexistência de incitação e induzimento a discriminação e
preconceito
Acusa-se o DEFENDENTE de ter incitado e induzido a
prática de discriminação e preconceito. No entanto, na inicial acusatória, não
há descrição de nenhuma conduta do autor que visasse estimular a prática de
ação delituosa por parte dos supostos influenciados, o que inviabiliza a
tentativa de criminalização do comportamento narrado.
Explica-se.
O conteúdo semântico dos verbos incitar e induzir
correspondem à ação do agente de estimular comportamentos alheios.
13 https://www.conjur.com.br/2014-set-08/constituicao-poder-direito-bem-acusado-ou-nem-tudo-
numa-acusacao. Acesso em 28.05.2018, às 17h00.
12
Logo, no caso do crime do artigo 20, da Lei Federal
7.716/1989, a tipicidade da conduta de incitação ou induzimento depende do
estímulo à prática de ações discriminatórias e/ou preconceituosas que
tenham conteúdo delitivo. Caso contrário, estar-se-á excitando outrem a
conduta desinteressante ao Direito Penal e que jamais poderá ser punida.
Pois bem. Em nosso ordenamento jurídico, a legislação
responsável por definir os crimes de cunho discriminatório e preconceituoso é
a própria Lei Federal 7.716/1989.
Essa conclusão é alcançada a partir da leitura do
preâmbulo de tal diploma legal, no qual se estabelece que ele “define os
crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”. Também seu artigo
1º, alterado no ano de 1997 para ampliar seu escopo e abarcar as condutas
discriminatórias, dispõe que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional”.
Conclui-se, pois, que, para que sejam passíveis de
punição, as condutas de incitar e induzir previstas no mencionado artigo
20 devem ter como objeto um dos comportamentos tipificados nos
demais artigos da Lei Federal 7.716/1989 (art. 3º a 14). Afinal, o estímulo
a qualquer conduta que não esteja criminalizada impedirá a incidência da
norma penal.
Por esse motivo se conclui que a acusação, no caso
sub examinem, não descreveu nenhuma incitação ou induzimento a ações
discriminatórias e/ou preconceituosas que configurem crime.
Os crimes definidos pela Lei Federal 7.716/1989
tipificam condutas específicas, voltadas a negar acesso a cargos, empregos,
estabelecimentos (de ensino, comerciais, hotéis), uso de transportes etc., em
decorrência da condição da vítima. Trata-se, pois, de condutas ativas que
culminam em empecilhos empiricamente verificáveis àquele que é vítima da
discriminação ou preconceito.
13
A punição do comportamento incitador depende, pois,
intimamente, da tipicidade da conduta estimulada. O texto legal é expresso a
esse respeito e não deixa espaço para dúvidas. Não existe, pois, na conduta
do DEFENDENTE, nenhum ato que possa caracterizar as situações de
induzimento e incitação passíveis de punição pela norma penal.
Basta ler as transcrições de fls. 03/05 para perceber
que o DEFENDENTE não trata sobre política de admissão de cidadãos a cargos
ou empregos, públicos ou particulares, nem de ingresso de estudantes ao
sistema educacional, muito menos acerca da restrição de acesso a
estabelecimentos comerciais.
Essa circunstância é reconhecida pelo órgão acusador
no único momento da denúncia no qual tentou, sem sucesso, delimitar a
suposta incitação atribuída ao DEFENDENTE. A instigação criminalizada seria a:
(...) discriminação entre seus ouvintes em relação aos
estrangeiros, principalmente ao sustentar situações de
envolvimento destes com práticas de guerrilha e luta armada,
conforme se extrai do seguinte trecho, já acima transcrito no
contexto integral da fala do denunciado: 'Mas dentre esses
uma minoria que pode fazer um estrago muito maior do que nós
enfrentamos, em especial de 66 a 73, numa luta armada e na
guerra e guerrilha dentro do nosso Brasil'.
O trecho acima transcrito não descreve estímulo à
prática de nenhuma conduta criminosa. Por mais que a discriminação de
estrangeiros, por si só, possa ser comportamento moral e socialmente
reprovável – o que, conforme será demonstrado adiante, também não ocorreu
(v. tópico III.2.b) – jamais poderá configurar crime, porque não se subsome a
nenhum dos comportamentos previstos nos demais tipos penais da legislação.
Ademais, não se pode deixar de destacar que as
afirmações feitas pelo DEFENDENTE estão longe de caracterizar as situações de
induzimento e instigação a qualquer comportamento. Assim, além de não
terem por objeto condutas criminosas, a própria fala do parlamentar não teve
caráter estimulador de terceiros.
14
Ora, o simples fato das falas reproduzidas na
denúncia terem sido proferidas em discurso para público alvo de 300
(trezentas) pessoas não possui o condão de atribuir caráter ilícito ao ato.
Caso contrário, qualquer pronunciamento público sobre assuntos polêmicos
poderia se subsumir às hipóteses legais.
A instigação delitiva, porém, não se caracteriza pelo
local em que o agente faz suas afirmações, mas pelo teor da sua fala. Para
configurar crime, necessário que o parlamentar tivesse induzido, sugerido,
persuadido, ou incitado14 a audiência a apresentar comportamento
discriminatório ou preconceituoso. E da audição atenta dos mais de 60
(sessenta) minutos de palestra, verifica-se inexistir qualquer afirmação nesse
sentido.
Todo o dito ali não passou da exposição de opiniões
do DEFENDENTE, que em momento algum convidou aqueles que assistiam à
palestra a aderirem à sua visão pessoal acerca de estrangeiros e quilombolas.
Mais importante: muito menos estimulou o DEFENDENTE que os ouvintes de
seu discurso adotassem comportamentos prejudiciais a quaisquer dos
grupos aos quais fez referência. E, sem que haja esse estímulo à ação
proibida por lei, se está diante de verdadeira tentativa de criminalizar opiniões,
o que, por si só, é vedado pela Constituição Federal (artigo 5º, IV, da
Constituição Federal).
Há um ponto relevante, também, a ser observado. O
discurso, caso ato de expressão de pensamento, ou ato de comunicação,
também, deve ser avaliado com a perspectiva de quem o via e escutaria. Não
existia a mínima possibilidade de o DEFENDENTE perpetrar tais crimes, porque
a plateia era composta de pessoas com nível intelectual e discernimento, as
quais entenderam de plano o sentido crítico e jocoso da mensagem.
Não bastasse, surge no mínimo estranho querer ver,
num discurso político, realizado em clube de comunidade judaica carioca, a
intenção de incitar tal público à discriminação. Afinal, pós Segunda Guerra
14 Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico/ atualizadores: Negib Slaibi Filho e Priscila Pereira
Vasques Gomes – 31. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 743 e 759.
15
Mundial, ninguém mais do que os judeus sabem o dessabor do preconceito,
mostrando-se impermeáveis, como sabia o orador, ao ódio de raça e cor.
Para que não restem dúvidas, cumpre apontar o
que ocorre na denúncia ora ofertada: busca-se criminalizar o pensamento
do DEFENDENTE que, muito embora possa causar incômodo àqueles que
dele não compartilham, não encontram vedação legal, sendo-lhe, ao
contrário, resguardado seu direito de expressá-lo. Ao insinuar que, ao
expressar suas opiniões, o DEFENDENTE está a instigar os delitos descritos
na Lei 7.716/1989, a D. Procuradora-Geral da República intenta silenciar
vozes que, ainda que polêmicas, nada têm de ilegais.
Nesse contexto, outra solução não resta a esse E.
Supremo Tribunal Federal, que não absolver sumariamente o DEFENDENTE da
acusação de suposta prática de incitação e induzimento a discriminação e
preconceito contra quilombolas e estrangeiros, ante a atipicidade da conduta
narrada, nos termos do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal.
III.2. Inexistência de afirmações discriminatórias e preconceituosas
Passemos, agora, a análise da parte da r. denúncia
que acusa o DEFENDENTE de ter praticado a discriminação e o preconceito
contra quilombolas e estrangeiros, em razão dos trechos da palestra
reproduzidos na peça inaugural.
De antemão, cumpre destacar que a forma como o
Parquet Federal construiu a premissa acusatória impede a compreensão dos
limites da acusação, porque falha em definir o que seriam condutas
discriminatórias e preconceituosas.
É valido relembrar que discriminação e preconceito não
são características do ato que estão à mercê da interpretação valorativa pelos
operadores do Direito. Pelo contrário, são conceitos técnicos que delimitam os
contornos ilícitos das condutas praticadas.
Até porque, se assim não fosse, a conclusão sobre o
caráter preconceituoso ou discriminatório de cada conduta dependeria da
16
opinião subjetiva dos Magistrados, e não da adequação do fato aos limites do
tipo penal, em ofensa ao princípio da legalidade (art. 5º, inc. XXXIX, da
Constituição Federal e art. 1º, do Código Penal).
Dessa forma, a Lei Federal 7.716/1989 se apresenta
como norma penal em branco, vez que incorpora em seu conteúdo conceitos
técnicos que precisam ser definidos em lei específica a fim de viabilizar a
compreensão do caráter proibitivo da conduta15.
No entanto, apesar do legislador ter feito uso da
técnica legislativa da remissão, incluindo esse conceito técnico como um dos
elementos do tipo penal, falhou em trazer, no mesmo diploma legal, a sua
definição.
E nem se diga que essa falha legislativa poderia ser
suprida importando-se à Lei Federal 7.716/1989 o conceito de discriminação
racial exposto no Estatuto da Igualdade Racial (Lei Federal 12.288/2010).
Em primeiro, porque tais diplomas possuem objetos
diversos. O Estatuto da Igualdade Racial instituiu normas voltadas a “garantir
à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos
direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às
demais formas de intolerância étnica” (art. 1º), ao passo que a norma de
natureza penal em questão (Lei Federal 7.716/1989) tipifica crimes
resultantes de tratamento diferenciado em decorrência de “raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional”.
Mesmo que assim não fosse, o Estatuto da Igualdade
Racial é expresso ao restringir que tais conceitos devem ser utilizados
somente à finalidade daquela própria lei (art. 1º, parág. único) e o direito
penal, dada a sua natureza, opera sob o regime da interpretação restritiva da
norma.
15 A esse respeito, Frederico Horta disserta: "um elemento normativo só será também um elemento em
branco da lei penal, independentemente do escalão da norma que o defina, quando seu sentido venha a ser especificamente conferido por um imperativo, isto é, quando por meio dele a lei se referir ao próprio preceito ou a parte do preceito cuja inobservância se pune" Elementos normativos das leis penais e conteúdo intelectual do dolo: Da natureza do erro sobre o dever extrapenal em branco. 1ª ed. São Paulo: Marcial Pons, 2016. Coleção Direito Penal & Criminologia, p. 93.
17
Portanto, o exercício da defesa ao caso é, mais uma
vez, prejudicado (art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal), já que não se sabe,
tecnicamente, quais condutas o legislador considera discriminatórias e
preconceituosas, a fim de legitimar futura restrição da liberdade do indivíduo
(art. 5º, da Constituição Federal), e, ao acusar, não cuidou o D. Parquet
Federal de suprir essa imprecisão legislativa.
Contudo, mesmo diante dessa falha, o DEFENDENTE, a
fim de demonstrar que jamais se pronunciou de forma criminosa, e que em
suas palestras não houve qualquer tipo de afirmação discriminatória ou
preconceituosa, adota por base as explicações aos conceitos encontradas na
doutrina.
RICARDO ANTONIO ANDREUCCI16, ao tratar de crimes
raciais, explica que a discriminação "expressa a quebra do princípio da
igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferência, motivado por raça,
cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas", enquanto o
preconceito "indica opinião ou sentimento, quer favorável, quer desfavorável,
concebido sem exame crítico, ou ainda atitude, sentimento ou parecer insensato,
assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência
pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância.”.
Ou seja, enquanto o preconceito é a mera opinião
intolerante, a discriminação exige do agente a efetiva ação de tratamento
diferenciado. E, conforme será analisado adiante, nenhuma das afirmações
pronunciadas pelo DEFENDENTE apresenta conteúdo discriminatório ou
preconceituoso.
III.2.a. Sobre as afirmações direcionadas às comunidades quilombola
Equivoca-se a D. Procuradoria-Geral da República ao
dizer que o DEFENDENTE teria se pronunciado de forma discriminatória e
preconceituosa sobre as comunidades quilombolas, nos minutos 37:12, 48:13
e 49:25 da palestra.
16 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. 437 p.
18
Os trechos transcritos na inicial acusatória foram
reproduzidos fora de contexto, o que prejudica a compreensão do conteúdo
das afirmações.
A própria teoria da comunicação destaca que os efeitos
cognitivos das mensagens dependem dos significados que lhe são atribuídos,
também pela cultura e contexto de quem está a comunicar17. Por isso é que
toda fala deve ser interpretada em conjunto com todos os seus elementos “pois
eles se influenciam reciprocamente, e tal dependência é fundamental no
momento das decisões e atitudes que seguem as relações de comunicação” 18.
No mesmo sentido, aqueles que trabalham com as
mensagens devem fidelidade às comunicações: “É um compromisso com a
mensagem transmitida que não pode chegar ao receptor de forma distorcida,
senão, não cumprirá seu objetivo primeiro, que é comunicar”.
Por essa razão é que qualquer excerto retirado de
seu contexto pode ser completamente ressignificado pelo autor do seu
recorte. O entendimento íntegro da mensagem transmitida só é plenamente
assegurado quando determinado trecho é interpretado em seu contexto
original.
Pois bem.
Na palestra proferida no Clube Hebraica, o DEFENDENTE
tratou sobre diversos temas políticos, criticando alguns projetos de Governo e
elogiando outros – sempre em consonância com as pautas às quais se filia.
Dentre outros assuntos, sustentou a impropriedade de determinadas reservas
indígenas e quilombos, à luz do prejuízo que trazem ao desenvolvimento
econômico do Brasil e do emprego racional dos escassos recursos públicos
federais.
17 Sousa, Jorge Pedro. Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Medias. 2ª ed. rev. e
ampl., p. 22. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-elementos-teoria-pequisa-comunicacao-media.pdf. Acesso em 30.05.2018, às 10h01min. 18 Hadad, Carla Thereza dos Santos. Ruído: Presença, interferência e consequência. Disponível em:
http://carlahadad.blogspot.com/2011/06/ruido-presenca-interferencia-e.html. Acesso em 30.05.2018, às 10h09min.
19
As falas apontadas como ofensivas aos quilombolas
integravam, pois, crítica ampla e genérica à política de demarcação de terras e
os impedimentos que podem trazer à geração de riqueza e emprego.
O uso da unidade de medida “arroba19” (37:12) para se
referir ao peso dos quilombolas, cumpre esclarecer, não se deu para
desumanizá-los ou equipará-los a animais, como sugeriu o órgão acusador.
Trata-se, tão-somente, de uma hipérbole, voltada a enfatizar o discurso, e não
a menosprezar ou discriminar.
Aliás, a associação de tal unidade de medida –
utilizada para incontáveis outros fins que não a pesagem de animais - exsurge
fruto da visão parcial do D. Órgão Acusatório em relação ao DEFENDENTE, que,
em sua fala, nenhum indício deu de que selecionou o termo “arroba” com o fim
de associar quaisquer seres humanos a animais.
Portanto, a interpretação feita pelo Parquet, de que o
emprego da unidade de medida “arroba” se deu com o intuito de menosprezar
a comunidade quilombola, não passa de mero exercício interpretativo-
criativo sobre as frases isoladas do seu contexto original.
A mesma sorte recai sobre o comentário feito pelo
DEFENDENTE de que os quilombolas “não fazem nada”, o qual não foi proferido
com a intenção de depreciá-los “apenas por sua condição pessoal”, como expõe
a D. Procuradoria-Geral da República. Pelo contrário, foi utilizado como forma
de expressão em contexto no qual destacava os aspectos negativos observados
da visita feita à comunidade de Eldorado Paulista, em especial a postura
assistencialista adotada pelo Governo em relação aos membros de tal
comunidade.
Nesse momento da palestra, o DEFENDENTE discorria
sobre os prejuízos que a demarcação das terras indígenas e quilombolas
trazem ao Governo Federal. Criticou, com isso, o gasto de vultuosas quantias
financeiras para preservação das comunidades e seus integrantes (“Mais de
um bilhão de reais por ano gastado”), ao passo que o mesmo local poderia ser
utilizado para construção de obras rentáveis, tal como as hidrelétricas.
19 Unidade de medida de peso que equivale a 15kg.
20
O caráter crítico do discurso do DEFENDENTE exsurge
do próprio conteúdo da palestra, principalmente dos temas tratados após o
minuto 37:15 – convenientemente transcrito fora de contexto pelo órgão
acusador.
Após repreender a política de demarcação de terras
das comunidades quilombolas, o DEFENDENTE segue tratando de assuntos
contemporâneos de interesse popular. Discorre, assim, acerca da luta de
classes no Brasil (38:46), da falta de medidas de educação eficazes (39:32), da
desvalorização dos professores na rede pública e privada (40:14), dos temas
priorizados no currículo pedagógico (41:00; 42:37; 43:30), bem como do
ambiente agressivo que se instalou nas escolas, também por conta do uso de
drogas (41:39).
Após se pronunciar sobre todos esses temas, o
DEFENDENTE tratou sobre a desigualdade social, criticando, de forma
construtiva, o “Bolsa-Família” – política de governo que divide a opinião dos
brasileiros20. Censurou a forma como o programa atrapalha, por exemplo, o
cálculo sobre os índices de desempregados no Brasil, ao dizer que “nós não
temos 12 milhões de desempregados, nós temos 40 milhões, por que eles
consideram quem tem bolsa-família como empregado” (48:13).
Foi nesse contexto – e não o de crítica às comunidades
quilombolas, sobre quem o DEFENDENTE havia falado 12 minutos antes na
palestra – que ele tratou sobre a postura àqueles que se encontram em
desvantagem econômica no Brasil, falando, por exemplo, daqueles que pedem
esmolas em faróis (48:13). Não há qualquer caráter discriminatório ou
preconceituoso em se manifestar sobre o assunto!
E, seguindo no debate sobre temas polêmicos – afinal,
outra postura não se espera dos representantes do povo senão discutir
questões que importam à pauta nacional, ainda que sejam desagradáveis – o
DEFENDENTE criticou o repasse de valores às Organizações Não
20 Como se extrai da pesquisa feita pela Universidade Estadual de Campinas (SP):
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/op/article/view/8641334/9157. Acesso em 29.05.2018, às 16h10.
21
Governamentais, e repetiu sua opinião sobre as demarcações de terra para
comunidades indígenas e quilombolas (49:25).
Curioso observar como a inicial acusatória distorce o
contexto em que proferidos os trechos destacados. Isso porque, após dizer que
[se for eleito presidente da república] “não vai ter um centímetro demarcado pra
reserva indígena ou pra quilombola”, posicionando-se quanto à impropriedade
de determinadas reservas indígenas e quilombos, o DEFENDENTE disse “com
parcerias nós vamos resgatar esse Brasil”.
Ou seja, da análise contextualizada das falas do
DEFENDENTE, se percebe que as afirmações destacadas pelo órgão acusador
não constituíram discurso discriminatório ou preconceituoso. Em sentido
contrário, suas exposições são verdadeiras críticas às políticas públicas
brasileiras, expostas na r. denúncia totalmente fora de contexto.
III.2.b. Sobre as afirmações direcionadas aos estrangeiros
De igual maneira, também é prematura a conclusão
alcançada pela D. Procuradoria-Geral da República de que o DEFENDENTE teria
se pronunciado de forma discriminatória e preconceituosa sobre os
estrangeiros, nos minutos 16:00, 17:16, 56:44 e 58:05 do vídeo.
Trata-se, mais uma vez, de manifestações políticas,
que foram retiradas de contexto e assim impedem a compreensão do real
conteúdo veiculado pelo DEFENDENTE em sua palestra.
Conforme exposto anteriormente, no discurso feito em
03 de abril de 2017, o parlamentar abordou diversos temas polêmicos
pertinentes ao desenvolvimento nacional. Após se manifestar sobre a
demarcação das terras quilombolas, desigualdade social, “Bolsa-Família”,
segurança pública, educação, drogas, etc., o DEFENDENTE tratou sobre os
refugiados abrigados pelo Brasil, principalmente no Estado de Roraima.
Em seu discurso, opinou sobre o grande fluxo de
imigrantes que chegam no referido Estado vindos da Venezuela, mostrando-se
22
desfavorável ao recebimento indisciplinado de refugiados, que impactam social
e economicamente a região, conforme ressaltam os economistas21.
Esse é o contexto no qual o DEFENDENTE disse ser
“contra estrangeiros aqui dentro” (16:00): durante o necessário debate sobre a
questão humanitária que é o abrigo de refugiados pelo Brasil.
A mera opinião contrária à aceitação indiscriminada de
refugiados e imigrantes dentro do território nacional não é criminalizada pela
Lei Federal 7.716/1989, também porque esbarraria na garantia constitucional
à liberdade de expressão (art. 5º, inc. IX, da Constituição Federal).
Para caracterizar as condutas vedadas pelo tipo penal,
exige-se que o agente pratique conduta segregacionista (discriminação), ou
faça juízo de valor previamente concebido a partir da condição de forasteiro do
sujeito (preconceito), circunstâncias estas que extrapolariam a manifestação
pública da opinião. Nenhum dos dois se mostra configurado in casu.
Nesse mesmo contexto, seguindo na crítica à postura
adotada pelo atual Governo Federal sobre o recebimento de refugiados no
Estado de Roraima, o DEFENDENTE destacou a necessidade de políticas
públicas e definição de critérios para recepcionar os estrangeiros:
“se aceita, vamos criar campos de refugiados. Se não aceita,
devolve. O Brasil não pode se transformar na casa da mãe
Joana. Não pode a decisão de um governo acolher todo mundo
de forma indiscriminada. Não tem problema vir pra cá quem
quer que seja, mas tem que ter um motivo e um levantamento
da vida pregressa dessas pessoas” (56:44).
Observa-se que, apesar de se definir como nacionalista,
cuidou o DEFENDENTE de destacar aos ouvintes não ser contra o
acolhimento dos refugiados no Brasil. Disse, de maneira expressa, ser a
favor da criação de políticas públicas direcionadas à sua recepção para
21 https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2018/02/26/internas_economia,940110/a-crise-
dos-refugiados-em-roraima-e-a-imigracao-em-massa-para-a-europa.shtml. Acesso em 29.05.2018, às 18h14min.
23
minimizar os impactos na vida dos cidadãos brasileiros. Esse é o verdadeiro
contexto no qual as declarações foram feitas, e não para discriminar
indivíduos de procedência estrangeira.
Destaca-se também que não são atingidos pela norma
incriminadora os trechos em que o DEFENDENTE cita as graves consequências
que o acolhimento indiscriminado de estrangeiros pode trazer ao País, em
referência à época do regime militar (58:05).
Não se pode esquecer que, apesar de o abrigo de
refugiados ser uma questão humanitária, o aumento exponencial da
população nos Estados se reflete na qualidade dos serviços básicos como
saúde, moradia, educação e emprego, principalmente na vida daqueles que
dependem exclusivamente do serviço público para subsistência.
Portanto, deduzir que o parlamentar incita
comportamento e sentimento xenofóbico, somente por mencionar período
histórico com “práticas de guerrilha e luta arma”, conforme sugeriu o D.
Parquet Federal, é mais um recurso utilizado pela acusação para fazer
conjecturas sobre trechos do seu discurso retirados de contexto.
Até porque, importante relembrar, o discurso do
parlamentar foi feito no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, local de reunião da
comunidade judaica, que sofreu com a perseguição do seu povo e o
antissemitismo desde a antiguidade até o nazismo. Por essa razão, beira o
absurdo argumentar que o DEFENDENTE, futuro candidato à Presidência da
República, iria estimular a xenofobia justamente neste ambiente e ser tão bem
recepcionado.
Por todas essas razões é que não há conteúdo
discriminatório ou preconceituoso contra os estrangeiros no discurso do
DEFENDENTE.
III.2.c. Das afirmações direcionadas aos indígenas
Do mesmo modo, também fogem aos contornos do
ilícito penal apontado na denúncia as críticas feitas à forte presença da
24
comunidade indígena no Estado de Roraima, seguidas da afirmação de “hoje
você não pode fazer uma hidrelétrica” (17:16).
Novamente, o contexto em que proferidas as
afirmações demonstra que o DEFENDENTE discorria sobre os abundantes
recursos minerais presentes na região, que poderiam ser convertidos em
benefício do Estado (como ouro, bauxita e diamante, citados aos 17:2622), caso
permitida a exploração da região ocupada pela comunidade indígena.
Ora, não há nada de discriminação ou preconceito em
criticar as políticas públicas adotadas pelos governantes atuais, ainda que os
destinatários de tal política sejam minorias!
Ir contra decisões de governo que beneficiam
determinado grupo de cidadãos não denota preconceito ou discriminação,
mas, tão-somente, opinião política, sem qualquer juízo pessoal quanto aos
indivíduos que o integram.
A demarcação das terras indígenas é sabidamente
tema polêmico, altamente discutido pela população brasileira e pelo Congresso
Nacional, na busca de soluções para o melhor emprego dos insuficientes
recursos públicos federais.
Ante todo o exposto e, em virtude da inexistência
de afirmações discriminatórias e preconceituosas nos atos atribuídos ao
DEFENDENTE, contra quilombolas, estrangeiros e indígenas, verifica-se que
a conduta descrita na denúncia não se amolda aos limites do tipo penal
em questão, razão pela qual deve ser absolvido sumariamente, nos termos
do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal.
IV. IMUNIDADE PARLAMENTAR
Caso Vossas Excelências não concluam pela
inadequação das afirmações destacadas pelo órgão acusador aos limites do
22 "é um pedaço de terra riquíssimo (...), dentro de Roraima os senhores acham aqui tudo que existe na
tabela períodica, tudo, A a Z, minerais lá, (palavra ininteligível), ouro, bauxita, diamante, tudo (...)".
25
tipo penal do artigo 20, caput, da Lei Federal 7.716/1989, ainda assim os
pronunciamentos do DEFENDENTE não apresentam contornos de ilícito,
porquanto proferidos por agente parlamentar no exercício da sua função.
Os parlamentares são as vozes dos cidadãos dentro do
Congresso Nacional. Representam, dessa forma, a materialização do Estado
Democrático de Direito, assegurado por meio do voto popular. MIGUEL REALE,
catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, fez
importante observação sobre o assunto:
O Congresso, que é o órgão por excelência do processo
legislativo, é a imagem do povo que o elegeu. Muito embora
possa ser uma imagem que nos desaponte a todos, nem por
isso deixará ele de ser o espelho das opiniões dominantes, de
tal modo que um eleitorado desapontado com os seus
representantes está, no fundo, desapontado consigo mesmo.
(destacamos)23.
Dada a sua importância, historicamente foram
concebidas algumas garantias aos ocupantes de cargos públicos, a fim de
assegurar o pleno exercício da atividade política, em amparo à instituição – e
não ao seu ocupante.
A imunidade material é um dos mecanismos previstos
na Constituição Federal (art. 53, caput, da CF), que assegura a inviolabilidade
civil e penal dos parlamentares, "por quaisquer de suas opiniões, palavras e
votos", em proteção à vontade e soberania popular (art. 1º, inc. I, da CF), a fim
de evitar a ingerência de outros Poderes na atividade política24. FLÁVIA
PIOVESAN, ex-Secretária de Direitos Humanos, e GUILHERME FIGUEIREDO LEITE
GONÇALVES, em artigo escrito a respeito do tema destacaram que:
A imunidade parlamentar traz à tona a existência de um direito
reflexo: a reprodução da liberdade do indivíduo no âmbito
23 Reforma constitucional. Revista de Direito Público RDP 8/7 abr.-jun./1969.
24 A imunidade parlamentara no Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Constitucional e
Internacional, vol. 42/2003, jan-mar/2003, p. 190/206.
26
estatal. O laissez faire dependia do não condicionamento político
e da ausência de amarras no exercício do mandato parlamentar.
É, portanto, instituto idealizado e aplicado para
garantir aos parlamentares liberdade em suas manifestações, para que o
exercício da atividade política não possa, de maneira alguma, ser ameaçado
pelo receio de que os pronunciamentos dos representantes do povo se voltem
contra eles.
Por objetivar a proteção da atividade política, é que as
manifestações alcançadas pelo manto da imunidade material devem guardar
relação com o exercício do mandato legislativo do parlamentar.
O próprio Douto Ministro desse E. Supremo Tribunal,
Celso de Melo, já destacou que esse instituto não representa uma proteção
ilimitada ao parlamentar, restringindo sua incidência aos atos relacionados ao
ofício congressual:
Isso, no entanto, não significa que a imunidade material, hoje,
em face do texto constitucional vigente, tenha se elastecido a tal
ponto que abranja e proteja o congressista na prática de atos
qualquer, ainda que desvinculados do exercício do oficio
congressual. É evidente que somente serão passíveis dessa
tutela institucional, dessa especial proteção jurídico-
constitucional, os atos cuja prática seja, em verdade, imutável ao
exercício do mandato legislativo, havendo, pois, de identificar a
necessária existência de um nexo de causalidade entre a prática
do ato e o exercício da atividade legislativa”25.
Por outro lado, é consenso tanto na doutrina quanto
na jurisprudência que o parlamentar goza de suas prerrogativas sempre que
estiver no exercício do mandato e não somente quando estiver fisicamente
dentro das dependências do Congresso Nacional26.
25 Inq. n. 510-0/143, RTJ 135/512.
26 Jurisprudência a respeito: "QUEIXA CRIME CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. SUPOSTA
OFENSA PROFERIDA POR MÍDIA SOCIAL. DEPUTADO FEDERAL. IMUNIDADE PARLAMENTAR. ART. 53, CAPUT, CF. ABRANGÊNCIA. OFENSA GENÉRICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO. REJEIÇÃO.
27
As garantias, portanto, seguem o seu possuidor em
todos os locais em que a atividade política se fizer presente.
Daí é que se percebe que as falas do DEFENDENTE
tratadas neste caso foram pronunciadas por parlamentar no exercício da sua
função, e, caso venham a ser consideradas típicas, ainda assim estão
protegidas pela imunidade material.
Não há dúvida que a palestra realizada no Clube
Hebraica do Rio de Janeiro, aos 03 de abril de 2017, constituiu exercício de
atividade política. O DEFENDENTE estava no local na condição de Deputado
Federal, para falar sobre assuntos políticos. Veja-se, como exemplo, o convite
da Palestra, necessário ao ingresso no evento:
O Presidente do Clube afirmou, em declaração
fornecida, que “o Exmo Deputado Federal Jair Messias Bolsonaro foi convidado
pela HEBRAICA-RIO para evento particular em nossas dependências, restrito a
1. A inviolabilidade parlamentar abrange as manifestações realizadas fora do Congresso Nacional, inclusive quando realizadas por meio de mídia social, desde que presente o nexo causal entre a suposta ofensa e a atividade parlamentar. Precedentes. 2. Supostas expressões
ofensivas não direcionadas à querelante. 3. Ausência de vontade direta e inequívoca, por parte do querelado, de injuriar ou difamar. 4. Queixa rejeitada." Pet 5956, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-068 DIVULG 09-04-2018 PUBLIC 10-04-2018. E doutrina: "(...) De outra parte, assentou-se, igualmente, que a “a
imunidade parlamentar material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade” MENDES, Gilmar Ferreira;
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. 962 p.
28
convidados, na qualidade de parlamentar, a fim de palestrar sobre sua
visão geopolítica e econômica do nosso Brasil e de suas experiências
vividas em recente visita a Israel” (doc. 03).
Ressalta-se: ele estava lá como parlamentar, para
falar sobre as políticas nacionais. Até porque, não se pode esquecer, o
DEFENDENTE exerce, atualmente, o quarto mandato como Deputado Federal
do Rio de Janeiro e foi o candidato mais votado nas eleições ao contar com
o apoio de mais de 464 mil eleitores.
Fez-se presente, portanto, na qualidade de
representante do povo, palestrando sobre assuntos de relevância nacional,
para o seu próprio eleitorado!
Ao longo dos mais de 60 (sessenta) minutos de
palestra, o DEFENDENTE tratou sobre a política de demarcação das terras
quilombolas, desigualdade social, “Bolsa-Família”, segurança pública,
educação, drogas, refugiados, etc. Falou, também, sobre quais projetos
merecem destaque em contexto nacional e devem ser priorizados – como
permitir porte de arma aos cidadãos – ao passo que, no seu entender, outros
não merecem a destinação de tantos recursos estatais – como projetos sociais
e ONGs, por exemplo.
Todos os assuntos importam à população brasileira e
precisam ser discutidos e uma das funções do parlamentar é justamente fazer
a ponte entre o eleitorado e a pauta de assuntos em discussão no Congresso
Nacional. Por esse motivo, é tão comum que congressistas retornem aos
Estados que representam para interagir com a população e se inteirar das
demandas dos cidadãos.
É de conhecimento público que parte da agenda dos
parlamentares é realizada em Brasília, mas a outra parte é junto àqueles que
representa. Bem por isso é que existe uma gama de verbas acessórias
destinadas aos Deputados e Senadores, como suporte para que o
representante popular possa se deslocar e, se atualizando das demandas
locais e participando ativamente das discussões e votações na Casa
Legislativa.
29
É o caso, por exemplo, do auxílio moradia, CEAP (cota
para o exercício da atividade parlamentar), e verbas destinadas ao custeio das
viagens e missões oficiais.27
Graças a esse suporte, não apenas o DEFENDENTE,
mas tantos outros Deputados e Senadores, de diversos partidos eleitorais,
retornam às suas cidades para palestras e comícios populares, em
continuidade ao exercício da atividade política. Marco Feliciano, Deputado
Federal de São Paulo, esteve em abril do ano corrente na Câmara Municipal de
Mairiporã/SP; Marcelo Nilo, Deputado Federal da Bahia, esteve em colégio em
Feira de Santana/BA, em setembro de 2015; e Marcelo Freixo em palestra na
Escola de Serviço Social da UFRJ, em novembro de 201728.
É também natural que cada parlamentar tenha sua
maneira de se expressar. O DEFENDENTE é conhecido pelo estilo de fala
espontânea e informal, por vezes até jocosa, para se aproximar de seus
eleitores. Também é famoso por seu discurso intenso e constante debate de
assuntos desagradáveis – mas importantes – com os eleitores.
Ora Excelências, os recursos de linguagem utilizados
pelo DEFENDENTE para se expressar no exercício da atividade política são
próprios do seu estilo de discurso e não se aproximam dos excessos
penalmente puníveis. E, a respeito da intensidade das declarações públicas, e
como elas também estão protegidas pela imunidade material, MIGUEL REALE29
bem pontua:
Não resta dúvida que a imunidade se torna imprescindível na
medida e enquanto ampara a ação do parlamentar, que não
pode ser aferida como a de um particular no plano das relações
27http://www2.camara.leg.br/comunicacao/camara-noticias/camara-destaca/55a-
legislatura/gabinete-parlamentar/copy_of_resumo-de-verbas-e-cotas-parlamentares-3 e
http://www2.camara.leg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa/viagens-em-missoes-oficiais. Acesso em 16/06/2018, às 10h02min. 28 http://www.cfch.ufrj.br/index.php/27-noticias/854-ess-ufrj-promove-debate-com-marcelo-freixo,
http://felicianofilho.com.br/novo/feliciano-palestra-hoje-em-mairipora e http://www.jornalgrandebahia.com.br/2015/09/alba-deputado-marcelo-nilo-visita-colegio-nobre-e-apresenta-palestra-referente-ao-projeto-legislativo-nas-escolas/. Acesso em 16/06/2018, às
10h11min.
29 Reforma constitucional. Revista de Direito Público RDP 8/7 abr.-jun./1969.
30
privadas. Certa veemência na crítica, certa audácia nas
afirmações, qualificáveis como atos de difamação ou de
injúria, justificam-se quando o que as suscita é a aspiração do
bem público: e elas seriam impossíveis, nos choques com os
potentados das finanças, as artimanhas do juridicismo caviloso
e a força nua dos órgãos governamentais, se o deputado ou o
senador não tivessem, a protegê-los, o instituto da imunidade,
que lhes assegura a palavra livre e franca, e lhes preserva a
liberdade pessoal. (destacamos).
É por isso que as afirmações pronunciadas pelo
DEFENDENTE, ainda que dotadas de recurso de linguagem voltados a
intensificar o discurso, também constituem exercício da atividade política, em
particular quando direcionadas ao debate de temas polêmicos.
Como resultado, ainda que se considerem típicas as
falas do DEFENDENTE, elas estão protegidas pela imunidade material e são
invioláveis civil e penalmente, nos termos da Constituição Federal (art.
53, caput).
É certo que a doutrina não é unânime quanto à
classificação da imunidade material – se cláusula de excludente de ilicitude,
como RENÉ ARIEL DOTTI30, ou excludente de punibilidade, como LUIZ RÉGIS
PRADO31 – mas é consenso quanto ao seu resultado: a impossibilidade de
adequação típica da conduta e aplicação de qualquer punição ao
parlamentar.
Por fim, ressalta-se que, acerca da possibilidade de
punição dos representantes do povo pelos eventuais excessos no exercício da
atividade política, existem doutrinadores que avançam na discussão e
defendem que a única possibilidade de julgamento dessas ações é pelos seus
30 “Entendo, porém, que a cláusula de imunidade parlamentar, assim como está posta em nossa lei
fundamental, tem caráter absoluto e excludente geral de ilicitude. Muito mais que o exercício regular de
um direito, as opiniões, as palavras e os votos do representante popular caracterizam o estrito cumprimento de dever legal ( CF (LGL\1988\3) art. 53, c/c o art. 23, III, primeira parte, do CP (LGL\1940\2)).” Imunidade parlamentar. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 22/1998 | p. 277 - 285 | Abr - Jun / 1998
31 "(...) A imunidade material ou inviolabilidade constitui causa pessoal de isenção de pena, 44isto é,
"exclui da incidência penal determinadas pessoas, retirando-lhes a qualidade de destinatários da lei criminal" (...)" Apontamentos sobre a punibilidade e suas condicionantes positiva e negativa. Revista
dos Tribunais, vol. 776/2000, p. 440/452.
31
próprios semelhantes: integrantes do Congresso Nacional, representantes do
povo. Um deles é RENE DOTTI32 que, ao comentar o famoso caso do Senador
Roberto Requião33, disse:
A única hipótese de responsabilidade do parlamentar pelos
abusos que possa vir a cometer no desempenho do mandato é
a de natureza regimental. Essa conclusão, aliás, se harmoniza
com a histórica e secular carta: Bill of rights. Só o Parlamento
poderá exercer o seu poder de punição quanto aos excessos de
linguagem cometidos pelos seus membros.
É, aliás, o que a sabedoria centenária das Declarações de
Direitos já o demonstrou de forma insuperável com a cláusula
de proteção de 13.02.1689: “Que a liberdade de palavra e os debates
ou processos parlamentares não devem ser submetidos a acusação ou
apreciação em nenhum tribunal ou em qualquer lugar que não seja o
próprio Parlamento” (9.ª).
Ante todo o exposto, caso consideradas típicas as
afirmações feitas pelo DEFENDENTE, ainda assim não poderão ser punidas por
terem sido proferidas no exercício da atividade política e estarem abrangidas
pela imunidade parlamentar contida no artigo 53, caput, da Constituição
Federal.
Como consequência, requer-se, subsidiariamente, a
absolvição sumária do DEFENDENTE, nos termos do artigo 397, incisos I ou
II, do Código de Processo Penal.
32 “Entendo, porém, que a cláusula de imunidade parlamentar, assim como está posta em nossa lei
fundamental, tem caráter absoluto e excludente geral de ilicitude. Muito mais que o exercício regular de um direito, as opiniões, as palavras e os votos do representante popular caracterizam o estrito cumprimento de dever legal ( CF (LGL\1988\3) art. 53, c/c o art. 23, III, primeira parte, do CP (LGL\1940\2)).” Imunidade parlamentar. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 22/1998 | p.
277 - 285 | Abr - Jun / 1998
33 Acusado de crime de difamação cometido nas eleições de 1998, pois, em entrevista concedida à
Rádio Colméia, de Cascavel, no Paraná, em junho de 1998, teria ofendido a honra do governador, à época, Jaime Lerner, imputando-lhe a responsabilidade pela “quebra” do Banestado e querer fechar a
metade de suas agências e vende-lo “para os ladrões que roubaram o banco e querem comprá-lo com dinheiro do próprio banco”. Fonte:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=59741. Acesso em 16/06/2018, às 10h28.
32
V. PEDIDO
Em face de todo o exposto, requer-se:
(i) A rejeição da denúncia em razão das acusações genéricas formuladas pela
D. Procuradoria-Geral da República em face do DEFENDENTE, em
descumprimento ao art. 5º, inc. LV e LVI, da Constituição Federal e art. 41, do
Código de Processo Penal, nos termos do artigo 395, inciso I, do Código de
Processo Penal;
(ii) A absolvição sumária do DEFENDENTE, pela atipicidade da conduta a ele
atribuída, nos termos do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal;
(iii) Subsidiariamente, caso não haja acolhimento das demais teses
defensivas, o reconhecimento de que os atos praticados estão protegidos pela
imunidade parlamentar, com a absolvição sumária do DEFENDENTE nos
termos do artigo 397, incisos I ou II, do Código de Processo Penal.
Na remota hipótese de a presente ação penal ter
prosseguimento, requer-se a intimação e oitiva das pessoas abaixo
qualificadas como testemunhas de defesa.
Termos em que
Pede deferimento.
Brasília, 21 de junho de 2018.
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo
OAB/SP 124.516
Flávia Mortari Lotfi Juliana de Castro Sabadell
OAB/SP 246.694 OAB/SP 357.634
ROL DE TESTEMUNHAS
1) ONYX LORENZONI (DEPUTADO FEDERAL)
Endereço: Praça dos Três Poderes – Câmara dos Deputados, Gabinete: Anexo
IV, 8.º andar, gabinete 828, cep. 70160-900, Brasília, DF
33
E-mail: [email protected]
2) PAULO CHAGAS
Identidade 0154953715 (MD/EB) | CPF/MF – 154.355.200-53
Endereço: Rua 24 Norte, Lote 2, Bloco B, apto. 2602, Águas Claras, Brasília-
DF, CEP 71916-750
3) JORGE LUIZ CARDOSO
Identidade nº 020936112-0 (MD/EB) | CPF/MF nº 499.133.797-68
Endereço Rua das Tulipas nº 267, apto. 604, Vila Valqueire, Rio de Janeiro-
RJ, CEP 21330-400
4) CELSO MORAIS LUIZ
Identidade nº 04979524-8 (IFP/RJ) | CPF/MF nº 636.188.857-68
Endereço: Rua Fernandes da Cunha nº 1375, Jardim América, Rio de Janeiro-
RJ, CEP 21241-470
5) HELIO FERNANDO BARBOSA LOPES
Identidade nº 041996584-23 (MD/EB) | CPF/MF nº 008.917.437-23
Endereço: Rua Arambipe nº 135, Austin, Nova Iguaçu-RJ, CEP 26088-255
6) MARCELO LUIZ NOGUEIRA DOS SANTOS
Identidade nº 09.423.880-5 (Detran/RJ) | CPF/MF nº 018.175.817-24
Endereço: Rua das Corticeiras nº 343, apto. 103, Cidade da Alegria, Resende-
RJ - CEP 27525-350
7) ROSANE HOLENDER MENIUK DE ARAÚJO BARBOSA
Identidade nº 87.621 (OAB/RJ) | CPF/MF nº 042.961.307-57
Endereço: Praia de Botafogo nº 148, apto. 301, Botafogo, Rio de Janeiro-RJ,
CEP 22250-145
(fls. 33 da resposta à acusação de JAIR MESSIAS BOLSONARO nos autos nº 4694)
34
8) RENATA BUZAK
Identidade nº 06329616-4 (Detran/RJ) | CPF/MF nº 810.314.837-72
Endereço: Rua Caning nº 6, apto. 301, Ipanema, Rio de Janeiro-RJ, CEP
22081-040
(fls. 34 da resposta à acusação de JAIR MESSIAS BOLSONARO nos autos nº 4694)
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