INTRODUÇÃO
O tema a ser abordado nesta dissertação, é de suma relevância nos
dias atuais, principalmente diante da pobreza existente no Brasil, com grandes
diferenças entre as classes mais privilegiadas e as demais, sendo visível o
achatamento da classe média e a existência de uma classe muito baixa, na linha da
miséria.
Diante desse quadro, a garantia ao acesso à justiça se torna muito
mais penoso, não bastando a simples previsão legal do direito de ação, fazendo-se
mister garantir efetivamente esse direito de ação.
Para completar o quadro, é comum a manifestação de que a justiça
penal somente, ou quase toda, é destinada aos menos favorecidos
economicamente, diante da precariedade dos seus recursos em proporcionar uma
defesa de nível, o que levam muitos a cumprir uma prisão provisória
desnecessariamente, ou até mesmo em permanecerem presos, com sentença penal
condenatória transitada em julgado, além do tempo.
Quanto a Defensoria Pública, Instituição com respaldo na
Constituição Cidadã (artigo 134), cabe a difícil missão de tentar reverter esse
quadro, garantindo uma assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados
(artigo 5o., inciso LXXIV).
Diante disso, surgem as primeiras grandes dificuldades, já que sem
estrutura física e humana, a missão se torna muito mais árdua, sendo mister no
presente trabalho abordar alguns dos diversos temas relacionados com a Defensoria
Pública, sua existência, o porquê da sua necessidade, a estrutura, o funcionamento,
algumas diferenças, dados concretos das Defensorias existentes no Brasil, dentre
11
outros relativos a mesma, além, logicamente, dos princípios importantes para uma
defesa penal, do próprio conceito de jurisdição penal e por fim a correlação entre
todos os temas.
Não obstante, a crença na possibilidade do cumprimento dessa
missão incumbida a Defensoria Pública, com a certeza de que a mesma, apesar das
grandes dificuldades, caminha na trajetória correta, para auxiliar a efetivação do
almejado Estado Democrático de Direito e que leva a missão de abordar o tema,
dando-lhe, inclusive o título de DEFENSORIA PÚBLICA: ESTRUTURA E O
ADEQUADO FUNCIONAMENTO COMO GARANTIA AO CIDADÃO
HIPOSSUFICIENTE NA JURISDIÇÃO PENAL.
12
1 ASSISTÊNCIA JURÍDICA
1.1 Evolução histórica
A história relata que atos anti-sociais sempre foram praticados,
muitas vezes incentivados pela busca incessante de vantagens pessoais e pelas
desavenças daí advindas, porém, quase sempre foram punidos1, de início através da
vingança privada e posteriormente da vingança pública.
Sobre o tema escreve CERNICCHIARO2:
No período da vingança privada, além da reação do ofendido restar ao seu arbítrio, nenhuma limitação era reconhecida. Essa realidade somente se modificou com o talião e a composição, esta grandemente empregada no Direito germânico. A vindita era coletiva, grupal. Tanto por parte do grupo a que pertencia a vítima, como dirigida ao grupo do ofensor. A tribo e o clã sofriam a represália. Entendia-se que a agressão de alguém representava a animosidade de sua grei contra a do ofendido. No período da vingança pública, a reação ao agressor se torna politicamente organizada. A resposta ilimitada e individualmente definida cede passo à centralização do poder de punir do Estado. A pouco e pouco, manifesta tendência de afastar a generalização quanto às pessoas. O castigo centraliza-se apenas no agressor. A concretização da personalidade, com referência para aplicar a sanção penal, e recomendada no Iluminismo, resultado da revolução francesa.
No aspecto penal, observa-se claramente que com a evolução dos
tempos, passou-se a entender não ser a ofensa criminal feita por todo um grupo ou
por toda uma família a todo um outro grupo, ou a toda uma outra família, mas sim
um ato isolado, praticado por uma determinada pessoa contra a vítima.
1 PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo penal. O direito de defesa: repercussão, amplitude e limites, 3ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 15. 2 CERNICCHIARO, Luiz Vicente, COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal na Constituição. 3ª
ed., rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 90.
13
A punição saiu da esfera da simples vingança das partes, contra
todos, de forma desmedida, tomando a frente o Estado, que passa a visar à pessoa
do infrator, começando a surgir parâmetros para as punições.
As punições de início, mesmo feitas pelo Estado, não obedeciam a
critérios justos, porém, representam um avanço por terem saído da esfera da
vingança privada, por finalmente ter ocorrido à substituição da atividade do particular
pela do Estado, tanto na esfera cível como na penal.
Nasce diante do poder de punir do Estado, da troca da esfera
particular para a estatal, a necessidade de garantir uma defesa aos acusados.
Como se vê, muito cedo surgiu a preocupação com o fornecimento
de uma assistência jurídica para aqueles que não dispunham de recursos para
contratá-la.
Ocorre, no entanto, que a assistência jurídica, era vista não como
um direito, mas, sim, como uma caridade que era feita aos desafortunados, tendo
sido praticada em Roma, Atenas, havendo previsão no Código de Hamurabi, nas
legislações de Roma por Constantino, Códigos do Império Romano, nas normas da
Igreja, na Inglaterra no reinado de Henrique II e na França em 12783.
Verifica-se no Código de Hamurabi, datado, aproximadamente, do
ano de 2.000 a.C, uma preocupação com os direitos dos mais fracos, o que fica
claro na leitura do texto abaixo, extraído da parte final do Código4:
Eu sou o sábio governador guardião. Em meu seio trago o povo das terras de Sumer e Acad. Em minha sabedoria eu os refreio, para que o forte não oprima o fraco e para que seja feita justiça à viúva e ao órfão. Que cada homem oprimido compareça diante de mim, como rei que sou da justiça.
3 GIANNELLA, Berenice Maria. Assistência Jurídica no Processo Penal – Garantia para a efetividade
do direito de defesa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 17-20. 4 PINHEIRO, Ralph Lopes. História resumida do direito. 10ª ed. Rio de Janeiro: Thex Editora, 2001, p.
48.
14
Salienta-se que em Atenas, todos os anos eram nomeados dez
advogados para defender os carentes. Já Roma, graças a Constantino, trazia no
texto legal a necessidade de ser dado advogado ao pobre, diante da ausência de
condições econômicas para pagá-lo. Diga-se que os romanos entendiam primordial
garantir o direito à defesa, isso porque “a impossibilidade material de uma das partes
defender-se em juízo obscurecia o próprio poder do ‘Estado’”.5
A Igreja, durante a Idade Média, em face do Cristianismo e dos seus
princípios de proteção aos mais fracos, criou a figura do advocatus pauperum
deputatus et stipendiatus.6
O Rei da Inglaterra Henrique VII (1457-1509) garantia a assistência
jurídica aos hipossuficientes, tanto nas causas cíveis como penais, concedendo
isenção de custas judiciais e advogado gratuito.7
Portugal também seguiu a linha de conceder os benefícios da
proteção jurídica aos necessitados economicamente como esclarece ROBERT e
SÉGUIN:
Em Portugal, por influência do Direito canônico, a adoção das SIETE PARTIDAS (1260), mandada verter ao português por D. Diniz, serviu de fonte para as Ordenações Afonsinas (1446), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603), onde estava prevista a proteção jurídico penal aos carentes, com fundamento no princípio que determinava aos julgadores prestar ajuda à liberdade porquanto amiga da natureza.8
5 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência Jurídica, Assistência Judiciária e Justiça Gratuita. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.5/6. 6 Ibid., p.6. 7 ROBERT, Cinthia; SÉGUIN, Elida. Direitos humanos, acesso à justiça: um olhar da defensoria
pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.153. 8 Ibid., p.154.
15
Em 1532, Carlos V, no artigo 47 do seu Nêmesis, determinou que,
“não tendo o réu defensor, fosse-lhe designado um pelo juiz, com honorários pagos
pelo erário.” 9
Destaca-se, que a assistência fornecida era vista como caridade,
sendo que somente no século XVIII ocorreu o início da mudança do pensamento,
passando a encarar a situação como direito inerente do ser humano.
A mudança de visão tem como um dos pontos mais importantes a
Declaração de Direitos do Estado de Virgínia, de 1776, e a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, da França, de 1789, que passaram a apontar a
assistência jurídica como direito do homem e um dever do Estado, não mais como
benefício concedido por caridade ou benevolência, “isto porque estas declarações
cristalizaram o princípio do direito natural de que todos são iguais perante a lei,
fundamento da assistência jurídica pública.”10
Por sua vez, as Ordenações Manoelinas e as Filipinas que
vigoraram até a entrada do Código Civil de 1916, previam, como forma de diminuir
as barreiras existentes à Justiça, que as pessoas desfavorecidas economicamente,
poderiam contar com a dispensa do preparo para o recurso de agravo, mediante o
cumprimento de certas condições, bem como do preparo para o recurso de revista,
este cabendo ao Rei decidir, e a isenção do oferecimento da caução para alegar-se
suspeição do juiz.11
Fato interessante de ser notado é o de que, até fins do século XIX, a
legislação utilizada no Brasil, previa apenas a justiça gratuita e não o direito a
assistência de um advogado para os hipossufucientes economicamente. Assim, a
9CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal – Parte Geral, vol. II. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2002, p. 451. 10 GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p.19. 11
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p.7/8.
16
figura do advogado para os carentes pode ser vista a partir de 1870, quando foi
criado pelo presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, um
Conselho para prestar assistência judiciária aos pobres, posteriormente, com a
criação do cargo de Advogado dos Pobres, em 1880, que acabou sendo extinto,
seguindo dos Decretos n. 1030, de 14.11.1890 e 2.457, de 08.02.1897 e finalmente
o Decreto 19.408, de 18.11.1930 que criou a Ordem dos Advogados do Brasil,
regulamentado pelo Decreto 20.784, de 14.12.1931.12
No tocante à Ordem dos Advogados do Brasil, cita ROBERT e
SÉGUIN:
A Ordem dos Advogados do Brasil, criada em 1930, passou a ter desde então a assistência judiciária como sua exclusiva responsabilidade. Diante de tal fato, o que antes era uma recomendação aos advogados, passou a ser uma obrigação a ser cumprida, sob pena de multa. Essa obrigação persiste até hoje nas cidades onde não exista a assistência judiciária oficial.13
A previsão constitucional ao direito de assistência jurídica, surgiu na
Constituição de 1934, e será tratada em tópico separado.
Para efetivar esse direito, até poucos anos, o hipossuficiente
economicamente era obrigado a apresentar certidão de pobreza expedida pela
Autoridade Policial. Esse documento foi, felizmente, substituído pela simples
declaração do assistido de não possuir rendimentos suficientes para constituir
advogado e arcar com as despesas processuais, sob as penas da lei.14
Dessa maneira, com o passar dos tempos ocorreu a mudança da
visão sobre a necessidade de assistir juridicamente os desfavorecidos
12
GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p.22/23. 13 Op. cit., p.157. 14 Ibid., p.155.
17
economicamente, passando de caridade para respeito aos direitos, em face da
igualdade dos homens perante a lei.
Não obstante, sendo vista a assistência jurídica como direito, é
necessário que existam mecanismos para que seja assegurada, mecanismos estes,
que devem ser garantidos pelo Estado.
1.2 Assistência jurídica no direito estrangeiro
A garantia do direito de assistência jurídica aos hipossuficientes
economicamente faz parte de uma preocupação mundial, sendo certo que vários
países possuem normas expressas visando garantir o direito da assistência, razão
pela qual se destacará alguns países e seus sistemas.
De fato esse direito na Europa pode ser encontrado na Constituição
espanhola, artigo 119 e na Constituição da República da Itália, artigo 24, terceira
alínea. Países como Inglaterra, Suíça, Suécia, Holanda e Noruega também
garantem a assistência jurídica gratuita aos necessitados. 15
Não obstante, poucos países europeus constaram à garantia do
direito de assistência jurídica em suas Constituições, sendo encontrada, na grande
maioria, nas legislações infraconstitucionais.
Há, também, uma grande variação da forma de se prestar os
serviços, podendo ser feitos através da assistência jurídica pública, denominada em
15
MORAES, Guilherme Braga Penã. Assistência Jurídica Defensoria Pública – E o acesso à jurisdição no Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,1997, p. 28-30.
18
alguns como Defensoria Pública ou através de advogados particulares, remunerados
pelo poder público ou sem qualquer remuneração. 16
Na Espanha o direito a defesa é assegurado tanto pela Constituição
como por leis infraconstitucionais, repartindo-se em defesa de ofício propriamente
dita e defesa gratuita, sendo que a primeira ocorre quando designam um advogado
para o acusado que não o tenha ou que não tenha capacidade para fazê-lo,
independentemente da sua condição financeira. Já a segunda trata-se dos casos em
que a pessoa não tem condições econômicas para contratar um profissional ficando
a encargo do poder público. Salienta-se que o direito espanhol admite processo
penal sem defensor. 17
O serviço de assistência jurídica gratuita é prestado por advogados
inscritos para prestarem o serviço, que devem possuir requisitos mínimos exigidos
pela lei, sendo remunerados com fundos públicos, não havendo prestação por
funcionários públicos. A lei n. 1, de 10 de janeiro de 1996, que trata da assistência
jurídica gratuita na Espanha possui uma grande preocupação com a efetividade na
prestação do serviço, não permitindo que o profissional, quando atua em defesa
penal, deixe de recorrer, mesmo que entenda inoportuno o recurso. 18
A assistência jurídica espanhola engloba tanto a judicial como a
extrajudicial, fazendo jus tanto pessoas físicas como “entidades gestoras e os
serviços comuns de seguro social de Espanha, bem como as associações de
16
“Na maior parte das modernas sociedades, o auxílio de um advogado é essencial, senão indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa. Os métodos para proporcionar a assistência jurídica da maior parte dos países eram inadequados. Baseavam-se, em sua maior parte, em serviços prestados pelos advogados particulares, sem contraprestação (múnus honorificum).” CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 32. 17
GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 33-34. 18
Idem, p. 34-35.
19
utilidade pública e as fundações”, além dos “trabalhadores e beneficiários do sistema
de previdência social”, nos processos submetidos à jurisdição própria.19
Ademais, o benefício da assistência jurídica gratuita é estendido às
associações de consumidores e usuários de serviços públicos na realização de seus
fins estatutários, independentemente de comprovar a ausência de recursos
econômicos.20
Para ser concedido o benefício, a lei espanhola utiliza dois critérios,
analisados juntos: o primeiro é o critério objetivo, que leva em consideração à
situação econômica do pretendente ao direito e o segundo, o critério subjetivo, onde
são analisadas as circunstâncias diversas, tais como número de filhos, parentes
dependentes, estado de saúde, etc. Através da análise dos mesmos é ou não
concedido o benefício. 21
Por sua vez, o direito a assistência jurídica deverá ser solicitado ao
serviço de orientação jurídica do Colégio de Advogados, podendo o mesmo nomear
um profissional provisoriamente, e posteriormente, encaminhar o requerimento à
Comissão de Assistência Jurídica Gratuita, que confirmará a concessão mantendo a
nomeação, ou indeferirá o pedido, perdendo a nomeação seu valor, sendo o
solicitante obrigado a arcar com os custos do serviço já realizado. A decisão de
deferimento ou indeferimento pode ser impugnada, porém, da nova decisão não
cabe recurso. O benefício também pode ser revogado se foi concedido baseado em
dados errados. 22
19
OLIVEIRA, Rogério Nunes de. Assistência jurídica gratuita. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, 23/24. 20
Ibid., p. 24. 21
Ibid., p. 26. 22
Ibid., 29/31.
20
A Itália também assegurou o direito a defesa na Constituição da
República, entre os Direitos e Deveres do Cidadão, onde constou que os
economicamente desfavorecidos devem contar com adequados institutos para
garantir a defesa perante qualquer jurisdição.23
Assim, a parte carente tem direito a um advogado, que será pago
pelo Estado, podendo ser tanto na área cível como na penal, inclusive na fase de
investigação, podendo o beneficiário escolher o advogado que vai representá-lo,
dentre os que estejam inscritos no distrito da corte de apelação.24
Ao tratar do benefício da assistência jurídica, a Constituição de
Portugal, em seu artigo 20, renovou garantindo o acesso ao direito.25
Certo é que a diferença é substancial, isso porque se fosse
assegurado somente o acesso aos Tribunais, poderia ser entendido como a garantia
da assistência judiciária e não a assistência jurídica, que engloba o atendimento
judicial e extrajudicial.
A legislação infraconstitucional de Portugal trata da proteção jurídica,
que é dividida em consulta jurídica e apoio judiciário, englobando este último na
dispensa de despesas judiciais e no patrocínio judiciário. Determina, também, a
adequada remuneração dos profissionais que defenderem os hipossuficientes
economicamente, exigindo que os serviços sejam prestados com qualidade e
eficácia, porém, permite no caso de falta ou impedimento de advogado à prestação
do serviço por um advogado estagiário.26
Merece crítica a possibilidade da pessoa carente ser representada
por advogado estagiário, já que demonstra desrespeito aos menos favorecidos
23
MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 28/29. 24
GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 36/37. 25
Idem, p. 38. 26
Idem, p. 39.
21
economicamente, ao não se preocupar com o conhecimento e experiência do
profissional incumbido da defesa, garantia legal.
A lei portuguesa garante o atendimento a pessoas físicas, bem como
pessoas jurídicas. Quanto às pessoas jurídicas podem ser atendidas as que não
possuem fins lucrativos, desde que não tenham condições econômicas para arcar
com os custos da demanda, bem como as sociedades, comerciantes em nome
individual, estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, sendo que
fazem jus, nas causas referentes ao exercício comercial.
Assevera OLIVEIRA que:
Na modalidade da dispensa, total ou parcial, das despesas processuais ou do pagamento de forma diferida, toda vez que o montante necessário para o custeio do litígio se revelar consideravelmente superior às suas possibilidades econômicas. 27
Assim, em raros casos se vê o benefício estendido as pessoas
jurídicas que possuem fins lucrativos, salientando que quando o alcançarem será de
forma parcial, isso porque terão direito apenas a isenção de custas e não a
assistência através de um advogado.
A concessão do apoio judiciário incumbia aos magistrados, sendo
que desde a entrada em vigor da Lei n. 30-E/2000, de 20 de dezembro, passou a ser
de responsabilidade do serviço de segurança social. O serviço de segurança social
decidirá se concede o benefício total ou parcial, e cabe recurso dessa decisão.
Outrossim, poderá ser revogada a concessão, de ofício ou por requerimento de
interessado, quando a parte adquirir recursos suficientes para arcar com as custas
da demanda e com os honorários do seu advogado.28
27
OLIVEIRA, Rogério Nunes de. Op. cit., p. 37. 28
Idem, p. 41/44.
22
Quanto à França, como apontado no tópico anterior – evolução
histórica se preocupa com o direito dos desprivilegiados economicamente desde o
ano de 1278, porém, não existia e não existe previsão do direito na Constituição
Francesa.29
Apesar da preocupação dos franceses com a assistência jurídica,
pois ficava a mesma na responsabilidade dos advogados, que não recebiam
remuneração, situação alterada em 1970, “mediante a instituição de um sistema de
judicare.” 30
Atualmente, a Lei n. 91-647, de 10 de julho de 1991, regulamentada
pelo Decreto n. 91-1261, de 19 de dezembro de 1991, instituto hoje conhecido como
“Aide Juridique”, garante o acesso pleno ao direito, ou seja, a assistência judiciária e
assistência jurídica, as pessoas físicas e jurídicas que possuem insuficiências de
recursos. Os patrocínios das causas são feitos por advogados, sendo que esses
profissionais serão reembolsados pelo Estado, podendo ser complementado pelo
assistido, caso o benefício concedido não seja integral.31
Observa-se, que o sistema francês, desde 1972, “foi idealizado para
alcançar não apenas os pobres, mas também algumas pessoas acima do nível de
pobreza”.32
Para ser concedido o benefício, à parte deve possuir rendimentos
mensais inferiores a oitocentos e dois euros, e no caso do benefício parcial, inferior a
mil duzentos e três euros.33
29 GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 41. 30 ALVES, Cleber Francisco, PIMENTA, Marilia Gonçalves. Acesso à Justiça em preto e branco: Retratos Institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, p. 48. 31 Ibid., p. 48/51. 32 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., p. 37. 33 OLIVEIRA, Rogério Nunes de. Op. cit., p. 13.
23
Além disso, poderá ocorrer no sistema francês o “deferimento da
assistência judiciária para casos particularmente importantes independentemente
dos rendimentos do litigante.”34
Por sua vez, se verificada que a justiça gratuita foi concedida
indevidamente, a mesma pode ser revogada, de ofício ou a pedido de interessado.35
Outrossim, o sistema francês recebe críticas pelos valores que são
remunerados os profissionais que prestam a assistência jurídica, valores não
suficientes para estimular os melhores profissionais, fazendo com que os
desafortunados acabem sendo atendidos por profissionais inexperientes ou
ineptos.36
Em relação à assistência jurídica prestada na Inglaterra para as
pessoas hipossuficientes economicamente, a mesma pode ser tanto no processo
como através de uma consulta jurídica, é será prestada por órgão corporativo dos
advogados e órgão governamental. Paralelamente à assistência jurídica pública as
pessoas carentes podem utilizar-se “de serviços prestados por advogados
particulares remunerados pelo Estado”37.
O inglês, pode escolher o profissional que vai lhe assistir, dentre
uma lista extensa de advogados que previamente aceitaram prestar assistência
jurídica, salientando-se que a remuneração é satisfatória, o que atrai bons
profissionais, isso tudo após ter sido “verificada a viabilidade financeira e de mérito
da causa”38 do assistido.
34 ALVES, Cleber Francisco, PIMENTA, Marilia Gonçalves. Op. cit., p. 51. 35 OLIVEIRA, Rogério Nunes de. Op. cit., p. 17. 36 Idem, p. 21. 37 MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 29. 38
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., p. 35/36.
24
A propósito, o sistema inglês, no tocante a esfera penal, prevê dois
requisitos para a parte ser beneficiada com a assistência jurídica gratuita, o primeiro
diz respeito a sua condição econômica e o segundo a gravidade da pena prevista
para o crime. Existe, ainda, a figura dos advogados de ofício “que estão habilitados a
aconselhar gratuitamente qualquer pessoa e representá-la eventualmente em seu
primeiro comparecimento ao tribunal.”39
Aponta-se como falha do sistema, o fato de existirem restrições
quanto aos Tribunais, fazendo jus a assistência jurídica somente em certos tribunais
e o fato dos requisitos exigidos para a obtenção do benefício serem muito rígidos.40
Ademais, tanto o sistema francês como o sistema inglês tratam o
carente como cliente, deixando a encargo desses o reconhecimento do litígio e a
busca pelo auxílio, não criando mecanismos para demonstrar onde está o direito,
como fazer para alcançá-lo, o que leva as ações a ficarem restritas basicamente as
referentes ao direito de família e ao direito penal.41
Não fosse suficiente, as ações coletivas não recebem auxílio, já que
a classe economicamente desfavorecida é vista como indivíduo e não como classe,
assim, só conseguem propor ações coletivas quando provado o interesse de cada
indivíduo. 42
Quanto à Suécia, a mesma não se difere dos demais países, sendo
que o Código de Processo de 1734, que vigorou até 1948, também determinava aos
advogados a obrigação de patrocinar os economicamente desfavorecidos, quando
nomeados pelo juiz, e de forma gratuita. Não obstante, em 1906, surgiu uma lei
39
GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 42. 40
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., p. 36. 41
Idem, p. 38. 42
“Dado que os pobres encontram muitos problemas jurídicos como grupo, ou classe e que os interesses de cada indivíduo podem ser muito pequenos para justificar uma ação, remédios meramente individuais são inadequados. Os sistemas judicare, entretanto, não estão aparelhados para transcender os remédios individuais.” Idem, p. 39.
25
garantindo ao preso o direito de escolher um advogado para defende-lo, sendo que
tal profissional seria pago pelo Estado.43
Posteriormente, em 1919, o direito a um advogado foi estendido aos
demais casos, inclusive com a possibilidade de ser nomeado mesmo quando à parte
não o quisesse, sendo que o modelo de atendimento na Suécia é bipartido, ou seja,
existe um sistema público, através de instituições públicas criadas com esse objetivo
e outro modelo através de profissionais particulares pagos pelo serviço público.44
Dessa maneira, o sueco pode optar entre ser patrocinado por
advogado privado ou por Defensor Público.
Ademais, a legislação sueca prevê o atendimento a pessoas físicas,
consideradas “necessitadas segundo parâmetros de renda anual fixados de acordo
com a Lei Nacional de Seguridade para cada exercício”, bem como para casos de
espólio, dependendo da situação financeira dos beneficiários, e não permite o
benefício para requerimentos de restituição de tributos. Afora isso, a assistência
jurídica é geral, englobando consultas extrajudiciais, acompanhamento em
procedimentos administrativos e judiciais, podendo a parte ter que arcar com uma
parte das despesas, caso possua condição financeira, e esta parte será proporcional
a sua situação econômica.45
No que concerne ao valor da renda anual a ser considerada, em
1977, o teto era de dezessete mil e quatrocentos dólares por pessoa, valor que é
atualizado conforme o custo de vida no País.46
Na Argentina, a Constituição criou no artigo 120, a figura do
Defensor Geral da nação, chefe do serviço de defesa, desvinculado do Poder
43 ALVES, Cleber Francisco, PIMENTA, Marilia Gonçalves. Op. cit., p. 52. 44
Idem, p. 52/53. 45
Idem, p. 53/54. 46
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., p. 47.
26
Judiciário e do Ministério Público. Assim, o serviço de defesa incumbe a profissionais
pertencentes ao Estado. Não obstante, o número de Defensores Públicos é muito
inferior ao número de representantes do Ministério Público, o que dificulta o trabalho,
sacrificando a qualidade do serviço.47
O Chile dispõe da matéria na sua Constituição e no Código de
Processo Penal promulgado a pouco, onde determina a criação da Defensoria
Pública, bem como a exigência de um profissional da área, defensor ou advogado,
para acompanhar o processo penal.
Determina o Código de Processo Penal, que a defesa será prestada
por um combinado entre serviço público, privado e misto, sendo remunerado pelo
Estado. A grande mudança é que no sistema anterior a defesa penal era realizada
pelos recém formados, que só recebiam após seis meses de trabalho, ou por
advogados nomeados que nada recebiam.48
Por sua vez, Costa Rica destaca-se ao possuir uma Defensoria
Pública tão organizada quanto o Ministério Público, sendo que ambos são
vinculados ao Poder Judiciário, mas possuem independência funcional. Os
defensores têm destaque por serem muito combativos, havendo defensores em
cada juízo e atuando quando a parte for carente de recursos financeiros ou quando
não houver a nomeação de um advogado. 49
Por fim, os Estados Unidos da América não possuem previsão na
Constituição, porém, a Suprema Corte considera o direito à assistência jurídica como
fundamental, entendendo que o “Estado deve gastar tanto para perseguir o crime,
47
GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 44/45. 48
Idem, p. 45/47. 49
Idem, p. 47/48.
27
por meio do órgão de acusação, quanto para tutelar a liberdade do imputado,com a
nomeação de um defensor.” 50
A assistência jurídica passou a ser vista como direito e garantida a
toda classe desfavorecida economicamente a partir da década de 60, quando surgiu
um movimento de “revigoramento da assistência jurídica, fundamentada na
discriminação gerada pelo não acessamento dos hipossuficientes à tutela
jurisdicional, que, por sua vez, era causadora de distúrbios e tensões.” 51
O benefício é garantido para a pessoa que não dispõe de condições
financeiras para patrocinar uma defesa adequada, podendo assim, fazer parte da
classe média, desde que seus recursos não sejam suficientes para arcar com uma
defesa de qualidade.
Na esfera criminal, pode-se requerer a nomeação nos casos de
felony52 ou de misdemeanours53 “dependendo da complexidade da defesa e à
previsão de aplicação de pena detentiva.”54
Acentua GIANNELLA que são três os sistemas de prestação de
assistência jurídica nos Estados Unidos da América:
O Assigned counsel program – programa privado, em que há uma indicação caso a caso do advogado que é membro de uma organização privada; O Contract attorney program – a fonte que sustenta o programa conta com advogados privados individualmente, ou com firmas de advogados privados ou associações locais, que prestam assistência aos indigentes por um período de tempo; O Public Defender program – neste programa organiza-se um quadro de advogados assalariados período integral ou parcial para a prestação do serviço. A organização pode ser uma agência pública, do estado ou governo local, ou privada sem fins lucrativos, que presta os serviços aos carentes. 55
50
GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 48. 51
MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 31. 52
“Felony – Diz-se da infração penal grave, à qual é cominada pena privativa de liberdade superior a um ano.” RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de direito processual penal estadunidense. Curitiba – Umuarama, 2005, p. 361. 53
“Misdemeanor – contravenção. Diz-se da infração penal à qual é cominada pena privativa de liberdade inferior a um ano. Entretanto, esse critério não é absoluto, pois em alguns Estados-membros o misdemeanor é mais severamente punido.” Idem, p. 376. 54
Ibid., p. 49. 55
GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 50.
28
Como se vê, os Estados Unidos da América possui uma
preocupação com o direito de defesa, tentando de várias formas assegurá-lo as
pessoas desfavorecidas economicamente.
A conclusão que se chega é de que a preocupação com o
fornecimento de uma assistência jurídica e não apenas assistência judiciária é
mundial, procurando cada País uma formula para garantir na plenitude o direito a
assistência, através de modelos diversos, porém nem todos conseguiram criar
modelos eficientes e independentes, pontos primordiais para a igualdade no direito à
defesa.
1.3 Distinção entre assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita
Um dos primeiros pontos que deve ser tratado quando se fala em
Defensoria Pública, é a distinção de assistência jurídica, assistência judiciária e
justiça gratuita, já que não raras vezes se vê uma grande confusão, principalmente
na prática.
Certo é que parte da responsabilidade pela confusão existente
decorre da lei 1060/50, que em várias partes do texto legal confunde os conceitos de
justiça gratuita e assistência judiciária. Quanto á assistência jurídica, encontra-se
prevista na Constituição Federal de 1988, que trouxe uma nova idéia, visando
ampliar os direitos do hipossuficiente economicamente.
Por outro lado, apesar da grande confusão estabelecida, a distinção
não é complicada e merece ser constada para evitar confusões no presente
trabalho.
29
Pode-se entender Justiça Gratuita como a isenção das custas e
despesas, judiciais ou não, necessárias ao desenvolvimento do processo e a defesa
dos direitos do assistido. Já a assistência judiciária como o patrocínio gratuito da
causa por advogado, podendo ser fornecido pelo Estado ou não, na defesa das
pessoas carentes em Juízo, sendo um serviço público. 56
Sobre a assistência jurídica MARCACINI destaca que:
Engloba a assistência judiciária, sendo ainda mais ampla que esta, por envolver também serviços jurídicos não-relacionados ao processo, tais como orientações individuais ou coletivas, o esclarecimento de dúvidas, e mesmo um programa de informação a toda a comunidade. 57
Observa-se que a assistência jurídica integral e gratuita, terminologia
que integra a Constituição Federal de 1988, artigo 5o., inciso LXXIV, encontra-se
devidamente disciplinada na parte referente aos direitos e garantias individuais, o
que por si só destaca sua importância com a ampliação do seu conceito.
Dessa maneira, ao se ingressar com uma ação, assistido por
Defensor Público, o Magistrado analisará se é caso ou não de deferir a Justiça
Gratuita e não a assistência judiciária.
Esclarece ainda o mesmo doutrinador que:
Assim, é lícito afirmar que a questão que é trazida ao juiz se refere à concessão da justiça gratuita, não da assistência judiciária. Embora possa o magistrado determinar aos órgãos prestadores do serviço que seja indicado advogado para patrocinar a parte carente, a inversão não é verdadeira: não tem o juiz poder para indeferir a assistência judiciária, ou seja, proibir o patrocínio gratuito pelo agente prestador do serviço. 58
Ainda sobre o assunto COZZOLINO acentua que:
Não há que se falar em Estado Social ou em Estado do Bem-Estar Social sem que seja propiciado acesso à justiça para todos os cidadãos, e para
56 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p. 31. 57 Idem, p. 33. 58
Idem, p. 32.
30
tanto é fundamental a assistência jurídica integral e gratuita a quem não dispõe de recursos. Em outras palavras, a quem é sujeito da inclusão social por parte do Estado do Bem-Estar Social, significando inclusão o fazer parte da sociedade como um todo, exercendo direitos como qualquer cidadão. 59
Dessa forma, quando o assistido pleitear seu direito, o Magistrado
analisará qual assistência será deferida, de acordo com a diferenciação aqui
explicitada.
1.4 Proteção jurídica aos hipossuficientes nas Constituições do Brasil
Não é possível se falar em Defensoria Pública, sem analisar a
proteção jurídica que as Constituições Federais vêm dedicando ao longo da história
aos hipossuficientes, para entender sua origem, a mudança que representou ao
longo dos anos como garantia dos direitos dos juridicamente necessitados, bem
como a mudança de pensamento, assegurando à classe dominadora a incerteza da
imposição da sua vontade, já que aos menos favorecidos economicamente passa a
ser dado o direito de lutar pelo justo, independente da condição financeira
desfavorecida, social ou da discriminação racial.
Nesse sentido escreve J. A. Silva 60:
Uma velha observação de Ovídio ainda vigora nos nossos dias, especialmente no Brasil: Cura pauperibus clausa est, ou no vernáculo: “o tribunal está fechado para os pobres”. Os pobres ainda têm acesso muito precário à justiça. Carecem de recursos para contratar advogados. O patrocínio gratuito tem-se revelado de deficiência alarmante. Os Poderes públicos não tinham conseguido até agora estruturar um serviço de assistência jurídica aos necessitados que cumprisse efetivamente esse direito prometido entre os direitos individuais. Aí é que se tem manifestado a dramática questão da desigualdade da justiça, consistente precisamente na desigualdade de condições materiais entre litigantes, que causa profunda
59 COZZOLINO, Patrícia Elias. Um olhar sobre a defensoria pública – instrumento de igualdade no estado democrático de direito brasileiro. Revista Discente Interinstitucional, Florianópolis, SC, vol. 1, n. 1, a.jan./jun. 2006, p. 330. 60 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., rev e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 588/589.
31
injustiça àqueles que, defrontando-se com litigantes afortunados e poderosos, ficam na impossibilidade de exercer seu direito de ação e de defesa assegurada na Constituição. (...) Nesse sentido é justo reconhecer que a Constituição deu um passo importante, prevendo, em seu art. 134, a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional, incumbida da orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV.
Assim, historicamente a Defensoria Pública representa um freio à
classe dominante, e uma garantia essencial aos antes dominados, surgindo com a
importante missão de tentar abrir as portas dos tribunais para os juridicamente
necessitados.
Certo é que, com exceção da Constituição Federal de 1988,
nenhuma outra Carta Magna Brasileira tratou do tema Defensoria Pública, sendo
que anteriormente o que se disciplinava era o direito a assistência judiciária aos
necessitados, matéria apresentada na parte referente aos direitos e garantias
fundamentais.
A primeira Constituição Federal a tratar da garantia foi a Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934), que disciplinou
a matéria no artigo 113, parágrafo 32, com a seguinte redação: “a União e os
Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse
efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e
selos”, nascendo, assim, a obrigação para o Estado.
Posteriormente a norma veio disciplinada nas Constituições Federais
de 1946, 1967 e a atual de 1988.
Em relação às Cartas Políticas de 1946 e de 1967, continham
redação muito parecida com a de 1934, também disciplinando o tema na parte
referente aos direitos e garantias individuais, onde na Constituição de 1946, pode-se
ler em seu artigo 141: “a Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
32
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes”, sendo que o parágrafo
35 disciplinava a matéria da seguinte forma: ”o Poder Público, na forma que a lei
estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”.
No mesmo diapasão, é o texto da Constituição Federal de 1967,
artigo 150, parágrafo 32 61, com a novidade de que a partir desta Carta, passou a ser
denominada Constituição da República Federativa do Brasil, não mais Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil, como ocorria nos textos anteriores.
Infelizmente, é necessário mencionar que a Constituição Federal de
1937 nada constou quanto ao direito de defesa, sofrendo um corte do autoritarismo,
perdendo a figura da assistência jurídica aos necessitados o seu embasamento
constitucional, vindo a ter amparo legal somente com a Carta de 1946.
A Constituição Federal de 1988 prevê no artigo 5º, inciso LXXIV que
“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”, para mais adiante dedicar à Defensoria Pública os artigos
134 e 135 que tiveram sua redação parcialmente alterada com a emenda
constitucional n. 45, de 2004, passando a vigorar com nova redação:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. § 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.
61
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967. Dos Direitos e Garantias Individuais - Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 32 - Será concedida assistência Judiciária aos necessitados, na forma da lei.
33
Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados na forma do art. 39, § 4º.
É fácil perceber através da leitura dos dispositivos acima apontados,
que a Constituição Federal de 1988, além de alargar o âmbito da assistência aos
hipossuficientes – de mera assistência judiciária para assistência jurídica integral -,
também inovou ao tratar da Defensoria Pública em dois artigos próprios, trazendo à
tona a visão de uma instituição essencial, com papel definido, não substituível por
outros órgãos ou profissionais, dotada para exercê-lo de garantias necessárias,
entre elas, a autonomia funcional, a administrativa e a financeira.
Outro ponto importante é a previsão das Defensorias Públicas da
União, dos Estados, Territórios e do Distrito Federal, com o objetivo de assegurar a
defesa dos desfavorecidos economicamente tanto na justiça federal como na
estadual, em todos os graus, temas comentados por BASTOS62.
Outrossim, a partir da Emenda Constitucional n. 45 de 2.004, a
Defensoria Pública passou a ser dotada da autonomia funcional, administrativa e
financeira, para assegurar a necessária independência da Instituição.
Certo é que há muito tempo se discutia a necessidade da autonomia
institucional em todos os sentidos, tema inclusive tratado por SILVEIRA, em 1992,
em palestra proferida na cidade de Corumbá-MS, intitulada “A Defensoria Pública
62- “Com efeito, a atual Lei Maior não se limitou a consignar o dever de prestação da assistência jurídica. Ela deixa claro a quem compete fornecê-la. Isto é feito pelo art. 134 e seu parágrafo único, que deixa certo a existência de uma defensoria pública no nível da União e do Distrito Federal, que será organizada pela primeira, assim como patenteia a existência de uma defensoria nos Estados, submetida a normas gerais de nível federal. (...) O que é certo é que se excluem outras modalidades de assistência jurídica aos necessitados que não seja a da própria defensoria pública.” BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 18. ed., ampl. e atual São Paulo: Saraiva, 1997, p.420.
34
como instrumento da cidadania”, onde teceu comentários sobre a necessidade,
expondo sua posição favorável à autonomia da Defensoria Pública63.
Assim, percebe-se ser antiga a preocupação com o tema, com a
necessidade da independência administrativa, visando a uma maior combatividade
na defesa do juridicamente necessitado, o que só pode ser garantido com a
ausência de hierárquica administrativa com os demais órgãos, que por ventura
poderão figurar no pólo passivo, ou até mesmo ativo das ações, bem como através
da discutida estruturação e independência financeira.
É de se notar, que hoje a grande comunidade jurídica já compartilha
de um único pensamento, de que é necessário o fortalecimento e aprimoramento
das Defensorias Públicas, com a criação das mesmas em estados onde ainda não
foram organizadas (Goiás, Santa Catarina e Paraná), já que vêem a Instituição como
primordial instrumento de viabilização do acesso à Justiça, representando uma
grande conquista social, matéria também tratada por SILVEIRA64.
63- “No que respeita à organização das Defensorias Públicas, compreendo, por igual, que devem ser entidades com autonomia, em relação ao Ministério Público e à Procuradoria-Geral do Estado, ambas instituições também essenciais à função jurisdicional, nos termos da Constituição, cada qual, todavia, com atribuições específicas. A Defensoria Pública, no patrocínio de direitos, poderá, ad exemplum, mover ação contra o Estado, intervindo, então, a procuradoria respectiva, na defesa da pessoa jurídica de direito público. Pode a Defensoria Pública defender réu em ação cível movida pelo Estado, ou em ações penais patrocinadas pelo Ministério Público. Distintos os domínios de sua atuação, convém sejam órgãos, entre si, não dependentes, na perspectiva da hierarquia administrativa.” SILVEIRA, José Néri da. A Defensoria Pública como instrumento da Cidadania. Palestra proferida, em Corumbá no IV Seminário sobre a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul. Mato Grosso do Sul: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, 1992, p. 19. 64- “Organizar as Defensorias Públicas, como ordena a Constituição, com profissionais do Direito, de alta competência, selecionados em concurso público, provendo cargos de carreira, com garantias funcionais de independência no exercício das funções, afastados de preocupações com a advocacia particular, mas remunerados condignamente, como se impõe, bem de ver é que se abrem amplas perspectivas de assistência aos necessitados, esclarecendo-lhes os direitos e as obrigações, em consultas regulares, prevenindo-se, em conseqüência, também, centenas de ações desnecessárias, realizando-se conciliações, orientando-se, superiormente, soluções no âmbito da família, na proteção a menores e incapazes, dentre tantas outras providências, que a boa organização das Defensorias Públicas e a experiência de seu funcionamento hão de trazer.(...) A Defensoria Pública, como instituição essencial à função jurisdicional, alcança, desse modo, status constitucional, a par de outras instituições contempladas no mesmo Capítulo da Lei Fundamental.(...)JOSÉ AFONSO DA SILVA, se é uma instituição e ainda sujeita a normas gerais de lei complementar federal, a toda evidência, não pode ser órgão subordinado ou parte de outra instituição, que não ao próprio Estado.” SILVEIRA, José Néri da. Op. cit., p. 18.
35
Com a devida vênia, não há como falar em fortalecimento e
aprimoramento das Defensorias Públicas, sem trazer à tona a necessidade da sua
autonomia administrativa, funcional e financeira.
A autonomia funcional representa o direito de agir e decidir sem
pressões externas vindas de outros órgãos, instituições, Poderes, seguindo somente
o preceituado nas leis, Constituição Federal e Estadual.
Com a autonomia administrativa a Instituição adquire o poder de
decidir sobre a situação funcional de seus membros, tanto os da ativa como os
inativos, prover os cargos quando necessários, visando a uma maior efetividade dos
serviços, adquirir os bens para a estruturação, manutenção e consumo das
defensorias públicas, dentre outras importantes faculdades diretamente ligadas à
autonomia administrativa.
Em relação à autonomia financeira, permite à Instituição a
elaboração da sua proposta orçamentária, respeitando, evidentemente, os limites
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, o recebimento dos recursos a ela
cabíveis etc.
Dessa maneira, o texto constitucional dá um enorme passo para
garantir aos hipossuficientes o acesso justo à Justiça, traduzido no “poder de prestar
o serviço de Justiça ao povo, de forma satisfatória, o que pressupõe boa qualidade,
acessibilidade a todos e pronto desempenho” 65, através de uma Defensoria Pública
forte e estruturada, uma Defensoria Pública dotada efetivamente de autonomia
administrativa, funcional e financeira.
65 SILVEIRA, José Néri da. Op. cit., p. 10.
36
2 DEFENSORIA PÚBLICA
2.1 Considerações iniciais
Inicialmente cumpre conceituar Defensoria Pública, o que foi feito
com precisão por G. B. P. MORAES:
A Defensoria Pública é conceituada como uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, correspondendo a uma manifestação e instrumento de regime democrático, cabendo-lhe a orientação jurídica integral e gratuita, a postulação e a defesa judicial (em todos os graus de jurisdição) e extrajudicial, de direitos, individuais e coletivos, titularizados por hipossuficientes econômicos.66
Por sua vez, é mister fazer uma distinção entre o Defensor Público e
o Advogado, já que muitas vezes há um equívoco envolvendo as duas profissões.
A respeito esclarece GALLIEZ:
A atividade do Defensor Público, somente assemelhada a do advogado no que concerne à postulação de direitos, mantém nítida diferença quanto ao desenvolvimento e a finalidade dos atos profissionais. Realmente, os Defensores Públicos, admitidos no quadro de carreira mediante concurso de provas e títulos, são agentes políticos do Estado, e, em nome deste, têm a obrigação de defender o direito dos oprimidos, mediante mandato constitucional, descabendo, em razão desse fato, distinguir clientela, tampouco demonstrar qualquer interesse econômico em todo o transcurso dos processos em que atuar. Por sua fez, o exercício da advocacia – que é restrita aos advogados, como aliás o próprio nome indica – é resultante da outorga de mandato privado, conferido por clientes particulares previamente selecionados com pagamento de honorários (quase sempre ajustados por etapa processual), incluindo infra-estrutura compatível com os serviços contratados.67
A propósito o autor continua assinalando pontos de distinção,
ressaltando que a própria Constituição Federal de 1988 o fez, ao determinar no
artigo 133 que o advogado é indispensável à administração da justiça, e no artigo
66 MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 41. 67
GALLIEZ, Paulo César Ribeiro. A Defensoria Pública, O Estado e a Cidadania. 2ª ed., rev e ampl Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.37.
37
134 que a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do
Estado.68
Assim, acrescenta GALLIEZ:
A atividade da Defensoria Pública não se restringe apenas à administração da justiça, com a qual, evidentemente, também colabora e integra. Segundo o princípio constitucional em destaque, a Defensoria Pública, como Instituição, é, antes de tudo, imprescindível à função jurisdicional do Estado, quer dizer, por intermédio dos Defensores Públicos exerce atividade essencial junto aos Magistrados, os quais, em razão de seu ofício, estão investidos do poder de jurisdição,ou seja, do poder de julgar. Acresce-se a isso que a conduta profissional dos defensores públicos é regida por lei própria, com poderes e prerrogativas especiais, tendo em vista os inúmeros processos em que intervêm, até mesmo em defesa de pessoas que sequer tomam conhecimento das ações judiciais que lhes são propostas. Esse proceder decorre, portanto, de múnus público, isto é, de lei, (...) Desta forma, a função institucional do Defensor Público é, perante o Estado e a sociedade, relevantíssima, pois seu compromisso está voltado tão somente para a classe econômica oprimida, representada pela maioria da população brasileira, de onde se originam, com freqüência, graves conflitos sociais.69
Por fim, conclui o ilustre doutrinador:
Ressalte-se, por outro lado, que nunca é demais lembrar o mérito e a grandeza da OAB no cenário político-institucional do País, tendo sido notáveis suas intervenções em favor do Estado de Direito e pela preservação dos Direitos Humanos. No entanto, Defensoria Pública e OAB são instituições distintas, com legislações próprias, cabendo a cada uma, sem qualquer intromissão, organizar e disciplinar a atividade profissional de seus pares.70
No pensar de ROCHA, as diferenças também existem, inclusive
quando se trata de advocacia dativa e Defensoria Pública, apontando as seguintes
diferenças como fundamentais:
Eis, assim, a diferença fundamental (dentre inúmeras outras, algumas das quais já lembradas por Boaventura) entre advocacia dativa e Defensoria Pública: compromisso institucional legal com o acesso à justiça e o seu papel transformador e não, como ocorre com a advocacia dativa, acesso ao judiciário. O Defensor Público e dotado de garantias e prerrogativas legais
68 GALLIEZ, Paulo César Ribeiro. Op. cit., p. 38. 69 Idem, p. 38. 70 Idem, p. 39.
38
hábeis a propiciar ainda extrajudicialmente, uma rede convergente de cidadania, a exemplo da possibilidade de requisição, das autoridades publicas e seus agentes providencias necessárias ao exercício de sua função, o que acarreta um grande numero de problemas jurídicos resolvidos na própria Defensoria Publica, sem a intervenção do Judiciário. 71
Não há que se olvidar da importância de ambas as instituições,
porém as diferenças existem, são claras, não se podendo aceitar a confusão entre
elas ou a substituição de uma pela outra72.
Por segundo, observa-se que o fornecimento de assistência jurídica
integral e gratuita não pode ser visto como caridade à pessoa economicamente
desfavorecida, mas sim, como direito garantido inclusive na Constituição Federal.
Quando visto como caridade aceita-se que seja prestado de
qualquer forma, por profissionais qualificados ou não.
Ainda existem Estados onde a Defensoria Pública não foi
organizada, dentre eles o estado do Paraná, Santa Catarina e Goiás. Contudo, o
estado de Goiás criou a Defensoria Pública por Lei Complementar, estando o
concurso para provimento dos cargos de Defensor Público em andamento. No
tocante ao estado de Santa Catarina existe um “movimento pela criação da
Defensoria Pública de Santa Catarina” encabeçado pela sociedade civil organizada.
Já no estado do Paraná existem alguns cargos de Defensor Público, porém nunca
71 ROCHA, Amélia Soares da. Defensoria Pública e a Igualdade Material no Acesso a Justiça: reflexões sobre o papel da Defensoria Pública no enfrentamento da pobreza. Disponível em: http://www.adaped.org.br/artigos.htm. Acesso em: 29 dez. 2006, p. 3. 72
“Decerto tal fato decorre de alguns equívocos, infelizmente ainda arraigados, que obscurecem o real sentido constitucional desta jovem instituição. O primeiro deles - e talvez o mais grave por ser premissa dos demais - é confundir acesso à justiça com acesso ao judiciário, porquanto o acesso à justiça revele-se antes, na própria consciência de direitos, capacitação de lideranças para a cidadania, fomento ao direito que se realiza pacificamente, resultado do contato direto do Defensor Público com a comunidade. O Defensor Público, assim, na sua condição de ente estatal, é capaz de resgatar o sentimento público que tanta falta faz a cidadania, ao ser a voz do brasileiro necessitado. Todavia, infelizmente, este ainda é confundido com advogado de graça, advogado dativo, numa restrição de sua missão de transformação social.” ROCHA, Amélia Soares da. Defensória Pública não é caridade. Disponível em: http://www.adaped.org.br/artigos.htm. Acesso em: 08 nov. 2006, p. 1.
39
foi realizado um concurso e não tem Lei Complementar Estadual para organizá-la,
sendo vista como órgão de uma Secretaria de Estado.
Certo é que o Estado73 tem que assumir seu papel, evitando passar
a obrigação para terceiros, efetivando o disposto na Constituição Federal, através de
Defensorias Públicas estruturadas, com bons profissionais, boa estrutura física, em
número suficiente para atender a demanda da população carente.
Não bastasse, não pode o Estado deixar de assumir suas
obrigações previstas na Carta Magna através da assinatura de convênios74 com a
Ordem dos Advogados do Brasil, visando prestar assistência jurídica gratuita, já que
a Constituição Federal deixou muito claro que tal papel incumbe a Defensoria
Pública, cabendo ao Estado criá-la e estruturá-la para o cumprimento da obrigação
constitucional.
Destaca-se que na maioria dos convênios firmados não se prevê a
figura da consulta jurídica, da composição extrajudicial, que na prática se mostra
muito eficiente, limitando-se somente a acesso ao judiciário.
Não se pode aceitar, nos dias atuais, a figura do defensor ad hoc,
como não se aceita a figura do Promotor de Justiça ad hoc e do Magistrado ad hoc.
Nesse sentido preleciona H. M. SILVA:
73
“A receita constitucional é clara: a efetivação da sociedade livre, justa e solidária - nos estreitos caminhos do direito - implica a atuação integral de tais instituições. Se uma delas não estiver nos moldes determinados pela Lei Maior não se viverá um Estado Democrático de Direito. Tratam-se, assim, de funções específicas e indelegáveis. O enfraquecimento de qualquer delas implica desobediência constitucional e, por conseqüência, ineficiência das essenciais políticas públicas a elas incumbidas. “ROCHA, Amélia Soares da. Op. cit., p. 1. 74
“Tais convênios representam flagrante violação às normas constitucionais supracitadas, além de ofensa aos princípios inafastáveis do concurso público e da moralidade administrativa. Frise-se que o Supremo Tribunal Federal - STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI-2229, firmou o entendimento de que a Defensoria Pública é uma instituição permanente que não comporta defensores contratados em caráter precário. Ressaltou que a regra para a contratação de servidor público é a admissão por concurso público, não existindo entre as exceções constitucionais, a contratação temporária, muito menos o malfadado convênio com a OAB.” PEDROSO, Stefano Borges, OLIVEIRA, Wellington Divino Marques de. Defensoria Pública/convênio OAB. Disponível em: http://www.adaped.org.br/artigos.htm. Acesso em: 08 nov. 2006, p.1.
40
Devemos inicialmente pensar que, em passado não tão distante, já oficiaram no processo penal e no processo civil os juízes "ad hoc" e os promotores "ad hoc", que em boa hora deixaram de existir em nosso ordenamento jurídico, servindo, no entanto, de ilustrativos precedentes históricos que sinalizam ao igual banimento dos defensores "dativos" ou defensores "ad hoc". Quanto ao juiz "ad hoc", sem as garantias e prerrogativas da magistratura, é interessante citar, apenas exemplificativamente, que este "cargo" existiu durante os primeiros anos da República, com a criação da Justiça Federal através do Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890. (...) Em boa hora os processualistas e constitucionalistas começaram a interpretar as garantias do devido processo legal e da inamovibilidade dos juízes, constantes pioneiramente da Constituição de 1934, no sentido de constituírem óbices intransponíveis à existência dos citados juízes. Já quanto ao Promotor "ad hoc", de se ver que sua existência data de passado não tão remoto, sendo até mesmo praxe consagrada no processo penal a nomeação de advogados para as relevantes "funções" do Ministério Público nesta seara (arts. 419 e 448 do CPP ). (...) A linha foi seguida com a Constituição de 1988 (art. 129, inc. I e §2º ), proibindo-se, de vez, a nomeação de promotores "ad hoc", tanto no processo civil, quanto no processo penal. Indagamos: face à simetria hoje existente entre as competências e atribuições do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ínsitas na atual Constituição e decorrentes do tripé constituído pela relação jurídica processual (no processo civil "autor-juiz-réu" e no processo penal "acusação-juiz-defesa"), há razão para que somente sejam admitidos, hoje em dia, os defensores "dativos" ou defensores "ad hoc"? A resposta negativa parece se impor. Desde que o Poder Constituinte originário garantiu, em 5 de outubro de 1998, que o Estado prestaria assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos"(art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição), incumbindo à Defensoria Pública o desempenho de tão árduo e gratificante mister (art. 134 da Constituição), não mais se justifica possa este mesmo Estado, por qualquer um de seus três Poderes ou entes federativos, improvisadamente, por opção de governo, valer-se de defensores "dativos" ou defensores "ad hoc" para prestar assistência jurídica aos necessitados e para assegurar aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa.75
Em análise do passado remoto da Magistratura e do Ministério
Público brasileiros, do atual texto constitucional e do que significa a Defensoria
Pública no Estado Democrático de Direito76, torna-se necessário aceitar a
incompatibilidade da figura do defensor ad hoc nos dias atuais.
75
SILVA, Holden Macedo da. Defensor “dativo” ou defensor “ad hoc”. Razões para o seu banimento do processo civil e do processo penal. Disponível em: http://www.adaped.org.br/artigos.htm. Acesso em: 08 nov. 2006, p. 2/3. 76
“É para a grande massa de cidadãos carentes que existe a Defensoria Pública, concebida como uma afirmação do Estado Social e Democrático de Direito, onde as políticas públicas como saúde, educação, moradia, segurança pública e a própria assistência jurídica, dentre outras, não constituam meras plataformas de campanhas eleitorais, mas sim direitos e garantias constitucionais assegurados, efetivamente, a todos.(...) Portanto, para a compreensão do papel do defensor público como paladino do direito e da justiça para a imensa população carente do nosso país, basta efetuarmos um mergulho no âmago de um mundo que alguns, movidos a automóveis, alimentados
41
A propósito, diante da mudança da visão sobre a necessidade de
assistir juridicamente os desfavorecidos, passando de caridade para respeito aos
direitos, em face da igualdade dos homens perante a lei, surge a necessidade de
discutir-se sobre igualdade, já que a garantia da eficácia do princípio constitui o
objeto ou finalidade da Defensoria Pública77.
Ao falar em igualdade, é preciso notar os apontamentos de
COZZOLINO:
Dado o caráter heterogêneo da humanidade, é impossível uma igualdade no mundo concreto, mas tal constatação não exime as nações de reafirmarem permanentemente o princípio constitucional da igualdade, visando minimizar as diferenças e possibilitar a todos o desenvolvimento pleno de suas potencialidades. O princípio da igualdade condensa um conteúdo mínimo: igualdade na aplicação do Direito, igualdade na criação do Direito e igualdade justa, traduzindo esta última em um critério de valoração e juízo valorativo, empregado de forma racional, com fundamento sério, que busque afastar as arbitrariedades e discriminações. 78
Dessa maneira, é necessário para garantir uma igualdade entre as
pessoas, principalmente entre os litigantes, que exista uma Defensoria Pública forte,
já que esta é responsável pelo atendimento das classes desfavorecidas.
Uma Defensoria Pública forte parte da idéia da sua autonomia tanto
funcional como administrativa, com membros que ingressem através de concurso
público, conforme prevê a Constituição Federal, que possua um quadro regular, com
carreira, profissionais bem remunerados, para não usarem a Instituição como
com fartura, inebriados pelo poder e ambiciosos por prazeres inatingíveis aos mais humildes, desconhecem por completo.” DORILÊO, Márcio Frederico de Oliveira. Defensoria Pública e o dever estatal. Disponível em: http://www.adaped.org.br/artigos.htm. Acesso em: 08 nov. 2006, p. 1. 77
“Quanto ao objetivo ou finalidade da Defensoria Pública, a Instituição tem por finalidade precípua garantir a eficácia do princípio constitucional da igualdade (não apenas uma igualdade formal, mas uma igualdade substancial de acesso a Justiça), funcionando como um instrumento, através do qual se viabiliza o exercício, pelos hipossuficientes econômicos, de direitos fundamentais, por eles titularizados, e suas respectivas garantias, visando a alcançar a efetividade do Estado Democrático de Direito e com ele mantendo vínculo estreito.” MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 43. 78
COZZOLINO, Patrícia Elias. Um olhar sobre a defensoria pública – instrumento de igualdade no estado democrático de direito brasileiro. Revista Discente Interistitucional, Florianópolis, SC, vol. 1, n. 1, a. jan./jun. 2006, p.339.
42
trampolim para outras carreiras melhores remuneradas, bem como para que possam
se preparar adequadamente para o exercício da profissão, garantindo ao assistido
um atendimento igual ou superior ao prestado por um bom advogado.
Acrescenta ainda COZZOLINO que:
No Estado Democrático de Direito, a Defensoria Pública deve ser a guardiã da cidadania, na medida em que torna efetivo o acesso à justiça através da assistência jurídica integral e gratuita. Todavia, o Estado que não a reconhece como tal e não a instrumentaliza para que cumpra sua finalidade constitucional atenta contra a própria democracia e os direitos fundamentais.79
Salienta-se, que o Defensor Público não necessita de instrumento de
mandato, isso porque, a lei assim o determina, diante da sua investidura no cargo e
da ausência de contrato entre Defensor e assistido.
Outrossim, a Lei n° 1.060/50 garante a parte o direito aos benefícios
da assistência judiciária e a justiça gratuita mediante simples afirmação, na própria
petição ou em declaração em separado, de que não está em condições de pagar as
custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua
família, sendo que o juiz poderá, logicamente, indeferir o benefício de justiça
gratuita, mas fundamentadamente, analisando todo o contesto, e se não ocorrer à
análise correta, causará visível afronta a Constituição Federal, artigo 93, inciso IX80.
79
COZZOLINO, Patrícia Elias. Op. cit., p.336. 80“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA. DESNECESSIDADE. LEI Nº 1.060/50, ARTS 4º E 7º. A Constituição Federal recepcionou o instituto da assistência judiciária gratuita, formulada mediante simples declaração de pobreza, sem necessidade da respectiva comprovação.” (STJ-001254, Recurso Especial nº 200390/SP, 5º Turma do STJ, Rel. Edson Vidigal. j. 24.10.2000 Publ. DJU 04.12.2000, p. 85) “A CF 5º, LXXIV, ao instituir a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, não revogou a assistência judiciária gratuita da Lei 1.060, de 1950, norma que se coloca dentro do espírito da Constituição, que deseja que seja facilitado o acesso de todos à justiça (CF 5º XXXV)”. (STF, 2ª T., RE 205029-6-RS, rel. Min. Carlos Velloso, V.U., j. 26.11.1996, BolAASP 2071/697)
43
A Lei nº 1.060/50, especificamente em seu art. 7º é clara no sentido
de que cabe à parte que requer a impugnação dos benefícios da assistência provar
a inexistência ou desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão81.
Conclui NERY JÚNIOR que:
A necessidade de prova para afastar a afirmação contida na LAJ 4º. como existe presunção juris tantum da necessidade, com a simples alegação de pobreza feita pelo interessado (LCJ 4º § 1º), cabe à parte contrária o ônus de provar que o beneficiário não mais ostenta a qualidade de necessitado, requerendo a revogação do ‘benefício’.82
Por outro lado, não se pode esquecer da questão dos honorários
fixados em favor da Defensoria Pública, questão polêmica quando no outro pólo
encontra-se o Estado.
Não obstante, o STJ decidiu da impossibilidade da fixação de
honorários em favor da Defensoria Pública, por haver uma confusão entre as partes,
posição que também adotava o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Certo é que o TJMS vem mudando seu posicionamento, para
garantir a fixação dos honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública,
mesmo contra o Estado, por entender que com a autonomia funcional prevista na
Emenda Constitucional n. 45/2004, a Defensoria Pública Estadual deixou de ser
órgão auxiliar do Governo, passando a ser independente.83
81 “APELAÇÃO CÍVEL. IMPUGNAÇÃO AOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. AFASTAMENTO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. NECESSIDADE DE PROVA DE QUE O BENEFICIÁRIO POSSUI CONDIÇÕES DE ARCAR COM AS CUSTAS DO PROCESSO. IRRELEVÂNCIA DO FATO DE POSSUIR PROPRIEDADES. RECURSO IMPROVIDO. Cabe ao apelante fazer prova de que os beneficiários da Justiça gratuita têm condições de arcar com as despesas processuais e honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de suas famílias, uma vez que se presume verdadeira a declaração do estado de pobreza firmada pelos interessados.O simples fato de os apelados possuírem imóvel residencial e outro comercial, não autoriza a concluir que tenham condições de arcar com as custas do processo e honorários de advogado. (TJMS- Apelação Cível- Classe B – XVII, 620599. Naviraí. Rel. Des. Claudionor M. Abss Duarte. Terceira Turma Cível. Unânime. J. /11/1998, DJ-MS, 02/12/1998, pag. 05). 82
NERY JÚNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 1838. 83
Ementa - PROCESSO CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – HONORÁRIOS DEVIDOS PELO ESTADO À DEFENSORIA PÚBLICA – JURISPRUDÊNCIA REVISTA PELA PRIMEIRA SEÇÃO – EC
44
45/2004 – INALTERABILIDADE DO POSICIONAMENTO DA CORTE. 1. A Primeira Seção, julgando o REsp 596.836/RS por afetação da Segunda Turma, em decisão datada de 14/04/2004 e publicada em 02/08/2004, uniformizou o entendimento, no sentido de que a Defensoria Pública é órgão do Estado, motivo pelo qual não pode recolher honorários sucumbências decorrentes de condenação contra a Fazenda em causa patrocinada por Defensor Público. Ressalva de entendimento pessoal. 2. Posicionamento que não se altera mesmo diante da Emenda Constitucional 45/2004, que conferiu às Defensorias Públicas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária, com o acréscimo do § 2º ao art. 134 da CF/88. 3. Agravo regimental improvido. Acórdão - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora”.Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Castro Meira votaram com a Sra. Ministra Relatora.(STJ - AgRg no REsp 646024 / RS; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2004/0036056-5 – Rel. Ministra ELIANA CALMON - DJ 23.05.2006 p. 139).
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – CONDENAÇÃO DA FAZENDA ESTADUAL AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS À DEFENSORIA PÚBLICA – IMPOSSIBILIDADE – CONFUSÃO ENTRE CREDOR E DEVEDOR – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. A Defensoria Pública é órgão do Estado, por isso que não pode recolher honorários sucumbências decorrentes de condenação contra a Fazenda em causa patrocinada por Defensor Público. Aplicação do art. 1.049 do Código Civil de 1916 (art. 381, do CC/02) no sentido de que há confusão entre a pessoa do credor e a do devedor, já que a Fazenda Pública não poderá ser reconhecida como obrigada para consigo mesma. ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Campo Grande, 21 de novembro de 2006. (TJMS - Apelação Cível - Execução - N. 2006.016835-5/0000-00 - Ponta Porã. Relator Exmo. Sr. Des. Rêmolo Letteriello, 21.11.2006)
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO – EXECUÇÃO DE SENTENÇA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL – LEGITIMIDADE ATIVA DO ÓRGÃO PARA EXECUTAR OS HONORÁRIOS FIXADOS – LEI COMPLEMENTAR 94, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2001 – CRIAÇÃO DE UM FUNDO ESPECIAL PARA O DESENVOLVIMENTO DO ÓRGÃO, COM PROVENTOS ARRECADADOS A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – REDUÇÃO DA VERBA HONORÁRIA – INADMISSÍVEL -SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. Desde o advento da Lei Complementar Estadual n. 94, de 26 de dezembro de 2001, os honorários advocatícios arbitrados nas causas defendidas pela Defensoria Pública Estadual são fixados em favor do respectivo órgão, advindo daí o seu direito de cobrar os correspondentes valores, o que torna inquestionável a sua legitimidade ativa ad causam. Não há falar em redução da verba honorária fixada na sentença, se esta foi arbitrado dentro da razoabilidade. ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, negar provimento ao recurso. Unânime e com o parecer. Campo Grande, 4 de outubro de 2005. (TJMS - Apelação Cível - Execução - N. 2005.009691-0⁄0000-00 – Dourados - Relator-Exmo. Sr. Des. Rêmolo Letteriello – 04/10/2005)
EMENTA - RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO - PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - ARTIGO 196, DA CF - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, DO ESTADO E DO MUNICÍPIO PARA FORNECER MEDICAMENTO AOS NECESSITADOS - POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA DEMANDA EM FACE DE UM, DE ALGUNS OU DE TODOS OS DEVEDORES SOLIDÁRIOS - PRELIMINAR AFASTADA - MÉRITO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - ATESTADO MÉDICO INFORMANDO SER A PARTE-AUTORA PORTADORA DE ESCLEROSE MÚLTIPLA, AFASIA MOTORA, DIFICULDADE DE DIGESTÃO E DESCONTROLE INTESTINAL E QUE OS MEDICAMENTOS ISOSOURCE 1,5 CAL, ALBUMINA, EQUIPO PARA ALIMENTAÇÃO ENTERAL EMBRAMED E FRALDA BIGFRAL SÃO INDISPENSÁVEIS PARA O TRATAMENTO DAS ENFERMIDADES - MULTA COMINATÓRIA - APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE - FINALIDADE - EVITAR A NÃO-PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL ESPECÍFICA -
45
2.2 Funções Institucionais da Defensoria Pública
As funções institucionais da Defensoria Pública estão previstas no
artigo 4º da Lei Complementar n° 80, de 12 de janeiro de 1994, de forma não
taxativa, isso porque outras legislações, tais como, as Constituições Estaduais,
como as Leis Complementares estaduais, poderão acrescer ao rol das funções,
apontando novas atribuições.
Este acréscimo nunca poderá fugir à idéia de se fornecer orientação
jurídica e defesa, em todos os graus, gratuitamente aos juridicamente necessitados,
nos termos previstos na Constituição Federal de 1988, respeitadas as finalidades da
Instituição.
Assim, de acordo com o artigo 4º da legislação supra-apontada,
dentre outras funções, encontra-se a de prestar o atendimento judicial e extrajudicial,
inclusive em processos administrativos, promovendo extrajudicialmente a conciliação
entre as partes no conflito de interesses; patrocinar ação penal privada e subsidiária
da pública, ação civil, defesa em ação penal, defesa em ação civil na sua amplitude
(reconvir e propor exceções); atuar como Curador Especial; exercer a defesa da
criança e do adolescente; patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado;
atuar junto aos Juizados, aos estabelecimentos policiais e penitenciários, etc.
Destaca-se, que podem ser assistidos pela Defensoria Pública tanto
pessoas físicas como pessoas jurídicas, desde que comprovada a impossibilidade
DEFENSORIA PÚBLICA DOTADA DE AUTONOMIA FUNCIONAL COM A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004, QUE DEIXOU DE SER UM ÓRGÃO AUXILIAR DO GOVERNO E SE TORNOU UM ÓRGÃO CONSTITUCIONAL INDEPENDENTE - MANUTENÇÃO DA VERBA HONORÁRIA - PREQUESTIONAMENTO - DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA SOBRE OS DISPOSITIVOS LEGAIS - MATÉRIA SUFICIENTEMENTE DEBATIDA - RECURSO E REEXAME IMPROVIDOS. (TJMS Processo n. 2006.013652-3 - Relator: Des. Oswaldo Rodrigues de Melo Publicação: 09/10/2006)
46
para suportar as despesas do processo84, ou não tenham finalidade lucrativa, como
se verifica em muitas associações.
Por outro lado, para a melhor atuação e defesa dos interesses dos
assistidos, têm sido criados núcleos próprios em diversos seguimentos, tais como o
núcleo da infância e juventude, do consumidor, da cidadania, da defesa da mulher
vítima de violência, de loteamentos, de terras e habitação, dentre outros.
Em cerca de 76% das Defensorias Públicas é possível encontrar a
figura da defensoria pública itinerante, que leva o atendimento até a população, em
consonância com a Emenda Constitucional n° 45, de 2004, a qual contem previsão
expressa da necessidade de órgãos itinerantes (artigo 115, §1° e artigo 107, §2°,
ambos da Constituição Federal de 1988).
Quanto às funções específicas anteriormente mencionadas, é mister
comentar sobre a importância do atendimento extrajudicial, já que muitas vezes, as
partes deixam de se compor em face da ausência do conhecimento das normas, e
com o esclarecimento e a celebração de acordos nessa fase, consegue-se evitar
muitas demandas, o que garante maior agilidade na solução dos conflitos.
Na esfera penal, a maioria das pessoas acusadas são defendidas
pela Defensoria Pública, o que não é de se estranhar, isso porque a grande massa
acusada pertence às classes sociais menos favorecidas, pessoas desprovidas de
recursos para contratar um advogado.
Deve ainda o Defensor Público atuar junto aos estabelecimentos
penais e penitenciários, na defesa dos condenados e dos presos provisórios,
84 - Resp. n° 122.129/RJ – Recurso Especial – 4ª Turma – Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Ementa: ASSISTÊNCIA JURÍDICA. PESSOA JURÍDICA. MICROEMPRESA. A microempresa que comprove a dificuldade para suportar as despesas do processo tem direito ao benefício da
47
garantindo a plena aplicação das normas constitucionais e da Lei de Execução
Penal, lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, com intuito de resguardar os direitos e
garantias individuais.
O artigo 41, incisos VII e IX, da Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984
garante o direito à assistência jurídica, bem como a entrevista pessoal e reservada
com o advogado.
Outra esfera de atuação que possui grande procura é a referente à
área de família, isso porque é crescente o número de pessoas juridicamente
necessitadas, que procuram a Instituição com o objetivo de ingressar com ações
referentes a esta área do direito, sendo as mais comuns as ações de alimentos,
execução de alimentos, investigação de paternidade, negatória de paternidade,
separação judicial, divórcio, dentre outras.
Já em relação à atuação do Defensor Público como Curador
Especial, certo é que com a Lei Complementar n° 80, de 12 de janeiro de 1994,
determinou que tal função passou a ser privativa de membro da Defensoria Pública.
Não obstante, “é função atípica, pois independe da situação
econômica do citado por edital ou por hora certa, do incapaz, que não tenha
representante legal ou cujos interesses daquele colidam com os deste, ou do réu
preso (art. 9º do CPC)85”.
No tocante ao exercício da defesa do menor, além da previsão
expressa contida na Lei Complementar em comento, encontra-se garantida no artigo
141 e seu §1°, da Lei n° 8069, de 13 de julho de 1990, mais conhecida como
assistência jurídica. Recurso conhecido e provido. Lei n° 1.060/50. Decisão unânime de 26/8/1997 – Publicada no DJ de 10/11/1997, p. 57.773. 85MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública: Lei Complementar 80, de 12.1.1994 anotada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 28.
48
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)86, visando sempre a ampliar a garantia
do acesso à Justiça.
Diga-se, que não trata a norma apenas e tão somente da atuação
nos tradicionais processos de guarda, adoção, destituição do pátrio poder, mas
também da atuação em defesa dos menores que respondem a representações, a
defesa dos que estejam internados, etc.
Não se pode esquecer, quando se fala em atuação do Defensor
Público, que a defesa do consumidor, através do patrocínio dos direitos e interesses
do consumidor lesado, obteve muito destaque nos últimos tempos, o que só foi
possível através da criação de núcleos próprios visando a assegurar os direitos do
consumidor hipossuficiente, inclusive através da propositura de ações civis públicas
com essa finalidade.87
Não obstante, antes da legitimidade da Defensoria Pública ser
estabelecida na lei n. 11.448, de 15 de janeiro de 2007, havia algumas decisões
contrárias à mesma88, porém, com a atual inclusão, tais serão superadas.
86 - “Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente, à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos. Par. 1°. A assistência judiciária gratuita será prestada aos que dela necessitarem, através de defensor público ou advogado nomeado”. 87
A legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública é baseada no Código de Defesa do Consumidor e na Lei n. 11.448, de 15 de janeiro de 2007 que alterou a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, lei está que disciplina a ação civil pública, incluindo no rol dos legitimados a Defensoria Pública – artigo 5o., inciso II. 88
EMENTA - CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DOS INTERESSES DOS CONSUMIDORES DE ENERGIA ELÉTRICA. ILEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INOCORRÊNCIA. I - O Tribunal a quo julgou satisfatoriamente a lide, pronunciando-se sobre o tema proposto, tecendo considerações acerca da demanda, tendo apreciado a questão afeita à tempestividade da apelação interposta pelo ora recorrido, entendendo que lhe é assegurado o prazo em dobro para recorrer, não havendo, portanto, que se falar em nulidade do acórdão hostilizado. II - A hipótese em tela diz respeito à ação civil coletiva, ajuizada pelo Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro - NUDECON, em defesa dos consumidores de energia elétrica daquele Estado, contra Light Serviços de Eletricidade S/A e CERJ - Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro, em que postula a ilegalidade de artigos da Portaria nº 466/97 do DNAEE, com a abstenção das rés em suspender o fornecimento de energia elétrica, bem como em calcular a dívida dos consumidores com base em tal regramento legal, condenando aquelas na repetição de valores pagos indevidamente. III - A Defensoria Pública não possui legitimidade para propor ação
49
O Código de Defesa do Consumidor, Lei n° 8.078, de 11 de
setembro de 1990, disciplina em seu artigo 5º, inciso I, sobre a necessidade de ser
fornecida assistência jurídica integral e gratuita para o carente.
Assim, deve ser fornecida a assistência jurídica aos hipossuficientes,
através da orientação e propositura de ações, papel desempenhado pela Defensoria
Pública, conforme comenta FILOMENO89.
Por fim, em todos os processos judiciais ou administrativos que atuar
o Defensor Público, nas diversas áreas (cível, penal, etc.), o mesmo nunca deve
perder de vista a necessidade de lutar para garantir efetivamente o contraditório e a
ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal) da parte assistida.
coletiva, em nome próprio, na defesa do direito de consumidores, porquanto, nos moldes do art. 82, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, não foi especificamente destinada para tanto, sendo que sua finalidade institucional é a tutela dos necessitados. IV - O Supremo Tribunal Federal, reforçando o entendimento sufragado, por meio da ADIN nº 558-8/MC, exarou entendimento no sentido da legitimidade da Defensoria Pública para intentar ação coletiva tão-somente para representar judicialmente associação desprovida dos meios necessários para tanto, não possibilitando a atuação do referido órgão como substituto processual, mesmo porque desprovido de autorização legal, a teor do art. 6º do CPC. V - Recursos especiais providos, para determinar a ilegitimidade ativa ad causam do NUDECON, com a conseqüente extinção do processo sem julgamento de mérito, restando prejudicada a apreciação acerca do prazo em dobro para o recorrido apelar. Acórdão - Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento aos recursos especiais, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Srs. Ministros TEORI ALBINO ZAVASCKI, DENISE ARRUDA e JOSÉ DELGADO votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro LUIZ FUX (STJ - REsp 734176 / RJ; RECURSO ESPECIAL2005/0038689-0 – Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO - DJ 27.03.2006 p. 196RB vol. 511 p. 25). 89- “E, com efeito, visou o legislador pátrio não apenas a dar cobro àquele mandamento constitucional, como também a prestar ao consumidor, de modo geral, uma assistência não apenas judiciária, defendendo-o no seio de uma demanda judicial, como também orientando-o a respeito de seus interesses e direitos.Com efeito, o consumidor, já em decorrência de sua vulnerabilidade manifesta, vê-se na maioria das vezes em situação de desamparo e desorientação, cabendo às defensorias públicas, destarte, relevante papel de orientação integral, além, certamente, de representá-lo em juízo, sempre que necessário.”FILOMENO, José Geraldo Brito .GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed., rev, atual e ampl. Brasil: Forense Universitária, 1999, p.93.
50
Somente para encerrar, é mister lembrar que as funções
institucionais da Defensoria Pública poderão ser exercidas inclusive contra as
pessoas jurídicas de Direito Público (artigo 4º, §2º, da Lei Complementar n° 80, de 12
de janeiro de 1994), não havendo qualquer impedimento quanto a isso.
2.3 Organização das Defensorias Públicas na Lei Complementar n. 80, de 12 de
janeiro de 1994
Dentre os temas tratados pela Lei Complementar n. 80, de 12 de
janeiro de 1994 está a organização da Defensoria Pública da União, do Distrito
Federal e dos Territórios, bem como a referente aos Estados.
A Defensoria Pública da União, do Distrito Federal, dos Territórios e
dos Estados compreendem os órgãos de administração superior90, os órgãos de
atuação91 e os órgãos de execução92 (artigos 5o ,53 e 98). A administração superior
compreende a Defensoria Pública-Geral, a Subdefensoria Pública-Geral, o Conselho
Superior da Defensoria Pública e a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública, em
suas respectivas abrangências: União, Distrito Federal, Territórios e Estaduais.
Já os órgãos de atuação da Defensoria Pública da União são as
Defensorias Públicas da União nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios e
os núcleos da Defensoria Pública da União. Quanto aos órgãos de execução: os
Defensores Públicos da União nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios.
90
“Órgãos de administração superior, que desenvolvem as atividades-meios da Instituição”. ALVES, Cleber Francisco, PIMENTA, Marilia Gonçalves. Acesso à Justiça em preto e branco: Retratos Institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, p.131. 91
“Órgãos de atuação, que desenvolvem as atividades-fim da Instituição, consubstanciados nas Defensorias Públicas e nos Núcleos da Defensoria Pública.” Idem 92
“Órgãos de execução, que são os Defensores Públicos, agentes políticos que executam as funções institucionais.” Idem
51
Os órgãos de atuação da Defensoria Pública do Distrito e dos
Territórios são as Defensorias Públicas do Distrito Federal e dos Territórios; os
núcleos da Defensoria Pública e do Distrito Federal e dos Territórios; e os órgãos de
execução são os Defensores Públicos do Distrito Federal e dos Territórios (artigo 53,
incisos II e III).
Quanto a Defensoria Pública Estadual, os órgãos de atuação são as
Defensorias Públicas do Estado e os núcleos da Defensoria Pública do Estado. Os
órgãos de execução são os Defensores Públicos do Estado (artigo 98, incisos II e
III).
O Defensor Público-Geral é o chefe da Defensoria Pública, sendo
que no caso da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, o
mesmo será nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira
maiores de trinta e cinco anos, para mandato de dois anos, permitida uma
recondução. No caso do Defensor Público-Geral da União é necessária a aprovação
de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, precedida de
nova aprovação do Senado Federal, em caso de recondução (artigos 6o e 54).
O Defensor Público-Geral do Estado será nomeado pelo Governador
do Estado, dentre integrantes da carreira maiores de trinta e cinco anos, na forma
disciplinada pela legislação (artigo 99).
O Subdefensor Público-Geral da União, do Distrito Federal e dos
Territórios, que poderá, em caso de ser o da União, ser em número superior a um,
conforme a necessidade da Instituição, também será nomeado pelo Presidente da
República, dentre os integrantes da Categoria Especial da carreia, escolhidos pelo
Conselho Superior, pelo prazo de 02 anos, sendo que caberá ao mesmo, dentre
outras funções, a substituição do Defensor Público-Geral em caso de suas faltas,
52
impedimentos, licenças ou férias (artigos 7o e 55) e o auxílio do Defensor Público-
Geral nos assuntos de interesse da Instituição (artigo 8o., parágrafo único, inciso I e
artigo 56, parágrafo único, letra a).
Em relação ao Subdefensor Público-Geral do Estado o mesmo
também será nomeado pelo Governador do Estado, dentre integrantes da carreira,
na forma da legislação estadual, sendo que poderá ser em número superior a um, e
substituirá o Defensor Público-Geral do Estado em caso de suas faltas,
impedimentos, licenças ou férias (artigo 99, parágrafo 1o).
Dentre as funções do Defensor Público-Geral da União, do Distrito
Federal e dos Territórios, estabelecidas nos artigos 8o. e 56, estão a de dirigir a
Defensoria Pública, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a
atuação; representa-la judicial e extrajudicialmente; velar pelo cumprimento das
finalidades Institucionais; praticar atos de gestão administrativa, financeira e de
pessoal, decidindo sobre o afastamento, designação, lotação e distribuição dos
membros da Defensoria Pública; sobre a aplicação de penas aos mesmos e delegar
atribuições à autoridade que lhe seja subordinada, na forma da lei.
Já o Defensor Público-Geral do Estado compete dirigir a Defensoria
Pública do Estado, superintender e coordenar suas atividades, orientar-lhe a
atuação e representa-la judicial e extrajudicialmente (artigo 100).
O Conselho Superior da Defensoria Pública da União, do Distrito
Federal, dos Territórios e dos Estados será composto pelo Defensor Público-Geral,
que será seu presidente, pelo Subdefensor Público-Geral e pelo Corregedor–Geral,
como membros natos e por representantes da categoria mais elevada da carreira
(artigos 9o., 57 e 101).
53
No caso do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, do
Distrito Federal e dos Territórios, seus representantes serão em igual número dos
membros natos, eleitos pelo voto obrigatório, por todos os integrantes da Instituição,
com mandato de dois anos, sendo que as deliberações serão tomadas por maioria
de votos (artigos 9o e 57), devendo suas decisões serem motivadas e publicadas,
salvo as hipóteses de sigilo.
Compete ao Conselho Superior da Defensoria Pública da União, do
Distrito Federal e dos Territórios, exercer o poder normativo no âmbito da Defensoria
Pública; opinar, por solicitação do Defensor Público-Geral, sobre matéria pertinente
à autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública; elaborar lista tríplice
visando à promoção por merecimento; aprovar a lista de antiguidade dos membros
da carreira; recomendar a instauração de processo disciplinar, conhecer e julgar
recurso contra decisão em processo administrativo disciplinar e decidir sobre pedido
de revisão no mesmo; deliberar sobre a organização de concurso para o ingresso na
carreira, organiza-los, apontar os representantes da carreira que farão parte da
Comissão de Concurso e sobre seus respectivos regulamentos; bem como demais
atribuições constantes dos artigos 10o e 58 da lei em codex.
O Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado terá membros
natos e membros da categoria mais elevada, em número e forma a serem fixados
em lei estadual, competindo ao mesmo exercer as atividades consultivas, normativas
e decisórias a serem previstas na lei estadual (artigos 101 e 102)
A Corregedoria-Geral da Defensoria Pública é órgão de fiscalização
da atividade funcional e da conduta dos membros e dos servidores da Defensoria
Pública (artigos 11, 59, 103), sendo exercida pelo Corregedor-Geral, indicado dentre
os integrantes da classe mais elevada da carreira pelo Conselho Superior e
54
nomeado pelo Presidente da República, no caso da Corregedoria-Geral da União,
do Distrito Federal e dos Territórios, e pelo Governador do Estado, no caso da
Corregedoria-Geral do Estado, para mandato de dois anos (artigos 12, 60 e 104),
podendo ser destituído pelo Conselho Superior, a pedido do Defensor-Público Geral,
mas sendo necessário assegurar ampla defesa e haver dois terços dos votos do
Conselho.
Destaca-se, dentre as funções do corregedor, a de realizar
correições e inspeções; propor a instauração de processo disciplinar e receber e
processar as representações contra os membros da Defensoria Pública,
encaminhando-as, com parecer ao Conselho Superior; emitir relatório anual, todo
janeiro, das atividades desenvolvidas no ano anterior, acompanhar o estágio
probatório, propondo sua suspensão ou a exoneração daqueles que não cumprirem
as condições do mesmo (artigos 13, 61 e 105).
“A Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito
Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar,
Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União” (artigo 14), podendo
atuar por meio de Núcleos (artigo 16).
Já a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios exercerá
suas funções através de Núcleos (artigo 62).
Os órgãos de atuação da Defensoria Pública da União, do Distrito
Federal e dos Territórios, serão dirigidos por um Defensor Público-Chefe, nomeado
pelo Defensor Público-Geral (artigos 15 e 63).
A Defensoria Pública da União deverá firmar convênios com as
Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal, para que estas, em seu
nome, atuem junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição, no
55
desempenho de suas funções, devendo, preferencialmente, atuarem perante o
Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores (artigo 14, parágrafo 1o e 2o).
A Defensoria Pública dos Estados prestará assistência jurídica aos
necessitados, em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do
Estado, cabendo a mesma interpor recursos aos Tribunais Superiores, quando
necessário, e poderão atuar através de Núcleos (artigos 106 e 107).
2.4 Notas relevantes sobre a legislação institucional
Ao tratar da legislação institucional da Defensoria Pública, procurar-
se-á faze-lo com base na Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994, isso
porque as legislações estaduais seguem sua dinâmica.
A Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994 surge com a
necessidade de organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos
Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá
outras providências.
No artigo 1o., a lei já deixa claro que “a Defensoria Pública é
instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar
assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados,
assim considerados na forma da lei.”
Já no seu artigo 2o., consta que a mesma abrange a Defensoria
Pública da União, do Distrito Federal, dos Territórios, bem como as Estaduais.
Quanto ao artigo 3o. e 4o., os mesmos tratam respectivamente dos
princípios institucionais e das funções institucionais, tema que já foi abordado
anteriormente, tornando despicienda novas indagações.
56
Em relação aos dispositivos legais que tratam da organização das
Defensorias Públicas, diga-se, União, Estados, Distrito Federal e Territórios, já foram
tratados no tópico acima.
Destarte, seguindo na análise, cabe ao Defensor Público da União,
do Distrito Federal e dos Territórios o papel de orientar, postular e defender os
direitos e interesses dos necessitados, requerendo a gratuidade de justiça para os
mesmos; a tentativa de conciliação das partes, antes de promover a demanda;
acompanhar e comparecer aos atos processuais e impulsionar os processos;
interpor os recursos necessários para qualquer grau de jurisdição e promover a
revisão criminal, nos casos pertinentes; sustentar, oralmente ou por memorial, os
recursos interpostos e as razões apresentadas pela Defensoria Pública da União, do
Distrito Federal e dos Territórios; defender os acusados em processo disciplinar
(artigo 18, 64).
Já aos Defensores Públicos Estaduais incumbe, afora o determinado
pela lei estadual, a função de orientar e defender os desfavorecidos
economicamente, no âmbito judicial, extrajudicial e administrativo do respectivo
Estado (artigo 108).
A carreira do Defensor Público é escalonada, sendo que no caso da
Defensoria Pública da União à mesma se divide em cargos de Defensor Público da
União de 2a. Categoria (inicial); de 1a. Categoria (intermediária) e de Categoria
Especial (final) (artigo 19).
A Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios é
composta pelas carreiras dos profissionais acima apontados (Defensores Públicos
do Distrito Federal e dos Territórios), dividindo-se em três categorias de cargos
57
efetivos: Defensor Público do Distrito Federal e dos Territórios de 2a. Categoria
(inicial); de 1a. Categoria (intermediária) e de Categoria Especial (final) (artigo 65).
Os órgãos e serviços auxiliares de apoio administrativo, bem como a
carreira do Defensor Público estadual deverá ser estabelecida pela legislação
Estadual, devendo o mesmo atuar junto a todos os Juízos de 1o. grau de jurisdição,
núcleos, órgãos judiciários de 2o. grau de jurisdição, instâncias administrativas e
Tribunais Superiores (artigos 109, 110 e 111).
Quanto à atuação dos Defensores Públicos da União, os de 2a
Categoria atuarão perante os Juízos Federais, Juntas de Conciliação e Julgamento,
Juntas e Juízes Eleitorais, Juízes Militares, Auditorias Militares, Tribunal Marítimo e
instâncias administrativas. Já os de 1a Categorias nos Tribunais Regionais Federais,
Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais Regionais Eleitorais. Os de Categoria
Especial junto ao Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho,
Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar. Por fim, o Defensor Público-
Geral atuará junto ao Supremo Tribunal Federal (artigos 19 até 23).
Os Defensores do Distrito Federal de 2a. Categoria atuarão nos
Núcleos das Cidades Satélites, junto aos Juízes de Direito e às instâncias
administrativas do Distrito Federal e dos Territórios, ou em função de auxílio ou
substituição nos Núcleos do Plano Piloto (artigo 66). Os de 1a. Categoria nos
Núcleos do Plano Piloto, junto aos Juízes de Direito e às instâncias administrativas
do Distrito Federal e dos Territórios, ou em substituição junto ao Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e Territórios (artigo 67). Por fim, os de Categoria Especial atuarão
junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, bem como perante aos
Tribunais Superiores, quando for o caso (artigo 68).
58
O ingresso na carreira de Defensor Público da União, do Distrito
Federal e dos Territórios se fará mediante aprovação em concurso público de provas
e títulos, sendo exigido do candidato o registro na Ordem dos Advogados do Brasil,
até o momento da inscrição, com exceção dos proibidos de obtê-la, devendo, ainda,
comprovar dois anos de prática forense (artigos 24 até 27; 69 até 72).
Não obstante, o ingresso nos cargos para a Defensoria Pública
Estadual também será mediante concurso público de provas e títulos, que deverá
obedecer ao determinado na legislação estadual.
Para os aprovados no concurso de Defensor Público da União, do
Distrito Federal, dos Territórios e dos Estados, a nomeação será feita, no caso dos
primeiros, pelo Presidente da República, e no caso do último, pelo Governador do
Estado, em cargos iniciais da carreira, respeitando a ordem de classificação e o
número de vagas (artigo 113), sendo permitido pela legislação, aos Defensores
Públicos da União, do Distrito Federal e dos Territórios, o direito de escolha do órgão
de atuação, desde que vagos, sendo que o Defensor Público-Geral fará a lotação e
a distribuição dos Defensores Públicos (artigo 28, 29, 73 e 74).
As promoções (Defensor Público da União, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Estados) obedecerão aos critérios de antiguidade, constatada pelo
tempo que o Defensor Público está na categoria, e de merecimento, através de lista
tríplice, para cada vaga, organizada pelo Conselho Superior, em sessão secreta,
com ocupantes da lista de antiguidade, em seu primeiro terço, sendo necessário dois
anos de efetivo exercício na categoria, dispensado tal período se não houver pedido
de promoção por quem o tenha ou se houver recusa da promoção por quem o
possua (artigos 30 até 32; 75 até 77; 115 e 116).
59
O Conselho Superior fixará os critérios objetivos para a promoção
por merecimento, não sendo permitida a promoção por merecimento do Defensor
Público que tenha sofrido penalidade, ficando estabelecida pela legislação, que no
caso dos Defensores Públicos da União, do Distrito Federal e dos Territórios, a
penalidade de advertência o impede de ser promovido pelo período de um ano antes
da ocorrência da vaga e a de suspensão o impede pelo período de dois anos, sendo
que no caso dos Defensores Públicos Estaduais o prazo será determinado pela
legislação Estadual. Por outro lado, é obrigatória a promoção do Defensor Público
que figurar por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento,
com exceção dos casos acima constantes (artigo 33, 78, 116 par. 5o., e 117).
É garantido o direito de inamovibilidade do Defensor Público, com
exceção de apenamento com remoção compulsória, nos casos previstos em Lei,
sendo assegurada ampla defesa em processo administrativo disciplinar. Poderá o
Defensor Público requerer remoção através de pedido ou permutar. O pedido será
feito nos casos de remoção que precederá o preenchimento da vaga por promoção
e julgado pelo critério de antiguidade. Quanto á permuta deverá ser feita através de
requerimento dos interessados, ambos membros da mesma categoria da carreira
(artigos 34 até 38; 79 até 83,118 até 123).
A lei fixará a remuneração dos cargos da carreira da Defensoria
Pública da União, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Estados observado o
disposto no art. 135 da Constituição Federal (artigo 39, 84 e 124).
As férias serão concedidas aos membros da Defensoria Pública da
União, do Distrito Federal e dos Territórios pelas chefias a que estiverem
subordinados (artigo 41, 86), e aos membros da Defensoria Pública Estadual diante
do estabelecido na Lei estadual (artigo 125), sendo permitido o afastamento para
60
estudo ou missão no interesse da Defensoria Pública da União, do Estado, do
Distrito Federal e dos Territórios, pelo prazo máximo de dois anos, devendo ser
concedida pelo Defensor Público-Geral, que em caso de interesse público poderá
interrompê-lo (artigo 42, 87 e 126).
61
3 PANORAMA DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS NO BRASIL
3.1 Considerações Iniciais
O panorama das Defensorias Públicas no Brasil será traçado através
do estudo nacional sobre a Instituição, realizado pela Secretaria de Reforma do
Judiciário (Ministério da Justiça) em parceria com o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), publicado em 2006, com o título de “II Estudo
Diagnóstico da Defensoria Pública”.
Outrossim, também serão utilizados alguns dados do primeiro
estudo feito, publicado em dezembro de 2004, em Brasília, com o título “Estudo
Diagnóstico - Defensoria Pública no Brasil”.
O Ministério da Justiça realizou o primeiro estudo nacional das
Defensorias Públicas, visando conseguir dados capazes de servir de apoio às
mudanças necessárias, aumentando o conhecimento sobre a Instituição no Brasil
para possibilitar seu fortalecimento, por entender que a Defensoria Pública é a
Instituição que tem por objetivo a concretização do acesso à Justiça, exercendo
função relevante à efetivação dos direitos, sendo que somente através da
solidificação das Instituições democráticas será possível concretizar o disposto na
Constituição Federal de 1988.
Quanto ao segundo estudo, na sua apresentação já constou que
mais que uma atualização, esse estudo é um verdadeiro monitoramento das
transformações operadas na Defensoria Pública nesses últimos dois anos,
especialmente em razão das conquistas decorrentes da autonomia da instituição, e
ajuda a apontar o caminho à democratização do acesso à Justiça.
62
O diagnóstico aponta, também, uma opção política por um serviço
público de qualidade que ainda padece de estrutura precária, mas ganha força e
legitimidade a cada dia. Que revela, enfim, a possibilidade de utilizar os mecanismos
estatais para a construção da cidadania e para a proteção da dignidade humana, de
uma forma eficiente, dinâmica, e, sobretudo, próxima daqueles que mais dela
necessitam.
Assim, com base nesses documentos e utilizando seus dados,
passa-se a tratar do tópico panorama das Defensorias Públicas no Brasil.
3.2 Retrato da Defensoria Pública
O retrato da Defensoria Pública, traçado no I Estudo Diagnóstico,
constatou que o Poder Público investia apenas 6,15% dos gastos com o sistema de
Justiça nas Defensorias Públicas, e que, apesar disso, os Defensores Públicos
possuem alta produtividade.
Apesar da preocupação do Defensor Público com as causas sociais,
a falta de condições de trabalho e a remuneração inferior as demais carreiras
jurídicas de Estado, desestimulam os mesmos a permanecer na carreira, levando
muitos a utilizá-la como trampolim para carreiras melhores remuneradas.
Outro dado importante é o de que os Estados que menos investem
na Defensoria Pública são, em geral, aqueles que possuem os piores índices de
desenvolvimento humano, demonstrando um círculo vicioso.
Certo é que, a igualdade democrática efetiva-se na atuação da
Defensoria Pública, ao garantir assistência jurídica àqueles que não têm condições
de pagar um advogado, rompendo as barreiras impostas pela estrutura econômica,
63
conseguindo, inclusive, solucionar controvérsias de forma pacífica, sendo o seu
papel absolutamente essencial para a realização de um Estado Democrático,
assentado em princípios igualitários.
Já o II Estudo Diagnóstico verificou melhoras do ano de 2004 até o
de 2006, principalmente diante das Emendas Constitucionais n. 41 e 45 que
afetaram diretamente a Defensoria Pública, possibilitando a primeira emenda um
subsídio digno, ao estabelecer como teto o valor de 90,25% do subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, e a segunda em prever a
autonomia administrativa e financeira as Defensorias Públicas.
Assim, mister se faz efetivá-las, principalmente através da garantia
de dotação orçamentária visando possibilitar a estruturação da Instituição, com a
respectiva efetivação do serviço público.
3.3 Organização da Defensoria Pública no Brasil
Destaca o I Estudo Diagnóstico - Defensoria Pública no Brasil, que a
Constituição de 1988 determina que o Estado deve prestar assistência jurídica
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, inciso
LXXIV). Deste modo, é direito de todo cidadão sem condições de pagar um
advogado, que o Estado lhe indique uma pessoa habilitada a providenciar sua
orientação jurídica, bem como, a defesa de seus direitos perante o Poder Judiciário
ou fora dele.
A assistência jurídica integral e gratuita não se limita à mera
representação perante o Poder Judiciário, o que seria mera assistência judiciária,
64
mas deve abarcar todos os serviços de natureza preventiva, consultiva e pedagógica
em relação ao exercício de direitos.
A Defensoria Pública é justamente o órgão público, que o
constituinte incumbiu de garantir às pessoas carentes o acesso à Justiça. A
instituição é considerada, ao lado do Ministério Público e da Advocacia Pública, uma
das funções essenciais à Justiça, conforme dispõe o artigo 134 da Constituição
Federal.
Apesar de ser uma instituição una e indivisível, a Defensoria Pública
organiza-se em três ramos: Defensoria Pública da União (deve atuar junto à Justiça
Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar), Defensoria Pública
do Distrito Federal e dos Territórios e Defensoria Pública dos Estados (devem atuar
perante a Justiça Comum), conforme disciplina a Lei Complementar Federal nº 80,
de 12.01.1994.
Para que a defesa dos interesses das pessoas carentes seja feita de
forma controlada e eficiente, a lei exige que o defensor seja aprovado em concurso
público de provas e títulos, impondo-lhe ainda proibições e uma sistemática própria
de responsabilidade funcional, do mesmo modo que o investe de garantias e
prerrogativas necessárias ao adequado exercício de suas funções.
3.4 Perfil da Instituição no I Estudo Diagnóstico – Defensoria Pública no Brasil
Em um país que ostenta expressivos níveis de desigualdade, com
grande parte da população (cerca de 54%) percebendo dois ou menos salários
mínimos, a institucionalização de um serviço apto a prestar orientação e assistência
65
jurídicas torna-se requisito fundamental para a consolidação do Estado de Direito e
do regime democrático.
Na época do Diagnóstico, os traços institucionais das Defensorias
resultavam da análise de informações prestadas pelos Defensores Públicos Gerais,
sendo que dos vinte e sete Estados da Federação o questionário foi respondido por
vinte e dois, pelos seus respectivos Defensores Públicos-Gerais, excetuando apenas
o Estado do Paraná, que não enviou resposta do questionário, os Estados de Goiás,
Santa Catarina e São Paulo, que até a data do perfil traçado não possuíam
Defensoria Pública e o Estado do Rio Grande do Norte, que aprovará a lei orgânica
estadual criando a Defensoria Pública, mas ainda não havia implantado o serviço
respectivo, que era realizado pela Procuradoria Geral do Estado.
No que se refere às caracterizações demográfica e sociológica dos
integrantes da instituição e ao seu posicionamento em relação a temas atinentes à
Defensoria Pública e ao sistema de justiça, os dados foram obtidos a partir de um
questionário enviado a todos os defensores públicos no país.
O primeiro ponto constatado no I Estudo Diagnóstico foi o de que as
Defensorias Públicas possuíam em média treze anos de existência, sendo
constatado estrema diferença nas características de cada Defensoria Pública no
país – quanto à estrutura, distribuição das atribuições entre os órgãos superiores,
aporte orçamentário e remuneração de seus membros, mesmo diante das normas
gerais traçadas pela Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994 para a
organização das Defensorias Públicas Estaduais.
Infelizmente, de uma forma geral, a Defensoria Pública era ligada ao
Poder Executivo, sendo significativamente limitadas sua autonomia institucional e
capacidade de autogestão.
66
Por outro lado, entre os Estados que possuíam Defensoria Pública,
tais não possuíam cobertura do serviço em todo o seu território, possuindo em média
42,3% de atendimento contra 57,7% de comarcas não atendidas pela Defensoria
Pública.
Fato interessante constatado é o de que onde foram firmados
convênios as Defensorias Públicas atendiam, em média, 36% das comarcas, e onde
os convênios não foram firmados atendiam cerca de 71% das comarcas,
constatando o estudo que a celebração de convênios era meio de terceirização do
serviço de assistência jurídica integral e gratuita.
O Brasil contava com 1,86 defensores para cada 100.000
habitantes, enquanto dispunha de 7,7 juízes para cada 100.000 habitantes,
gastando com as Defensorias Públicas cerca de R$ 0,01 a R$ 11,93 por habitante,
ou de R$ 0,02 a R$ 15,71 por habitante que possuíam renda até dois salários
mínimos mensais, sendo o custo médio do atendimento efetuado de R$ 108,00,
variando nos Estados de R$ 27,40 a R$ 432,30.
Destarte, apesar da origem histórica da Defensoria Pública, junto à
defesa criminal, as ações cíveis correspondiam a 76% das ações ajuizadas ou
respondidas pelas Defensorias Públicas Nacionais, sendo que, em 2003 cada
defensor público brasileiro ajuizou ou respondeu, em média, 308,2 ações cíveis,
112,8 ações criminais, realizou 1.594,3 atendimentos e participou de 298,7
audiências.
Ao tratar do defensor público, o estudo concluiu que, o membro da
carreira de defensor público no Brasil, era, na maioria, do sexo feminino, com média
de idade de 43 anos, de cor branca e casado; tinha uma média de 3,7 irmãos, e 1,6
filhos; 66,5% dos pais e 77,4% das mães não tinham grau universitário; 28,1% pais
67
não tinham nenhuma escolaridade; 85% dos defensores exerceram atividade
profissional antes de ingressar na carreira, e 11,5% tiveram ou têm parentes na
Defensoria e 18.9% na Magistratura.
Os Defensores Públicos apontavam que a possibilidade de advogar
para pessoas carentes, exercendo um trabalho social e a estabilidade no emprego
influenciaram na escolha da carreira, porém, 29,5% dos defensores estaduais e
47,1% dos defensores da União gostariam de exercer outra carreira jurídica, sendo
que 38,6% dos defensores públicos no país estavam se preparando para ingressar
em outra carreira.
Por outro lado, apontaram como as características mais importantes
para ser um bom defensor o saber técnico jurídico e a independência funcional, e
para a melhoria da Instituição a concessão de autonomias à instituição, a
legitimação da instituição para ajuizamento de ações coletivas, a utilização de meios
alternativos de solução de conflitos e apoio multidisciplinar.
Já a crise do judiciário na visão dos Defensores Públicos que
responderam o questionário se devia à falta de recursos materiais, à estrutura do
Judiciário e ao excesso de formalismo, sugerindo para melhorar o sistema de justiça
à instituição,de distribuição paritária das vagas do quinto constitucional entre os
membros do Ministério Público, advogados e defensores públicos, positivação do
princípio da celeridade processual no artigo 5º, da Constituição Federal, instituição
de quarentena para os magistrados e instituição do Conselho Nacional de Justiça.
68
3.5 O perfil da Instituição no II Estudo Diagnóstico – Defensoria Pública no
Brasil
O novo perfil traçado é baseado em 25 questionários, que foram
respondidos, após o envio para todo o país, sendo correto que foram enviados 26,
porém somente 25 foram respondidos. Novamente, a única unidade da Federação
que não enviou resposta foi o Paraná, onde o serviço de assistência jurídica não
está estruturado na forma da Constituição da República.
Destarte, também não foi remetido questionário para Santa
Catarina93, onde a Defensoria Pública ainda não foi implantada e para o Estado de
Goiás, que aprovou lei orgânica estadual criando a Defensoria Pública, mas, ainda
não implantou o serviço.
Destaca-se, felizmente, a criação das Defensorias Públicas do Rio
Grande do Norte e de São Paulo, em 2005 e 2006, razão pela qual participaram da
pesquisa, bem como a inclusão da Defensoria Pública da União, juntamente com as
Defensorias Públicas Estaduais.
Salienta-se, que a metodologia utilizada pelo diagnóstico ao analisar
os questionários respondidos é através da consideração de duas variáveis, com o
objetivo de classificar os Estados pesquisados em relação ao seu status social e
econômico: a) o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)94 e b) os dados
93 “A defensoria pública ainda não existe em solo barriga-verde. Trata-se de uma omissão gravíssima. Não fosse a postura solidária dos advogados que integram a OAB/SC, as pessoas carentes estariam completamente desamparadas. Em face da inexistência da defensoria pública, são os advogados catarinenses que ingressam com ações e propõem defesas judiciais em favor daquelas pessoas, mediante uma pequena remuneração paga pelo Estado ao final de cada processo. Contudo, apesar da relevância desse serviço, isto é pouco perto do que a defensoria pública pode fazer, e já faz em praticamente em todo o Brasil”. JUNKES, Sérgio Luiz. Omissão grave. Disponível em: http://www.adaped.org.br/artigos.htm. Acesso em: 08 nov. 2006. 94 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) resulta da combinação de três fatores: longevidade (medida pela esperança de vida ao nascer), educação (medida pela combinação da taxa de
69
referentes ao percentual da população do Estado com rendimento de até três
salários mínimos95.
Cada uma destas variáveis foi subdividida em quartis (baixo, médio-
baixo, médio-alto e alto).
A proporção da população em relação à população total, que
percebe até 3 salários mínimos, determina os cortes nos diferentes quartis. Assim, a
combinação das duas variáveis indica que as unidades federativas com os melhores
posicionamentos são aquelas que se localizam no quarto quartil ou “alto”, no que se
refere ao IDH, e no primeiro, no que diz respeito, ao percentual da população com
renda até 3 salários mínimos. Inversamente, as unidades com os piores
posicionamentos são os incluídos no primeiro quartil ou “baixo” da classificação
baseada no IDH e no quarto quartil na ordenação decorrente da proporção da
população com renda até 3 salários mínimos.
3.5.1 Atribuições do Defensor Público-Geral
A importância de se saber as atribuições dos Defensores Públicos-
Gerais de cada Estado, União e Distrito Federal, diz respeito ao fato das mesmas
refletirem na autonomia da Defensoria Pública, estabelecendo os limites das
prerrogativas e impondo parâmetros para a atuação.
Posto isso, a análise baseou-se em seis atribuições do Defensor
Público-Geral, todas ligadas à autonomia administrativa, financeira e funcional.
A primeira atribuição, diz respeito, à possibilidade dos Defensores
Públicos-Gerais poderem propor diretamente ao Poder Legislativo projeto de lei para
alfabetização de adultos, com peso de 2/3, e da taxa de matrícula nos três níveis de ensino, com peso de 1/3) e renda (medida pelo PIB per capita).
70
criação ou extinção de cargos de seus membros e servidores, bem como a fixação
de seus vencimentos. Somente seis chefes de Instituição podem fazê-lo, são os de
Roraima, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul, destacando-se que em nenhum dos Estados que compõem a faixa de IDH
baixo, o Defensor Público-Geral tem iniciativa legislativa.
A segunda atribuição trata da possibilidade do Defensor Público-
Geral decidir sobre sanções disciplinares aplicadas a defensores públicos ou
servidores, sendo que somente nos Estados de Pernambuco, Rondônia e Amapá,
não se possui essa atribuição.
Quanto a terceira atribuição, a de poder iniciar concurso público de
provas e títulos para o ingresso nos cargos iniciais da carreira de Defensor Público
ou servidores auxiliares, dezessete Defensores Públicos-Gerais podem fazê-lo,
sendo exceção os dos seguintes Estados: Acre, Amapá, Distrito Federal, Minas
Gerais, Pará, Paraíba, Maranhão e União, destacando o relatório que nos anos de
2004 e 2005, onze Defensorias Públicas realizaram concursos, sendo que destas
nove podiam decidir sobre abertura de concurso, sendo Minas Gerais e a Defensoria
Pública da União as únicas exceções.
Em relação à possibilidade de prover os cargos iniciais da carreira e
dos serviços auxiliares são hoje em número de doze Defensorias Públicas, quais
sejam: Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, São Paulo e
Tocantins. Dentre esses doze Estados, quase todos também gozam da atribuição de
abrir concurso público, ou seja, há nítida correlação entre essas atribuições. Apenas
o Defensor Público-Geral do Maranhão não pode determinar a abertura de concurso,
mas tem atribuição para prover os cargos.
95 a população que recebe até três salários mínimos constitui o público alvo da Defensoria.
71
No que se refere à autonomia administrativa, funcional, financeira e
orçamentária da Defensoria Pública dos Estados, prevista na Emenda Constitucional
n. 45, vê-se, garantido o direito da Defensoria Pública pode elaborar a folha de
pagamento de seus membros e servidores, diga-se, como reflexo da autonomia
financeira, ocorrendo em treze Estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Piauí,
Amapá, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Roraima, Rondônia, Rio
Grande do Norte, Tocantins e União.
Em decorrência da autonomia administrativa, a atribuição de
compor, por ato próprio, seus órgãos de administração superior é exercida por treze
Defensorias Públicas: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Acre, Bahia,
Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Roraima,
Rondônia, Tocantins e União.
3.5.2 Forma de escolha do Defensor Público-Geral
Conforme o II diagnóstico, a forma de escolha do Defensor Público
Geral é um indicativo elementar para se apurar o grau de autonomia da Defensoria
Pública e a participação dos integrantes da carreira nas decisões políticas de cunho
institucional.
Assim, a nomeação, que será feita pelo governador do Estado, pode
resultar de uma lista tríplice elaborada pelos integrantes da carreira através de
eleição (forma majoritária hoje) ou ser de livre nomeação, sempre dentre defensores
públicos, como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal96.
96
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.903-7 PB, promovida pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP.
72
Os Estados em que o Defensor Público-Geral é escolhido dentre os
integrantes de lista tríplice são: Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Tocantins e Roraima.
Por outro lado, a escolha é feita livremente pelo governador nos
Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Piauí, Distrito Federal, Espírito Santo
e Sergipe. No caso da Defensoria da União, a escolha é feita livremente, dentre
integrantes da carreira, pelo Presidente da República.
3.5.3 Existência de Lei Orgânica
Com exceção do Distrito Federal, todos os Estados que possuem
Defensoria Pública dispõem de Lei Orgânica, afora, logicamente, a Lei Orgânica
Nacional da Defensoria Pública, Lei n. 80, de 12 de janeiro de 1994.
Quanto ao Distrito Federal, o problema encontra-se no fato da
Instituição ser organizada é mantida pelo Governo do Distrito Federal, muito embora
a Constituição da República atribua essa responsabilidade à União, situação que
está se tentando mudar, através da Proposta de Emenda Constitucional n. 358/05.
3.5.4 Autonomia da Instituição
No tocante à autonomia das Defensorias Públicas o quadro
encontrado é o seguinte: a Defensoria Pública da União é subordinada diretamente
ao Ministério da Justiça, as Defensorias Públicas do Distrito Federal, Minas Gerais e
Pernambuco estão subordinadas às secretarias de Estado e as demais estão
73
ligadas diretamente ao governador do Estado ou mesmo já conquistaram relativo
grau de autonomia.
3.5.5 Conselho Superior
A existência ou não de um Conselho Superior e a sua forma de
composição são indicadores do nível de democracia interna da instituição, visto que,
a existência de um órgão colegiado aponta para uma maior probabilidade de
compartilhamento e descentralização nos processos de tomada de decisões e de
gestão da instituição.
Certo é que, todas as Defensorias Públicas possuem Conselho
Superior, o que demonstra a mudança da situação relatada no primeiro diagnóstico,
onde existiam cinco Defensorias Públicas que não contavam com esse órgão.
Quanto à composição dos Conselhos Superiores, apenas o do
Amapá é composto somente por membros natos, sendo a grande maioria (96%) de
composição mista (membros eleitos e membros natos).
Na grande maioria das Defensorias Públicas, o exercício do poder
normativo é realizado exclusivamente pelos Conselhos Superiores, sendo a única
exceção a Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Em relação à decisão quanto à destituição do cargo do Corregedor-
Geral também é uma competência atribuída ao Conselho Superior na grande maioria
das instituições, bem como à atribuição de organizar concursos para ingresso na
carreira.
Já no que diz respeito à competência exclusiva do Conselho
Superior para decidir sobre sanções disciplinares aplicáveis aos defensores públicos
74
ou aos servidores, ainda divide as unidades da Federação, sendo que em catorze
Estados o Conselho a possui e nos demais não.
3.5.6 Instalação
As Defensorias Públicas existentes no Brasil, possuem média de
idade de onze anos. Dentre as mesmas, a mais antiga é a do Rio de Janeiro,
instalada em 1954. Certo é que grande parte das Defensorias Pública foi criada após
a Constituição de 1988, sendo a última a do Estado de São Paulo, instalada em
2006, sucedendo as atividades até então prestadas pela Procuradoria Geral do
Estado, na área de assistência judiciária.
Destaca-se que o Estado de Goiás também aprovou a lei que cria a
Defensoria Pública, mas ainda não a instalou.
Com relação à variável de faixas de IDH, constata-se a repetição do
padrão lógico, ou seja, a Defensoria é mais jovem nos Estados localizados na faixa
de IDH baixo e mais antiga nos Estados de IDH mais elevado. Duas exceções, nos
dois grupos, devem ser feitas: a Defensoria da Bahia, que foi instalada em 1985 e,
por outro lado, a Defensoria de São Paulo, apenas em 2006.
3.6 Estrutura Orçamentária
3.6.1 Recursos
Os recursos da Defensoria Pública provêm dos orçamentos gerais
dos Estados e da União. O número de Estados que possuem um fundo destinado ao
75
custeio das Defensorias Públicas praticamente dobrou, visto que hoje, tem-se
catorze Estados e antes sete, e a composição dos fundos é marcada por expressiva
heterogeneidade no tocante à natureza de suas receitas, que contemplam
honorários de sucumbências, custas judiciais e extrajudiciais, taxas decorrentes de
inscrições em concursos de ingresso, vendas de publicações e receitas de
convênios firmados, dentre outras.
Outrossim, 68% das Defensorias Públicas têm assegurado o direito
de elaborar proposta orçamentária, porém, é necessário para que exista realmente a
autonomia institucional, o cumprimento por parte do ente federativo do montante a
ser repassado, respeito às cotas mensais do orçamento destinado à instituição
(duodécimos), e, lamentavelmente, apenas o Estado de Roraima cumpre
integralmente o repasse, pois, na maioria das unidades federativas não há repasse
dos duodécimos.
3.6.2 Pontos relevantes do orçamentário
No ano de 2005 o orçamento destinado à Defensoria nas diversas
unidades da Federação correspondeu a R$ 423.803.654,99, uma média de R$
17.658.485,62 por Instituição. Dentre os Estados o de menor aporte orçamentário foi
o do Amapá, com R$ 480.000,00 e o de maior aporte foi o do Rio de Janeiro, com
R$ 118.865.529,00.
Da análise dos dados foi constatado que, apesar da destinação de
recursos à Defensoria Pública ter se mantido no mesmo patamar, ocorreu um
expressivo aumento nos recursos efetivamente executados pela Instituição, em
76
média 25% a mais nos últimos dois anos, provavelmente graças à autonomia
financeira e orçamentária.
Interessante notar que, em alguns Estados ocorreu execução
superior à dotação, acréscimo esse, decorrente de suplementação ou
remanejamento orçamentário.
É mister constar que, em média, as unidades da Federação gastam
com a Defensoria Pública, por ano, R$ 5,10 por habitante e R$ 5,97 por cada
indivíduo que tem rendimentos inferiores a três salários mínimos, ou seja, o público
alvo da instituição.
Destarte, o Estado que menos gastou com a Defensoria Pública foi o
Rio Grande do Norte que, em 2005, despendeu R$ 0,06 por indivíduo que recebe
até 3 salários mínimos e o que mais gastou foi o Distrito Federal, que despende R$
22,34 por indivíduo, situado naquela faixa de renda. Da análise dos dados,
novamente se constatou no diagnóstico que os menores recursos foram
disponibilizados para os Estados com piores indicadores sociais.
3.6.3 Comparações com o Poder Judiciário e o Ministério Público
Através dos dados colhidos, o Diagnóstico apontou a participação do
orçamento executado pela Defensoria Pública no orçamento dos Estados no ano de
2004, sendo que as despesas referentes à Defensoria Pública, em média,
representam 0,24% dos gastos totais, as referentes ao Ministério Público
representam o valor de 1,91% e as referentes ao Judiciário o valor de 5,25%.
77
Apontou, também, que o orçamento executado em relação ao
sistema de justiça é de 3,33% para a Defensoria Pública, de 25,37% para o
Ministério Público e de 71,30% para o Judiciário.
Salienta-se que tais valores não são suficientes, principalmente se
for observado que o público alvo do atendimento prestado pelas Defensorias
Públicas é de 70,85% da população do país.
3.6.4 Convênios
O estudo constatou que dezesseis, das vinte e cinco Defensorias
Públicas, mantém algum tipo de convênio com outras instituições para a prestação
de assistência jurídica gratuita, sendo que, quase a totalidade trabalha em parceria
com as faculdades de Direito, que continuam a ser a principal parceira,
representando 46,9% do total de convênios mantidos.
Dentre as 16 Defensorias Públicas que informaram celebrar algum
tipo de convênio, os mais freqüentes são: faculdades de Direito (93,8%), ONGs
(50%), outras entidades (46,7%) e, em último lugar, OAB (31,3%). Não obstante,
foram citadas como outras entidades conveniadas: prefeituras, Secretarias
Estaduais, Ministério Público e Câmaras Municipais.
Por outro lado, o aumento do número de entidades conveniadas,
correspondeu também a um significativo acréscimo dos recursos destinados à
Defensoria Pública para o pagamento dessas entidades, sendo que, algumas
Defensorias destacaram que os convênios não visam à prestação de serviços
jurídicos diretos, o que significaria uma forma de buscar serviços auxiliares e de
apoio, porém, o diagnóstico deixou a análise desse ponto para estudo posterior.
78
3.7 Defensoria em Atividade
3.7.1 Número de cargos existentes e defensores na atividade
O primeiro dado a ser apontado é o número de cargos de Defensor
Público existentes no Brasil. No ano de 2003 eram 5.310 cargos, já no ano de 2005
ocorreu uma melhora com elevação do número de cargos para 6.575, porém,
desses 6.575 cargos somente 3.624 encontravam-se preenchidos no ano da
pesquisa, ou seja, apenas 55%.
É necessário constar que os 91 cargos para Defensor Público no
Amapá são preenchidos através de livre nomeação, ou seja, são cargos de
comissão, ferindo o disposto no artigo 134 da Constituição Federal, que determina o
preenchimento dos mesmos através dos aprovados em concurso público de provas
e títulos.
Outro dado interessante a ser observado, é do número de
Defensores Públicos em relação a possíveis pessoas a serem atendidas (maiores de
10 anos com renda até três salários mínimos), já que em média, incluindo a
Defensoria Pública da União, é de 1 defensor para cada 129.196 potenciais
assistidos, e excluindo a Defensoria Pública da União, ou seja, contando somente as
Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal, em média, há 1 defensor
para cada 83.222 potenciais destinatários de seus serviços.
Ao traçar uma comparação entre Defensoria Pública e o Ministério
Público, salientando que o cálculo feito pelo diagnóstico não computou o Ministério
Público da União (diante da ausência de dados) e também não computou os
79
Estados de Goiás, Paraná e Santa Catarina, lembrando, ainda, que a Constituição
Federal de 1988 considerou ambos funções essenciais à justiça e dotadas de
autonomia funcional, administrativa e orçamentária, verifica-se que há quase 3 vezes
mais integrantes do Ministério Público dos Estados do que defensores públicos
estaduais.
3.7.2 Remuneração
Quanto à remuneração dos Defensores Públicos, a primeira coisa
que se observa é a inexistência de um padrão nacional, tanto em relação aos
valores iniciais e finais, bem como a distância entre eles.
Para uma comparação entre os Estados, parte-se da remuneração
inicial, isto porque, os salários finais estão sujeitos a outros acréscimos. O
diagnóstico apontou que as menores médias de remuneração inicial encontram-se
nos Estados localizados nas faixas de IDH médio alto e baixo, sendo R$ 1.703,39 e
R$ 1.827,07, respectivamente. A remuneração inicia alcança o valor máximo no
Distrito Federal (IDH alto) e no Piauí (IDH baixo), com R$ 13.000,00 e R$ 8.849,76,
respectivamente.
3.7.3 Comarcas atendidas, não atendidas e áreas de atuação
O Brasil conta com 2.510 comarcas e seções judiciárias, sendo que
destas 996 são atendidas pela Defensoria Pública, o que representa 39,7% das
existentes, sendo que os piores índices encontrados são dos Estados do Maranhão
com 4,1%, de São Paulo com 7,1% e Rio Grande do Norte com 11,1%, em absoluta
80
contraposição ao Distrito Federal e aos Estados do Acre, Paraíba, Amapá, Roraima,
e Mato Grosso do Sul que atendem 100% das existentes no Estado. Já a Defensoria
Pública da União consegue atender apenas 17,1%.
Destaca-se, que, para tentar amenizar e principalmente corrigir o
problema acima elencado, aponta-se, à necessidade do conferir aos Defensores
Públicos-Gerais a iniciativa de Lei para criação de cargos de Defensor Público e
pessoal de apoio.
É necessário lembrar que de acordo com a Constituição Federal de
1988 cabe a Defensoria Pública prestar assistência jurídica integral e gratuita aos
necessitados, devendo para tanto atuar em todas as áreas, prestando inclusive
atendimento extrajudicial.
A pesquisa realizada apontou que todas as Defensorias Públicas
têm atuação nas áreas cível (em geral), criminal, incluindo tribunal do júri e infância e
juventude, sendo que, com exceção do Pará, todas possuem Defensores Públicos
nas varas de execução penal e com exceção do Maranhão e Mato Grosso todas
atuam nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sendo que 17 Defensorias
Públicas atuam em processos junto aos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal
Federal e Superior Tribunal de Justiça).
Não obstante, 76% das Defensorias Públicas prestam atendimento a
entidades sem fins lucrativos; 28% possuem plantões regulares em delegacias de
polícia; 64% possuem plantões em unidades prisionais; 56% possuem plantões em
unidades de internação de adolescente; 76% possuem postos de atendimento
itinerantes e 44% prestam atendimento a microempresas.
Salienta-se, que a maioria dos Estados que não possuem os
atendimentos analisados, encontra-se na faixa de IDH baixo, seguidos dos
81
localizados na faixa de IDH médio baixo. Por outro lado, a maioria dos Estados que
prestam os atendimentos aqui relacionados encontra-se na faixa de IDH alto,
seguidos dos localizados na faixa de IDH médio alto.
Outro ponto importante constatado, foi à criação de núcleos
especializados com o objetivo de fornecer uma defesa com mais qualidade a
assuntos específicos, sendo os seguintes núcleos mais comuns: infância e
juventude, defesa do consumidor, idosos, mulheres, atendimento ao sistema
prisional, direitos humanos e regularização fundiária.
Quanto aos núcleos de Defesa do Consumidor é interessante
ressaltar que alguns destes já propuseram ações civis coletivas, com base na
legitimação prevista no Código de Defesa do Consumidor para entidades da
Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,
especialmente destinados à defesa dos interesses e direitos dos consumidores.
Destaca o diagnóstico, que a atuação da Defensoria Pública nas
unidades prisionais, pode vir a caracterizá-la como mecanismo preventivo nacional,
previsto no artigo 17, do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas
contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes,
que está em processo de ratificação pelo Brasil.
3.7.4 Atendimentos efetuados e critérios
Os atendimentos realizados pela Defensoria Pública no ano de 2005
totalizam 6.565.616, sendo aproximadamente 80% efetuado na área cível.
Comparando esses números com os atendimentos prestados no ano de 2003.
82
Verifica-se que no ano de 2005 foram atendidos 19% a mais, número maior que o
aumento de Defensores Públicos no mesmo período que foi de 11,5%.
Os Defensores Públicos prestaram no ano de 2005, em média,
1.689 atendimentos, e foram computados apenas os dias úteis, descontando-se
trinta dias de férias, tendo sido propostas 1.077.598 ações judiciais, com
aproximadamente 73% das ações de natureza cível.
Quanto ao número de audiências no ano de 2005, que contaram
com a participaram de Defensores Públicos, foram computadas 1.034.886, e que
não foram consideradas as audiências que participaram os Defensores Públicos da
União, diante do não fornecimento de dados pela Defensoria Pública da União.
Assim, em média, cada Defensor Público participou de 294
audiências durante o ano de 2005, e a menor média do País foi dos Defensores
Públicos do Maranhão e do Piauí que tiveram média de 93,3 audiências/ano e a
melhor média a da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul com 1.365
audiências/ano, sendo que em relação aos demais Estados não ocorreram variações
consideráveis da média geral apontada.
O custo médio de cada atendimento no Brasil foi de R$ 74,50, sendo
calculado com base na produtividade e nas despesas das instituições, utilizando-se,
assim, o orçamento executado no ano de 2005 em relação ao número de
atendimentos, número de ações propostas ou respondidas e o número de
audiências realizadas.
Como já mencionado anteriormente, diferenças expressivas são
encontradas quando consideradas as faixas de IDH. Os Estados localizados na faixa
de IDH baixo possuem média de custo de R$ 45,46 por atendimento. Nos Estados
localizados nas faixas de IDH médio baixo e médio alto, as médias aumentam para
83
R$ 65,66 e R$ 61,72, respectivamente. O grupo que compõe o quartil de maior IDH
tem o custo médio por atendimento mais elevado do país, de R$ 100,87. Os
menores custos, de R$ 11,30 e R$ 17,30, correspondem à Defensoria dos Estados
da Paraíba e da Bahia, ambas integrantes da faixa de IDH mais baixa (primeiro
quartil). Os maiores custos são do Rio Grande do Sul (R$ 256,80), Piauí (R$ 191,80)
e Espírito Santo (R$ 189,80), distribuídos entre os quarto, primeiro e terceiro quartis,
respectivamente.
Seguindo a cálculo apontado acima, para fins de comparação, os
custos médios no Brasil para cada ação ajuizada ou respondida, e para cada
audiência realizada com a participação de defensor público, são bastante próximos.
O custo de cada ação ajuizada é de R$ 425,83 e, para cada audiência, o valor
médio é de R$ 471,50.
Outro fato importante a ser levado em consideração, é o referente
aos critérios adotados para que uma pessoa possa vir a ser atendida pela
Defensoria Pública. O diagnóstico constatou que os mesmos variam entre as
unidades da Federação: renda, patrimônio pessoal, patrimônio familiar, valor da
causa e natureza da causa.
A pesquisa apontou o seguinte: 8 Defensorias Públicas adotam,
exclusivamente ou não, o critério do patrimônio pessoal, 8 optam pelo patrimônio
familiar, apenas 1 adota o critério do valor da causa, 2 adotam o critério da natureza
da causa, 4 adotam o valor e a natureza da causa e por fim 12 informaram utilizar
outros critérios.
Quanto ao critério renda existe uma variação no patamar a ser
adotado, variando entre até dois salários mínimos para o montante de até cinco
84
salários mínimos, porém, 32% das Defensorias Públicas optaram pelo patamar de
até três salários mínimos.
A análise do patrimônio pessoal como critério, ocorre em 10
Defensorias Públicas. Já o patrimônio familiar é levado em conta em 9 Defensorias
Públicas, o valor da causa dissociado da natureza da causa, constitui critério apenas
na Defensoria Pública do Amapá. Por outro lado, à natureza da causa, também
dissociada do valor da causa, é o critério adotado pelas Defensorias de Tocantins e
da União e a combinação do valor e da natureza da causa é considerada em 5
Defensorias Públicas, dentre outros critérios adotados.
O que não se pode perder de vista é que a legislação pátria não
estabeleceu um critério rígido, não determinando que poderia ser atendido aquele
que ganhasse até tanto, mas sim, um critério flexível, partindo da análise de todos os
elementos para se constatar se a pessoa possui ou não condições de arcar com as
custas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo da sua manutenção e de
sua família.
3.8 Considerações Finais
De forma resumida é preciso notar que o II Estudo Diagnóstico –
Defensoria Pública no Brasil, deixa claro que a Instituição é fundamental para a
democratização do acesso da população à Justiça, não só a formal, representada
pela porta de entrada ao Judiciário, como também, a defesa eficiente e de
qualidade, apta a garantir a efetividade dos direitos dos necessitados.
Felizmente, o Diagnóstico apontou avanços em relação ao anterior,
principalmente diante da Emenda Constitucional n. 45/04 que garante as
85
Defensorias Públicas autonomia funcional, administrativa e orçamentária, porém
existem dificuldades para concretizar as novas garantias.
Outro fato importante, foi à criação das Defensorias Públicas do
Estado de São Paulo e do Rio Grande do Norte, aprovação da Lei Complementar e
o inicio da realização de concurso no estado de Goiás, faltando no País apenas dois
Estados para criá-la.
Destaca-se que apenas 39,7% das comarcas e sessões judiciárias
são atendidas pela Defensoria Pública, sendo que os serviços são menos
abrangentes nas unidades da Federação que possuem os piores indicadores
sociais.
Certo é que o Brasil conta com 6.575 cargos de Defensor Público
estando apenas 55% dos mesmos preenchidos, contando também com 1,48
defensor público para cada 100.000 habitantes, enquanto dispõe de 7,7 juízes para
cada grupo de 100.000 habitantes, e 4,22 membros do Ministério Público para o
mesmo grupo de habitantes.
Outrossim, as despesas referentes à Defensoria representaram
0,24% das despesas totais dos Estados. Os Estados gastam, em média, R$ 85,80
por habitante com 3 instituições do Sistema de Justiça: 71,3% são destinados ao
Poder Judiciário, 25,4% ao Ministério Público e 3,3% do total é gasto com a
Defensoria Pública, valor claramente insuficiente diante da amplitude de seu público
alvo, que corresponde a 70,86% da população total do país.
Conclui-se pela análise do II Diagnóstico e pelos números acima
apontados, que, apesar da Defensoria Pública ter avançado, ainda está muito longe
de conseguir cumprir seu papel previsto na Constituição Federal de 1988, ocorrendo
86
a maior carência dos seus serviços nos Estados que possuem os piores indicadores
sociais.
É preciso reverter este quadro, não é aceitável, que no Estado
Democrático de Direito haja empecilhos para a população conseguir efetivar as
garantias previstas, diante da ausência ou deficiência de serviços de assistência
jurídica integral e gratuita.
87
4 DEFENSOR PÚBLICO NA LEI COMPLEMENTAR N. 80, DE 12 DE JANEIRO DE
1994
4.1 Garantias
As garantias do Defensor Público da União, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Estados são a independência funcional no desempenho de suas
atribuições; a inamovibilidade; a irredutibilidade de vencimentos e a estabilidade
(artigo 43, 88 e 127).
A independência funcional é uma das mais importantes garantias
estabelecidas pela lei ao Defensor Público, permitindo sua atuação sem interferência
ou temor, com ampla liberdade, limitada tão somente aos ditames da lei e a sua
consciência.
Sua independência funcional garante a não imposições, limitações,
censuras, na sua atuação funcional, independente de estar sendo praticadas pelo
Defensor Público-Geral, o Chefe do Executivo, Governador do Estado ou Presidente
da República, bem como demais autoridades.
No tocante a inamovibilidade, a Lei Complementar 80, de 12 de
janeiro de 1994, trata do tema no artigo 34, havendo previsão legal na Constituição
Federal, artigo 134, parágrafo 1o., onde consta a inamovibilidade como garantia do
Defensor Público.
A inamovibilidade já é garantida aos membros da Magistratura, bem
como aos do Ministério Público, sendo que desde a Constituição Federal de 1988
passou a ser garantida aos membros da Defensoria Pública, com a clara intenção de
88
protegê-los de perseguições diversas, principalmente as políticas, já que, muitas
vezes atuam contra particulares poderosos e pessoas de direito público.
Dessa maneira, o Defensor Público não poderá ser removido da
Comarca e do seu órgão de atuação compulsoriamente, a menos que tenha
praticado uma falta disciplinar, já que entre as punições a lei estabelece a remoção
compulsória, que necessita de prévio parecer do Conselho Superior, assegurado, no
processo administrativo, o direito a uma ampla defesa, cabendo a decisão ao
Defensor Público–Geral, que não está vinculado à manifestação do Conselho
Superior.
Em relação à possibilidade do Defensor Público ser apenado com a
sanção de remoção compulsória, existe a discussão da sua inconstitucionalidade, já
que, a Constituição Federal não previu esta hipótese, apenas constou a garantia de
inamovibilidade, de forma diversa das demais categorias (artigos 95, II e 128, I, b), o
que não permitiria que a Lei Complementar o fizesse97.
Assim, se não praticada infração disciplinar, o Defensor Público
somente se remove através de pedido ou por permuta.
A irredutibilidade de salários é mais uma das garantias essenciais
estipuladas pela lei, que alcança todo o funcionalismo público, sendo correto afirmar
que as “deduções efetivadas na fonte de remuneração para a realização de
obrigações tributárias ou obrigações previdenciárias, bem como descontos
decorrentes de condenações judiciais não violam a garantia.” 98
Por fim, a estabilidade será adquirida após o estágio probatório, pelo
período de três anos, não permitindo mais a perda do cargo do profissional, afora as
97
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 81. 98 MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 77/78.
89
hipóteses de processo disciplinar, sempre assegurado à ampla defesa do infrator, ou
por sentença judicial transitada em julgado.
Outrossim, quanto ás garantias do Defensor Público Estadual, não
obstante as acima apontadas, a Lei Complementar 80/94 ressalta a hipótese de
serem dadas outras, desde que previstas na legislação estadual, deixando claro não
ser o rol do artigo 127 taxativo.
4.2 Prerrogativas
As prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União, do
Distrito Federal, dos Territórios e dos Estados encontram-se devidamente apontadas
nos artigos 44, 89 e 128 da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994, afora
outras que poderão ser estabelecidas para os Defensores Públicos Estaduais pelas
respectivas Leis Orgânicas Estaduais.
Dentre as prerrogativas, pode-se destacar o direito de receber
intimação pessoal99 em qualquer processo e grau de jurisdição, a contagem em
99
“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO SIMPLES TENTADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO, DA INCLUSÃO, EM PAUTA DE JULGAMENTO, DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DA DEFESA. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. 1. Após o advento da Lei n. º 7.871/89, que acrescentou o § 5º, ao art. 5º, da Lei n. º 1.060/50, a intimação pessoal do Defensor Público, ou de quem exerça cargo equivalente, passou a ser obrigatória. 2. A falta de intimação pessoal do Defensor Público que assistiu o Paciente durante a ação penal, da data do julgamento do recurso em sentido estrito, consubstancia-se em nulidade processual que mitiga o exercício do direito de ampla defesa do réu, pelo que se faz necessária a anulação de seu julgamento. Precedentes. 3. Ordem concedida para anular o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, em sede de recurso em sentido estrito, bem como todos os demais atos posteriores, por falta da intimação do Defensor Público, de sua inclusão em pauta de julgamento. De conseqüência, fica determinado o desentranhamento do acórdão dos autos e que outro julgamento seja realizado com a prévia intimação pessoal da Defensoria Pública. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.” (STJ - HC 62793 / SP - HABEAS CORPUS 2006/0153889-2 – Rel. Ministra LAURITA VAZ - DJ 11.12.2006 p. 400).
90
dobro de todos os prazos; ter vista pessoal dos processos fora dos cartórios e
secretarias, ressalvadas as vedações legais; poder manifestar-se através de cotas;
representar a parte independentemente de mandato, ressalvados os casos para os
quais a lei exija poderes especiais.
Com referência, deve-se destacar a importância da intimação
pessoal e da contagem do prazo em dobro, que ocorrem em qualquer grau de
jurisdição, inclusive em processos administrativos, visando assegurar a igualdade
substancial, real, entre as partes, diante da aplicação do princípio da igualdade, ou
seja, através do tratamento igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, para
conquistar-se a igualdade.
“EMENTA - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DEFENSORIA PÚBLICA - INTIMAÇÃO PESSOAL - OBRIGATORIEDADE - AUSÊNCIA - PREJUÍZO À DEFESA - RECURSO PROVIDO. 1 - A teor da jurisprudência desta Corte, o Defensor Público deve ser intimado pessoalmente de todos os atos do processo, sob pena de nulidade. 2 - Recurso conhecido e provido para, anulando o feito a partir da intimação para a produção de provas, determinar a realização de nova intimação da defensoria pública da união, desta vez, pessoalmente. Acórdão - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com quem votaram os Srs. Ministros CÉSAR ASFOR ROCHA e ALDIR PASSARINHO JÚNIOR”. (STJ - REsp 808411 / PR; RECURSO SCARTEZZINI - DJ 10.04.2006 p. 227). “Ementa - PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO E TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. JULGAMENTO DA APELAÇÃO MANTENDO A SENTENÇA CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PARA CIÊNCIA DO ACÓRDÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. A ausência de intimação pessoal do defensor público para a ciência do acórdão é causa de nulidade absoluta, prevista no art. 564, inc. III, letra o, do Código de Processo Penal. 2. A Lei Complementar nº 80, de 12/1/1994, que organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, prescrevendo normas gerais para sua organização nas Unidades da Federação, consignou no art. 44, inc. I, como prerrogativa de seus membros, "receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição". 3. Ordem concedida, anulando todos os atos praticados após a prolação do acórdão, para que seja realizada a regular intimação pessoal da Defensoria Pública da União, com a conseqüente reabertura do prazo legal, para que a defesa do réu possa tomar as medidas que entender pertinentes, devendo ser expedido o alvará de soltura caso o paciente tenha sido preso após certificado indevidamente o trânsito em julgado da condenação. Acórdão - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.” (STJ - HC 41045 / AC ; HABEAS CORPUS 2005/0005638-3 – Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA - DJ 05.12.2005 p. 342)
91
Destaca-se que a intimação pessoal e a contagem em dobro do
prazo iniciassem do dia seguinte da abertura de vista, ou estando presente o
Defensor Público no ato, deste ato, não de quanto o processo é remetido para o
mesmo.100
Como se percebe, tais prerrogativas buscam na verdade garantir
uma qualidade na prestação da assistência jurídica, muito prejudicada pelo excesso
de serviço incumbido ao membro da Defensoria Pública, aliado, muitas vezes, a
péssimas condições de trabalho – estrutura (física e de funcionários administrativos)
e a ausência de conhecimento do assistido.
Não bastasse a intimação pessoal, possibilita um melhor
acompanhamento do processo.
Os prazos contados em dobro são tanto os legais, como os judiciais,
aqueles fixados pelo juiz, isso porque, a Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro
de 1994 não trás em seu bojo qualquer distinção entre as naturezas dos prazos a
serem duplicados.101102
100
Ementa - CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA EM PLENÁRIO DO JÚRI. INTIMAÇÃO EXPRESSA DAS PARTES. INÍCIO IMEDIATO DA CONTAGEM DO PRAZO RECURSAL. DEFESA PATROCINADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. IRRELEVÂNCIA. DESNECESSIDADE DE APOSIÇÃO DO CIENTE NOS AUTOS. ORDEM DENEGADA. Hipótese na qual se sustenta a tempestividade do recurso de apelação elaborado pela Defensoria Pública, ao argumento de que, em qualquer caso, a intimação pessoal do representante daquele Órgão somente se aperfeiçoaria com o recebimento dos autos e aposição do “ciente”. Em se tratando de sentença condenatória proferida e lida em plenário do Tribunal do Júri, da qual conste expressamente a intimação das partes, a fluência do prazo para a interposição de recurso dá-se de imediato, sendo irrelevante que a defesa tenha sido patrocinada pela Defensoria Pública. Inteligência do art. 798, § 5º, alínea b, do CPP. III. Ordem denegada Acórdão - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. "A Turma, por unanimidade, denegou a ordem”.Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.(STJ - HC 42702 / RJ; HABEAS CORPUS 2005/0045621-5 – Rel. Ministro GILSON DIPP - DJ 29.08.2005 p. 387). 101
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 99. 102
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – PRELIMINAR – INTEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS – PARTE PATRONADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA – PRAZO EM DOBRO PARA OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS E A PARTIR DO DIA SEGUINTE EM QUE FOI DADO VISTA DOS AUTOS – PRELIMINAR AFASTADA – MÉRITO – PRESCRIÇÃO – PRAZO COMEÇA A FLUIR A PARTIR DO DIA SEGUINTE AO VENCIMENTO – INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA DÁ-SE QUANDO NÃO HÁ O ADIMPLEMENTO DO TRIBUTO NO PRAZO
92
No decorrer do processo é comum ocorrer situações, em que o
Defensor Público precisa conversar com o assistido, para após manifestar-se no
feito, como é o caso da impugnação da contestação, quando relatada na
contestação fatos novos ou fatos que o Defensor Público não tenha conhecimento,
novo endereço da parte contrária, etc., o que gera mais um obstáculo ao serviço da
assistência jurídica, isso porque, constantemente os hipossuficientes estão mudando
de endereço, de número telefônico, quando o tem, possuem endereço de difícil
localização, o que torna a existência do prazo em dobro essencial para o bom
desempenho da função. 103
Acentua MARCACINI que:
Se a necessidade é patente, o justo motivo para a dilatação também se mostra claro. Encontramos como fundamento valorativo à necessidade de promover o acesso do carente à ordem jurídica justa. Não basta, portanto, o mero acesso formal à Justiça, sem meios efetivos de razoavelmente defender seus interesses, pois assim estaríamos legitimando a realização de uma injustiça. 104
Certo é que para o Defensor Público exercer seu mister não lhe é
exigido a utilização de procuração105, com exceção dos casos em que se fazem
ASSINALADO PELA LEI OU PELA DECISÃO FINAL PROFERIDA EM PROCESSO ADMINISTRATIVO – NATUREZA DIVERSA DA DECLARAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA A QUAL ESTÁ SUJEITA O CONTRIBUINTE QUE SE DÁ COM O LANÇAMENTO – RECURSO IMPROVIDO. ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, rejeitar a preliminar. No mérito, negaram provimento ao recurso. Votação unânime. Campo Grande, 6 de março de 2006. (TJMS - Apelação Cível - Execução - N. 2005.018108-2⁄0000-00 - Campo Grande. Relator-Exmo. Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.6/03/2006). 103 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p.76/77. 104 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p.77.
105 EMENTA – MANDADO DE SEGURANÇA – PRELIMINAR – AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO –
DEFENSORIA PÚBLICA – REJEITADA – STENTS MEDICAMENTOSOS – INTERVENÇÃO CIRÚRGICA – NECESSIDADE – FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO – PROTEÇÃO À SAÚDE ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – DEVER DO PODER PÚBLICO EM FORNECER O MEDICAMENTO – INÉRCIA ESTATAL – POSTERGAÇÃO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO – OFENSA AO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE – ATO
93
necessários poderes especiais. Justifica-se a não exigência diante da relação
existente entre o Defensor Público e o assistido, já que a mesma decorre da lei e da
investidura do profissional no cargo, não sendo uma relação jurídica de natureza
privada, mas uma relação de natureza pública. 106
O artigo 16 da Lei n. 1.060, de 05 de fevereiro de 1950, estabelece
que deverá ser exigida procuração no caso dos atos previstos no art. 38 do Código
de Processo Civil, para requerimento de abertura de inquérito por crime de ação
privada, para a proposição de ação penal privada ou para o oferecimento de
representação por crime de ação pública condicionada.
Contudo, a exigência de procuração, nos casos acima apontados, é
questionada já que a procuração é ato de natureza privatísta-contratual, razão pela
qual, não sendo esse o caso, por ser uma relação de natureza pública, bastaria que
o assistido assinasse a petição inicial juntamente com o Defensor Público,
demonstrando, assim, sua anuência com os termos da exordial.107
Questão que já foi muito debatida é em relação à possibilidade da
extensão do prazo em dobro e da intimação pessoal para os advogados-dativos,
aqueles nomeados pelo juiz, na falta do serviço público de assistência jurídica,
PASSÍVEL DE CORREÇÃO VIA MANDAMENTAL – DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – SEGURANÇA CONCEDIDA. Sendo o impetrante representado processualmente pela Defensoria Pública, é dispensado o instrumento de mandato (Artigo 16 da Lei 1.060/50). A postergação ou desídia administrativa em atender ao requerimento do impetrante, na via administrativa, autoriza a impetração do writ, por causar excessivo gravame e ofensa ao seu direito líquido e certo de obter os materiais clínicos indispensáveis à realização de cirurgia vascular. Demonstrada pelo impetrante a necessidade de obter medicamento oneroso, é dever do Estado prestar-lhe a assistência necessária, sob pena de supressão ao princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos constitucionais à vida e à saúde, sobretudo em virtude da proteção ao núcleo básico dos direitos sociais, em que o poder público não pode esquivar-se de efetuar a prestação a quem necessitar, fundamentando suas argumentações na inexistência de ato ilegal. ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Seção Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, rejeitar a preliminar. No mérito, por unanimidade e contra o parecer, conceder a segurança. Ausente, por férias, o 2º vogal. Campo Grande, 13 de março de 2006. (TJMS - Mandado de Segurança - N. 2005.017939-3/0000-00 - Capital. Relatora Exma. Srª. Desª. Tânia Garcia de Freitas Borges. – 13.03.2006). 106
MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 81.
94
sendo entendido que não fazem jus a tais prerrogativas108, já que só é cabível aos
membros da Instituição, conforme constante do texto legal.109
Por sua vez, a Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994,
autoriza o membro da Defensoria Pública a requisitar da autoridade pública e de
seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos,
documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício
de suas atribuições.
Destaca-se, entre as requisições feitas pela Defensoria Pública,
principalmente em relação ao número de pedidos, a referente à segunda via das
certidões (nascimento, casamento, óbito), já que, na maioria das vezes o assistido
não dispõe de condições financeiras para arcar com o seu custo, inviabilizando o
ingresso da demanda judicial.
Ressalta-se que o Defensor Público, não raras vezes, se depara
com o quadro do desfavorecido economicamente não possuir dinheiro para custear
as fotocópias dos documentos ou até mesmo a passagem urbana para se locomover
da sua residência até a Defensoria Pública ou até o Fórum para as audiências
107 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 103. 108
EMENTA - PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - NEGATIVA DE PROVIMENTO -AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM COBRANÇA - DEFENSOR DATIVO - PRAZO EM DOBRO - PRIVILÉGIO RESTRITO ÀS DEFENSORIAS PÚBLICAS OU ÀQUELES QUE POSSUEM CARGO EQUIVALENTE – NÃO ESGOTAMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA - DESPROVIMENTO. 1 - Consoante entendimento desta Corte, o benefício do prazo em dobro para recorrer, previsto no artigo 5º, § 5º, da Lei n. º 1.060/50, só é devido aos Defensores Públicos ou àqueles que fazem parte do serviço estatal de assistência judiciária. 2 - O recurso especial foi interposto contra decisão monocrática. Assim, somente por meio da interposição de recurso de agravo interno considerar-se-ia esgotada a instância ordinária, possibilitando-se o manejo da via especial. 3 - Agravo regimental desprovido Acórdão - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Sr. Ministro Relator os Srs. Ministros CESAR ASFOR ROCHA e ALDIR PASSARINHO JUNIOR. (STJ, AgRg no Ag 730074 / SP, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2005/0209609-2, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI - DJ 10.04.2006 p. 218). 109 Idem, p. 100.
95
necessárias, surgindo tais fatos como mais um óbice imposto pela precariedade de
recursos aos que buscam o acesso à Justiça.
Porém, as Defensorias Públicas vem se equipando com máquinas
de reprografia ou firmando convênios com os Tribunais de Justiça, visando
providenciar as fotocópias necessárias às pessoas que não dispõe de recursos para
tanto. Quanto ao problema da passagem para o transporte urbano, muitos
defensores públicos, quando sabem da dificuldade, costumam entrar em contato
com a assistente social para disponibilizá-lo, ou até mesmo disponibilizam todos ou
alguns com seus próprios recursos.
Certo é que o Defensor Público poderá deixar de patrocinar ação,
quando incabível ou inconveniente ao assistido, porém, é necessário que o mesmo
comunique seus motivos ao Defensor Público-Geral, por escrito, constando razões
de fato e de direito.
A lei garante, também, o direito de examinar, em qualquer
repartição, auto de flagrante, inquéritos e processos, comunicar-se, pessoalmente e
reservadamente, com seus assistidos, ainda quando estes se acharem presos ou
detidos, mesmo incomunicáveis.
Além disso, tem o direito de ser ouvido como testemunha, em
qualquer processo ou procedimento, em dia, hora e local previamente ajustados
entre o Defensor Público e a autoridade competente, devendo ser comunicado o
Defensor Público-Geral para designar membro da Defensoria Pública, visando
acompanhamento das apurações quando suspeito da prática de infração penal.
Não obstante, a lei garante entre as prerrogativas do Defensor
Público o direito de usar vestes talares e as insígnias privativas da Defensoria
96
Pública e receber o mesmo tratamento despendido aos Magistrados e demais
titulares dos cargos das funções essenciais à justiça.
Diga-se, que as vestes “são usadas, em geral, na posse e nas
sessões dos Tribunais do Júri. Já as insígnias, são os símbolos distintivos da
Instituição, usadas geralmente nos Gabinetes dos Defensores Públicos, na carteira
funcional e no emblema da lapela.” 110
Estão, ainda, para finalizar, entre as prerrogativas do Defensor
Público o de não ser preso, com exceção de casos de flagrante ou de ordem judicial
escrita, sendo que a autoridade deverá comunicar o Defensor Público-Geral,
garantindo o recolhimento à prisão especial, com direito a privacidade e após
sentença condenatória transitada em julgado, ser recolhido em dependência
separada, no estabelecimento em que tiver de ser cumprida a pena.
A falta de comunicação da prisão do membro da Defensoria Pública
ao Defensor Público-Geral, “corresponde a constrangimento ilegal e abuso de
autoridade, cabendo a impetração de hábeas corpus”111, a menos que tenha
ocorrido impossibilidades momentâneas, caso em que, cessadas, a comunicação
deverá ser feita.
4.3 Deveres
Os Deveres dos membros das Defensorias Públicas (União, Distrito
Federal, Territórios e Estados) encontram-se esculpidos nos artigos 45, 90 e 129 da
Lei Complementar n. 90, de 12 de janeiro de 1994.
110
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 101. 111
MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 80.
97
Existe uma diferença entre dever e proibição, sendo que os deveres
representam normas positivas, que determinam que o servidor público faça a
atividade, visando uma maior eficiência a sua atividade, enquanto que a proibição é
uma norma negativa, ou seja, determina que o mesmo não faça determinada
atividade.112
Certo é que “o Defensor Público, como agente político do Estado,
deve pautar sua vida, pública e particular, pela correição, serenidade e honestidade,
zelando sempre pelo prestígio da Justiça e preservando o bom nome da
Instituição.”113
Não fosse suficiente, destaca S. R. M. MORAES:
Deve ainda velar pela dignidade de suas funções, sempre tendo em mente que não pode deixar de cumprir os deveres que lhe são impostos pela Constituição Federal e pelas Leis, nem renunciar a qualquer parcela de seus poderes ou prerrogativas que lhe foram conferidos. Isto porque os deveres, poderes e prerrogativas não lhe são outorgados em consideração pessoal, mas sim, para serem utilizados em benefício daqueles que o Defensor Público tem o dever de assistir. Descumpri-los ou renunciá-los será o mesmo que desconsiderar a incumbência que aceitou ao empossar-se no cargo de Defensor Público.114
Os deveres dos membros da Defensoria Pública podem ser
apontados como os gerais, pertinentes a todos os funcionários públicos, e os
específicos, elencados na legislação Institucional.
O primeiro deles diz respeito á obrigação de residir na localidade
onde exerçam suas funções, obrigação também existente aos membros da
Magistratura e do Ministério Público, que garante tranqüilidade à população e maior
presteza da justiça, já que, se necessário, os mesmos poderão ser encontrados com
facilidade.
112
MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 83. 113
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 104/105. 114
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 105.
98
Deve-se entender que tal obrigação, somente é pertinente se o
Defensor Público for lotado no órgão de atuação, evitando-se despautérios,
principalmente quando acontecem as substituições por férias, licenças médicas,
afastamento para estudo ou missão, caso em que, não seria correto exigir que o
Defensor Público mudasse com sua família, locando ou comprando residência,
alterando toda sua vida e dos seus dependentes para suprir a ausência de um
colega por curto período de tempo.
O segundo dos deveres trata da obrigação de desempenhar com
zelo e presteza os serviços a seu cargo.
Entende-se como zelo funcional o “trato cuidadoso e atento que o
servidor público deve manter no desempenho de seu cargo, empregando a mesma
diligência que empregaria em seus negócios.”115
Já presteza, pode ser entendida como ligeireza, prontidão, rapidez e
agilidade.116
Dessa maneira, o Defensor Público quando estiver exercendo os
serviços referentes ao seu cargo, deve procurar desempenhá-los no menor prazo
possível e da forma mais cuidadosa possível, visando assegurar os direitos do seu
assistido, através de um trabalho com qualidade e rapidez.
O Defensor Público possui o dever de representar ao Defensor
Público-Geral sobre as irregularidades de que tiver ciência, em razão do cargo e
prestar informações aos órgãos de administração superior da Defensoria Pública,
quando solicitadas.
115 SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico – Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 2ª ed., rev e atualizada. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 600. 116 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed., rev. e aumentada, 43a. impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1389.
99
Destaca-se, que tendo o Defensor Público conhecimento da
irregularidade ocorrida na Instituição, sendo possível, deverá tomar as providências
necessárias para saná-la e comunicar ao Defensor Público-Geral, e não fazendo
parte das suas atribuições deverá informar a ocorrência da irregularidade ao
Defensor Público-Geral, para que sejam tomadas as providências devidas.
Outrossim, sempre que solicitado deverá o Defensor Público prestar informações a
Administração Superior, em função da hierarquia administrativa.117
Tem, também, a obrigação de atender ao expediente forense e
participar dos atos judiciais quando for obrigatória a sua presença, devendo ser
intimado pessoalmente, bem como, se declarar suspeito, ou impedido, nos termos
da lei.
Esclareça-se que o membro da Defensoria Pública é “suspeito
quando tem alguma vinculação estreita com qualquer das partes e é impedido,
quando tem interesse no desfecho da causa.”118
A Lei Complementar n. 80/94 estabelece nos artigos 47, 48, 92, 93,
131 e 132 as hipóteses de impedimentos, matéria que será trata em tópico próprio.
Quanto á suspeição, deve-se aplicar por analogia as regras do Código de Processo
Civil, artigo 135 e do Código de Processo Penal, artigo 254.119
O Defensor Público, possui, ainda, o dever de interpor os recursos
cabíveis para qualquer instância ou Tribunal e promover revisão criminal em prol dos
seus assistidos, sempre que encontrar fundamentos na lei, jurisprudência ou prova
dos autos, remetendo-se cópia à Corregedoria-Geral.
117
MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 84. 118
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 106. 119
Idem, p. 107.
100
Vê-se, que o dever de interpor recursos está vinculado a sua
necessidade, a perspectiva do mesmo ser favorável à parte envolvida, assistida pelo
Defensor Público.
Caso a parte queira propor o recurso, havendo a discordância entre
o seu entendimento e o do Defensor Público, deverá o mesmo declarar-se impedido
e comunicar o fato ao Defensor Público-Geral, possibilitando a designação de outro
Defensor Público para fazê-lo.120
4.4 Proibições
As proibições são as inerentes ao cargo público, bem como as
determinadas nos artigos 46, 91 e 130 da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro
de 1994, valendo ressaltar que são regras negativas, isso porque determinam o que
não pode ser feito.
Dentre as mesmas, encontra-se a proibição de exercer a advocacia
fora das atribuições institucionais, requerer, advogar, ou praticar em Juízo ou fora
dele, atos que de qualquer forma colidam com as funções inerentes ao seu cargo,
ou com os preceitos éticos de sua profissão.
Quanto à proibição de exercer a advocacia fora das atribuições
institucionais, a mesma é de fácil entendimento, já que o legislador visa com ela
garantir a dedicação do Defensor Público a Instituição, o que gera uma dedicação
exclusiva, que se reverte a favor do assistido.
A dedicação exclusiva previne a temida captação de clientes, que
poderia ocorrer quando o Defensor Público, diante da situação financeira de quem o
120
MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 85.
101
procura, constatando não ser caso de atendimento pela Defensoria Pública, em face
dos recursos da parte, viesse a encaminhá-lo ao seu escritório particular.
É mister constar que a proibição de exercer a advocacia fora das
atribuições institucionais não é absoluta, diante do artigo 22 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias que reza:
“É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembléia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição.”
Assim, todos aqueles que exercem funções equivalentes às de
Defensor Público, que foram investidos antes da Assembléia Nacional Constituinte,
podiam optar, na época, por não ingressar na carreira, sendo garantido seu direito a
advogar, mas sem as garantias da carreira, ou em ingressar na carreira, fazendo jus
as garantias e sem o direito de advogar.
Existe posição de que a norma era endereçada aos Defensores
Públicos dos Estados em que, até a data mencionada, não havia a Defensoria
Pública como órgão institucionalizado, isso porque, onde houvesse, não poderiam
existir duas carreiras de Defensor Público, numa mesma Instituição.121
Desse modo, poucos são os Defensores Públicos no Brasil que
possuem o direito de advogar, já que, com ressalva da exceção feita no artigo 22 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, todos os demais Defensores
Públicos não podem exercer a advocacia particular, é diante da idade das
Defensorias Públicas, em média 11 anos, chega-se à conclusão lógica que grande
parte dos profissionais que compõem o quadro dos Defensores Públicos no País
121
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 109.
102
ingressaram após a Constituição Federal de 1988, não possuindo, assim, o direito
de advogar.
Não pode o Defensor Público também, receber honorários,
percentagens ou custas processuais, em razão de suas atribuições, exercer o
comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista e
por fim, exercer atividade político-partidária, enquanto atuar junto á justiça eleitoral.
Os membros da Defensoria Pública podem exercer atividade
político-partidária, com exceção de quando atuarem perante a justiça eleitoral,
podendo assim candidatar-se a cargos públicos, filiar-se a partidos, participarem de
reuniões, etc.
Tal situação difere-se muito da dos membros da Magistratura e do
Ministério Público. A Constituição Federal no seu artigo 95, parágrafo único, inciso
III, veda ao Magistrado, de forma absoluta dedicar-se à atividade político-partidária.
Em relação aos membros do Ministério Público, o artigo 128,
parágrafo 5o., inciso II, letra “e” da Constituição Federal, determina a vedação do
exercício de atividades político-partidárias, salvo as exceções previstas na lei.
Assim, o membro do Ministério Público pode ser candidato a mandatos eletivos,
desde que se licencie do exercício de suas funções, sendo permitida sua filiação
partidária após o seu licenciamento, não sendo subordinado ao prazo fatal de
filiação, diante da necessidade de sua licença. Para voltar as suas funções deverá
cancelar sua filiação e não poderá exercer funções na Justiça Eleitoral pelo prazo de
até dois anos após o cancelamento da filiação. 122
4.5 Impedimentos
122
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 1544/1545.
103
Os impedimentos dos Defensores Públicos estão previstos nos
artigos 47, 48, 92, 93, 131 e 132 da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de
1994, sedo que tais vedam a atuação “em determinados processos, em razão de
possível favorecimento pessoal, de terceiros, ou de seu assistido, ou ainda, em
detrimento deste.”123
Dessa maneira, a lei deixa claro que o Defensor Público não poderá
atuar nos processos ou procedimentos em que esteja presente um dos
impedimentos elencados no texto legal, e caso o faça, poderá ser punido, já que tal
ato configura falta funcional. 124
Fica impedido o membro da Defensoria Pública de exercer suas
funções em processo ou procedimento em que seja parte, ou tenha interesse, em
que tenha atuado como representante da parte, perito, Magistrado, membro do
Ministério Público, Autoridade Policial, Escrivão de Polícia, Auxiliar de Justiça ou
prestado depoimento como testemunha.
Também gera o impedimento, quando o interessado for cônjuge ou
companheiro, parente consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral, até o terceiro
grau ou que tenha postulado como advogado de qualquer das pessoas
mencionadas, ou essas pessoas tenham atuado ou atuem no processo como Juiz,
membro do Ministério Público, Autoridade Policial, Escrivão de Polícia ou Auxiliar de
Justiça.
123 JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria Pública e o Princípio da Justiça Social. Curitiba: Juruá, 2005, p. 101. 124 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 111.
104
Não bastasse, fica impedimento o membro da Defensoria Pública
que houver dado à parte contrária parecer verbal ou escrito sobre o objeto da
demanda, bem como outras hipóteses previstas em lei.
Destarte, os membros da Defensoria Pública não podem participar
de comissão, banca de concurso, ou qualquer decisão, quando o julgamento ou
votação disser respeito a cônjuge ou companheiro, parente consangüíneo ou afim
em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.
Por fim, como mencionado em tópico anterior, a lei estabelece os
casos de impedimentos, mas não o faz em relação à suspeição, razão pela qual
aplica-se por analogia as previstas no Código de Processo Civil e no Código de
Processo Penal, podendo ser aplicadas analogicamente, inclusive, aos casos de
impedimentos.
4.6 Responsabilidade funcional
A responsabilidade funcional dos Defensores Públicos está prevista
nos artigos 49, 50, 51(Defensor Público da União), 94, 95, 96 (Defensor Público do
Distrito Federal e dos Territórios), 133, 134 e 135 (Defensor Público Estadual),
sendo que as infrações praticadas poderão repercutir na esfera cível, criminal e
administrativa.
Sobre o processo administrativo disciplinar MEIRELLES acentua
que:
Também chamado impropriamente inquérito administrativo, é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoais sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração. 125
125
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 567.
105
Os membros da Defensoria Pública, por serem agentes políticos,
são submetidos ao processo disciplinar nos termos da legislação própria, que tem
por finalidade garantir a independência funcional, evitando-se ingerências políticas,
nos inquéritos administrativos comuns, que poderia ser utilizado como instrumento
de pressão contra os Defensores Públicos.126
A atividade funcional está sujeita a correição ordinária e a correição
extraordinária, sendo que a primeira, deverá ser realizada anualmente pelo
Corregedor-Geral e por seus auxiliares, para verificar a regularidade e eficiência dos
serviços prestados pelo Defensor Público. Já a segunda, correição extraordinária,
também será realizada pelo Corregedor-Geral e por seus auxiliares, mas a qualquer
tempo, de ofício ou por determinação do Defensor Público-Geral, para apuração de
alguma irregularidade.
Certo é que, após o encerramento dos trabalhos, deve o
Corregedor-Geral, apresentar ao Defensor Público-Geral, relatórios dos fatos
apurados e das providências a serem adotadas, podendo qualquer pessoa
representar ao Corregedor-Geral sobre abusos, erros ou omissões dos membros da
Defensoria Pública.
O relatório trará conseqüências diversas, conforme o apurado,
sendo que o Corregedor-Geral constando em seu relatório à existência de infrações
disciplinares, determinará a instaurações de processo administrativo contra o
Defensor Público, podendo o mesmo ser afastado, caso isso ainda não tenha
ocorrido. Por outro lado, sendo constatado no relatório a inexistência de infração
126
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 114.
106
disciplinar, poderá determinar a realização de providências para o aprimoramento
dos serviços, de acordo com as suas peculiaridades e necessidades. 127
Quanto às infrações disciplinares e as sanções a serem aplicadas, a
Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994 enumerou-as para punição dos
Defensores Públicos da União, do Distrito Federal e dos Territórios, deixando a
encargo da lei estadual estabelecer as infrações disciplinares, com as respectivas
sanções, procedimentos cabíveis e prazos prescricionais, aos Defensores Públicos
Estaduais.
Restou determinado que a lei estadual deverá prever a pena de
remoção compulsória, a possibilidade de revisão disciplinar, além da garantia da
ampla defesa, cabendo ao Defensor Público-Geral aplicar as penalidades previstas
em lei, exceto no caso de demissão e cassação de aposentadoria, penas que
deverão ser aplicadas pelo Governador do Estado.
Assevera-se, que as legislações estaduais tendem a seguir o
mesmo padrão utilizado pela Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994 no
tocante as infrações disciplinares e suas respectivas sanções disciplinares aplicadas
aos Defensores Públicos da União, do Distrito Federal e dos Territórios.
Exemplo do mencionado, encontra-se na legislação estadual do
Mato Grosso do Sul, Lei Complementar n. 111, de 17 de outubro de 2005, artigo
154, que aponta como sanções disciplinares em que estão sujeitos os membros da
Defensoria Pública: advertência, censura, suspensão por até noventa dias, remoção
compulsória, demissão e demissão a bem do serviço público.
Dentre as infrações disciplinares aplicadas aos Defensores Públicos
da União, do Distrito Federal e dos Territórios, estão à violação dos deveres
funcionais e vedações contidas na Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de
127
MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 88.
107
1994, bem como, a prática de crime contra a Administração Pública ou ato de
improbidade administrativa.
Os membros da instituição poderão ser sancionados através de
advertência, suspensão por até noventa dias, remoção compulsória, demissão e
cassação da aposentadoria.
A advertência será aplicada por escrito nos casos de violação dos
deveres e das proibições funcionais, quando o fato não justificar a imposição de
pena mais grave. Já a suspensão poderá ser aplicada nos casos de reincidência em
falta punida com advertência, ou quando, pela gravidade da infração dos deveres ou
proibições funcionais tornar necessária a medida.
Preceitua a lei, ainda, que a remoção compulsória será aplicada
sempre que a falta cometida, pela sua gravidade e repercussão, torne incompatível a
permanência do Defensor Público no órgão de atuação de sua lotação.
Quanto à punição de remoção compulsória, cabe lembrar o
mencionado no tópico referente às garantias, já que, existe discussão da sua
inconstitucionalidade, diante do fato da Constituição Federal não ter previsto essa
hipótese, apenas constado à garantia de inamovibilidade, de forma diversa das
demais categorias (artigos 95, II e 128, I, b), o que não permitiria que a Lei
Complementar o fizesse128.
O artigo 36 da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994
determina que a remoção compulsória somente será aplicada com prévio parecer do
Conselho Superior, assegurando a ampla defesa em processo administrativo
disciplinar.
A pena de demissão será aplicada nas hipóteses previstas em lei, e
no caso de reincidência em falta punida com suspensão ou remoção compulsória e
108
falta com pena de cassação de aposentadoria serão aplicadas pelo Presidente da
República, quando se tratar de Defensor Público da União, do Distrito Federal e dos
Territórios e pelo Governador do Estado, quando se tratar de Defensor Público
Estadual.
Todas as demais penas serão aplicadas pelo Defensor Público-
Geral, garantindo sempre a ampla defesa e na sua ausência ou cerceamento será
nulo o processo, sendo obrigatório o inquérito administrativo nos casos de aplicação
de remoção compulsória, suspensão, demissão e cassação de aposentadoria.
Sobre o tema MEIRELLES acentua que:
Por garantia de defesa deve-se entender não só a observância do rito adequado como a cientificação do processo ao interessado, a oportunidade para contestar a acusação, produzir prova de seu direito, acompanhar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos cabíveis. 129
Salienta-se que deverá o Defensor Público-Geral motivar sua
decisão130, sendo cabível recurso ao Conselho Superior da Defensoria Pública, que
é competente para conhecer e julgar recurso contra decisão em processo
administrativo disciplinar.
Não obstante, prescrevem em dois anos, a contar da data em que
foram cometidas, as faltas puníveis com advertência, suspensão e remoção
compulsória, aplicando-se, quanto às demais, os prazos previstos em lei.
128
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 81. 129 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 562. 130 ”A motivação da punição disciplinar é sempre imprescindível para a validade da pena. Não se pode admitir como legal a punição desacompanhada de justificativa da autoridade que a impõe. Até aí não vai a discricionaridade do poder disciplinar. O discricionarismo disciplinar circunscreve-se à escolha da penalidade dentre as várias possíveis, à graduação da pena, à oportunidade e conveniência de sua imposição. Mas, quanto à existência da falta e aos motivos em que a Administração embasa a punição, não podem ser omitidos ou olvidados no ato punitivo. Tal motivação, é bem de ver, pode ser resumida, mas não pode ser dispensada totalmente. O que não se exige são as formalidades de um processo judiciário, se bem que boa parte de seu rito possa ser utilmente adotada pela Administração, para resguardo da legalidade de seu ato. A autoridade administrativa não está adstrita, como a judiciária, às fórmulas processuais. Pode usar de meios mais simples e consentâneos com a finalidade disciplinar para apurar a falta e impor a pena adequada.
109
A Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994 não estipulou
causas de interrupção ou suspensão do curso prescricional, nem mesmo fez
referência à sua aplicabilidade na forma prescrita em lei, razão pela qual o mesmo
correrá sem interrupções ou suspensões até a decisão definitiva.131
É cabível a revisão do processo disciplinar, a qualquer tempo,
podendo ser requerida pelo próprio interessado ou, se falecido ou interdito, o seu
cônjuge ou companheiro, ascendente, descendente ou irmão, diante da existência
de fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de provar a inocência do apenado ou
justificar o abrandamento da pena imposta.
Outrossim, a revisão será requerida ao Conselho Superior da
Defensoria Pública e se for julgada procedente será tornado sem efeito o ato
punitivo ou aplicada à penalidade adequada, restabelecendo-se os direitos atingidos
pela punição, na sua plenitude.
Inadmissível é que deixe de indicar claramente o motivo e os meios regulares de que usou para verificação da falta, objeto da punição disciplinar.“ Idem, p. 111.
110
5 PRINCÍPIOS
5.1 Considerações Iniciais
Ao tratar do tema princípios, é mister constar sua importância para o
Direito, como norma orientadora, como diretriz para a aplicação do direito, para a
criação de outras normas.
Certo é que sua a violação não é aceita, sendo que em casos de se
tratar de princípios constitucionais considera-se a norma que o violou como
inconstitucional.
Dessa maneira, observa-se o real valor dado aos princípios,
principalmente com a Constituição Federal de 1988, que não poupou esforços para
enumerá-los e destacar sua importância.
De fato, os princípios possuem eficácia jurídica, não sendo criados
apenas para a reflexão sobre o tema, mas sim para serem utilizados, aplicados em
concreto.
No pensar de COZZOLINO:
É notório que os princípios são à base do sistema jurídico, pois são estes que dão a tônica do sistema, que será interpretado não através da regra isolada que o compõe, mas através de todos os componentes que o integram, em outras palavras, sob ‘a luz dos princípios’ que o integram.132
Acrescenta a ilustre doutrinadora que:
131
MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., p. 119/120. 132 COZZOLINO, Patrícia Elias. O princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988 e sua força normativa. Perfis da Tutela Constitucional dos Direitos Fundamentais. Coordenação Editorial – Flávio Luis de Oliveira, Bauru, 2005, p. 462.
111
Os princípios constitucionais são o fundamento de todo o ordenamento jurídico e deverão ser objeto de análise no momento de concretização da norma, seja ela de natureza constitucional ou não, posto que mesmo normas de natureza civil ou penal jamais poderão contrariar princípio constitucional, ou correrão o risco de serem retiradas do ordenamento por inconstitucionais.133
5.2 Distinção entre princípios e regras
Para dar continuidade ao tema é fundamental fazer a distinção entre
regras e princípios, notando-se que são as duas categorias pelas quais as normas
são divididas.
Preceitua BARROSO que “normalmente, as regras contêm relato
mais objetivo, com incidência restrita às situações específicas às quais se dirigem.
Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre uma pluralidade de
situações.” 134
Como se vê, a regra possui um caráter muito mais rígido que o
princípio, já que, a primeira incide apenas e tão somente na situação apontada e
delimitada pelo seu conteúdo, enquanto que o princípio possui uma aplicação muito
mais ampla, diante do seu conteúdo não rígido, abstrato.
Dessa maneira define COZZOLINO:
Pode-se definir princípio jurídico como uma norma com grau de abstração maior do que a regra, e por isso de vagueza ou indeterminação consideráveis, cujo conteúdo fundamenta o sistema jurídico, uma vez que serve como fundamento das próprias regras e ainda como instrumento de interpretação do sistema, para se chegar ao ideal de justiça que ele abarca.135
133 COZZOLINO, Patrícia Elias. Op. cit., p. 462/463. 134 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade se suas normas – limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 7ª ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 292. 135
COZZOLINO, Patrícia Elias. Op. cit., 464.
112
Expressão muito comum ao se tratar de regras é a de que sua
incidência se dá a base do tudo ou nada, ou ela é aplicável ou não o é, em total
contra-senso aos princípios que somente apontam uma direção, em busca da
almejada justiça.
Em caso de conflito entre os princípios, o que poderá ocorrer, diante
da sua característica de abstração, o recomendável é analisar diante do caso
concreto qual é o que mais se aproxima ao ideal de justiça se aplicado, fazendo-se a
ponderação necessária para a solução do conflito.
5.3 Dignidade da pessoa humana enquanto princípio fundamental
A idéia de dignidade nasce com os cristãos que pregavam a
igualdade entre as pessoas, vindo ao mundo jurídico através de Immanuel Kant.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem que foi aprovada na
Assembléia-Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, consta no seu
preâmbulo que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos membros da família
humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da
justiça e da paz no mundo”, deixando claro no artigo 1o. que “todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência
e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
A Constituição Federal de 1988, caminhando no mesmo sentido, traz
no seu artigo 1°, inciso III o princípio da dignidade da pessoa humana, sublimando
assim, logo nas suas primeiras linhas os direitos fundamentais do ser humano ao
afirmar:
“Art. 1 - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
113
III – a dignidade da pessoa humana.”
Observa-se, assim, a necessidade de se primar pela dignidade do
ser humano, que é inerente ao mesmo, e sua dignidade está intimamente ligada
com a igualdade, e ambas são essenciais para alcançar a liberdade, a justiça e a
paz no mundo, bem como, para a existência de um verdadeiro Estado Democrático
de Direito, como mencionado no texto da Declaração Universal dos Direitos do
Homem.
Ao tratar da igualdade, da tão almejada isonomia, é preciso notar a
sua concepção correta, não como simples igualdade formal, mas sim, o conceito de
igualdade através do tratamento igual aos iguais e o tratamento desigual aos
desiguais, na mesma proporção, para somente então alcançá-la.
Porém, é difícil falar em igualdade se o Estado não cumprir sua
parte, não fornecer meios para que as partes possam litigar com igualdade de
armas, através de uma assistência jurídica integral e gratuita nos termos da
Constituição Cidadã. É necessário buscar a igualdade substancial.
Não se pode esquecer, no decorrer do processo que “as formas
processuais são tão-somente instrumentos para se atingir um fim, e não um fim em
si mesmas,”136 não se devendo, na condução do processo, perder de vista a idéia da
dignidade humana, sob pena de se conseguir apenas aplicar a lei, mas sem estar
presente a justiça, ponto primordial.
Como já mencionado, a dignidade é inerente ao ser humano, não se
podendo distinguir qual ser humano possui ou não dignidade, sendo algo que todos
possuem, atingindo o princípio indistintamente a todos. 137
136
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p. 17. 137 “Todo ser humano possui dignidade, seja criminoso, ou alguém que não se porte dignamente perante a sociedade, ainda assim, não perde a dignidade que lhe é inerente a condição humana e,
114
Dessa maneira, não importa a classe social, a condição de estudo, a
condição financeira, o sexo, a raça ou a opção sexual da pessoa, todos devem
receber tratamento digno por parte do Estado, bem como dos seus semelhantes.
Nos dizeres de PRADO:
O Estado de Direito democrático e social deve consagrar e garantir o primado dos direitos fundamentais, abstendo-se de práticas a eles lesivas, como também propiciar condições para que sejam respeitados, inclusive com a eventual remoção de obstáculos à sua total realização.138
Assevera COZZOLINO que:
O princípio não carece de normatização para ser respeitado em nenhum de seus aspectos, cabendo ao intérprete no momento da norma de decisão, qual seja a concretização, fazer valer o princípio.139
O Estado ao tratar seus cidadãos não pode perder de vista a idéia
de dignidade, não podendo criar leis, programas governamentais, implementar
atitudes que firam a dignidade da pessoa humana, sob penas dos mesmos serem
inconstitucionais 140.
Como se vê, o princípio da dignidade da pessoa humana deve servir
de base para todos os demais princípios e legislações vigentes, inclusive a própria
Constituição Federal, visando garantir sua constitucionalidade.
Ainda sobre o tema acrescenta COZZOLINO:
frise-se, é dever do Estado, como princípio jurídico reconhecido no âmbito normativo, quer de maneira expressa ou implícita, a defesa desta mesma dignidade”. COZZOLINO, Patrícia Elias. Op. cit., p.471. 138
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte especial: arts. 1° a 120. 3. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002, p. 115. 139 COZZOLINO, Patrícia Elias. Op. cit., p.475. 140 “Toda lei que viola a dignidade da pessoa humana deve ser reputada como inconstitucional. Assim, pode-se afirmar que, ‘se o Direito não quiser ser mera força, mero terror, se quiser obrigar a todos os cidadãos em sua consciência, há de respeitar a condição de homem como pessoa, como ser responsável’, pois, ‘no caso de infração grave ao princípio material de justiça de validade a priori, ao respeito à dignidade da pessoa humana, carecerá de força obrigatória e, dada sua injustiça, será preciso negar-lhe o caráter de Direito.’ (CEREZO MIR, José)”. PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 116.
115
Esses direitos criados pelos princípios jurídicos constitucionais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, são passíveis de serem exigidos judicialmente e é nesse momento que todos os intérpretes, aqueles que pleiteiam e aqueles que julgam, devem causar a norma de decisão concretizadora do princípio da dignidade da pessoa humana, reafirmando e reforçando a força normativa deste princípio. É um desafio que a ordem jurídica constitucional de 1988 lançou a todos os operadores do direito e sem a vitória deste desafio à democracia e os fundamentos do Estado Brasileiro jamais sairão por completo ‘da folha de papel’ vindo para o mundo dos fatos. 141
Não se trata aqui de afirmação no vazio, muito pelo contrário, lutar
pela efetivação do princípio é obrigação de todos, sendo plenamente possível diante
do fato do princípio não necessitar de normatização para seu uso, devendo ser
utilizado como diretriz ao arcabouço legal existente.
Além disso, a dignidade da pessoa humana não pode ser vista como
somente a necessidade da pessoa se alimentar e ter direito a saúde. O Estado deve
fornecer saúde, educação, lazer, criar e efetivar moradia popular, visando atingir
toda a população desafortunada, prestar um atendimento correto e respeitoso em
todos os órgãos públicos, independente da classe social, raça e sexo, bem como,
garantir a busca pelos direitos, não só o acesso ao judiciário, mas sim, o acesso à
orientação jurídica e a justiça.
Assim, o conceito de dignidade deve ser interpretado da forma mais
ampla possível, visando não deixar nenhum direito desabrigado, garantindo sua
plena efetivação em todos os âmbitos, não só na esfera pessoal como social.
Ao tratar do princípio da dignidade da pessoa humana e da tutela
dos direitos da personalidade, NOBRE deixa claro que para alcançar o primeiro é
necessário salvaguardar o segundo, e menciona, ainda:
Notabilizam-se por serem: a) de natureza extrapatrimonial, embora o seu maltrato possa implicar em reflexos econômicos; b) direitos absolutos, com eficácia erga omnes, pois o seu respeito é imposto a todos (Estado e particulares); c) irrenunciáveis, não podendo o seu titular deles abdicar; d)
141
COZZOLINO, Patrícia Elias. Op. cit., p. 477.
116
intransmissíveis, restando inválida a sua cessão a outrem, mediante ato gratuito ou oneroso; e) imprescritíveis, uma vez que o transcurso do tempo, sem o seu uso pelo titular, não lhe acarreta a extinção. (...) Necessário, assim, ter em conta que a observância das conseqüências jurídicas decorrentes dos direitos de personalidade é imprescindível ao respeito da dignidade do ser humano, porquanto a sua idealização, com ênfase para a jurisprudência alemã, formada ao depois da segunda conflagração mundial, teve em mira evitar que o indivíduo fosse submetido a qualquer sorte de menosprezo, quer pelo Estado, ou pelos demais indivíduos.142
Ademais, as ponderações acima colacionadas são importantíssimas,
pois, ao pregar a necessidade de respeito ao ser humano, proibindo sua submissão
a qualquer tipo de menosprezo, por parte do Estado ou dos seus semelhantes,
lembra da necessidade de ser o princípio da dignidade da pessoa humana utilizado
em todas as áreas do Direito (civil, administrativo, trabalho, penal, previdenciário,
etc.), bem como, nas demais situações da vida, sempre tendo o princípio como
diretriz.
No direito penal e processual penal, o princípio também deve estar
presente, devendo o Estado respeitar a dignidade da pessoa humana, mesmo
quando está exercendo o jus puniendi. Assim, visando obter tal garantia, a Carta
Magna, no artigo 5o.143, enumerou diversas exigências que deverão ser observadas
para existir o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
142
NOBRE, Edilson Pereira Júnior. O Direito Brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em: http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina93.doc . Acesso em: 12 out. 2006, p.12/13. 143 “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (III); “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (XXXVII); “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (XXXIX); “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até os limites do valor do patrimônio transferido” (XLV); “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição de liberdade, b) perda de bens, c) multa, d) prestação social alternativa, e) suspensão ou interdição de direitos“ (XLVI); “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, b) de caráter perpétuo, c) de trabalhos forçados, d) de banimento, e) cruéis” (XLVII); “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (LIV); “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”(LV); “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (LVII); “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
117
5.4 Princípios referentes à jurisdição penal
5.4.1 Princípio do devido processo legal
O princípio do devido processo legal tem sua origem histórica
apontada para a Inglaterra, durante o reinado de João Sem Terra, século XIII, sob a
locução law of the land.144
Posteriormente, foi devidamente consubstanciado no Constituição
norte-americana, respectivamente na 5a. e 14a. emenda, como due process.
Encontra-se disciplinado na Constituição Federal, artigo 5o, inciso
LIV com a seguinte redação: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal”.
Dessa maneira, para ter validade um processo, o mesmo deve
respeitar as normas estabelecidas, garantindo o direito das partes, a paridade de
armas, tudo dentro de um prazo razoável.
Ao tratar do princípio do devido processo legal, é mister constar que,
o mesmo não se limita somente ao processo, garantindo o seu regular tramitar, mas
todo o curso, desde a elaboração legislativa, que deve ser de acordo com as normas
constitucionais, deve ser razoável e deve visar justiça, bem como a aplicação da
legislação e o processo em si.
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (LXI), dentre outros incisos constantes no texto constitucional. 144 “Os autores são unânimes em identificar a Magna Carta, outorgada por João-Sem-Terra em 1215, na Inglaterra, como o antecedente histórico da garantia do devido processo legal, na medida em que seu art. 39 assegurava um julgamento legal por seus pares e segundo as leis da terra. Utilizou-se, à época, a expressão law of the land, que significa o julgamento segundo os direitos e costumes aplicados e aceitos pela common law. Somente em 1354, sob o reinado de Eduardo III, é que surge a expressão due process of law, que foi tida praticamente como uma sucessora da law of the land.” GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 81.
118
Quanto ao processo judicial, o princípio do devido processo legal “se
apresenta como um conjunto de elementos indispensáveis para que este possa
atingir, devidamente, a sua já ventada finalidade compositiva de litígios (em âmbito
extrapenal) ou solucionadora de conflitos de interesses de alta relevância social (no
campo penal).”145
No caso do processo penal, nunca se pode esquecer que se está
tratando do direito de liberdade do indivíduo, razão pela qual TUCCI enumera as
seguintes garantias como essenciais á aplicação no processo penal, visando
respeitar o princípio do devido processo legal:
a) a autuação de órgão jurisdicional precedentemente designado pela lei para o respectivo julgamento, independente e imparcial. b) a estatuição, em lei regularmente elaborada e promulgada, e vigente, de um procedimento destinado à investigação, instrução e posterior julgamento acerca de fato tido como penalmente relevante. c)o proferimento deste, em prazo razoável, pública e motivadamente. d) a correlação entre a acusação e a sentença de mérito. e) a propiciação de ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, tanto material como tecnicamente. f) a possibilitação de reexame dos fatos e de sua qualificação jurídica, versados nos atos decisórios, especialmente nos desfavoráveis ao imputado. g) o não-reconhecimento da culpabilidade do indiciado, ou acusado, senão quando transitada em julgado a sentença condenatória.146
Não obstante, além de o constituinte ter feito expressa menção na
Carta Magna ao princípio do devido processo legal, como exigência para a validade
do processo, ele inseriu no texto legal outros princípios decorrentes do mesmo,
razão pela qual, o princípio é o gênero do qual os demais são espécies.
Para NERY JÚNIOR147 os princípios processuais derivados do due
process na Constituição Federal são: o princípio da isonomia; o princípio do juiz e do
promotor natural; o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (princípio do
145
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal – Jurisdição, Ação e Processo Penal (Estudo Sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 205. 146
Idem, p. 208/215.
119
direito de ação); o princípio do contraditório; o princípio da proibição da prova ilícita;
o princípio da publicidade dos atos processuais; o princípio do duplo grau de
jurisdição e por fim o princípio da motivação das decisões judiciais.
O mesmo doutrinador trata em sua obra do devido processo legal
em sentido genérico, apontando como a proteção á vida-liberdade-propriedade; do
devido processo legal em sentido material, destacando que o devido processo legal
se manifesta em todos os campos do direito, chegando a limitar o poder
governamental, com o controle das leis pelo Poder Judiciário, quando as mesmas
ferirem a razoabilidade necessária; e o devido processo legal em sentido processual
como “a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e
defendendo-se de modo mais amplo possível.”148
É de se constar, ainda, que a concessão de oportunidades para uma
defesa técnica efetiva é um dos elementos do princípio do devido processo legal,
razão pela qual o direito à assistência jurídica integral e gratuita e alicerçada no
princípio em comento. 149
No tocante a necessidade de uma defesa efetiva para se ter
garantido o devido processo legal, GIANNELLA enfatiza que:
Se a defesa é necessária para a própria existência do processo e se o processo há que se desenvolver segundo as normas do devido processo legal, é evidente que uma defesa patrocinada pela assistência jurídica somente pode ser considerada como obediente à citada garantia se for efetiva, e não meramente forma. Ou seja, não bastam leis que regulem o processo e não bastam leis que regulem o processo segundo os ditamos
147 NERYJÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 39. 148
NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 40. 149 “Em última análise, porque a indispensabilidade de oportunidades para concretização da defesa técnica efetiva no processo e fora dele é um elemento que integra a compreensão moderna do devido processo legal, fica evidenciado que o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita também é alicerçado nesse princípio constitucional. E, se nos for permitida a alegoria para arrematar, pensamos que o direito à assistência jurídica integral e gratuita é o fiel da balança do ordenamento jurídico brasileiro, que objetiva não só assegurar a par condicio no campo processual do litígio, mas também, e principalmente, coadjuvar no plano da realização material do princípio da dignidade humana, fundamento primeiro e último de um Estado que se pretenda de Direito.” OLIVEIRA, Rogério Nunes de. Op. cit., p. 70.
120
constitucionais: se a defesa – no caso concreto – não abarcar todos os ângulos do problema, se ela não for completa e efetiva, estaremos diante de um processo realizado em discordância com a garantia constitucional do devido processo legal, o que bastaria para conduzi-lo à sua invalidade. 150
Conclui-se de todo o exposto, que o direito a uma defesa efetiva
está diretamente ligado ao princípio do devido processo legal, não se podendo
perder de vista o direito do desprovido de recursos financeiros a mesma, através da
assistência jurídica gratuita, prestada pela Defensoria Pública, nos termos previstos
na Constituição Federal.
5.4.2 Princípio do contraditório e da ampla defesa
O princípio do contraditório e da ampla defesa está previsto na
Constituição Federal, artigo 5o., inciso LV com a seguinte redação: “aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
Assim, o primeiro aspecto que se observa é que o contraditório e a
ampla defesa devem ser garantidos nos processos judiciais ou administrativos,
independentemente de se tratar de área cível, criminal, administrativa, trabalhista,
tributária, etc.
Vê-se, também, que a Carta Magna previu ambos em um único
dispositivo, como acentua GRINOVER, diante do fato deles serem:
Indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório. 151
150 GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 87.
121
Sobre o princípio ressalta A. MORAES:
Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de calar-se, sem entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.152
Dessa maneira o contraditório apresenta-se pelo conteúdo da
audiência bilateral, ou seja, pela obrigatoriedade de ser dado conhecimento à outra
parte dos atos praticados possibilitando a sua contrariedade. Assim, a cada
manifestação, a cada pedido, a cada audiência designada, a parte contrária tem
direito de saber, manifestar-se, discordar, apontar seus motivos para a oposição, e
no caso da audiência estar presente e exercer o contraditório.
Como se vê, o princípio garante ao acusado o “direito de ser ouvido”
e impõe ao juiz o “dever de ouvir a acusação e a defesa.” 153
Para TUCCI a ampla defesa exige o “direito à informação (nemo
inauditus damnari potest)”, a “bilateralidade da audiência (contraditoriedade)”, e “o
direito à prova legitimamente obtida ou produzida (comprovação da
inculpabilidade).”154
O direito à informação deve ser garantido desde o início da
persecutio crimes.155 Por outro lado, a contraditoriedade deve ser “efetiva, real, em
todo o desenrolar da persecução penal, a fim de que, ‘perquirida a exaustão, a
151
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 6ª ed. rev., ampl., e atual, 3ª tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 75. 152 MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 361. 153 SOUZA NETO, José Laurindo de. Op. cit., p.123. 154 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 206. 155 Idem, p. 209.
122
verdade material, reste devidamente assegurada à liberdade jurídica do’”156
acusado.
Ademais, o direito à prova legitimamente obtida ou produzida,
garante o direito as partes de não serem limitados na produção da prova, dando
liberdade ao julgador de realizar as buscas necessárias para alcançar a verdade
material, respeitando, porém, a idoneidade157 dos meios de sua obtenção e a
pertinência da prova aos fatos.158
Não obstante, a defesa no processo penal abrange a autodefesa,
aquela que o próprio acusado a faz através da “possibilidade dada ao acusado de
ser interrogado e de presenciar todos os atos instrutórios”159 e a defesa técnica,
quando feita através de um advogado ou defensor público visando garantir a
paridade de armas.160
Ponto importante a ser destacado é em relação à discussão da
possibilidade de dispensa da defesa técnica, no direito estrangeiro, em alguns
procedimentos abreviados ou em crimes considerados de menor potencial ofensivo,
o que gera muitas críticas, isso porque, o acusado que dispõe de recursos
financeiros certamente irá se consultar e até mesmo responder o processo
acompanhado de um advogado161, enquanto que o carente encontrará muitas
dificuldades para tanto, se não houver órgão que preste a assistência jurídica,
156 TUCCI, Rogério Lauria , p. 211. 157 “Para que a prova seja considerada idônea ao fim a que se destina, imprescindível é que seja obtida ou produzida licitamente.” Idem, p. 230. 158 Idem, p. 227/230. 159 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 10ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 56. 160 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 6a. ed. rev., ampl., e atual, 3a. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 77. 161 GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 107/108.
123
poderá ocorrer à recusa na nomeação de um advogado para presta-la, diante da
abertura legal que permite sua dispensa.
A Defensoria Pública é também muito importante neste aspecto, isso
porque, havendo na Comarca um Defensor Público, à parte hipossuficiente poderá
consultar-se antecipadamente e até poderá solicitar o seu acompanhamento no
processo, gerando uma sensação de proteção, feita pelo Estado, aos direitos do
acusado, uma sensação de igualdade de armas.
Não obstante, “a defesa não é um privilégio, nem uma concessão
desejada pela humanidade. È um verdadeiro direito originário do homem, e por isso
inalienável: Hélio, De l’instruction, par. 614”.162
No pensar de CARRARA sobre a defesa:
O réu não pode renunciar à própria defesa, devendo-se, mesmo contra a sua vontade, designar uma pessoa que seja capaz de patrocinar sua causa e impor suas razões, a fim de fazê-lo absolver, se inocente, ou reduzir à justa medida a sua punição, se malgrado seu, é culpado. 163
Esclarece, ainda, o ilustre doutrinador:
A defesa, se não se quiser privilegiada, deve ao menos estar em igualdade com a acusação: primeiro, nos termos; segundo, na faculdade de provar, terceiro, na liberdade de discussão. É um erro, como bem advertia Berrier, admitir-se uma idéia de desigualdade entre o acusador e o defensor. Se o Ministério Público representa a sociedade, no interesse da punição da culpa, o defensor a representa também, no interesse da inocência. 164
Dessa maneira, a ausência de defesa ou a defesa deficiente
afrontam os princípios do contraditório e da ampla defesa,165 devendo a mesma se
efetiva, cabendo a defesa a missão de fiscalizar o processo para resguardar a não
162 CARRARA, Francesco. Op. cit., p. 450 163 Idem, p. 451 164 Idem, p. 458. 165 SOUZA NETO, José Laurindo de. Op. cit., p.124.
124
violação dos direitos garantidos na Constituição Federal aos indivíduos no processo
penal, bem como levar ao processo as provas encontradas que visem proteger o
acusado.166
Quanto à garantia do contraditório e da ampla defesa no Inquérito
Policial, SOUZA NETTO167 defende sua possibilidade, deixando claro que boa parte
da doutrina posiciona-se de forma contrária, porém seu pensamento vem de acordo
com a “moderna corrente do pensamento jurídico”.168
Esclarece o doutrinador que existe base constitucional (artigo 5o.,
LV) para tanto e que algumas provas produzidas no inquérito policial não serão
novamente repetidas em Juízo, ressaltando as provas periciais “já que, ou os
vestígios deixaram de existir, ou o material a ser analisado foi esgotado na primeira
perícia” 169surgindo à necessidade de se garantir a defesa e o contraditório sob pena
de afrontar o princípio constitucional em comento.
Uma solução apontada é em relação à criação do Juizado de
Instrução, órgão que conta, se criado, com o apoio de 60% dos magistrados170 e que
seria responsável pela apuração do crime, através da condução do processo pelo
juiz com a participação da acusação e da defesa171.
166 SOUZA NETO, José Laurindo de. Op. cit , p. 125. 167 Idem, p.131/140. 168 Idem, p. 136. 169 Idem, p.135. 170 “A pesquisa ‘O perfil do magistrado brasileiro’, um verdadeiro diagnóstico da Justiça, desenvolvido pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, datada de 1996, entrevisto os juízes brasileiros e concluiu que cerca de 60% deles são favoráveis à criação do Juizado de Instrução.” 170 Idem, p. 137. 171“A apuração do crime se processaria perante o Magistrado, contando com a participação do Ministério Público e do Advogado de Defesa. Desse modo, acabar-se-ia com as perniciosas implicações do inquérito policial, com as alegações de violência e corrupção em Delegacias. Retira-se então da Polícia apenas a função que não é a sua, de interrogar o acusado, tomar depoimento das testemunhas, enfim, colher provas de valor legal. Conserva-se porém a função investigadora, que lhe é inerente, legalizada pela co-participação do juiz, sem o que os resultados das diligências não podem ter valor probatório.” Idem, p.137.
125
Somente para concluir, destaca-se o pensamento de GIANNELLA
sobre a defesa:
O que se verifica, portanto, é que a defesa pode ser vista quer como direito, quer como princípio ou como garantia. Como direito, sob a ótica do acusado, dando-se prevalência ao seu interesse privado sobre o geral. Como garantia, se se privilegiar o interesse público, na medida em que a defesa é necessária para a existência de um processo justo. E como princípio, porque a defesa (ou ampla defesa) permeia todo o sistema processual penal em cada um de seus momentos. De todo o modo, quer se interprete a defesa como um princípio que rege o processo penal, como um direito do acusado ou como uma garantia de um processo justo, é certo que ela está intimamente ligada à idéia de um garantismo processual.172
Finaliza a doutrinadora, utilizando-se o pensar de LUARCA:
Por outro lado, o direito a um processo justo implica igualdade de armas e de oportunidades entre acusação e defesa, de modo que o direito a defender-se das acusações aparece como elemento essencial em um Estado Democrático de Direito, sendo este direito levado a cabo por meio de vários instrumentos, dentre eles o da assistência de defensor, imprescindível por servir à melhor realização de outros instrumentos como o direito à prova e servir à obtenção de maior eficácia nos pressupostos necessários para a defesa, como o direito de audiência bilateral e o direito de ser informado da acusação.173
Posto isso, vislumbra-se que o princípio do contraditório e da ampla
defesa deve ser garantido para se ver respeitado os preceitos do Estado
Democrático de Direito, respeitando, em conseqüência, não apenas o ou os
acusados, mas toda a sociedade.
5.4.3 Princípio da presunção de inocência
De início, é mister constar, que na área penal diversos foram os
princípios esculpidos na Carta Magna, alguns já encontravam amparo nas
Constituições anteriores, porém, não de forma tão clara, tão expressa, o que
172 GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 115.
126
demonstra uma preocupação extremada do legislador, só justificável por ter o País
saído de uma ditadura.
Não há como negar, que após a supressão dos direitos básicos de
toda uma população, nada se espera mais ansiosamente que a devolução dos
mesmos, acrescidos dos devidos juros e correção monetária, ou seja, de novos
direitos, visando evitar futuros golpes, novas supressões, novas barbarias.
O princípio da presunção de inocência surge como uma dessas
garantias essenciais e encontra-se pela primeira vez disciplinado na Carta Magna,
respectivamente no artigo 5o., inciso LVII, com a seguinte redação: “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Assim, “até o trânsito em julgado da sentença condenatória, o réu
tem o direito público subjetivo de não ser submetido ao estado de condenado.”174
Tal direito deve ser garantido pelo Estado, privando-se de práticas
nocivas e desnecessárias em desfavor do acusado, diante do seu estado de
inocência, do seu jus libertatis.
“O princípio da presunção de inocência é uma presunção iuris
tantum, isto é, pode ser afastada por prova em sentido contrário.”175 Dessa maneira,
demonstrado pela acusação o fato criminoso, bem como a participação do acusado,
seja de forma dolosa ou culposa, afasta-se a presunção da sua inocência.
Importante ponto a ser destacado é a confusão feita por muitos do
princípio da presunção de inocência com o princípio in dúbio pro reo.
173 LUARCA, de Miguel Colmenero Menendez, El derecho de defensa, su ejercicio y el derecho a la assistência letrada em el processo penal, ESTÚDIOS Del Ministério Fiscal, Madrid, I:286, 1995. apud GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 115/116. 174 CERNICCHIARO, Luiz Vicente, COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Op. cit., p.105. 175 GOMES, Luiz Flávio. Estudos de Direito Penal e Processo Penal. 1ª ed. 2a. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 113.
127
Apesar de ambos terem um ponto em comum, no caso a dúvida,
certo é que o princípio da presunção de inocência é muito mais amplo, já que
garante ao acusado o tratamento como inocente até decisão definitiva, enquanto o
princípio do in dúbio pro reo garante ao mesmo, que no momento em que a
sentença for proferida, havendo dúvidas, sejam as mesmas consideradas a seu
favor, nunca em favor da acusação.
Ademais, o processo penal trata de interesses indisponíveis, aqueles
que atuam no mesmo sabem disso, as partes não estão disputando quem está com
a razão, ao contrário, todos buscam a obtenção da verdade, para se verificar se
ocorreu ou não infração penal.
Vislumbra-se que a presunção da inocência garante ao acusado o
respeito a seus direitos, direito a ser tratado como ser humano e não como objeto do
processo; direito de não ver seu nome lançado ao rol dos culpados, antes de
sentença penal condenatória transitada em julgado176; direito a ser evitada a prática
de atos que cause constrangimento; direito a ser preservado seu direito de
liberdade, inclusive em desfavor da prisão obrigatória para recorrer; direito a não
utilização de inquéritos policiais e processos em andamento como forma de
exacerbar sua pena177; direito a coleta das provas de maneira correta, respeitando-
se as determinações legais, dentre muitos outros direitos.
Dessa maneira, o acusado deve passar a ser visto como membro da
sociedade, não mais como alguém marginalizado pelo simples fato de estar
176 “Frente ao disposto no art. 5o., LVII, referidos dispositivos não foram recepcionados pela nova ordem constitucional. (...) O livro do rol dos culpados ofende não só a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República, como também dois dos seus objetivos fundamentais, quais sejam, a erradicação da marginalização (art. 3o., III) e a eliminação de toda forma de discriminação (art. 3o., V).” SOUZA NETO, José Laurindo de. Op. cit., p. 173. 177 “A existência de inquéritos policiais arquivados ou em andamento, e até mesmo ações penais em curso, são situações ainda não definidas e por isso não se revestem de relevância jurídica hábil a legitimar a exacerbação da pena, não podendo ser utilizadas ainda para negar-lhe algum benefício.” Idem, p. 175.
128
respondendo um processo, como se pertencesse a uma classe estranha, já que não
é condenado, mas está fadado a sofrer restrições e discriminações diante da
existência do processo, situação inaceitável e que deve ser combatida com vigor.
Destarte, o princípio protege o réu de sofrer antecipadamente
restrições aos seus direitos, sendo que, somente após o trânsito em julgado da
sentença condenatória é cabível sua apenação, não podendo antes disso ser tratado
como condenado.
A própria Constituição Federal, bem como o Código de Processo
Penal prevêem os casos de antecipação das restrições ao direito do acusado, sendo
os mesmos excepcionais.
Acentua GRINOVER que:
Dentre as medidas cautelares que podem ser adotadas em sede criminal, constituem sem dúvida as mais freqüentes e também de maior gravidade aquelas que implicam restrição do direito de liberdade do acusado; diversa da prisão de natureza penal, a custódia cautelar ou processual não objetiva a punição, mas constitui apenas instrumento para a realização do processo ou para garantia de seus resultados.178
A Carta Magna trata do tema garantindo que “ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei” (art. 5o., inciso LXI), bem como, o direito de permanecer
calado, de ter assistência jurídica e familiar e a certeza da comunicação da prisão ao
juiz competente, afora a família. (art. 5o., incisos LXII e LXIII).
Além dos acima citados, é garantido que “a prisão ilegal será
imediatamente relaxada pela autoridade judiciária” (art. 5o., inciso LXV) e o direito de
178 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p.276.
129
não ser preso ou de retomar a liberdade quando a legislação permite a liberdade
provisória com ou sem fiança (art. 5o., inciso LXVI).
As espécies de prisão cautelar estão devidamente previstas no
Código de Processo Penal, bem como na Lei n. 7.960/89.
Certo é que, a prisão preventiva está disciplinada no Código de
Processo Penal, artigos 311 até 316, onde o legislador procurou esmiuçar o tema,
visando sanar dúvidas sobre o instituto.
No que concerne a prisão em flagrante delito, tal está prevista nos
artigos 301 até 310 do Codex citado, já a prisão preventiva, devidamente
disciplinado nos artigos 311 até 316. Quanto a terceira delas, a prisão decorrente de
pronúncia, a mesma encontra seu fundamento legal no artigo 408, parágrafo 1o.
Outrossim, a prisão em virtude de sentença condenatória recorrível, artigos 393, I e
594, Por fim, a prisão temporária prevista na lei n. 7.960/89.
A matéria acima deve ser analisada levando-se em consideração o
princípio da presunção de inocência, de modo a serem utilizados estes institutos em
ultimo caso, sempre de forma fundamentada, deixando claro o porquê é necessária
à decretação ou a manutenção da prisão do acusado, já que, com exceção do
flagrante delito, não existe no Brasil prisão automática.
Quando se fala em fundamentação, pensa-se realmente em
fundamentação, não no velho hábito de alguns magistrados de apenas repetirem as
palavras constantes do texto legal, mencionando a existência dos pressupostos
(prova da existência do crime e indícios da autoria) e uma ou mais circunstâncias
que autorizam a decretação (para garantia da ordem pública, garantia da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da
130
lei penal), sem apontá-las, realmente, sem constar o porquê estão presentes ao feito
e onde estão.
Data máxima vênia, não se pode justificar tal atitude com base no
número excessivo de processos, isso por que, o processo não pode ser visto
somente como papel, já que se trata da vida de uma pessoa, não podendo ser
decreta a prisão sem uma justificativa plausível e consubstanciada.
Infelizmente, não se pode deixar de notar o que vem acontecendo
nos Estados Unidos da América, após o fatídico 11 de setembro, onde o Governo,
aproveitando-se do medo de todos, vem utilizando-se práticas de “limitações à
privacidade e, em geral, aos direitos dos suspeitos, por meio da massiva
discriminação contra estrangeiros de origem islâmica e árabe, pelas persecuções
repressivas e por meio de interferência com o direito de habeas corpus.”179
Assim, o governo norte-americano, vem utilizando-se das prisões de
forma arbitrária, sem respeitar os direitos humanos dos estrangeiros e dos seus
próprios, trazendo a tona, após o episódio lamentável de 11 de setembro, uma nova
modalidade de prisão, feita para causar o medo, insegurança, modalidade que até o
momento não tem defesa, já que não tem encontrado amparo por parte dos
Tribunais daquela nação.
Relata sobre o tema CHEVIGNY ao constar que ”o governo tirará
proveito da ameaça não somente para agir contra os inimigos, mas também para
controlar e disciplinar a população em massa, cidadãos e estrangeiros.” 180
Importante a citação acima, para lembrar a necessidade de
permanecer o direito pátrio em caminho oposto, sendo certo que a Constituição da
179 CHEVIGNY, Paul. Repressão nos Estados Unidos após o ataque de 11 de setembro. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: a. 12, n. 47, março – abril de 2004, p. 387. 180 Idem, p. 405.
131
República Federal de 1988 representa um sonho do povo brasileiro, sonho a um
Estado Democrático de Direito justo, onde possam ser garantidos os princípios nela
constantes.
Dessa maneira, o artigo 5º da Constituição Federal, trás em si um rol
de garantias preciosas, entre elas, a previsão do princípio da presunção de
inocência, que deve ser utilizado com afinco, diante da sua importância para o
Estado Democrático de Direito.
Não há que se olvidar que o princípio da presunção da inocência
tem ligação com a assistência jurídica, o que pode ser visto com clareza no texto
abaixo colacionado, onde GIANNELLA destaca:
Ora, se fala da defesa como necessária para a presunção de inocência, há que se fazer tal relação com uma defesa efetiva, pois somente está é compatível com a preservação daquele princípio, na medida em que não se pode fazer ceder a inocência diante de um processo no qual não se assegure que a defesa foi efetivamente desempenhada, dando-se ao presumivelmente inocente todas as armas técnicas para a preservação de seu estado natural. De igual modo, pode-se fazer a ligação da presunção de inocência com a assistência jurídica gratuita: sendo o acusado carente de recursos e necessitado, portanto, de contar com uma defesa patrocinada pelo Estado (ou mesmo não sendo carente, mas não tendo defensor constituído), a falta de efetividade dessa defesa será incompatível com a garantia da presunção de inocência e será incompatível com a aspiração de um processo justo baseado num sistema acusatório organizado sob a absoluta paridade, inclusive substancial, das partes. Finalmente, se tomarmos a presunção de inocência como regra de tratamento, igualmente a atuação da defesa – e, pois, da assistência jurídica – é fundamental, para que se reserve ao acusado – presumivelmente inocente – um tratamento digno e compatível com seu estado de inocência, impedindo-se, por exemplo, a sua execração pública com a divulgação de fatos relacionados ao processo, a procrastinação do feito , a sua prisão indevida ou por prazo excessivo, etc. Verifica-se, portanto, que a relação entre presunção de inocência – em seus dois aspectos -, defesa efetiva e assistência jurídica é bastante forte, sendo que o primado do princípio está a indicar a necessidade de defesa efetiva, quer ela seja praticada por defensor constituído quer por defensor patrocinado pelo Estado. Vemos aí um forte argumento para que os tribunais observem com a devida cautela se a defesa praticada pelo defensor gratuito não prejudicou a prevalência deste importante e fundamental postulado do processo penal – a presunção de inocência – inerente a um Estado Democrático de Direito.181
181
GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p.94/95.
132
Desse modo, para a garantia da aplicação do princípio da presunção
da inocência é mister que seja garantido o direito de defesa, independentemente da
situação financeira da pessoa, razão pela qual, sendo carente de recursos deve ter
assegurado o direito da assistência jurídica gratuita, que deverá ser prestada a
contento, de maneira efetiva, sob pena de se macular o princípio da presunção da
inocência.
5.4.4 Princípio da verdade real
O princípio da verdade real, também conhecido como princípio do
livre convencimento, tem papel fundamental no processo penal, já que se discute no
mesmo a liberdade do indivíduo, seu maior bem, depois, logicamente, da própria
vida.
Ao tratar da liberdade, nada mais justo que só venha a sofrer
restrições em casos extremos e depois de provas consistentes, que levem a real
necessidade de cerceá-la.
Sobre o tema TUCCI assevera que “A verdade deve ser inquirida,
incessantemente, também em todo o desenrolar da persecução penal, de sorte a
preservar-se a liberdade do inocente e impor a sanção adequada à infração penal
constatada.” 182
Dessa maneira, o princípio da verdade real, permite uma
investigação mais ampla, não adstrita ao que as partes trouxeram aos autos, ou em
muitos casos, a falta diante da ausência do acusado, ou do fato de encontrar-se
preso provisoriamente, permitindo ao Magistrado “no curso da instrução ou antes de
182 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal – Jurisdição, Ação e Processo Penal (Estudo Sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 177).
133
proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvidas sobre ponto
relevante” (artigo 156 do Código de Processo Penal), bem como novo interrogatório
(artigo 196 do Código de Processo Penal) e oitiva de novas testemunhas (artigo 209
do Código de Processo Penal).
Acentua SOUZA NETO que:
O princípio do livre convencimento nasceu, em certo sentido, em oposição ao princípio da prova legal. Nele, o Juiz pode levar em consideração, para a sua própria decisão, cada elemento legalmente admitido no processo, sem estar ligado a qualquer vínculo que atribua valor privilegiado a um elemento em detrimento de outro.183
O papel do Magistrado “é ativo, jamais inerte e refém das partes” 184,
porém, isso não lhe permite extravasar suas atribuições cometendo despautérios,
devendo estar sempre focado nos limites legais.
A verdade buscada no processo penal é a material, real,
diferentemente do Processo Civil que busca a verdade formal, com conseqüências
totalmente diferentes, limitando o poder do juiz, determinando momento rígido para
as provas, dando peso diferente para a revelia, a confissão, permitindo acordo entre
as partes para dispor dos seus direitos, isso quando não considerados indisponíveis
pela legislação, etc.
Sobre o princípio destaca TUCCI:
Ora, a fim de que a verdade material desponte, em sua inteireza, torna-se imprescindível, para a devida perquirição, a conjugação de esforços de todos quantos participem, desde a sua instauração, da persecutio criminis, a saber: a autoridade policial, ou outra, da Administração Pública ou dos demais Poderes – Legislativo e Judiciário, - encarregada da informatio delicti; e seus agentes; juiz, órgão do Ministério Público (e o assistente deste), ou querelante, e imputado. 185
183 SOUZA NETO, José Laurindo de. Op. cit., p.141. 184 Idem, p. 146. 185
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 182/183.
134
O ilustre doutrinador SOUZA NETO assevera que:
O princípio do livre convencimento do julgador sofre limitações decorrentes da garantia constitucional do contraditório e da observância das prescrições legais da obtenção da prova. Em conseqüência, não pode o juiz formar o seu conhecimento com base em prova do inquérito não confirmada em juízo, muito embora essa seja uma prática corrente.186
Por outro lado, um problema que atormenta os instrumentadores do
processo penal, diz respeito à confissão, já que não raras vezes é extraída de forma
ilegal ou duvidosa, além do fato de, se poder ter uma confissão espontânea, por
motivos diversos, sem que corresponda a verdade.
Lamentavelmente, ainda se utiliza a busca das provas partindo da
confissão, sendo que, o correto é através das provas encontradas chegar-se à
pessoa do suspeito, para então interrogá-lo, com todas as garantias legais previstas,
propiciando ao mesmo a oportunidade de confessar e se beneficiar da circunstância
atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea c, do Código Penal.
Uma das soluções do problema é a utilização sem receios do artigo
197 do Código de Processo Penal, que determina que “o valor da confissão se
aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua
apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando
se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.”
Outro ponto importante a ser destacado é a possibilidade de se
alterar sentença penal condenatória transitada em julgado, ao se verificar a
existência de novas provas, que poderiam inocentar o réu ou atenuar sua pena,
utilizando-se para tanto a revisão criminal (artigo 621 do Código de Processo Penal)
ou o habeas corpus (artigo 647 do Código de Processo Penal).
186 SOUZA NETO, José Laurindo de. Op. cit., p.142.
135
A garantia da assistência jurídica ao acusado ou aos acusados no
processo é imprescindível, já que, com uma defesa efetiva busca-se inquirir a
verdade no decorrer do processo de forma incessante, garantir a liberdade do
acusado até sentença penal condenatória com trânsito em julgado e no caso de
condenação a aplicação de uma sanção proporcional ao delito, uma apenação justa.
5.4.5 Princípio da motivação das decisões judiciais
O princípio da motivação das decisões judiciais também esta entre
os que encontram amparo na Constituição Federal, sendo que a Carta Magna prevê
o princípio no artigo 93, inciso IX:
Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Certo é que o princípio é voltado ao “controle popular sobre o
exercício da função jurisdicional”187, sendo assim seus destinatários não “apenas as
partes e o juiz competente para julgar eventual recurso, mas quaisquis do populo,
com a finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e
justiça das decisões.”188
Por sua vez, o princípio exige que as decisões sejam
fundamentadas189, mesmo quando se tratar de decisões administrativas proferidas
187 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p.68. 188 Ibid., p.69. 189 “Diante das peculiaridades de cada caso concreto, sequer está afastada a possibilidade da exigência de fundamentação, inclusive de despachos de mero expediente. Por isso, em princípio, é possível dizer que a obrigatoriedade se estende tanto a despachos como a sentenças, tanto a decisões de caráter administrativo como eminentemente jurisdicionais e em qualquer grau de
136
pelo Poder Judiciário, sendo essa última com base no artigo 93, incisos IX e X190 da
Carta Magna e no caso de não fundamentação, ou de fundamentação falha a pena
imposta é de nulidade das mesmas.
Para NERY JÚNIOR fundamentar significa:
O magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão.191
Já para PORTANOVA, “além da análise da norma, fundamentar
também significa proceder a exame discriminado, específico, dos fatos e das provas,
informando o motivo do maior ou menor peso atribuído.”192
Dessa maneira, decisões que cingem a constar “por falta de amparo
legal”, “presente os pressupostos legais concedo a liminar”, “ausentes os
pressupostos legais denego a liminar”, dentre tantas outras expressões utilizadas no
mundo jurídico, são eivadas de nulidade diante da ausência de fundamentação, isso
porque não constaram as razões, os motivos que levaram o julgador ao
convencimento daquela decisão. 193
Não obstante, nos dizeres de PORTANOVA, “a motivação mostra à
parte que o resultado do litígio não é fruto da sorte ou do acaso”.194
GRINOVER destaca:
O trabalho do juiz, como toda decisão humana, implica uma escolha entre alternativas. No conteúdo da motivação devem estar claramente expostas às escolhas e seleções feitas.
recurso.” PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 5a. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 249. 190 “As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo que as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.” 191 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 175. 192 PORTANOVA, Rui. Op. cit., p. 251. 193 NERY JUNIOR, Nelson. Op. cit., p. 176. 194 PORTANOVA, Rui. Op. cit. p. 250.
137
No plano do direito, deve ele justificar a escolha da regra jurídica aplicável, a opção por determinada interpretação da norma e a razão de ter admitido que dela derivassem certas conseqüências. Ante as alternativas possíveis, deve adequadamente dizer por que fez determinada opção. Maior ainda será a necessidade de motivar a posição assumida quando ela estiver em franca contradição com a orientação que prevalece na doutrina e na jurisprudência.195
Claro está que a fundamentação garante que as decisões não sejam
arbitrárias, baseadas simplesmente no desejo do julgador, mais sim, baseadas nos
fatos e no direito que rege a matéria, analisados e ponderados pelo magistrado,
levando tranqüilidade às partes ao perceberem que ocorreu o respeito ao constante
nos autos, aos fatos ali narrados e ao direito pátrio.
Não há que confundir ausência de fundamentação ou insuficiência
da mesma, com fundamentação sucinta. Assim, se o julgador fundamentou só que
de forma sucinta abordando todas as questões trazidas à baila, tanto de fato como
de direito, não existe uma nulidade, só que, se ele nada fundamentou ou se sua
fundamentação foi insuficiente, por não ter abordado pontos importantes da defesa
ou da acusação, a decisão também é viciada pela nulidade.196
É mister constar que na sentença condenatória deverá existir a
“demonstração da correlação entre o fato punível e o modelo legal”197, sendo que na
absolutória é imprescindível que conste “a indicação das razões justificativas ou
excludentes da autoria, da criminalidade ou da tipicidade.”198
Assim, as decisões penais também possuem a obrigatoriedade de
serem fundamentadas independente de serem sentenças condenatórias ou
absolutórias ou ainda atos decisórios,199 em respeito ao princípio da motivação das
195 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p. 209. 196 Idem, p. 211. 197 Idem, p. 274. 198
Idem, p. 274. 199 “Nenhum ato decisório pode assumir natureza jurídica dúplice, deve ter-se, sempre, na devida conta, que a decisão sobre qualquer questão, no curso do processo, sendo interlocutória, exige,
138
decisões judiciais, devendo o Defensor Público primar para que a fundamentação
ocorra, recorrendo nos casos necessários para garantir o direito do hipossuficiente
economicamente.
5.5 Princípios Institucionais da Defensoria Pública
Os princípios institucionais da Defensoria Pública estão previstos no
artigo 3º da Lei Complementar n° 80, de 12 de janeiro de 1994 e são: unidade,
indivisibilidade e independência funcional.
Afora a legislação citada, é possível encontrar os princípios
institucionais da Defensoria Pública nas Constituições Estaduais, tais como artigo
140, parágrafo 1º da CE Mato Grosso do Sul; artigo 179, parágrafo 1º da CE Rio de
Janeiro; bem como em Leis Orgânicas dos Estados, que dispõem sobre a
Defensoria Pública, como a Lei Complementar n. 111, de 17 de outubro de 2005, do
Estado de Mato Grosso do Sul, onde a matéria em estudo está estampada no artigo
2º.
Quando se fala em princípio da unidade, o próprio nome já traz a
idéia do seu significado, correspondendo a “um todo orgânico, sob uma mesma
direção, mesmos fundamentos e mesmas finalidades200”.
Assim, a Defensoria Pública “opera como um todo, sem facção ou
fragmento201”.
para sua validade e eficácia, motivação, concisa que seja. E, se assim é na esfera da jurisdição extrapenal, com muito maior rigor deverá ser concretizado no âmbito da Justiça Criminal; e, obviamente, quer no processo de conhecimento, quer no de execução.” TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 284. 200 MORAES, Guilherme Braga Penã. Op. cit., p. 46. 201 GALLIEZ, Paulo César Ribeiro. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p.23.
139
Ademais, poderá um Defensor Público, com base no princípio da
unidade, substituir outro Defensor Público no mesmo processo, sem qualquer
prejuízo.
Destaca-se que com base na independência funcional, quando um
defensor público vem a substituir outro, tendo os profissionais opiniões jurídicas
diferentes, poderão adotar posturas defensivas diversas.
Não obstante, o que não pode ocorrer é deixar o assistido sem a
garantia constitucional da assistência jurídica gratuita, diante da divergência de
pensamento existente entre os profissionais.
Ressalta-se, que esta substituição deverá seguir as normas
estabelecidas pela Defensoria Pública Geral para as substituições.
Outro ponto importante vinculado ao princípio da unidade
institucional, diz respeito a inamovibilidade do Defensor Público, o que lhe garante
poder desenvolver suas funções de forma independente, sem temer uma remoção,
como forma de punição pela sua atuação na defesa dos direitos dos
hipossuficientes, em confronto com poderosos influentes.
No tocante ao princípio da indivisibilidade, novamente, o próprio
nome traz em si a idéia central, qual seja, aquilo que não pode ser dividido, sendo a
Instituição indivisível, pertencente aos Defensores Públicos e aos assistidos.
Assim, iniciado o atendimento, o mesmo deve ir até alcançar seus
objetivos, mesmo se for necessária à atuação de outro membro da Instituição diante
de férias, impedimentos, afastamento ou licenças do Defensor Público originário.
140
Acentua GALLIEZ que “o que melhor caracteriza a indivisibilidade da
Defensoria Pública são as prerrogativas da intimação pessoal e a contagem em
dobro de todos os prazos202”.
Certo é que tal norma veio para regularizar uma situação concreta e
difícil, representada pelo excessivo número de feitos, garantindo, dessa maneira, a
qualidade do trabalho e dificultando a perda de prazos, dando continuidade ao
trabalho iniciado, assegurando a indivisibilidade. Em suma, trata-se de prerrogativas
destinadas a assegurar a igualdade material, tratando desigualmente os desiguais.
Não fosse suficiente, ainda vislumbra-se a proibição do exercício da
advocacia, prevista no artigo 134 da Constituição Federal de 1988, que também
acaba por garantir a indivisibilidade, ao exigir dedicação exclusiva, impedindo que
profissionais estranhos possam ocupar o seu espaço203.
Destarte, se é proibido ao membro da Defensoria Pública exercer a
advocacia fora das suas atribuições institucionais, se é necessário o concurso
público de provas e títulos para se tornar um Defensor Público, não é possível que
advogados exerçam a função de Defensor Público, isso em uma interpretação do
texto constitucional, sendo necessárias ambas as proibições apontadas para garantir
a indivisibilidade institucional.
Já em relação ao último princípio de que é dotada a Defensoria
Pública, qual seja, o princípio da independência funcional, o mesmo reflete a
autonomia que a possui perante aos outros órgãos, não podendo sofrer, dessa
maneira, qualquer interferência política visando a prejudicar a sua atuação.
A independência funcional da Defensoria Pública é essencial para o
bom desempenho das funções, já que, não raras vezes o Defensor Público, visando
202 GALLIEZ, Paulo César Ribeiro. Op. cit., p.28. 203 Idem, p. 30.
141
a resguardar os direitos do seu assistido, ingressa com ações contra o Estado (aqui
entendido em sentido lato, para abranger qualquer pessoa jurídica de direito
público), sendo imprescindíveis à independência e a autonomia, para evitar
quaisquer pressões, ingerências ou atitudes que venham a ceifar ou atrapalhar a
obtenção do direito pleiteado pelo assistido.
Tal autonomia também é visualizada em outros momentos na Lei
Complementar da Defensoria Pública, onde se vêem disciplinadas as garantias e
prerrogativas do Defensor Público em todos os níveis da sua carreira, onde se
garante a eleição do Defensor Público-Geral entre membros da carreira, através da
formação de lista tríplice a ser apresentada ao Governador do Estado, ou pelo
regime jurídico próprio para os Defensores Públicos etc.
São os Defensores Públicos, sem sombra de dúvida, agentes
políticos do Estado, e não meros servidores públicos.
É de se notar, o texto da Lei Complementar n° 80, de 12 de janeiro
de 1994, artigos 43, 88 e 127, que estabelecem como garantias dos membros da
Defensoria Pública a independência funcional no desempenho de suas atribuições, a
inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos e a estabilidade.
Diga-se, que a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos e a
estabilidade são garantias essenciais para um exercício realmente dotado de
independência funcional, diante da certeza da impossibilidade da perda do cargo
(somente é possível através de processo disciplinar, pelos motivos elencados na
legislação), diminuição salarial ou uma mudança forçada, tudo em prol de um
atendimento eficiente e independente aos hipossuficientes contra a classe
dominadora.
142
Não se pode esquecer de outras prerrogativas importantes como
corolário da independência funcional, tais como o prazo em dobro, o direito à
intimação pessoal, o poder de requisição, etc.
Alia-se ao acima citado, a importância da alteração trazida pela
Emenda Constitucional n° 45, de 2004, que garante a autonomia administrativa e
financeira, já que sem as mesmas é muito difícil falar-se em independência
funcional.
143
6 JURISDIÇÃO PENAL
Inicialmente, é mister conceituar jurisdição, no seu conceito mais
amplo, para somente após tratar da jurisdição penal.
TUCCI conceitua jurisdição da seguinte forma:
Consiste num poder-dever de realização de justiça estatal, mediante aplicação de normas disciplinadoras da conduta dos membros da comunhão social, incidentes sobre determinada relação jurídica, com a conseqüente finalidade de declaração, satisfação ou assecuração de direito subjetivo material de um de seus destinatários.204
Como se vê, a jurisdição é função estatal, podendo ser exercidas
somente por este, não cabendo ao indivíduo o direito de tentar alcançar a justiça
com as próprias mãos, configurando-se, tal conduta, como crime, devidamente
previsto no artigo 345 do Código Penal (“fazer justiça pelas próprias mãos, para
satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei permitir”).
Destarte, conflitos de interesses sempre existiram, cabendo ao
Direito a difícil missão de solucioná-los, caso repercutam na sua esfera.
Assevera MARCACINI que:
O conflito de interesses pode vir a ser solucionado de diversas formas, desde o cumprimento espontâneo do Direito pelos sujeitos envolvidos, passando por formas extraprocessuais como a auto-composição, formas de justiça privada como a arbitragem, até chegarmos à jurisdição, que é o poder do Estado de solucionar o conflito de interesses, mediante a aplicação do Direito.205
É necessário considerar que poderá haver conflito sem que as
partes desejem levá-lo a Juízo, não podendo o Estado interferir nestes casos. Não
204
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal – Jurisdição, Ação e Processo Penal (Estudo Sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 21. 205
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p.11/12.
144
obstante, se uma ou mais partes desejarem a interferência estatal é necessário
existirem meios para tanto.
Neste diapasão não se pode esquecer o determinado no inciso
XXXV, artigo 5º., da Carta Magna, onde claramente estabelece que a lei “não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
Por outro lado, “solucionando os conflitos, faz com que a vida em
sociedade continue a existir de forma harmônica, evitando que a perpetuação e
multiplicação de litígios leve a uma desagregação do tecido social que, por fim,
desembocaria numa ‘guerra de todos contra todos’.”206
Ao tratar da função substitutiva do Estado, é mister constar à
distinção que deverá haver entre o exercício por parte do Estado da função
administrativa com a função judiciária.
Como aceitar que o Estado possa ser parte e ao mesmo tempo
responsável pelo julgamento do processo, se não ocorrer à perfeita distinção entre
esses papéis? Assim a distinção é essencial para a plena efetivação da justiça, não
havendo óbice, podendo coexistir o Estado como parte e o Estado como julgador,
mas representados por órgãos próprios, criados com essa finalidade, garantindo ao
Estado julgador a necessária imparcialidade exigida para haver um devido processo
legal.
Por sua vez, a jurisdição pode ser contenciosa ou voluntária, sendo
que de forma resumida, pode-se, distinguir a primeira da segunda pelo fato de na
primeira existir partes em posições opostas, com a possibilidade do contraditório,
caso o réu, após ser chamado no processo, resolva se defender e pela formação da
coisa julgada material. Já na segunda, não há interesses conflitantes, havendo a
206
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p.12
145
administração dos interesses pelo órgão jurisdicional, buscando a constituição de
estado jurídico novo ou buscando desenvolvimento de estado jurídico existente,
ocorrendo a formação da coisa julgada material.207
A jurisdição penal é vista de forma diferente, isso porque a mesma
não se caracteriza pelo conflito de interesses entre as partes, onde uma faz
exigências perante a outra, tentando impor seu desejo, provar seu direito, mas sim,
pelo interesse da sociedade em punir o infrator de uma norma penal estabelecida,
com o direito do suposto infrator se defender, com a obrigatoriedade do contraditório,
e ao final uma sentença, para só então ocorrer à imposição da pena, em caso de
sentença penal condenatória, já que sem a sentença não é possível ocorrer o
apenamento.
Sobre o tema TUCCI acentua que:
A jurisdição penal consubstancia-se na ação judiciária, isto é, na atuação do Estado, por intermédio de categorizados e especializados funcionários, agentes do Poder Judiciário (juízes e tribunais), com a finalidade de aplicação das normas jurídicas penais materiais positivas, a um caso concreto, levado à sua cognição por um das formas em lei previstas. 208
Assim, a jurisdição penal pode ser singelamente definida como
atuação do Estado, através de pessoas – funcionários – determinados, com o
objetivo de aplicar as normas penais aos casos concretos, sempre buscando o ideal
de justiça.
Sobre as características da jurisdição penal TUCCI preceitua que:
Caracteriza-se pela abstração da existência de lide, contraditório real e indispositivo, ou indisponível, e coisa julgada sui generis, referida à causa penal objetivada no processo, mostram, à evidência, que a jurisdição penal não se identifica, também, com a jurisdição dita contenciosa (própria do processo extrapenal, especialmente do processo civil).209
207
TUCCI, Rogério Lauria, Op. cit., p. 28/32. 208 Idem, p. 43. 209 Idem, p.52.
146
O processo penal é necessário para considerar a pessoa culpada,
bem como para garantir o seu direito de liberdade, de defender-se, utilizando o
contraditório, buscando-se a verdade material, já que o processo penal tem como fim
à realização de justiça e não a satisfação de um ou de outro.
147
7 DEFENSORIA PÚBLICA E A JURISDIÇÃO PENAL
A jurisdição penal, como mencionado, pode ser singelamente
definida como atuação do Estado, através de pessoas – funcionários –
determinados, com o objetivo de aplicar as normas penais aos casos concretos,
sempre buscando o ideal de justiça, razão pela qual, a Defensoria Pública210 possui
papel primordial para se alcançar o ideal de justiça, quando o processo penal tiver
como acusado pessoa desprovida de recursos financeiros.
Certo é que o Estado “somente exerce a jurisdição penal, exerce o
seu ius puniendi, por meio de um processo que é uma forma de composição de
litígio”211, estando em oposição ao ius puniendi do Estado o direito de liberdade do
indivíduo.212
Por sua vez, não há como aplicar as normas penais aos casos
concretos sem garantir a parte carente à assistência jurídica gratuita. Dessa
maneira, a Constituição Federal determinou no artigo 5o., inciso LXXIV, a obrigação
do Estado em prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que não possuem
recursos para tanto.
Não obstante, no artigo 134 a Carta Magna trata da Defensoria
Pública incumbindo a mesma a obrigação de prestar orientação jurídica e proceder à
defesa, em todos os graus, dos desafortunados, na forma do artigo 5o., inciso LXXIV.
Claro está, que surge para o Estado a obrigação de prestar a
assistência jurídica e que a mesma deverá ser feita através da Defensoria Pública.
210
“Instituição tipicamente social, de ‘advocacia do povo’, prestar-se-á para a necessária e prévia orientação jurídica, bem como para a defesa, pré-processual e processual, em todos os graus de jurisdição, das pessoas desprovidas de recursos financeiros para o respectivo custeio”. TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 104. 211
GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 68. 212 Idem, p. 68.
148
Não se questiona o importante papel dos advogados, que muitas
vezes prestam assistência judiciária gratuita, fazendo sem nada receber, porém não
se pode aceitar a imposição da obrigação para os mesmos, exonerando o Estado
dos seus compromissos constitucionais.
Assim, cabe ao Estado o dever de criar as Defensorias Públicas
onde elas não existam, bem como estruturá-las, já que não basta apenas criar e não
dar condições para o seu adequado funcionamento, o que seria a mesma coisa de
não implementar esse direito ao cidadão.
Dessa maneira, criada a Defensoria Pública, organizada através de
lei orgânica, estruturada, tanto fisicamente, como através do quadro de pessoal, com
profissionais concursados, qualificados, preparados, em número suficiente, deverá a
Instituição prestar um atendimento adequado, visando garantir a plenitude dos
direitos do carente.
Contudo, a pessoa desafortunada não faz jus somente ao
atendimento jurídico gratuito, mas, faz jus a um atendimento jurídico com qualidade,
onde a defesa seja exercida na sua plenitude, de forma eficiente, garantindo a
paridade de armas.
Além da paridade de armas, deve ser garantida a dignidade da
pessoa humana, o respeito ao devido processo legal, exigindo-se o cumprimento
das formalidades necessárias para alcançá-lo, a motivação das decisões judiciais, o
respeito ao princípio da inocência e a necessidade de se buscar a verdade real.
Ponto importante a ser ressaltado é a garantia da assistência jurídica
gratuita, ou seja, não apenas a assistência judiciária, mas o direito de consultar-se
antes com o profissional, de ter assistência jurídica em processos administrativos.
149
Ademais, as Defensorias Públicas estaduais possuem núcleos que
visam prestar um atendimento especializado, garantindo a qualidade do serviço e o
maior conhecimento do profissional que o presta, visando competir de igual para
igual com profissionais especializados da área privada e assegurar um serviço de
excelência. Os núcleos mais encontrados são: infância e juventude, defesa do
consumidor, idosos, mulheres, direitos humanos, regularização fundiária, sistema
prisional, dentre outros.
Aliás, o II Estudo Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil aponta
que o atendimento ao sistema prisional realizado pela Defensoria Pública
caracteriza-se como mecanismo preventivo, o que é fácil de ser entendido, já que,
procura garantir os benefícios previstos no Código Penal e na Lei de Execução
Penal, tais como a progressão de regime, o livramento condicional, o não
cumprimento além do montante da pena e dos termos impostos, o tratamento digno,
pedidos de remição de pena pelos dias trabalhados, etc.
Infelizmente, apesar dos números mostrarem que 70,85% da
população está entre o público alvo do atendimento das Defensorias Públicas, a
Instituição não recebe o apoio necessário por parte do Estado, já que quando
comparado com o Poder Judiciário e com o Ministério Público os números são
alarmantes.
Do orçamento executado no ano de 2004 com o sistema de justiça
brasileiro, vê-se, que 71,30% são destinados ao Poder Judiciário, 25,37% ao
Ministério Público e apenas 3,33% a Defensoria Pública.
Não bastasse para cada 100.000 habitantes existem 7,7 juízes; 4,22
membros do Ministério Público e somente 1,48 Defensores Públicos, existindo três
vezes mais promotores de justiça estaduais do que defensores públicos estaduais.
150
Tais números demonstram o descaso com a assistência jurídica
gratuita no Brasil, e, conseqüentemente, com a pessoa do acusado no processo
penal, já que se garante melhores condições ao Estado julgador e ao Estado
acusador do que ao Estado defensor.
Procura-se valorizar e estruturar o poder-dever de punir, o que é
correto, porém, não se procura valorizar e estruturar o direito do cidadão opor-se ao
poder-dever de punir, visando garantir seu direito de liberdade, o que é errado, já
que não garante a paridade de armas.
Evidente a necessidade de ser revista essa situação elencada, para
estruturar a Instituição responsável pela defesa do desafortunado no Brasil,
buscando elevar a prestação do serviço para assegurar a almejada igualdade das
partes.
Certo é, que no desempenho das suas funções é obrigação
funcional do Defensor Público desempenhá-la com zelo e não o fazendo poderá
responder a processo disciplinar perante a Corregedoria do órgão, com penalidade
máxima prevista de exoneração.
A atividade da corregedoria é constante, praticada através de
correição ordinária, que é realizada anualmente para se verificar a regularidade e
eficiência dos serviços prestados, bem como, através de correição extraordinária,
que poderá ser de ofício ou por determinação do Defensor Público-Geral, sendo
garantido a qualquer pessoa o direito de representar Defensor Público por abusos,
erros ou omissões no exercício do seu mister.
Além disso, os Defensores Públicos de Categoria Especial, que são
responsáveis pelo acompanhamento dos processos no Tribunal de Justiça e nos
Tribunais Superiores, também exercem função de correição ao analisar os recursos
151
e o processo onde atuou os Defensores Públicos das demais categorias, tendo
como obrigação informar a Corregedoria sobre eventuais falhas praticadas.
Conclui-se, que a assistência jurídica prestada pelo Defensor
Público deverá primar sempre pela sua qualidade e não tendo sido prestada nestes
termos o Defensor responsável poderá sofrer correição, podendo ser penalizado,
inclusive com sua exoneração.
Não fosse suficiente, se a assistência jurídica prestada pelo
Defensor Público for responsável pela condenação do mesmo, diante da má atuação
do profissional, surge à responsabilidade do Estado indenizar o prejudicado.213
Por sua vez, ao tratar da Defensoria Pública e da jurisdição penal,
não se pode esquecer das dificuldades existentes no tocante ao processo penal,
instrumento utilizado para aplicar as normas penais aos casos concretos.
Assim, o Defensor Público ao atuar no processo penal, não pode
deixar de lembrar que o Código de Processo Penal brasileiro foi inspirado no Código
Italiano fascista, Código de Rocco, razão pela qual traz uma visão limitada sobre os
direitos do ser humano.
Esses direitos sobrepõe até mesmo um suposto direito da
sociedade, como se essa, deseja-se a consagração de um sobre o outro, fato não
213
“O defensor público ou quem desempenha o seu papel no processo penal, atuando na defesa de acusado carente de recursos, é considerado agente para fins do disposto no parágrafo 6o. do art. 37 da Constituição Federal. Se a sua atuação tiver sido decisiva para que o acusado tenha obtido uma condenação injusta (condenação quando mereceria absolvição ou condenação a pena maior ou mais grave da efetivamente devida), não vemos como excluir a responsabilidade objetiva do Estado em indenizar o acusado, indenização esta que pode, também, abranger o dano moral, considerando-se que no caso concreto certamente terá restado violada também a sua honra, nos termos do inciso X do art. 5o. da Constituição Federal. (...) Não se trata aqui de indenização por erro judiciário, também prevista constitucionalmente (art. 5o., inciso LXXV), mas de indenização por atuação deficiente de servidor público, no caso o defensor público.” GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 198.
152
admissível, já que ao suprir ou diminuir direitos inerentes ao indivíduo, se está
estendendo para toda a sociedade essa falha. 214
Para explicitar melhor a forma de pensar do legislador do Código de
Processo Penal, nada melhor que trazer a tona exposição de motivos do referido
Codex, no tópico que trata sobre a reforma do processo penal vigente, onde se
encontra in verbis:
II – De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinqüem. As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico-penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. Este o critério que presidiu à elaboração do presente projeto do Código.
Não bastasse, CARNELUTI afirma sobre o processo penal:
Um pouco em todos os tempos, mas no tempo moderno sempre mais, o processo penal interessa à opinião pública. Os jornais ocupam boa parte das suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos. Quem as lê, aliás, tem a impressão de que tenhamos muito mais delitos que não boas ações neste mundo. A eles é que os delitos assemelham-se às papoulas que, quando se tem uma em um campo, todos desta se apercebem; e as boas ações se escondem, como as violetas entre as ervas do prado. Se dos delitos e dos processos penais os jornais se ocupam com tanta assiduidade, é que as pessoas por estes se interessam muito; sobre os processos penais assim ditos célebres a curiosidade do público se projeta avidamente. E é também esta uma forma de diversão: foge-se da própria vida ocupando-se da dos outros; e a ocupação não é nunca tão intensa como quando a vida dos outros assume o aspecto do drama. O problema é que assistem ao
214
“Se a primazia do processo penal de 1941 (sob plena influência fascista) era do interesse social (repressão da delinqüência), agora, depois da CF de 1988, urge a proclamação do interesse oposto (da liberdade individual), que tem como um dos vetores principais a presunção da inocência. A aparente neutralidade do texto constitucional ora analisado ( art. 5o., inc. LVII) não consegue esconder (muito menos impedir) o manancial limitador e garantista que emerge do princípio citado. Uma Constituição que tem como fundamento ‘a dignidade da pessoa humana’ (art. 1o., III), que afirma a inviolabilidade da liberdade (art. 5o.), que exige prisão fundamentada etc., evidentemente parte do pressuposto de que a liberdade individual, no processo penal, vem em primeiro lugar. Só em casos excepcionais, respeitado o devido processo legal (due process of law), pode haver, portanto, privação ou restrição dessa liberdade.” GOMES, Luiz Flávio. Op. cit., p. 106 e 107.
153
processo do mesmo modo com que deliciam o espetáculo cinematográfico, que, de resto, simula com muita freqüência, assim, o delito como o relativo processo. Assim como a atitude do público voltado aos protagonistas do drama penal é a mesma que tinha, uma vez, a multidão para com os gladiadores que combatiam no circo, e tem ainda, em alguns países do mundo, para a corrida de touros, o processo penal não é, infelizmente, mais que uma escola de incivilização. O que se deseja é fazer, com estes colóquios, do processo penal um motivo de recolhimento, em vez de divertimento. (...) Considerar o homem como uma coisa: pode-se ter uma forma mais expressiva da incivilidade? Mas é aquilo que acontece, infelizmente, nove entre dez vezes no processo penal. (...) O que precisa, ao contrário, para merecer o título de homem civilizado, é derrubar este comportamento; somente quando conseguimos dizer sinceramente “eu sou como este”, então verdadeiramente seremos dignos da civilização.215
Vê-se que existem muitas dificuldades ao tratar do processo penal,
isso porque, a base do mesmo é pouco voltada ao cidadão, sendo o contrapeso feito
pela Constituição Federal de 1988, mas, que muitos insistem em não aplicá-la,
ficando restritos aos ditames nada democráticos do Código de Processo Penal.
O interesse despertado pelo direito penal, pelo poder de punir do
Estado, gera uma cobrança nos aplicadores do direito dificultando a utilização do
seu lado humano, voltado para as pessoas, que como todos erram e acertam.
Assim, na tentativa de tornar o processo penal menos incivilizado, de
humanizá-lo, de encarar a figura do acusado como ser humano, igual a todos os
outros e não como coisa ou animal, independente do crime que veio a cometer é
que se analisa a importância da defesa para tanto.
A Defensoria Pública, possui a difícil missão, no processo penal, de
tentar garantir a aplicação dos direitos já esculpidos na Carta Magna, isso porque,
não basta a previsão legal dos mesmos, é preciso sua utilização a favor de todos,
indistintamente.
215
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. José Antonio Cardinalli. São Paulo: Conan, 1995, p. 12/13.
154
Ponto que merece destaque é o de que quando a Constituição
Federal de 1988 determina a prestação de assistência jurídica gratuita e integral, ela
amplia a função anteriormente dada pela lei que disciplinava a assistência judiciária,
garantindo ao desfavorecido economicamente o atendimento judicial e extrajudicial,
implicando na esfera da área criminal no direito do desafortunado contar com um
Defensor Público já no inquérito policial, não somente após o início do processo
penal.
Por sua vez, a pessoa carente tem direito de ter um Defensor
Público desde o início da persecução penal, defensor que deverá acompanhar o
inquérito policial, entrevistar-se pessoalmente com o acusado antes do interrogatório
(artigo 185, parágrafo 2o., do Código de Processo Penal), estar presente no
interrogatório do acusado, apresentar defesa prévia, acompanhar as audiências,
manifestar-se quando necessário, apresentar alegações finais e se necessário
pedido de diligências.
Se o acusado estiver preso deverá verificar a possibilidade de
requerer o relaxamento da prisão, liberdade provisória ou habeas corpus, devendo o
Defensor Público ser comunicado da prisão, com cópia integral da prisão em
flagrante, dentro de vinte e quatro horas depois da ocorrência, caso não informe o
acusado o nome de seu advogado. 216
Destaca-se, que a comunicação do Defensor Público em 24 horas
da prisão, trás um grande benefício para os acusados que se encontram nessa
situação, já que antes o Defensor Público tomava ciência da prisão quando
comparecia na estabelecimento onde a pessoa encontrava-se preso e entrevistava-
216
Lei n. 11.449, de 15 de janeiro de 2007, que altera o art. 306 do Decreto-Lei no. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Art. 306, parágrafo 1o. Dentro de 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante
155
o, quando a família procurava a Defensoria Pública ou antes do interrogatório na
entrevista pessoal.
Agora, com a comunicação do flagrante no prazo acima
mencionado, é possível que o Defensor Público analise o flagrante, verifique se
existe alguma nulidade, se é caso de interpor pedido de liberdade provisória,
relaxamento da prisão ou habeas corpus, possibilitando uma maior agilidade na
defesa do carente.
Certo é que a lei 11.449/07 representa um avanço, mas recebe
críticas pelo fato de não ter sido garantido ao preso o acompanhamento na lavratura
do auto de prisão em flagrante, somente sua comunicação posteriormente.217
Por outro lado, as Defensorias Públicas do Brasil deverão se
estruturar para que possam estar atendendo as comunicações vinte e quatro horas,
de segunda-feira até segunda-feira, fazendo escalas de plantão visando assegurar
os direitos dos hipossuficientes economicamente a uma assistência jurídica efetiva e
não somente a imaginada pelo legislador.
Destarte, não se pode esquecer que grande parte das Defensorias
Públicas trabalha com infra-estrutura precária, o que pode dificultar na estruturação
da defesa necessária, mas não pode servir de óbice para tanto.
acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. 217
“Á parte as indefectíveis críticas e os indefectíveis elogios à Lei n. 11.449/07, deixou-se entrever a renovada preocupação do legislador ordinário com a defesa do acusado antes mesmo da instauração da ação penal. Ele teve o grande mérito de , em nível infracostitucional, estender à fase pré-judicial da persecução penal a assistência do defensor ou, ao menos, cientificar a instituição apta a postular em favor do preso sobre a ocorrência de uma restrição à liberdade, para ensejar a tutela de interesses dele. Entretanto, preocupou-se mais em garantir a comunicação da prisão em flagrante do que fornecer meios para que o preso contasse com efetiva assistência técnica quando interrogado durante a confecção do auto de prisão. A extensão que se pretendeu conferir à atuação da Defensoria Pública foi curta quanto um monossílabo, porque deixou de estabelecer a assistência da defesa técnica durante a lavratura do auto de prisão em flagrante, com base no qual, conforme a experiência revela, não poucas condenações são sustentadas.” (HADDAD, Carlos Henrique Borlido. Lei n. 11.449/07: O papel da Defensoria Pública na prisão em flagrante. In: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: a. 14, n. 172, março de 2007, p. 19)
156
Somente para encerrar o tema, a questão deve ser analisada com
muita sensibilidade para não ser escravizado um único defensor com essa função,
obrigando-o a receber os flagrantes e estar disponível vinte e quatro horas, todos os
dias, em desrespeito a sua vida profissional e a Lei Complementar n. 80 de 1994,
que prevê a obrigação do Defensor Público cumprir o expediente forense, que
normalmente é das 8:00 horas até as 18:00 horas. Assim, deve ser feita uma escala
de revessamento para não sobrecarregar somente um profissional, em desrespeito
ao acima mencionado e para garantir o devido atendimento que faz jus o
hipossuficiente economicamente.
Não obstante, é de se ressaltar, que a defesa que há de ser feita
não pode ser meramente formal, é necessário que seja uma defesa efetiva. Assim,
não basta nomear um defensor para o acusado, é necessário que o mesmo defenda
o réu.
Ademais, as alegações finais não podem cingir-se em um pedido de
Justiça, não é esse o papel da defesa.
O acusado tem direito garantido, inclusive na Constituição Federal, a
ver-se defendido amplamente, em respeito ao princípio constitucional da ampla
defesa e do contraditório, não sendo realizada da forma devida a nulidade deve ser
reconhecida.
O próprio Código de Processo Penal, determina no artigo 564, inciso
III, letra “c”218 a nulidade do processo diante da ausência de defensor, bem como a
Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal219, trata do tema, impondo a nulidade do
218
Código de Processo Penal, artigo 564 – A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 (vinte e um) anos. 219
Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal: “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.”
157
processo caso não exista defesa ou no caso da mesma ser deficiente e causar
prejuízo ao acusado220.
A defesa deve estar atenta ao cumprimento do disposto nos
princípios para garantir a dignidade da pessoa humana, partindo do ponto que a
dignidade é inerente a todo ser humano, não importando o crime praticado ou sua
condição pessoal, devendo a dignidade ser defendida.
Deve primar para que exista o devido processo legal, lembrando que
para o processo ter validade deve respeitar as normas estabelecidas, garantindo o
direito das partes, a paridade de armas, tudo dentro de um prazo razoável.
Outrossim, não se pode aceitar uma defesa que não seja efetiva e
ampla, bem como a ausência da contraditoriedade no processo, que sempre deve
estar presente, através da utilização do conteúdo da audiência bilateral. A presunção
da inocência somente pode ceder se demonstrado pela acusação o fato criminoso,
bem como a participação do acusado, seja de forma dolosa ou culposa.
Por fim, a verdade real ou material deve ser buscada em todos os
momentos no decorrer do processo, visando absolver o inocente e punir de forma
adequada o culpado, sendo que as decisões judiciais devem ser motivadas, para
garantir que não são arbitrárias, mais baseadas nos fatos e no direito que rege a
220 Ementa - RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL GRAVE. DIREITO PROCESSUAL PENAL.
DEFENSORIA PÚBLICA. DEFESA PRÉVIA. NÃO APRESENTAÇÃO. TESTEMUNHA NÃO ARROLADA. DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. OCORRÊNCIA. 1. Em tema de nulidades processuais, o nosso Código de Processo Penal acolheu o princípio pas de nullité sans grief, do qual se dessume que somente há de se declarar à nulidade do feito, quando, além de alegada opportuno tempore, reste comprovado o efetivo prejuízo dela decorrente. 2. Se a defesa dativa deixa de requerer produção de prova oral, existente já no inquérito policial e ajustada ao protesto de inocência do réu, forçoso o reconhecimento da deficiência de defesa a determinar a nulidade do feito, por inquestionável o prejuízo sofrido. 3. Recurso provido Acórdão - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Paulo Medina e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Nilson Naves. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti. (STJ - REsp 622753 / PA ; RECURSO ESPECIAL 2003/0227848-1 - Ministro HAMILTON CARVALHIDO - DJ 14.11.2005 p. 411)
158
matéria, analisados e ponderados pelo magistrado, levando tranqüilidade às partes e
a sociedade ao perceberem que ocorreu o respeito ao constante nos autos, aos
fatos ali narrados e ao direito pátrio.
Ressalta CARRARA sobre a defesa:
O Estado deve, no exercício do magistério penal, defender indistintamente o direito de todos. Deve defender os honestos contra os culpados, punindo a estes. Deve defender os honestos contra as injustas acusações, assacadas em seu prejuízo. Deve defender os próprios culpados contra o zelo exagerado dos agentes do poder, quando estes pretendem fazer recair sobre si uma pena mais severa do que a desejada pela lei. Logo, a defesa dos réus é um dever da autoridade social, como tanto uma como a outra são conteúdos necessários da tutela jurídica. 221
É de se ressaltar que uma Defensoria Pública estruturada e que
funcione de forma correta, adequada, possui a possibilidade e a obrigação de tentar
garantir uma defesa condizente com os ditames legais, garantindo a ampla aplicação
dos princípios que regem o direito.
Contudo não se pode concordar com a nomeação de advogados
dativos que, muitas vezes, a aceitam somente para manter bom relacionamento com
juízes e promotores, sendo comum escutar que estão fazendo aquilo somente por
caridade.
Igualmente, se vê em processos a nomeação de advogado somente
para o ato, assim, o acusado terá um advogado que o acompanhou no
interrogatório, outro na fase das audiências, que muitas vezes manifestando-se na
audiência sobre a fase do artigo 499 do Código de Processo Penal, visando a
celeridade processual, mas sem o conhecimento integral do feito e outro para
alegações. Questiona-se: como pode uma pessoa ser bem atendida se o próprio
causídico não tem conhecimento do processo?
221
CARRARA, Francesco. Op. cit., p.352/353.
159
Certamente, por melhor que seja o profissional a defesa vai ser
falha, apesar de sempre estar o acusado acompanhado de um advogado. Houve a
garantia da efetiva ampla defesa?
Infelizmente, não, apenas uma defesa formal, mas, dificilmente uma
defesa efetiva.
Contudo, é preciso destacar que bons profissionais também são
nomeados para proceder à defesa dos acusados hipossuficientes, fazendo-a com
esmero, garantindo aos mesmos uma efetiva ampla defesa.
Não há que se olvidar que a caridade é um princípio cristão, deve
ser exercida por todas as pessoas diariamente. Todavia o direito de defesa não
pode ser encarado como caridade, mas como direito elevado à categoria de
princípio, e o seu descumprimento além de ferir o princípio da ampla defesa e do
contraditório, fere o princípio do devido processo legal e o da dignidade da pessoa
humana, ferindo por conseqüência os princípios fundamentais do Estado
Democrático de Direito.
Não se pode esquecer, também, que por trás do processo existem
pessoas, e não somente papéis e normas a serem cumpridas. As normas devem ser
interpretadas sempre em prol do ser humano, visando chegar mais perto do ideal de
justiça.
O Defensor Público deve praticar uma defesa efetiva, sob pena de
ver o processo anulado e ser responsabilizado perante sua Corregedoria pelos atos
mal praticados. É mister do mesmo o zelo na prestação da assistência jurídica,
visando garantir os direitos do desafortunado na jurisdição penal.
160
Como já mencionado, a assistência jurídica é obrigação do Estado,
que deve prestá-la através da Defensoria Pública, e não através de convênios ou
caridade de terceiros.
A grande maioria das Defensorias Públicas no Brasil, possui
Defensores, no último grau da carreira, que atuam perante os Tribunais de Justiça
dos respectivos Estados, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal,
sendo certo que cabe a estes acompanhar o andamento do recurso, bem como
interpor as medidas judiciais cabíveis para alcançar o objetivo almejado.
Os Defensores Públicos que atuam no segundo grau, como já
mencionado, possuem, ainda, a função de correição do trabalho dos Defensores
Públicos de 1o. grau, encaminhando cópia das falhas e das peças feitas pelo
Defensor Público a Corregedoria para ver apurada a responsabilidade do
profissional.
Claro está que a assistência jurídica prestada através da Defensoria
Pública, se a Instituição estiver devidamente estruturada, é vantajosa para o
assistido, já que feita por profissionais concursados (concurso de provas e títulos) -
evitando-se a nomeação de profissionais muitas vezes sem o conhecimento
necessário, profissionais que possuem dedicação exclusiva, com o
acompanhamento dos processos no 2o. grau de jurisdição, através dos Defensores
que compõe o último grau da carreira e todos fiscalizados pela Corregedoria Geral.
Afora isso, as garantias dos Defensores Públicos de independência
funcional no desempenho de suas atribuições, inamovibilidade, a irredutibilidade de
vencimentos e a estabilidade (artigos 43, 88 e 127 da Lei Complementar n. 80 de 12
de janeiro de 1994) permitem uma maior liberdade na atuação do profissional,
161
resguardando-o de interferência de possíveis terceiros interessados poderosos, que
poderiam tentar influenciar no resultado, para alcançar seus objetivos.
As prerrogativas inerentes ao cargo, dentre elas o direito de receber
intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, a contagem em dobro
de todos os prazos, ter vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias e
o poder de requisição, possibilitam um melhor acompanhamento do processo e
atendimento da parte desafortunada.
Além disso, as prerrogativas buscam garantir uma qualidade na
prestação da assistência jurídica muito prejudicada pelo excesso de serviço
incumbido ao membro da Defensoria Pública e são meios para assegurar o acesso à
justiça, através do respeito pelas dificuldades enfrentadas pelas pessoas carentes.
Por fim, quando existe uma Defensoria Pública eficiente, pode-se
dizer, que existe um respeito aos princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direito, com a conseqüente garantia dos direitos dos hipossuficientes
economicamente na jurisdição penal. 222
222
“A assistência jurídica é um direito do carente de recursos – e mais, no processo penal, do carente de defesa – e, ao mesmo tempo, uma garantia de que, com uma defesa tecnicamente adequada, o carente terá assegurado o direito a uma ordem jurídica justa.” GIANNELLA, Berenice Maria. Op. cit., p. 65.
162
CONCLUSÃO
A defesa aos acusados carentes é uma preocupação antiga,
podendo ser encontrada inclusive no Código de Hamurabi, datado de
aproximadamente 2.000 a.C.
Não obstante, a assistência judiciária era prestada como caridade,
não como direito inerente ao ser humano, obrigação do Estado, visão que foi
mudada no século XVIII com as declarações voltadas aos direitos do homem,
apregoando a igualdade perante a lei.
Ademais, a preocupação com a garantia do direito à assistência
jurídica aos carentes é mundial, sendo prestada através da assistência judiciária
pública ou privada, custeada pelo Estado ou sem a devida remuneração, quando é
imposta como ônus à advocacia privada. Ponto em comum no quadro mundial é a
preocupação com a prestação da assistência jurídica e não somente assistência
judiciária.
Contudo, não se pode aceitar mais profissionais exercendo a
assistência sem remuneração ou com remuneração insuficiente para estimular os
melhores profissionais a prestá-la, obrigando, em conseqüência, a prestação do
serviço aos desafortunados por profissionais inexperientes ou ineptos.
Por sua vez, difere-se a assistência jurídica, a assistência judiciária e
a justiça gratuita. Entende-se Justiça Gratuita como a isenção das custas e
despesas, judiciais ou não, necessárias ao desenvolvimento do processo e a defesa
dos direitos do assistido. Já a assistência judiciária como o patrocínio gratuito da
causa por advogado, podendo ser fornecido pelo Estado ou não, na defesa das
pessoas carentes em Juízo, sendo um serviço público. Por fim, a assistência jurídica
163
é a prestação do serviço jurídico por profissional habilitado, tanto judicialmente como
extrajudicialmente.
Certo é que a Defensoria Pública tem a missão de tentar abrir as
portas dos Tribunais para os desafortunados e possui previsão constitucional a partir
de 1988, sendo que antes as Constituições Federais tratavam somente da
assistência judiciária.
No entanto, é fácil perceber que a atual Carta Magna, além de
alargar o âmbito da assistência aos hipossuficientes economicamente – de mera
assistência judiciária para assistência jurídica integral -, também inovou ao tratar da
Defensoria Pública em dois artigos próprios, trazendo à tona a visão de uma
Instituição essencial, com papel definido, não substituível por outros órgãos ou
profissionais, dotada para exercê-la de garantias necessárias, entre elas, autonomia
funcional, administrativa e financeira, imprescindíveis para o fortalecimento e
aprimoramento da Instituição.
O Defensor Público presta atendimento judicial em todos os graus e
atendimento extrajudicial através de consultas jurídicas, composição extrajudicial,
acompanhamento em processo administrativo, exercendo um múnus público. Para
tanto é dotado de garantias que visam assegurar a atuação do Defensor sem
interferências e prerrogativas, atributos do cargo, devendo prestar um atendimento
de qualidade, já que é seu dever desempenhar com zelo e presteza os serviços a
seu cargo, inclusive interpondo recursos quando necessário. A atividade funcional
está sujeita a correição.
Por sua vez, não se podendo aceitar a existência de defensor ad
hoc, da mesma forma que não se aceita mais as figuras dos promotores de justiça
ad hoc e nem dos magistrados ad hoc.
164
É de se ressaltar que o II Estudo Diagnóstico da Defensoria Pública
no Brasil apontou que às Defensorias Públicas ainda contam com estrutura precária,
porém a Instituição é um mecanismo estatal para construção da cidadania e para
proteção da dignidade, sendo necessária á realização de um Estado Democrático
baseasse em princípios igualitários.
Apontou o Estudo, também, a média de idade das Defensorias
Públicas como sendo de onze anos, o fato de não estarem presentes nos estados
do Paraná, Santa Catarina e Goiás, sendo que o último está realizando concurso,
além de possuírem como público alvo 70,85% da população do país, levando-se em
consideração pessoas maiores de 10 anos com renda de até 3 salários mínimos,
com recursos destinados a Instituição de apenas 3,33% do orçamento pertencente
ao sistema de Justiça e atendendo 39,7% das comarcas existentes no País, sendo
que onde existe convênio para o atendimento judiciário as Defensorias Públicas
atendem menos comarcas, razão pela qual se entende ser meio de terceirização do
serviço de assistência jurídica.
No que concerne a jurisdição penal - atuação do Estado com o
objetivo de aplicar as normas penais aos casos concretos através de um processo -
certo é que, apesar do Estado ter o ius puniendi não se pode esquecer que o
indivíduo tem o direito de liberdade. Assim, ao aplicar as normas penais é preciso
garantir a assistência jurídica gratuita, obrigação do Estado (artigo 5o., inciso LXXIV,
Constituição Federal), incumbida a Defensoria Pública (artigo 134 da Carta Magna).
Em decorrência da previsão constitucional, a Defensoria Pública é
considerada como uma Instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
instrumento do Estado Democrático de Direito, encarregada de prestar a assistência
jurídica integral e gratuita, sendo dever do Estado assumir seu papel, evitando
165
passar a obrigação da prestação da assistência para terceiros, efetivando o disposto
na Constituição Federal, através de Defensorias Públicas estruturadas, com bons
profissionais, boa estrutura física, em número suficiente de profissionais para
atender a demanda da população carente.
Destarte, o defensor na atuação deve garantir a aplicação dos
princípios, opondo-se a limitações aos direitos do ser humano, a liberdade do
indivíduo, sob o pretexto do direito da sociedade, como ocorre no Código de
Processo Penal (direito da sociedade) em contraposição a Constituição Federal
(liberdade do indivíduo). Deve, também, garantir que o acusado seja visto como
pessoa e não como papel.
Aliás, os princípios são normas orientadoras que funcionam como
diretrizes para a aplicação do direito, para a criação de outras normas. De fato os
princípios possuem eficácia jurídica, não sendo criados apenas para a reflexão sobre
o tema, mas para serem utilizados, aplicados em concreto, não se devendo, na
condução do processo, perder de vista a idéia da dignidade humana, sob pena de se
conseguir apenas aplicar a lei, sem, no entanto, estar presente a justiça, ponto
primordial.
Assim, a dignidade do ser humano, o devido processo penal, o
contraditório e a ampla defesa, a motivação das decisões judiciais, a busca
incessante da verdade real para com base em provas concretas reafirmar a
inocência ou cessá-la, com uma condenação justa, devem ser respeitados mesmo
no momento em que o Estado exerce o jus puniendi, sendo obrigação da Defensoria
Pública, quando presta o atendimento ao desafortunado, primar para tanto.
Dessa maneira, a pessoa hipossuficiente economicamente não faz
jus somente a uma defesa formal, faz jus a um atendimento jurídico com qualidade,
166
onde a defesa seja exercida na sua plenitude, de forma eficiente, garantindo a
paridade de armas, principalmente se analisado que a defesa é um elemento do
devido processo legal, assim a assistência jurídica alicerça-se nele.
Posto isso, vislumbra-se que a Defensoria Pública possui a difícil
missão na jurisdição penal de tentar garantir a aplicação dos direitos já esculpidos
na Carta Magna, isso porque, não basta a previsão legal dos mesmos é preciso sua
utilização a favor de todos, indistintamente.
Conclui-se, então, que somente discutindo a necessidade,
apontando-se o porquê, sua evolução histórica, sua previsão Constitucional é que se
torna possível entender a importância da Defensoria Pública ser criada, organizada e
estrutura, passando a ser vista como direito a ser garantido as pessoas carentes,
direito iguais aos direitos à saúde, à moradia, à educação e ao lazer.
Por fim, um Estado que se diz Democrático funda-se em princípios
igualitários, sendo mister garantir essa igualdade, também, na jurisdição penal,
assegurando ao Estado defensor o mesmo tratamento assegurado ao Estado
julgador, criando, organizado e estruturando a Instituição incumbida de realizar a
defesa para alcançar a tão almejada igualdade, dignidade e justiça.
Para encerrar, é necessário destacar que cabe a cada um, a cada
aplicador do direito, o dever de fazer sua parte sem esmorecer, de lutar para o
fortalecimento das Instituições Constitucionais responsáveis pela efetivação dos
direitos, dentre elas a Defensoria Pública, para que ao final se possa vislumbrar um
mundo mais justo, mais igual e mais digno a todos indivíduos.
167
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