INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
GRADUAÇÃO DE PEDAGOGIA À DISTÂNCIA
SOBRE CONSUMO E MÍDIA: IMPACTOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES NA EDUCAÇÃO
Por: André Luiz de Almeida Davila
Orientador
Prof. Dr. Vilson Sérgio de Carvalho
Rio de Janeiro
2008
DOCU
MENTO
PRO
TEGID
O PEL
A LE
I DE D
IREIT
O AUTO
RAL
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
GRADUAÇÃO DE PEDAGOGIA À DISTÂNCIA
SOBRE CONSUMO E MÍDIA: IMPACTOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES NA EDUCAÇÃO
Monografia apresentada como requisito para obtenção do Grau de Licenciatura, do Curso de Pedagogia do Instituto a Vez do Mestre. Por André Luiz de Almeida Davila
Orientador: Prof. Dr. Vilson Sérgio de Carvalho
Rio de Janeiro
2008
AGRADECIMENTOS
À professora Edir Mello, que e ensinou que o pedagogo é, sim, um pensador social; Ao meu orientador, Professor Vilson Sérgio, que acreditou que eu pudesse desenvolver o tema aqui apresentado.
Agradeço aos meus colegas de turma que, pelo rico convívio e intensas discussões, contribuíram para a idealização deste trabalho. De um modo especial: Aos coordenadores do curso de pedagogia do IAVM, que tiveram a coragem de mudar quando necessário, dando toda a condição e segurança de confiarmos no pioneirismo de um curso a distância; À equipe de tutoras, que sempre, pacientemente, tiravam as minhas dúvidas;
DEDICATÓRIA
Ao meu querido pai, Waldyr (in memorian), que me ensinou que o respeito ao próximo constituí a base da ética humana. À minha mãe, Marilda, pela sua dedicação e carinho. À minha amada mulher, Deise, e aos meus não menos amados filhos Lucas, Rafael e Clara, pela força e compreensão das longas noites e muitos domingos que fiquei ausente. Ao meu primo Edson e à minha amiga Lúcia, pelas longas conversas conspiradoras em prol de uma educação crítica e libertária.
RESUMO
Com o surgimento de novas mídias e a criação de um modelo de felicidade baseado no consumo desenfreado, o ambiente escolar viu-se diante de uma nova problemática, qual seja: como lidar com essas (novas) questões no ambiente escolar e no campo da educação? Também é papel da escola ajudar na formação de um consumidor consciente? Assim, esse trabalho pretende fazer uma conexão entre a mídia – e suas novas faces –, sociedade consumista e educação, através da análise de diversos artigos, autores e pesquisas na rede mundial de computadores sobre esses temas, oferecendo um estudo específico e conexo sobre essas três temáticas e suas conseqüências, oportunidades e desafios no ambiente escolar. Para isso, esse estudo visa oferecer subsídios para o entendimento de que a mídia e o consumo podem estar impactando de maneira marcante o ambiente escolar e a educação, buscando, dessa forma, demonstrar que a escola não pode estar alheia à discussão sobre a relação mídia/consumo/educação.
Palavras chave: Educação, educação para o consumo, consumismo, mídia.
METODOLOGIA
Essa pesquisa tem caráter bibliográfico, onde as hipóteses levantadas se
sustentam através da consulta a obras atualizadas - tais como livros, artigos de jornais e
revistas e sítios na web, além de observações e pesquisas informais de caráter empírico.
Assim, procuramos buscar no pensamento de Jean Baudrillard,Zygmunt Bauman
e Pedro Demo, entre outros, os subsídios teóricos para a confecção deste trabalho.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I Consumo: O paradigma do mercado e seus impactos na educação. 10 CAPÍTULO II Mídia e Educação: Desafios e Oportunidades 27 CAPITULO III Mídia, Consumo e Educação: Uma Reflexão. 40 CONSIDERAÇÕES FINAIS 49
ANEXOS 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 59
ÍNDICE 62
FOLHA DE AVALIAÇÃO 63
INTRODUÇÃO
“Foi um rio que passou em minha vida
E o meu coração se deixou levar”
Paulinho da Viola
Tal como um rio que passou em minha vida, a questão da educação sempre
levou o meu coração, seja enquanto pai, cidadão ou profissional. Apaixonante e
desafiadora, a temática educacional sempre se depara com novos paradigmas que,
entretanto, não substituem imediatamente paradigmas anteriores, criando, dessa forma,
um ambiente propício para discussões e novas reflexões.
Um dos paradigmas mais desafiadores no campo da educação na atualidade,
diz respeito ao surgimento de novas tecnologias e de suas utilizações no campo da
educação. Mas não é só isso: essas novas tecnologias vêm acompanhadas de um apelo
para o consumo desenfreado e despreocupado, articulado com mídias tradicionais,
impondo à sociedade e, conseqüentemente, ao ambiente escolar, um paradigma calcado
na auto-regulação dos mercados e no consumo como única fonte de felicidade.
Esse modelo, chamado de “evangelho do livre mercado”, não é contestado
pelos grandes grupos de comunicação e mídia, que dele se beneficiam, criando junto às
crianças e jovens um desconforto constante, pois a felicidade está no momento de
aquisição de um determinado bem. Ou seja, ela não é perene, pois logo virá um outro
objeto de consumo e desejo que substituirá o anterior.
No primeiro capítulo, então, tratamos de analisar o impacto do consumo no
campo da educação.
No segundo capítulo discorremos sobre a questão da mídia, seus simulacros e
seus impactos na educação. A educação virou assunto recorrente na grande imprensa,
que trabalha abertamente para a manutenção de um sistema voltado a formar muita mão
de obra e pouca consciência crítica.
Por outro lado, há uma profusão de novas mídias que não podem ser
desprezadas pela Escola e pelos objetivos da educação. A esta questão deve-se somar
um paradoxo: o mesmo discurso consumista, com apelo descarado pela grande mídia,
pode produzir e oportunizar uma nova dinâmica educacional, mais interativa,
contextualizada e democrática.
Por fim, no último capítulo, foi tratada a questão do consumo consciente, da
sustentabilidade e do papel da escola e da educação na formação desse consumidor
consciente.
Além disso, falamos da educação e o papel criador e renovador da
interatividade no contexto escolar, como uma oportunidade de recuperar o interesse dos
alunos pelas aulas, utilizando – no campo da educação – as novas tecnologias e mídias
disponíveis.
Terminando o capítulo, foram também consideradas as diferenças entre
subjetividade e individualismo, na tentativa de resgatar o papel da escola como agente
sociabilizador e difusor cultural. Numa sociedade que caminha para o niilismo, seja por
“rezar” pelo “evangelho do livre mercado”, seja pela facilidade de ter “tudo ao mesmo
tempo agora” (Jornal o Estado do Paraná – 03/02/2008), devemos discutir o papel da
escola na construção do subjetivo, alertando, entretanto, para os perigos do
individualismo.
CAPÍTULO I
CONSUMO: O PARADIGMA DO MERCADO E SEUS
IMPACTOS NA EDUCAÇÃO
1.1 - Dos perigos da não formação para o consumo
” (...) – Fale! Vejamos o que você aprendeu
no reformatório de ensino superior...
- É simples, ó Cesar: ambição pelo lucro, o
ouro...novos hábitos de consumo, eis o que
enfraquecerá e tomará o tempo dos
gauleses”.
Diálogo entre César e seu conselheiro,
Regius Velhacos, para conquistar os
Gauleses – Asterix – Obelix & Companhia
(2002 ed. Record)
Com a queda do Muro de Berlim, e o surgimento de uma nova ordem
mundial, baseada na ideologia do neoliberalismo, onde, entre outras coisas,
convencionou-se que o mercado pode se auto-regulamentar, dispensando, entre outras
coisas, da regulamentação Governamental ou da mediação da sociedade organizada.
Dessa forma, a sociedade de consumo, já identificada por Baudrillard antes mesmo do
advento do neoliberalismo, ganhou contorno desenfreados, ameaçando, entre outras
coisas, a própria sobrevivência da humanidade.
Em sua observação sobre a sociedade de consumo, Baudrillard (1991) diz que:
“À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência
fantástica do consumo e da abundância, criada pela multiplicação
dos objectos, dos serviços, dos bens materiais, originando como
que uma categoria de mutação fundamental na ecologia da
espécie humana. Para falar com propriedade, os homens da
opulência não se encontram rodeados, como sempre acontecera,
por outros homens, mas mais por objectos”( p.15).
Essa relação dos homens com os objetos acentuou-se bastante nos últimos anos,
com a implantação radical das idéias do consenso de Washington, que tem como eixo a
desarticulação do Estado e a supremacia do Livre Mercado como agente de
desenvolvimento e auto-regulação. Passamos a viver, então, sobe o paradigma do
mercado, onde toda a tentativa de regulamentação por parte do estado ou da sociedade
passou a ser tomada como intervenção ou tentativa de censura, como nos casos da
publicidade.
Chomsky, em 1997, já alertava sobre os riscos da “Paixão pelos mercados
livres”, apontando que: “(...) o mesmo jornal britânico informava que “mais de dois
milhões de crianças britânicas têm saúde debilitada e problemas de crescimento devido
à má nutrição por sua vez resultante da pobreza numa escala que não se via desde os
anos 1930” (Chomsky, 2006, p. 78).
Prossegue ainda o autor:
“A tendência de melhoria nos índices de saúde infantil reverteu-se, e doenças
infantis que já haviam sido controladas estão hoje em curva ascendente graças ao
(altamente seletivo) “evangelho do livre mercado” tão admirado por seus
beneficiários”.( Id., p.78)
Assim, como observou Chomsky, esse evangelho é “altamente seletivo”,
dividindo a sociedade de consumo entre os que possuem e os que não possuem. Ter é
mais importante do que Ser. Se há seletividade, como destacou o autor, podemos
concluir que existem escolhidos e preteridos no processo de constituição do “livre
mercado”. Desse modo, caminhamos para a construção de uma sociedade excludente,
contrapondo-se ao conceito de construção de uma sociedade inclusiva.
Bauman (2005) sobre a sociedade de consumo e exclusão, nos diz que: “Os
consumidores são os principais ativos da sociedade de consumo, enquanto os
consumidores falhos são seus passivos mais irritantes e custosos” (p. 53).
Se consideramos uma sociedade de consumo que faz opções seletivas e
excludentes, devemos então considerar também um dilema ético, cultural e social.
Ético, pois, como vimos, trata os seres humanos de forma utilitária: ele é consumidor
(ativo desta sociedade) ou não consumidor (um passivo custoso para ela); cultural, pois
as sociedades estão inseridas na cultura do consumo, sem grandes regulamentações,
cercadas por objetos, como observou Baudrillard (1991), e amparadas pelas prescrições
do “evangelho do livre mercado”. Por fim, temos a dimensão social, onde tal sociedade
leva à exclusão – pelo não consumo – uma grande parcela da população.
Outro ponto importante quando abordamos uma sociedade consumista, diz
respeito ao tempo e velocidade que tais objetos – materiais e imateriais – devem ser
consumidos. Esta questão é importante, pois trata do consumo cada vez maior dos
recursos disponíveis. Esse “estilo de vida” voltado para o consumo traz uma outra
conseqüência para a humanidade que é o esgotamento dos recursos do planeta.
Recentemente a agência de notícias EFE publicou, através do portal do sítio Universo
Online –www.uol.com.br -, a seguinte chamada, sobre matéria intitulada “Estilo de vida
do homem extrapola capacidade do planeta”:
“A Terra perdeu, em pouco mais de um quarto de século, quase um terço de sua
riqueza biológica e recursos, e no atual ritmo, a humanidade necessitará de dois planetas
em 2030 para manter seu estilo de vida, advertiu nesta terça o Fundo Mundial para a
Natureza (WWF, por sua sigla em inglês).
No corpo da matéria, as considerações são alarmantes:
“(...) O mundo está lutando atualmente com as conseqüências de ter supervalorizado
seus ativos financeiros. Mas uma crise muito mais grave ainda virá: um desastre
ecológico causado pela não valorização de nossos recursos ambientais, que são a base
de toda a vida e da prosperidade”, disse o diretor-geral da WWF, James Leape.
Prossegue a matéria:
“(...) A maioria de nós segue alimentando nosso estilo de vida e nosso crescimento
econômico extraindo cada vez mais o capital ecológico de outras partes do mundo”.
Afirmou Leape.
“Se as demandas em nosso planeta continuarem crescendo no mesmo ritmo, em meados
dos anos 30 necessitaremos do equivalente a dois planetas para manter nosso estilo de
vida”, acrescentou.” (Agência EFE, 28/10/2008, pelo portal UOL)
Vamos, novamente, recorrer a Bauman (2008), para entendermos a relação da
atual sociedade de consumo – e a síndrome consumista constatada pelo autor – com o
esgotamento dos recursos do planeta:
“Entre as preocupações humanas, a síndrome consumista
coloca as precauções contra a possibilidade de as coisas (animadas
ou inanimadas) abusarem da hospitalidade no lugar da técnica de
segurá-las de perto, e da vinculação e do comprometimento de longo
prazo (para não dizer interminável. Também encurta radicalmente a
expectativa de vida do desejo e a distância temporal entre este e sua
satisfação, assim como entre a satisfação e o depósito de lixo. A
“síndrome consumista” envolve velocidade, excesso e desperdício”
(p.111)
Prossegue o autor:
”Consumidores plenos não ficam melindrados por destinarem
algo parta o lixo; ils (et elles, bien sûr) ne regrettent rien. Como
regra, aceitam a vida curta das coisas e sua morte pré-determinada
com equanimidade, muitas vezes com um prazer disfarçado, mas às
vezes com a alegria incontida da comemoração de uma vitória. Os
mais capazes e sagazes adeptos da arte consumista sabem que se
livrar de coisas que ultrapassaram sua data de vencimento (leia-se:
desfrutabilidade) é um evento a se regozijar. Para os mestres dessa
arte, o valor de cada objeto e de todos eles está tanto em suas
virtudes como em suas limitações. As falhas já conhecidas e aquelas
a serem (inevitavelmente) reveladas graças a sua predeterminada e
preordenada obsolescência (ou envelhecimento “moral”, para
distinguir do envelhecimento físico, na terminologia de Karl Marx)
prometem uma renovação e um rejuvenescimento iminentes, novas
aventuras, novas sensações, novas alegrias” (...) E assim, permitam-
me repetir, uma sociedade de consumo só pode ser uma sociedade do
excesso e da extravagância – e, portanto, da redundância e do
desperdício pródigo” (Id., p. 112).
Por fim, temos outra conseqüência cruel para o trabalhador – cidadão
trabalhador – que, em um mercado em profunda transformação e desregulamentação, vê
as conquistas de geração anteriores aviltadas por novas práticas e organização do mundo
do trabalho, suprimindo direitos e trazendo situações que lembram os primórdios da
revolução industrial.
A jornalista canadense Naomi Klein (2008), no seu livro “Sem Logo: A tirania
das marcas em um planeta vendido”, traz alguns relatos impressionantes, sobre as
chamadas zonas de exportação (existentes em diversas partes do mundo, geralmente
países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento), onde são produzidos muitos objetos
– de marcas famosas – consumidos pelas populações ávidas por novidades:
(...) ”Mulheres são freqüentemente demitidas de seus empregos na zona de
exportação por volta dos 25 anos, ouvindo dos supervisores que elas são “velhas
demais”, e que seus dedos não são suficientemente ágeis. Essa prática é uma forma
muito eficaz de minimizar o número de mães na folha de pagamento da empresa”. (p.
247)
Os relatos ficam ainda mais dramáticos:
(...)”Em Cavite (Filipinas) as trabalhadoras me
contaram histórias sobre gestantes obrigadas a trabalhar até às 2 da
manhã, mesmo depois de protestar com o supervisor; de mulheres
que trabalharam na sção de passagem a ferro das roupas dando à luz
bebês com queimaduras na pele; nas mulheres que moldam o
plástico para telefones sem fio dando à luz à natimortos. (...) Um
estudo realizado pelo Human Rights Watch, que foi base para uma
queixa submetida ao acordo colateral do Nafta sobre o trabalho,
revelou que as mulheres utilizadas em empregos nas maquiladoras
mexicanas rotineiramente tinham de se submeter a exames de
gravidez” (...) Em Honduras e El Salvador, os depósitos de lixo nas
zonas de exportação são cobertos de caixas de contraceptivos vazias
que foram largadas pelo chão da fábrica. Nas zonas de Honduras
houve relatos de gerentes forçando trabalhadoras a fazer abortos. Em
algumas maquiladoras mexicanas, exige-se que as mulheres provem
que estão menstruadas através de práticas humilhantes, como
verificações mensais nos vasos sanitários. As empregadas têm
contrato de 28 dias – o tempo médio de duração do ciclo menstrual -,
para facilitar, tão logo uma gravidez venha à luz, que a trabalhadora
seja demitida. Na zona de exportação do Sri Lanka, uma
trabalhadora relatou estar tão aterrorizada de perder seu emprego
depois de dar à luz que afogou seu bebê recém-nascido em um
toalete”. (Id., pp. 247-248)
Os dramáticos relatos retratados pela autora datam do final da década de 1990,
ou seja, fim do século XX, mais de cento e cinqüenta anos do início da revolução
industrial.
É impossível não traçar um paralelo entre os fatos relatados por Naomi e o
depoimento dos operários Odete Nunes e Antônio Veloso, num trecho extraído do Livro
“Alvorada Operária”:
“ – Entramos para a Fábrica Cometa, no alto da serra, em
Petrópolis, aos 7 anos de idade, e fomos acabar na Confiança
Industrial, em Vila Isabel. Ainda em 1922, as empregadas em
fábricas de tecidos, quando ficavam grávidas, trabalhavam até o
último dia, e muitas iam em casa ter o filho e voltavam ao trabalho.
As que perdiam mais tempo, no máximo alguns dias, voltavam com
as respectivas crianças em caixotes que colocavam ao pé das
máquinas onde trabalhavam”. (Rodrigues, 1979, p. 214)
A única diferença entre os relatos colhidos pela Jornalista Naomi Klein e o
depoimento dos operários, além do hiato de tempo, é que as empresas passaram a
controlar, também, o processo de contracepção.
Tudo o que foi tratado até o momento sobre sociedade de consumo, ou
consumismo, têm um impacto grande sobre a sociedade e sobre a educação. Aliás, não
só impacto, mas, traz – também – um conflito entre o discurso sobre o papel da
educação e as aspirações dessa desarticulada sociedade consumista.
Consideremos o exemplo da Constituição Federal, no que trata sobre o tema da
Educação:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, disponível em: http: //
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm)
Assim, vemos que Educação que vise o pleno desenvolvimento da pessoa, bem
como seu preparo para o exercício para a cidadania, é uma educação que precisa dar
subsídios ao cidadão de analisar e produzir reflexões sobre a sociedade, questionando e
interferindo em determinadas práticas que levam à exclusão. Desse modo, não educar
para o consumo – crítico – pode representar um risco na formação da autonomia do
indivíduo.
Na LDB, lei 9394/96, temos uma reafirmação do prescrito na Constituição
Federal, no que diz respeito ao papel da educação assinalado nos artigos 1º e 2º:
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,
nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais.
(...)
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), as questões relativas aos temas
transversais são abordadas em seis eixos temáticos:
1. Ética, 2. Meio Ambiente, 3. Pluralidade Cultural, 4. Saúde e 5. Orientação Sexual
Pelos exemplos, definições e depoimentos que vimos anteriormente, podemos
defender que os temas propostos nos PCNs, bem como a vontade dos legisladores na
construção das leis supra citadas, convergem para a temática do consumo responsável –
social e ambientalmente -, ético, plural e justo. É sobre isso que o capítulo seguinte irá
tratar.
1.2 O papel da Educação na construção do consumidor consciente
Como vimos anteriormente, existem perigos reais em nossa sociedade de consumo,
que pratica um consumismo atípico. Dentre os exemplos destacados temos o
esgotamento dos recursos do planeta – e suas conseqüências para a humanidade, a
exclusão dos que não conseguem se inserir na sociedade de consumo, o aviltamento do
trabalho – onde os relatos do início e do fim do século XX demonstram que pouca coisa
mudou -, o domínio das grandes corporações sobre o corpo e a sexualidade das
mulheres trabalhadoras.
As questões levantadas anteriormente, então, por suas características no campo da
ética, da ecologia, da diversidade e dos valores humanos, distorcidos pelo paradigma do
mercado – onde este pode se auto-ajustar-, devem fazer parte da temática educacional
contemporânea, com vistas na formação de um cidadão/consumidor consciente do seu
papel e dos impactos de suas ações sobre o planeta e sobre a humanidade.
Desse modo, educar significa refletir, repensar e recriar paradigmas. Pedro Demo
(2004) nos ensina que:
“Educação representa fenômeno dos mais soberbos da humanidade,
no sentido das estratégias colocadas teórica e praticamente às
sociedades para promover as novas gerações. Ao contrário do que se
ouve, educação não é ciência feita de pedaços das outras, embora
deva, como todas, aproveitar todas. Tem objeto próprio e eterno,
dentro do desafio humano de garantir para as novas gerações
oportunidades aprimoradas. Não se trata de reproduzir culturas, mas
de recriar gente nova”. (p. 25).
A educação para o consumo deve ter em vista essa perspectiva de “recriar gente
nova”. Gerações que, ao contrário da nossa, possam vislumbrar a salvação do planeta e
da própria humanidade. Gerações que convivam com a individualidade, mas que
tenham preocupações com a sociedade. Gerações que busquem incluir ao invés de
excluir. Educar para o consumo é tentar construir uma concepção de ecologia social
que, nas palavras de Leonardo Boff (2005), “não quer apenas o meio ambiente. Quer o
ambiente inteiro” (p. 11)
Outra questão importante na temática da educação para o consumo dá conta da
importância da construção da solidariedade humana e do pensamento crítico.
Pensamento crítico, aliás, que se constrói através da possibilidade de dar ao educando a
capacidade de realizar leituras e construir suas próprias hipóteses das diversas
linguagens da comunicação e da propaganda disponíveis.
Em artigo escrito em 17 de março de 2008 para a edição eletrônica do Jornal Le
Monde Diplomatique, a Psicóloga do Instituto Alana, Maria Helena Masquetti, faz a
seguinte constatação:
(...) “Neste mundo do CONSUMO, estamos sempre tentando chegar
“lá”. Lá onde, afinal? Consumir sem limites e perceber, no minuto
seguinte, que o vazio continua igual ou pior, é tão desolador quanto
ver reduzida a um padrão universal a singularidade de cada criança.
Com suas mensagens dúbias, a publicidade obriga fingindo não
obrigar, e exclui justamente ao não diferenciar os que podem
esbanjar dos que sequer podem comer”.
(http://diplo.uol.com.br/2008-03,a2264).
No mesmo artigo, a autora recorre a Baudrillard para retratar a paradoxal
situação da criança na sociedade de consumo:
“A criança é transformada pela mídia no modelo ideal de
consumidor. Se, por um lado, ela não é considerada socialmente
como um ser completo, por outro, na perspectiva de sua inserção na
cultura, ela é plena para o exercício do CONSUMO” (Baudrillard
apud Masquetti, 2008, (http://diplo.uol.com.br/2008-03,a2264).
É diante dessa criança, que escola e educação se encontram. Inseridas numa
cultura de consumo onde, até mesmo, seus próprios pais ou responsáveis não
conseguem enxergar tal realidade e até, ao contrário, muitas vezes as estimulam. A
questão importante é: como a educação – através da escola – encara esse fato de ter
dentro das salas de aula crianças que, pelo tratamento recebido pela mídia e pela
sociedade, sentem-se consumidores?
Para reforçar este questionamento vamos destacar o que escreveu Masquetti no
artigo intitulado “A mídia que balança o berço”, publicado em março na versão
eletrônica do Le Monde Diplomatique:
(...) “Tomando-se por autoridade aquele que provê a manutenção da
família, supõe-se que ambos, marido e mulher, dividam entre si esse
papel de governar a educação dos filhos. No entanto, cada vez mais,
as crianças expressam valores e anseios contrários aos da educação
recebida em casa e na escola. O fato é que elas dependem dos
exemplos adultos para a construção de sua identidade. E, por
acreditarem no que ouvem ou vêem, em sua lógica infantil, passam a
ver a mídia [1] como outra autoridade dentro de casa” (Masquetti,
03/10/2008, http://diplo.uol.com.br/2008-10,a2580).
Masquetti (2008) foi ao cerne da questão ao colocar que as crianças expressam
anseios que vão contra a educação recebida em casa e na escola. Neste caso, caberá à
Escola e aos profissionais de educação traçar estratégias e abordagens pedagógicas que
tragam luz a este tema. Mais ainda: que procurem produzir uma síntese entre o
antagonismo da escola/educação diante da postura – pré-estabelecida – das crianças
tratadas como consumidores.
A educação, neste caso, não pode se estabelecer como uma ponte que somente
resgate os valores passados e tradicionais. Deve ir além: dar subsídios para a
incorporação de novos valores e práticas sociais, que passam pela sustentabilidade, pela
ética, pelo respeito às diferenças.
Desse modo, cabe ao pedagogo desenvolver estratégias de ensino, com objetivos
claros e com tarefas direcionadas, elaborando projetos sobre tais questões. Uma
temática interessante – no que diz respeito ao seu caráter transversal – é a questão do
“comércio justo”, onde várias abordagens podem ser feitas.
Fretel e Simomcelli-Bourquen (2003) definem comércio justo como:
“O processo de intercâmbio comercial orientado para o
reconhecimento e a valorização do trabalho e das expectativas dos
produtores e consumidores, permitindo uma melhoria substancial
na qualidade de vida das pessoas, tornando viável a vigência dos
direitos humanos e o respeito ao meio ambiente numa perspectiva
de desenvolvimento humano, solidário e responsável”. (p. 18)
Como observamos, então, a questão do Comércio Justo, na forma apresentada
pelos autores, representa uma possibilidade inter e transdisciplinar que podem ser
abordadas de diversas formas na escola, pois trata ao mesmo tempo de educação para o
consumo, dos direitos humanos, do meio ambiente, da sustentabilidade, da
solidariedade e da responsabilidade. Assim, o processo de construção de um
consumidor consciente e responsável também se dá no espaço da escola, para uma
atitude que vai para além da escola e da sala de aula.
Essa temática, ou essas temáticas, abrem possibilidades para a introdução da
complexidade da vida e da participação do homem neste processo, onde ele é, ao
mesmo tempo, causador da maioria dos problemas e o único agente capaz de resolvê-
los. Esse caráter complexo do consumo sustentável, responsável, solidário é uma
importante janela para a integração com outros temas, presentes na geografia, história,
matemática e biologia, entre outras. É da compreensão dessa complexidade é que a
escola deve tratar, pois, como nos ensina Morin, “Nessa vertente analítica, a primeira e
fundamental complexidade do sistema é associar-se em si a idéia de unidade, por um
lado, e de diversidade ou multiplicidade, por outro, as quais, a princípio, se repelem e se
excluem. É preciso compreender os caracteres da unidade complexa: um sistema é uma
unidade global, não elementar, já que é constituído de partes diversas inter-relacionadas
(Morin apud Pena-Vega, 2003, p.65).
É importante que se observe que somente com a visão complexa de todo um
sistema que interage e se inter-relaciona, podemos, de fato, trazer tais temáticas para o
campo de educação, pois é de fundamental importância que haja a conscientização de
que todos fazem – individualmente – parte de um todo.
No campo da educação ambiental, tanto no ambiente escolar como nos
ambientes não escolares, essa temática pode se desdobrar em vários outros temas,
construindo uma rede de conhecimentos que também podem extrapolar os muros das
escolas, alcançando toda uma comunidade, por exemplo. Neste caso, a educação ganha
também um caráter social, no âmbito de uma práxis educativa verdadeira, pois passa a
abordar dentro e – igualmente importante – fora do ambiente escolar, questões que têm
impactos nas vidas dos educandos, da comunidade não escolar e – diante da
complexidade e da inter-relação vistas – da própria ação da humanidade sobre o planeta.
O comércio justo é, também, preocupar-se, por exemplo, com as condições de
trabalho onde os produtos são feitos, como vimos nos exemplos relatados no capítulo
anterior. Assim, ética, consumo e meio ambiente ganham força – no campo da educação
– na busca pela justiça social, seja onde um produto foi produzido, seja onde ele foi
consumido. Na definição de Leonardo Boff (2005), existe – além de uma ecologia
ambiental – uma ecologia social que “luta por um desenvolvimento sustentável. É
aquele que atende às carências básicas dos seres humanos de hoje sem sacrificar o
capital natural da Terra, tomando em consideração também as necessidades das
gerações de amanhã, pois elas têm direito de herdar uma terra habitável, com relações
humanas minimamente decentes” (pp. 12-13).
O autor, nesta mesma obra, dá a dimensão do que é a ecologia social, ao nos
dizer o que é injustiça social, sob esse contexto, revelando, mais uma vez a
complexidade existente em nossas relações:
“A injustiça social significa violência contra o ser mais complexo e
singular da criação, que é o ser humano, homem e mulher. Ele é
parte e parcela da natureza”. (Id., p.11).
A importância de levantarmos a questão da justiça social como tema que se
inter-relaciona ao consumo justo, à ética e à sustentabilidade, bem como a necessidade
de colocarmos tais temas na pauta da educação, reside na necessidade de politizarmos
tal questão, uma vez que o discurso do “evangelho do livre mercado” (Chomsky, 1991)
é impregnado por uma ideologia que apregoa o consumismo como o caminho mais fácil
para a felicidade e para a auto-realização.
Não nos iludimos com o reducionismo de achar que a Escola e a educação
formal são o caminho para a salvação da humanidade e da sustentabilidade. Porém,
enxergamos a Escola – e outras entidades não educacionais, tais como: associações de
moradores, associações de classes, organizações não governamentais - como espaço
propício para que sejam lançadas e refletidas tais questões.
Para finalizar este capítulo, vamos falar do Projeto de Lei 5921/01, do deputado
Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que trata da publicidade dirigida às crianças; e do
Projeto “Criança e Consumo, iniciativa do Instituto Alana
(22TTP://www.alana.org.br/Institucional/Instituto.aspx), projeto que desde 2005,
“desenvolve atividades que despertam a consciência crítica da sociedade brasileira a
respeito das práticas de consumo de produtos e serviços por crianças e adolescentes”
(http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/Projeto.aspx).
Esses são exemplos são bons referenciais sobre a temática do consumo e
Educação, e devem pautar ações educativas no sentido de apresentar discussões sobre
esta questão, uma vez que podem servir de temas geradores dentro dos ambientes de
aprendizagem e das abordagens interdisciplinares.
No dia 09 de julho de 2008, foi aprovado na Comissão de Defesa do
Consumidor da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 5921/01, do deputado Luiz
Carlos Hauly (PSDB-PR), que faz uma série de restrições à publicidade de produtos
destinados a crianças. Na justificação a propositura da Lei, o legislador argumenta que:
(...) “uma das questões que precisa ser avaliada é a de relação entre
publicidade e crianças, principalmente com o envolvimento de ídolos
da população infantil, com a veiculação de matérias que se
transformam em verdadeira coação ou chantagem para a compra dos
bens anunciados, embora desnecessários, supérfluos ou até
prejudiciais, além de incompatíveis com a renda familiar.
Em alguns países é terminantemente proibido que a publicidade
se dirija a dirija a crianças e produza sua indução. Em outros países
existem restrições importantes. Já em outros, como o Brasil, existe
um liberalismo total em relação a esse tipo de prática”
(http://www2.camara.gov.br/internet/proposicoes/chamadaExterna.ht
ml?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?i
d=43201).
Como é notório, a preocupação do legislador está em avaliar a relação entre a
publicidade e as crianças, alertando também que em outros países essa questão já está
regulamentada.
Não nos cabe neste trabalho apresentar o Projeto de Lei, tampouco fazer uma
acurada análise do mesmo. Entretanto chamamos a atenção da sua importância e
atualidade. Além disso, sua discussão é um excelente tema gerador para discussões,
projetos e trabalhos no ambiente Escolar – e em outros ambientes de aprendizagem –
sobre este tema. Levar aos alunos a uma reflexão sobre um Projeto de Lei que trata de
mídia, publicidade e consumismo, é uma excelente oportunidade para levantar questões
sobre a democracia, a ética nos negócios e o consumo consciente. Além disso, o
educador também pode tratar sobre os diferentes tipos de linguagem e comunicação,
fazendo com que os alunos analisem o que é um texto legal, confrontando-o, por
exemplo, com a linguagem publicitária.
Outra iniciativa importante, que também pode servir de tema gerador para a
construção de atividades que levem à reflexão crítica sobre a temática do consumo, é o
Projeto Criança e Consumo criado pelo Instituto Alana.
Na página inicial do sítio do Instituto Alana, criado em 1994, na internet
(www.alana.org.br), temos a descrição dos objetivos e áreas de atuação do Instituto:
“Tem como missão fomentar e promover a assistência social, a
educação, a cultura, a proteção e o amparo da população em geral,
visando a valorização do homem e a melhoria da sua qualidade de
vida, conscientizando-o para que atue em favor de seu
desenvolvimento, do desenvolvimento de sua família e da
comunidade em geral, sem distinção de raça, cor, posicionamento
político partidário ou credo religioso.
É também incumbência do Instituto desenvolver atividades em prol
da defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes relacionadas a
relações de consumo em geral, bem como ao excessivo consumismo
ao qual são expostos.
Fruto de uma iniciativa social das pessoas físicas, ele conta com
estrutura e gestão profissionalizadas e tem dois projetos principais
para realizar a missão a que se propõe: o Espaço Alana e o Criança e
Consumo”.
(http://www.alana.org.br/Institucional/Instituto.aspx).
O Instituto deixa claro que não pretende acabar com as práticas comerciais, não
se trata de uma proposta radical anti-consumo e sim fortalecer valores humanísticos nas
relações de consumo:
“Da mesma maneira, o Instituto não visa acabar com as práticas
comerciais. No entanto, persegue mudanças de paradigmas na
sociedade, propondo alterações nas relações de consumo,
fortalecendo valores humanísticos hoje tão menosprezados. A partir
do Criança e Consumo introduz discussões sobre cidadania,
participação social e qualidade de vida, levando informação crítica
aos pais e educadores, instruindo-os sobre os malefícios do
exagerado consumismo infanto-juvenil”.
(http://www.alana.org.br/Institucional/Instituto.aspx).
Utilizar a página do Instituto Alana, bem como o material por ele
disponibilizado, é uma excelente ferramenta para demonstrar aos educandos que o
terceiro setor também tem uma participação importante na constituição da sociedade.
Assim, pode-se fazer uma espiral sobre a questão do consumo, que começa na
exploração dos recursos naturais do planeta, passando pela exclusão de milhões de
pessoas, pelo discurso da sustentabilidade, da ética, o papel de cada um e da sociedade,
a importância da regulamentação, da discussão na escola e, por fim, a organização da
sociedade. Todos esses temas se inter-relacionam, interagem, se complementam ou se
repelem, formando uma complexa teia de conhecimentos, que, se bem explorada,
podem ser tratados na escola e nas comunidades.
Na página do Projeto Criança e Consumo, que pode ser acessada pelo sítio do
Instituto Alana – já citado -, onde são apresentados os principais objetivos do projeto.
Entre eles destacamos:
“(...) Debater e apontar meios que minimizam os impactos negativos
causados pelos investimentos maciços na mercantilização da infância
e da juventude, tais como o consumismo, a erotização precoce, a
incidência alarmante de obesidade infantil, a violência na juventude,
o materialismo excessivo, o desgaste das relações sociais, dentre
outros, faz parte do conjunto de ações pioneiras do Projeto que
busca, como uma de suas metas, a proibição legal e expressa de toda
e qualquer comunicação mercadológica dirigida à criança no Brasil”
(http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/Projeto.aspx).
É importante ressaltar aqui o caráter humanístico dos propósitos do instituto,
mostrando e combatendo “a mercantilização da infância” e, entre outras ações, “o
desgaste das relações sociais. Este é um ponto importante para refletirmos, pois,
combater o abuso da mídia em prol de uma infância sem esse tipo de pressão, é encarar
a criança como cidadã. Assim, voltamos ao papel da educação que também deve
enxergar a criança como cidadã.
Além disso, a página demonstra quais as áreas trabalhadas pelo instituto, de
forma interdisciplinar que são: Jurídico-Institucional, onde, entre outras coisas,
“recebe e analisa queixas de abusos cometidos por empresas de diversos setores nas
suas práticas de comunicação mercadológica destinadas ao público infanto-juvenil (...);
Educação e Pesquisa, que é a “área responsável pela elaboração de um centro de
referência científico-cultural sobre o consumismo e pela produção e distribuição de
material de apoio pedagógico para pais, educadores e pesquisadores (...); e, por fim,
Comunicação e Eventos, que é “a área que coordena a produção de campanhas
audiovisuais de conscientização e de documentários sobre questões ligadas ao binômio
infância e consumo(...)” (http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/Projeto.aspx).
Avaliar o sítio é uma boa oportunidade para o início de um trabalho dentro do
ambiente escolar sobre a temática do consumo, uma vez que este abre seções para:
consumismo infantil, denúncias, comunicação, ações jurídicas, legislação, educação,
biblioteca, rede de trabalho e fórum internacional. Além disso, constitui-se em um
excelente subsídio para que os educadores realizem pesquisas e se preparem para tratar
deste tema.
Paradoxalmente, encerramos este capítulo falando sobre regulação da mídia
voltada às crianças e jovens, e a utilização de uma mídia, o sítio do Instituto Alana,
como ferramenta de trabalho para os educadores e educandos na tratativa de assuntos
relacionados ao consumo. Vimos, então, que o consumismo tem um caráter ideológico e
a educação para o consumo – justo, consciente e sustentável – aborda questões que
precisam ser, sim, politizadas. Um dos principais campos de batalha entre a ideologia
do “evangelho do livre mercado” (Chomsky, 1991) e sua antítese o comércio justo e o
consumo ético (Fretel, Simoncelli-Bourque, 2003) é a mídia. Mídia essa que pode
“coagir ou chantagear”, conforme palavras do legislador, ou oportunizar novas fontes de
pesquisa e amparo ao projeto educativo, como o sítio do Instituto Alana.
É sobre a mídia e educação que trataremos no próximo capítulo.
CAPÍTULO II
MÍDIA E EDUCAÇÃO: DESAFIOS E OPORTUNIDADES
2.1 – A Mídia Tradicional e seus Simulacros
É inegável a presença e a influência da mídia em nossos tempos. Rádio,
Televisão, Cinema, Jornais, Revistas, Livros, Shows, Internet estão cada vez mais
presentes na nossa sociedade, que já é chamada de Sociedade da Informação.
Entretanto, longe de carregar todas as verdades, a mídia também pode
desempenhar papéis que servem a interesses econômicos, sociais e ideológicos,
“criando” determinadas verdades, ou, simulações. Tais simulacros, segundo Baudrillard
(1991), surgem da “Produção desenfreada do real e de referencial, paralela e superior ao
desenfreamento da produção material:assim surge a simulação na fase que nos interessa
– uma estratégia de real, de neo-real e de hiper-real, que faz por todo o lado a dobragem
de uma estratégia de dissuasão” (Baudrillard, 1991, p.14).
Esse sistema de simulações está presente em nossa sociedade, trazendo, também,
para o campo da educação algumas questões importantes, tais como: a forma como a
mídia enxerga a educação em nossa sociedade e os impactos dela nos educandos,
refletindo, inevitavelmente, no ambiente escolar.
No dia 18 de setembro de 2007, o jornal O Globo publicou, em sua página de
opinião na edição impresa, artigo do jornalista Ali Kamel intitulado “Livro Didático e
Propaganda Política” (disponível em: http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2007/10/01/
297958192.asp). Nesse artigo, o jornalista diz que os livros didáticos no Brasil são um
problema mais grave do que se imagina (Kamel, 2007). A questão que não foi
respondida é: quem imagina? Até o artigo de Ali Kamel, a grande mídia não estava
tratando desse assunto, tampouco a sociedade vinha discutindo tal questão. Entretanto, o
jornalista lança a problemática do livro didático “mais grave do que se imagina”. Assim,
o discurso sobre a qualidade do livro didático e a ideologia nele apresentada, torna-se
uma “grave” questão aos olhos do autor. Deve-se reparar que tal expressão veio de um
jornalista, editor-chefe de um grande grupo privado de comunicação, que tem os seus
próprios interesses econômicos e ideológicos. Ressaltamos, então, que tal crítica não
partiu de ninguém ligado a área de educação.
Este artigo pautou matéria publicada pela revista Época, também pertencente ao
grupo de comunicação do Jornal O Globo, na edição de n° 488, de 24 de setembro de
2007, intitulada: “Uma História muito particular”. A matéria, assinada por Leandro
Loyola, fala da “propaganda ideológica” presente no livro Nova História Crítica, do
historiador Mário Furley Schmidt, corroborando a “opinião” – pois, como dissemos, o
artigo de Ali Kamel foi publicada na página de opinião – do jornalista. Desse modo,
uma opinião virou, aos olhos da mídia, uma verdade.
A matéria da revista Época trata também dos critérios de escolha dos livros
didáticos e dispara – novamente – contra a “qualidade” dos livros didáticos. É assim que
começa um dos parágrafos da matéria:
(...) “Os livros didáticos considerados de má qualidade, não são de
exclusividade da rede pública. No caso do livro de Schmidt, por
exemplo, de acordo com a editora, 9 milhões de exemplares foram
vendidos a escolas públicas e 1 milhão a escolas privadas. No caso
das particulares, a iniciativa dos pais de fiscalizar e reclamar pode
dar resultados mais rapidamente” (Revista Época n° 488, 2007, p.
106)
Cabem neste fragmento de parágrafo alguns questionamentos do tipo: Por que os
livros de má qualidade deveriam ser exclusividade da Rede Pública; qual o padrão de
qualidade que a matéria propõe?; Por que os pais de escolas particulares têm mais
condições de fiscalizar e reclamar? Essas questões também podem revelar o conteúdo
ideológico da matéria, que coloca o que é público – inclusive a educação – como
depositária da falta de qualidade e o que é privado como mais eficiente, talvez
demonstrando que, no caso das escolas privadas, a relação econômica entre pais e
escola possa pautar essa relação.
O embate ideológico na mídia veio com a publicação da edição de n° 464 da
revista Carta Capital, de 03 de outubro de 2007, trazendo, em sua matéria de capa, a
seguinte chamanda: “Livros Didáticos: Cifrões e Ideologia -Por trás da polêmica do
livro acusado de pregar o comunismo, rusgas e manipulações em um mercado de 560
milhões de reais bancado pelo governo”. Nesta matéria, assinada por Ana Paula Sousa,
coloca-se uma questão central:
(...) “Não é preciso ter faro especialmente apurado para intuir que
por trás do barulho capaz de jogar na fogueira a obra de Schmidt
esconde-se uma disputa a um só tempo ideológica e econômica. No
meio do caminho que um livro percorre antes de chegar aos alunos,
há mais que uma pedra. Há disputas políticas, há uma compra de 560
milhões de reais em 2007 e há interesses financeiros atiçados pelo
desempenho do grupo espanhol Santillana, cliente da consultoria do
ex-ministro Paulo Renato Souza que ultrapassou o grupo Abril no
ranking do PNLD”. (Revista Carta Capital nº464, 2007, p. 24).
Ainda sobre essa questão, o jornalista Mauro Santayana, em artigo escrito para
sua coluna “Coisas da Política”, na página 02, escreveu o sequinte:
(...) “qualquer obra, didática ou não, refletirá, com maior ou menor
nitidez, as convicções ideológicas de seu autor. Se a obra não refletir
o pensamento de esquerda, refletirá o de direita. E, ao contrário do
que se pensa, esquerda e direita continuarão existindo na alma dos
homens, da mesma forma que existem no espaço geométrico. Há, no
caso, a informação de que estaria por detrás da denúncia uma editora
espanhola, ligada (como tanta coisa em nossos dias) à Opus Dei,
organização de extrema direita e braço do fascismo espanhol (que se
rearticula, ali e em outros lugares). Há também o interesse
econômico por detrás. É interessante que o ministro de Educação do
governo passado, Paulo Renato de Sousa, seja hoje de acordo com
as mesmas denúncias divulgadas consultor dessa grande editora. E
mais interessante ainda registrar que ele é deputado federal e
também membro da Comissão de Educação e Cultura. Em outros
tempos, qualquer parlamentar consideraria inadequada essa atividade
dupla. Mas enfim, a cada tempo, sua ética” (Mauro Santayana,
Coluna Coisas da Política, Jornal do Brasil edição n° 117179,
04/10/07, p.2).
Assim, podemos observar que as questões ideológicas podem estar presentes na
discussão sobre o papel da educação em nossa sociedade. Entretanto, devemos estar
atentos ao discurso da neutralidade, não ideológico, pois o mesmo pode estar, sim,
defendendo interesses econômicos e ideológicos. Além disso, fica patente o discurso
(ideológico) da ineficiência do ensino público e da eficácia da educação privada. Por
fim, temos uma grande discussão midiática, oriunda de uma opinião em um jornal de
grande peso, que tornou-se uma realidade, uma hiper-realidade como nas palavras de
Baudrillard (1991). Dessa forma, tivemos uma questão levantada e, num primeiro
momento, colocada como realidade, sem que nenhum profissional de educação fosse
ouvido. Aliás, o diretor da Ed. Nova Geração, Arnaldo Saraiva, que publica os livros de
Schmidt, toca nessa questão na matéria da Carta Capital:
(...) “O Senhor Ali Kamel tem o direito de não gostar de certos livros
didáticos. Mas por que ele julga que sua capacidade de escolha
deveria prevalecer sobre a de dezenas de milhares de professores?”
(Revista Carta Capital nº464, 2007, p. 25).
As questões aqui apresentadas podem ser vistas, sob a ótica da educação, por
duas vertentes: a primeira do papel da mídia na construção de uma idéia de que a
educação deva ser acrítica, neutra e despolitizada; a segunda tem a ver com o próprio
papel da educação, que deve ter como objetivo a construção da capacidade crítica dos
educandos, podendo, inclusive, contestar o que está sendo veiculado pela mídia ou
escrita nos livros didáticos. Sobre isso Guareschi e Biz (2005) dizem o seguinte:
(...) “A educação não pode estar desligada da política, pois educar
implica necessariamente perguntar-se pelo tipo de sociedade que
desejamos. E isso é um ato político. Se a educação é a “inserção” das
pessoas numa sociedade, ela tem que se perguntar: em que tipo de
sociedade? Simplesmente nessa que está aí, pelo simples fato de
estar aí? Ou a discussão sobre um projeto de sociedade também faz
parte da educação? Em outras palavras: educar para que sociedade?”
(Guareschi & Biz, 2005, p.30).
Se por um lado a grande mídia trata de tentar “despolitizar”, tornar neutra, ou
enxergar desvios ideológicos na Educação, temos esta mesma mídia atacando por outro
flanco, tecendo mensagens e estabelecendo padrões de comportamento para crianças e
adolescentes.
Já vimos – no capítulo anterior –sobre os perigos da não educação para o
consumo e as conseqüências do consumismo inconseqüente. Vamos, então, a partir de
agora tentar oferecer subsídios para uma análise dos impactos da mídia sobre a infância
e juventude, trazendo conseqüências – também - para o ambiente escolar.
A ideologia neoliberal tende a enxergar a todas as relações sociais como
oportunidades de mercado, dando a estas oportunidades o nome de “nicho”. Segundo
Kotler (2000) “(...) Um nicho é um grupo definido mais estritamente, um mercado cujas
necessidades não estão sendo totalmente satisfeitas” (p. 279). Assim, a mídia procura
identificar determinados segmentos e, dentro desses segmentos, estabelecer grupos mais
específicos, com mensagens e ações direcionadas para esses grupos.
A pesquisadora e professora de Harvard, Susan Linn, em entrevista ao Jornal
Folha de São Paulo por ocasião do 2º Fórum Internacional Criança e Consumo,
realizado em São Paulo em setembro de 2008, deu a seguinte declaração à pergunta do
repórter sobre “Qual é o impacto da propaganda na vida das crianças?”:
“- O marketing está relacionado à saúde pública e a problemas
sociais. Ele não é a causa [única desses problemas], mas é um fator e
leva a distúrbios de alimentação, à sexualização, a problemas
relacionados com a violência juvenil e também a problemas
familiares. Segundo pesquisas, as crianças que têm mais valores
voltados para o lado material [que associam a felicidade à aquisição
de produtos] são menos felizes” (disponível em:
http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2008/09/24/ult4733u22429.jhtm)
Todos os problemas apresentados pela pesquisadora podem refletir no ambiente
escolar. Como falar em promoção da saúde com distúrbios de alimentação? Como falar
em educação sexual com a sexualização exacerbada? Como reagir à violência juvenil?
Como estabelecer novos valores – éticos, justos e sustentáveis – em crianças que já têm
os seus valores voltados para o lado material? A escola e a educação são, então, partes
do problema e também partes da solução.
Uma questão que também merece ser abordada é o tempo que as crianças
– futuros jovens e adultos - brasileiras passam diante de um aparelho de TV. Segundo
pesquisa realizada pelo instituto Eurodata TV Worldwide
(http://www.institutorecriando.org.br/ler.asp?id=6225&titulo=Noticias, 2005), as
crianças brasileiras são as que mais passam tempo diante da televisão, permanecendo,
em média, três horas e trinta e um minutos em frente à TV.
Não vamos discutir neste capítulo as oportunidades pedagógicas da TV, pois não
podemos negar que elas existem, mas destacar que conteúdos e qualidade da
programação disponível são questionáveis. Além disso, existe um determinado formato
comercial que vem mediar a relação programação x espectador. A filósofa Marilena
Chauí (2005) escreve que:
“Para atender aos interesses econômicos dos patrocinadores, rádios e
televisão dividem a programação em blocos que duram de sete a dez
minutos, sendo cada bloco interrompido pelos comerciais. Essa
divisão do tempo nos leva a concentrar a atenção durante os sete ou
dez minutos de programa e desconcentrá-la durante pausas para a
publicidade. Pouco a pouco, isso se torna um hábito. Artistas de
teatro afirmam que, durante um espetáculo, sentem o público ficar
desatento a cada sete minutos. Professores observam que seus alunos
perdem a atenção a cada dez minutos e só voltam a se concentrar
após uma pausa que dão a si mesmos, como se dividissem a aula em
“programa” e “comercial” (p. 52).
Esse é um ponto importante, pois estamos falando em capacidade de
concentração e atenção. Com os educandos “pré-programados” pelo formato midiático,
a tarefa dos educadores em cultivar a concentração, em desenvolver bons hábitos de
leitura, por exemplo, exige novas estratégias de ação. Assim, mais uma vez,
necessitamos discutir e criar uma postura crítica diante da mídia, trazendo essa
discussão para o campo da educação, seja ela no ambiente escolar ou fora dele.
O caráter da mensagem publicitária dirigida aos jovens também é uma
problemática que deve ser abordada pela educação. Somente com a identificação e
domínio crítico da linguagem publicitária, onde nem sempre seus objetivos estão
explícitos, é que a sociedade – no caso do nosso estudo crianças, adolescentes e jovens
– poderá exercer plenamente sua liberdade de escolha.
A Psicóloga e psicanalista Vera Canhoni (2006), em artigo para a revista O
Olhar Adolescente, coleção da revista Mente e Cérebro, escreveu o seguinte sobre a
relação mídia e adolescentes:
(...) “Na contemporaneidade, embora baseadas em valores efêmeros
e bastante frágeis, as imagens determinam o que se “é”. Sua ditadura
conduz à crença de que “uma imagem vale mais que mil palavras”,
tomada como verdade pelos adolescentes. Estes, em virtude da
vulnerabilidade de seu estágio de desenvolvimento, tendem a ficar
mais passivos e sujeitos aos apelos da mídia no tocante à beleza, ao
culto ao corpo e ao ideal de completude e de que tudo poder realizar”
(p. 43).
Assim, na busca da pluralidade de opiniões, expressões e escolhas, diante da
“ditadura das imagens”, é importante que a escola se apresente como espaço para
discutir, de forma transdisciplinar, tais questões. Ressalte-se que não estamos aqui
lançando um manifesto contra a mídia, mas, ao contrário, a favor de uma discussão do
papel dela na sociedade e seus impactos na educação, na cultura e na formação da
cidadania. Guareschi e Biz (2005), afirmam que:
“Cidadania é, pois, participação no planejamento, isto é, no dizer a
palavra, expressar a opinião, manifestar o pensamento. E aqui se vê a
importância da comunicação para a cidadania” (p. 34).
Com a citação acima, terminamos esta primeira parte do segundo capítulo com
um convite à reflexão: Pela opinião de alguns autores apresentados nesse estudo, a
mídia e a comunicação podem representar um perigo na formação cidadã de crianças e
jovens. Por outro lado, como colocam os pesquisadores Guareschi e Biz (2005), a
comunicação tem especial importância para a cidadania. É diante de mais um paradoxo
e da complexidade dessa questão que fechamos esse ponto do nosso estudo.
2.2 – Novas mídias e suas oportunidades na Educação
A edição de nº 486 da Revista Época, datada de 10 de setembro de 2007, trouxe
como matéria de capa “como pensam e vivem as crianças que nasceram na era da
internet?”. A reportagem de nove páginas fala sobre como o computador “está
transformando a cabeça das crianças – e como protegê-las das ameaças da internet”
(Revista Época, 2007, p.82) e está baseada no artigo “Digital Natives, digital
immigrants” escrito em 2001, escrito pelo educador americano, Marc Prensky, que
cunhou o termo “nativos digitais”, definindo a geração que nasce imersa na tecnologia.
No tocante è educação, a matéria afirma que “os educadores dizem que não há
mais como o PC não fazer parte do cotidiano dessa garotada. Eles afirmam que tantos
os jogos lúdicos quanto os softwares educacionais podem ser benéficos, por que
auxiliam no raciocínio e, consequentemente, na evolução mental”. (Revista Época,
2007, p.87). Cabe ressaltar que, no parágrafo reproduzido, a matéria não diz quem e da
onde são “os educadores”. Entretanto, a matéria prossegue informando que segundo
Pesquisadores do Instituto de tecnologia de Massachusetts (MIT, sua sigla em inglês),
em pesquisa realizada em 2006, com alunos de escolas públicas americanas, concluem
que: (...) “o rendimento escolar dos alunos que usam computadores para pesquisas e
jogos educativos subiu de 72% para 79%” (Revista Época, 2007, p. 87).
A matéria prossegue com testemunho de crianças que usam a internet como
fonte de pesquisas, mas também faz um alerta que a internet não significa a solução
mágica para as dificuldades escolares das crianças. Aliás, ela traz uma importante
observação: “Hoje as crianças são alfabetizadas, ao mesmo tempo, na linguagem digital
e analógica” (Revista Época, 2007, p. 88). Mas, com base em tal observação, cabe um
questionamento: estão os professores preparados para a alfabetização digital,
concomitante com a alfabetização analógica?
Essa pergunta é importante, pois há, de um lado, uma verdadeira dicotomia entre
o que muitas escolas e professores podem oferecer em termos de conhecimento e
recursos tecnológicos, e, de outro lado, os anseios de uma geração que já nasceu
conectada.
Assim, o uso da tecnologia pode representar uma boa ferramenta pedagógica,
quando usada com esse intuito e com ações claramente direcionadas para tal fim, mas
representa também a necessidade de formação permanente de professores e educadores
que façam o bom uso desse ferramental. Quando falamos em formação permanente e
ferramental, queremos dizer que as boas práticas pedagógicas, como a possibilidade de
construção do conhecimento, o sócio interativismo e a concepção dialética da educação
devam ser abandonadas ou substituídas pelas novas tecnologias midiáticas. Ao
contrário, essas tecnologias devem ajudar no desenvolvimento e reforço de tais práticas,
pois, como nos ensina Demo (2006):
(...) “nossas tecnologias são maravilhosas, como o computador é
invenção fabulosa que passou a ser emblema de uma nova era. Mas
não é comparável ao que a mente humana é capaz de fazer, pelo
menos por enquanto”. (p.85).
Assim, precisamos entender que as tecnologia e novas mídias são, de fato,
“invenções fabulosas” (Demo, 2006) mas, que não superam a capacidade criativa da
mente humana.
No campo da atuação do professor diante da tecnologia, Demo (2002) nos
chama à reflexão, ao afirmar que:
(...) “Torna-se essencial torna-se essencial discutir e praticar
propostas pós-modernas de aprendizagem” (p.88).
O autor ainda faz um alerta e uma crítica à postura dos professores com relação
ao mundo da comunicação ao dizer que:
(...) “O mundo da comunicação não pode mais ser entendido sem
suas instrumentações eletrônicas, que absorvem, cada vez mais, a
função transmissiva do conhecimento (...) “Em vez de apenas
resistir, é melhor entrar no jogo, para poder influenciá-lo. Caso
contrário, simplesmente ficaremos de fora. A grande maioria dos
professores fica de fora” (Demo, 2002, p.88).
De fato, a preocupação do autor encontra ressonância com o anseio dos jovens
alunos, que desejam que sua linguagem e que as tecnologias disponíveis sejam
utilizadas na escola. O encarte semanal do jornal o Globo, Megazine, voltado para
jovens estudantes e vestibulandos, trouxe em 03 de abril de 2007 a seguinte matéria,
ouvindo alunos de escolas públicas e privadas da Cidade do Rio de Janeiro, “Dez
soluções para não dormir na sala de aula”. Uma das “soluções” apontada pelos alunos
era: “As escolas devem aproveitar melhor os seus recursos tecnológicos em sala de aula,
como aparelhos datashow e a lousa interativa. Devem ter laboratórios de informática
sempre abertos, para o aluno fazer pesquisas” (Megazine, 2007, p. 11).
Tirando o datashow e a lousa eletrônica, que apenas substituem com maior
eficiência as velhas transparências e o quadro, os alunos ouvidos demonstraram o desejo
de uma relação de busca do conhecimento “independente”, ao pedirem os laboratórios
de informática “sempre abertos, para o aluno fazer pesquisas”. Essa postura, como
vimos anteriormente nas palavras de Demo (2002), demonstra que, de fato, que a
transmissão do conhecimento, através das instrumentações eletrônicas, não depende
somente do professor.
Sobre a distância entre políticas públicas, escola, educadores e as expectativas
dos educandos, vamos transcrever parte da entrevista do professor e filósofo Pier Cesare
Rivoltella – especialista em Mídia e Educação da Universidade Católica de Milão -
disse, ao Rio Mídia em junho de 2007:
(...) “RIO MÍDIA - O acesso dos jovens às diferentes mídias é
homogêneo nos países pesquisados?
Pier Cesare Rivoltella - De certa forma sim. O único país que está
um pouco atrasado em termos de tecnologia, e portanto de acesso, é
a Grécia. A Estônia, por exemplo, é um dos países com maior
número de celulares conectados à internet. A Polônia também possui
elevados índices. Há dez anos, Portugal estava um pouco à margem,
mas hoje está na média dos demais. O fato que nos chamou a
atenção foi a falta de informação da juventude inglesa. Cerca de 45%
dos adolescentes afirmaram, por exemplo, que não sabiam o que era
um blog. Ficamos bastante surpreendidos com este resultado. É
impressionante. Afinal, a Inglaterra é vista e apresentada como um
país que investe pesado na interface entre mídia e educação. Há 20
anos, o Estado desenvolve programas escolares sobre o tema.
RIO MÍDIA - Então a que se deve este fato?
Pier Cesare Rivoltella - Em geral, os governos só se preocupam
com a oferta. Se preocupam apenas em oferecer acesso à mídia. As
políticas públicas pensam apenas em colocar máquinas nas escolas,
sem que os professores tenham formação específica na área, o que
poderia contribuir na constituição de conhecimentos e valores dos
jovens. Neste sentido, as ações do governo inglês espelham as de
toda a Europa.
RIO MÍDIA - Sendo assim, as escolas...
Pier Cesare Rivoltella - Não fazem nada. Estão atrasadas. Na Itália,
por exemplo, o Ministério da Educação proibiu o uso do celular na
sala de aula. Há uma cesta na entrada da sala, na qual os alunos
devem colocar seus aparelhos. Trata-se de uma medida pedagógica,
com o objetivo de dizer para a população que o governo está
cuidando das crianças e dos jovens. A decisão foi tomada em virtude
de alguns estudantes terem gravado no celular cenas de sexo entre
eles e divulgado na internet. Ou seja, em vez do Estado e das escolas
trabalharem o uso do aparelho, até mesmo como ferramenta de
ensino, proíbi-se o seu uso. As escolas estão trabalhando desta
forma: quando os alunos chegam à sala de aula, eles têm que deixar
o mundo do lado de fora”. (Rio Mídia, 2007, disponível em:
http://www.uff.br/obsjovem/mambo/index.php?option=com_content
&task=view&id=292&Itemid=9).
As palavras de Rivoltella (2007) na entrevista ganham uma dimensão
importante, ao revelar que, mesmo na Europa, há uma preocupação em prover as
escolas de equipamentos, sem, entretanto, prover os professores de formação específica
para a utilização das novas mídias como ferramental mediador do processo educativo.
Além disso, ele comenta sobre o desperdício do aproveitamento pedagógico do telefone
celular diante da decisão do Governo da Itália em proibir o uso desses aparelhos na
escola. Medidas semelhantes estão sendo adotadas em diversos Estados do Brasil.
Ainda em 2007, em entrevista à Revista Nova Escola, Rivoltella aforma que:
(...) “Uma das maiores características desse público (jovens
estudantes) é o que chamamos de uma disposição multitarefa. Ele
responde às mensagens do celular, ouve música no iPod, vê TV e
fala com os amigos no mensager – tudo ao mesmo tempo” (Revista
Nova Escola, 2007, p.16).
Prossegue o especialista:
“Os jovens de hoje são criados numa sociedade digital. Por isso,
educar para os meios de comunicação é educar para a cidadania”
(Id., p.16).
Nessa entrevista, o autor ainda defende que o tema mídia deve ser tratado em
sala de aula de forma transversal, pois a mídia relaciona-se com todas as outras áreas do
conhecimento. Por fim, ele alerta para o perigo da falta de uma relação dialógica entre
alunos e professores, pelo fato dos mesmos não compartilharem da mesma cultura
(digital).
Assim, finalizando este capítulo, observamos que tanto uma análise crítica da
educação com o uso de novas tecnologias, como a visão apresentada por Demo, quanto
uma visão predominantemente otimista de Rivoltella, encontram como ponto comum, a
fim de um melhor aproveitamento das mídias na educação, que é a preparação e
qualificação constantes do profissional da educação.
CAPITULO III
MÍDIA, CONSUMO E EDUCAÇÃO: UMA REFLEXÃO
3.1 – Educação e sustentabilidade
Como vimos no capítulo I desse estudo, a questão do consumo e do consumismo
passam, no âmbito da escola, por uma posição crítica e reflexiva sobre este modelo. Só
assim, poderemos buscar um ideal de sociedade mais justa, onde o dinamismo dos seus
processos de troca cause o mínimo de impacto possível. Trigueiro (2005) nos alerta que:
(...)“Precisamos desenvolver nossa capacidade de avaliar
criticamente as peças publicitárias para evitar a manipulação da
nossa liberdade de escolha. É necessário desenvolver nosso olhar
para ver o que está por trás dos produtos e serviços que
consumimos”. (p. 42)
E ainda:
(...) “As empresas devem compreender que a sustentabilidade –
entendida como viabilidade econômica, justiça social e conservação
ambiental-, somada à responsabilidade social empresarial, será
atributo considerado essencial, e não apenas diferenciador”. (Id., p.
43).
É importante, pois, traçar uma relação entre o que foi colocado pelo autor, onde
só teremos empresas com atuação e preocupação sustentável se, por outro lado, os
consumidores adotarem uma postura crítica com relação ao consumo.
É nesse sentido que a educação ganha um papel importante nessa discussão, pois
ela deve atuar diretamente na construção do pensamento crítico do educando, inclusive
com a capacidade de interpretar, por exemplo, a linguagem publicitária e de
compreender o impacto de sua atuação na sociedade enquanto consumidor. Atuação esta
que passa não só pela crítica, mas que exige, também, uma postura ética.
No tocante à educação ambiental, Carvalho (2003), nos fala da ética “da”
educação ambiental, onde é importante que se desenvolvam determinados valores
ambientais essenciais junto aos educandos, tais como: “o direito a vida; o
reconhecimento da relação dependência/interdependência para com o meio ambiente e o
respeito concretizado na conservação e utilização racional de seus recursos para as
gerações futuras” (Carvalho, 2003, p. 37).
O desenvolvimento dos valores preconizados por Carvalho ganha um papel
importante no desenvolvimento, não só da práxis educativa, mas da própria ação do
educando enquanto cidadão. Assim, temos o “fazer consciente” (Id., p.37), que garante
sustentabilidade às ações do educando, contrapondo-se ao “fazer pelo fazer” (Id., p.37)
que não se sustenta diante das dificuldades.
Assim, educação e sustentabilidade são temáticas que se complementam e se
interdependem, pois trilham os mesmos caminhos, quais sejam: o pensamento crítico, a
ética, a conscientização pela e para a ação. Ou seja, só poderemos pensar e agir para a
sustentabilidade, se oferecermos bases – sustentadoras – ao desenvolvimento crítico dos
educandos.
3.2 – Educação e interatividade: Em busca do “parangolé”
Numa das temáticas apresentadas no Capítulo II – onde abordamos sobre as
novas mídias e suas possibilidades no campo da educação -, Rivoltella (2007) nos fala
da disposição “multitarefa” dos jovens, capazes de exercer várias atividades –
interativas – ao mesmo tempo.
Sobre essa questão, o Jornal O Estado do Paraná, em sua edição de 03 de
fevereiro de 2008, publicou uma matéria intitulada “Tudo ao mesmo tempo agora”,
onde o comportamento “multitarefa” foi analisado. O ponto mais importante, na opinião
dos especialistas ouvidos na matéria, foi a possibilidade de interatividade entre os
jovens e os meios, deslocando, assim, o poder de transmissão de informação. Vejamos
alguns trechos da matéria:
(...) “Se os jovens, historicamente, sempre foram curiosos e
buscaram mais e mais informações, com a multiplicação das opções
da revolução digital – incluindo no balaio não só a internet, mas o
celular e outras traquitanas – a mídia saiu do controle de uma meia
dúzia de grandes conglomerados e, hoje, está nas mãos dos próprios
usuários. E a galera que conheceu a internet desde cedo ou que,
literalmente, cresceu com ela, faz uso intensivo de recursos como
blogs, serviços de compartilhamento de arquivos, sites de
comunicação pela rede, etc. “Se antes a televisão era quem reinava
no centro das atenções, hoje isso está muito mais disperso na vida
dos jovens”, explica José Calazans, pesquisador do IBOPE
Inteligência. “Esse público hoje, tem muito mais opções de acesso à
informação do que em qualquer outro momento da história. E ele
quer ter controle sobre o que vê e a hora em que vê.” (disponível em:
(http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?te
mp=5&proj=PortalIBOPE&pub=T&db=caldb&comp=IBOPE//NetR
atings&docid=82DA5F192255EB7283257402005FDE24)
Ainda na mesma matéria, sobre informação e interatividade:
(...) “Outra mutação é na forma como os jovens se informam. Hoje
não há mais receptores. O processo de comunicação se dá em mão
dupla: transmissão e recepção direta, pela web. Seja por blogs,
fotologs, sites de colaboração, como o Wikipedia ou o Digg. “Os
jovens que criam blogs, por exemplo, têm o ideal de virar
celebridades, ganhar reconhecimento. Para eles, aquela mídia antiga,
inalcançável, já não existe mais. As gerações antigas queriam se ver
na TV e não podiam. As novas, pela internet, podem”, diz Ana
Maria.
Por meio de blogs como esses, por exemplo, formam-se
comunidades de leitores/publicadores. “O jovem está muito
preocupado em participar de uma comunidade virtual, com pessoas
que compartilhem dos mesmos gostos”, diz Calazans. “Ele confia
muito mais nos membros desse grupo do que em jornais, por
exemplo. Por isso busca informações em blogs.” (disponível em:
http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?te
mp=5&proj=PortalIBOPE&pub=T&db=caldb&comp=IBOPE//NetR
atings&docid=82DA5F192255EB7283257402005FDE24).
Como vimos, a perspectiva de interatividade já está presente na cultura dessa
nova geração, não podendo, então, a escola e a educação ficarem de fora dessa
discussão, sob o risco de, como alertou Rivoltella (2007), criar-se um abismo entre
professores e alunos, por não compartilharem a mesma cultura, ou “cibercultura” (Lévy,
2007).
Para ilustrar a possibilidade da interatividade na sala de aula, Marco Silva (2000)
nos propõe a alegoria do Parangolé, inspirado na obra do Artista Plástico carioca Hélio
Oiticica (1937-1980), onde o conceito de arte interativa chegava ao extremo, pois o
público, vestindo um parangolé (uma espécie de manto, com tecidos sobrepostos), é
quem moldava a própria arte, numa interação total entre público e arte. Neste caso, o
expectador assume, ao interagir com ela, o papel de co-autor da arte.
É nessa direção que Silva (2000) define a atuação do professor, utilizando as
ferramentas tecnológicas como mediadoras do processo de aprendizagem, como quem
“propõe o conhecimento o conhecimento aos estudantes, como o artista propõe sua
obra potencial ao público” (p. 191). Dessa forma, o professor deixa de ser um mero
“transmissor” de conhecimento, dando a possibilidade do aluno ser “co-autor” da
produção desse conhecimento. Sobre isso Silva (2000) também destaca que:
“O aluno não está mais reduzido a olhar, ouvir, copiar e prestar
contas. Ele cria, modifica, constrói, aumenta e, assim, torna-se co-
autor, já que o professor configura o conhecimento em estados
potenciais” (Id., p. 191).
Assim, novas relações entre o saber se estabelecem fazendo com que professores
e alunos compartilhem os momentos de aprendizagem. É importante ressaltar também
que, mais uma vez, a capacitação do professor faz-se necessária. Mais do isso: exige-se
também uma mudança de postura do professor, que perde o “poder” de transmissor do
conhecimento.
Não poderíamos encerrar esta parte do capítulo, sem citar a visão de Pierre Lévy
sobre as possibilidades cognitivas no ciberespaço. Segundo o filósofo:
“(...) o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam,
exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas:
memória (bancos de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de
todos os tipos), imaginação (simulações), percepção (sensores
digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência
artificial, modelização de fenômenos complexos)” (p. 157).
Como vimos, a interatividade abre novas possibilidades no campo da educação,
da mídia e da comunicação, do desenvolvimento de novas capacidades cognitivas. Além
disso, enxergamos que há um deslocamento de poder – principalmente dos que
tradicionalmente detém a informação -, fazendo com que as informações e os
conhecimentos sejam compartilhados. Deixamos, então, uma indagação: os professores
e a escola - enquanto instituição - estão preparados para assistir a esse deslocamento de
poder?
3.3 – Subjetividade e individualismo
Não poderíamos encerrar um trabalho dedicado aos impactos do consumo e da
mídia sobre a educação – e, obviamente, sobre toda a sociedade -, sem deixar de tocar
no tema da subjetividade e do individualismo.
O discurso do individualismo pode ser considerado um discurso ideológico,
alinhado com o modelo neoliberal com o “evangelho do livre mercado” (Chomsky,
1991). Na verdade, um discurso que se baseia no desmantelamento do estado de bem
estar social, no “fim da história” preconizada pelo filósofo e economista Fracis
Fukuyama, e na desconstrução do sujeito, da subjetividade para o “triunfo do indivíduo”
e “a morte do coletivo” (Naisbit e Aburdene, 1990, pp. 349-350).
Assim, tivemos durante a última década do século XX e a primeira do século
XXI, a implantação e assimilação dessa ideologia, tomada como algo bom, onde, sem a
intermediação do Estado, empresas e consumidores poderiam auto-regular suas
relações.
O resultado dessa mudança foi captada pelo filósofo francês Giles
Lipovetsky (2005), ao afirmar que:
“(...) Depois da agitação política e cultural da década de 1960, que
ainda poderia aparecer como investimento de massa da coisa
pública, há uma desafeição generalizada que ostensivamente se
expande no social, tendo como corolário o refluxo dos interesses
para as preocupações puramente pessoais, e isso independentemente
da crise econômica. A despolitização e a “dessindicalização”
atingem proporções jamais vistas, a esperança revolucionária e a
contestação estudantil desapareceram, a contracultura se esgota,
raras são as causas ainda capazes de galvanizar as energias a longo
prazo”. (Lipovetsky, 2005, p. 32)
Com esse processo de despolitização ganhando grandes proporções, como fica o
papel da educação diante desse processo? É importante fazer este questionamento, pois,
como vimos, o ato de educar é um ato que envolve uma ação – política – e é, também,
um processo de construção coletiva e sócio-interativa. Será esta a dicotomia entre o ato
de educar e a os anseios (ou falta deste) da sociedade tecnológica pós-moderna?
É interessante observar – e ressaltar – que o modelo, hoje predominante, também
se construiu graças ao desenvolvimento e o acesso de novas tecnologias. Tecnologias
voltadas para o indivíduo e que ficam obsoletas em muito pouco tempo, alimentando,
assim, o desejo de se consumir mais e mais, gerando o que Lipovetsky (2008) define
como hiperconsumo:
“(...) Desde o fim dos anos 1970, enquanto a tecnologização
moderna dos lares é quase generalizada, desenvolveu-se seu
pluriequipamento, que significa a passagem de um consumo
ordenado pela família a um consumo centrado no indivíduo. Os
efeitos dessa multiplicação dos objetos pessoais são importantes,
podendo cada um, dessa maneira, organizar sua vida privada em seu
próprio ritmo, a despeito dos outros. Telefones celulares,
microcomputadores, multiplicação das telas de televisão, dos
aparelhos e som e máquinas fotográficas digitais: o
multiequipamento e os novos objetos eletrônicos da fase III
provocaram uma escalada na individualização dos ritmos de vida,
um hiperindividualismo consumidor concretizado em atividades
dessincronizadas, usos personalizados do espaço, do tempo e dos
objetos, e isso em todas as idades e em todos os meios.” (pp. 104-
105)
É interessante observar, entretanto, que tal movimento de individualização vem
acompanhado de uma hiper massificação da cultura, onde produções culturais voltadas
para o consumo massificado orientam tendências e estilos devida. Castoriardis (APUD
Bauman, 2009, p. 162) observa que “a sociedade democrática é uma enorme instituição
pedagógica, um lugar de irrefreável auto-educação dos seus cidadãos”. Entretanto, o
mesmo autor observa com tristeza uma situação surgida da cultura para as massas:
“(...) As paredes da cidade, os livros, os espetáculos e os eventos
educam – no entanto, agora eles parecem, principalmente, deseducar
os habitantes. Comparem as lições dadas aos cidadãos de Atenas
(mulheres e escravos incluídos) durante a representação das
tragédias gregas com o tipo de conhecimento que hoje é consumido
pelo espectador de Dinastia ou Perdue de vue” (Castoriardis apud
Bauman, 2009, p.p. 162-163).
Desse modo, não é difícil compreender por que esse mundo hiperindividualizado
encontra uma contraposição no meio escolar, onde espaço e tempo são compartilhados
por todos e, geralmente, as tecnologias individuais não são aceitas ou utilizadas,
gerando uma sensação de crise nos processos educativos. Para lançar luz a esta questão,
recorremos novamente a Bauman (2008) que observa o seguinte:
(...) “Sugiro que o avassalador sentimento de crise sentido de igual
forma pelos filósofos, teóricos e educadores, essa versão recorrente
do sentimento de “viver em encruzilhadas”, a busca febril por uma
nova identidade, tem pouco a ver com as faltas, erros e a negligência
dos pedagogos profissionais, tampouco com os fracassos da teoria
educacional. Estão relacionados com a dissolução universal das
identidades, com a desregulamentação e a privatização dos processos
de formação da identidade, com a dispersão das autoridades, a
polifonia das mensagens de valor e a subseqüente fragmentação da
vida que caracteriza o mundo em que vivemos – o mundo que
prefiro chamar de “pós-moderno”. (p. 163)
Podemos observar que, tanto na visão Castoriardis quanto na de Bauman (2008),
a dissolução do caráter auto-educativo dentro do contexto cultural da sociedade
democrática e do próprio papel da educação no âmbito de tais sociedades, tem o seu
curso desvirtuado por movimentos de cultura para as massas, que ajudam a produzir a
“dissolução das identidades e a fragmentação da vida”.
Dessa forma, mais uma vez precisamos ter a esperança de que a educação seja a
única alternativa viável para as sociedades, até pelo seu caráter de socialização, no
sentido de reencontrar o seu caminho. Pois somente o desenvolvimento de uma visão
crítica da ideologia predominante, o domínio das linguagens de comunicação e a
reconstrução de novas bases relacionais com a cultura, farão com que a sociedade
reencontre o seu caminho. Então, reconstruir a subjetividade é a melhor maneira de se
combater o individualismo. Reconhecer que devemos buscar despertar em cada um o
caráter de sujeito – ser pensante e histórico, dono de sua consciência no âmbito do
individual e do seu papel no âmbito da sociedade – que se contrapõe diretamente ao
conceito de “indivíduo”, ser apático, desarticulado e despolitizado, fruto da ideologia –
que paradoxalmente “desideologiza” – neoliberal.
Para encerrar este capítulo, deixamos a análise de José Fernando Kieling (2008)
sobre a visão de Paulo Freire (1921-1997) em relação a importância do sujeito e da
subjetividade nos processos sociais:
“(...) A exclusão dos outros da função de sujeitos facilita tratar as
coisas numa perspectiva “natural”, a-histórica, e afirmar igualmente
a “neutralidade” do homem frente à realidade, em termos de não
interferência no conhecimento e, de modo mais fascista ainda, de
impossibilidade do sujeito interferir e transformar a ordem das
“coisas”. (...)”
Prossegue o autor:
“(...) Onde se elimina o homem como sujeito do processo histórico,
perde-se uma dimensão que é central em Freire: a de que a relação
com o mundo se constitui num movimento constituído exatamente
pelas possibilidades diversas inseridas pela intervenção e
criatividade dos sujeitos” (Rodin e Zitkosky,2008, pp. 392-393).
Assim, fica o desafio para a educação na pós-modernidade: fazer com que o
homem se reencontre como sujeito de sua própria história, capaz de intervir com
criatividade na realidade que o cerca.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável que aspectos relativos à sociedade de consumo e à mídia têm um
impacto direto sobre a educação e na forma como esta deve se posicionar sobre tais
questões.
Dessa forma, não podemos pensar que o papel da educação seja neutro e passivo
diante das demandas da sociedade pós-moderna. Ao contrário, ela deve trabalhar de
forma transdisciplinar com o objetivo de despertar o conhecimento crítico entre os
educandos, de maneira que estes possam entender a complexidade da vida em sociedade
e em rede, a importância da sustentabilidade para o destino da própria humanidade, o
domínio crítico das diversas linguagens que surgem nos mais diversos tipos de mídia e
o resgate da subjetividade como condição do reencontro do homem como sujeito
histórico do seu destino.
Outro ponto que importante que abordamos neste trabalho é o papel da educação
para o consumo. Buscamos na abordagem deste assunto demonstrar a importância dos
processos educativos na construção de uma consciência crítica, voltada ao consumo
justo, ético e sustentável. Uma temática transversal que, certamente, interage com todos
os campos do conhecimento.
Além disso, é importante que os pensadores da educação estejam atentos para as
oportunidades que as novas mídias e tecnologias oferecem, de maneira que o processo e
boas práticas educativas sejam ampliados e mais aproveitados, sem deixar de ter - e
oferecer subsídios para – uma visão crítica sobre elas.
Sem pretender esgotar toda a complexidade que envolve a teia de relações entre
consumo, mídia e educação este trabalho pretendeu oferecer as mais diversas posições
sobre as temáticas apresentadas, tentando estabelecer uma rede de ligações e inter-
relações entre elas. Com tudo isso, tentamos propiciar uma visão crítica dos aspectos
positivos, negativos e contextuais sobre o consumo, a mídia e o papel da educação.
Não podemos, acerca dessas questões, deixar de concluir este trabalho sem citar
o pensamento de Paulo Freire, na sua Pedagogia da Esperança:
“O que me parece fundamental para nós, hoje, mecânicos ou físicos,
pedagogos ou pedreiros, marceneiros ou biólogos é a assunção de
uma posição crítica, vigilante, indagadora, em face da tecnologia.
Nem, de um lado, demonologizá-la, nem, de outro, divinizá-la”
(Freire, 1992, p.133).
ANEXOS
Índice de anexos
Anexo 1 >> Internet - Artigo: Mauro Santayanna – Jornal do Brasil; 52 Anexo 2 >> Internet - Entrevista: Susan Linn 54 Anexo 3 >> Internet - Entrevista: Pier Cesare Rivoltella .56
ANEXO 1 INTERNET Artigo de Jornal
Jornal do Brasil, quinta-feira, 04 de outubro de 2007, página 2, edição n° 117179. A EDUCAÇÃO E A LIBERDADE Mauro Santayana A DENÚNCIA, POR JORNALISTA CONHECIDO pelas suas posições, de que
determinado livro escolar de História trazia mensagem de esquerda, foi tiro de festim.
Como se informa, o livro foi adotado durante o governo anterior e retirado da lista do
MEC na administração atual. Há duas observações. Uma delas é a de que qualquer obra,
didática ou não, refletirá, com maior ou menor nitidez, as convicções ideológicas de seu
autor. Se a obra não refletir o pensamento de esquerda, refletirá o de direita. E, ao
contrário do que se pensa, esquerda e direita continuarão existindo na alma dos homens,
da mesma forma que existem no espaço geométrico. Há, no caso, a informação de que
estaria por detrás da denúncia uma editora espanhola, ligada (como tanta coisa em
nossos dias) à Opus Dei, organização de extrema direita e braço do fascismo espanhol
(que se rearticula, ali e em outros lugares). Há também o interesse econômico por
detrás. É interessante que o ministro de Educação do governo passado, Paulo Renato de
Sousa, seja hoje de acordo com as mesmas denúncias divulgadas consultor dessa
grande editora. E mais interessante ainda registrar que ele é deputado federal e também
membro da Comissão de Educação e Cultura. Em outros tempos, qualquer parlamentar
consideraria inadequada essa atividade dupla. Mas enfim, a cada tempo, sua ética. A
tout seigneur, tout honneur. A outra é sobre a missão da escola. A escola tem sido,
desde que a inventaram, instrumento da ordem estabelecida. Seu resultado é o de
reproduzir, nas gerações que chegam, a sociedade existente, com suas virtudes e seus
vícios. É, enfim, instituição conservadora. Há escolas religiosas e leigas. Qualquer seja
a sua orientação filosófica, as escolas buscam introduzir, nos alunos, as crenças de seus
professores, ou das forças predominantes na sociedade. A única garantia da formação
autônoma do cidadão é a pluralidade de idéias e autores. Por mais que o acusem, o
Estado é ainda melhor educador para a cidadania do que as instituições privadas. A
escola está perdendo a capacidade de ensinar a linguagem, o fantástico instrumento
simbólico que o homem criou em centenas de milhares de anos, a fim de comunicar-se e
de organizar o seu pensamento. Logo, não consegue estimular o pensamento lógico, que
se funda, de acordo com o léxico grego, na frase inteligível. Se o aluno é incapaz de
entender um texto escrito, pouco importa que o livro seja de esquerda ou de direita. Ele
não conseguirá comunicar-se, seja falando ou escrevendo. Os professores das escolas
públicas, mal remunerados, mal equipados e, pior, mal preparados não conseguem
fazer corretamente o seu trabalho. Disso sabem alguns pais, que, com fundamento na
ética de que outros carecem, exigem, na Justiça, a repetência dos filhos: reconhecem
que seus filhos não podem ser promovidos. O ensino se encontra submetido à
administração do capitalismo, que cria escolas de excelência, públicas e privadas, a fim
de reproduzir as elites dirigentes. Outras escolas, privadas, se dedicam a explorar o
sonho de crescimento dos pobres. Desde os governos militares, estamos, no Brasil,
criando escolas para fornecer licenças de trabalho, com a ilusão de que os diplomas
conferem saber. Os exames da Ordem dos Advogados demonstram que grande parte dos
formados em direito são incapazes de expressar corretamente uma idéia. De qualquer
forma é inaceitável, além de impossível, limitar a liberdade dos professores. A escola é
uma atividade humana, em que adultos ensinam às crianças os símbolos e os
instrumentos para o convívio social, conforme sua própria experiência.
http://ee.jb.com.br/reader/default.asp?ed=952
ANEXO 2 INTERNET – Entrevista
Envie esta notícia por e-mail
24/09/2008 - 11h17
Professora de Harvard vê risco em anúncios voltados para criança
A publicidade e o marketing para as crianças, atualmente, estão entre os principais fatores que levam a distúrbios alimentares --como a obesidade e a anorexia--, à sexualização precoce, a comportamentos agressivos e a problemas familiares. O alerta é da professora e pesquisadora de Harvard, a americana Susan Linn, que está no Brasil para o 2º Fórum Internacional Criança e Consumo --que termina amanhã. "Hoje, elas [as crianças] são bombardeadas por uma série de estímulos para que consumam cada vez mais", afirma. De acordo com a pesquisadora de Harvard, em 1983, o gasto com publicidade voltada para crianças nos Estados Unidos era de US$ 100 milhões por ano. Atualmente, afirma Linn, esses valores chegam a US$ 17 bilhões por ano. Em entrevista à Folha, a especialista conta sobre os impactos da propaganda sobre crianças e adolescentes. FOLHA - Qual o impacto da propaganda na vida das crianças? SUSAN LINN - O marketing está relacionado à saúde pública e a problemas sociais. Ele não é a causa [única desses problemas], mas é um fator e leva a distúrbios de alimentação, à sexualização, a problemas relacionados com a violência juvenil e também a problemas familiares. Segundo pesquisas, as crianças que têm mais valores voltados para o lado material [que associam a felicidade à aquisição de produtos] são menos felizes. FOLHA - O fórum foca a relação entre a propaganda para crianças e a necessidade de redução do consumo, ampliando o debate -antes muito focado nos impactos no indivíduo. Por que essa mudança? LINN - Hoje em dia, qualquer pessoa precisa estar preocupada com a saúde do planeta e com o aquecimento global. Quem tem esse tipo de preocupação tem que estar atento ao consumo, porque é ele que tem que mudar. Isso está muito claro. Os hábitos começam com a criança e hoje em dia elas são bombardeadas por uma série de estímulos para que consumam cada vez mais. FOLHA - Por que é importante discutir a publicidade para crianças? LINN - Nos Estados Unidos, em 1983, gastava-se US$ 100 milhões por ano em marketing voltado para crianças. Hoje em dia, os gastos nessa área já chegam a US$ 17 bilhões por ano. É um aumento de 170 vezes em um período de 25 anos. Isso somado a uma combinação de mídia extremamente sofisticada para fazer todo esse marketing. FOLHA - Como se pode estabelecer um diálogo entre empresas e governo para a regulação? LINN - As corporações sempre vão brigar por seus interesses, mas, por outro lado, precisa haver o compromisso com a saúde pública. Sempre vai haver o conflito entre esses dois lados. Uma das coisas que o país precisa fazer é tomar uma decisão sobre qual a importância da criança. Países como a Suécia decidiram valorizar a criança e por isso têm todo um trabalho relacionado à televisão e à regulamentação das propagandas.
O que acontece é que a sociedade como um todo não está fazendo isso. Ela optou por não valorizar as crianças. http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2008/09/24/ult4733u22429.jhtm
ANEXO 3 INTERNET Entrevista
Pesquisa revela consumo dos jovens europeus http://www.uff.br/obsjovem/mambo/index.php?option=com_content&task=view&id=292&Itemid=9
Por Rio Mídia 30 de June de 2007
"As escolas estão trabalhando desta forma: quando os alunos chegam à sala de aula, eles têm que deixar o mundo do lado de fora", Pier Cesare Rivoltella
De janeiro de 2005 a junho de 2006, universidades, governos e associações de nove países europeus – Bélgica, Dinamarca, Estônia, França, Grécia, Itália, Polônia, Portugal e Inglaterra – realizaram uma megapesquisa para conhecer o consumo ‘midiático’ dos jovens. Foram
entrevistados 7.393 adolescentes, dos 12 aos 18 anos. Uma das principais conclusões do estudo é a de que a juventude européia está cada vez mais distante da televisão, ocupando boa parte de seu tempo com a internet.
Em entrevista ao RIO MÍDIA, o professor Pier Cesare Rivoltella, um dos coordenadores da pesquisa, diz que a realidade dos adolescentes europeus não é tão diferente da dos jovens brasileiros dos grandes centros urbanos. À frente do recém criado Centro de Pesquisas em Mídia Educação da Itália (Cremit), Rivoltella destaca ainda que os governos dos países analisados estão longe de entender a real necessidade de apostar e de investir na formação de um novo profissional: o mídia educador.
Confira, a seguir, a entrevista que Rivoltella concedeu à equipe do RIO MÍDIA, na sede da MULTIRIO. No último mês de maio, o professor esteve no Rio de Janeiro participando de uma série de encontros na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), com a qual desenvolve projetos de intercâmbio de estudos.
Acompanhe:
RIO MÍDIA - Quais são os principais resultados da pesquisa?
Pier Cesare Rivoltella - Há dados interessantes. Por exemplo, quase todos os adolescentes europeus têm, pelo menos, um celular. De acordo com a pesquisa, 95% dos jovens, de 12 a 18 anos, têm o seu próprio aparelho. Na Itália, em média, as crianças são presenteadas com celular aos oito anos de idade. Observamos também que os jovens fazem uso da internet como uma forma de prolongar as relações sociais já estabelecidas no mundo real. Na prática, eles não vão para a web para conhecer outras pessoas. Normalmente, eles acessam à rede para dar continuidade às relações do presente. Percebemos ainda que os consumos midiáticos são bastante parecidos entre as meninas e os meninos. A única diferença significativa envolve os jogos eletrônicos: 55% dos meninos jogam habitualmente contra 43% das meninas. A ferramenta menos utilizada pelos jovens é o blog. A taxa é de 20%, exceto na Bélgica, que chega à casa dos 38%. E, a exemplo do que acontece aqui no Brasil, os jovens estão deixando a televisão de lado. A presença da TV ainda é significativa, mas há indícios de que ela já não mais ocupa todo o tempo livre dos adolescentes. Outro dado revelador é que a tecnologia está
presente em todos os lugares. Sua presença é homogênea, seja nos grandes centros urbanos ou no interior dos países.
RIO MÍDIA - O acesso dos jovens às diferentes mídias é homogêneo nos países pesquisados?
Pier Cesare Rivoltella - De certa forma sim. O único país que está um pouco atrasado em termos de tecnologia, e portanto de acesso, é a Grécia. A Estônia, por exemplo, é um dos países com maior número de celulares conectados à internet. A Polônia também possui elevados índices. Há dez anos, Portugal estava um pouco à margem, mas hoje está na média dos demais. O fato que nos chamou a atenção foi a falta de informação da juventude inglesa. Cerca de 45% dos adolescentes afirmaram, por exemplo, que não sabiam o que era um blog. Ficamos bastante surpreendidos com este resultado. É impressionante. Afinal, a Inglaterra é vista e apresentada como um país que investe pesado na interface entre mídia e educação. Há 20 anos, o Estado desenvolve programas escolares sobre o tema.
RIO MÍDIA - Então a que se deve este fato?
Pier Cesare Rivoltella - Em geral, os governos só se preocupam com a oferta. Se preocupam apenas em oferecer acesso à mídia. As políticas públicas pensam apenas em colocar máquinas nas escolas, sem que os professores tenham formação específica na área, o que poderia contribuir na constituição de conhecimentos e valores dos jovens. Neste sentido, as ações do governo inglês espelham as de toda a Europa.
RIO MÍDIA - Sendo assim, as escolas...
Pier Cesare Rivoltella - Não fazem nada. Estão atrasadas. Na Itália, por exemplo, o Ministério da Educação proibiu o uso do celular na sala de aula. Há uma cesta na entrada da sala, na qual os alunos devem colocar seus aparelhos. Trata-se de uma medida pedagógica, com o objetivo de dizer para a população que o governo está cuidando das crianças e dos jovens. A decisão foi tomada em virtude de alguns estudantes terem gravado no celular cenas de sexo entre eles e divulgado na internet. Ou seja, em vez do Estado e das escolas trabalharem o uso do aparelho, até mesmo como ferramenta de ensino, proíbi-se o seu uso. As escolas estão trabalhando desta forma: quando os alunos chegam à sala de aula, eles têm que deixar o mundo do lado de fora.
RIO MÍDIA - Neste cenário, como os pais se colocam?
Pier Cesare Rivoltella - Os pais não estão interessados nos consumos midiáticos dos filhos. Se preocupam apenas com o tempo com que seus filhos passam com a mídia, passam na frente das telas. Os responsáveis não estão preocupados com os conteúdos. Na prática, observamos que os pais não estão sabendo lidar com a recepção que seus filhos fazem da mídia. Nas entrevistas que realizamos, os jovens falam que gostariam de ter relações significativas com os adultos sobre os consumos midiáticos que fazem. Gostariam de conversar, de trocar idéias...
RIO MÍDIA - No Brasil, discute-se muito se é dever do Estado promover uma classificação indicativa dos programas de TV, vinculando o conteúdo às faixas etárias e horárias. Este debate existe na Itália?
Pier Cesare Rivoltella - Na Itália, a classificação indicativa é compreendida como uma medida educativa, mas a questão é cheia de controvérsias e de amplos debates e problemas. A classificação indicativa é feita pela própria emissora, pelo programista, que tem como critério o código de auto-regulamentação elaborado pelos canais. Para fiscalizar, há uma agência reguladora do governo que avalia se as classificações atribuídas pelas emissoras estão condizentes com o código. Na TV italiana, há três tipos de classificação: sinal vermelho, programas para adultos; sinal amarelo, programas que podem ser vistos por crianças e jovens, desde que acompanhados; e sinal verde, programas livres.
RIO MÍDIA - Então a classificação indicativa também é um tema polêmico na Itália?
Pier Cesare Rivoltella - Sim, porque a autoclassificação e a fiscalização não são feitas por profissionais especializados. Este é o espaço que deveria ser ocupado pelo mídia educador. Defendo isso. As pessoas estão percebendo que a questão da mídia e educação não está mais limitada à escola. As emissoras, como qualquer empresa, deveriam ter em seus quadros um ou mais especialistas na interface mídia e educação.
Entrevista concedida a Marcus Tavares
Foto - Alberto Jacob
Publicado originalmente no Rio Mídia
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Edições 70; 1991.
_______________ Simulações e Simulacros. Lisboa: Relógio d´Água, 1991.
BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade Individualizada – Vidas Contadas e Histórias
Vividas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
_______________ Vida para o Consumo – A Transformação das Pessoas em
Mercadoria. Rio de Janeiro, Jorge Zahar: 2008.
_______________ Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
BOFF, Leonardo. Ètica da Vida. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.
CHAUI, Marilena. Simulacro e Poder – Uma análise da Mídia. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2006.
CHOMSKY, Noam. O Lucro ou as Pessoas? Neoliberalismo e Ordem Global. Rio de
Janeiro: Bertran Brasil, 2006.
DEMO, Pedro. Formação Permanente e Tecnologias Educacionais. Petrópolis: Vozes,
2006.
_______________ Ironias da Educação – Mudança e Contos Sobre Mudança. Rio de
Janeiro: DP&A: Fase, 2002. 2ª edição.
_______________ Sociologia da Educação – Sociedade e Suas Oportunidades. Brasília:
Plano Editora, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança – Um reencontro com a pedagogia do
oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, 13ª edição.
FRETEL, Afonso Cotera e SIMONCELLI-BOURQUE, Eloïse. O Comércio Justo e o
Consumo Ético. Rio de Janeiro: DP&A: Fase, 2003.
GURESCHI, Pedrinho A. e BIZ, Osvaldo. Mídia, Educação e Cidadania – Tudo o que
você deve saber sobre a mídia. Petrópolis: Vozes, 2005.
KLEIN, Naomi. Sem Logo – A tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de
Janeiro: Record, 2008.
KOTLER, Philip. Administração de Marketing. São Paulo: Prentice Hall, 2000.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Palo: Ed. 34, 1999.
LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio – Ensaios Sobre o Individualismo
Contemporâneo. Barueri: Manole, 2005.
_______________ A Felicidade Paradoxal – Ensaio Sobre a Sociedade de
Hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letra, 2007.
MACHADO, Carly Barboza ...(etal). Educação Ambiental Consciente. Rio de Janeiro:
WAK, 2003.
NAISBITT, Jonh e ABURDENE, Patrícia. Megatrends 2000 São Paulo: Amana-Key,
1990.
PENA-VEGA, Alfredo. O Despertar Ecológico – Edgar Morin e a Ecologia Complexa.
Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
R. GOSCINNY; A UDERZO. Obelix e Companhia. Rio de Janeiro: Record, 2002.
RODRIGUES, Edgar. Alvorada Operária. Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1979.
SILVA, Marco. Sala de Aula Interativa. Rio de Janeiro, Quartet, 4ª Ed. 2006.
STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (org). Dicionário Paulo
Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
TRIGUEIRO, André. Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta
em Transformação. São Paulo: Globo, 2005.
Revistas e Jornais.
Carta Capital nº 464. São Paulo: Confiança, 03 de Outubro de 2007.
Época nº 486. São Paulo: Globo, 10 de Setembro de 2007.
_____ nº 488. São Paulo: Globo, 24 de Setembro de 2007.
Jornal do Brasil, quinta-feira, 04 de outubro de 2007, página 2, edição n° 117179
Nova Escola nº 200. São Paulo: Ed. Abril , março 2007.
O Globo – Encarte Megazine. Rio de Janeiro: O Globo, 03, de abril de 2007.
Webgrafia
Ø Artigo do Jornalista Ali Kamel: http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2007/10/01/
297958192.asp
Ø http: // www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm
Ø http://diplo.uol.com.br/2008-03,a2264
Ø http://ee.jb.com.br/reader/default.asp?ed=952
Ø http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2008/09/24/ult4733u22429.jhtm
Ø http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/Projeto.aspx
Ø http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalI
BOPE&pub=T&db=caldb&comp=IBOPE//NetR
Ø http://www.institutorecriando.org.br/ler.asp?id=6225&titulo=Noticias
Ø http://www.uff.br/obsjovem/mambo/index.php?option=com_content&task=view&id=2
92&Itemid=9
Ø Projeto de Lei 5921/01, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/proposicoes/chamadaExterna.html?link=http://ww
w.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=43201
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTO 03
DEDICATÓRIA 04
RESUMO 05
METODOLOGIA 06
SUMÁRIO 07
INTRUDUÇÃO: Consumo, Mídia e Educação 08 CAPÍTULO I Consumo: O paradigma do mercado e seus impactos na educação. 10 1.1– Dos perigos da não formação para o consumo 10 1.2– O papel da Educação na construção do consumidor consciente 17
CAPÍTULO II Mídia e Educação: Desafios e Oportunidades 27 2.1 – Mídia Tradicional e seus Simulacros 27 2.2 – Novas mídias e suas oportunidades na Educação 34 CAPITULO III Mídia, Consumo e Educação: Uma Reflexão. 40 3.1 – Educação e sustentabilidade 40 3.2 – Educação e interatividade Em busca do “parangolé” 41 3.3 – Subjetividade e individualismo 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS 49
ANEXOS 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 59
ÍNDICE 62
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Instituto A Vez do Mestre
Título da Monografia: “SOBRE CONSUMO E MÍDIA: IMPACTOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES NA EDUCAÇÃO”
Autor: André Luiz de Almeida Davila
Data da entrega: 14 de dezembro de 2008.
Avaliado por:__________________________________ Conceito:____________
Top Related