8/14/2019 Iracema-estudo de obra
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Iracema, de Jos de Alencar
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Anlise
Em Iracema (1865) Jos de Alencar, ou por ter atingido a maturidade nos temas indianistas, ou porquenessa obra no h a rigor nenhum compromisso com uma afirmao nacional pela literatura, atinge seuromance mais bem estruturado, sob o ponto de vista esttico. Iracema o exemplar mais perfeito deprosa potica de nossa fico romntica, belssimo exemplo do nacionalismo ufanista e indianista, com oqual Alencar contribuiu com a construo da literatura e da cultura brasileira.
No romance h um argumento histrico: a colonizao do Cear, que se deu em 1606. Nele h apresena de personagens histricos: Martim Soares Moreno, o colonizador portugus que se aliou aosndios Pitiguaras e Poti, Antnio Felipe Camaro. Atravs do romance entre Iracema e Martim, Jos deAlencar romantizou o processo de colonizao do Cear, simbolicamente representativo do processo decolonizao do Brasil. Iracema apresenta uma espcie de conciliao entre o branco e o ndio, na medidaem que romantiza a dominao de um povo pelo outro. Desta forma insere nos cdigos artsticos doRomantismo europeu a temtica do processo de colonizao do pas. Com a obra se inaugura o mitoherico da ptria, de natureza indianista.
Portanto, o espao da obra o Estado do Cear e o tempo o incio do sculo XVII.
O relacionamento amoroso entre Iracema e Martim pode ser interpretado, simbolicamente, comometfora, como alegoria representativa do cruzamento das raas indgena e branca, ou seja, o nativo e oeuropeu colonizador. O desenvolvimento do enredo - ruptura de Iracema com o compromisso de virgemvestal e com sua tribo, sua entrega amorosa, seu abandono e sua morte, deixando o filho Moacir, "aqueleque nasce da dor", - todos esses elementos da trama narrativa confirmam a possibilidade de leiturasimblica. A prpria construo do personagem Iracema feita a partir da natureza, de comparaes comelementos da fauna e da flora americana , em geral brasileira e mais especificamente do Cear.
A ndia Iracema, que se entrega por amor a Martim, tem a funo de simbolizar, no romance, a presenado elemento nacional, da cor local, existente na criao de seus traos fsicos, que feita porcomparao com elementos da natureza. Embora psicologicamente Iracema se assemelhe s heronas
romnticas europias, constitui, nessa fuso de elementos da cor local com elementos do romantismoeuropeu, um mito fundador da ptria. De acordo com o romantismo europeu, Iracema pode sercaracterizada como um exemplo de "mulher-anjo" - virgem, delicada, bela, capaz de se sacrificar pelohomem que ama, Martim. Essa caracterstica de Iracema mostra que embora o narrador privilegie os seussentimentos e pensamentos ao longo da histria, idealizando o ndio, que ela representa, o seu ponto devista ao contar torna-se o do branco colonizador, na medida em que "europeiza" e "romantiza" Iracema.
Quanto importncia relativa das personagens, Alencar constri uma obra inteiramente distinta de OGuarani(e tambm do posteriorUbirajara, que data de 1874). Em Iracema, a relao amorosa entre ajovem ndia e o fidalgo portugus Martim domina toda a obra.
No difcil encontrar as fontes principais em que se inspirou Alencar: Iracema , num certo sentido (noo da imitao, evidentemente), a transposio deAtala, de Chateaubriand, autor que Alencar confessouter lido bastante. Temos, pois, o caso de uma composio homloga, pois apresenta vrios pontos emcomum: o tema da felicidade primitiva dos selvagens, que comea a se corromper diante da primeiraaproximao do civilizado; a idia do bom selvagem; o amor de uma ndia por um estrangeiro; a mortedas duas heronas, o extico da paisagem; enfim, nas duas obras de um conflito fundamentalrepresentado pela oposio de ndole dos dois mundos: o da velha civilizao europia e o Novo Mundoda Amrica.
O romance, na definio de Machado de Assis, uma "poema em prosa", um poema pico-lirico (paraMachado de Assis, um poema essencialmente lrico).
Elementos picos
- Presena do "maravilhoso" nas epopias e em Iracema.
O texto pico por ser narrativo. Jos de Alencar narra os feitos hericos dos portugueses na figura deMartim. Iracema, tambm, transformada em herona. O vinho de Tup que permite a posse de Iracema
(presena do "maravilhoso"). Alm disso, temos, tambm, a presena dos deuses indgenasrepresentando as foras da natureza.
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Elementos lricos
O amor de Iracema por Martim: Iracema a herona tpica do romantismo, que padece de saudades doamante, que partiu, e da ptria que deixou. Ela se enquadra dentro de uma corrente luso-brasileira cujoinicio data das cantigas medievais.
Toda a fora potica do livro advm dessa relao amorosa. A ao reduzidssima, o que d ao livro o
notvel espao lrico de que se valeu Alencar para escrever sua obra mais potica: a desorientao inicialde Martim, jovem fidalgo portugus, que se perdera nas matas... O surpreendente encontro com a jovemndia... A hospitalidade do selvagem brasileiro... O cime do guerreiro... O amor entre os representantesdas duas raas: lracema e Martim... A morada dos dois, afastados da tribo e da civilizao... A nostalgiade Martim por sua terra natal, suas viagens e a tristeza de Iracema com a mudana inesperada de seuamado... O nascimento de Moacir, filho da dor, e a morte de Iracema... Essa praticamente a sntese dafbula do livro.
Foco narrativo
A obra escrita em terceira pessoa, temos um narrador-observador, isto , um narrador que caracterizaas personagens apenas a partir do que pode observar de seus sentimentos e de seu comportamento,como se percebe no trecho: "O sentimento que ele (Martim) ps nos olhos e no rosto no o sei eu. Porma virgem lanou de si o arco e a uiraaba, e correu para o guerreiro, sentida da mgoa que causara."
(Captulo 2), especialmente no momento em que o narrador coloca em dvida a reao emocional deMartim, flechado por Iracema. O narrador conta a histria do ponto de vista de Iracema, isto , do ndio,privilegiando os seus sentimentos e no os de Martim, que representa o branco colonizador.
Personagens
Iracema (lbios de mel) ndia da tribo dos tabajaras, filha de Araqum, velho paj; era uma espciede vestal (no sentido de ter a sua virgindade consagrada divindade) por guardar o segredo de Jurema(bebida mgica utilizada nos rituais religiosos); anagrama de Amrica. Forte, sedutora, mas submissa.Herona trgica.
Martim Soares Moreno guerreiro branco, colonizador europeu, amigo dos pitiguaras, habitantes dolitoral, adversrios dos tabajaras; os pitiguaras lhe deram o nome de Coatiabo ("guerreiro pintado" - "tinhanas faces o branco das areias, nos olhos o azul triste das guas e os cabelos da cor do sol."
Moacir - Filho de Iracema e Martim, filho do sofrimento (Moaci = dor, ira = sado de).
Poti heri dos pitiguaras, amigo que se considerava irmo de Martim. Personagem histrico.
Irapu - chefe dos tabajaras; apaixonado por Iracema. Ciumento e corajoso. Seu nome significa "melredondo".
Caubi ndio tabajara, irmo de Iracema. No guardou rancor de Iracema, indo visit-la no exlio.
Jacana chefe dos pitiguaras, irmo de Poti. Seu nome significa "jacarand preto".
Valor simblico do personagem Moacir
Moacir simboliza o primeiro brasileiro nascido da miscigenao ndio X portugus. Duas vezes filho da dor
de Iracema: dela nascido e, tambm, dela nutrido. Tal mescla de vida e morte, de dor e de alegria, acha-se tematizada pelo leite branco, ainda rubro do sangue de que se formou.
Enredo
Durante uma caada, Martim Soares Moreno, personagem histrico responsvel pela colonizao doCear, se perdeu dos companheiros pitiguaras e se ps a caminhar sem rumo durante trs dias.
No interior das matas pertencentes tribo dos tabajaras, encontra-se com Iracema, filha do pajAraqum, da tribo dos Tabajaras, "os senhores das montanhas".
Ao deparar-se com Martim, surpresa e amedrontada, a ndia o fere no rosto com uma flechada. Ele noreagiu. Arrependida, a moa correu at Martim e ofereceu-lhe hospitalidade, quebrando com ele a flechada paz. Martim, por quem Iracema se apaixona, vai visitar a sua tribo. L encontra Irapu, o chefe, um
rival. Entretanto, o duelo entre ambos interrompido pelo grito de guerra dos Pitiguaras, "os senhores dolitoral", liderados por Poti (Antnio Felipe Camaro, personagem histrico), amigo de Martim.
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Nas entranhas da terra, magicamente abertas por Araqum, Iracema esconde-se com Martim e torna-sesua esposa, traindo o compromisso de virgem vestal, sacerdotisa da tribo e portadora do segredo dajurema, o segredo da fertilidade dos Tabajaras.
Durante o sono da tribo propiciado por Iracema, que a leva aos bosques da Jurema, onde os guerreirospodem sonhar vitrias futuras, h o reencontro entre Martim e Poti, que fogem guiados por Iracema. Elano revela a Martim o que houve entre ambos o himeneu, enquanto o jovem iniciava-se nos mistrios de
Jurema, s o fazendo depois da fuga.
Irapu encontra os fugitivos, trava-se um combate entre os Tabajaras e os melhores Pitiguaras,conduzidos por Jacava, irmo de Poti. Nesse combate, Iracema pede a Martim que no mate Caubi ("osenhor dos caminhos"), seu irmo, e por duas vezes salva a vida do estrangeiro. Os Tabajarasdebandam, deixando Iracema triste e envergonhada.
Iracema, Martim e Poti chegam ao territrio Pitiguara, de onde viajam para visitar Batuirit, o av de Poti,o qual denomina Martim Gavio Branco, fazendo, antes de morrer, a profecia da destruio de seu povopelos brancos.
Iracema engravida e, acompanhada de Poti, pinta o corpo de Martim, que passa a ser Coatiabo, "oguerreiro pintado", que s vezes tem momentos de grande melancolia, com saudades da ptria.
Um mensageiro Pitiguara leva a Poti um recado de Jacana, contando sobre a aliana entre os francesese os Tabajaras. Poti e Martim partem para a guerra; Iracema fica no litoral, em companhia de uma setaenvolvida em um galho de maracuj (a lembrana). Triste, recebe a visita de Jandaia, antiga companheirae trona-se como ela, "mecejana" (a abandonada).
Martim e Poti voltam vitoriosos; Martim sente mais saudades da ptria; Iracema profetiza a prpria morteque ocorrer com o nascimento do filho. Enquanto Martim estava combatendo, Iracema teve sozinha ofilho, a quem chamou de Moacir, filho da dor. Certa manh, ao acordar, ela viu sua frente o irmo Caubi,que, saudoso, vinha visit-la, trazendo paz. Admirou a criana, porm surpreendeu-se com a tristeza dairm, que pediu a ele que voltasse para junto de Araqum, velho e sozinho.
De tanto chorar, Iracema perdeu o leite para alimentar o filho. Foi mata e deu de mamar a algunscachorrinhos; eles lhe sugaram o peito e dele arrancaram o leite copioso para voltar a amamentar. Acriana estava se nutrindo, mas a me perdera o apetite e as foras, por causa da tristeza.
No caminho de volta, findo o combate, Martim, ao lado de Poti, vinha apreensivo: como estaria Iracema?E o filho? L estava ela, porta da cabana, no limite extremo da debilidade. Ela s teve foras paraerguer o filho e apresent-lo ao pai. Em seguida, desfaleceu e no mais se levantou da rede.
Morre Iracema. Suas ltimas palavras foram o pedido ao marido de que a enterrasse ao p do coqueirode que ela gostava tanto. O sofrimento de Martim foi enorme, principalmente porque seu grande amorpela esposa retornara revigorado pela paternidade. O lugar onde se enterrou Iracema veio a se chamarCear.
Martim retornou para sua terra, Portugal, levando o filho. No consegue permanecer l. Quatro anosdepois, eles voltaram para o Cear, onde Martim implantou a f crist. Poti se tornou cristo e continuoufiel amigo de Martim. Os dois ajudaram o comandante Jernimo de Albuquerque a vencer os tupinambse a expulsar o branco tapuia. De vez em quando, Martim revia o local onde fora to feliz e se doa desaudade. A jandaia permanecia cantando no coqueiro, ao p do qual Iracema fora enterrada. Mas a ave
no repetia mais o nome de Iracema. "Tudo passa sobre a terra."